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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Voltar atrás?

1) O verbo voltar significa ir ou vir de um ponto para outro local onde antes se esteve. Exs.: I) "Voltou ao início da página"; II) "Voltou a Paris depois de muitos anos"; III) "Voltou ao seu humilde lugar". 2) Ao contrário do que possa parecer, contudo, voltar não implica necessariamente considerar um ponto físico que esteja posto atrás da pessoa considerada, mas tem um conteúdo semântico de modificação, de alteração de posição. 3) Por isso, não há erro algum a se apontar na expressão voltar atrás, mesmo que seja com o significado de desfazer o que foi feito, ou arrepender-se, ou desistir, como é de fácil constatação em nossos melhores escritores, emprego esse que conta com o respaldo de nossos gramáticos. Exs.: I) "Pressionado pela opinião pública, o governo voltou atrás e revogou o decreto" (Domingos Paschoal Cegalla)1; II) "Palavra de alfageme não volta atrás" (Rebelo da Silva)2; III) "Não havia meio de fazê-lo voltar atrás" (José de Alencar)3. 4) Anota-se, adicionalmente, porém, quanto à expressão voltar para trás, que Domingos Paschoal Cegalla, sem explicar os motivos da condenação, afirma ser essa uma "redundância inaceitável", a qual, por conseguinte, "deve ser evitada".4 ___________ 1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 415. 2Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed. 16. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 602. 3Cf. JUCÁ (Filho), Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed., 2ª tiragem. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963, p. 662/663. 4Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 415.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sob número 37 ou sob o número 37?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Nomes de pessoas: como escrever?

1) As leis de ortografia - que também norteiam a escrita dos nomes próprios de pessoas - mandam que se escreva Antônio, Luís, Mateus, Rui, e não Antonio, Luiz, Matheus ou Ruy. 2) Veja o que a esse respeito determina, desde 1943, com força de lei, o Formulário Ortográfico, elaborado pela Academia Brasileira de Letras: "Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns". 3) Vale dizer: como qualquer outra palavra da língua, os nomes próprios sujeitam-se às regras normais de ortografia e de acentuação gráfica, têm sua forma correta de grafar. 4) Assim, Antônio, Cláudia, Sílvia e Sônia se acentuam, porque são paroxítonas com ditongo na última sílaba; Teófilo, porque é proparoxítona; Amílcar, porque é paroxítona terminada por r, como revólver; Aírton, porque é paroxítona terminada por n, como hífen; Taís, porque nela aparece o i tônico, seguido de s na mesma sílaba, formando hiato com a vogal anterior. 5) Nesse sentido, assim determina o mesmo Formulário Ortográfico: "Para salvaguardar direitos individuais, quem o quiser manterá em sua assinatura a forma consuetudinária. Poderá também ser mantida a grafia original de quaisquer firmas, sociedades, títulos e marcas que se achem inscritos em registro público". 6) Se alguém, todavia, teve seu nome registrado com uma grafia incorreta, abrem-se-lhe duas saídas: pode usá-lo como aparece nos documentos, como tem sido mais usual; ou pode solicitar-lhe a correção, quer ao próprio responsável pelo serviço de registro de pessoas naturais, quer ao Juiz de Direito, na hipótese de recusa daquele. 7) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante, por fim, fazem importante e oportuna observação: "A grafia dos nomes de todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações feitas após a morte dessas pessoas".1 8) De Arnaldo Niskier também é lição nesse sentido, para o nome dessas pessoas: "passando desta para a melhor, a norma é escrever seus nomes de acordo com as regras ortográficas", razão pela qual "um Antonio Luiz só o será em vida: depois da morte passará a ser, portuguesmente, Antônio Luís".2 _______ 1Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 42. 2Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 45.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Vírgula na escrita e pausa na fala coincidem?

1) Quanto aos fatos, vamos ater-nos ao seguinte trecho do exemplo trazido para análise: "A disputa travada entre estudantes, professores e bibliotecários contra editores por conta de cópias de livros, é um dos assuntos..." O que se quer saber é se está correta a vírgula após o vocábulo livros. 2) Em termos de realidade gramatical, vamos fixar alguns princípios básicos e desfazer alguns mal-entendidos comuns no assunto: I) a vírgula não serve sempre para marcar pausas na fala, embora seja comum que pausas e vírgulas coincidam; II) ou seja: há pausas na fala que não correspondem a vírgulas na escrita; III) de igual modo, há vírgulas que não correspondem necessariamente a pausas na fala. 3) Por outro lado, o emprego correto da vírgula exige alguns conhecimentos mínimos da estrutura sintática do trecho a ser pontuado, o que, no caso concreto, significa observar, em termos práticos: I) "A disputa... é um dos assuntos..." é a oração principal; II) travada é um verbo que está no particípio passado e forma uma oração reduzida de particípio; III) exatamente por ser forma reduzida de oração, travada pode ser estendida para que se travou ou que foi travada; IV) quando se analisa a forma estendida de tal oração, verifica-se que o que é um pronome relativo, de modo que a oração por ele iniciada é uma oração subordinada adjetiva; V) em termos de estrutura, "a disputa... é um dos assuntos..." é a oração principal, e "... travada entre estudantes, professores e bibliotecários contra editores por conta de cópias de livros" é a oração subordinada adjetiva, que se intercala entre os termos daquela; VI) assim, a vírgula discutida está entre o fim de uma oração subordinada adjetiva e a oração principal em que aquela se intercalou. 4) Ora, as orações subordinadas adjetivas podem ser de duas espécies: explicativas e restritivas (o que não precisa ser aprofundado na hipótese analisada). As explicativas sempre têm vírgulas em seu começo e em seu final. Já as adjetivas normalmente não são separadas da principal por vírgula. Se, porém, têm uma extensão considerável, as restritivas podem ter vírgula em seu final. 5) No caso, se fosse explicativa, a oração adjetiva teria vírgula em seu final. Se fosse restritiva (e ela o é), também poderia ter vírgula, já que tem significativa extensão. 6) Em resumo, respondendo especificamente à questão, está correta a vírgula após o vocábulo livros. 7) Esclarece-se que, até porque não é o objeto da questão, não se analisam outros aspectos de pontuação no texto.
quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Assessoria técnica-jurídica ou técnico-jurídica?

1) Numa expressão como a que é trazida para análise, tem-se um substantivo (assessoria) que recebe a qualificação de dois adjetivos (técnica e jurídica). 2) Quando dois adjetivos qualificam um substantivo ao mesmo tempo, é comum e correto que tais adjetivos venham unidos por hífen: tratado luso-brasileiro, parecer técnico-jurídico. Mas nada impede que estejam separados, de modo que são igualmente corretas as seguintes expressões: tratado luso e brasileiro, parecer técnico e jurídico. 3) Quando dois adjetivos unidos por hífen se referem a um mesmo substantivo, tecnicamente se tem o que se denomina um adjetivo composto, o qual possui um modo próprio de variar em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural). 4) Num adjetivo composto, o primeiro elemento é sempre invariável, e o segundo elemento só varia para o plural ou feminino, quando ele próprio é um adjetivo. Exs.: tratado luso-brasileiro, convenção luso-brasileira, tratados luso-brasileiros, convenções luso-brasileiras.1 E ainda: olho castanho-claro, cabeleira castanho-clara, olhos castanho-claros, cabeleiras castanho-claras, assessor técnico-jurídico, assessoria técnico-jurídica. 5) Explicite-se, ademais, que, se o segundo elemento do adjetivo composto não é um adjetivo, fica invariável a expressão toda. Exs.: vestuário verde-oliva, farda verde-oliva, vestuários verde-oliva, fardas verde-oliva. 6) De modo específico para a indagação trazida, veja-se o que é correto e o que não o é: I) assessoria técnico-jurídica (correto); II) assessoria técnica-jurídica (errado). Também estariam corretas as expressões assessor técnico e jurídico e assessoria técnica e jurídica. _______ 1Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979, p. 48.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Especial a você?

1) Quando se indaga se está correta a expressão "especial a você", deve-se, por primeiro, observar os seguintes aspectos: I) a expressão a você completa o vocábulo especial; II) especial é um adjetivo; III) assim, em última análise, quer-se saber qual preposição o adjetivo especial está a exigir no caso concreto. 2) Em termos de relacionamento entre as palavras na frase, ou de sintaxe (do grego sin = conjunto + taxe = construção), perquirir sobre a preposição que exige, na estrutura, um adjetivo (gramaticalmente um nome) é assunto de um capítulo da Gramática denominado regência nominal. 3) Em nosso idioma, as questões de construção, ou seja, de sintaxe, são solucionadas pela consulta ao uso que nossos melhores autores, desde Camões (1524-1580), fizeram do idioma pátrio. E a expressão melhores autores deve ser entendida aqui como aqueles escritores que empregaram o vernáculo com apuro e zelo. 4) Buscar, porém, na obra literária dos nossos melhores autores o modo como eles empregaram a regência do adjetivo especial é como procurar agulha em palheiro. 5) Isso, porém, não é necessário, pois estudiosos e gramáticos já realizaram estudos nesse sentido, compilaram milhares de exemplos e sistematizaram, em dicionários preciosos, grande parte da sintaxe de vocábulos dessa natureza. 6) Para o caso da consulta, Francisco Fernandes colheu o seguinte exemplo: "Consagraram, no seu idioma, um vocábulo especial a exprimir o respeito e lealdade da nação à coroa" (Rui Barbosa).1 7) Em mesmo escritor, Celso Pedro Luft também encontrou este emprego: "Fato fisiológico especial ao outro sexo" (Rui Barbosa).2 8) De modo específico para a indagação trazida pelo leitor, é correta a regência nominal empregada no exemplo: "Alguém muito especial a você passa a fazer parte..." ______ 1Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, p. 186. 2Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 216.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Microssistema, micro-sistema ou microsistema?

1) Anota-se, por primeiro, que a questão do emprego do hífen encontra-se regulamentada em nosso idioma pelo Formulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras, publicado em 1943, até hoje sem alterações oficiais. 2) Esclarece-se, ao depois, que, ao regulamentar a questão, a ABL o fez por delegação legal, de modo que as regras por ela editadas sobre o assunto - independentemente de seu acerto ou desacerto - são a lei em vigor e, portanto, de obrigatória obediência. 3) Observa-se, ainda, que as regras oficiais para o emprego do hífen são 23 ao todo, e são de tal modo complexas, que se torna necessário decorá-las, ou ter sempre à mão material suficiente para dirimir dúvidas. 4) Com essas ponderações, especifica-se que o Formulário Ortográfico, em seu item 45, assim determina: "Só se ligam por hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da composição, isto é, os elementos das palavras compostas que mantêm a sua independência fonética, conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita unidade de sentido". 5) No caso, mesmo que se considere micro um elemento de palavra composta, não parece que ele mantenha a noção de composição, com independência fonética. 6) Fixada a premissa de que não se emprega o hífen no caso sob análise, passa-se ao item 22 do Formulário Ortográfico: "Duplicam-se o r e o s todas as vezes que a um elemento de composição terminado em vogal se segue, sem interposição do hífen, palavra começada por uma daquelas letras: albirrosado, arritmia, altíssono, derrogar, prerrogativa, pressentir, ressentimento, sacrossanto, etc." 7) É o que se dá no caso da consulta: micro e sistema se unem sem interposição de hífen, mas micro termina em vogal, e a palavra seguinte principia por s, o que acarreta a necessidade de dobrar tal consoante: assim, microssistema, e não micro sistema, micro-sistema ou microsistema. 8) Aliás, uma atenta leitura ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa mostra que vocábulos começados por micro não são escritos com hífen, com exceção daqueles principiados por h, em razão do fato de que, com exceção de lh e nh (e Bahia), não se grafa tal letra no meio de uma palavra: assim, micro-história, mas microanálise, microbiologia, microcâmara, microdecisão, microeconomia, microonda, microônibus, microrregião, microssaia, microssulco.1 __________ 1Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 520/522.
quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Campus

1) Trata-se de palavra latina, vinda até nós pelo inglês, com o significado de conjunto de edifícios e terrenos de uma universidade. 2) Quanto a sua ortografia, se se considera a palavra já incorporada a nosso idioma, deve ela, pelas regras que norteiam as paroxítonas, receber acento circunflexo no a (câmpus); se, contudo, ainda se reputa o vocábulo pertencente ao latim, então não se emprega o acento gráfico, que não existia naquele idioma, mas, em compensação, de rigor são ao aspas - que têm como uma de suas finalidades envolver palavras estrangeiras usadas entre nós - ou então itálico, negrito, sublinha, ou grifo equivalente, indicador de tal circunstância. 3) Quanto a seu plural, tendo-a como de nossa língua, faz-se ele com a simples alteração do artigo (o câmpus, os câmpus), como em bônus e vírus; considerando-a latina, entretanto, não se lhe põe acento, que não existia no latim, e seu plural será campi. 4) São assim as observações de José de Nicola e Ernani Terra a esse respeito: "sem acento por se tratar de palavra latina. O plural é campi".1 5) Domingos Paschoal Cegalla aconselha a que se prefira, no singular, a forma aportuguesada câmpus e que se lhe dê por plural os câmpus, àsemelhança de bônus, ônibus e ônus.2 6) O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão oficial para definir quais os vocábulos que integram nosso léxico, considera tal palavra ainda integrando o latim, e a registra, portanto, sem acento (campus), dando-lhe por plural campi,3 devendo ser essa, assim, oficialmente, sua grafia, até por força do princípio de que essa é a lei (legem habemus). 7) Uma atenta leitura da quarta edição do VOLP (edição 2004) mostra que ele não repete a observação da edição anterior e não faz sequer constar a palavra campus, circunstância essa que obriga concluir que tal vocábulo continua pertencendo ao latim, e não ao nosso léxico, de modo que persistem integralmente as observações aqui formuladas. 8) Apenas em termos científicos, contudo, é de se anotar que o plural latino, em uma análise acurada, deveria ser evitado a qualquer custo, até porque, na língua mãe, os substantivos eram declinados, sendo diversas as terminações, conforme a função sintática por eles desempenhada: campi (sujeito), camporum (adjunto adnominal), campis (objeto indireto), campos (objeto direto). 9) Em outras palavras, não haveria como usar hoje pela metade o vocábulo em latim: ou se considera o termo já integrado ao nosso idioma para todos os efeitos, também para sua acentuação gráfica e sua flexão para o plural; ou se lhe confere feição e regime latinos em plenitude, hipótese em que terá ele uma específica terminação, de acordo com a função sintática que a palavra desempenhar na oração, proceder esse que, além de muito estranho, é simplesmente inviável ao usuário médio do idioma, que nem mesmo teve acesso aos rudimentos da língua de origem do vocábulo. 10) E, quanto ao aspecto de integrar nosso léxico como neologismo, não se há de olvidar que, antes do uso de tal vocábulo, não havia em nosso idioma palavra específica que designasse o conjunto de prédios e terrenos de uma universidade, situação essa que justifica plenamente seu emprego como tal. 11) Desse modo, sua integração ao nosso léxico bem poderia ser total, quer para dispensar as aspas, quer para receber o acento gráfico, quer, ainda, para ter seu plural formado como as demais palavras similares de nosso idioma. 12) Em termos práticos, portanto, o melhor seria dizer e escrever: "Os câmpus de nossas universidades têm-se desenvolvido ao longo desses anos". 13) Nesse sentido, vale lembrar a lição de Silveira Bueno, ministrada a um consulente que lhe indagava qual a melhor maneira de formar, em nosso idioma, o plural da palavra memorandum: "As palavras estrangeiras podem ter dois usos em nossa língua: ou o snr. conserva a forma originária da língua donde provém o termo, ou aplica às palavras as regras comuns de português. Se o snr. seguir a primeira forma, deverá dizer no plural: memoranda - que este é o plural de memorandum em latim. Se o snr. seguir a segunda maneira, dirá memorânduns, porque, em português, os nomes terminados em m fazem o plural mudando o m em ns".4 14) E não é só: não parece haver coerência na postura do Vocabulário Ortográfico, ao considerar o vocábulo apreciado ainda pertencente ao latim, fazendo-o, no plural, como na língua mãe, e isso porque, em posição bem diversa, o VOLP já faz com que integrem nosso idioma vocábulos outros como mapa-múndi e memorândum. 15) A par dessas considerações teóricas e cientificas, contudo, o certo é que legem habemus, motivo por que devemos prestar obediência à determinação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, onde se registra campus no singular e campi no plural, dando-os ainda como pertencentes ao latim. ________ 1Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 53. 2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 63. 3Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 135. 4Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 49.
quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Toda guerra ou toda a guerra...?

1) Vejam-se os seguintes exemplos e o significado respectivo da expressão em realce: a) "Todo o dia, o réu está no balcão do cartório, à espera da sentença" (o dia inteiro); b) "Todo dia, o réu está no balcão do cartório, à espera da sentença" (todos os dias). 2) Laudelino Freire é muito preciso em sua observação a respeito: "O todo, quando se lhe pospõe o artigo (todo o) significa a inteireza de uma coisa, reservando-se a todo, sem o artigo, a significação de cada, qualquer, ou o total de muitas. No primeiro caso indica-se o todo físico, o todo lógico, por inteiro; no segundo, a coleção ou totalidade". 3) Fundando-se em lição de Damião de Góis, continua tal gramático na observação de que: a) na frase "Laranjeira que todo ano tem fruto", deve entender-se que essa árvore dá frutos todos os anos; b) se, porém, se disser "Laranjeira que todo o ano tem fruto", deve-se entender que ela frutifica durante o ano inteiro. 4) E finaliza ele com propriedade: "O fato, portanto, ficará regularizado, se se tomar por norma usar sempre de todo seguido de o, menos quando todo tenha a significação de qualquer, ou de totalidade. As expressões toda a parte, toda a vez, todo o momento, todo o caso, etc., melhor exprimirão o que se quer dizer uma vez escritas sem o artigo".1 5) De igual modo, em exemplo significativo, Silveira Bueno desfaz possíveis dúvidas: a) "Toda vida é uma dádiva de Deus" quer dizer que qualquer vida é uma dádiva de Deus; b) já "Toda a vida é uma dádiva de Deus" vem a significar que a vida inteira é uma dádiva de Deus.2 6) Vale também transcrever a preciosa síntese e acréscimo de Júlio Nogueira: "Na linguagem do Brasil, faz-se judiciosa distinção. Todo o diz-se quando equivale a inteiro, na totalidade, completamente...Na acepção de qualquer não se usa o artigo". E continua tal gramático com sua observação: "No plural, porém, o artigo aparece em qualquer acepção".3 7) E se reitere, quanto à última lição, com a observação de Édison de Oliveira, para quem, "no plural, as palavras todos, todas sempre se farão acompanhar pelos artigos os, as, independentemente do significado em que tenham sido empregadas".4 8) Buscando esquematizar o emprego exato de tais vocábulos, leciona Laudelino Freire que se deve "usar sempre de todo seguido de o (todo o) menos quando todo tenha a significação de qualquer. Todo o significa a inteireza de uma coisa; todo, sem o artigo, significa cada, qualquer, ou o total de muitos. A distinção é inconfundível. 'Toda a casa foi queimada', isto é, a casa, toda ela, foi queimada. 'Toda casa deve pagar impostos', isto é, todas as casas são sujeitas ao imposto. 'Todo o dia' = dia inteiro; 'Todo dia' = todos os dias".5 9) Na lição de José de Nicola e Ernani Terra, "os pronomes indefinidos todo e toda (no singular), quando desacompanhados de artigo, significam qualquer"; porém, "quando acompanhados de artigo, passam a dar a idéia de inteiro, totalidade".6 10) Para Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, todo "tem a idéia de totalidade numérica, de generalização" (toda responsa­bilidade = qualquer tipo de responsabilidade), enquanto todo o "tem idéia de totalidade das partes, especificação" (toda a responsabilidade = responsabilidade total, inteira, completa)".7 11) Sousa e Silva, por um lado, lembra que há gramáticos, como Eduardo Carlos Pereira, para os quais "é facultativo o uso do artigo nas frases em que muitos o omitem presentemente"; por outro lado, observa ele que essa moderna distinção entre toda a casa ("a casa inteira") e toda casa ("todas as casas" ou "qualquer casa"), por exemplo, "tende a fixar-se em nossa língua, por influência do francês".8 12) Para Luciano Correia da Silva, os arcaicos e os clássicos usavam indiferentemente uma forma pela outra, e "somente a partir do Romantismo é que se passou a ensinar esta diferença: todo é sinônimo de cada, qualquer, e todo o quer dizer inteiro, na totalidade".9 13) Vale a pena teorizar com a lição de Alfredo Gomes: "a palavra todo tem duas acepções: a de inteiro e a de qualquer. Apesar de confundidas essas duas idéias no emprego..., convém fazê-lo seguir de artigo - todo o, toda a - no sentido de inteiro, e usá-lo sem artigo quando significar qualquer: a) 'Todo homem é mortal'; b) 'Nem toda a casa está estragada'".10 14) Em caso muito particular, anote-se que, Silveira Bueno, por um lado, observa que "a expressão todo mundo é galicismo que desde os tempos de Gil Vicente entrou no uso português, mais velho, portanto que o próprio Brasil". 15) Por outro lado, mostra esse autor uma visão permissiva no emprego dela: "Esta antiguidade da expressão já lhe deu foros de idioma e pode ser empregada, sabendo-se, contudo, que é empréstimo".11 16) Antonio Henriques refere lição de Said Ali e de Rui Barbosa de que a equivalência de todo o (inteiro) e todo (qualquer) "engenhosa e clara, mas falsa", acrescentando que o primeiro dos autores que cita "aduz inúmeros exemplos em que falha tal correlação".12 17) O Código Civil de 1916 nem sempre observava a distinção: a) "Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico" (art. 81 - todo o ato lícito está por qualquer ato lícito); b) "A mulher pode, em todo o caso, reter os objetos de seu uso..." (art. 303 - todo o caso está por qualquer caso); c) "Estão sujeitos à curatela: I - os loucos de todo o gênero" (art. 446, I - todo o gênero está pela totalidade completa); d) "A certidão negativa exonera o imóvel e isenta o adquirente de toda responsa­bilidade" (art. 1.137, parágrafo único - toda responsabilidade está por qualquer responsabilidade). 18) O Código Comercial, de igual modo, nem sempre faz a referida distinção: a) "Todo documento de contrato comercial não ressalvada pelos contraentes com assinatura da ressalva não produzirá efeito algum em juízo..." (art. 134 - a distinção foi observada); b) "Todo o corretor é obrigado a matricular-se no Tribunal de Comércio do seu domicílio" (art. 38 - a distinção não foi observada). 19) Com essas observações, passa-se à análise da frase trazida para consulta: "Toda a guerra finaliza por onde devia ter começado... a paz". Siga-se este raciocínio: I) O significado da expressão "toda a guerra" é todas as guerras ou qualquer guerra, e não a guerra inteira; II) Nessa acepção, usa-se o pronome e o substantivo, sem a interposição do artigo; III) Está certo, portanto, o leitor, em sua correção: "Toda guerra finaliza por onde devia ter começado... a paz". ________ 1Cf. Freire, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. p. 53. 2Cf. Bueno, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 65. 3Cf. Nogueira, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 31. 4Cf. Oliveira, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 143. 5Cf. Freire, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 89. 6Cf. Nicola, José de; Terra, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 215. 7Cf. Henriques, Antonio; Andrade, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 75. 8Cf. Silva, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 295. 9Cf. Silva, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: Edipro, 1991. p. 23. 10Cf. Gomes, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 365. 11Cf. Bueno, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo, Saraiva, 1957. 2. vol., p. 476. 12Cf. Henriques, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 191.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Requer seja expedido ou requer que seja expedido?

1) Dois leitores indagam qual das frases muito usadas no meio forense está correta: a) "Requer seja expedido alvará..."; b) "Requer que seja expedido alvará". 2) Uma análise de todo o contexto onde se situa palavra cuja omissão é objeto da pergunta mostra que: I) o período é composto; II) Requer é a oração principal; III) que seja expedido alvará é uma oração subordinada; IV) a oração subordinada, como um todo, pode ser substituída pela palavra isto; V) quando se tipifica tal situação, a oração é subordinada substantiva (no caso objetiva direta); VI) o que, em tais casos, é uma conjunção integrante. 3) Sem necessidade de maiores indagações, o que se vê, no português, é a faculdade de uma freqüente (e elegante) omissão do que nessa qualidade de conjunção integrante, como, aliás, é o ensino de Domingos Paschoal Cegalla.1 4) Vejam-se os seguintes exemplos de autores abalizados de nosso idioma: a) "Pouco importa me batas pelo dobro" (Carlos Drummond de Andrade); b) "... toda a família temia sucedesse comigo o que acontecera ao Pedro" (Ciro dos Anjos); c) "Agora pedir-vos-ei a mercê que espero me concedais" (Alexandre Herculano). 5) Por ser facultativa a omissão, não haveria erro algum na explicitação do vocábulo: a) "Pouco importa que me batas pelo dobro"; b) "... toda a família temia que sucedesse comigo o que acontecera ao Pedro"; c) "Agora pedir-vos-ei a mercê que espero que me concedais". 6) Quem tem alguma noção de inglês verá que, naquele idioma, o normal é exatamente a omissão da conjunção referida entre as palavras em negrito: a) "Scrooge knew he was dead"; b) "I told you these were shadows of the things that have been"; c) "Bob said he didn't believe..." ________ 1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 342.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Gerúndio Demitido por Decreto

1) Pelo Decreto 28.314, de 28.9.07 - refreie o leitor sua estupefação, pois é a estrita verdade o que aqui se fala - o gerúndio foi demitido de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal "para desculpa de ineficiência". 2) Um diploma legal tão exótico como esse enseja a oportunidade de algumas importantes considerações sobre o assunto em diversas de suas facetas práticas. 3) Veja-se, como premissa, que o gerúndio tem três valores em português: I) Circunstancial, em que funciona como adjunto adverbial. Ex.: "Apartando as ondas, os ventos inflavam as velas"; II) Atributivo, quando funciona como adjetivo e, portanto, adjunto adnominal. Ex.: "Ele pôs água fervendo sobre o pó de café"; III) Integrante de locução verbal, em que acrescenta a idéia de continuidade, de ação prolongada. Ex.: "Ele estava trabalhando".1 Anote-se que, em correspondência com esse último caso, em Portugal se costuma empregar o infinitivo preposicionado. Ex.: "Ele estava a trabalhar". 4) Os empregos referidos e os exemplos dados estão em total conformidade com as regras de estruturação lingüística do vernáculo, de modo que, até aqui, não há o que observar adicionalmente. 5) Um primeiro equívoco, porém, entre os casos de galicismos de sintaxe por emprego abusivo do gerúndio, está em seu uso em lugar de uma preposição. Exs.: I) "Serviu uma taça contendo o melhor vinho branco"; II) "Comprei uma casa tendo quatro quartos..." Corrijam-se tais frases: a) "Serviu uma taça com o melhor vinho branco"; b) "Comprei uma casa com quatro quartos..." 6) Um segundo erro está em seu emprego quando não indica uma continuidade de ação (caso em que Edmundo Dantès Nascimento fixa preciosa regra de cunho prático de que, quando indica continuidade de ação, pode o gerúndio ser substituído pelo infinitivo regido pela preposição a). Exs.: I) "Vi o carro passando a curva do estádio" (correto, pois se pode dizer: "Vi o carro a passar a curva do estádio"); II) "Livro contendo estórias" (errado, pois não pode ser substituído por "Livro a conter estórias".2 7) Outro defeito muito corriqueiro na redação forense, segundo ensino de Geraldo Amaral Arruda, é "o encadeamento de gerúndios, quando um se subordina ao outro". Ex.: "O pesado caminhão, após parar no cruzamento, pôs-se em marcha, desenvolvendo baixa velocidade, levando a vítima a tentar a ultrapassagem, acelerando sua motocicleta, a fim de passar pela frente do caminhão, esperando que ele parasse". 8) Tal erro, ainda conforme lição do referido autor, desfaz-se com a alteração da estrutura e, se for o caso, com o emprego do verbo em outro tempo. Ex.: "O pesado caminhão, após parar no cruzamento, pôs-se em marcha, em baixa velocidade, o que levou a vítima a tentar a ultrapassagem, acelerando sua motocicleta, na expectativa de que ele parasse".3 9) Além disso, nos últimos tempos, quer como tentativa de aparentar uma ilusória erudição ou ilustração na fala, quer por influência do emprego dos tempos compostos em inglês, surgiu uma nova praga no vernáculo, a que se pode chamar de linguagem de telemarketing: as mocinhas encarregadas das mensagens ao telefone são ensinadas a usar perífrases verbais inexistentes no idioma, locuções compostas de diversos verbos a rigor desnecessários, com pretensão de expressão polida e elevada. Exs.: I) "Já que a dona da casa não se encontra, quando vou estar podendo entrar em novo contato com ela?"; II) "Ou será que ela vai estar podendo retornar a ligação?" 10) Veja-se a correção de tais exemplos: I) "Já que a dona da casa não se encontra, quando poderei entrar em novo contato com ela?"; II) "Ou será que ela poderá retornar a ligação?" 11) Longe de se buscar a correção de tais estruturas, paira no ar a impressão de que as pessoas se muniram do sentimento de que quanto mais alongam tais locuções verbais, mais se mostram eruditas e maior é o peso e seu poder de convencimento. 12) Ante um tal quadro, o Governador do Distrito Federal, com a edição do famigerado Decreto 28.314, de 28.9.07 - será porque não mais vai estar podendo suportar a situação? - , resolveu demitir o gerúndio do Distrito Federal e regrou a situação do seguinte modo: I) "Fica demitido o gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal" (art. 1º); II) "Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA" (art. 2º). 13) Uma primeira observação final a esse respeito é que, assim como malograram tentativas anteriores com relação à fome e à inflação, também o certo é que não se melhora por decreto a qualidade do usuário do idioma, e, assim, talvez mais aconselhável seja investir, por exemplo, na melhoria da educação. 14) Uma segunda observação concerne ao fato de que, ainda que fosse possível o intento estampado no referido decreto, seria indispensável ressalvar os casos em que o gerúndio se emprega de modo necessário e correto, o que, assim, não estaria abrangido pela demissão. 15) Por fim, ainda que se leve a sério o risível decreto, não se pode esquecer que se trata de norma que não prevê penalidade para o caso de descumprimento. E norma sem sanção fica sem o poder essencial de coação que a caracteriza, de modo que a transforma em mero conselho. E, em última análise, a função da lei não é aconselhar. _________ 1Cf. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970. p. 294-299. 2Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantes. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 144. 3Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. Como Aperfeiçoar Frases. São Paulo: edição interna do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 1987. p. 22-23.
quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Autópsia ou necrópsia?

1) Em termos de análise de seus elementos componentes, autópsia vem do grego: auto (por si mesmo ou pessoalmente - e não de si mesmo) + psia (ação de ver ou examinar). Significa, em suma, analisar por si mesmo ou analisar pessoalmente. E aqui já se verifica que não quer dizer examinar a si próprio. 2) Necropsia também vem do grego: necro (morte, morto ou cadáver) + psia (ação de ver ou examinar). 3) Para Domingos Paschoal Cegalla, autópsia é um "termo usado impropriamente em Medicina Legal, em vez de necropsia, que é a perícia feita em cadáver para apurar a causa do óbito (causa mortis)".1 4) Por outro lado, leciona Eliasar Rosa que necropsia é "neologismo criado para substituir autópsia, que, entretanto, não vingou".2 5) Quanto à prosódia da primeira das palavras mencionadas - ou seja, no que tange à correta pronúncia e localização da sílaba tônica no vocábulo - veja-se que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - veículo oficial da Academia Brasileira de Letras para apontar quais as palavras existentes em nosso léxico, assim como para definir qual sua grafia e pronúncia adequadas - em sua edição de 2004, registra autópsia, mas não autopsia.3 6) Quanto ao segundo dos termos, por seu lado, o VOLP registra apenas necropsia, e não necrópsia.4 7) Ora, ao editar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, a Academia Brasileira de Letras age por delegação legal, de modo que sua palavra é a própria lei, no que concerne aos aspectos de sua incumbência. Desse modo, conclui-se, por um lado que está oficialmente autorizado o emprego dos substantivos autópsia e necropsia, mas não de autopsia nem de necrópsia. 8) Por outro lado, embora necropsia tenha conteúdo etimológico mais preciso, nada impede em nosso idioma o emprego de autópsia. Os vocábulos coexistem no idioma e se prestam a expressar o mesmo significado e a mesma realidade. __________ 1CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 46. 2ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1993, p. 98. 3Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 87. 4Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 549.
quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Não lhe resta ao credor outro caminho?

1) Normalmente se diz: Não resta ao credor outro caminho. E, se o credor já foi mencionado anteriormente, então se substitui pelo pronome: Não lhe resta outro caminho. Tais são formas contra as quais não pesa objeção alguma. 2) A indagação, porém, é se está correto dizer: Não lhe resta ao credor outro caminho. Ou, em termos técnicos, quer-se saber se se pode empregar um pleonasmo como esse. 3) Pleonasmo (de pleos, em grego, que quer dizer abundante) significa, em síntese, uma repetição, no falar ou escrever, de idéias ou palavras que tenham o mesmo sentido. 4) Trata-se de termo genérico, que tanto pode adornar a linguagem, como torná-la feia e sem encanto. No primeiro caso, em que se busca dar força à expressão, chama-se pleonasmo de estilo. Ex.: "Vi com meus próprios olhos". No segundo caso, caracteriza vício de linguagem e chama-se pleonasmo vicioso (também denominado tautologia - do grego, significando mesmo ou idêntico), e isso porque, longe de enfeitar o estilo, apenas repete, de modo desnecessário, idéia já referida. Ex.: "Subir para cima". 5) Uma consulta aos melhores escritores mostra que o exemplo da indagação constitui um pleonasmo de estilo, de vernaculidade inquestionável: Não lhe resta ao credor outro caminho. 6) Apenas se esclarece que, num tempo em que o apuro no uso do idioma não é a tônica e não se obedece nem mesmo às regras básicas de estruturação lingüística, são de raríssimo emprego formas adornadas com figuras de estilo. Isso, porém, não acarreta sua incorreção. 7) Vale a pena acrescentar que, além dos lapsos mais comuns no campo da tautologia (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, menino homem...) e verificáveis a uma simples leitura, há outros de identificação um pouco mais difícil, os quais, exatamente, por isso, exigem maior atenção: monopólio exclusivo (está ínsita em monopólio a idéia de exclusividade), principal protagonista (protagonista já é o personagem principal), manusear com as mãos (manusear já tem por radical, em latim, a idéia de atuar com as mãos), preparar de antemão (por força do prefixo latino pre, preparar já tem em si a idéia de anterioridade), prosseguir adiante (não há como prosseguir para trás, já que o prefixo latino pro tem o significado de movimento para a frente), prever antes (por força do prefixo latino pre, significando anterioridade, prever depois não é prever). 8) Ainda observando que nem sempre é fácil identificar tautologias, quer por desconhecimento do real significado das palavras, quer porque há expressões que estão enraizadas no uso e são de difícil expurgo, são trazidos alguns outros exemplos: abertura inaugural, acabamento final, detalhes minuciosos, metades iguais, empréstimo temporário, encarar de frente, planejar antecipadamente, superávit positivo, vereador da cidade.
quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Deparar

1) Por um lado, Artur de Almeida Torres anota que Cândido de Figueiredo e João Ribeiro não consideram correto o emprego deste verbo na acepção de achar por acaso, encontrar, topar. 2) Acrescenta, entretanto, que o primeiro deles inspirou-se "nos velhos lexicógrafos, mas esqueceu-se das autoridades modernas, que ampliaram a significação desse verbo". 3) No que concerne à regência verbal, o gramático que cita a lição dos demais, fundando-se na autoridade de diversos bons escritores, vê quatro possibilidades de construção: I) transitivo direto no sentido de fazer aparecer, achar por acaso, encontrar, topar: a) "Santo Antônio depara as coisas perdidas" (João Ribeiro); b) "José Barbosa, deparando-os, levantaria..." (Camilo Castelo Branco); II) transitivo indireto no sentido de achar por acaso, encontrar, topar, posição essa que, como ele próprio lembra, reputam "incorreta preclaras autoridades", mas que, para Rui Barbosa, "encontra amparo freqüentíssimo nos escritos de Filinto Elísio": a) "Eles que digam que de vezes não deparam... com as suas próprias idéias" (Antônio Feliciano de Castilho); b) "Deparei, não sem alguma emoção, com a sombria e monstruosa mesa" (Camilo Castelo Branco); III) bitransitivo (ou transitivo direto e indireto) no sentido de fazer aparecer, apresentar inesperadamente: a) "Deparou-lhe o acaso uma mulher" (Camilo Castelo Branco); b) "Um magnífico espetáculo lhe deparou a bela constelação" (Latino Coelho); IV) pronominal no sentido de fazer aparecer, apresentar-se inesperadamente, topar, com a preposição a ou com: a) "Depararam-se ao viandante numerosos caminheiros" (Latino Coelho); b) "Na obra parlamentar... não se depara com um só vocábulo inovado" (Rui Barbosa).1 4) Resumindo a questão, anota Luiz Antônio Sacconi, por primeiro, que, no sentido de achar por acaso, encontrar, topar, pode ser transitivo direto ou transitivo indireto. Exs.: a) "Deparei um erro crasso na sentença" (transitivo direto); b) "Deparei com um erro crasso na sentença" (transitivo indireto). 5) No significado de aparecer inesperadamente, é usado como pronominal, em construção que o referido gramático realça ser clássica. Ex.: "Ao se lhe deparar crasso erro na sentença, interrompeu a leitura dos autos".2 6) Sem contrariar o que até agora foi dito, de Édison de Oliveira vem a seguinte advertência: "Há autores que admitem o emprego do verbo deparar acompanhado da preposição com. Devemos saber, entretanto, que é também perfeitamente correto empregar esse verbo sem preposição alguma".3 7) Na lição de Heráclito Graça, "assim como se pode dizer topar ou topar-se com alguém ou com alguma cousa, encontrar ou encontrar-se com alguém ou com alguma cousa, podemos do mesmo modo dizer - e dizer bem - deparar com alguém ou com alguma cousa, deparar-se com alguém ou com alguma cousa. A analogia dos três verbos é perfeita". 8) E, para a defesa de sua afirmação, cita tal autor diversos exemplos de autores insuspeitos: a) "Perguntar-lhes-íamos se deparam com espetáculos semelhantes nas antigas Repúblicas gregas" (Antônio Feliciano de Castilho); b) "Deparam com centos de homens cevados na leitura da antigüidade" (Filinto Elísio); c) "Enfim deparei com um pobre homem" (Almeida Garrett); d) "Aí deparei, não sem alguma emoção, com a sombria e monstruosa mesa de granito" (Camilo Castelo Branco).4 9) Pelas observações feitas, o exemplo trazido para análise permite extrair a possibilidade de emprego das seguintes estruturas: a) transitivo direto; b) transitivo indireto (com a preposição com); c) pronominal com a preposição com; d) transitivo direto e indireto; e) transitivo indireto com a preposição a; f) pronominal, usado com a preposição a. 10) De modo mais prático, veja-se que são corretos todos os seguintes exemplos: I) "Quando decidimos escrever este livro de prática, deparamos uma dificuldade..." (transitivo direto); II) "Quando decidimos escrever este livro de prática, deparamos com uma dificuldade..." (transitivo indireto com a preposição com); III) "Quando decidimos escrever este livro de prática, deparamo-nos com uma dificuldade..." (pronominal com a preposição com); IV) "Quando decidimos escrever este livro de prática, o estudo realizado deparou a nós uma dificuldade..." (transitivo direto e indireto); V) "Quando decidimos escrever este livro de prática, deparou a nós (ou deparou-nos) uma dificuldade" (transitivo indireto com a preposição a); VI) "Quando decidimos escrever este livro de prática, deparou-se a nós (ou deparou-se-nos) uma dificuldade" (pronominal com a preposição a). ________ 1Cf. TORRES, Artur de Almeida. Regência Verbal. 7. ed. Rio de Janeiro . São Paulo: Editora Fundo de Cultura S/A, 1967. p. 117-118. 2Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 220. 3Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 111. 4Cf. GRAÇA, Heráclito. Fatos da Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria de Viúva Azevedo & Cia. . Editores, 1904. p. 141-158.
quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Uso do "se" nas petições

1) Indaga-se, quanto à redação das petições dirigidas aos juízos e tribunais, se é correto ou não o uso do sujeito indeterminado com o verbo conjugado na terceira pessoa do singular, mediante o uso, por exemplo, das expressões "salienta-se" e "esclarece-se". 2) Observa-se, por primeiro, que, quando se elabora uma petição, começa-se por dizer que "Fulano de Tal, por seu advogado, vem à presença de Vossa Excelência, para expor e requerer o que segue..." 3) Em seguida, é feita a exposição do fato e do direito, ao que segue, de modo específico, o pedido que se faz ao juiz ou ao tribunal. 4) Ora, na seqüência lógica de raciocínio, após a explicitação de quem comparece a juízo e qual a finalidade de tal presença, nada impede que se diga salienta e esclarece, com o verbo na terceira pessoa do singular, caso em que se entende que o sujeito está oculto (ele, o Fulano de Tal). Exs.: I) "Salienta que este pedido está sendo feito no prazo concedido por Vossa Excelência"; II) "Esclarece que o réu não se manifestou nos autos, conforme determinação de Vossa Excelência". 5) Nesse caso, duas observações podem ser feitas: a) O sujeito de tais verbos está oculto (ele ou o Fulano de Tal); b) Se forem diversos os peticionários, o verbo deverá ir para o plural (salientam e esclarecem). 6) Por outro lado, é igualmente correto dizer salienta-se e esclarece-se, como nos seguintes exemplos: I) "Salienta-se que este pedido está sendo feito no prazo concedido por Vossa Excelência"; II) "Esclarece-se que o réu não se manifestou nos autos, conforme determinação de Vossa Excelência". 7) Nesse caso, três outras observações devem ser feitas: I) A oração que vem depois de salienta-se e de esclarece-se sempre pode ser substituída pela palavra "isto"; II) Uma estrutura como essa é sempre reversível ("Isto é salientado" e "Isto é esclarecido"); III) Quando há uma oração em tais moldes, o verbo sempre ficará no singular, pois tem um sujeito oracional. 8) Duas observações finais podem ser adicionadas: I) Contrariamente aos termos da consulta, o sujeito de salienta-se e de esclarece-se é a oração que vem depois (como se pode ver pela substituição pela palavra isto), motivo por que tal oração será chamada de oração subordinada substantiva subjetiva; II) Assim, sendo o sujeito exatamente a mencionada oração, não se pode dizer que, em tal estrutura, o sujeito seja indeterminado; III) O se, em tal caso, não é símbolo de indeterminação do sujeito, e sim partícula apassivadora.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Obséquio (sé ou zé)?

1) Na Gramática tradicional, costuma-se ensinar que a regra é que o s apenas tem som de z entre duas vogais, mas permanece com o som de s entre uma consoante e uma vogal. 2) E também se ensina que a exceção a essa regra fica para o prefixo trans, quando se une a vocábulo iniciado por vogal, situação em que o s adquire som de z: transamazônico, transeunte, transitório, transoceânico. 3) Mesmo para o prefixo trans, porém, é preciso cuidado, porque, se ele se une a palavra já começada por s, a pronúncia resultante é de s, e não de z, independentemente dos aspectos gráficos das palavras: transecular (trans+secular), transiberiano (trans+siberiano), transubstanciação (trans+substanciação). 4) Apesar de a regra ser exatamente a exposta nas considerações anteriores, ocorre, porém, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, ao listar os vocábulos obsequiar, obséquio e obsequioso, traz, entre parêntese, a pronúncia com z, e não com s1, o que constitui uma segunda exceção à referida regra. 5) Por fim, nunca é demais lembrar que a autoridade para listar as palavras oficialmente existentes em nosso léxico, bem como sua grafia e sua pronúncia, está com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão esse que tem a responsabilidade legal de controlar nosso vocabulário existente, em cumprimento à velha Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8 de dezembro de 1900. 6) Vale dizer: se o VOLP determina um modo de pronunciar, esse há de ser tido como o oficial e legal, de modo que qualquer polêmica que se queira travar fica no campo da discussão científica. É o mesmo, aliás, que se dá com qualquer lei: pode-se discutir sua necessidade, sua adequação e diversos outros aspectos; mas a ela se deve prestar obediência, a menos que seja inconstitucional. ______ 1Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 562.
quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Intimem-se-as

1) Se se diz "Intimem-se as partes", o que se tem é uma frase reversível, que também pode ser dita assim: "As partes sejam intimadas". 2) E, como na frase do modelo ("Aluga-se uma casa"), podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética; b) o "se" é partícula apassivadora; c) o sujeito é "as partes". 3) Por extensão, se houver a substituição do nome final (partes) por um pronome, este também haverá de ser sujeito e, portanto, do caso reto (elas), não do caso oblíquo (as, lhes). 4) A forma correta, assim, com a substituição pelo pronome, é "Intimem-se elas", jamais "Intimem-se-as" ou "Intimem-se-nas", ou qualquer forma semelhante. 5) Ante tais considerações, conclui-se, de igual modo, serem plenamente equivocadas expressões de uso corrente, como não se o diz, para se o conhecer, não se a vê, ouve-se-o com prazer, cortou-se-as. 6) Na lição de Eduardo Carlos Pereira, "o uso geral dos bons escritores antigos e modernos não autoriza a combinação destas formas (o, a, os, as) com o reflexivo se".1 7) A esse respeito, lembra Evanildo Bechara que "a língua padrão rejeita a combinação se o, apesar de uns poucos exemplos na pena de literatos".2 8) Lembrando lição de Otoniel Mota, observa P. A. Pinto que à língua repugnam as formas se o e se a, porque não é possível, logicamente, "encaixar um acusativo ao lado de outros, que é o reflexo se".3 9) Embora simples, também é firme a lição de Antenor Nascentes a respeito: "É incorreta a combinação de se com os pronomes o, a, os, as".4 10) Não menos incisivo é o ensinamento de Júlio Nogueira: "Não se pospõem as variações o, a, os, as, ao pronome se. São solecismos grosseiros frases como: 'Deve-se admirar aquele homem pelo cérebro; não se o deve admirar como político'... A correção é simples: basta suprimir as formas o, a, os, as, com o que nada perde a clareza da frase: 'Deve-se admirar aquele homem pelo cérebro; não se deve admirar como político'... Pode-se igualmente adotar a forma determinada, pessoal: 'Devemos admirar aquele homem pelo cérebro; não o devemos admirar como político'".5 11) Eduardo Carlos Pereira insere construções em que se une o se e o o, como na frase considerada, no rol dos galicismos fraseológicos ou sintáticos, daqueles que "são verdadeiras deturpações da língua, contra os quais devemos estar premunidos".6 12) Também Mário Barreto assevera que tal construção, por mais que se pretenda justificar, "é um grosseiro atentado contra a índole da língua", uma incorreção que não acha amparo nos gramáticos.7 13) Em complementação feita em outra obra, lembra o mesmo autor que há determinadas frases francesas construídas com "on" que podem, em princípio, conduzir o usuário a uma tradução errada, por meio da junção que ora se repele: On la porte sur son lit, on le reconduisit chez lui, on l'appela pour diner, on la traitait avec bonté, on ne le trouva pas, on ne les voit pas comme ils sont. Nem por isso, todavia, o conhecido filólogo incide nas construções vitandas (leva-se-a para a cama, levou-se-o para casa...), mas manda traduzir assim tais frases: levam-na para a cama, levaram-no para casa, chamaram-na para jantar, tratavam-na com bondade, não o encontraram, não se vêem como eles são".8 14) E, quanto à construção cite-se ele (modelo para "Intimem-se as partes"), vale lembrar a lição de Vittorio Bergo: "A muitos afigura-se errônea esta construção, em que o pronome reto ele parece estar em função de objeto indireto. Tal não se dá, entretanto, pois ele é sujeito paciente, apenas colocado em ordem inversa".9 Equivale a frase a "(que) ele seja citado". 15) Se pode parecer estranho dizer "Intimem-se elas", afigurando-se foneticamente repugnante a combinação, continua sendo inegável que, no campo sintático, o verbo está na voz passiva, e o sujeito tem que ser do caso reto; além disso, nada impede a utilização da forma analítica: "Sejam elas intimadas". 16) Por argumento de autoridade, acresça-se o lembrete de Aires da Mata Machado Filho de que a questão ficou cabalmente elucidada no sentido exposto após memorável polêmica entre Mário Barreto e Melo Carvalho.10 17) E alhures, o mesmo gramático - após reiterar que "erro grave é a combinação binária do pronome se aos oblíquos o, a, os as (em função de acusativo), em frases de voz reflexo-passiva" - transcreve precisa lição do primeiro polemista: "sendo o pronome oblíquo o, a, os, as objeto direto dos verbos transitivos diretos supra; sendo passiva a voz verbal (se viu igual a foi vista; se esperava, igual a era esperado, etc.), tais construções levariam à absurdeza de revestir o sujeito da oração o caso oblíquo (acusativo) o, a, os, as, perdendo a retilidade (sua principal característica) inerente ao nominativo".11 18) Vale observar que os clássicos evitam tal construção errônea de dois modos: I) Ou omitem simplesmente o pronome o, a, os, as. Ex.: "Ou não se busca o confessor, ou, se se busca..." (Padre Manuel Bernardes); II) Não omitem o pronome, mas o levam, e corretamente, ao caso reto (ele, ela, eles, elas). Ex.: "Um crime, só um crime, pode unir-nos... E por que não se cometerá ele?" (Alexandre Herculano). 19) Sintetize-se tal processo de correção com o ensinamento de Gladstone Chaves de Melo: "Nos casos em que supostamente tivesse cabida a junção, ou se cala o pronome acusativo, ou emprega-se o pronome reto, construção essa mais rara, porém certa, porque se terá entendido a frase como passiva e, então, o ele ou ela serão sujeito da oração".12 Exs.: a) "Venha esse pão e ponha-se na balança" (Padre Manuel Bernardes); b) "Um crime, só um crime... e por que não se cometerá ele?" (Alexandre Herculano). 20) Acresça-se a lição de Eduardo Carlos Pereira no sentido de que se e o "não se encontram jamais na mesma frase", motivo por que "é incorreto dizer-se: Eles se o arrogam".13 21) E ultime-se com Silveira Bueno, cuja contundência, a esse respeito, é perceptível em suas lições: "A combinação do reflexivo se com as formas oblíquas o, a, os, as, é assunto completamente liquidado por Mário Barreto em duas das suas ótimas obras: Novos Estudos e De Gramática e de Linguagem. No primeiro livro aqui citado, provou exaustivamente que frases como esta - Onde se o encontra - são absolutamente contrárias ao cunho, à sintaxe portuguesa. Houve um tal snr. Melo Carvalho que saiu a campo, a fim de defender a vernaculidade, a correção de tal uso, citando em seu abono Rui Barbosa. Foi muito infeliz porque teve pela frente não só Mário Barreto, na segunda obra acima citada, não só o dr. Pedro Pinto, mas o próprio Rui Barbosa que, em carta dirigida a Mário Barreto, deserta da companhia de Melo Carvalho. Depois de tudo isto, quem vier ainda com a pretensão de defender tal erro, que dê com a cabeça na pedra para ver se a endireita".14 22) Atentando, de modo específico, às formas propostas pela leitora, veja-se o que é correto e o que é errado: I) - "Intimem-se as partes" (correto); II) - "As partes sejam intimadas" (correto); III) - "Intimem-se-as" (errado); IV) - "Intimem-se-nas" (errado); V) - "Intimem-se" (correto); VI) - "Intimem-se elas" (correto). ________ 1Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 317. 2Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 257. 3Cf. PINTO, Pedro A. Termos e Locuções: Miudezas de Linguagem Luso-Brasileira. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1924, p. 56. 4Cf. NASCENTES, Antenor. O Idioma Nacional. 3. ed. São Paulo: Companhia Editoras Nacional, 1942, vol. II, p. 90. 5Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 85. 6Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 260 e 262. 7Cf. BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954, p. 275. 8Id., Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954, p. 115-116. 9Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 168. 10Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Principais Dificuldades". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S.A. e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 185. 11Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S.A. e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 4, p. 1.361-1.362. 12Cf. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970. p. 266. 13Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 96. 14Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva e Cia., 1938. p. 136-137.
quarta-feira, 8 de agosto de 2007

É hora da onça beber água

1) Diga-se, desde logo, que a maneira tradicionalmente considerada correta de se dizer tal frase há de ser: "É hora de a onça beber água", e isso na consonância com a lição tradicional, como se vê do preciso ensino de Vitório Bergo sobre o assunto, que observa dois significativos aspectos: a) "A preposição de não se contrai com o pronome ele" (a lição, em realidade, vale também para outras palavras) "quando este se acha, antes de um verbo, em função de sujeito"; b) "Com o pronome eu nunca se dá a contração, porque este em nenhum caso funciona como complemento".1 2) De acordo com a doutrina de Laudelino Freire, "costumam escritores menos zelosos do que escrevem unir a preposição ao artigo, ou ao pronome pessoal, em frases como estas - "É tempo do professor publicar seu livro" - "Depois dele partir para Londres..." 3) E continua tal gramático: "Incorreto é assim escrever, porque essa união tem cabimento, uma vez que a preposição não rege o sujeito e sim o verbo, como se vê dando àquelas frases outra ordem - "É tempo de publicar o professor o seu livro" - "Depois de partir ele para Londres..." 4) Encerra assim sua lição, nessa aspecto, o referido autor: "Correto é, pois, escrever, se parando a preposição do artigo ou do pronome - "É tempo de o professor publicar o seu livro" - "Depois de ele partir para Londres...".2 5) E Eduardo Carlos Pereira, lembrando a circunstância de que, nesses casos, "a preposição rege o verbo e não o sujeiro", observa serem condenáveis as seguintes construções: I) "Em vez dos ladrões levarem os reis ao inferno..."; II) "É tempo dos patriotas erguerem-se". 6) Em continuação, especifica ele quais as formas de correção de tais frases: a) "Em vez de os ladrões levarem os reis ao inferno..."; b) "É tempo de os patriotas erguerem-se".3 7) Com muita freqüência, ocorre o mencionado equívoco com a expressão apesar de, como se pode ver nos seguintes exemplos, em que se indica sua correção ou erronia: a) "Apesar do réu ter faltado, não foi decretada sua revelia" (errado); b) "Apesar de o réu ter faltado, não foi decretada sua revelia" (correto); c) "Apesar de ter faltado o réu, não foi decretada sua revelia" (correto). 8) Para tais casos, de muita propriedade é a síntese de Arnaldo Niskier: "Quando após a preposição de ou em temos um sujeito, este não pode ser contraído àquela em língua escrita, embora a tendência na oralidade seja a contração. Assim, temos 'antes de ela chegar', 'não há mal em ele sair', etc".4 9) Trabalhando a frase "Chegou a hora de o povo decidir", assim observam José de Nicola e Ernani Terra: "Cuidado com essa construção. Nunca escreva "Chegou a hora do povo decidir". Pense na gramática da frase: o povo é sujeito do verbo decidir; como sabemos, o sujeito nunca é regido de preposição, daí não se justificar a contração da posição de com o artigo que faz parte do sujeito (nesse caso, a preposição rege o verbo e não o sujeito)".5 10) A quem parecer artificial a construção, o melhor é valer-se da inversão entre sujeito e verbo, evitando o referido encontro entre a preposição e o artigo ou pronome: a) "É tempo de publicar o professor o seu livro"; b) "Depois de partir ele para Londres..."; c) "Apesar de ter o réu faltado..." 11) Sem embargo da integral correção do ensinamento até agora retratado, Luciano Correia da Silva cita dois "exemplos consagradores da forma impuganda" em Machado de Assis: a) "São horas da baronesa dar o seu passeio pela chácara"; b) "Minha mãe sufocou este sonho pouco depois dele nascer".6 12) Outros exemplos de emprego da forma contraída podem ser encontrados em diversos autores dos mais zelosos pelo culto ao idioma: a) "Gonçalo pediu a D. João I que lhe legitimasse o filho natural, para que, no caso dele perecer na batalha..." (Camilo Castelo Branco); b) "No momento do comboio partir..." (Eça de Queirós); c) "Cedo, antes do sol luzir, a sineta soava a despertar" (Coelho Neto); d) "... no caso do infinitivo trazer complemento direto que não seja pronome pessoal..." (Epifânio Dias); e) "Sabia-o, senhor, antes do caso suceder" (Alexandre Herculano). 13) Em posição de discordância do ensino tradicional, também se veja a lição de Silveira Bueno, para quem a frase "No momento das estrelas surgirem" não está errada, sendo, para ele, de igual modo, correto dizer "...das estrelas surgirem" ou "...de as estrelas surgirem", porquanto, para ele, "a simples contração não é causa de regência", já que esta "procede da função sintática e não da posição gráfica".7 14) Também anota Domingos Paschoal Cegalla que, "devido ao seu artificialismo e por conflitar com a oralidade, esta regra nem sempre é respeitada".8 15) Em outra passagem, o mesmo autor - para quem são "desinformados e caturras" os gramáticos que condenam a contração - considera "lícito, em benefício da eufonia, contrair a preposição de com o artigo ou o pronome antes das orações infinitivas", lembrando tal autor que a forma contraída "é mais natural e espontânea, evita os desagradáveis hiatos de o, de a, de ele, de esse, de aquele, etc." e tem "a vantagem de evitar construções artificiais", enquanto "a outra é um gramaticalismo um tanto afetado, em choque com a língua falada".9 16) Após tais arroubos de liberalismo gramatical, todavia, tal autor - a quem não parece censurável contrair, normalmente, a preposição de com o artigo, em frases como "Antes do sol nascer, já estávamos na estrada" - reputa que, "na modalidade culta formal, recomenda-se escrever: Antes de o sol nascer, já estávamos na estrada".10 17) Apesar das apontadas divergências entre os gramáticos e autores, nos textos jurídicos e forenses, a serem escritos com observância do padrão culto, o melhor é seguir essa última parte do ensino de Domingos Paschoal Cegalla e não empregar a forma contraída. 18) Quanto ao emprego na elaboração das leis, assim se expressa Adalberto J. Kaspary em preciosa monografia: "De cem exemplos que anotamos, oitenta e sete são da construção não-combinada, sendo, pois, apenas treze da forma combinada. Curiosamente, dos treze exemplos em que o sujeito aparece combinado ou contraído com a preposição, doze são do Código Comercial de 1850 (em que aparece somente esta construção), sendo o outro do Código Civil de Portugal, assim mesmo não na redação original, mas de modificação posterior. Por outro lado, dos oitenta e sete exemplos com a forma não-combinada do sujeito, oitenta e um são do Código Civil de Portugal". Exs.: a) "A sentença, que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado" (CPC, art. 881); b) "A falta ou nulidade da citação, da intimação ou da notificação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la" (CPP, art. 570); c) "O sócio que não aprovar a liquidação ou a partilha é obrigado a reclamar dentro de dez dias depois desta lhes ser comunicada..." (C. Com., art. 348); d) "... mas nunca depois do menor atingir a maioridade ou ser emancipado..." (CC português, art. 125º, 1, a). 19) E continua o mencionado autor, em lição que merece total acolhida: "Em face das considerações acima expendidas e das constatações feitas, recomenda-se o uso da forma não-combinada em textos formais, no que se estará seguindo a melhor tradição da linguagem literária em geral e da linguagem jurídica em particular. Não se trata, no entanto, convém frisar, de uma questão de certo e errado, mas, acima de tudo, é um problema de maior ou menor gabarito da expressão escrita".11 __________________ 1Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 77. 2Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora A Noite, sem data. P. 23-24. 3Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 237. 4Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992.p. 26. 5Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo:Saraiva, 2000. p. 59. 6Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991, p. 178. 7Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2º v., p. 430-431. 8Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 110. 9Ibid., p. 101-103. 10Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 27. 11Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica - Acepções e Regimes. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 372.
quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Obrigado

1) Expressando gratidão, é palavra que deve ser observada do ponto de vista da concordância nominal.2) Para se entender a concordância, importante é atentar no sentido da expressão: a pessoa a quem se presta um favor, ao agradecer, diz que se sente obrigada a retribuí-lo.3) Bem por isso, não importa a quem é manifestado o agradecimento; o que efetivamente interessa é a pessoa que o manifesta, pois é com ela que tal palavra concorda: assim, se é um homem que fala, diz ele muito obrigado; se é mulher, muito obrigada; se vários são os homens, expressando-se, por exemplo, num discurso, por meio de orador, diz-se muito obrigados; se várias as mulheres, muito obrigadas.4) Para resumir, precisa é a lição de Silveira Bueno, que sintetiza os aspectos significativos do emprego de tal vocábulo: "A expressão de agradecimento muito obrigado não passa de uma oração abreviada: Eu lhe estou muito obrigado pelo favor que me fez . ou qualquer outra semelhante. Como se vê, obrigado é adjetivo que está qualificando o sujeito da oração. Ora, sabemos que todos os adjetivos concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem. Logo, se o sujeito for masculino, dirá: muito obrigado. Mas se for feminino, há de dizer: muito obrigada".15) Acrescente-se a lição de Júlio Nogueira quanto ao equívoco normalmente cometido com tal vocábulo: "É incorreção peculiar ao belo sexo. Uma senhora não deve dizer, como forma de agradecimento: Obrigado!, mas obrigada! Nenhuma diria: Eu fico obrigado. Assim: Obrigada! Ou Obrigadas, se há mais de uma".26) A uma leitora de nome Adelaide - cuja esclarecida amiga teimava em dizer 'muito obrigado' - que lhe indagava se não seria melhor que tal dama dissesse 'obrigada', assim respondia Cândido de Figueiredo: "Não só é melhor, é o que é, se a tal amiga de Adelaide é realmente do sexo feminino".3 7) Num aspecto muito significativo, não se pode esquecer que as palavras, em português, embora pertençam originariamente a outra categoria gramatical, podem ser substantivadas, ou seja, podem tornar-se um substantivo. Exs.: I) "Não quero ouvir um mas de sua parte" (mas, normalmente, é uma conjunção); II) "Não me venha com um não" (não, originariamente, é um advérbio). 8) Assim também se dá com a palavra obrigado, a qual, se substantivada, não sofre as influências até agora anotadas quanto à concordância. Exs.: I) "Ele disse um obrigado muito significativo"; II) "Ela disse um obrigado muito significativo"; III) "Eles disseram um obrigado muito significativo"; IV) "Elas disseram um obrigado muito significativo". 9) Considerando, então, de modo específico, a dúvida da leitora, vejam-se as formas corretas do exemplo sugerido: a) "Ele disse obrigado ao garçom"; b) "Ela disse obrigada ao garçom"; c) "Eles disseram obrigados ao garçom"; d) "Elas disseram obrigadas ao garçom"; e) "Ele disse um obrigado ao garçom"; f) "Ela disse um obrigado ao garçom"; g) "Eles disseram um obrigado ao garçom"; h) "Elas disseram um obrigado ao garçom". ___________1 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 122.2 Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 32.3 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1946. vol. I, p. 202.
quarta-feira, 25 de julho de 2007

Entre ti e mim

1) Os pronomes pessoais eu e tu não podem vir precedidos de preposição, e, no caso, entre é uma preposição essencial, de modo que não permite construção em que se usem pronomes pessoais do caso reto. Exs.: a) "Nada mais há entre tu e eu" (errado); b) "Nada mais há entre eu e tu" (errado); c) "Nada mais há entre ti e mim" (correto); d) "Nada mais há entre mim e ti" (correto); e) "Nada mais há entre eu e você" (errado); f) "Nada mais há entre mim e você" (correto). 2) Atente-se aos exemplos dos nossos grandes escritores: a) "Creio que isto baste a quem entre ele e mim houver de pronunciar" (Rui Barbosa); b) "São assuntos que se podem tratar entre mim e ti" (Machado de Assis). 3) Resuma-se com a precisa lição de Silveira Bueno, para quem "os pronomes retos da primeira e da segunda pessoa - eu, tu - não podem ser regidos por preposição. Mas o pronome reto da terceira pessoa pode perfeitamente".1 4) Veja-se que, mesmo havendo outros substantivos, e não pronomes, a situação não muda: a) "O advogado sentou-se entre o desembargador e mim"; b) "Houve um acordo entre os réus e mim". 5) Registre-se lição - que não há de merecer acolhida no que concerne aos textos que devam submeter-se à norma culta - de Domingos Paschoal Cegalla: "Admite-se o pronome reto quando este se acha distante da preposição entre: 'Entre o local onde a ponte desabara e eu, que vinha em alta velocidade, mediavam perto de cem metros".2 6) Observe-se, por fim, que você tanto pode vir com preposição como sem ela, funcionando, assim, como sujeito ou como complemento, de modo que são corretas as expressões: a) "Nada mais há entre mim e você"; b) "Nada mais há entre você e mim". _______ 1Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 94. 2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 143.
quarta-feira, 4 de julho de 2007

Pago

1) Quanto à conjugação verbal e ao emprego de seu particípio passado, é de comum ensino que se usa o verbo pagar apenas na forma irregular (pago), e isso com qualquer auxiliar, lembrando mesmo Otelo Reis que, "quanto ao particípio regular pagado, não existe mais na linguagem hodierna", lição essa a que tal autor ainda acresce, em outra passagem, que "a forma regular é absolutamente desusada".1 Exs.: a) "O réu tinha pago a pena"; b) "A pena foi paga pelo réu". 2) Nos dizeres de Édison de Oliveira, na linguagem contemporânea, "estão fora de uso as formas ganhando, gastado e pagado, não só com o auxiliar ser, mas também com o auxiliar ter", motivo por que "estão, pois, superadas construções como: a) 'Nós teríamos ganhado a partida'; b) 'Ele tinha gastado o tempo inutilmente'; c) 'Tínhamos pagado tudo o que devíamos'; devendo-se preferir: a) 'Nós teríamos ganho a partida'; b) 'Ele tinha gasto o tempo inutilmente'; c) 'Tínhamos pago tudo o que devíamos'."2 3) Tal tendência ao uso do verbo pagar na forma principal irregular, tanto na voz ativa quanto na passiva, é antiga, sendo raros os exemplos em contrário. 4) Aires da Mata Machado Filho, a esse respeito, transcreve interessante lição de Antenor Nascentes, que resume a questão: "Na língua viva atual, quer com o auxiliar ter, quer com ser, só se usam os particípios irregulares ganho, gasto e pago... Na língua antiga, o regular domina".3 5) Também de oportuna transcrição o ensinamento de Celso Cunha: "De outrora se usavam normalmente os dois particípios. Na linguagem atual preferem-se, tanto nas construções com o auxiliar ser como naquelas em que entra o auxiliar ter, as formas irregulares ganho, gasto e pago, sendo que a última substituiu completamente o antigo pagado".4 6) Fundando-se em lição de Said Ali e anotando que pagado e pago são "formas de particípio passado do verbo pagar correntes em antigos documentos e na época clássica", também Antonio Henriques assegura que, "hoje, a forma pago suplantou a forma pagado".5 7) Em mesma esteira, para Cândido de Oliveira, "ganho, gasto, pago, pego são usados indiferentemente para ambas as vozes (com qualquer auxiliar)", e "os particípios ganhado, gastado, pagado, pegado tendem a desaparecer".6 8) Para Domingos Paschoal Cegalla, pagado é "forma obsoleta, suplantada pela forma irregular pago".7 9) Para Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, "pagado está em desuso" na atualidade.8 10) Para Vitório Bergo, "os particípios fortes ganho, gasto, pago, salvo tendem a suplantar as formas em ado, pois que se usam normalmente com os dois tipos de auxiliares".9 11) Quanto a pagado, Sousa e Silva observa que "vai caindo em desuso este particípio, quase sempre substituído pela forma pago".10 12) Observe-se, porém, que Evanildo Bechara acata para esse verbo os particípios regular e irregular.11 13) De igual modo, Cândido Jucá Filho, sem quaisquer explicações adicionais, especifica indiferentemente os particípios pago e pagado, exemplificando com autor de abalizada autoridade: a) "Estas duas têm pagado bem seu tributo à asneira" (Camilo Castelo Branco).12 14) Também para Eduardo Carlos Pereira, por uma lado, os particípios irregulares pago, ganho e gasto "podem empregar-se na voz ativa com os verbos ter e haver"; por outro lado, "muitas formas regulares", como por exemplo, ganhado, gastado, "podem ser empregadas na passiva com os verbos ser e estar".13 15) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante consideram pagar um verbo abundante, sendo para tais autores perfeitamente possível o emprego do particípio passado regular (pagado), o qual deverá ser usado com os auxiliares ter e haver.14 16) Muito embora até se possa dizer que a norma culta, na atualidade, tenha preferência pelo particípio passado pago tanto para seu uso com os verbos ter e haver quanto ser e estar, o certo é que ainda não se pode dizer que o particípio pagado esteja em completo desuso ou que seu emprego esteja errado; é ele certo e há de ser usado com os verbos ter e haver. ___________ 1Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 91. 2Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. P. 121. 3Cf. MACHADO FILHO, Aires da Matta. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Linguagem Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 783. 4Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 216. 5Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 134-135. 6Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 205. 7Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 304. 8Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 242. 9Cf. BERGO, Vitório. Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943. p. 182. 10Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 202. 11Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 110. 12Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 461. 13Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p 141. 14Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 175.
1) A indagação que se faz busca saber qual a forma correta: I) - Nenhum de seus dois advogados compareceu à audiência?; II) - Nenhum de seus dois advogados compareceram á audiência? 2) Em casos dessa natureza, podem ser feitas as seguintes observações: a) - a expressão "nenhum de seus dois advogados", quanto à Gramática, é similar a outras da mesma espécie (algum dos advogados, cada um dos advogados, cada qual dos advogados, qualquer um dos advogados...); b) - em todas elas, há, por primeiro, um pronome indefinido ou expressão equivalente (nenhum, algum, cada um, cada qual, qualquer um); c) - o núcleo do sujeito é exatamente esse pronome ou expressão do singular; d) - a outra expressão (dos advogados) não pode ser núcleo do sujeito, no mínimo, porque é preposicionada, e o sujeito, em nossa estrutura lingüística, não vem precedido de preposição. 3) Resolvidas essas questões estruturais, a questão se torna fácil: aplica-se a regra básica de concordância verbal, que diz, em síntese, que o verbo concorda com o seu sujeito (mais especificamente com o núcleo do sujeito). 4) Em termos práticos, confiram-se os exemplos quanto à correção: I) - "Nenhum de seus dois advogados compareceu à audiência" (correto); II) - "Nenhum de seus dois advogados compareceram à audiência" (errado); III) - "Algum dos advogados podia ter comparecido à audiência" (correto); IV) - "Algum dos advogados podiam ter comparecido à audiência" (errado); V) - "Cada um dos advogados compareceu a seu modo à audiência" (correto); VI) - "Cada um dos advogados compareceram a seu modo à audiência"; VII) - "Cada qual dos advogados compareceu a seu modo à audiência" (correto); VIII) - "Cada qual dos advogados compareceram a seu modo à audiência" (errado); IX) - "Qualquer um dos advogados poderia ter comparecido à audiência" (correto); X) - "Qualquer um dos advogados poderiam ter comparecido à audiência" (errado).
quarta-feira, 20 de junho de 2007

Dentro em

1) Embora dentro de seja a construção mais comum na atualidade, João Ribeiro também justifica o emprego de dentro em, observando que esta última é a sintaxe mais freqüente nos autores antigos.1 2) Eduardo Carlos Pereira, sem restrições e até mesmo sem comentários adicionais, arrola tal expressão entre os exemplos de locuções prepositivas.2 3) Eliasar Rosa, em igual posicionamento, destaca que ela tem o mesmo quilate de vernaculidade que a locução dentro de, e observa que Rui Barbosa a defendeu em sua Réplica, com abundante exemplário colhido nos melhores escritores.3 4) Mário Barreto, de igual modo, registra que seu emprego "é boa linguagem portuguesa e dela usaram largamente os nossos clássicos, mas é um arcaísmo".4 5) Em estudo sobre a linguagem do literato Antônio Feliciano de Castilho, anota Vasco Botelho de Amaral: "ao Mestre lhe era preferida a regência em com a palavra dentro, regência essa que vimos já criticada e que provamos ser bem vernácula".5 6) Observando que Cândido de Figueiredo preferia dentro de a dentro em, anota Vasco Botelho de Amaral que, "nos antigos escritores, dentro em é mais usual, embora ambas as formas tenham o mesmo quilate vernáculo"; e lembra exemplos de abalizados autores, como Rui Barbosa, Camões, Padre Antônio Vieira e Antônio Feliciano de Castilho.6 7) Para o Padre José F. Stringari, que invoca as lições de Rui Barbosa e de João Ribeiro em abono do uso de ambas, "as duas formas coexistiram sempre uma de par com a outra, e uma a par da outra coexistem, sem motivo algum para que de qualquer delas nos despojemos ou a tenhamos por estranha".7 8) Acerca da possibilidade de seu emprego optativo, Antonio Henriques - enquanto observa que "dentro em deixou vestígios em dentro em breve e dentro em pouco" - transcreve definitiva lição de Rui Barbosa: "Dentro em escrevi e escrevo amiúde, sem todavia rejeitar a locução dentro de, de que igualmente uso".8 9) Heráclito Graça traz a lição adicional no sentido de que "dos clássicos anteriores a Frei Luís de Sousa não há um só que deixe de usar largamente da locução prepositiva dentro em e também dentro a"; mas acrescenta tal autor que "a locução prepositiva dentro a caiu em desuso". 10) Quanto a dentro em e dentro de, contudo, tal gramático anota que hoje "são simples variantes, e como tais constituem riqueza da língua. Às vezes uma é mais expressiva do que outra. E, se modernamente dentro de está mais generalizada, ninguém ainda se lembrou de proscrever a locução dentro em, que é muito usada, principalmente para exprimir a idéia de tempo".9 11) Para Edmundo Dantès Nascimento, ambas as expressões são igualmente vernáculas.10 12) Para Sousa e Silva, que reputa dentro em expressão legítima, equivalente a dentro de, a primeira locução, "atualmente, é mais usada em sentido temporal: dentro no prazo, dentro em oito dias...".11 13) O Código Civil de 1916 emprega usualmente a expressão dentro em: a) "Essas testemunhas comparecerão dentro em 5 (cinco) dias ante a autoridade judicial mais próxima..." (art. 200, caput); b) "... ouvidos os interessados, que o requererem, dentro em 15 (quinze) dias" (art. 200, § 1º); c) "... esta nulidade se considerará sanada, se não se alegar dentro em 2 (dois) anos da celebração" (art. 208); d) "O dote deve ser restituído pelo marido à mulher, ou aos seus herdeiros, dentro no mês que se seguir à dissolução da sociedade conjugal..." (art. 300); e) "... o menor pode impugnar o reconhecimento, dentro nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou emancipação" (art. 362); f) "Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro nele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo" (art. 1.166); g) "... prazo razoável não maior de 30 (trinta) dias, para, dentro nele, se pronunciar o herdeiro..." (art. 1.584). 14) Já o Código de Processo Civil deu preferência a dentro de: "... depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias" (art. 133, parágrafo único). 15) Observa-se fato curioso no art. 76, § 3°, da Lei 6.015, de 31.12.73, que dispôs sobre os registros públicos, que assim registra: "Ouvidos dentro em 5 (cinco) dias os interessados que o requererem e o órgão do Ministério Público, o juiz decidirá em igual prazo". 16) No texto originário, registrava-se a expressão dentro em, mas, na republicação, já com as modificações posteriores, no DOU de 16.9.75, constou dentro de. 17) Aponta-se o fato por curiosidade, sem objeção alguma a qualquer das expressões, já que ambas são igualmente corretas. __________ 1Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 208. 2Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 153. 3Cf. ROSA, Eliasar.Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 54. 4Cf. BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 184-185. 5Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 69. 6Ibid. p. 107-108. 7Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 9. 8Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 45. 9Cf. GRAÇA, Heráclito. Fatos da Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria de Viúva Azevedo & Cia. - Editores, 1904. p. 138-140. 10Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 93. 11Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 100.
quarta-feira, 23 de maio de 2007

Crase antes de pronome de tratamento

O leitor Mario Luiz Pegoraro envia-nos a seguinte mensagem: "Dr. José Maria da Costa: Nós, os mais idosos ou experientes, desfrutamos de ótimos professores de português. Como muita coisa mudou ou evoluiu, perguntamos: aplica-se crase nos pronomes de tratamento e de posse? Como estamos lançando um folder, em decorrência perguntamos: na frase - Congratulações à atual Patronagem pela conclusão da obra da Pista de Dança. - usa-se crase? Virtualmente Grato." Em verdade, na indagação feita há três questões: a) existe crase nos pronomes de tratamento?; b) existe crase nos pronomes possessivos?; c) existe crase na expressão congratulações à atual Patronagem? 1) Pronome de tratamento, também chamado pronome de reverência, é a maneira formal para se dirigir com respeito a determinadas pessoas no trato cortês e cerimonioso. Ex.: I) "Sua Excelência, o presidente do Tribunal de Justiça, honrou-nos com sua visita"; II) "Vossa Excelência, senhor Deputado, é muito corajoso". 2) Pela leitura atenta dos exemplos dados e pela verificação acurada de outros casos, conclui-se com facilidade que normalmente não se emprega artigo antes de um pronome de tratamento. 3) Ora, como crase significa a fusão de duas vogais idênticas, um segundo a que seria necessário para sua ocorrência antes de um pronome de tratamento fatalmente haveria de ser um artigo. 4) E, como o pronome de tratamento normalmente repele o uso do artigo, fixa-se a regra de que não se usa o acento indicador da existência de crase antes de pronome de tratamento. Exs.: I) "Dirijo-me respeitosamente a Vossa Reverendíssima nesta oportunidade"; II) "Entregamos um cartão de prata a Sua Excelência o prefeito, em agradecimento por seus esforços em prol de nossa causa". 5) Esclarece-se que essa regra de que não se usa acento indicador da crase antes de pronome de tratamento não é estabelecida de modo genérico e teórico, mas parte da verificação do caso concreto e da conseqüente averiguação da inexistência de fusão de vogais idênticas. 6) Atentando de modo específico ao que se dá na linguagem forense, assim ensina Eliasar Rosa: "Erro palmar e imperdoável é o de pôr sinal indicativo de crase nesse a que antecede V. Exa."1 7) Acresce dizer que, por exceção, há três pronomes de tratamento que admitem artigo - e, por conseqüência, crase - antes de si: senhora, senhorita e dona. Exs.: I) "Dirigiu-se à senhora Fontes com todo o respeito"; II) "Meus respeitos à senhorita Fontes"; III) "Meus respeitos à dona Valquíria Fontes". _________ 1Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1993, p. 33.