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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
terça-feira, 12 de agosto de 2008

Idem ou ibidem?

1) Idem é pronome latino - e não adjetivo, como, entre outros, considera o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira1 - correspondente à forma nominativa neutra do masculino "isdem" (com o sentido de precisamente aquele) e à forma feminina "eadem", com idéia reforçativa, e tem tal vocábulo, em suma, o significado de o mesmo, a mesma coisa. 2) É usado nas citações, para indicar o mesmo autor, da mesma forma, e isso com o intuito de evitar repetições. 3) Sua pronúncia é paroxítona (ídem). 4) Sua abreviatura é id. 5) Por pertencer a outro idioma, a rigor é palavra que deve vir entre aspas, em itálico, negrito, sublinha ou com grifo indicador de tal circunstância. 6) Já ibidem é advérbio latino e tem o significado de aí mesmo, no mesmo lugar. 7) Usado em citações, tem o sentido de na mesma obra, capítulo ou página a que anteriormente se fez referência. 8) Sua pronúncia é paroxítona (ibídem), não proparoxítona (íbidem). 9) Sua abreviatura costuma ser ib. 10) Antonio Henriques também lhe aceita ibid. por abreviação.2 11) O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficialmente incumbido de determinar quais as palavras que integram nosso idioma, refere-a como advérbio latino, excluindo-a, desse modo, de nosso léxico.3 12) Por pertencer a outro idioma, a rigor é palavra que, quando escrita por extenso, deve vir entre aspas, em itálico, negrito, sublinha ou com grifo indicador de tal circunstância. 13) Para distingui-la de idem, assim leciona Arnaldo Niskier: "Essas palavras são encontradas com freqüência em notas bibliográficas. Normalmente, idem significa o mesmo, da mesma forma, e ibidem no mesmo lugar; em notas bibliográficas, idem significa o mesmo autor, ibidem na mesma obra (ou na mesma página)".4 ___________ 1Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 738.2 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 89.3Cf. Academia Brasileira de Letras, Op. cit., p. 824, nota 2.4Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 42.  
quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Norrau ou Know-how?

1) Um leitor afirma haver encontrado em texto literário de consagrado autor da atualidade a palavra norrau e indaga acerca da correção de seu emprego em lugar de know-how, original de língua inglesa. 2) Anote-se, de início, que, no idioma de origem, a expressão significa conhecimento prático, ou habilidade, ou ainda tecnologia para solucionar determinada situação. Exs.: I) "As grandes companhias têm dinheiro, mas nem sempre têm o know-how para executar corretamente as tarefas"; II) "Eu posso operar computadores, mas não tenho know-how técnico a respeito deles". 3) Ora, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, por um lado, não registra a palavra norrau como integrante de nosso léxico. Por outro lado, o mesmo VOLP ordena que se escreva, quando necessário seu emprego, know-how, expressão essa que tal publicação insere entre as palavras estrangeiras.1 4) Com essas considerações de fato, observe-se, por oportuno, que a Academia Brasileira de Letras é o órgão que detém a delegação legal para determinar oficialmente quais palavras integram nosso léxico e qual sua grafia correta. Sua maneira de entender é a palavra oficial no idioma, e, desse modo, descabe toda e qualquer discussão acerca de outras possibilidades de uso dos mencionados vocábulos na atualidade. 5) Também é oportuno observar que os autores literários, por mais considerados que sejam, podem eventualmente polemizar a grafia mais adequada para um vocábulo e até mesmo aportuguesar a seu modo palavras e expressões estrangeiras. Sua postura, todavia, para nada servirá perante a posição oficial manifestada pela ABL em seu VOLP. Quando muito, tal conduta poderá servir para fornecer elementos para futura mudança de postura por parte da ABL, com a respectiva inclusão em edição futura do VOLP. ________ 1Cf. Academia Brasileira de Letras, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 825.
quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cediço ou sediço

1) Um leitor relata haver encontrado, em texto de determinado jurista, a grafia sediço - e não cediço, como é o costume - com o significado de corriqueiro, e indaga acerca da maneira correta de escrever o vocábulo. Acrescenta que um conhecido dicionarista, embora apontando cediço como forma correta, defendeu também a possibilidade de emprego de sediço. 2) Observe-se, por primeiro, que não há consenso acerca da origem do mencionado vocábulo, e há base histórica para afirmar seu étimo com c ou com s inicial, como bem explica Antônio Houaiss em seu dicionário.1 3) Não se esqueça, entretanto, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, ordena que se escreva cediço2 e não apresenta possibilidade alguma da grafia sediço. 4) Acresça-se que a Academia Brasileira de Letras é o órgão que detém a delegação legal para determinar oficialmente a grafia das palavras em nosso léxico. Sua maneira de entender, assim, é a palavra oficial no idioma, e, desse modo, descabe toda e qualquer discussão acerca de outras possibilidades de uso dos mencionados vocábulos na atualidade. 5) Também é oportuno observar que os dicionaristas podem polemizar a grafia mais adequada para um vocábulo, de acordo com a etimologia, e até mesmo preconizar o emprego desta ou daquela forma. Sua palavra, todavia, pode ter valor de discussão científica, mas de nada servirá perante a posição manifestada pela ABL em seu VOLP. Quando muito, os dicionaristas e os estudiosos poderão fornecer elementos para futura mudança de postura por parte da ABL. _______________ 1Cf. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, p. 665. 2Cf. Academia Brasileira de Letras, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 168.  
quarta-feira, 23 de julho de 2008

Soldada ou a Soldado?

1) Assim como o feminino de juiz de direito é juíza de direito, não há, em tese, razão alguma para se estranhar que, se a função de soldado é desempenhada por uma mulher, será ela uma soldada, a exemplo de consulesa, coronela, delegada, deputada, generala, marechala, ministra, paraninfa, prefeita, primeira-ministra, sargenta, vereadora. 2) Esse nome, assim, tem duas formas distintas: uma para o masculino (o soldado) e outra para o feminino (a soldada). No feminino, não se deve dizer, portanto, a soldado, como se fosse comum-de-dois gêneros, nem o substantivo fica invariável com aparência de masculino, de modo que se reconheça a flexão apenas pela alteração do artigo. 3) Cândido de Oliveira, após observar que, até há pouco, a maioria de nomes dessa natureza era considerada comum-de-dois gêneros, acrescenta textualmente que "é de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminino".1 4) Silveira Bueno, por um lado, traz antigo ensinamento de J. Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: "Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, - e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, - hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída". 5) Adotando esse ensino, acrescenta Silveira Bueno: "Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão, porque tais nomes são meros adjetivos, como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões".2 6) Para que se avaliem as profundas alterações havidas em tempo tão exíguo, acerca da ascensão profissional da mulher, com a conseqüente necessidade de emprego de novos vocábulos, basta que se veja que, mesmo na segunda metade do século XX, ainda lecionava Artur de Almeida Torres haver "certos femininos que são meramente teóricos, e cujo conhecimento não oferece nenhuma utilidade prática", ponderação essa que tal autor complementava dizendo que "esses femininos só servem para sobrecarregar inutilmente a memória do estudante". 7) E, dentre tais substantivos que reputava inúteis, arrolava o mencionado gramático, por exemplo, capitoa (de capitão), aviatriz (de aviador) e anfitrioa (de anfitrião).3 8) Édison de Oliveira lembra os diversos casos de vocábulos femininos terminados por a, que o povo evita usar, "quer em virtude de preconceito de que se trata de funções ou características próprias do homem, quer por considerá-los mal sonoros ou exóticos", acrescentando, ademais, que se hão de empregar tais femininos, "que a gramática já ratificou definitivamente".4 9) Por fim, é oportuno anotar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras - veículo oficialmente incumbido de dirimir dúvidas acerca da existência ou não de vocábulos em nosso idioma, além de outros aspectos, entre os quais a correta flexão em gênero - aponta para a existência de soldado (como substantivo masculino) e de soldada (como substantivo feminino).5 10) Ora, se o VOLP não registra soldado como um substantivo comum-de-dois gêneros, isso, no mínimo, quer significar que seu feminino não pode ser a soldado, de modo que se há de cair na regra comum de flexão de gênero, formando-se, de modo correto, o soldado para o masculino e a soldada para o feminino. __________   1Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 133. 2Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. vol. 2, p. 382-383. 3Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 59. 4Cf. OLIVEIRA. Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data, p. 158. 5Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 729.  
quarta-feira, 16 de julho de 2008

Dolo

1) Do latim dolus (que significa artifício, manha, esperteza, velhacaria), tem sido empregado na terminologia jurídica, na acepção civil, "para indicar toda espécie de artifício, engano, ou manejo astucioso promovido por uma pessoa, com a intenção de induzir outrem à prática de um ato jurídico, em prejuízo deste e proveito próprio ou de outrem".1 Ex.: "Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo, para anular o ato, ou reclamar indenização" (CC/1916, art. 97). 2) Em sentido penal, é o "desígnio criminoso, a intenção criminosa em fazer o mal, que se constitui em crime ou delito, seja por ação ou por omissão".2 3) Quanto à ortoepia, assim é o ensino de Vitório Bergo: "De acordo com a quantidade latina da vogal tônica, esta deve ser aberta em português (dó e não dô)".3 4) Também do entendimento de que seu timbre é aberto é Luiz Antônio Sacconi.4 5) Em perfeita harmonia com os autores já citados, Cândido Jucá (filho) aponta-lhe, como pronúncia correta, o timbre aberto (ó).5 6) Em idêntico modo de pensar, Domingos Paschoal Cegalla refere que a pronúncia da vogal tônica do mencionado vocábulo é aberta, "como em solo".6 7) Após noticiar a equivocada tendência à pronúncia do o tônico com o timbre fechado (ô), observa Eliasar Rosa que, segundo os estudiosos da etimologia, dólon era o mastro escondido de navio antigo, assim como todo punhal que trouxesse a lâmina oculta, dissimulada em cabo de chicote ou dentro de uma bengala. 8) E continua tal autor: "Por isso é que, em sentido amplo, fora do campo estritamente penal, dolo significa astúcia, maquinação, vontade consciente de induzir ou manter alguém em erro, a fim de lhe obter vantagem para si mesmo, ou para outrem".7 ____________ 1Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico.Rio de Janeiro: Forense, 1989. vol. II (letras D a I), p. 120. 2Ibid. 3Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 91. 4Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 18. 5Cf.JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963, p. 223. 6CfCEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 127. 7Cf. ROSA, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 60.
quarta-feira, 9 de julho de 2008

Mas se esqueceu ou Mas esqueceu-se?

1) Indaga um leitor qual o correto: I) "... mas se esqueceu das autoridades modernas..."; II) "... mas esqueceu-se das autoridades modernas". E se pergunta se o mas não seria um "fator de próclise". 2) Em termos gerais, quando átono (ou seja, sem autonomia sonora), o pronome (no caso, o se) se "pendura", quanto à pronúncia, no verbo, conforme o melhor som (eufonia): I) Se vem antes do verbo, há próclise. Ex.: "O advogado não se conteve em audiência"; II) Se vem no meio do verbo, há mesóclise. Ex.: "Realizar-se-á o júri na data prevista"; III) Se vem depois do verbo, há ênclise. Ex.: "Conteve-se o advogado, apesar das ofensas do causídico adversário". 3) Costuma-se dizer que a regra geral é a ênclise, o que significa dizer que o lugar normal para o pronome átono é depois do verbo, a não ser que algo especial aconteça. 4) E esse algo especial que pode acontecer são algumas palavras que, em razão da eufonia, atraem o pronome para antes do verbo: a) as de valor negativo; b) os advérbios; c) os pronomes relativos; d) os pronomes indefinidos; e) as conjunções subordinativas. 5) Confiram-se os seguintes exemplos: I) "Não lhe importavam as calúnias assacadas" (palavra negativa); II) "Hoje a encontrei de novo" (advérbio); III) "O argumento que o convenceu foi o último mencionado" (pronome relativo); IV) "Alguém o convenceu" (pronome indefinido); V) "Quando o encontrou, fugiu" (conjunção subordinativa). 6) No exemplo da consulta, tem-se um mas, que é uma conjunção coordenativa, e não uma conjunção subordinativa. Luiz Antônio Sacconi, a esse respeito, anota que as conjunções e, mas, porém, todavia, contudo, logo e portanto não exigem necessariamente a próclise, exatamente porque são conjunções coordenativas, e não subordinativas.1 7) Feitas essas observações, acrescenta-se que, quando se tem uma conjunção coordenativa (e não subordinativa), a colocação do pronome é optativa, em próclise ou em ênclise. Ou seja, pode-se fazer o uso indistinto de uma ou de outra colocação. 8) Por isso, de modo específico para o caso da consulta, são corretas ambas as formas: I) "... mas se esqueceu das autoridades modernas..." (conjunção coordenativa e pronome em próclise); II) "... mas esqueceu-se das autoridades modernas" (conjunção coordenativa e pronome em ênclise). ________ 1Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 231. ______
quarta-feira, 2 de julho de 2008

Advogada, Patrona ou Patronesse?

1) Indaga-se qual dos vocábulos é adequado para indicar a pessoa do sexo feminino que, regularmente inscrita na OAB, defende um cliente em autos de processo judicial: advogada, patrona ou patronesse? 2) Por um lado, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - veículo oficial da Academia Brasileira de Letras para apontar, com força de lei, quais palavras existem oficialmente em nosso léxico, assim como para definir qual sua grafia e pronúncia adequadas - em sua edição de 2004, aponta para a existência oficial, em nosso idioma, dos três vocábulos referidos: patrono (masculino), patrona (feminino) e patronesse (também feminino).1 3) Por outro lado, quando ao conteúdo semântico, se patrono (do latim, patronus), literalmente, é aquele que protege, que serve de protetor, o certo é que, na linguagem jurídica, também "designa o advogado que, em nome de outrem, defende seus interesses num processo, ou numa demanda, seja na qualidade de autor, ou de réu".2 4) Dessas premissas, duas conclusões podem ser extraídas: I) É de integral juridicidade empregar o vocábulo patrono (no masculino), como sinônimo de advogado, e os dicionaristas atestam essa acepção de "advogado, em relação ao cliente".3 II) Por outro lado, sendo patrona o normal feminino desse vocábulo, na há dúvida de que pode ela ser empregada como sinônimo de advogada. III) Quanto a patronesse, porém, embora seja vocábulo que integra oficialmente nosso léxico, nossos dicionaristas lhe conferem outra significação: a) senhora que organiza ou patrocina festa ou campanha de beneficência4; b) pessoa do sexo feminino escolhida por turma que cola grau, para receber homenagens na cerimônia de formatura; c) mulher que dá suporte a pessoa do mundo das artes.5 5) Assim sendo, muito embora exista patronesse como vocábulo integrante do léxico oficial, seu sentido, porém, não corresponde ao de advogada, motivo porque deve ser evitada a palavra nessa acepção. _________ 1Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 598. 2Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. III. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 332. 3Cf. HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.151. 4Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 1.047. 5Cf. HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.151.
quarta-feira, 25 de junho de 2008

Pontuação

1) Indaga-se qual a pontuação a ser feita no seguinte texto: "Maria toma banho porque sua mãe disse ela pegue a toalha". E se esclarece que faltam nela, para que tenha sentido, um ponto, uma exclamação e duas vírgulas. 2) De evidente utilidade, a pontuação é conhecida há séculos e já presenciou aparição e o desaparecimento de muitos sinais. 3) A partir da década de cinqüenta do século XX, tomou significativo impulso e passou a orientar-se - além das razões sintáticas tradicionais e dos impulsos subjetivos - pelas recomendações e exigências mais apuradas da redação técnica. 4) De um modo geral, é empregada para representar, na escrita, a dinâmica da fala, marcando a entonação, as pausas respiratórias e enfáticas. 5) Oportuno é anotar que os chamados clássicos de nossa literatura nem sempre lhe atribuíram posição de relevo, motivo pelo qual não é incomum encontrar, mesmo em abalizados escritores, erros de pontuação, tais como os cometidos por qualquer usuário da escrita. 6) As gramáticas, por seu lado, pouco trazem a seu respeito, sobretudo no que concerne ao uso da vírgula. 7) Deve-se conferir, todavia, adequado valor à pontuação, até porque, em certos casos, errar ou acertar é questão de vida ou morte. 8) Para ilustrar a necessidade de observância dos princípios de pontuação, lembre-se que a lenda conta que Alexandre Magno, não querendo prosseguir em suas conquistas, antes de voltar à Babilônia, mandou, como era de praxe à época, fosse consultada uma pitonisa acerca do futuro. A resposta veio em cinco palavras soltas, sem qualquer sinal de separação; e sua leitura foi feita por Alexandre e seus generais do modo como mais lhes convinha: "Vais. Voltas. Não morrerás lá." Em campanha, porém, febre aguda acometeu o grande conquistador, que acabou morrendo aos trinta e três anos, em 323 a. C. Seus generais, lembrando-se da pitonisa, mandaram buscá-la, para que fosse punida pela errônea previsão. Qual não foi o espanto deles, contudo, quando ouviram dela a adequada leitura do vaticínio: "Vais. Voltas? Não! Morrerás lá." 9) Da lenda, de igual modo, vem a história de que, na antiga Rússia, em apelo extremo, um czar rejeitara as alegações de um condenado, encimando o recurso com o lacônico veredicto: "Manter condenação. Impossível absolver." Tendo profundo e pessoal interesse no caso, mas sem querer ostensivamente desafiar o czar, a czarina, durante a madrugada, teria revertido a situação, valendo-se de pequenas alterações: "Manter condenação impossível: absolver."1 10) De mesma natureza é a história que tem circulado pelos computadores de todo país. Conta ela que um homem rico estava muito mal. Pediu papel e pena e assim escreveu: "Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada aos pobres". Morreu antes de fazer a pontuação. Sendo quatro os concorrentes, o sobrinho fez a seguinte pontuação: "Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres." A irmã chegou em seguida e assim pontuou o escrito: "Deixo meus bens à minha irmã. Não ao meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres". O alfaiate pediu cópia do original. Não teve dúvidas em assim pontuar: "Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres". Então chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta leitura: "Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate? Nada! Aos pobres!" 11) Quanto ao período da indagação (não sei se há outros sentidos), pode ele ser pontuado ao menos dos seguintes modos, todos corretos: I) Maria toma banho porque sua. Mãe! disse ela, pegue a toalha! II) Maria toma banho, porque sua. Mãe! disse ela, pegue a toalha! III) Maria toma banho porque sua. Mãe! - disse ela - pegue a toalha! IV) Maria toma banho, porque sua. Mãe! - disse ela - pegue a toalha! V) Maria toma banho porque sua. Mãe! (disse ela) pegue a toalha! VI) Maria toma banho, porque sua. Mãe! (disse ela) pegue a toalha! VII) Maria toma banho porque sua. "Mãe!" disse ela. "Pegue a toalha!" VIII) Maria toma banho, porque sua. "Mãe!" disse ela. "Pegue a toalha!" IX) Maria toma banho porque sua. "Mãe!" - disse ela - "Pegue a toalha!" X) Maria toma banho, porque sua. "Mãe!" - disse ela - "Pegue a toalha!" XI) Maria toma banho porque sua. "Mãe!" (disse ela) "Pegue a toalha!" XII) Maria toma banho, porque sua. "Mãe!" (disse ela) "Pegue a toalha!" XIII) Maria toma banho porque sua. - Mãe! disse ela, pegue a toalha! XIV) Maria toma banho, porque sua. - Mãe! disse ela, pegue a toalha! XV) Maria toma banho porque sua. - Mãe! - disse ela - pegue a toalha! XVI) Maria toma banho, porque sua. - Mãe! - disse ela - pegue a toalha! XVII) Maria toma banho porque sua. - Mãe! (disse ela) pegue a toalha! XVIII) Maria toma banho, porque sua. - Mãe! (disse ela) pegue a toalha! _______ 1Cf. COSTA, José Maria da. Revisão de Português. 2. Ed. Campinas: Millennium Editora Ltda., 2005. p. 348.
quarta-feira, 21 de maio de 2008

Inequivocamente ou inequivocadamente?

Inequivocamente ou inequivocadamente? 1) Uma premissa a ser fixada neste assunto é que o sufixo mente, em português, forma advérbios a partir de adjetivos no feminino. Assim: criteriosamente (criterioso > criteriosa > criteriosamente), satisfatoriamente (satisfatório > satisfatória > satisfatoriamente). 2) Por isso, para saber se estão corretos, como advérbios, os vocábulos inequivocamente e inequivocadamente, deve-se verificar, por primeiro, se equívoco e equivocado existem no idioma como reais adjetivos. 3) E uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - editado pela Academia Brasileira de Letras, por delegação legal, para fixar, com força de lei, quais vocábulos pertencem oficialmente ao nosso léxico - revela que tanto equívoco como equivocado podem ser adjetivos.1 4) Apenas para esclarecer, os dicionários lhes conferem o sentido: equívoco significa ambíguo ou aquilo que pode ter mais de um sentido; já equivocado quer dizer errado ou que cometeu algum engano. 5) Ora, se equívoco e equivocado são adjetivos, podem seguir pela regra geral e, assim, tornar-se advérbios nos moldes já referidos: equivocamente e equivocadamente. Ou seja: os dois advérbios estão formados de modo regular no idioma pátrio. 6) Em seqüência, observa-se que in é um prefixo latino de valor negativo, com função nominal, isto é, pode servir para criar neologismos, por via erudita, desde que se junte a advérbios, adjetivos ou substantivos, derivados de outros nomes já existentes, como imerecido, impagável, inaplicável, induvidoso, inexigido. 7) Com essas premissas, pode-se concluir que nada impede que, em português, se diga tanto inequivocamente como inequivocadamente, cada qual com seu específico significado, a partir das acepções inicialmente esclarecidas. Ou seja: inequivocamente quer dizer de modo não ambíguo; já inequivocadamente significa de modo não errado. __________ 1Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 313. ______
quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pertencer

  Pertencer   1) Indaga-se, em suma, qual o complemento que se dá para o verbo pertencer, quando se quer saber o que está correto: I) "O livro pertence a José";   II) "O livro pertence ao José"? 2) Nunca é demais repetir o princípio básico de que o estudo do relacionamento entre as palavras na frase diz respeito a uma parte da Gramática denominada sintaxe (do grego sin = conjunto + taxe = construção).   3) E o capítulo específico da Gramática que trata das preposições exigidas pelo verbo para iniciar seu complemento (ou mesmo ausência de preposição) chama-se regência verbal.   4) Em nosso idioma, as questões de construção, ou seja, de sintaxe, são solucionadas pelo uso que nossos melhores autores, desde Camões (1524-1580), fizeram do idioma pátrio. E a expressão melhores autores deve abranger aqueles escritores que empregaram o vernáculo com apuro e zelo.   5) Buscar, porém, na obra literária dos nossos melhores autores, como foi o emprego da regência do verbo pertencer é como procurar agulha em um palheiro.   6) Mas isso não é necessário, pois, de um modo geral, estudiosos e gramáticos já realizaram estudos nesse sentido, compilaram milhares de exemplos e sistematizaram, em monografias preciosas, grande parte da sintaxe de vocábulos dessa natureza.   7) De modo específico para os limites da indagação, mais não é preciso, em princípio, do que atentar à lição de Domingos Paschoal Cegalla: o verbo pertencer "exige complemento indireto regido da preposição a". Exs.: a) "O iate pertencia a um banqueiro" 1;   b) "Estas ilhas pertencem a Portugal" (Constâncio). 8) Vale acrescentar que os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhe e lhes servem para substituir objetos indiretos. Assim: a) "O documento pertence aos autos";   b) "O documento pertence-lhes". 9) Quanto a saber se o correto é "O documento pertence a José" ou "O documento pertence ao José", diga-se desde logo que ambas as formas estão corretas, e a questão, agora, já não é mais de regência verbal, até porque a preposição a, exigida pelo verbo pertencer, encontra-se em ambos os exemplos.   10) O que convém esclarecer, nesse aspecto, é que há duas formas de falar os nomes das pessoas: I) sem artigo, o que denota formalidade no tratamento;   II) com artigo, o que indica intimidade no tratamento. Exs.: a) "José esteve aqui faz quinze minutos" (tratamento formal);   b) "O José esteve aqui faz quinze minutos" (tratamento informal);   c) "Dei o livro a José" (tratamento formal);   d) "Dei o livro ao José" (tratamento informal). 11) Com tal ponderação, independentemente de ser formal ou informal o tratamento, estão gramaticalmente corretos ambos os exemplos: a) "O livro pertence a José";   b) "O livro pertence ao José". 12) E quanto a saber se o correto é "O livro pertence a meu irmão" ou "O livro pertence ao meu irmão", também não é difícil explicar. Por razões dadas, de igual modo, como formalidade ou informalidade, os pronomes possessivos (meu, minha, meus, minhas) admitem, antes de si, de modo optativo, o uso dos artigos, de sorte que estão igualmente corretos os dois exemplos referidos. _________   1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 317-318. ______
quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sumariíssimo ou sumaríssimo?

Sumariíssimo ou sumaríssimo? 1) Indaga um leitor se a forma correta do superlativo absoluto sintético de sumário é sumariíssimo ou sumaríssimo. 2) O motivo recente da discussão reside no fato de que o Código de Processo Civil, no art. 275 (Lei 5.869, de 11.01.73), falava em procedimento sumaríssimo. A Constituição Federal de 1988, no art. 98, I, rebatizou-o como procedimento sumariíssimo. E a Lei 9.245, de 26.12.95, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil, em seu art. 3º, passou a chamá-lo de procedimento sumário. 3) Esclareça-se que, no campo do Direito, ao menos em tese, sumário "é a expressão usada para designar o processo em que tudo se faz com brevidade, ou em que tudo se resolve de plano, isto é, sem maiores indagações e sem a satisfação de formalidades usualmente dispostas para os processos comuns".1 4) J. Mattoso Câmara Jr. observa que o superlativo absoluto sintético é o grau mais intenso que um adjetivo pode assumir e especifica que, embora o sufixo básico no idioma seja íssimo, existe também a variante imo (humílimo, paupérrimo). 5) E acrescenta: "O português arcaico não possuía essa derivação para superlativos, que se estabeleceu, a partir do séc. XVI, por influência italiana".2 6) Para Rocha Lima, "a terminação geral do superlativo absoluto sintético é íssimo, a qual se junta ao radical dos adjetivos, na forma em que estamos acostumados a vê-los: fri(o) + íssimo = friíssimo; doc(e) + íssimo = docíssimo; nobr(e) + íssimo = nobríssimo".3 Para o caso analisado, o correto seria sumariíssimo. 7) Napoleão Mendes de Almeida, ao comentar outro adjetivo de mesma estrutura - sério - assim assevera: "O superlativo sintético é seriíssimo, com dois ii após o r".4 E não abre tal autor outra opção. 8) Já Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante bifurcam a lição: I) "os adjetivos terminados em io não precedido de e formam o superlativo absoluto sintético em iíssimo" (sério - seriíssimo; necessário - necessariíssimo; frio - friíssimo); II) os outros se formam com apenas um i (feio - feíssimo; cheio - cheíssimo).5 Essa lição, se aplicada ao caso, redundaria em sumariíssimo. 9) Evanildo Bechara, embora confirme essa última posição (seriíssimo, friíssimo, necessariíssimo, precariíssimo), e, por conseguinte, sumariíssimo, traz importante ensino para os dias atuais: "Tendem a fixar-se as formas populares... com um i apenas".6 Assim, para esse autor, também são aceitáveis seríssimo, necessaríssimo, sumaríssimo e semelhantes. 10) Outra não é a lição de Celso Cunha: "Em lugar das formas superlativas seriíssimo, necessariíssimo e outras semelhantes, a língua atual prefere seríssimo, necessaríssimo, com um só i".7 11) Abrangendo de modo específico o adjetivo ora considerado, resume Domingos Paschoal Cegalla que adjetivos com esse perfil ""assumem, no superlativo, a terminação regular -iíssimo ou a irregular -íssimo. Há preferência por essa última, por ser mais eufônica: sumaríssimo (em vez de sumariíssimo), seríssimo, primaríssimo, etc."8 12) Ante a diversidade de posições entre os gramáticos, o melhor é aplicar o princípio de que, na dúvida entre eles, prevalece a conduta mais liberal, que abarque ambos os ensinamentos ("in dubio pro libertate"), de modo que tanto se pode dizer procedimento sumariíssimo como procedimento sumaríssimo. 13) Apenas se observa que a primeira (sumariíssimo) é forma regular, que se harmoniza com as regras de derivação das palavras, enquanto a segunda (sumaríssimo) é forma irregular, que segue a eufonia e se plasma na lei do menor esforço. Esta lei tem grande influência no modo de pronunciar os vocábulos, ao longo do tempo, em nosso idioma, e se particulariza pelo emprego de modos mais simplificados de dicção. ________ 1Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio: Forense, 1989, vol. IV, 1. ed., p. 297.2Cf. CÂMARA JR. J. Mattoso. Filologia e Gramática (Referente à Língua Portuguesa). Rio: J. Ozon Editor, s/d, 4. ed., p. 367.3Cf. LIMA, Carlos Henrique Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio: José Olympio, 1972, 15ª edição, p. 94.4Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave, Ltda., 1981, p. 297.5Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 261.6Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 92.7Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S.A., 1970, p. 122.8Cf. CEGALLA. Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed., Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 384. ______
quarta-feira, 23 de abril de 2008

Agradecê-lo ou agradecer-lhe?

1) A dúvida que se põe é se, quando se quer agradecer a uma pessoa, diz-se agradecê-lo ou agradecer-lhe? 2) Vale sempre lembrar, como princípio básico, que o estudo do relacionamento entre as palavras na frase diz respeito a uma parte da Gramática denominada sintaxe (do grego sin = conjunto + taxe = construção). 3) E o capítulo específico da Gramática que trata das preposições exigidas pelo verbo para iniciar seu complemento (ou mesmo ausência de preposição) chama-se regência verbal. 4) Em nosso idioma, as questões de construção, ou seja, de sintaxe, são solucionadas pelo uso que nossos melhores autores, desde Camões (1524-1580), fizeram do idioma pátrio. E a expressão melhores autores deve abranger aqueles escritores que empregaram o vernáculo com apuro e zelo. 5) Buscar, porém, na obra literária dos nossos melhores autores, como foi o emprego da regência do verbo agradecer é como procurar agulha em um palheiro. 6) Mas isso não é necessário, pois, de um modo geral, estudiosos e gramáticos já realizaram estudos nesse sentido, compilaram milhares de exemplos e sistematizaram, em monografias preciosas, grande parte da sintaxe de vocábulos dessa natureza. 7) De modo específico para os limites da indagação, ensina Domingos Paschoal Cegalla que o verbo agradecer "constrói-se com objeto indireto de pessoa" (e pede a preposição a). Ex.: "Ele agradeceu ao doutor e saiu".1 8) Feita essa observação de que o verbo agradecer, nesse sentido, pede objeto indireto com a preposição a, caminha-se mais um passo. Os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os e as servem para funcionar como objetos diretos, enquanto os pronomes lhe e lhes servem para substituir objetos indiretos. Exs.: a) "O juiz sentenciou o caso"; b) "O juiz sentenciou-o"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O documento pertence-lhes". 9) Com essas premissas, parece não haver dúvida, assim, quanto ao acerto ou erronia dos exemplos trazidos como dúvida, para quando se quer agradecer a uma pessoa: I) "Ele quis agradecer o autor" (errado); II) "Ele quis agradecê-lo" (errado); III) "Ele quis agradecer ao autor" (correto); IV) "Ele quis agradecer-lhe" (correto). __________ 1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 16.
quarta-feira, 16 de abril de 2008

Pontuação: espaço antes?

1) A indagação que se faz é se está correto o uso de espaço entre a última letra da palavra e um sinal de pontuação, como o ponto de exclamação ou o ponto de interrogação. Em outras palavras, se o sinal de pontuação pode vir separado da palavra, ou se é juntado a ela sem espaço algum. Assim, por exemplo, o que está correto: I) Quantos filhos ele tem?; II) Quantos filhos ele tem ? 2) Ora, inexistentes em tempos mais primitivos, os sinais de pontuação foram inventados, na evolução da língua escrita e de seus registros, para facilitar tanto a leitura quanto o entendimento e a compreensão do texto. 3) De um modo geral, não parece haver dúvida sobre o assunto, quando se está diante da vírgula, do ponto, dos dois pontos ou do ponto-e-vírgula, bastando, para constatar, a leitura dos parágrafos antecedentes. 4) A dúvida dos leitores, ao que parece, avulta diante de um ponto de interrogação e de um ponto de exclamação. 5) Tais sinais, entretanto, não diferem, para esses efeitos, dos demais símbolos da pontuação, de modo que não há motivo para querer usar um espaço entre a última palavra e um ponto de interrogação, ou um ponto de exclamação, ou mesmo qualquer outro sinal. Exs.: I) Quantos filhos ele tem? (correto); II) Quantos filhos ele tem ? (errado). 6) Acresce dizer que uma consulta ao Formulário Ortográfico - aprovado unanimemente pela Academia Brasileira de Letras, com força de lei, em sessão de 29.1.42, para organizar a edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - embora não traga regra alguma teórica e específica para esse aspecto, emprega a pontuação exatamente como aqui se preconiza, ao exemplificar com Rui Barbosa determinado aspecto da própria pontuação: "'Aí temos a lei', dizia o Florentino. 'Mas quem as há de segurar?' Ninguém."
1) Um leitor indaga se está correto usar a expressão concordância expressa e por escrito, ou se deve apenas dizer concordância expressa, ou, ainda, concordância por escrito. 2) Quando se trata com as questões de Direito, o termo concordância tem a acepção de manifestação de vontade séria e definitiva, em virtude da qual a pessoa, consentido com os desejos de outrem, vincula-se a uma obrigação.1 3) Sem concordância, ou seja, sem manifestação de vontade, não se há de falar em efeitos de um ato perante o Direito. Em outras palavras, o brocardo "quem cala consente" não tem valia no ordenamento, pois quem não manifesta sua vontade não consente necessariamente com coisa alguma. 4) Por isso, num primeiro aspecto, não se pode falar em uma concordância presumida, ou um consentimento por omissão, que se haveria de deduzir ou de supor simplesmente porque a pessoa que deveria consentir não vem opor-se a que o ato se pratique, ou não declara que não concorda. Por isso, o Direito Contratual pede efetivo consentimento, ou seja, concordância verdadeira, que exatamente se opõe à pretensa concordância presumida. 5) Para o que interessa no caso, podem-se ver dois grupos de efetiva concordância, ambos aceitos pelo ordenamento jurídico, conforme o critério que se empregue e o fim que se pretenda: I) concordância tácita e concordância expressa; II) concordância escrita e concordância não-escrita. 6) A concordância tácita decorre da evidência resultante da prática de atos que comprovem a intenção de consentir ou de anuir à prática do ato, ou de aprová-lo. 7) Já a concordância expressa - que àquela se contrapõe - funda-se em declaração expressa, escrita ou verbal, mas manifesta e inequívoca. 8) Quando a lei não exige, para a validade do ato praticado, que o consentimento seja expresso, o consentimento tácito tem a mesma valia. Por outro lado, quando a lei exige que o consentimento se dê de modo expresso, este não pode dar-se de outro modo. 9) Além disso, pode haver a concordância escrita, vale dizer, em papel ou documento passado e assinado pela pessoa, ou passado por outrem e por ela somente assinado. É o que se dá nos contratos formais. 10) Já a concordância verbal - que se opõe à anterior - é aquela que se dá de viva voz. É válida, quando a lei não exige que seja dada por escrito, como se dá nos contratos consensuais. 11) De tudo o que se observou, nota-se que, opondo-se à concordância tácita, a concordância expressa é modalidade genérica de consentimento, que tanto pode ser verbal, como pode ser escrita. 12) E, assim, para finalizar, nada impede que haja uma concordância expressa e verbal, contraposta a uma concordância expressa e escrita. Ou seja: nada há de incorreto na expressão concordância expressa e por escrito. ___________ 1Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. I. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 520.
quarta-feira, 2 de abril de 2008

Latim entre aspas

Latim entre aspas 1) Indaga-se se as aspas em palavras e expressões latinas são dispensáveis - diversamente dos vocábulos pertencentes a outros idiomas - já que o latim não seria uma língua estrangeira, e sim a origem do português. Ou ainda: se tais palavras e expressões latinas deveriam ser destacadas não pelas aspas, mas por outro sinal distintivo, como o negrito, itálico ou sublinha, diferentemente do uso em expressões de outros idiomas. 2) Ora, fixe-se um primeiro princípio de que o latim, para tais efeitos, não se distingue dos demais idiomas, de modo que as regras de grafia para estes últimos também são válidas para aquele. 3) E não comove o fato de ser o latim nossa origem, nossa língua-mãe; caso contrário, nada impediria uma interpretação mais elástica que atingisse, por exemplo, o espanhol, o italiano e o francês, que, por também serem derivadas do latim, são nossas línguas-irmãs. Todas, enfim, são da mesma família. 4) Feitas essas observações iniciais, anota-se que, quando há necessidade de citar alguma frase ou expressão estrangeira (incluindo o latim) em textos de linguagem formal, devem-se observar algumas regras de suma importância: a) em palavras latinas, não se põe acento gráfico, que não existia na língua-mãe; b) em expressões latinas, também não se emprega o hífen, que, de igual modo, não era lá empregado; c) porque pertencentes os vocábulos ou expressões a outro idioma, devem vir entre aspas, ou em negrito, ou em itálico, ou com sublinha, ou com qualquer outro sinal indicador de tal circunstância (se é que ficou algum sem citar). 5) Vejam-se, portanto, os seguintes exemplos, todos grafando corretamente as expressões de origem latina: "fumus boni juris", fumus boni juris, fumus boni juris, fumus boni juris. 6) O procedimento haverá de ser o mesmo, amplo e igualitário, quando se estiver diante de vocábulos de outros idiomas, que não o latim: apartheid (inglês), avant-première (francês), backup (inglês), bar-mitzvá (hebraico), beagle (inglês), blitz (alemão), cashmere (inglês), castrato (italiano), chianti (italiano), chihuahua (espanhol), chop-suey (chinês), factoring (inglês), fedayin (árabe), gaijin (japonês), glasnost (russo), gnocchi (italiano), gouda (holandês), haikai (japonês), hanukah (hebraico), homus (árabe), intelligentsia (russo), karma (sânscrito), kibutz (hebraico), kirsch (alemão), kosher (iídiche), kümmel (alemão), ombudsman (sueco), origami (japonês), paella (espanhol), pessach (hebraico), pit-bull (inglês), pub (inglês), sashimi (japonês), shiatsu (japonês), shoyu (japonês), squash (inglês), strogonoff (russo), sushi (japonês), telemarketing (inglês), tsunami (japonês), yakisoba (japonês). ______
quarta-feira, 26 de março de 2008

Ruy Barbosa ou Rui Barbosa?

  Ruy Barbosa ou Rui Barbosa?   1) Numa elevada discussão entre leitores, questiona-se como grafar o nome do nosso amado jurista baiano: Ruy Barbosa ou Rui Barbosa. Um levanta a divergência entre o "site" do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e o da Fundação Casa de Rui Barbosa. Outro tenta solucionar com o abono da certidão de nascimento.   2) Fixe-se, nessa matéria, um importante princípio: os nomes próprios sujeitam-se às regras normais de ortografia e de acentuação gráfica, assim como qualquer outra palavra da língua. Por isso se deve escrever Antônio, Luís, Mateus, Rui, e não Antonio, Luiz, Matheus ou Ruy.   3) Confirma-se na lei tal afirmação: o item XI, subitem 39, do Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa - em instruções aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras na sessão de 12.8.43 - assim determina: "Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns".   4) Especificando, na consonância com o item I, subitens 1 e 2, das mesmas instruções, o y só pode ser usado em casos especiais: I) "em abreviaturas e como símbolo de alguns termos técnicos e científicos" (cf. item II, subitem 9), como y (de ítrio) ou yd (de jarda);   II) "nos derivados de nomes próprios estrangeiros" (cf. item II, subitem 10), como em byroniano, mayardiana ou taylorista. 5) Observe-se que a Academia Brasileira de Letras detém delegação legal para definir a extensão de nosso léxico, as regras de como escrever os vocábulos, assim como a acentuação e a pronúncia, de modo que sua palavra não significa mera posição ou opinião, mas é a própria lei, que deve ser seguida, de modo que qualquer outra discussão há de situar-se apenas no campo da polêmica científica e da discussão doutrinária.   6) É oportuno acrescentar proveitosa lição de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante para a situação ora analisada: "A grafia dos nomes de todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações feitas após a morte dessas pessoas".1   7) De Arnaldo Niskier também é lição nesse sentido: "Passando desta para a melhor, a norma é escrever seus nomes de acordo com as regras ortográficas", razão pela qual "um Antonio Luiz só o será em vida: depois da morte passará a ser, portuguesmente, Antônio Luís".2   8) Em resumo, a situação do caso concreto da consulta deve ser assim solucionada: em vida, o jurista baiano chamava-se Ruy Barbosa de Oliveira. Após sua morte, deve-se grafar Rui Barbosa de Oliveira. __________   1Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 42. 2Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 45.   ______
quarta-feira, 19 de março de 2008

Enquanto

1) Num primeiro aspecto, significa durante o tempo que, no tempo em que, quando. Ex.: "Enquanto seguia a audiência, o advogado distraía-se, olhando o horizonte". 2) Num segundo aspecto, tem o sentido de ao passo que, podendo-se usar com o sentido adversativo, de contrariedade. Ex.: "O advogado perdia os olhos no horizonte, enquanto os demais atentavam ao que ocorria na audiência". 3) Josué Machado se posta de modo veemente contra o emprego de tal vocábulo no sentido de considerado como ou sob o aspecto de. 4) E o fato de que o dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira acata a mencionada palavra nesse sentido não comove tal autor, o qual observa que, se o referido uso "viesse suprir alguma deficiência de expressão, a descoberta seria ótima. Mas não. Essa história de enquanto presidente, enquanto mulata, enquanto anta, enquanto ladrão significa que se divide a pessoa em fatias para avaliar cada fatia em separado. Serão acaso mortadelas?"1 5) Arnaldo Niskier, todavia, mostra aceitar, ainda que não totalmente, tal construção, dando, com relação ao exemplo "Eu, enquanto tradutor...", prudente conselho: "Tal construção, embora abonada pelo Aurélio e por diversos gramáticos, tornou-se um modismo; convém, portanto, evitar seu uso excessivo".2 6) Para resumir a questão, o certo é que, embora muitos queiram ver erro em seu emprego na significação de como, de considerado como, de sob o aspecto de, seu uso é abonado por autores de vernaculidade insuspeita, como atesta o seguinte exemplo de Rui Barbosa: "Enquanto homem de partido, pois, há de ser julgado". ___________ 1Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falha de Estilo. 2.ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 46-47. 2Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 32.
quarta-feira, 5 de março de 2008

E/ou

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Perder de ou perder para?

  Perder de ou perder para?   1) Quando se faz uma indagação como essa - perder de ou perder para? - quer-se saber, em suma, que preposição está a exigir o verbo perder para o seu complemento.   2) Esse assunto de relacionamento entre as palavras na frase diz respeito a uma parte da Gramática denominada sintaxe (do grego sin = conjunto + taxe = construção).   3) E o capítulo específico da Gramática que trata das preposições exigidas pelo verbo para iniciar seu complemento chama-se regência verbal.   4) Em nosso idioma, as questões de construção, ou seja, de sintaxe, são solucionadas pelo uso que nossos melhores autores, desde Camões (1524-1580), fizeram do idioma pátrio. E a expressão melhores autores deve abranger aqueles escritores que empregaram o vernáculo com apuro e zelo.   5) Buscar, porém, na obra literária dos nossos melhores autores, como empregaram a regência do verbo perder é como procurar agulha em um palheiro.   6) Mas essa pesquisa não é necessária, pois, de um modo geral, estudiosos e gramáticos já realizaram estudos nesse sentido, compilaram milhares de exemplos e sistematizaram, em monografias preciosas, grande parte da sintaxe de vocábulos dessa natureza.   7) De modo específico para a indagação feita, o gramático Domingos Paschoal Cegalla ensina que o verbo perder, "na acepção de ser vencido, constrói-se comumente com a preposição de". Ex.: "O Fluminense perdeu do Flamengo".   8) Quando se quantifica o resultado do jogo, acrescenta tal autor que se pode usar uma de duas preposições: de ou por. Exs.: a) "O Santos perdeu do São Paulo de 3 a 2";   b) "O Santos perdeu do São Paulo por 3 a 2". 9) E ainda assim finaliza sua lição: "Parece-nos boa também a regência perder para". Exs.: a) "A Itália perdeu para o Brasil por 3 a 1";   b) "Portugal perdeu de 2 a 1 para a Espanha". 10) Em síntese, de modo específico para a indagação feita, tanto se pode dizer perder de como perder para. Vale aqui o princípio de que, quando abalizados autores permitem mais de uma construção, não se deve vedar ao usuário nenhuma delas ("in dubio, libertas"). ______  
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Qualidade eminente ou qualidade iminente?

  Qualidade eminente ou qualidade iminente?   1) Um leitor encontrou a seguinte citação de Saint Hilaire Barthelemy: "De todas as qualidades da alma, a mais iminente é a sabedoria, a mais útil é a prudência". E indaga se está correto iminente, ou se deveria ser eminente.   2) Em verdade, existem em português ambas as palavras - eminente e iminente. São chamadas palavras parônimas: têm grafia e pronúncia parecidas, mas seu significado é totalmente diverso. De mesma categoria são deferir e diferir, delatar e dilatar, eminência e iminência, flagrante e fragrante, infligir e infringir, ratificar e retificar, sortir e surtir, vultoso e vultuoso.   3) Pois bem: eminente significa alto, elevado, ilustre, importante, nobre, notável sublime. Ex.: "O eminente magistrado proferiu brilhante sentença".   4) Já iminente quer dizer imediato, prestes a ocorrer, provável, próximo. Exs.: I) - "A prisão do réu estava iminente";   II) - "O possuidor, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da violência iminente, cominando pena a quem lhe transgredir o preceito" (CC/1916, art. 501). 5) Com essas ponderações, torna-se ao exemplo trazido pelo leitor, em que o vocábulo discutido quer dizer elevado, importante, sublime: I) - "De todas as qualidades da alma, a mais iminente é a sabedoria, a mais útil é a prudência" (errado);   II) - "De todas as qualidades da alma, a mais eminente é a sabedoria, a mais útil é a prudência" (correto). 6) Talvez em razão dos freqüentes equívocos no emprego de ambas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficialmente incumbido de determinar a existência e a grafia oficial das palavras em nosso idioma, mesmo fugindo a seu normal proceder e finalidade de apenas listar os termos pertencentes a nosso léxico, acaba por precisar a exata significação de ambos os vocábulos: eminente é alto, enquanto iminente significa próximo.1 _________   1-Cf. Academia Brasileira de Letras, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004, Rio de Janeiro: Imprinta. P. 295 e 428. ______ 
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Concertar ou consertar?

1) Indaga-se se existe equívoco na frase: "... concertando o que deve ser concertado (p. ex. crédito imobiliário), mas sem aumentar impostos". Ou seja: seria concertando e concertado, ou consertando e consertado? Em resumo: I) existem as formas concertar e consertar?; II) em caso positivo, qual a diferença entre ambas? 2) Em termos históricos, lembra-se que concertar vem do latim concertare, ou certare, que originalmente tinha a idéia de lutar, mas com vistas a pôr em alguma ordem, enquanto em consertar residia com clareza a idéia de restaurar, de reparar. 3) Apesar dessa clara diferença de significado na origem, passou a não haver, no evolver de nosso idioma, distinção entre tais vocábulos, e essa situação perdurou até 1913, quando se publicou a segunda edição do dicionário de Cândido de Figueiredo.1 4) Na atualidade, entretanto, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras ordena que se escreva concertar, quando se quer o significado de harmonizar, e se use consertar, quando se pretende o conteúdo semântico de restaurar, de reparar.2 Essa distinção se espraia para todos os vocábulos pertencentes às respectivas famílias etimológicas: concertabilidade e consertabilidade, concertado e consertado, concertador e consertador, concertamento e consertamento, concertante e consertante, concertável e consertável, concerto e conserto. 5) Ora, a Academia Brasileira de Letras é o órgão que detém a incumbência da lei para determinar oficialmente a grafia das palavras em nosso léxico, de modo que sua maneira de entender é a palavra oficial no idioma. Por isso descabe toda e qualquer discussão acerca de outras propostas de uso dos mencionados vocábulos na atualidade. 6) Com essas considerações, vejam-se as grafias corretas em exemplos práticos: I) - "Ouvi um esplêndido concerto de violões"; II) - "O conserto desse sapato é simplesmente inviável, ante seu estado de deterioração". 7) Anote-se, adicionalmente, que, em determinadas situações, um mesmo exemplo pode admitir as duas grafias, conforme o significado que se queira atribuir ao vocábulo. Exs.: I) - "O presidente precisa concertar o discurso de seus ministros" (se se quer dizer que ele precisa harmonizar a fala dos ministros); II) - "O presidente precisa consertar o discurso de seus ministros" (se se quer dizer que ele deve retificar ou reparar-lhes a fala). 8) Também se acrescente que palavras como concertar e consertar - que têm a mesma pronúncia, mas grafias diversas - são denominadas homófonas (homo = igual + fonas = som). 9) Não confundir com homógrafas, que são palavras de mesma grafia, mas de pronúncia diferente. Exs: I) pôde (pretérito perfeito) e pode (presente do indicativo); II) colher (verbo) e colher (substantivo). 10) De igual modo, também não confundir com as parônimas, que são palavras de grafia e pronúncia apenas parecidas, mas de sentido integralmente diverso, como arrear e arriar, deferir e diferir, eminência e iminência. _________ 1-Cf. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, p. 785. 2-Cf. Academia Brasileira de Letras, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 200 e 204.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Vistos etc. , vistos, etc... ou vistos, etc.?

Vistos etc. , vistos, etc... ou vistos, etc.? 1) Em outros tempos, as sentenças judiciais começavam com um cabeçalho mais ou menos redigido do seguinte modo: "Vistos e bem examinados estes autos de ação civil em que figura como autor..."   2) José Carlos Barbosa Moreira ensina que uma fórmula inicial como "vistos, relatados e discutidos estes autos...", em realidade, "pretende deixar certo que se cumpriram todos os trâmites necessários: os autos foram vistos - isto é, examinados - , deles se fez um relatório, e a matéria foi submetida à discussão do colegiado".1   3) Hélio Tornaghi lembra a origem da expressão: "O juiz antigo não estava obrigado a dizer as razões que o haviam levado a concluir de determinada maneira. Em Roma, a princípio, ele condenava escrevendo a letra D (de damo = condeno) e absolvia com a letra L (de libero = absolvo). Ainda na Idade Média, não se exigia a motivação da sentença. O juiz limitava-se a dizer: visto o processo, condeno. Ou absolvo ('viso processu condemnamus; viso processu absolvimus'). Fórmula que corresponde ao nosso 'vistos e examinados', mas à qual, hoje, acrescentamos a fundamentação".2   4) Nos dias de hoje, entretanto, um preâmbulo como esse não é essencial, mas dispensável, até por força da disposição constitucional que determina a obrigatoriedade de fundamentar as decisões judiciais (cf. CF/1988, art. 93, IX).   5) Além disso, fórmulas sacramentais como essa perderam a relevância de outros tempos, sobretudo porque a estrutura legal de uma sentença, na atualidade, exige o relatório como requisito essencial, além dos fundamentos e da parte final dispositiva (cf. CPC, art. 458).   6) E não é só: ficaria difícil imaginar o que, na atualidade, se quereria enfeixar no etc., certo como é que, pela estrutura hodierna de uma sentença, o juiz ainda não fez o relatório, que deverá constar no corpo do veredicto, nem discutiu com ninguém, pois ainda não se chegou ao cerne do julgamento. E ainda pioraria a situação, na hipótese de um julgamento de primeira instância, em que o juiz decide sozinho, de modo que não há mais ninguém com quem discutir.   7) De qualquer modo, por tradição das sentenças e pela força do hábito no jargão forense, a expressão perdura em uso, de modo que, para a hipótese de seu emprego, analisam-se, a seguir, seus aspectos de pontuação.   8) Veja-se por primeiro, nesse aspecto, que etc. constitui abreviatura da locução latina et coetera, que etimologicamente significa e as outras coisas, ou e as coisas restantes. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc."   9) Por já possuir, na origem latina, uma conjunção aditiva, é errado dizer e etc. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados e etc." (errado).   10) Quanto à pontuação, a rigor, seria etimologicamente inconcebível o uso da vírgula antes do etc., exatamente por se considerar sua significação.   11) Anote-se, todavia, que o Formulário Ortográfico, expedido com força de lei pela Academia Brasileira de Letras em 1943, emprega a vírgula antes de etc., motivo por que, desse modo, a vírgula se torna obrigatória.   12) Em justificativa para essa posição, assim leciona Arnaldo Niskier: "A questão da vírgula antes do etc. é simples: deve ser usada! O argumento de que originalmente a palavra já contém o e (et) não vale, pois o que conta é o acordo ortográfico vigente, e, diga-se de passagem, já não falamos latim, mas sim português".3   13) Num outro aspecto, após o etc. usa-se o ponto indicador da abreviatura.   14) Não se devem usar as reticências (...) por uma razão simples: no caso, esse sinal de pontuação serviria para indicar que se suspende a discriminação de outros seres, mas essa suspensão, em última análise, já está implícita no próprio vocábulo etc.   15) Por fim, nada impede o uso de outros sinais de pontuação após o ponto indicador da abreviatura com o vocábulo etc. Ex.: "Vistos etc., em decisão para a ação principal e para a medida cautelar."   16) Para sintetizar, vejam-se os modos de grafia para a mencionada expressão, com as devidas indicações de sua correção ou erronia: I) Vistos etc. (errado);   II) Vistos, etc. (correto);   III) Vistos etc... (errado);   IV) Vistos, etc... (errado). _________ 1-Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, Sétima Série, p. 287.2-Cf. TORNAGHI, Hélio. Código de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1981, vol. 2, p. 171.3-Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 35. ______
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A meu ver ou ao meu ver?

1) A referida expressão tem o significado de no meu conceito, na minha opinião, segundo penso. Ex.: "A proposta do diretor, a meu ver, não faz sentido". 2) É verdade que, numa rápida pesquisa, os exemplos encontrados nos bons autores, gramáticos e dicionaristas apontam para um só emprego: a meu ver, e não ao meu ver. Exs.: I) "Isso, a meu ver, é asneira" (Cândido de Figueiredo)1; II) "A meu ver, ele é honesto" (Antônio Houaiss).2 3) Ocorre, porém, que, em nosso idioma, os pronomes possessivos, tradicionalmente, admitem de modo facultativo o emprego do artigo antes de si. Exs.: a) "Meu trabalho é cansativo" (correto); b) "O meu trabalho é cansativo" (correto); c) "Ele pintou nossa casa" (correto); d) "Ele pintou a nossa casa"(correto). 4) Sendo optativo o emprego do pronome possessivo em tais casos, à falta de regra gramatical específica que diga o contrário, não parece haver motivo para tratar diferentemente as expressões a meu ver e ao meu ver, de modo que são igualmente corretos os seguintes exemplos: a) "A proposta do diretor, a meu ver, não faz sentido"; b) "A proposta do diretor, ao meu ver, não faz sentido". 5) O acerto dessa dupla possibilidade de uso se confirma, quando se nota a mesma ocorrência em outra expressão bastante similar, com dois modos corretos de emprego: I) "Em meu modo de ver, a proposta do diretor não faz sentido"; II) "No meu modo de ver, a proposta do diretor não faz sentido". _______ 1Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed. 16. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 595. 2Cf. HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.843.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Capitã, Capitoa ou a Capitão?

1) Não há, em tese, razão alguma para se estranhar que, se a função de capitão é desempenhada por uma mulher, será ela uma capitã, ou uma capitoa, a exemplo de consulesa, coronela, delegada, deputada, generala, marechala, ministra, paraninfa, prefeita, primeira-ministra, sargenta e vereadora. 2) Esse nome, assim (quer indique o posto militar imediatamente inferior ao de major, quer signifique o jogador que, dentro de campo, lidera os demais companheiros), tem formas distintas: uma para o masculino (o capitão) e duas outras para o feminino (a capitã e a capitoa). 3) Em decorrência dessas considerações, portanto: I) - não se deve dizer, no feminino, a capitão, como se fosse comum-de-dois gêneros; II) - o substantivo, no feminino, não fica invariável com aparência de masculino; III) - não se há de reconhecer a flexão para o feminino apenas pela alteração do artigo. 4) Cândido de Oliveira, após observar que, até há pouco, a maioria de nomes dessa natureza era considerada comum-de-dois gêneros, acrescenta textualmente que "é de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminino".1 5) Silveira Bueno, por um lado, traz antigo ensinamento de J. Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: "Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, - e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, - hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída". 6) Adotando esse ensino, acrescenta Silveira Bueno: "Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão, porque tais nomes são meros adjetivos, como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões".2 7) Para que se avaliem as profundas alterações havidas em muito pouco tempo acerca da ascensão profissional da mulher, com a conseqüente necessidade de emprego de novos vocábulos, basta que se veja que, mesmo na segunda metade do século XX, ainda lecionava Artur de Almeida Torres haver "certos femininos que são meramente teóricos, e cujo conhecimento não oferece nenhuma utilidade prática", ponderação essa que tal autor complementava dizendo que "esses femininos só servem para sobrecarregar inutilmente a memória do estudante". 8) E, dentre tais substantivos que reputava inúteis, arrolava o mencionado gramático, por exemplo, capitoa (de capitão), aviatriz (de aviador) e anfitrioa (de anfitrião).3 9) Édison de Oliveira lembra os diversos casos de vocábulos femininos que o povo evita usar, "quer em virtude de preconceito de que se trata de funções ou características próprias do homem, quer por considerá-los mal sonoros ou exóticos", e acrescenta que se hão de empregar tais femininos, "que a gramática já ratificou definitivamente".4 10) Por fim, anota-se que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras aponta para a existência de capitão para o masculino e de duas formas para o feminino: capitã e capitoa.5 11) Ora, a ABL tem delegação legal - e a exerce por via do VOLP - para oficialmente dirimir dúvidas e firmar posição de obrigatória aceitação com respeito à existência ou não de vocábulos em nosso idioma, além de outros aspectos, entre os quais sua correta flexão em gênero. 12) Assim, se o VOLP não registra capitão como um substantivo comum-de-dois gêneros, isso, no mínimo, quer significar que seu feminino não pode ser a capitão, de modo que se há de cair na regra comum de flexão de gênero, formando-se, de modo correto, o capitão para o masculino e a capitã ou a capitoa para o feminino. 13) E se ultime: os plurais são, respectivamente, capitães, capitãs e capitoas. __________ 1Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 133. 2Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. vol. 2, p. 382-383. 3Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 59. 4Cf. OLIVEIRA. Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data, p. 158. 5Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 152-153.