1) Não há, em tese, razão alguma para se estranhar que, se a função de capitão é desempenhada por uma mulher, será ela uma capitã, ou uma capitoa, a exemplo de consulesa, coronela, delegada, deputada, generala, marechala, ministra, paraninfa, prefeita, primeira-ministra, sargenta e vereadora.
2) Esse nome, assim (quer indique o posto militar imediatamente inferior ao de major, quer signifique o jogador que, dentro de campo, lidera os demais companheiros), tem formas distintas: uma para o masculino (o capitão) e duas outras para o feminino (a capitã e a capitoa).
3) Em decorrência dessas considerações, portanto:
I) - não se deve dizer, no feminino, a capitão, como se fosse comum-de-dois gêneros;
II) - o substantivo, no feminino, não fica invariável com aparência de masculino;
III) - não se há de reconhecer a flexão para o feminino apenas pela alteração do artigo.
4) Cândido de Oliveira, após observar que, até há pouco, a maioria de nomes dessa natureza era considerada comum-de-dois gêneros, acrescenta textualmente que "é de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminino".1
5) Silveira Bueno, por um lado, traz antigo ensinamento de J. Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: "Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, - e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, - hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída".
6) Adotando esse ensino, acrescenta Silveira Bueno: "Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão, porque tais nomes são meros adjetivos, como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões".2
7) Para que se avaliem as profundas alterações havidas em muito pouco tempo acerca da ascensão profissional da mulher, com a conseqüente necessidade de emprego de novos vocábulos, basta que se veja que, mesmo na segunda metade do século XX, ainda lecionava Artur de Almeida Torres haver "certos femininos que são meramente teóricos, e cujo conhecimento não oferece nenhuma utilidade prática", ponderação essa que tal autor complementava dizendo que "esses femininos só servem para sobrecarregar inutilmente a memória do estudante".
8) E, dentre tais substantivos que reputava inúteis, arrolava o mencionado gramático, por exemplo, capitoa (de capitão), aviatriz (de aviador) e anfitrioa (de anfitrião).3
9) Édison de Oliveira lembra os diversos casos de vocábulos femininos que o povo evita usar, "quer em virtude de preconceito de que se trata de funções ou características próprias do homem, quer por considerá-los mal sonoros ou exóticos", e acrescenta que se hão de empregar tais femininos, "que a gramática já ratificou definitivamente".4
10) Por fim, anota-se que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras aponta para a existência de capitão para o masculino e de duas formas para o feminino: capitã e capitoa.5
11) Ora, a ABL tem delegação legal - e a exerce por via do VOLP - para oficialmente dirimir dúvidas e firmar posição de obrigatória aceitação com respeito à existência ou não de vocábulos em nosso idioma, além de outros aspectos, entre os quais sua correta flexão em gênero.
12) Assim, se o VOLP não registra capitão como um substantivo comum-de-dois gêneros, isso, no mínimo, quer significar que seu feminino não pode ser a capitão, de modo que se há de cair na regra comum de flexão de gênero, formando-se, de modo correto, o capitão para o masculino e a capitã ou a capitoa para o feminino.
13) E se ultime: os plurais são, respectivamente, capitães, capitãs e capitoas.
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1Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 133.
2Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. vol. 2, p. 382-383.
3Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 59.
4Cf. OLIVEIRA. Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data, p. 158.
5Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 152-153.