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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 8 de abril de 2009

Desce redondo ou desce redonda?

1) Indaga um leitor qual a forma correta: "A cerveja que desce redondo"; "A cerveja que desce redonda" ? 2) Veja-se, para fixar um primeiro conceito, o seguinte exemplo: "Ele trabalhou pesadamente". Nessa estrutura, ele é o sujeito, trabalhou é o verbo, e pesadamente é o adjunto adverbial (ou seja, a palavra indica uma circunstância referente ao verbo). 3) Desde o latim, porém, existe a possibilidade de diminuir esse advérbio (pesadamente) e pôr em seu lugar um vocábulo de forma adjetiva (pesado), o qual, então, em decorrência de sua função adverbial, fica invariável: I) "O juiz trabalhou pesado"; II) "A juíza trabalhou pesado"; III) "Os desembargadores trabalharam pesado"; IV) "As advogadas trabalharam pesado". 4) Uma análise não apenas gramatical, mas também semântica, da mencionada estrutura mostra com clareza a função adverbial (e não adjetiva) de pesado, que modifica trabalharam (um verbo), e não juiz (um substantivo). Em outras palavras, o sentido é trabalhar pesado, e não juiz pesado. 5) Para fixar um segundo conceito, tome-se um outro exemplo: "O trabalhador chegou cansado". Nessa estrutura, trabalhador é o sujeito, chegou é o verbo, e cansado é um predicativo do sujeito (refere-se ao sujeito). 6) Contrariamente ao advérbio da hipótese anterior (que é categoria gramatical invariável), tem-se, no caso, cansado, que é um real adjetivo e concorda com trabalhador, motivo por que é passível de flexão em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural): I) "O trabalhador chegou cansado"; II) "A trabalhadora chegou cansada"; III) "Os trabalhadores chegaram cansados"; IV) "As trabalhadoras chegaram cansadas". 7) Também aqui uma análise não apenas gramatical, mas também semântica, da estrutura analisada mostra com clareza a função adjetiva (e não adverbial) de cansado, que claramente modifica trabalhador (um substantivo), e não chegou (um verbo). O sentido, sem dúvida, é trabalhador cansado, e não chegou cansado. 8) Feitas essas distinções com os exemplos dados, observa-se que, em alguns casos, acaba surgindo a dúvida no relacionamento sintático entre as palavras ou expressões, e surge a indagação: um vocábulo com aparência adjetiva tem sempre função adjetiva, ou desempenha função adverbial? 9) Para responder a essa questão, veja-se exatamente o exemplo da consulta: "A cerveja que desce redondo". Quando se analisam as relações entre os vocábulos e expressões da frase, vê-se que se pode extrair duas conclusões: I) é possível pensar em redondo como o modo como desce a cerveja (e, então, redondo tem função adverbial e é invariável); II) também é possível em redondo como uma qualidade da cerveja, que, ao descer, continua redonda (e, assim, redondo tem função adjetiva, clara de um predicativo do sujeito, e, por conseguinte, é variável). 10) Feitas essas observações e ante o quadro que se formou e suas premissas, chega-se à conclusão de que ambos os exemplos são corretos: I) - "A cerveja que desce redondo"; II) - "A cerveja que desce redonda". No primeiro deles, embora com aparência adjetiva, redondo é um adjunto adverbial (e, assim, invariável); no segundo, redondo é um adjetivo com a função de predicativo do sujeito (e, portanto, variável).
quarta-feira, 1 de abril de 2009

Através de

1) A primeira observação que se há de fazer é que deve sempre haver, na referida expressão, a preposição de, e até mesmo configura galicismo sintático sua omissão, como, aliás, lembra Vitório Bergo em seu ensinamento: "É francesa a construção de frase em que através sem a preposição de".1 Exs.: a) "A notícia se modificou através dos tempos" (correto); b) "A notícia se modificou através os tempos" (errado). 2) Luiz Antônio Sacconi é de idêntico parecer, quanto à obrigatoriedade de emprego da preposição de, sob pena de galicismo.2 3) Em tal erro incidiu Eça de Queirós, quase sempre modelar no vernáculo, ao dizer, em Bilhetes de Paris: "Através a folhagem copada... não logrei perceber...". 4) Ao comentar o vicioso hábito de empregar através sem o acompanhamento da preposição de - como em através o século, através a multidão, através o vidro... - Laudelino Freire observa que "tal modo de escrever é inadmissível, por ser estranho à nossa língua. Próprio é da francesa, onde a locução prepositiva à travers nunca pede a preposição de, exceto se o de for partitivo... No português, pelo contrário, é de rigor o emprego da preposição de depois de através...".3 5) Também anotando que através o, com artigo e sem preposição, constitui "inútil e intolerável galicismo, cópia servil do francês travers le", Aires da Mata Machado Filho acrescenta que o erro é prolífero, pois agora surge, na fala comum, o através à, "com preposição e artigo fundidos no a craseado". 6) E esclarece tal autor que o vício inicial, em que marginalizada a preposição, à semelhança de muitos outros em nosso idioma, ocorre "pela falta da comezinha noção de gramática elementar de que a locução prepositiva termina em preposição".4 7) Também Eliasar Rosa anota que "dizer através o, através a é falar como os franceses. Em bom português, usa-se a preposição de".5 8) Para Cândido de Figueiredo, "quem escreve através os campos, através os séculos, etc., macaqueia o francês".6 9) Ronaldo Caldeira Xavier também insere a expressão através o no rol dos galicismos sintáticos e aconselha sua substituição por através de.7 10) Sousa e Silva, sem maiores preocupações teóricas, assim aconselha: "É erro dizer através o Brasil, através os séculos, através a Idade Média etc. Digam assim: através do Brasil, através dos séculos, através da Idade Média etc."8 11) Para Edmundo Dantès Nascimento, em interessante aspecto, essa expressão, por um lado, "não rege nome de pessoa"; por outro, "exige a preposição de".9 12) Num segundo aspecto, quanto a seu exato sentido, principia-se com ensinamento de Antonio Henriques: a) "Empregar-se-á quando houver idéia de penetração de um lado a outro, por dentro de, ao longo de, no decurso de"; b) "Não havendo o sentido anteriormente mencionado, não se deve usar através de, que se substituirá por mediante, por meio de, com, por, por intermédio de".10 13) Em seu divertido modo de observar os lapsos veiculados pela mídia, aponta Josué Machado que "ouvimos e lemos várias vezes que a declaração do presidente (da República) foi feita através do porta-voz. Para o presidente falar através do porta-voz terá de fazer mais um orifício no pobre cidadão que porta a voz dele, porque a locução prepositiva através de tem sentido de transpassagem, de travessia. Através da vidraça, através de rios e montanhas, da cerração, do tempo, dos anos, dos planos econômicos".11 14) Como se vê, por seu próprio significado, deve-se evitar sempre a expressão para significar adjunto adverbial de meio ou de instrumento, hipóteses em que pode ser substituída sem problemas e simplesmente por mediante, por meio de, por ou de. Exs.: a) "Provou por testemunhas" (correto); b) "Provou através de testemunhas" (errado); c) "Deduz-se desses argumentos que o réu há de ser condenado" (correto); d) "Deduz-se através desses argumentos que o réu há de ser condenado" (errado). 15) De Afrânio do Amaral advém preciosa síntese sobre a questão: "É impróprio o emprego, entre nós cada vez mais frequente, da locução prepositiva através de, para indicar instrumento ou veículo, em lugar de mediante, por meio de, em frases com esta: 'Chegaram a termo através de um convênio', 'Pode violar esses preceitos proibitivos através de atos de direito', 'O médico salvou a cliente através de uma injeção'. Tal emprego não se estriba no exemplo de nossos mestres. O sentido certo daquela locução, que apenas denota passagem ou travessia, é de por entre, de lado a lado, ao correr ou no decurso de. Exs.: a) '... laços que se prolongam através das eras' (Alexandre Herculano); b) 'Muito longe, através da montanha' (Coelho Netto); c) 'Os seres sucedem-se através das vicissitudes' (F. de Castro); d) 'Através dos tempos, os vocabulários sofrem modificações' (Laudelino Freire)".12 16) Com supedâneo nessas premissas, extrai Edmundo Dantès Nascimento a ilação de que "constitui vício usar através de regendo nome de pessoa ou indicando meio", como em "Conseguiu através do deputado", ou "Pagou através de cheque".13 17) Tal vício é bastante comum, e Vasco Botelho de Amaral observa textualmente, no que toca ao emprego da expressão para iniciar adjuntos adverbiais de meio ou de instrumento: "Esta mania do através tenho-a notado em muita gente que fala e escreve difícil".14 18) Apenas para registro - já que se destina a observação à linguagem coloquial, não merecendo extensão para o padrão culto, onde se há de observar o posicionamento mais liberal e até permissivo de Domingos Paschoal Cegalla: "Está generalizado o emprego desta locução no sentido de por meio de, por intermédio de. Por isso, não há senão legitimá-lo".15 19) Análise gramatical das leis civil e processual civil, por seu lado, confirma o adequado uso de outras preposições - jamais do emprego errôneo da locução prepositiva considerada neste verbete - para os adjuntos adverbiais de meio ou de instrumento. 20) Assim, o art. 530 do Código Civil de 1916 registra que se adquire a propriedade imóvel pela transcrição, pela acessão, pelo usucapião e pelo direito hereditário. 21) De igual modo, o art. 221 do Código de Processo Civil discrimina que a citação se fará pelo correio, pelo oficial de justiça ou por edital. 22) Uma análise de outros dispositivos da lei processual confirma o emprego reiterado da preposição por: arts. 222, 223, 231,232 e 233 do Código de Processo Civil, dentre outros (citação pelo correio, citação por edital). 23) Também se utiliza a expressão por meio de, como no art. 224 (citação por meio de oficial de justiça). 24) Já o art. 404 emprega a preposição com e fala em provar com testemunhas. 25) E o art. 664 usa a preposição mediante, ao dizer: "Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens..." 26) Acresça-se que através de não serve para indicar o agente da passiva. Exs.: a) "O gol foi feito pelo atacante" (correto); b) "O gol foi feito através do atacante" (errado). 27) Em apreciação de excertos de arrazoados jurídicos e textos forenses, Geraldo Amaral Arruda colecionou uma série de exemplos de emprego equivocado da expressão para introduzir agente da passiva ou adjunto adverbial de meio ou de instrumento: através de escritura pública, materialidade presente através dos autos, através de seu procurador, através da avença, foi provado através do atestado, furto através de arrombamento, aquisição de domínio através de usucapião, sentença reformada através de apelação. 28) Tais expressões, em verdade, deveriam ser corrigidas do seguinte modo: por escritura pública, materialidade presente nos autos, por seu procurador, pela avença, foi provado pelo atestado, furto com arrombamento, aquisição de domínio por usucapião, sentença reformada em apelação.16 ____________________________ 1 Cf. Bergo, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 36.2 Cf. Sacconi, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. P.268.3 Cf. Freire, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. P. 81.4 Cf. Machado Filho, Aires da Mata. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e Edinal - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 736.5 Cf. Rosa, Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p.32.6 Cf. Figueiredo, Cândido de. Falar e Escrever. 5. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943. vol. III, p. 186.7 Cf. Xavier, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 89.8 Cf. Silva, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 42.9 Cf. Nascimento, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 84.10 Cf. Henriques, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26.11 Cf. Machado, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 60.12 Apud Nascimento, Edmundo Dantès. Op. Cit., p. 115, nota 611.13 Ibid., p. 17-18.14 Cf. Amaral, Vasco Botelho de. A Bem da Língua Portuguesa. Lisboa: Edição da Revista de Portugal, 1943. p. 225.15 Cf. Cegalla, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 43.16 Cf. Arruda, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 14-15.
quarta-feira, 25 de março de 2009

Vós de cerimônia

1) Um leitor, ao dar com um erro que lhe apontaram em Rui Barbosa, no emprego de pronome de tratamento, disse haver ficado em dúvida se tal autor não estaria usando o vós de cerimônia. 2) Como primeira premissa, deixam-se de lado questões teóricas e se fixa que um pronome de tratamento como Vossa Majestade, Vossa Senhoria ou Vossa Alteza equivale, na prática, para efeito de concordância verbal, a você (que nada mais é do que uma forma simplificada de outro pronome de tratamento, Vossa Mercê). 3) Por isso, o correto é "Vossa Excelência dirigiu com firmeza os trabalhos da sessão de hoje", porque se diz também "Você dirigiu com firmeza..." 4) Essa substituição prática também vale para a concordância nominal: o correto é "Vossa Excelência dirigiu com firmeza seus funcionários", porque se diz também "Você dirigiu com firmeza seus funcionários". 5) Feitas essas ponderações, conclui-se que contraria os princípios de concordância do pronome de tratamento o seguinte trecho de Rui Barbosa: "... augustos lábios de Vossa Majestade; e, escutando-o com a reverência devida à vossa posição..." Corrija-se: "... augustos lábios de Vossa Majestade; e, escutando-o com a reverência devida à sua posição..." 6) Uma detida análise dos exemplos e das situações, porém, demonstra que as regras de concordância do pronome de tratamento (verbal ou nominal) não se confundem com o que alguns gramáticos chamam de vós de cerimônia, que é o emprego do pronome vós (que é segunda pessoa do plural) com referência a uma só pessoa, e isso por polidez, para marcar a distância ou o apreço social. Exs.: I) "Bem, bem! Escusai-me vós. Tendes razão, Duque."; II) "Pai nosso, que estais no céu..."
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Muitas coisas ou muitas das coisas?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta: I - "Muitas coisas que aconteceram não se justificam"; II - "Muitas das coisas que aconteceram não se justificam". 2) Em síntese, o que se quer saber é o que está correto entre estas duas expressões: muitas coisas ou muitas das coisas. 3) Como, em decorrência do uso sem contestação, não parece haver dúvidas sobre a correção da primeira forma - muitas coisas - resta considerar o exemplo em que se apresenta a expressão muitas das coisas. 4) Ora, em francês, se alguém disser algo como "Eu comi pão" ou "Eu comi o pão", o ouvinte entenderá que se comeu o pão inteiro, e não apenas uma ou duas fatias. 5) Naquele idioma, se alguém quiser dizer que comeu uma ou algumas fatias de um pão, deverá dizer algo como "Eu comi do pão". De igual modo, se tomar uma ou duas taças de uma jarra de vinho, deverá dizer "Eu bebi do vinho". 6) Esse elemento indicador de parte de um todo denomina-se artigo partitivo. Apenas para ilustrar, veja-se que uma propaganda francesa, contrariando a estrutura da língua conclama a população a beber Coca Cola ("Buvez Coca Cola"), e não usa o partitivo. Embora o fato tenha causado inquietação aos puristas da língua, constituiu um caso isolado, que não mudou - nem poderia mudar - a sintaxe do idioma daquele país, e, assim, o povo francês, embora continue bebendo tal refrigerante, mantém intacto o emprego do partitivo. 7) Em português, embora não obrigatório, é muito comum, sobretudo entre os autores mais clássicos, o uso do partitivo como recurso de estilo. 8) Em termos práticos, no caso da consulta, pode-se ver exatamente um partitivo no segundo exemplo. Como já se observou, seu emprego é tão correto como a outra forma que não o utiliza. 9) Vejam-se outros exemplos em que ambas as maneiras de dizer são corretas: I) - "Começava a rever muitas coisas que havia vivido até então"; II) - "Começava a rever muitas das coisas que havia vivido até então"; III) - "Descobri que muitas coisas que eu admirava em você..."; IV) - "Descobri que muitas das coisas que eu admirava em você..."; V) - "Partilhei muitas coisas que vivi por aqui"; VI) - "Partilhei muitas das coisas que vivi por aqui".
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Bacharela

1) Silveira Bueno entende que tal substantivo é comum-de-dois, de modo que a mesma forma seria usada no masculino e no feminino, apenas se alterando o artigo: o bacharel, a bacharel.1 2) Também optando por considerá-lo comum-de-dois gêneros, Geraldo Amaral Arruda vê no feminino bacharela uma "solução inferior", uma forma "de evidente formação popular e de caráter jocoso", lembrando que Caldas Aulete lhe dá o significado de mulher palradora ou sabichona.2 3) Luiz Antônio Sacconi, por seu lado, sem comentários adicionais, insere-o entre os vocábulos que têm um feminino próprio: bacharela.3 4) Cândido Jucá Filho, de igual modo, esclarece que Mário Barreto emprega o feminino bacharela.4 5) Também Luís A.P. Vitória confere-lhe o feminino bacharela.5 6) Cândido de Oliveira tem igual proceder.6 7) Em outra obra, Cândido de Oliveira, após observar que, até há pouco, a maioria de nomes dessa natureza era considerada comum-de-dois gêneros, acrescenta textualmente que é "de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminino". 8) Por essas razões, em seu exemplário, ao masculino bacharel contrapõe ele o feminino bacharela.7 9) Silveira Bueno, por um lado, traz antigo ensinamento de J.Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: "Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, - e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, - hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída". 10) Por outro lado, também aduz tal autor curiosa lição de Lebierre: "Os gramáticos preceituam que os substantivos designativos de certas profissões, a maior parte das vezes exercidas por homens, conservem a forma masculina para a maioria de tais substantivos". 11) E conclui ele próprio: "Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão porque tais nomes são meros adjetivos como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões". 12) E preconiza que se diga bacharela, se tal posto é entregue a uma senhora.8 13) Domingos Pachoal Cegalla preconiza a possibilidade de emprego, no feminino, tanto de bacharel como de bacharela: "Aurélio dá o feminino bacharela, forma usada por Ciro dos Anjos, em seu romance Abdias...Todavia, não nos parece incorreto não flexionar em gênero o substantivo em foco e escrever: 'A bacharel em Direito Eunice Paiva é viúva?' (Luís Fernando Furquim)".9 14) Dirimindo dúvidas acerca da possibilidade de emprego do feminino bacharela, é de se anotar que se encontra ele registrado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" da Academia Brasileira de Letras, que é veículo oficial indicador das palavras existentes em nosso idioma, estando autorizado, por conseguinte, seu normal emprego;10 anote-se, todavia, que lá se registra apenas tal palavra como substantivo feminino, o que implica asseverar que não é aceita como comum-de-dois-gêneros. ___________ 1 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva e Cia., 1938. p. 94.2 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 145-146.3 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 31.4 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 46.5 Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 39.6 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Para entender Português. Edição sem data. São Paulo: Gráfica Biblos Ltda. - Editora. p. 34.7 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 133.8 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo:Saraiva, 1957. 2o v., p. 382-383.9 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 49.10 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta. p. 92.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Designar servidores para compor (ou comporem?)...

1) Uma leitora diz ter dúvidas quanto à flexão do verbo em frases como: I) - "Designar servidores para compor comissão..."; II) - "Designar servidores para comporem comissão..." 2) Em frases como as apontadas, o que se tem é um verbo (compor) no infinitivo e precedido pela preposição para. E a questão, em suma, busca resposta para a seguinte indagação: Usa-se o infinitivo impessoal (compor) ou o infinitivo pessoal (comporem), quando precedido da preposição para? 3) Não mais é necessário, no caso, do que lembrar a lição de Artur de Almeida Torres: "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.: a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira); b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano); c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro"(Alexandre Herculano); d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados"(Camilo Castelo Branco); e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano); f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano); g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade" (Camilo Castelo Branco); h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material"(Alexandre Herculano).1 4) Veja-se que eufonia, em última análise, significa um som agradável, e a atenta leitura mostra que alguns dos exemplos acima não repeliriam outra construção, como é de fácil verificação: I) - "Vamos com ele, sem nos apartar ..."; II) - "Vamos com ele, sem nos apartarmos ..."; III) - "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo"; IV) - "... os levavam à pia batismal sem crer no batismo"; V) - "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes"; VI) - "Obrigá-los a voltarem o rosto contra os árabes"; VII) - "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade"; VIII) - "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade"; IX) - "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material"; X) - "... tantos que nasceram para viver uma vida toda material". 5) Nesse assunto de uso do infinitivo flexionado ou não-flexionado, resguardados certos parâmetros mínimos de correção e de bom senso, é oportuno trazer à colação a frase de José Oiticica, de que Aires da Mata Machado Filho lamentou não ter sido o autor, de modo que lhe restava apenas a satisfação de repetir: "Mandem os gramáticos às favas e empreguem o infinitivo à vontade".2 6) Tais palavras, a bem da verdade, não deixam de ter suporte no que Júlio Nogueira disse com muita propriedade: "Além das sumárias indicações..., difícil será estabelecer regras seguras. É este um dos assuntos que têm dividido os competentes na matéria, dando lugar a fortes dissídios. Em alguns casos, a preferência entre a forma invariável e a variável é apenas de intuição natural, por eufonia, orientação perigosa, pois o que a uns parece agradável ao ouvido, a outros soa mal. Nisto, como no mais, os clássicos não são acordes, nem podem, pela prática generalizada, servir de modelo".3 7) Remate-se com a observação de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante de que "o infinitivo constitui um dos casos mais discutidos da língua portuguesa", e "estabelecer regras para o uso de sua forma flexionada, por exemplo, é tarefa difícil" e, "em muitos casos, a opção é meramente estilística".4 8) De modo prático, para os exemplos da consulta, estão corretos ambos os modos de fala: I) - "Designar servidores para compor comissão..."; II) - "Designar servidores para comporem comissão..." ___________1Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 151-252.2Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Novas Lições de Português". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S.A. e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 324.3Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português - 3ª série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 219-220.4Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 491.    
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Desprovimento ou improvimento?

1) Desprovimento e improvimento são dois substantivos empregados com freqüência nos meios jurídicos e forenses para indicar uma decisão desfavorável de mérito em um recurso. E uma leitora indaga se ambos são corretos, ou não. 2) A autoridade oficial para dizer se um vocábulo existe ou não em nosso idioma está com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que tem a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à vetusta Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8 de dezembro de 1900. 3) Em termos práticos para o caso, uma consulta à última edição do VOLP (de 2004) mostra que existe o vocábulo desprovimento1, mas não improvimento. 4) E, se o VOLP atesta a existência oficial do primeiro vocábulo e nega a do segundo, ele é a lei, e não há como levantar questionamento algum no plano dos fatos e do direito. Eventual discussão só pode ser levantada no plano científico do aspecto lingüístico, mas não no âmbito de permitir o uso de palavra ali não registrada, ou de vedar o emprego de um vocábulo ali constante. 5) Resuma-se, portanto: Existe desprovimento; mas não existe improvimento. Exs.: I) "O relator votou pelo desprovimento do recurso" (correto); II) "O relator votou pelo improvimento do recurso"(errado). 6) Para saber se um vocábulo tem seu uso autorizado pela ABL, clique aqui. ___________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004. p. 264.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Aparando arestas - 1

1) Com a publicação do verbete "Condena-se os excessos ou Condenam-se os excessos?", alguns leitores trouxeram indagações suplementares. Adicionam-se dúvidas de outras oportunidades, porque também se enfeixam neste raciocínio: I) - Se a frase proposta fosse "Condena-se muito os excessos", estaria ela correta? II) - Em frases como "Vende-se casas" e "Aluga-se casas", o se não é partícula (ou símbolo, ou índice) de indeterminação do sujeito, situação essa em que o verbo deve ficar sempre no singular? III) - A frase "O material orgânico... se decompõe lentamente", ao ser substituída por "O material orgânico... é decomposto lentamente", mantém a correção gramatical? IV) - Qual o correto: "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" ou "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada"? 2) Comece-se com a observação de que, em uma frase como "Condena-se o excesso", em que há um se acoplado ao verbo, podem-se fixar as seguintes conclusões: a) porque pode ser dita de outro modo - "O excesso é condenado" - tipifica ela uma frase reversível; b) quando se comparam tais duas frases, o exemplo que tem o se está na voz passiva sintética, e o outro está na voz passiva analítica; c) o se, em tais casos, chama-se partícula apassivadora (e não índice de indeterminação do sujeito); d) o sujeito do exemplo dado na voz passiva sintética é o excesso (veja-se bem: sujeito, e não objeto direto). 3) Em continuação, quando se aplica a regra geral de concordância verbal do sujeito simples - o verbo concorda com o seu sujeito em número e pessoa - tem-se que, se o sujeito vai para o plural, o verbo também vai: I) "Condena-se o excesso"; II) "Condenam-se os excessos". 4) Se, na frase "Condena-se o excesso", se acrescenta a palavra muito ("Condena-se muito o excesso", o raciocínio é o seguinte: a) muito é um advérbio e tem a função de adjunto adverbial; b) modifica ele o verbo (condenar) e indica a intensidade com que se dá a ação indicada pelo verbo; c) sua função sintática é adjunto adverbial de intensidade; d) como a regra básica de concordância verbal do sujeito simples é a de que "o verbo concorda com o seu sujeito", quando se adiciona ou se exclui outra palavra, tal circunstância não exerce interferência alguma na concordância verbal. Vejam-se, portanto, os seguintes exemplos: I) "Condenam-se muito os excessos" (correto); II) "Condena-se muito os excessos" (errado). 5) Observe-se que a alteração da ordem dos termos da oração não lhes muda a função sintática: I) "Muito se condena o excesso cometido por determinados políticos" (correto); II)"Muito se condenam os excessos cometidos por determinados políticos" (correto); III) "Condena-se o excesso cometido por determinados políticos" (correto); IV) "Condenam-se os excessos cometidos por determinados políticos" (correto). 6) Anote-se também que, se a frase fosse "Condenam-se os muitos excessos...", a estrutura sintática não haveria de se alterar para as considerações aqui postas. E se veja que, no novo caso, muitos, que modifica excessos, não é um adjunto adverbial (não modifica verbo), e sim adjunto adnominal (modifica substantivo). E, assim: I) "Sente-se muito a morte em Israel" (correto); II) "Sentem-se muito as mortes em Israel" (correto). 7) E se realce - para fixar conceitos e também para responder adequadamente a uma das indagações - que, em todos os casos em que a frase é reversível (ou seja, naqueles casos em que ela pode ser transformada, como se deu com todas as que referimos até agora), o se é partícula apassivadora, e não símbolo de indeterminação do sujeito. 8) E se acrescente que, para a existência de um índice de indeterminação do sujeito, um dos elementos característicos é que, na prática, a frase não seja reversível, como se dá nos seguintes exemplos: I) "Gosta-se de um bom vinho"; II) "Vive-se bem aqui". Ora, como é de fácil percepção, frases como "Alugam-se casas", "Vendem-se casas", "Condenam-se os excessos..." ou "Condenam-se muito os excessos..." não se enquadram em tal perfil de se como índice de indeterminação do sujeito, até porque são evidentemente reversíveis. 9) Também em adendo, vê-se que a frase "O material orgânico... se decompõe lentamente", como reversível que é, sem dúvida pode ser substituída por "O material orgânico... é decomposto lentamente". Porque reversível, aplicam-se-lhe as lições próprias de tal circunstância. E, lembrado o conceito de que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma coisa, conclui-se que ambas estão igualmente corretas quanto à estruturação sintática. 10) Por fim, analisam-se, quanto à correção, os seguintes exemplos: I) "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada"; II) "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada". 11) Ora, se se dissesse apenas "Exige-se ICMS", o exemplo seria reversível: "O ICMS é exigido", motivo por que se aplicariam ao exemplo os itens próprios de frases dessa natureza. Em continuação, quando se diz "Exige-se ICMS, Multa ... e Multa...", vê-se que ICMS, Multa e Multa são os núcleos de sujeito composto. Ora, se o sujeito é composto, é regra normal de concordância que o verbo pode ir para o plural. Assim: "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada". 12) E se acrescenta uma peculiaridade para o caso: há outra regra para a concordância verbal do sujeito composto: se o sujeito é composto e posposto ao verbo, este pode concordar com o plural ou com o núcleo mais próximo. Exs: I) "Saiu o menino e a menina" (correto); II) "Saíram o menino e a menina" (correto). 13) Aplicando-se tal regra ao caso concreto, são corretas as duas formas da consulta: I) "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" (correto); II) "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" (correto).
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Restar

1) Num primeiro aspecto, quanto à concordância verbal, é comum que o sujeito plural venha posposto a esse verbo, caso em que é preciso atenção, para não haver equívocos quanto à flexão deste último. Exs.: a) "Restava ainda alguns processos sem sentença" (errado); b) "Restavam, ainda alguns processos sem sentença" (correto); c) "Resta-lhe poucos familiares" (errado); d) "Restam-lhe poucos familiares" (correto). 2) Atento aos problemas daí advenientes, leciona Napoleão Mendes de Almeida que "a concordância se impõe com verbos que significam carência, falta, abastança, suficiência: Restavam apenas quinze mil homens".1 3) No que tange à regência verbal, não se encontra abono nos autores clássicos e nos gramáticos seu uso como verbo de ligação seguido de predicativo (com o sentido de ficar), construção frasal essa que se vem vulgarizando na linguagem forense, apesar de errônea. Ex.: "A acusação contra o réu não restou provada nos autos" (errado). 4) Nesse sentido, vale lembrar que, em suas indispensáveis obras sobre regência verbal, nem Francisco Fernandes, nem Celso Pedro Luft fazem menção à possibilidade da referida sintaxe. 5) Corroborando esse posicionamento, anota Geraldo Amaral Arruda que "nenhum dicionário da língua portuguesa registra (restar) como verbo de ligação".2 6) Lembrando que basta uma consulta aos melhores autores para se comprovar que tal sintaxe "não é Português", leciona Edmundo Dantès Nascimento que o verbo restar é empregado erradamente na linguagem forense, isto é, com predicativo do sujeito, em frases como "O decreto restou revogado". 7) Acrescenta tal autor que "a correção se faz com emprego de ficar, remanescer, substituir, conforme o caso".3 8) Pode-se acrescentar a esse ensinamento que mesmo o verbo ser pode ser empregado como auxiliar na voz passiva, evidenciando a ideia da ação verbal o sentido que se intenta obter com o predicativo: "O decreto foi revogado". 9) Reitere-se que, para evitar tal solecismo de sintaxe, basta, na maioria dos casos, adotar a construção passiva, quer sintética, quer analítica, sem o emprego do verbo restar, ou então usar o verbo próprio de ligação com o adequado predicativo do sujeito. Exs.: a) "Não se provou, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva sintética); b) "Não foi provada, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva analítica); c) "A acusação contra o réu não ficou provada nos autos" (correto - verbo de ligação mais predicativo do sujeito). 10) Apenas para ilustrar, é de se ver que Adalberto J. Kaspary, dedicado estudioso do emprego dos verbos nos textos de lei, - muito embora realce que uma construção como a discutida ("O decreto restou revogado") "tem trânsito cada vez mais livre na linguagem forense" - não conseguiu localizar um só exemplo abonador de tal emprego, assim nos diplomas legais do Brasil como nos de Portugal.4 ___________ 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de.Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 278.2 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 21.3 Cf.NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 177.4 Cf.KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica - Acepções e Regimes. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 307-308.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Aluguel ou Aluguer?

1) Conquanto aluguel seja mais recente, com o plural aluguéis, também é correta a forma mais antiga aluguer, que tem por plural alugueres. 2) Observam José de Nicola e Ernani Terra que "ambas as formas são aceitas como corretas", esclarecendo que aluguel "é de uso mais comum no Brasil", ao passo que aluguer "é muito empregada em Portugal e na linguagem jurídica". 3) E reiteram tais autores que "aluguel faz o plural aluguéis e aluguer, alugueres".1 4) Luís A. P. Vitória, embora dê preferência, sem justificativas adicionais, a aluguel, aceita que "são formas variantes, portanto admissíveis ambas".2 5) Domingos Paschoal Cegalla, entre aluguel e aluguer, faz sua opção para o emprego cotidiano: "prefira-se a primeira forma. A segunda (aluguer) é restrita à linguagem forense".3 6) Acresça-se que Rui Barbosa, ao fazer comentários acerca da redação do art. 1.191 do Projeto do Código Civil, aceitou indiferentemente ambas as variantes;4 por sugestão sua, entretanto, acabou vingando aluguer na redação definitiva do art. 1.190 do Código Civil de 1916. 7) E, sistematicamente, o Código Civil emprega as formas aluguer e alugueres (arts. 178, § 10, IV, 776, II, 1.192, II, 1.193, 1.195, 1.196, 1.201, 1.202, 1.205, 1.214, 1.252, 1.566, VII). 8) Nessa mesma esteira de dupla possibilidade de emprego, esclarece Silveira Bueno que, assim como em outros vocábulos, as duas consoantes finais, l e r, substituem-se indistintamente, e ambas as formas são igualmente aceitas e corretas; apenas acrescenta ele que, no caso, "a grafia com r já vai cedendo lugar à grafia com l ".5 9) Dirimindo qualquer dúvida para a atualidade, registra ambas as formas o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa* editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão incumbido de atestar oficialmente quais os vocábulos que integram nosso léxico,6 o que implica asseverar que o emprego de ambas as formas está oficialmente autorizado. 10) Quanto aos demais textos de lei - além do Código Civil de 1916 já referido -, há alguns casos de emprego das formas aluguer e alugueres (Decreto-lei n. 3.200, de 19/4/41, art. 7º, parágrafo único; Decreto-lei n. 7.661, de 21/6/45, art. 44, VII; Lei n. 5.478, de 25/7/68, art. 17; Lei n. 8.245, de 18/10/91, art. 69). 11) Quer em tempos antigos, todavia, quer em tempos modernos, tem-se dado preferência às formas aluguel e aluguéis (Código Comercial, arts.87, 96, 97,99, 100, 113, 116, 228, 230, 470, 764; Código de Processo Civil, arts. 585, IV, e 723; Lei n. 4504, de 30/11/64, art. 91, XI, a; Lei n. 6.091, de 15/8/74, arts, 2º, caput, e 5º, IV; Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 77; Lei n. 8.245, de 18/10/91, arts. 6º, parágrafo único, 9º, III, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 32, 38, 42, 43, 44, 49, 50, 58, 59, 62, 64, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 78, 85; Lei n. 8.383, de 30/12/91, arts. 1º, 72 e 74. ___________ 1 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 29.2 Cf. VITÓRIA, Luiz A.P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 23.3 Cf.CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 21.4 Cf.BARBOSA, Rui. Parecer sobre a Redação do Código Civil. Rio de Janeiro: edição do Ministério da Educação e Saúde, 1949. p. 329.5 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. P. 25.6 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta. p. 40.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Alavancar

1) Indaga uma leitora se o verbo alavancar é citado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, ou se é um neologismo não-oficializado. 2) Uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, em sua mais recente edição, mostra que tal vocábulo integra oficialmente nosso idioma. [1] 3) Acresce dizer que a ABL, entidade que edita o VOLP, tem, por delegação da lei, a a autoridade oficial e a incumbência de listar as palavras pertencentes ao nosso idioma, assim como de determinar-lhe a grafia e fixar-lhe a pronúncia. 4) Em outros dizeres, se um vocábulo se encontra registrado na referida obra, significa que ele existe oficialmente em nosso idioma e deve ser empregado com a grafia e a pronúncia ali especificadas. 5) Por outro lado, se uma palavra lá não se encontra, não está autorizado seu emprego nos textos que devam submeter-se à norma culta. Essa é a lei, e qualquer problema adicional há de ficar para discussões teóricas, no plano científico, sem interferência imediata no seu emprego. 6) Observa-se, em adição, que nada impede que, em determinada oportunidade, a ABL altere posicionamento anterior e passe a incluir no VOLP determinado vocábulo que, até então, ali não constava. 7) Esclarece-se, por fim, que a ABL mantém, "on line", em seu endereço eletrônico, o VOLP atualizado. Para tanto, digite no Google a sigla ABL (ou Academia Brasileira de Letras, ou busque por academia.org.br) e clique na expressão Busca no Vocabulário. Siga, então, as instruções ali constantes. Se a palavra digitada no espaço de pesquisa constar do VOLP, ela vai aparecer. Se não, surgirá o esclarecimento de que ela não faz parte dele. ______________ [1] - Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 31.
quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Independentemente

1) Muito embora incomode a alguns a repetição de sons existente nesse vocábulo, é de se atentar na lição de Domingos Paschoal Cegalla: "É incorreto usar independente (adjetivo) em vez de independentemente (advérbio)". Ex.: a) "O contrato terminará no prazo estipulado, independente de qualquer notificação" (errado); b) "O contrato terminará no prazo estipulado, independentemente de qualquer notificação" (correto). 2) O mesmo autor leciona o modo geral de correção de exemplos dessa natureza: "Troque-se o adjetivo pelo advérbio, e a frase ficará correta".1 3) Apesar de todo o cuidado na redação, oriundo da polêmica sustentada por Rui Barbosa antes de sua aprovação, o CC/1916 traz um equívoco dessa natureza no art. 1.001: "A novação, por substituição do devedor, pode ser efetuada independente de consentimento deste". O CC/2002, no art. 362, todavia, acabou procedendo à respectiva correção: "A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste". 4) Mas esse não é o único equívoco da legislação codificada. O art. 596 do vetusto Código Comercial (Lei 556, de 25/6/1850), por exemplo, assim registra: "... o fretador ... poderá ... completar a carga por outros carregadores, independente de consentimento do afretador". Corrija-se: "... o fretador ... poderá ... completar a carga por outros carregadores, independentemente de consentimento do afretador". 5) Ainda o mesmo Código Comercial no art. 862: "Os administradores da quebra, sem necessidade de outro algum título mais que a ata do contrato da união, e independente da audiência do falido, procederão à venda de todos os seus bens, efeitos e mercadorias, qualquer que seja a sua espécie, e a liquidação das suas dividas ativas e passivas". Corrija-se: "Os administradores da quebra, ... independentemente da audiência do falido, procederão à venda de todos os seus bens, efeitos e mercadorias...". 6) Veja-se, ainda o art. 267, § 1º, do Código Eleitoral (Lei 4.737, de 15/0/1965): "A intimação se fará pela publicação da notícia da vista no jornal que publicar o expediente da Justiça Eleitoral, onde houver, e nos demais lugares, pessoalmente pelo escrivão, independente de iniciativa do recorrente". Corrija-se: "A intimação se fará ..., independentemente de iniciativa do recorrente". 7) E o art. 149, § 2º, do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565, de 19/12/1986): "No caso do parágrafo anterior, o domínio fiduciário transferir-se-á, no ato do registro, sobre as partes componentes, e estender-se-á à aeronave construída, independente de formalidade posterior". Corrija-se: "... o domínio fiduciário transferir-se-á... independentemente de formalidade posterior". 8) E ainda o art. 156, § 2º, do mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica: "A função não remunerada, a bordo de aeronave de serviço aéreo privado (artigo 177) pode ser exercida por tripulantes habilitados, independente de sua nacionalidade". Corrija-se: "A função ... pode ser exercida por tripulantes habilitados, independentemente de sua nacionalidade". 9) Por fim, sem intento algum de exaurir os equívocos da legislação nesse campo, o art. 220 do mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica: "Os serviços de táxi-aéreo constituem modalidade de transporte público aéreo não regular de passageiro ou carga, mediante remuneração convencionada entre o usuário e o transportador, sob a fiscalização do Ministério da Aeronáutica, e visando a proporcionar atendimento imediato, independente de horário, percurso ou escala". Corrija-se: "... visando a proporcionar atendimento imediato, independentemente de horário, percurso ou escala". ______________ 1 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 206.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Extra

1) Como adjetivo, com o significado de extraordinário, é forma correta e dicionarizada, podendo variar normalmente para o plural. Exs.: trabalho extra, horas extras, edições extras. 2) Nesse caso, o som é fechado (ê), e não aberto (é). 3) A esse respeito, lembra com propriedade Édison de Oliveira: "Trata-se, no caso, da forma reduzida, abreviada de 'extraordinário'. Ora, como dizemos 'extraordinário' ('ê' fechado), é sensato que, ao reduzirmos a palavra, não modifiquemos a pronúncia".1 4) Arnaldo Niskier, realçando a natureza de adjetivo nesses casos, observa que, em expressões como serviços extras, tal vocábulo "concorda com o substantivo a que se refere".2 5) Domingos Paschoal Cegalla também observa tal vocábulo como adjetivo, em "forma reduzida de extraordinário" - horas extras, ônibus extras, serviços extras -, acrescentando também a possibilidade de seu emprego como substantivo: os extras de um filme, os extras de uma novela.3 6) Como prefixo, tem o sentido de fora de, além de, e se separa por hífen, se o elemento seguinte começa por vogal, h, r ou s. Exs.: extrajudicial, extra-oficial, extra-hospitalar, extra-regulamentar, extra-sensível. 7) Incoerentemente, porém, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficial para definir oficialmente o modo de grafia dos vocábulos em nosso idioma, apresenta a grafia extraordinário.4 ______________ 1Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 96.2Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 91-92.3Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 161.4Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 332.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Universidades se comprometem (ou comprometem-se...)?

1) Um leitor indaga se está correta a colocação pronominal na seguinte frase: "Universidades se comprometem a não penalizar alunos inadimplentes". 2) Ora, em português, o pronome pessoal oblíquo átono, por não ter força sonora própria, pendura-se, quanto ao som, na sílaba forte do verbo mais próximo. 3) Assim, de acordo com a eufonia, pode o pronome estar em uma de três posições: I) - Próclise (pronome antes do verbo), como em "Não se vá!"; II) - Mesóclise (pronome no meio do verbo), como em "Fá-lo-ei com rapidez"; III) - Ênclise (pronome depois do verbo), como em "Buscou-se uma solução". 4) A par dessa observação, deve-se ver que há determinadas palavras que, se existirem antes do verbo, atraem o pronome: negativas, advérbios, pronomes relativos, pronomes indefinidos e conjunções subordinativas. 5) No caso da consulta, o que se tem é uma oração em ordem direta (sujeito [universidades], verbo [comprometem] e complementos), e não aparece nenhuma daquelas palavras que normalmente atraem o pronome para antes do verbo. 6) Pois bem. Quando se tem uma oração com esses dois requisitos (oração em ordem direta e inexistência de palavra atrativa), então é facultativa a colocação do pronome em próclise ou em ênclise. 7) Por isso estão corretas as duas formas de expressão: I) - "Universidades se comprometem a não penalizar alunos inadimplentes" (correto); II) - "Universidades comprometem-se a não penalizar alunos inadimplentes" (correto).    
quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Incontinenti

1) Trata-se de advérbio latino, que tem o sentido de sem demora, imediatamente. Exs.: a) "Ante a fuga do réu, o juiz, incontinenti, acionou a segurança do fórum"; b) "Quando o devedor pretenda vender o gado empenhado, ou, por negligência, ameace prejudicar o credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiros, ou exigir que se lhe pague a dívida incontinenti" (CC/1916, art. 786). 2) Por se tratar de vocábulo latino, não há acento gráfico, que não existia na língua originária; de igual modo, deve ser grafado entre aspas, ou em itálico, ou sublinhado, que é como se marcam palavras estrangeiras empregadas em nossos textos. 3) Oportuno é a notar a diferença que Laurinda Grion faz entre "incontinenti" e "incontinente", fundada em lição de Luís A. P. Vitória: "Incontinenti é um advérbio de forma latina e significa imediatamente. Não confundir com o adjetivo incontinente, imoderado".1 4) De Domingos Paschoal Cegalla vem a seguinte observação: "Recomendamos, por coerência, acentuar incontinênti, assim como se acentuam os latinismos álibi, cútis, mapa-múndi, déficit, etc.".2 5) Em posição contrária a tal ensinamento, todavia, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da grafia e de quais vocábulos existem ou não em nosso idioma, registra incontinenti como advérbio latino, motivo por que oficialmente não está incorporado tal vocábulo a nosso léxico, não devendo, por conseguinte, receber acento gráfico, que não existia na língua originária.3 6) No campo jurídico, dentre os termos que "gozam de predileção especial por parte de alguns autores", lembram Regina Toledo Damião e Antonio Henriques que incontinenti tem a preferência de emprego pelo jurista Miguel Reale.4 7) Observa-se, por fim, que o Decreto 22.132, de 25.11.32, que instituiu as Juntas de Conciliação e Julgamento e regulamentou suas funções, em seu art. 19, foi assim redigido: "terminada a instância da Junta, seu Presidente remeterá in-continenti os processos findos ao funcionário incumbido de receber as reclamações". 8) Por outro lado, a Lei 7.787, de 30.06.89, que dispôs sobre alterações na legislação de custeio da Previdência Social, em seu art. 12, assim fixou: "em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado in continenti". 9) Não se pode aceitar, todavia, como corretas e adequadas, nem a forma in-continenti nem a grafia in continenti, e isso, no mínimo, por duas razões: I) - o próprio VOLP, ao referir que se trata de vocábulo pertencente ao idioma latino, fixa-lhe a grafia incontinenti; II) - na língua original, as palavras pertencentes a essa mesma família etimológica - como incontinens (impetuoso), incontinenter (excessivamente) e incontinentia (intemperança) - seguem a grafia preconizada pelo VOLP. 5 _________ 1Cf. GRION, Laurinda. Mais Cem Erros que um Executivo Comete ao Redigir. sem edição. São Paulo: EDICTA, sem data. p. 43.2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 204.3Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta. p. 824.4Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 245Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1993. p. 593.  
quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cáiser

1) Um leitor indaga qual a razão - se é que existe - para que o Dicionário Aurélio inclua a forma cáiser como nome do imperador da Alemanha, adaptação essa que não encontrou em outros dicionaristas, como Michaellis, Caldas Aulete e Figueiredo. E resume: "o sr. Aurélio gosta de neologismos, ou esse uso tem alguma base racional?" 2) Veja-se, por primeiro, quanto à etimologia, que, entre os romanos, um imperador ou príncipe tinha o título de caesar (pronuncia-se césar); na Rússia, seu equivalente era czar; na Alemanha, Kaiser. 3) Uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa mostra que nele se registram os três seguintes vocábulos como pertencentes ao nosso léxico: cáiser, césar e czar. [1] 4) Ora, a Academia Brasileira de Letras, entidade que edita o VOLP, tem, por delegação da lei, a incumbência para listar oficialmente as palavras pertencentes ao nosso idioma, assim como para determinar-lhe a grafia e fixar-lhe a pronúncia. 5) Desse modo, se uma palavra se encontra registrada em tal obra, significa que ela existe oficialmente em nosso idioma e deve ser empregada com a grafia e a pronúncia ali constantes. Em caso contrário, não está autorizado seu emprego nos textos que devam submeter-se à norma culta. Essa é a lei. Qualquer problema adicional há de ficar para discussões teóricas, no plano científico, sem interferência imediata no seu emprego, e isso até que ocorra alguma alteração no próprio VOLP. 6) De modo específico para o caso: existe oficialmente, em nosso léxico, a palavra cáiser, e ela não é invenção nem neologismo de dicionarista algum, mas tem sua grafia determinada pelo órgão legalmente autorizado para fixar a grafia e a pronúncia dos vocábulos em nosso idioma. Em resumo: existe em nosso idioma, e seu emprego está legalmente autorizado. __________ [1] - Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 139, 173 e 230.  
quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Você: segunda ou terceira pessoa?

1) Entenda-se, por primeiro, que você é uma forma abreviada a que se reduziu, ao longo dos tempos, a expressão Vossa Mercê. Com o passar dos anos, veio vosmecê, a variante vassuncê e, por fim, você. A lei do menor esforço, que rege a fala das pessoas, já faz com que as pessoas digam ocê e até mesmo ce: "Cê trouxe o livro?" 2) Como pronome de tratamento, também chamado pronome de reverência, é a maneira formal para se dirigir com respeito a determinadas pessoas. É um daqueles pronomes "usados no trato cortês e cerimonioso". [1] Ex.: "Sua Excelência, o presidente do Tribunal de Justiça, honrou-nos com sua visita". 3) No uso dos pronomes de tratamento, quando se fala diretamente à pessoa tratada ("pessoa com quem se fala!"), usa-se "vossa"; quando, porém, se faz referência à pessoa tratada, mas se conversa com outrem ("pessoa de quem se fala"), emprega-se "sua". Exs.: a) "Vossa Excelência, senhor Deputado, é muito corajoso" (quando se fala com a autoridade); b) "Sua Excelência, o Deputado Araújo, de quem lhe falei há pouco, é muito corajoso" (quando se fala da autoridade). 4) Em outras palavras: "se a pessoa, a quem se refere o tratamento, está ausente, isto é, se, em vez de ser o interlocutor (segunda pessoa), for o assunto (terceira pessoa) - a pessoa de quem se fala - então se empregará o [pronome] adjetivo Sua, e não Vossa". [2] 5) De maneira específica para o caso apreciado, sendo você uma forma abreviada de Vossa Mercê, é de rigor concluir, de começo, que ele é um pronome da segunda pessoa ("pessoa com quem se fala"). 6) Quanto à concordância verbal, embora se trate de pronome da segunda pessoa (com quem se fala), o pronome de tratamento precedido de vossa (e aqui se enquadra o você) leva o verbo e os demais pronomes para a terceira pessoa. Exs.: a) "Vossa Excelência foi traído por seus próprios assessores" (correto); b) "Vossa Excelência fostes traído por vossos próprios assessores" (errado); c) "Você foi traído por seus próprios assessores" (correto); d) "Você fostes traído por vossos próprios assessores" (errado); e) "Você foste traído por teus próprios assessores" (errado). 7) Anota Carlos Góis que essa peculiaridade do português - de empregar a terceira pessoa pela segunda, com os pronomes de tratamento seguindo em mesma esteira - existe também no italiano. [3] 8) Tal autor também observa, de modo curioso, que não se há de falar, no caso, em concordância verbal, mas em discordância do verbo, que é "a não conformidade literal da flexão do verbo ao número, ou à pessoa do seu sujeito", e isso porque, embora se refira à segunda pessoa (o interlocutor ou a pessoa com quem se fala), o verbo "acomoda-se à flexão da terceira pessoa". [4] _________ [1] - Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: EditoraModerna, 1979, p. 62. [2] - Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943, p. 55. [3] - Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943, p. 91. [4] - Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943, p. 114-115.
quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Não se deve dizer tais coisas"

1) A questão é saber qual a construção correta: "Não se deve dizer tais coisas", ou "Não se devem dizer tais coisas"?   2) De acordo com Vitório Bergo, "em frases deste modelo, o verbo dever constitui, em regra, auxiliar do infinitivo que se lhe segue, sendo que a partícula se apassiva o todo verbal. Destarte, concorda aquele com o substantivo a que se refere o infinitivo e que é, em uma, o seu sujeito"1; em outras palavras, para tal autor a única forma correta seria: "Não se devem dizer tais coisas".   3) Anote-se, porém, que ambas as estruturas estão corretas, mas cada qual delas tem uma explicação própria2, devendo-se realçar, desde logo, que ambas estão na voz passiva.   4) No primeiro exemplo ("Não se deve dizer tais coisas"), o verbo da oração principal é deve, e o seu sujeito é oracional - dizer tais coisas - , aspecto esse que facilmente se percebe, quando se põe o período em ordem direta ("Dizer tais coisas não se deve"), ou mesmo quando se passa o exemplo, que está na voz passiva sintética, para a voz passiva analítica ("Dizer tais coisas não é devido"). Observa-se que, sendo fraseológico o sujeito, deixa ele o verbo no singular, e se acrescenta, apenas para complementar, que o se, no caso, é partícula apassivadora.   5) No segundo exemplo ("Não se devem dizer tais coisas"), a expressão devem dizer é uma locução verbal (sendo devem o verbo auxiliar e dizer o principal). O se aqui também funciona como partícula apassivadora, e tais coisas é o sujeito de uma voz passiva sintética, cuja voz passiva analítica assim se constrói: "Tais coisas não devem ser ditas". Em ambas as vozes passivas (sintética e analítica), o sujeito é tais coisas, e tal sujeito, por estar no plural, leva também o verbo para esse número, quer na passiva sintética, quer na passiva analítica.   6) Anote-se, todavia, para registro, a lição restritiva de Eduardo Carlos Pereira no sentido de que, em frases como a considerada, quando o verbo está no plural, as frases estão corretas, "manifestamente apassivadas pela partícula se", e tais coisas é o sujeito do verbo perifrástico.   7) Para tal autor, entretanto, muito embora ressalve que o emprego do verbo no singular se encontre, ainda que raramente, em alguns escritores, "tal concordância, todavia, não é segura", pois "só teria sua justificação no caso de ser o se sujeito".   8) Ultima ele suas observações com o lembrete de que, "em outras locuções do infinitivo, em que se vê claramente ser este o sujeito do verbo no modo finito, dá-se a concordância no singular", alinhando, dentre outros, dois exemplos de João Ribeiro: a) "Quer-se inverter leis"; b) "Intenta-se demolir aqueles muros".3   9) Ressalve-se, todavia, que o se jamais poderia ser sujeito em tal expressão, já que, como acentuado, em ambas as estruturas é ele partícula apassivadora.   10) Em continuação, o ensino de Júlio Nogueira se dá no sentido de que, muito embora se encontrem exemplos de construção no singular, é preferível, sobretudo por eufonia, a concordância no plural, além de mais habitual nos clássicos.4   11) Domingos Paschoal Cegalla, sem considerações teóricas acerca do assunto, considera, por um lado, "boa concordância dizer" Podem-se colher as frutas; por outro lado, refere que "também é lícito, em construções desse tipo, deixar o verbo auxiliar poder no singular: Pode-se colher as frutas".5   12) Em observações ao art. 52 do Código Civil - que registra: "Coisas divisíveis são as que se podem partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito" - Luciano Correia da Silva, atento aos aspectos até agora analisados, leciona que também se poderia dizer: "Coisas divisíveis são as que se pode partir em porções reais e distintas...".   13) Segundo tal autor, entretanto, a frase assim dita haveria de ficar "sem o mesmo vigor e propriedade".6   14) Reitere-se, por fim, ante a própria análise da divergência entre os gramáticos e as aceitáveis justificativas para as duas sintaxes, que o melhor parece ser validar, em tais casos, ambas as construções: ou com o verbo no singular, ou com o verbo no plural.   15) De todas essas observações vê-se que estão igualmente corretas ambas as construções: I) - "Note como se pode eliminar quatro palavras"; II) - "Note como se podem eliminar quatro palavras". _________ 1Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. Vol. H, p. 191.2Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. P. 123-124.3Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. P. 220-221.4Cf. NOGUEIRA, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. P. 108.5Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. P. 320.6Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 34.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Para eu ler

1) Em frases como "Ela trouxe os autos para eu ler", a preposição não está regendo o pronome eu, mas o verbo ler, motivo por que a ligação sintática é "Trouxe os autos para ler", e não "Trouxe os autos para mim". 2) Observe-se, assim, o uso adequado e correto do pronome nos exemplo seguintes: a) "Trouxe os autos para mim" (correto); b) "Trouxe os autos para mim ler" (errado); c) "Trouxe os autos para eu ler" (correto); d) "Para mim, ler os autos é tarefa demorada" (correto); e) "Para eu ler os autos, preciso de umas duas horas" (correto). 3) Em casos dessa natureza, significativo é o lembrete de Luiz Antônio Sacconi: "não aparecendo verbo posposto, claro está que o pronome já não será sujeito".1 4) Anote-se, todavia, que a existência de verbo no infinitivo não é necessariamente um sinal de que o pronome seja seu sujeito, fato esse que se comprova com a própria alteração de ordem dos termos da oração. Exs.: a) "Para mim, ler os autos é tarefa demorada" (correto); b) "Ler os autos é tarefa demorada para mim" (correto). 5) Em complementação a esse aspecto, atente-se à oportuna observação de Édison de Oliveira de que, "às vezes, por troca de ordem, o infinitivo, que não devia estar após esses pronomes, acaba por ocupar essa posição e, nesse caso, mantêm-se as formas mim e ti". Ex.: "Para mim ir ou ficar não faz diferença" (= "Ir ou ficar não faz diferença para mim").2 __________________ 1Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. P. 65.2Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. P. 132.      
quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Condenar

1) É verbo muito usado nos meios jurídicos, como se dá no caso da parte dispositiva das sentenças criminais que estipula a pena e das cíveis que fixa os ônus da sucumbência processual. 2) Há problemas de sintaxe a serem resolvidos a seu respeito. 3) No que tange à regência verbal, conforme lição de Francisco Fernandes em indispensável obra, o objeto indireto desse verbo pode ser construído com as preposições a ou em,1 lição essa repetida, com significativos exemplos, por Cândido Jucá Filho.2 Exs.: a) "condenarem... os hereges ao último suplício" (Alexandre Herculano); b) "Condenado em quinze anos de degredo para Cabo Verde". 4) Nesse exato sentido também é a lição de Vitório Bergo, o qual, de modo expresso, dá como corretas ambas as expressões seguintes: condenar às custas e condenar nas custas.3 5) No que concerne aos textos de lei, é de se dizer, por primeiro, que o Código de Processo Civil emprega, indiferentemente, ora a, ora em, como se pode verificar nos exemplos seguintes: a) "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou..." (art. 20, caput); b) "O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido" (art. 20, § 1º); c) "... o tribunal... condenará o juiz nas custas..." (art. 314); d) "A apelação será recebida... só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que... condenar à prestação de alimentos" (art. 520, II); e) "... o juiz... condenará o devedor a constituir um capital..." (art. 602, caput); f) "... o juiz mandará avaliar o custo das despesas necessárias e condenará o contratante a pagá-lo" (art. 636, parágrafo único); g) "É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado" (art. 460). 6) Em outros diplomas legais também se encontra esse verbo com as mesmas construções: condenar alguém em algo, condenar (alguém) a algo, além de condenar alguém por algo. Exs.: a) "A sentença ou acórdão, que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso, condenará nas custas o vencido" (CPP, art. 804); b) "A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registro de hipoteca..." (CC português, art. 710º, 1); c) "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário..." (CF/1988, art. 5º, LXXXV); d) "Não podem ser eleitos para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional, nem permanecer no exercício desses cargos: ... IV - os que tiverem sido condenados por crime doloso enquanto persistirem os efeitos da pena" (CLT, art. 530, IV). 7) Atente-se, por fim, ao fato de que condenar e condenação diferem no que concerne às preposições que podem introduzir seus complementos. __________________ 1Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. Impressão. Porto Alegre: Globo, 1971. P. 158. 2Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. P. 156. 3Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. Vol. II, p. 61.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Emprestar

1) Domingos Paschoal Cegalla, que vê em tal verbo apenas a acepção de ceder por algum tempo, gratuitamente ou não, entende que "não é bom português empregar este verbo na acepção de pedir ou tomar emprestado".1 2) Josué Machado também é do entendimento de que esse verbo apenas deva ser usado no sentido de dar por empréstimo, jamais tomar por empréstimo. 3) E acrescenta que "muita gente tropeça no uso do verbo emprestar, porque no coloquial dos quintais fala-se que 'o ministro emprestou dinheiro da empreiteira', com o significado evidente de que ele tomou, recebeu, abocanhou, recolheu, capturou um dinheirinho. Uso ruim do verbo e coisa feia para o ministro".2 4) Luciano Correia da Silva vê como erro comum "arranjar objeto indireto com de para este verbo, como na frase: 'Eu emprestei de fulano esta máquina'", mandando corrigi-la para "Tomei emprestada (ou de empréstimo, por empréstimo) esta máquina".3 5) Para Luiz A. P. Vitória, "este verbo empregado no sentido de pedir emprestado é galicismo", motivo por que, segundo ele, não se há de dizer "Emprestei um livro de Fulano", mas "Tomei emprestado um livro de fulano".4 6) Cândido Jucá Filho reputa brasileirismo seu emprego com o sentido de tomar por empréstimo, mas ele próprio traz significativo exemplos de abalizados autores pátrios com essa significação: a) "Então o doutor foi emprestar da doente a moléstia" (Taunay); b) "Usara do engenhoso expediente de emprestar da oração algumas palavras alusivas à sua posição" (José de Alencar).5 7) Silveira Bueno também apenas admite para tal verbo a possibilidade de uso quando o sujeito dele fizer a ação de dar alguma coisa a alguém, motivo por que "toda vez que o sujeito do verbo não fizer a ação, mas, ao contrário, recebê-la, não se poderá usar o verbo emprestar, e sim a expressão tomar ou pedir emprestado.6 8) Celso Pedro Luft tem a acepção de tomar ou receber por empréstimo, de pedir emprestado, na conta de construção popular.7 9) Com base em Cândido Jucá Filho, observa Francisco Fernandes que emprestar de corre em São Paulo em vez de tomar emprestado a. Exs.: a) "Paulo emprestou um livro a Martinho"; b) "Martinho emprestou um livro de Paulo". 10) E, lembrando a lição do Padre José Stringari, continua tal autor: "no sentido de pedir ou tomar emprestado, pedir de empréstimo, receber por empréstimo, é falar brasileiro dizer-se emprestar de alguém alguma coisa".8 11) Conforme designação de Mário Barreto, entretanto, trata-se de palavra bifronte, porque indica relações duplas, posições recíprocas, com sentido ora ativo, ora passivo. 12) Aires da Mata Machado Filho, que transcreve a lição do referido gramático, vê em tais vocábulos termos de significação ativa e passiva.9 13) Na primeira hipótese, significa dar por empréstimo. Exs.: a) "O proprietário emprestou o imóvel ao amigo"; b) "Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família" (CC/1916, art. 746). 14) No segundo caso, tem o sentido de receber por empréstimo. Ex.: "O réu emprestou o imóvel do proprietário amigo". 15) Em realidade, ante a divergência entre os gramáticos, o melhor é ampliar as possibilidades de uso da expressão, aplicando-se o vetusto princípio de que, na dúvida, há liberdade de uso (in dubiis, libertas). 16) Por outro lado, como se vê, o emprego adequado da preposição salva os equívocos que possam aparecer em tais casos. 17) Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade também têm tal verbo como portador de ambos os significados: fazer empréstimo e receber empréstimo.10 18) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques também estão de acordo em que tal verbo é bifronte, vale dizer, assume o duplo aspecto tanto no sentido ativo de dar por empréstimo como no sentido passivo de receber por empréstimo.11 ____________________ 1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 137.2 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 209.3Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 88.4Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 102.5Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 64.6Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 68.7Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 234.8Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 265.9Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Novas Lições de Português". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 213.10Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 70.11Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 234    
quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Vez que

1) Existe em nosso idioma a locução adverbial de vez, que significa quase boa para ser colhida; assim, por exemplo, diz-se que "a fruta está de vez". 2) Não é correta, entretanto, a expressão vez que com significado de conjunção subordinativa causal, em frases como a seguinte: "O réu foi absolvido, vez que não havia provas concretas contra ele". 3) Em tais casos, deve-se usar uma conjunção ou locução conjuntiva causal equivalente: porque, porquanto, já que, uma vez que, visto que. 4) Atente-se, a esse respeito, à lição de Aires da Mata Machado Filho: "Essas conjunções causais formadas com o vocábulo vez não primam pela vernaculidade. Salva-se, realmente, uma vez que".1 5) Anotando ser freqüente o emprego dessa expressão em razões, sentenças e requerimentos, em lugar de uma vez que, observa Edmundo Dantès Nascimento tratar-se de erro a ser evitado.2 6) Ao referir que, modernamente, vem surgindo no linguajar comum tal expressão, com aceitação de muita gente, Edmundo Dantès Nascimento observa que se trata de uma "ânsia de inovar por quem não está apto a fazê-lo"; e, mesmo anotando que "a língua sofre mudanças no vocabulário e até na sintaxe" e que Dante, Camões, os românticos, os simbolistas e até João Guimarães Rosa mudaram suas línguas pátrias, ressalva, porém, tal autor que, entre as constâncias seculares das línguas "se alinham as preposições, que, em sua maioria, são subsistências latinas". 7) Em complementação, assevera ele que, consultados tais movimentos e pessoas, "verifica-se que ninguém pensou em alterar as preposições, pois são movimentos realizados com pleno conhecimento de Gramática Histórica".3 8) Para o mesmo autor, em outra passagem de mesma obra, essa expressão é completamente equivocada, e se deve dizer uma vez que. 9) E acrescenta: "todas as locuções preposicionais, conjuncionais ou adverbiais formadas com a palavra vez têm a anteposição do artigo ou outra palavra".4 10) Observando ser muito comum, tanto em peças redigidas por advogados como em sentenças, o emprego de tal expressão, invoca Geraldo Amaral Arruda a lição de Silveira Bueno e assevera tratar-se ela de erro, de solecismo condenável.5 11) Em outra passagem de mesma obra, tal autor refere que se trata de "locução que nenhum dicionário ou gramática registram".6 ________________ 1 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo, co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. Vol. 4, p. 1.179. 2Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1982., p. 43, nota 57. 3Ibid., p. 132. 4Ibid., p. 87. 5Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.22. 6Ibid., p. 109.  
quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Onde e aonde

1) Por um lado, correspondendo ao advérbio latino "ubi" (com o significado de onde, no lugar em que), usa-se onde com verbos de acepção estática, que indicam permanência em algum lugar. Exs.: a) "Onde trabalha a testemunha?"; b) "Onde se escondeu o assassino?". 2) Já aonde, que é combinação da preposição a com o advérbio onde e que tem por sinônima adonde (correspondendo ao advérbio latino "quo" e significando para onde, para que lugar), exprime o destino de uma pessoa ou coisa e se emprega como adjunto adverbial de verbos dinâmicos1, que indicam movimento em direção a algum lugar. Exs.: a) "Aonde vai o nobre advogado?"; b) "Aonde foi o assassino?". 3) Vê-se, assim, que equivocado, em princípio, o uso de tais palavras nos seguintes exemplos: a) "Aonde você mora?"; b) "Onde você vai?" 4) Atente-se ao perfeito uso de ambas as palavras por Carlos Drummond de Andrade no seguinte trecho: "Pediram-me que definisse o Arpoador. É aquele lugar dentro da Guanabara e fora do mundo, aonde não vamos quase nunca, e onde desejaríamos obscuramente viver". 5) Assim resumem Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade a regra acerca do uso de onde e aonde: "Onde usa-se com verbos de caráter estático, indicadores de fixação... Aonde usa-se com verbos de caráter dinâmico, indicadores de movimento.2 6) Dando mostras de plena distinção entre os vocábulos, leciona Laudelino Freire: "deve firmar-se critério uniforme no emprego destes advérbios, em conformidade com as suas significações, sempre fáceis de serem discriminadas segundo os verbos que se lhes unem. Onde significa no lugar em que, no qual lugar, e junta-se a verbos que encerram a idéia de quietação; aonde significa para o lugar que, para o qual lugar, para que parte, para que lugar, e junta-se a verbos que encerram idéia de movimento".3 7) Para Sousa e Silva, onde e aonde não se equivalem hodiernamente, e, embora se trate de diferenciação moderna, "tende a fixar-se no idioma, não obstante a resistência de alguns filólogos".4 8) Arnaldo Niskier, em observação conjunta sobre onde, aonde e de onde, anota que seu uso "não é tão difícil" e justifica: "com verbos que indicam permanência, como estar, usamos onde; com verbos que indicam movimento, usaremos aonde quando se referir ao destino (aonde você quer chegar?), e de onde (ou donde) quando se referir à procedência (de onde você saiu?)".5 9) Lembrando que até mesmo Camões quase sempre usava onde e, "quando usava do aonde, fazia-o sem ter em atenção o seu significado", Laudelino Freire esclarece que, nos dias de hoje, "não escreveria correto quem não discriminasse nitidamente, no uso desse advérbio, o lugar donde, o lugar onde, o lugar aonde ou para onde". 10) E, de modo específico, no que concerne à distinção entre onde e aonde, é taxativo tal autor: "Com efeito, onde significa no lugar em que, no qual lugar, e junta-se aos verbos ditos de quietação; aonde significa para o lugar que, para o qual lugar, para que parte, para que lugar, e junta-se aos verbos ditos de movimento".6 11) Também acerca do emprego de onde, aonde e donde, Silveira Bueno assim sintetiza a lição: "O snr. só pode empregar onde com verbos que não marquem movimento, mas estado: O lugar onde estamos nem sempre é aquele onde morremos. Empregará aonde com os verbos de movimento para ou movimento a: A terra aonde vou; A casa aonde te diriges. Empregará donde com verbos de movimento de: O país donde chego; O jardim donde venho".7 12) Eduardo Carlos Pereira, por seu lado, após proceder à diferenciação entre aonde, donde e onde, observa que "não se subordinam os nossos clássicos e alguns escritores modernos a estas distinções quanto aos advérbios onde e aonde".8 13) Oportuna é a ponderação de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante: "o estabelecimento dessa diferença de significado tem sido uma tendência do português moderno. Na língua clássica, ela não existia; ainda hoje, é comum encontrar-se o emprego indiferente de uma ou outra forma".9 14) Sílvio Elia, por seu lado, a par de estabelecer a lição normalmente aceita por nossos gramáticos de que os verbos de movimento exigem aonde, em comentários a um verso de Álvares de Azevedo "Onde vais pelas trevas impuras...?" - excepciona que "o interrogativo onde é muito freqüentemente usado em português com o valor de aonde".10 15) Não se pense, por fim, que a discussão seja destituída de cunho prático ou de atualidade, devendo-se lembrar que, em jornal de grande circulação no país11, o ex-presidente da República José Sarney, após afirmar que, no Maranhão, falar errado "desfaz casamento e abala conceito", produziu ele próprio a seguinte frase: "Ora, aonde no Brasil se pode misturar latim e Carnaval?" 16) Dias após, no Painel do Leitor do mesmo jornal12, o professor Octavio Bueno Magano, da Universidade de São Paulo, polemizava que o escritor maranhense melhor se houvera se dissesse: "Ora, onde no Brasil se pode misturar latim e Carnaval?" 17) Em resposta, o senador e imortal da Academia Brasileira de Letras - que não quis atribuir o aonde a equívoco da secretária ou datilógrafa, muito embora, em publicação anterior do mesmo artigo, no Maranhão, viesse o registro de onde - ponderava que um dos envolvidos na polêmica estava certo, e o outro não estava errado, realçando que a discussão tinha mais de um século, e que desde alguns de nossos melhores autores da fase arcaica da língua até nossos dias, vários não fazem distinção alguma, motivo por que onde ou aonde seriam defensáveis em tais casos, quer em decorrência do emprego pelos clássicos, quer pela ocorrência de verdadeiro brasileirismo. 18) Polêmicas à parte, o melhor, na atualidade, acaba sendo observar a distinção que modernamente se faz entre onde e aonde, usando o primeiro para verbos e outras palavras que indiquem quietação, e guardando o segundo para palavras que signifiquem movimento em direção a algum lugar. 19) Interessante é observar um exemplo como "Onde vou morar", no qual, aparentemente, há um verbo de conteúdo dinâmico (vou) e outro de conotação estática (morar). 20) Nesse caso, porém, a realidade que surge além das aparências é que não há dois verbos com significados distintos de ir e de morar, mas apenas uma locução verbal (dois verbos fazendo o papel de um só), cujo verbo principal (determinante do sentido) é morar, enquanto vou é apenas um verbo auxiliar da locução, sem capacidade para determinar a preposição que se há de empregar no caso. 21) E, assim, se morar é um verbo de acepção estática, então se há de empregar onde, e não aonde. Exs.: I) "Onde vou morar" (correto); II) "Aonde vou morar" (errado). 22) No que concerne aos textos de lei, normalmente se observa a referida distinção, e o art. 31 do Código Civil é exemplo típico de correção quanto ao emprego de palavras dessa natureza: ""O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo". 23) E, fundando-se em lição de Otoniel Mota, fazem Regina Toledo Damião e Antonio Henriques importante observação, quando distinguem onde de em que: "onde indica lugar material", enquanto "em que, lugar virtual".13 24) Melhor explicando: se não se tem um lugar, mas uma situação ou um tempo, por exemplo, não se há de dizer onde. Exs.:I) "Estive presente na sessão onde se discutiu o assunto" (errado); II) "Estive presente na sessão em que se discutiu o assunto" (correto); III) "No ano onde eclodiu a Guerra do Golfo, eu morava no interior" (errado); IV) "No ano em que eclodiu a Guerra do Golfo, eu morava no interior" (correto); V) "Na audiência onde se ouviram as testemunhas..." (errado); VI) "Na audiência em que se ouviram as testemunhas..." (correto). ______________ 1 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "A Correção na Frase", In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 6842 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 59.3 Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 100. 4 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 195.5 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 52.6 Cf. FREIRE, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. p. 104-105.7 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 115.8 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 354-355.9 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 546.10 Cf. ELIA, Sílvio. A Língua e a Literatura no Curso Colegial. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. p. 181.11 Cf. Folha de S. Paulo. de 5.3.93.12 Cf. Folha de S. Paulo. de 19.3.93.13 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 230.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Irá se realizar, ou ir-se-á realizar, ou...?

1) Um leitor encontrou num texto a construção "A segunda praça irá se realizar..." e indaga se ela é correta. Pergunta, ainda, se seriam possíveis outras formas. 2) Numa frase como essa, deve-se ver, de início, a existência de uma locução verbal (mais de um verbo fazendo o papel de um só), em que irá é o verbo auxiliar, e realizar é o verbo principal (e está no infinitivo). 3) Confirma-se a existência da locução verbal (ou seja, de que há dois verbos fazendo o papel de um só), quando se diz mentalmente "A segunda praça se realizará", quando se vê surgir apenas um verbo em tempo simples. 4) Acresce dizer que, na estrutura considerada, resta o pronome oblíquo átono se a ser usado com os verbos da locução. 5) Uma primeira observação a ser feita é que um pronome oblíquo átono não tem autonomia sonora, de modo que fica na dependência do verbo, que é a palavra à qual se liga, a qual é a efetiva detentora dessa autonomia sonora. 6) E, em termos práticos, nesses casos, a indagação a ser adequadamente feita é a seguinte: quanto à sonoridade e à eufonia, qual o melhor lugar para o pronome: antes do auxiliar, entre o auxiliar e o principal, ou após o principal? O assunto é estudado por um capítulo da Gramática denominado topologia pronominal ou colocação dos pronomes. 7) Uma segunda observação é que, no caso das locuções verbais com o auxiliar no infinitivo, são possíveis, em tese, três colocações do pronome: I) - "Eu lhes vou mostrar meu trabalho" (próclise ao auxiliar); II) - "Eu vou-lhes mostrar meu trabalho" (ênclise ao auxiliar); III) - "Eu vou mostrar-lhes meu trabalho" (ênclise ao principal). 8) Se o auxiliar está no futuro do presente ou no futuro do pretérito (que não admitem a ênclise e sim a mesóclise), então a opção ênclise ao auxiliar fica adaptada para mesóclise ao auxiliar. Ex.: I) - "Eu lhes irei mostrar meu trabalho" (próclise ao auxiliar); II) - "Eu ir-lhes-ei mostrar meu trabalho" (mesóclise ao auxiliar); III) - "Eu irei mostrar-lhes meu trabalho" (ênclise ao auxiliar); IV) - "Eu lhes iria mostrar meu trabalho" (próclise ao auxiliar); V) - "Eu ir-lhes-ia mostrar meu trabalho" (mesóclise ao auxiliar); VI) - "Eu iria mostrar-lhes meu trabalho" (ênclise ao auxiliar). 9) Anote-se, em seqüência, que se impede a próclise ao auxiliar, quando o pronome coincide com o começo da frase. Exs.: I) - "Eu lhes vou mostrar meu trabalho" (correto); II) - "Lhes vou mostrar meu trabalho" (errado). 10) Também se verifique que obsta a ênclise ao auxiliar a existência de uma daquelas palavras que normalmente atraem o pronome para antes do verbo num tempo simples (palavras negativas, advérbios, pronomes relativos, pronomes indefinidos e conjunções subordinativas). Exs.: I) "Eu não lhes vou mostrar meu trabalho" (correto); II) - "Eu não vou-lhes mostrar meu trabalho" (errado). 11) O impedimento acima referido também incide para obstar a mesóclise ao auxiliar, quando o verbo está no futuro do presente ou no futuro do pretérito. Exs.: I) "Eu não lhes irei mostrar meu trabalho" (correto); II) - "Eu não ir-lhes-ei mostrar meu trabalho" (errado). 12) Vejam-se, assim, em resumo, as possibilidades de colocação do pronome no caso da consulta, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: I) - "Lhes vou mostrar meu trabalho" (errado); II) - "Eu lhes vou mostrar meu trabalho" (correto); III) - "Eu vou-lhes mostrar meu trabalho" (correto); IV) - "Eu vou mostrar-lhes meu trabalho" (correto); V) - "Eu lhes irei mostrar meu trabalho" (correto); VI) - "Eu ir-lhes-ei mostrar meu trabalho" (correto); VII) - "Eu irei-lhes mostrar meu trabalho" (errado); VIII) "Eu irei mostrar-lhes meu trabalho" (correto); IX) - "Não lhes vou mostrar meu trabalho" (correto); X) - "Eu não lhes vou mostrar meu trabalho" (correto); XI) - "Eu não vou-lhes mostrar meu trabalho" (errado); XII) - "Eu não vou mostrar-lhes meu trabalho" (correto); XIII) - "Eu não lhes irei mostrar meu trabalho" (correto); XIV) - "Eu não ir-lhes-ei mostrar meu trabalho" (errado); XV) - "Eu não irei-lhes mostrar meu trabalho" (errado); XVI) "Eu não irei mostrar-lhes meu trabalho" (correto).
quarta-feira, 20 de agosto de 2008

E nem

1) Tais palavras só podem vir juntas em seqüência, quando o e for conjunção e o nem for advérbio, exercendo cada uma, assim, sua própria função morfológica. Ex.: "O ordenamento jurídico busca a realização da justiça e nem sempre consegue". 2) Como conjunção, todavia, nem já significa e não, razão pela qual não se lhe pode antepor e. 3) Em tais casos, ou se diz nem, ou se diz e não; mas não se pode dizer e nem. Exs.: a) "O advogado não apresentou contestação, nem apresentará" (correto); b) "O advogado não apresentou contestação e não apresentará" (correto); c) "O advogado não apresentou contestação e nem apresentará" (errado). 4) Acresça-se a lição de Eduardo Carlos Pereira, para quem "é arcaico e plebeu o emprego conjunto..., o uso pleonástico de duas conjunções como... e nem, o qual vai sendo evitado pelos escritores modernos".1 5) Domingos Paschoal Cegalla, em mesma esteira, confirma três significativos aspectos: I) "A conjunção nem significa e não. Por isso, é incorreto antepor-lhe a conjunção e em frases como as seguintes, nas quais nem tem significado aditivo-negativo, equivalente de e também não: 'Não vi nem conheço este homem'. 'Ele nunca viajava de navio nem de avião'"; II) "O conjunto aditivo e nem só é cabível quando equivale a mas não, e também nas expressões e nem sequer, e nem por isso, e nem assim, e nem sempre"; III) Por fim, "bons escritores, contrariando a norma exposta no item I, empregam e nem", tentando justificar tal gramático os referidos cochilos com a possibilidade de e nem "ser mais enfático do que o simples nem". Exs.: a) "Não queremos e nem podemos entrar no exame de tamanha complexidade" (João Ribiero); b) "Nunca se lembra do que lhe sucedeu na véspera e nem faz planos para o amanhã" (Aníbal Machado).2 6) Por fim, assim é a síntese de Luiz A. P. Vitória: a) "ensinam os gramáticos que é erro empregar nem precedido de e"; b) está errado, assim, o exemplo: "Não vem e nem me avisa", que dever ser corrigido: "Não vem nem me avisa", ou "Não vem e não me avisa"; c) Excepcione-se, contudo, que se pode dizer: "Não vem e nem sequer me avisou".3 ________ 1Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 365-368. 2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 140. 3Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 171.