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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Autos foi (ou foram) encaminhado(s)?

1) Um leitor busca saber qual das duas expressões é correta: I) "Os autos do processo foi encaminhado ao tribunal"; II) "Os autos do processo foram encaminhados ao tribunal". 2) Autos são o conjunto ordenado das peças de um processo, a materialização dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Ex.: "O que não está nos autos não está no mundo". 3) É errôneo o uso de processo para significar tal conjunto ordenado de peças, já que processo, em realidade, configura instituto complexo, formado assim pela relação jurídica processual que se estabelece entre as partes e o Estado-juiz, como pelos atos por eles praticados na forma, sequência e prazos determinados na lei. 4) Trata-se de palavra só usada no plural, devendo-se, assim, atentar a sua concordância verbal, quando desempenhar a função de sujeito, caso em que levará o verbo para o plural.Ex.: "Os autos foram retirados de cartório pelo advogado". 5) Também importante é atentar à concordância, quando se empregar um verbo seguido de se como partícula apassivadora: "Retiraram-se os autos", e não "Retirou-se os autos". 6) Não confundir com auto, no singular, que, em acepção mais estrita na linguagem forense, "indica todo termo ou toda narração circunstanciada de qualquer diligência judicial ou administrativa, escrita por tabelião ou escrivão, e por estes autenticada", como auto de corpo de delito, auto de infração, auto de partilha, auto de penhora. 7) Assim, de modo específico para os exemplos da consulta que motivou essas explicações: I) "Os autos do processo foi encaminhado ao tribunal" (errado); II) "Os autos do processo foram encaminhados ao tribunal" (correto).
quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Questão de prova - Como resolver

1) Um leitor narra que, em uma questão de prova, encontrou o seguinte texto: "Se meus inimigos pararem de dizer mentiras a meu respeito, eu paro de dizer verdades a respeito deles". (A. Stevenson) 2) Também relata que, na questão, indagou-se qual a afirmação correta: A) A vírgula foi utilizada para separar a oração principal da coordenada. B) Em "a meu respeito" e "a respeito deles", a inexistência da crase se justifica, uma vez que só existe a presença da preposição "a". C) Se o termo "eu" fosse substituído por "nós", seria correto afirmar: Se nós paremos de dizer verdades a respeito deles. D) O termo sublinhado "se" no trecho se classifica como conjunção que encerra idéia de temporalidade. E) O termo "deles" faz referência ao termo "mentiras". 3) Com tais premissas, o leitor faz os seguintes pedidos: 1) Que se aponte qual das alternativas é a correta; 2) Que se analisem as alternativas "B" e "D". 3) Que se esclareça se o pronome "meu" é palavra masculina ou feminina. 4) Para melhor compreensão, faz-se a análise de todas as alternativas. 5) Primeira alternativa: "Se meus inimigos pararem..." é uma oração subordinada adverbial condicional, e "eu paro de dizer verdades..." é a oração principal. A vírgula, assim, separa uma oração principal de uma oração subordinada, e não de uma oração coordenada. Portanto, alternativa errada. 6) Segunda alternativa: Não basta a presença de uma preposição para existir a crase, já que esta é a fusão de uma preposição e de um outro a (artigo, pronome ou mesmo inicial de outro pronome). No caso, tanto meu respeito como respeito deles são expressões do masculino, e diante deste não há artigo feminino nem, portanto, crase. Assim, pode-se afirmar que a inexistência da crase, no contexto, se justifica, uma vez que só existe a presença da preposição "a". Alternativa correta. 7) Terceira alternativa: Pararem está no futuro do subjuntivo. É a terceira pessoa do plural (tem por sujeito meus inimigos). Se o sujeito for eu, a expressão será "Se eu parar"; se o sujeito for nós, a expressão será "Se nós pararmos". Não existe variação alguma de que resulte a conjugação: "Se nós paremos de dizer verdades a respeito deles". Mais uma vez, alternativa errada. 8) Quarta alternativa: "Se" é uma conjunção que indica a idéia de condição, e não de temporalidade. Para um sentido de tempo, deveria ser usada outra preposição (quando, por exemplo). Alternativa errada, portanto. 9) Quinta alternativa: Fazer referência significa indicar relação. Uma análise do sentido do texto revela que deles quer dizer dos meus inimigos. Além disso, no plano sintático, a respeito deles é expressão preposicionada que se vincula a verdades, e não mentiras. Mais uma alternativa errada.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Desconcerto do mundo?

1) Um leitor narra que encontrou um poema de Camões com o título "Ao Desconcerto do Mundo" e lhe pareceu que o correto deveria ser desconserto, já que a idéia é que o mundo precisaria de reparo. 2) Veja-se, num primeiro aspecto, que, no campo da ortografia, as palavras que têm grafia e pronúncia parecidas, mas com sentidos diversos, denominam-se parônimas. 3) Isso se dá com diversos vocábulos: arrear (pôr arreio) e arriar (baixar, ceder); deferir (conceder) e diferir (diferenciar); delatar (denunciar) e dilatar (aumentar, prorrogar); eminência (elevação, altura, proeminência) e iminência (característica do que está prestes a acontecer); flagrância (estado do que é flagrante, do que ocorre no ato) e fragrância (perfume agradável); ratificar (confirmar) e retificar (corrigir). 4) Nesse mesmo rol se podem inserir concerto (acordo, ajuste, convenção, pacto) e conserto (remendo, reparo). Exs.: I) "Do concerto das vontades em litígio, extraiu-se uma minuta de acordo"; II) "Para muitos, aquela situação não tem conserto". 5) Há um conhecido poema de Camões, que tem por título "Ao desconcerto do mundo" com o seguinte teor: "Os bons vi sempre passar / No Mundo graves tormentos; / E para mais me espantar, / Os maus vi sempre nadar / Em mar de contentamentos. / Cuidando alcançar assim / O bem tão mal ordenado, / Fui mau, mas fui castigado. / Assim que, só para mim, / Anda o Mundo concertado." 6) Vejam-se os dois versos finais: "Assim que, só para mim, / Anda o Mundo concertado." A leitura nos faz entender que o que o poeta quer dizer, em suma, é que apenas para ele o mundo anda estruturado e, portanto, concertado. 7) Se, a par dessa conclusão, se pode extrair uma outra de que o mundo também precisa de remendo, de reparo e, portanto, de conserto, isso é outra questão, que não altera item algum do que já foi afirmado.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Quorum

1) Um ilustre leitor envia a seguinte consulta: a) não encontrou, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o registro da palavra quorum, nem com acento nem sem acento; b) no Dicionário Aurélio, todavia, há quórum, em forma aportuguesada pelo acento; c) a partir do fato de que quorum é genitivo plural do pronome relativo latino quis, quae, quod, indaga: deve usar "quorum", assim entre aspas e sem acento, ou, como registra o Aurélio, quórum, sem aspas e com acento? 2) Fixe-se que quorum é o genitivo plural do pronome relativo latino - qui, quae, quod - substantivado com o sentido de número legal, "geralmente empregado na terminologia jurídica, para indicar o número de pessoas, que deve comparecer às assembléias ou reuniões, para que estas, validamente, possam deliberar"1. Ex.: "Por falta de 'quorum', a sessão nem chegou a ser aberta". 3) Domingos Paschoal Cegalla assim observa: "Contrariamente ao que em geral se ensina, julgamos conveniente acentuar este latinismo, por ser palavra de largo uso e por haver outros com idêntica terminação, como álbum, fórum e médium, unanimemente acentuados". 4) E complementa que "há falta de critério e de coerência da parte de dicionaristas e autores de manuais de ortografia, acerca da grafia dos latinismos. Vemos, por exemplo, fórum acentuado e quorum sem acento, múnus (latinismo de uso restrito) com acento, habitat (latinismo generalizado) sem acento"2. 5) Com todo o respeito pelo ilustre gramático, o certo é que, para solucionar a questão, parte-se da premissa de que a Academia Brasileira de Letras, em obediência à vetusta lei Eduardo Ramos, nº. 726, de 8 de dezembro de 1900, tem a responsabilidade legal de editar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, também conhecido por VOLP. 6) O objetivo de tal obra é atestar a existência e consolidar a grafia dos vocábulos em português, além de classificá-los pelo gênero (masculino ou feminino) e categoria morfológica (substantivo, adjetivo...). 7) Incumbido por lei específica para sua confecção em caráter oficial, quem o elabora goza de autoridade para, nesse campo, dizer o Direito, motivo por que, ao consultá-lo, legem habemus e devemos prestar-lhe obediência, como devemos fazer com respeito aos demais diplomas legais. 8) Em comunhão com tal pensamento, afirmam José de Nicola e Ernani Terra que esse vocabulário "é a palavra oficial sobre ortografia das palavras da língua portuguesa no Brasil"3. Complemente-se: também é a palavra oficial no que concerne à própria existência dos vocábulos em nosso idioma, além de outros aspectos que eventualmente venha a mencionar (pronúncia, gênero, etc.). 9) Isso quer dizer, desde logo, que nossos dicionaristas (como os ilustres Aurélio e Houaiss), por mais respeitados que sejam e por melhores serviços que tenham prestado ao idioma, não são autoridades oficiais no assunto. Desse modo, quando suas lições contrariam o VOLP, a este se deve prestar obediência, independentemente, até mesmo, de eventuais incoerências ou imperfeições que se possam apontar nos critérios por ele seguidos. Vale aqui a observação que se faz à lei: pode-se, em tese e no plano da Ciência, discuti-la, questionar seus critérios, sua própria justiça; mas, na prática, incumbe segui-la e prestar-lhe obediência. 10) Com especificidade para o caso da consulta, anota-se que o VOLP, em sua quinta edição, não arrola quorum entre as palavras da língua portuguesa. Mais do que isso, registra-a entre as palavras estrangeiras, confere-lhe a grafia quorum (sem acento) e especifica tratar-se de substantivo masculino pertencente ao idioma latino4. 11) Por ser vocábulo pertencente a outro idioma, não deve ser acentuado (já que não o era na língua mãe), e deve ser grafado entre aspas, em itálico, negrito, sublinha ou qualquer outro modo indicador de ser alheio ao vernáculo. 12) Reconhece-se, por oportuno e no plano da Ciência, mas sem alterar em nada o que aqui se explicita, que a manutenção do vocábulo como latinismo dificulta a formação de seu plural em português, tal como, aliás, também se dá com campus, por exemplo. 13) Importa anotar, por fim, que nossos textos de lei não são uniformes quanto ao modo de empregar (ou de deixar de empregar) tal vocábulo, conforme se pode constatar por consulta ao "site" de legislação da Presidência da República. 14) Assim, o Código Eleitoral (lei 4.737, de 15/7/65 - clique aqui), no art. 28, § 1º, traz o acerto parcial do legislador, que grafa o vocábulo sem acento gráfico, mas esquece o sinal indicador de estrangeirismo. 15) A Lei das Sociedades por Ações (lei 6.404, de 15/12/76 - clique aqui), não mostra sequer uniformidade de uso do vocábulo: a) na rubrica que encima o art. 125, emprega-o corretamente, sem acento gráfico e entre aspas; b) acerta, de outro modo, o emprego no art. 136, caput, em redação conferida pela Lei 9.457/97 (clique aqui), quando deixa de empregar o acento gráfico e escreve o vocábulo em itálico; c) no art. 129, § 1º, entretanto, utiliza-o sem acento gráfico, mas também sem elemento algum indicador de estrangeirismo, equívoco esse que se repetia na redação original do art. 136 caput, hoje revogada, e que continua na redação do art. 136, § 2º, ainda em vigor, e no art. 140, IV, e 141, § 5º (ambos com redação conferida pela lei 10.303/01 - clique aqui). 16) A Constituição Federal de 1988 (clique aqui), por seu lado, evitou seu uso e preferiu expressões substitutivas (voto da maioria, por exemplo). 17) O Código Civil de 2002 (lei 10.406, de 10/1/02 - clique aqui) alterna critérios em tal emprego: a) no art. 59, parágrafo único, acerta pela metade, ao deixar de usar o acento gráfico, mas ao esquecer os elementos indicadores de estrangeirismo (com redação dada pela lei 11.127/05 - clique aqui); b) no art. 1.094, acerta integralmente, grafando o vocábulo sem acento e em itálico; c) no art. 1.334, III, volta a acertar parcialmente, ao grafar sem acento gráfico e sem aspas ou sinal indicador de estrangeirismo; c) tal conduta de acerto parcial, em tais moldes, volta a repetir-se no art. 1.352 e 1.353. ________________ 1 Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. IV. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989, p. 17. 2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 346. 3 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 231. 4 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global, p. 863.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Vírgula e Termos Intercalados

1) Pergunta uma leitora, quanto ao uso da vírgula, qual das seguintes construções é correta: I) "Vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência"; II) "Vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência". 2) Ora, quando se trata do emprego da vírgula, deve-se atentar a uma primeira regra: não se usa a vírgula entre termos da oração que estejam em ordem direta (sujeito + verbos + complementos). Ex.: "Os integrantes da defesa civil entregaram suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes durante toda a noite passada". 3) Uma segunda regra: em tais casos, usa-se a vírgula para marcar a intercalação ou a inversão de termos da oração. Exs.: I) "Durante toda a noite passada, os integrantes da defesa civil entregaram suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; II) "Os integrantes da defesa civil, durante toda a noite passada, entregaram suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; III) "Os integrantes da defesa civil entregaram, durante toda a noite passada, suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; IV) "Os integrantes da defesa civil entregaram suprimentos e remédios, durante toda a noite passada, aos flagelados das enchentes". 4) Anote-se, porém, que, quando a inversão ou intercalação é de apenas uma palavra ou pequena expressão, acaba sendo optativo o emprego de tais vírgulas. Exs.: I) "Amanhã, os integrantes da defesa civil entregarão suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; II) "Os integrantes da defesa civil, amanhã, entregarão suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; III) "Os integrantes da defesa civil entregarão, amanhã, suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; IV) "Os integrantes da defesa civil entregarão suprimentos e remédios, amanhã, aos flagelados das enchentes"; V) "Amanhã os integrantes da defesa civil entregarão suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; VI) "Os integrantes da defesa civil amanhã entregarão suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; VII) "Os integrantes da defesa civil entregarão amanhã suprimentos e remédios aos flagelados das enchentes"; VIII) "Os integrantes da defesa civil entregarão suprimentos e remédios amanhã aos flagelados das enchentes". 5) Observe-se, todavia, que, quando há intercalação com vírgula optativa, ou se usam ambas as vírgulas, ou não se utiliza nenhuma delas. Exs.: a) "O réu, displicentemente, segurava o queixo" (correto); b) "O réu displicentemente segurava o queixo" (correto); c) "O réu, displicentemente segurava o queixo" (errado); d) "O réu displicentemente, segurava o queixo" (errado). 6) Em relação à consulta do leitor, vejam-se as variações e as indicações de acerto ou erronia no emprego da vírgula: I) "Vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência" (correto); II) "Vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência" (correto); III) "Vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência" (errado); IV) "Vem respeitosamente, à presença de Vossa Excelência" (errado).
quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Voz ativa e voz passiva

1) Uma leitora traz o seguinte exemplo: "O requerimento lhe foi enviado". E indaga: I) o lhe é agente da passiva? II) o verbo enviar deixa de ser transitivo direto e indireto na voz passiva? III) se não, está faltando, no caso, um objeto indireto? 2) Voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: a) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); b) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir). 3) Da observação dos exemplos dados, algumas regras são de importância vital para o emprego de diversos verbos e para a própria criação de estruturas sintáticas. 4) Assim, por primeiro, o objeto direto da voz ativa torna-se sujeito da voz passiva, e o que era sujeito na voz ativa passa a ser o agente da passiva. 5) Observe-se esta transposição no esquema abaixo: 6) Por essa explicação, vê-se que, por via de regra, só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (bitransitivo). 7) Exemplificando essa asseveração, vê-se que a frase "O juiz não gostou do depoimento" não tem voz passiva, porque não há, na voz ativa, objeto direto que possa tornar-se o sujeito da voz passiva. 8) Quanto ao exemplo que motivou estas considerações, por questão de facilidade, faz-se uma pequena complementação: "O requerimento lhe foi enviado pelo patrono do Autor". 9) Com essas ponderações, fixam-se as seguintes premissas: I) O exemplo está na voz passiva, porque o sujeito (o requerimento) recebe a ação de enviar; II) O exemplo, na voz passiva, será "O patrono do Autor enviou-lhe o requerimento", porque nela o sujeito (o patrono do autor) pratica a ação de enviar. 10) E, fixados esses conceitos, extraem-se as seguintes conclusões: I) no exemplo dado, que está na voz passiva, quem pratica a ação indicada pelo verbo (o patrono do Autor) é o agente da passiva; II) na voz ativa, o verbo enviar é bitransitivo (ou transitivo direto e indireto), pois quem envia, envia alguma coisa (objeto direto) a alguém (objeto indireto); III) o fato de estar o exemplo na voz passiva não altera a transitividade do verbo; IV) como, na passagem da voz ativa para a voz passiva, as mudanças de função sintática se dão apenas entre o sujeito da ativa (que se torna agente da passiva) e o objeto direto (que se torna sujeito da passiva), o que era objeto indireto na ativa (lhe) continua sendo objeto indireto na passiva.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Crase antes de sigla

1) Uma leitora pergunta de modo objetivo: é correto utilizar crase antes de uma sigla? 2) Veja-se, num primeiro aspecto, que uma sigla é, em suma, a abreviatura das palavras pela utilização de suas iniciais: TJ (Tribunal de Justiça), CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). 3) Veja-se ainda que, conceitualmente, crase é a fusão de duas vogais idênticas, e seu aspecto mais comum e mais importante é o caso de fusão da preposição "a" com o artigo feminino "a". E se representa a crase pelo acento grave (à). 4) Formulamos alguns exemplos para responder à indagação, sem empregar, de início, o sinal indicativo da crase, ainda que eventualmente necessário: I) "Ele escreveu a Petrobras"; II) "Ele dirigiu-se a OAB"; III) "Ele foi a CPI". 5) Na prática, para responder à indagação do caso - se há crase antes de uma sigla - deve-se ver se, em última análise, ocorre, no caso concreto, a fusão referida: preposição + artigo. 6) Num primeiro aspecto, quem escreve, escreve a; quem se dirige, dirige-se a; quem vai, vai a. Ou seja: todos os verbos dos exemplos exigem a preposição a. 7) Num segundo aspecto, veja-se que as siglas, de um modo geral, não são avessas a ter um artigo antes de si, e este haverá de estar presente na sigla sempre que também vier a ser empregado na expressão toda representada pela sigla. Vejam-se siglas do masculino: I) "Ele escreveu ao I.N.S.S. (Instituto Nacional do Seguro Social)"; II) "Ele dirigiu-se ao STJ (Superior Tribunal de Justiça)"; III) "Ele foi ao STF (Supremo Tribunal Federal). 8) A par dessa observação, veja-se que as siglas dos exemplos dados inicialmente são do feminino e admitem artigo feminino antes de si, como patenteia a seguinte frase: I) "Estive na Petrobras, na OAB e na CPI". 9) Verificada a circunstância já posta de que os verbos dos exemplos dados exigem a preposição "a" e reiterado o aspecto de que as siglas consideradas admitem artigo feminino antes de si, só se pode chegar aos seguintes resultados: I) "Ele escreveu à Petrobras"; II) "Ele dirigiu-se à OAB"; III) "Ele foi à CPI". 10) E, respondendo especificamente à indagação da leitora: nada impede que se venha a usar a crase antes de uma sigla, desde que preenchidos os requisitos normais para seu emprego.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Respeito para com...?

1) Um leitor indaga se são corretas as seguintes construções: I) "Eles têm respeito para com a professora"; II) "Eles têm respeito para com a instituição". 2) Ora, quando se formula uma questão como essa, quer-se saber, na prática, que preposição a palavra respeito (um substantivo) exige em construção depois de si. 3) Em termos de técnica gramatical, o problema diz respeito à regência nominal, e a solução há de ser encontrada pela leitura atenta de nossos melhores autores. 4) Para facilitar a solução, todavia, alguns gramáticos já realizaram preciosos estudos sobre a matéria e selecionaram exemplos empregados pelos autores mais significativos de nossa literatura. 5) Assim, depois de paciente coleta, Francisco Fernandes concluiu que o substantivo respeito, no sentido da indagação, pode ser empregado com as preposições a, com, de, por e com a locução prepositiva para com: I) "... respeito ao destemor dos adversários..." (Euclides da Cunha); II) "Respeito com os religiosos..." (Ernesto Carneiro Ribeiro); III) "Havia outrora sanções escritas, que asseguravam o respeito das coisas santas" (Rui Barbosa); IV) "Esqueceu-se do fingido respeito que em toda a parte mostrava pela rainha" (Alexandre Herculano); V) "Respeito para com os velhos, para com os desgraçados"1. 6) Celso Pedro Luft reitera as possibilidades já apontadas e, de modo específico para a locução prepositiva para com, traz significativos exemplos: I) "Somente nos países anglo-americanos e escandinavos existe um respeito mínimo da maioria vitoriosa... para com a minoria derrotada" (José Honório Rodrigues); II) "Reivindicamos dos senhores gramáticos... o devido respeito para com as nuanças de que a sintaxe portuguesa se reveste em nosso meio" (Luiz Carlos Lessa); III) "Esta falta de respeito para com a criatura humana" (T. A. Queiroz2). 7) Assim, em resumo, pode-se dizer que é correto o emprego da expressão respeito para com, quer quando se tem depois um nome representativo de pessoa (respeito para com a professora), quer quando se está diante de um nome de coisa (respeito para com a entidade). 8) E, de modo específico para a indagação que nos conduziu às presentes observações, pode-se concluir que são corretas ambas as construções: I) "Eles têm respeito para com a professora"; II) "Eles têm respeito para com a instituição". _____________ 1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. Ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, p. 336. 2 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. Ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 453.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sonhar

1) Um leitor pergunta se é correta a forma sonhar em, como quando se diz: "Ele sonhou em sair do emprego algum dia". 2) Ora, quando se quer saber que preposição se emprega após um verbo, tecnicamente se diz que o problema diz respeito à regência verbal. 3) E a resposta para uma indagação dessa natureza encontra-se com aqueles autores que se expressaram de forma mais apurada no respeito ao idioma. 4) Para que não precisemos ler uma imensidade de autores apenas para localizar resposta a alguma dúvida que tenhamos nesse campo, alguns gramáticos já fizeram preciosos estudos, de modo que basta consultá-los. 5) Assim, Francisco Fernandes, na acepção de pensar com insistência, de ter idéia fixa, ensina que o verbo sonhar pede a preposição em: I) "Amo-o, desejo-o, nele cuido, nele sonho" (Júlio Castilho); II) "E depois de se deitar e adormecer, sonhava... Em quê? Nas combinações infinitas da matéria eterna" (Alexandre Herculano). 6) Já no sentido de ver em sonhos, recomenda o mesmo autor o emprego da preposição com: I) "E sonhava com a Glória Neves, que lhe pedia morrer às suas mãos zelosas" (Cândido Jucá Filho1). Essa também é a posição de Celso Pedro Luft2. 7) Em posição mais liberal, Domingos Paschoal Cegalla entende que, no sentido de pensar constantemente, de desejar vivamente, devem ser aceitas as duas construções (com e em): I) "O pobre sonha com uma vida melhor"; II) "Sonha em possuir um pedaço de terra"3. 8) Como observação final, anota-se que, quando os estudiosos da língua têm alguma divergência, o melhor é acatar a posição mais ampliativa, de modo que, no caso, fica-se com a posição do autor por último citado. 9) E, de modo prático, em resposta à indagação do leitor, pode-se dizer que é correta a forma sonhar em, como quando se diz: "Ele sonhou em sair do emprego algum dia". ______________ 1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 553. 2 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 488. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 380.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pisar a (ou à ou na) grama?

1) Uma leitora pergunta qual a forma correta: pisar a grama, pisar à grama ou pisar na grama. 2) Como se faz sempre em indagações dessa natureza, é bom esclarecer, de início, que, quando se quer saber que preposição se emprega após um verbo, tecnicamente se tem um problema relacionado à regência verbal. 3) E a resposta para uma indagação dessa natureza encontra-se com aqueles autores que se expressaram de forma mais apurada no respeito ao idioma. 4) Para que, todavia, não precisemos ler uma imensidade de autores apenas a fim de localizar resposta a alguma dúvida que tenhamos nesse campo, alguns estudiosos da língua já fizeram preciosos estudos e exaustivas coletas de exemplos, de modo que basta consultar tais obras específicas. 5) Assim, Francisco Fernandes, para o sentido de pôr o pé sobre alguma coisa, ensina que o mencionado verbo aceita um complemento sem preposição, ou com a preposição "em", ou com a preposição "sobre". Exs.: I) "Diógenes pisava... os soberbos estrados" (Antônio Morais Silva); II) "Creio que Vossa Senhoria com isto pode saber em que terreno pisa" (Machado de Assis); III) "E respirando... a poeira levantada pelo pisar vigoroso sobre as tábuas movediças" (Camilo Castelo Branco)1 6) Celso Pedro Luft, repetindo, quanto ao mais, a lição anterior, acrescenta a possibilidade de construção com duas outras locuções prepositivas: em cima e por cima de. Exs.: I) "Pisar em cima das brasas"; II) "Vinha pisando por cima dela" (José Lins do Rego)2. 7) Assim, de forma específica para a indagação que motivou estas observações, apontam-se as variações do exemplo da consulta, com a indicação de seu acerto ou erronia entre parênteses: I) "Pisar a grama" (correto); II) "Pisar na grama" (correto); III) "Pisar sobre a grama" (correto); IV) "Pisar em cima da grama" (correto); V) "Pisar por cima da grama" (correto); VI) "Pisar à grama" (errado). __________________ 1Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 464. 2Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 405.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Juiz acata pedido do autor?

1) Um leitor quer saber se é correta a seguinte frase: "O juiz acatou o pedido do autor". Ou se o correto é: "O juiz concedeu (ou deferiu) o pedido do autor". 2) Em sua atividade de dizer o Direito, o juiz é órgão do Poder Judiciário, com função soberana e específica de poder de Estado, e soluciona a lide no caso concreto, sem relação de subordinação a quem quer que seja, com liberdade, assim, para, dentro dos parâmetros da lei, solucionar o caso concreto. 3) Para significar essa atuação, pode-se afirmar que o Magistrado concede algo, pois tal verbo traz a idéia de fazer concessão ou de outorgar, conforme se constata em diversos dispositivos do Código de Processo Civil: I) "As custas acrescidas ficarão a cargo da parte em favor de quem foi concedida a prorrogação" (art. 181, § 2º); II) "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado" (art. 273, § 2º); III) "A carta precatória e a carta rogatória, não devolvidas dentro do prazo ou concedidas sem efeito suspensivo, poderão ser juntas aos autos até o julgamento final" (art. 338, parágrafo único); IV) "Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio" (art. 432); V) "Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação" (art. 461-A); VI) "O juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito" (art. 716). 4) Para caracterizar essa atuação judicial, também se emprega o verbo deferir, que tem o conteúdo semântico de atender a uma solicitação, de decidir favoravelmente a alguém, de concordar com algum pleito, e desse emprego há diversos exemplos no mesmo Código de Processo Civil: I) "Não havendo impugnação dentro de 5 (cinco) dias, o pedido do assistente será deferido" (art. 51); II) "o juiz, ao deferir o pedido, suspenderá o processo e mandará ouvir o autor no prazo de 5 (cinco) dias" (art. 64); III) "Extingue-se o processo, sem resolução de mérito... quando o juiz indeferir a petição inicial" (art. 267, I). 5) Quanto ao verbo acatar, porém, a par de significar demonstração de reverência, tem ele a acepção de obedecer, de cumprir ordem, o que não se dá, em extensão alguma, com o magistrado em sua atuação jurisdicional. Bem por isso, pode-se falar que "O juiz acatou a determinação do órgão hierarquicamente superior", mas não parece adequado dizer que "O juiz acatou o pedido do autor".
quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Em face de ou contra?

1) Geraldo Amaral Arruda anota que o emprego de contra, em expressões como mover ação contra, decorre "da preferência pela fórmula tradicional, que é satisfatória para descrever como é vista e sentida a relação entre os litigantes", o que fez com que Chiovenda, Liebman e Cândido Rangel Dinamarco não deixassem de referir a existência de uma contenda judiciária e de usar a preposição contra para fazer menção a tal disputa. 2) Bem por isso, complementa tal autor ser "evidente que, ao referir-se a essa luta a respeito de interesses conflitantes, o juiz retrate o que vê ante si, dizendo que as partes contrárias não estão apenas uma em face da outra, mas que vê perante o juízo adversários que se enfrentam em contenda judiciária, uma contra a outra". 3) E alinha tal autor diversos exemplos colhidos em obra de Liebman, traduzida para o vernáculo por Cândido Rangel Dinamarco, e de Chiovenda, na tradução portuguesa de J. Guimarães Menegale, sempre em fidelidade para com o uso original, no qual se patenteia o antagonismo entre as partes de um processo e o próprio emprego da preposição contra e não da locução em face de.1 4) Sérgio Bermudes, notável advogado e mestre de processo, marcou, por sua vez, posição específica, escrevendo artigo com o significativo título A Favor do Contra, no qual acentua os seguintes aspectos: a) o pedido de tutela se dirige efetivamente contra o Estado, devedor da prestação jurisdicional; b) "cunhou-se, então, a locução prepositiva em face de, com o ânimo de deixar bem nítido que o autor não ajuizou a ação contra o réu, mas contra o Estado"; c) "esse empenho de esclarecer, demasiadamente, as coisas só faz confundi-las e baralhá-las, aos olhos do home comum, destinatário da administração da justiça, que entende, perfeitamente, até por ativismo, que uma ação haja sido proposta contra ele, mas queda perplexo e nervoso, quando ouve dizer que uma ação foi proposta em face dele"; d) "infelizmente, o emprego da locução em face de vai ganhando terreno e linguagem técnica o contra imemorial"; e) "não há motivos de ordem lógica, ou jurídica, para o culto da expressão em face dele, incompatível com a tradição e o claro entendimento do alcance da iniciativa do autor, que vai a juízo contra o réu"; f) "desde as fontes, identifica-se a ação, e dela se fala como um movimento do autor contra o réu"; g) "os clássicos da antiga literatura processual portuguesa e brasileira sempre se referiram à ação de uma parte contra a outra", como se pode confirmar em Pereira e Sousa, Paula Batista, Barão de Ramalho e João Monteiro; h) "se os avanços científicos convenceram os processualistas brasileiros de que a ação se exerce contra o Estado, e não contra o réu, não chegaram a influir na sua linguagem, como revelam eloquentes amostras, colhidas em apressada e perfunctória consulta, nos mananciais mais abundantes", em obras de Pontes de Miranda, José Frederico Marques, Moacyr Amaral Santos e José Carlos Barbosa Moreira, este último, além de enfileirado entre os melhores processualistas do mundo, também de "notórios desvelos com o apuro da linguagem técnica"; i) em conclusão, "num país em que tanto se deve reformar, da estrutura de várias instituições ao caráter de muitos homens, convém deixar quieto, no seu canto, o que não precisa ser mudado", de modo que é preciso ser contra ao em face, "aliás, de pureza vernacular duvidosa".2 5) Não se olvide que de uso corrente é a preposição contra em nosso Código Civil, para significar a contraposição dos pólos ativo e passivo de uma demanda: a) "... ação do segurado contra o segurador e vice-versa..." (art.178, § 6º, II); b) "... ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio aumentado pela avulsão..." (art.178, § 6º, XI); c) "... toda e qualquer ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal..." (art. 178, § 10, VI); d) "... aqueles (herdeiros do doador) podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de contestada a lide" (art. 1.185); e) "Se o mandatário obrar em seu próprio nome, não terá o mandante ação contra os que com ele contrataram, nem estes contra o mandante" (art. 1.307); f) "... terá (o mandante) contra este (o procurador) ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções" (art. 1.313); g) "... ficam salvas ao constituinte as ações, que no caso lhe possam caber contra o procurador" (art. 1.318); h) "Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação, que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber" (art. 1.337); i) "Sempre que houver ação regressiva de uns contra outros herdeiros, a parte do co-herdeiro insolvente dividir-se-á em proporção entre os demais" (art. 1.798). 6) De igual modo, o Código de Processo Civil - diploma recente e de conhecida apuração formal quanto à precisão científica e quanto ao zelo pelo vernáculo - registra, em diversas passagens, o uso da preposição contra para estabelecer o antagonismo das demandas judiciais: a) "... oferecer oposição contra ambos" (art. 56); b) "... contra o outro prosseguirá o opoente" (art. 58); c) "... contra ele correrá o processo" (art. 66, primeira parte); d) "...o processo continuará contra o nomeante" (art. 66, segunda parte); e) "... não poderá intentar nova ação contra o réu" (art. 268, parágrafo único); f) "É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos..." (art. 292, caput); g) "Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: ... II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência..." (art. 593, II); h) "Da execução por quantia certa contra devedor solvente" (rubrica do Capítulo IV que precede o art. 646); i) "Da execução contra a Fazenda Pública" (rubrica da Seção III, que precede o art. 730); j) "... pode o juiz ouvir em três (3) dias, aquele contra quem (o protesto contra a alienação de bens) foi dirigido..." (art. 870, parágrafo único). 7) Também nessa exata conformidade, é de se ver que Francisco Fernandes registra se deva dizer ação contra, simplesmente ignorando a existência de ação em face de, com base em exemplo de Camilo Castelo Branco: "Aconselharam-no que intentasse ação judiciária contra os sócios".3 8) Igual proceder tem Celso Pedro Luft, que apenas refere ação contra, nada aduzindo acerca de ação em face de.4 _______________ 1 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 89-93. 2 Cf. Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. vol. 65, p. 219-223. 3 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 8. 4 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 26.
quarta-feira, 29 de julho de 2009

Qualquer (é sinônimo de nenhum?)

1) Napoleão Mendes de Almeida, com ponderosos argumentos e exemplos, condena o uso de tal vocábulo com a significação de nenhum, e taxativamente indica o caminho para solucionar os casos concretos: "Quando qualquer não vier na oração com a significação de nenhum, o seu emprego será então justo".1 2) Assim, são incorretos os seguintes exemplos: a) "Não vi qualquer razão para o pedido"; b) "Ele não se muniu de qualquer embasamento jurídico em sua petição". 3) Devem eles ser assim corrigidos: a) "Não vi razão alguma para o pedido"; b) "Não vi nenhuma razão para o pedido"; c) "Ele não se muniu de nenhum embasamento jurídico em sua petição"; d) "Ele não se muniu de embasamento jurídico algum em sua petição". 4) Josué Machado, inserindo tal equívoco no rol das "coisas lamentáveis", anota que "qualquer não pode substituir nenhum porque não significa nenhum, não tem sentido negativo nem de exclusão".2 5) É bem verdade que, asseverando que "certos gramáticos não condescendem com o uso de qualquer no sentido de nenhum em frases negativas", preconiza Domingos Paschoal Cegalla que "não se deve condenar o emprego de qualquer nesta acepção, tão generalizado está".3 6) Todavia, com todo o respeito ao eminente gramático, se verdade é que o uso se constitui no grande mestre do idioma, não menos certo é que, para que seja alçado a tal condição, há de ser ele remansoso e pacífico no padrão culto, o que não se dá no caso analisado, atendo-se a mencionada generalização tão-somente à linguagem informal. _________________ 1 Cf. Almeida, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 200. 2 Cf. Machado, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 30-31. 3 Cf. Cegalla, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 340.
quarta-feira, 15 de julho de 2009

Existe em português?

1) Com frequência, leitores perguntam se existe esta ou aquela palavra em Português: interiocução, bloqueamento, hipotisar, hipotizar, prognose, probabilitária, pregunta, preguntar, arrematar ou rematar, aguardamento ou aguardo, temerável, perca ou perda, acróbata ou acrobata, carroçaria ou carroceria, contraversão, páteo ou pátio, lesionar, inexigir, infazer, impactante, imexível... 2) Para solucionar questões dessa natureza, é importante anotar, de início, que, por força da mais que centenária Lei Eduardo Ramos, de nº. 726, de 8/12/1900, a autoridade para listar oficialmente os vocábulos existentes em nosso idioma está com a Academia Brasileira de Letras (ABL). 3) E a ABL exerce essa delegação por intermédio do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), que é a lista das palavras oficialmente existentes em nosso idioma, com ligeiras especificações de categoria gramatical, gênero e, muito raramente, de sentido ou outra observação adicional. É editado de tempos em tempos, com o acréscimo de novas palavras que passam, assim, a integrar oficialmente o nosso léxico. Difere dos dicionários convencionais, por não explicar usualmente o significado dos termos que registra. 4) Incumbida por lei específica para sua confecção, a ABL o elabora com autoridade legal para, nesse campo, dizer o Direito, motivo por que, ao consultar o VOLP, legem habemus e devemos prestar-lhe obediência, do mesmo modo que devemos agir com respeito aos demais diplomas legais. 5) Para consultar as palavras que existem oficialmente em nosso léxico e que efetivamente são registradas pelo VOLP, acesse o site www.academia.org.br. 6) Observa-se adicionalmente, por primeiro, que, apesar dos relevantes e indiscutíveis serviços prestados ao idioma, os dicionários não têm autoridade legal para dizer se uma palavra existe oficialmente em Português, de modo que qualquer divergência entre eles e o VOLP deve ser decidida em favor da autoridade legal deste último. 7) Em segundo aspecto, nem se pense em buscar no VOLP o registro de um termo científico, como o nome da substância fenildimetilpirazolona, que integra a fórmula de conhecido remédio. 8) Por fim, tenha-se um cuidado especial com os corretores de texto dos programas dos computadores, já que, por uma série de motivos e sobretudo imperfeições, acabam por dar como errados vocábulos corretos e deixam passar como válidos outros que simplesmente não existem em nosso idioma. 9) Após tais ponderações, que servem sempre à indagação "Existe em Português?", de modo específico para as dúvidas apontadas na consulta que motivou este verbete, uma leitura do VOLP revela que: I) - simplesmente não existem os vocábulos interiocução, hipotisar ou hipotizar, probabilitária, pregunta, preguntar, temerável, inexigir, infazer; II) - existem oficialmente em nosso idioma, estando, assim, seu emprego autorizado na linguagem orientada pela norma culta as seguintes palavras: bloqueio e bloqueamento, prognose (que é sinônimo de prognóstico), pergunta, perguntar, rematar (que significa aperfeiçoar, concluir ou terminar), arrematar (que, além dos sentidos do verbo anterior, também quer dizer comprar bens em hasta pública, em leilão), aguardamento e aguardo (de modo que são igualmente corretas as expressões no aguardamento e no aguardo), contraversão (a que os dicionários dão o sentido de versão contrária a outra ou posição inversa), lesionar (exatamente no sentido de causar lesão), impactante, impactar e imexível; III) - de igual modo, são dadas como formas corretas e equivalentes acróbata e acrobata, carroçaria e carroceria; IV) - o substantivo feminino perca se encontra ali registrado, mas tal vocábulo serve para indicar o nome de um peixe, de modo que seu emprego como sinônimo de perda constitui um brasileirismo informal, e seu emprego não tem curso permitido na linguagem que deva submeter-se à norma culta; V) - registra-se o vocábulo páteo, que tem o significado de relativo a um tipo de cruz heráldica, mas não como sinônimo de pátio, a saber, um recinto interno térreo não coberto (não parece ser esse último o significado nas intimações do Tribunal de Justiça de São Paulo).
quarta-feira, 8 de julho de 2009

Esculpir ou insculpir?

1) Um leitor pergunta qual a forma correta entre os seguintes exemplos, quanto ao sentido figurado dos verbos esculpir e insculpir: I) Como está esculpido em nossa Constituição; II) Como está insculpido em nossa Constituição. 2) Veja-se, por primeiro, que tanto o esculpir como insculpir são verbos que se encontram registrados no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras1. 3) Ante tal fato, porque a ABL tem a delegação legal para listar no VOLP os vocábulos que existem oficialmente em nosso idioma, não pode haver dúvida acerca da existência oficial de ambas as palavras em nosso léxico, de modo que a solução do problema se faz por uma consulta ao dicionário, para verificação de seu real sentido. 4) Os dicionaristas dão a mesma origem a ambos os verbos e lhes conferem a ambos o mesmo sentido figurado de gravar, de inscrever. Exs.: I) "A vida de sofrimentos esculpiu um ar de derrota em seu rosto"; II) "Insculpiu-se um herói na estima do seu povo"2. 5) Ante tais ponderações, em resposta específica à indagação da consulta, pode-se dizer que estão corretos ambos os exemplos: I) Como está esculpido em nossa Constituição; II) Como está insculpido em nossa Constituição. ___________________ 1Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004. p. 321 e 437. 2Cf. HOUAISS, Antônio, e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.212 e 1.623.
quarta-feira, 17 de junho de 2009

Para lhe enviar ou para enviar-lhe?

1) Uma leitora pergunta qual das seguintes formas de colocação pronominal é a correta: I) Aproveitamos também para lhe enviar; II) Aproveitamos também para enviar-lhe. 2) Fixe-se, para conceituar, que, quando o pronome pessoal oblíquo átono se põe antes do verbo, diz-se que há próclise: "O advogado se atrasou"; já quando tal pronome se posta depois do verbo, diz-se que há ênclise: "O advogado atrasou-se". 3) No caso da consulta, uma análise técnica revela que a leitora quer saber, em última análise, como se coloca o pronome, quando uma preposição (no caso para) precede um verbo no infinitivo (no caso enviar): em próclise ou em ênclise? 4) Ora, para os verbos no infinitivo, existe, por um lado, a lição de Cândido de Figueiredo de que "as preposições pertencem à categoria das partículas que influem geralmente na colocação dos pronomes pessoais atônicos, atraindo-os".1 5) Exemplos colhidos pelo mencionado autor em autorizados escritores de nosso idioma, entretanto, revelam que, quando se tem um infinitivo precedido de preposição, a colocação do pronome átono, em última análise, não se faz em próclise necessária, mas constitui caso de colocação facultativa, a saber, antes do verbo (em próclise) ou depois dele (em ênclise). Exs.: I) "Até chegou a me dar casa..." (Machado de Assis); II) "... obriga o procurador a respeitar-lhe as cláusulas" (Rui Barbosa); III) "... era bastante para sacudir-me da Tijuca" (Machado de Assis); IV) "Chamou-me um escravo para me servir o doce" (Machado de Assis); V) "Ficou Maria Henriqueta livre por se ver livre do suborno da mãe" (Camilo Castelo Branco); VI) "Senhor, morro por unir-me convosco" (Padre Manuel Bernardes); VII) "Gastei pouco tempo em dizer-lhe..." (Machado de Assis); VIII) "... não faltaria Deus em lhe dar um bom dia" (Padre Antônio Vieira). 6) Assim, fixada a regra de que o infinitivo precedido de preposição permite a colocação facultativa do pronome átono em próclise ou em ênclise, pode-se dizer, quanto à indagação que motivou estas considerações, que estão corretas ambas as formas trazidas pela leitora: I) Aproveitamos também para lhe enviar; II) Aproveitamos também para enviar-lhe. _______________ 1Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. O Problema da Colocação de Pronomes. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1937, p. 320.
quarta-feira, 10 de junho de 2009

Namorar com

1) Quer no sentido de desejar ardentemente algo, quer no significado de cortejar, galantear, trata-se de verbo transitivo direto (construído sem qualquer preposição). Ex.: "O rapaz namorou a vizinha durante dois anos". 2) Atente-se a que não admite ele a mesma regência verbal de casar, não aceitando, assim, ser construído com a preposição com, razão pela qual é errônea a frase: "O rapaz namorou com a vizinha durante dois anos". 3) Nessa mesma esteira, observem-se particularmente as construções errôneas com os pronomes comigo, contigo e consigo que, etimologicamente, trazem implícita a preposição com. Assim a frase "Você quer namorar comigo?", conhecido quadro de um programa de auditório, deve ser corrigida para "Você quer me namorar?". 4) Veja-se, em confirmação, que, para Luís A. P. Vitória, trata-se de "verbo transitivo direto" e "não admite, pois, a preposição com".1 5) Vitório Bergo o insere no rol daqueles verbos que merecem especial cuidado quanto à regência: namorar, e não namorar com.2 6) Ronaldo Caldeira Xavier, fundando-se em lição de Hildebrando Affonso de André, insere a expressão namorar com alguém no rol dos italianismos a serem evitados e aconselha sua substituição por namorar alguém.3 7) Atento à linguagem forense, Edmundo Dantès Nascimento aponta erros de regência desse verbo até mesmo em sentenças de anulação de casamento ou de separação judicial, com o emprego da preposição com ("Namorava com ele"), alertando que o correto é Namorava-o.4 8) Anote-se que, em lição não aplicável à norma culta, Evanildo Bechara ressalta seu uso coloquial com a preposição com, "influenciado talvez pela regência de casar".5 9) De igual modo, Aires da Mata Machado Filho, sem explicação alguma nem abono de autor autorizado, observa de modo simplista e telegráfico: "Usam-se as duas regências".6 10) Silveira Bueno, contrariando entendimento majoritário e alegando inexplicáveis questões de "psicologia do verbo", aduz que tal vocábulo traduz "ação que requer companhia, e a preposição adequada é com".7 11) Após citar lição de Silveira Bueno no sentido da possibilidade de emprego da sintaxe namorar com, acrescenta Luciano Correia da Silva "outro fato, que determina usos e costumes em nossa língua: a analogia. A analogia com o verbo casar com, vizinho de namorar, pode ter influído para que tivéssemos o namorar com, mais visto no Rio, Norte e Nordeste".8 12) Celso Pedro Luft também considera normal o emprego da regência namorar com, argumentando com a existência da idéia de companhia, de encontro.9 13) A par do fato da inexistência de cunho científico para tal proceder, todavia, acresce observar que Francisco Fernandes, em postura mais harmônica com a tradição e com a ciência, cita diversos exemplos, ora tendo o verbo como intransitivo, ora como pronominal; em momento algum, todavia, cogita da estrutura namorar com.10 14) Ante tais considerações, o melhor posicionamento continua sendo empregá-lo simplesmente como verbo transitivo direto, sem possibilidade de regência com a preposição com, no que concerne aos textos que devam submeter-se ao padrão da norma culta. ________________ 1Cf. Vitória, Luís A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4 ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 169. 2Cf. Bergo, Vitório. Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943. p. 212. 3Cf. Xavier, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 91. 4Cf. Nascimento, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 91. 5Cf. Bechara, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 319. 6Cf. Machado Filho, Aires da Mata. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e Edinal - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 734. 7Cf. Bueno, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 101. 8Cf. Silva, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. São Paulo: Edipro, 1991. p. 164. 9Cf. Luft, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 375. 10Cf. Fernandes, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16 impressão. Porto Alegre: Globo, 1971. p. 431.
quarta-feira, 3 de junho de 2009

Subscrevemos-nos ou subscrevemo-nos?

1) Da conjugação de um verbo seguido de pronome pessoal oblíquo átono, podem surgir associações que vale a pena observar. 2) Assim, se o verbo termina por vogal e é seguido de o, a, os, as, a junção ocorre sem alteração alguma : entregou + o = entregou-o; dou + as = dou-as. 3) Se o verbo vem seguido de vos ou lhes, a junção também se faz sem alteração alguma: entregamos + vos = entregamos-vos; entregamos + lhes = entregamos-lhes. 4) Se a primeira pessoa do plural vem seguida do pronome nos, o verbo perde o s final: entregamos + nos = entregamo-nos. 5) Bem nessa esteira, lembra Mário Barreto que, nesses casos, o correto "é suprimir-se o s final da primeira pessoa do plural quando o pronome nos vem após o verbo.1 6) Na lição de Domingos Paschoal Cegaila, em casos dessa natureza, "para atender à eufonia, suprime-se o s final da primeira pessoa do plural dos verbos, quando seguida do pronome nos".2 7) Se o verbo termina por m ou ditongo nasal e é seguido de o, a, os, as, a forma verbal permanece inalterada, e o pronome é precedido de um n: entregaram + a = entregaram-na; dão + o = dão-no. 8) Se o verbo termina por r, s ou z e é seguido de o, a, os, as, aquelas consoantes são eliminadas, e os pronomes passam a ter as formas lo, la, los, las: encontrar + o = encontrá-lo; encontrar + a + ei = encontrá-la-ei; procuras + os = procura-los; fiz + as = fi-las. 9) Nos dizeres de Artur de Almeida Torres, "nas formas verbais terminadas em r, s ou z, seguidas do pronome oblíquo o, a, em sua antiga representação lo, la, aqueles fonemas assimilaram-se ao l, desaparecendo depois: mandar-lo, mandallo, mandá-lo; levastes-lo, lesvastello, levaste-lo, fez-lo, fello, fê-lo".3 10) Cândido Jucá Filho, nesse aspecto, lembra que Filinto Elísio, "censurando os críticos ignorantes, incide nesta erronia grosseira: 'E chamais-los puristas e censores?' (isto é, 'chamai-los')".4 11) Se o verbo termina por ns, segue-se a observação anterior, apenas com a transformação do n remanescente em m: tu manténs + o = tu mantém-lo; tu tens + o = tu tem-lo.5 12) De Édison de Oliveira é interessante observação sobre o assunto, muito embora em nada altere a realidade gramatical nem institua permissão para o cometimento dos equívocos em norma culta: "É claro que a maioria dessas combinações, embora rigorosamente corretas de acordo com a gramática, são freqüentemente evitadas na linguagem cotidiana, e até na linguagem literária, por estranhas ou mal sonoras, sendo fácil transmitir a mesma idéia através de outras construções". 13) E, "para evidenciar o caráter excêntrico que a forma verbal assume em tais circunstâncias", exemplifica tal autor com a conjugação completa de um tempo verbal seguido de pronome: quero + o = quero-o; queres + o = quere-lo; quer + o = qué-lo; queremos + o = queremo-lo; quereis + o = querei-lo; querem + o = querem-no).6 14) De modo específico para a consulta formulada, o correto é "Encaminhamos-lhes anexos exemplares da cartilha", e não "Encaminhamo-lhes anexos exemplares da cartilha". ____________________________ 1 Cf. Barreto, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 141. 2 Cf. Cegalla, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 139. 3 Cf. Torres, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositia. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultra, 1966. p. 15. 4 Jucá Filho, Cândido. Curso de Português - Segundo Ano Colegial. São Paulo: Companhia Editora, 1954. p. 31. 5 Cf. Ribeiro, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 257. 6 Cf. Oliveira, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 137.
quarta-feira, 27 de maio de 2009

Cível ou Civil?

1) De início, importa observar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão oficial para definir quais vocábulos integram nosso léxico, faz o normal registro de cível e de civil, de modo que ambas as palavras existem oficialmente em nosso idioma.1 2) Com a atenção voltada para o primeiro vocábulo, leciona Napoleão Mendes de Almeida que, apesar de gramaticalmente correta, a palavra cível é mal formada em português, por contrariar as regras de derivação do latim.2 3) Para Antonio Henriques, "forma-se por analogia com os paroxítonos cultos em ível: crível, horrível, terrível; é, assim, forma divergente. 4) Ensina tal autor, com base em lição de Franco de Sá, condenatória do vocábulo por barbarismo, que se trata "de um termo de amplitude maior (do que civil), abrangendo o Direito Civil, Comercial e Trabalho e distingue-se das ações criminais".3 5) Cândido de Oliveira faz outra distinção entre tais vocábulos: cível é o "relativo ao Direito Civil", e civil é o que "diz respeito às relações dos cidadãos entre si".4 6) Nos textos jurídicos e forenses, o primeiro vocábulo é termo aceito como gramaticalmente correto, indicador daquilo que respeita ao Direito Civil, do que se julga estar de acordo com as leis civis: causa cível, juízo cível, vara cível. 7) Já civil basicamente se emprega em oposição ao que é criminal: processo civil, ação civil, condenação civil. 8) Também se usa tal vocábulo para distinguir alguém de um militar, de um religioso, ou mesmo para desvinculá-lo de outrem com caracteres, condições ou relações peculiares: guerra civil, exército civil, casamento civil, emprego civil (não oficial, nem público). 9) Na consonância com ensino de Antonio Henriques, "prende-se ao latim civilis, da raiz de civis (cidadão)" e "refere-se, pois, aos cidadãos e ao que se relaciona com eles", regulando-se "pelo Direito Civil propriamente dito, excluindo-se o Direito do Trabalho, Direito Comercial e Penal".5 ____________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed. 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 188. 2 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 55-56. 3 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 33. 4 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 33. 5 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 33.
quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ter de

1) De acordo com lição de Napoleão Mendes de Almeida, a expressão ter de denota obrigatoriedade, portando em si o significado de estar na obrigação de. Ex.: "O juiz não tinha de deferir o requerimento intempestivo formulado pelo réu".1 2) De igual modo, para Júlio Nogueira, perfeitamente possível é o uso da referida expressão, quando exprime obrigação: "Tenho de sair", "Tenho de comprar".2 3) Já a expressão ter que, segundo os gramáticos, apenas relata a existência de coisa por fazer, de coisa que ainda não foi feita. Ex.: "O juiz tinha que realizar duas audiências". 4) Observe-se, adicionalmente, que tal sentença também pode ser dita do seguinte modo: "O juiz tinha duas audiências que realizar". 5) Atento a essa distinção e com ela concorde, Aires da Mata Machado Filho anota que se podem dizer duas frases similares quanto à forma, mas de significados distintos em tais circunstâncias: "Tenho de vencer duas léguas" e "Tenho que vencer duas léguas", ou "Tenho duas léguas que vencer". 6) Para tal gramático, "no primeiro modo (tenho de), apresento o vencer as duas léguas como uma obrigação a que estou sujeito, uma necessidade a que não posso fugir. No segundo (tenho que), apenas digo que me restam duas léguas por vencer ou que tenho diante de mim o vencer duas léguas, se quiser chegar a determinado lugar".3 7) Em análise dos exemplos "tenho de vencer duas léguas" e "tenho duas léguas que vencer", assim se expressa em repetição Sousa da Silveira: "No primeiro modo, apresento o vencer as duas léguas como uma obrigação a que estou sujeito, uma necessidade a que não posso fugir; no segundo, digo apenas que me restam duas léguas por vencer ou que tenho diante de mim o vencer duas léguas se quiser chegar a determinado lugar".4 8) Também para Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, ter de e ter que são coisas diferentes: "Ter de implica idéia de obrigatoriedade, dever, necessidade, precisão: Tenho de sair = tenho (necessidade) de sair; tenho de trabalhar = tenho (obrigação) de trabalhar. Ter que supõe um antecedente para o relativo que: Tenho muito (muita coisa) que fazer (a fazer)". 9) E acrescentam tais autores: "Considera-se que as duas expressões não são sinônimas, mesmo que isso aconteça no CC/1916, art. 413, II, CC/1916, art. 597, e CPP art. 484, VI".5 10) Silveira Bueno, por um lado, também faz a diferença, que reputa necessária "para que o pensamento seja perfeitamente claro", entre ter que - expressão que só se deve empregar quando o que for pronome indefinido, equivalendo a coisas ("tenho muito que fazer") - e ter de - expressão a ser usada nos demais casos, como "mera forma futura com sentido de obrigação" ("tenho de fazer exames, tenho de embarcar, tenho de ouvir um sermão"). 11) Por outro lado, ressalva ele que "os escritores, ainda os mais cuidadosos como Rui Barbosa, empregam, indiferentemente, ter de por ter que e vice-versa".6 12) Édison de Oliveira, por sua vez, abrandando o rigor dos gramáticos antecedentes, assevera ser hoje facultativo o uso de ter de ou de ter que, justificando taxativamente que "houve tempo em que se discutiu muito sobre esse assunto, mas, atualmente, as bibliografias dão validade às duas construções e o redator pode escolher, tranquilamente, a que lhe soar melhor no momento".7 13) Arnaldo Niskier também observa que, "apesar da resistência de alguns puristas, ter que já pode ser considerado hoje tão correto quanto ter de. A língua evolui...".8 14) Adicione-se, por fim, para efeitos de identificação nos casos práticos, que, de acordo com lição de Júlio Nogueira, o emprego da expressão ter que "cabe quando o que é relativo: 'Tenho muitos passos que dar'; 'Muitas coisas que fazer'".9 15) Já para Carlos Góis, em frases como "Nada há que dizer", "o que não é pronome relativo, mas preposição acidental", podendo-se substituir por "Nada há por dizer".10 16) Acerca das expressões ter de e ter que, Adalberto J. Kaspary traz judiciosas ponderações, sobretudo no que interessa para o seu emprego nos textos de lei: a) "Originariamente, ter de e ter que eram duas expressões bem distintas" (ter de significava ter obrigação ou dever de, e ter que equivalia a ter alguma coisa a qual se deve ou se pode fazer); b) "Com o tempo, as duas expressões tornaram-se sinônimas; ter que consagrou-se como variante (popular, oral) de ter de, ficando esta como expressão preferida na linguagem culta escrita"; c) "Nos textos legais pesquisados, notamos (como, de resto, em textos literários de autores atuais) nítida preferência pela expressão ter de para expressar obrigação, necessidade"; d) "Assim, dos cinquenta e três exemplos que anotamos, cinquenta são com ter de, ficando apenas três para ter que"; e) "Desse modo, embora possamos dizer a mesma coisa com uma e outra expressão, parece evidente que ter de deve merecer a preferência em textos formais, como o são os da linguagem jurídica e forense".11 17) São exemplos de dispositivos de lei com ter de: a) "É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação" (LICC, art. 12); b) "Tendo o processo de ser remetido a outro juízo, à disposição deste passará o réu, se estiver preso" (CPP, art. 410, parágrafo único). 18) São exemplos de artigos de lei com ter que: a) "Se a caça ferida se acolher a terreno cercado, murado, valado, ou cultivado, o dono deste, não querendo permitir a entrada do caçador terá que a entregar ou expelir" (CC/1916, art. 597); b) "Quando o juiz tiver que fazer diferentes quesitos, sempre os formulará em proposições simples e bem distintas" (CPP art. 484, VI). ____________ 1 Cf. Almeida, Napoleão Mendes de. Op. Cit., p. 311, nota 52. 2 Cf. Nogueira, Júlio. Op. Cit., nota 54. 3 Cf. Machado Filho, Aires da Mata. "Dúvidas e Sutilezas da Linguagem". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e Edinal - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 404. 4 Apud Henriques, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 190. 5 Cf. Henriques, Antonio; Andrade, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 140-141. 6 Cf. Bueno, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2. vol., p. 472. 7 Cf. Oliveira, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 141. 8 Cf. Niskier, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 107. 9 Cf. Nogueira, Júlio. A Linguagem Usual e a Composição. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959. p. 71. 10 Cf. Góis, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 185. 11 Cf. Kaspary, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica - Acepções e Regime. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 339-340.
quarta-feira, 13 de maio de 2009

Voz passiva: quando é possível?

1) Uma leitora, ao tentar resolver uma prova do Tribunal Regional Federal, teve dúvida sobre qual dos seguintes exemplos admite transposição para a voz passiva: I) Cresce a olhos vistos a oferta de produtos associados à juventude; II) São inúmeras as conseqüências dessa idolatria; III) As leis do mercado favorecem esse culto da juventude; IV) A juventude deixou de ser uma fase da vida; V) Resulta disso tudo uma espécie de código comportamental. 2) Para solucionar adequadamente a questão, deve-se partir do princípio de que, conceitualmente, voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato; no primeiro caso, o sujeito pratica a ação indicada pelo verbo, e, no segundo, o sujeito a recebe: I) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); II) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir - no caso, na locução verbal foi proferida). 3) Da análise sintática do exemplo dado, vê-se, sem muito esforço de exegese, que o objeto direto da voz ativa torna-se sujeito da voz passiva, e o que era sujeito na voz ativa passa a ser o agente da passiva. 4) Por essa observação, extrai-se, em corolário, a ilação de que só tem voz passiva um verbo transitivo direto ou transitivo direto e indireto (bitransitivo). Caso contrário, não há na voz ativa um termo que possa ser o sujeito da voz passiva. 5) Bem por isso, a frase "O juiz não gostou do depoimento" não tem voz passiva. O termo do depoimento é objeto indireto, e não há, na voz ativa, objeto direto que possa vir a ser o sujeito da voz passiva. 6) Com essas premissas, veja-se a primeira frase da consulta ("Cresce a olhos vistos a oferta de produtos associados à juventude"): I) sua ordem direta (sujeito + verbo + complementos) é "A oferta de produtos associados à juventude cresce a olhos vistos"; II) o sujeito é "A oferta de produtos associados à juventude"; II) o verbo é cresce; III) a expressão "a olhos vistos" é um adjunto adverbial; IV) constata-se que não há objeto direto; V) assim, pelas premissas lançadas, o exemplo não admite transposição para a voz passiva. 7) Considere-se o segundo exemplo ("São inúmeras as conseqüências dessa idolatria"): I) sua ordem direta é "As conseqüências dessa idolatria são inúmeras"; II) o sujeito é "as conseqüências dessa idolatria"; III) o verbo é são (o verbo ser é chamado verbo de ligação, porque liga uma qualidade ao sujeito; IV) - porque, no caso, o verbo ser é de ligação, seu complemento (inúmeras) é um predicativo do sujeito; V) com verbo de ligação não há objeto direto; V) assim, pelas premissas lançadas, o exemplo dado também não admite transposição para a voz passiva. 8) Atente-se ao terceiro exemplo ("As leis do mercado favorecem esse culto da juventude": I) o exemplo já está na ordem direta (sujeito + verbo + complementos); II) o sujeito é "as leis do mercado"; III) o verbo é favorecem; IV) "esse culto da juventude" é o objeto direto; V) porque tem verbo transitivo direto, o exemplo admite transposição para a voz passiva; VI) confira-se como fica o exemplo na voz passiva: "Esse culto da juventude é favorecido pelas leis do mercado". 9) Observe-se o quarto exemplo ("A juventude deixou de ser uma fase da vida"): I) o exemplo já está na ordem direta; II) o sujeito é a juventude; III) o verbo é uma locução (deixou de ser), em que o principal é ser, um verbo de ligação; IV) como se viu anteriormente, o complemento de verbo de ligação é um predicativo do sujeito; V) a análise do exemplo mostra que nele não há objeto direto; V) e, pelas premissas lançadas, se não há objeto direto na voz ativa, o exemplo não admite transposição para a voz passiva. 10) Chega-se, por fim, ao último exemplo ("Resulta disso tudo uma espécie de código comportamental"): I) a ordem direta é "Uma espécie de código comportamental resulta disso tudo"; II) o sujeito é uma espécie de código comportamental; III) o verbo é resulta; III) disso tudo é o objeto indireto; IV) como não há objeto direto na voz ativa, o exemplo não admite transposição para a voz passiva. 11) Resolvida a questão da consulta, acresce dizer, como exceção, que o verbo obedecer, embora transitivo indireto, tem voz passiva por questões históricas: a) "A suposta vítima não obedeceu ao comando policial" (voz ativa); b) "O comando policial não foi obedecido pela suposta vítima" (voz passiva). 12) Também se anota que alguns verbos, num sentido, são transitivos diretos e, noutro sentido, transitivos indiretos: I) "O advogado assiste o cliente" (no sentido de ajudar, é transitivo direto); II) "O advogado assiste ao espetáculo" (no sentido de ver, presenciar, é transitivo indireto). 13) Quanto a esses verbos que mudam de transitividade conforme o sentido, fixa-se-lhes a regra de que apenas admitem transposição para a voz passiva quando são transitivos diretos: I) "O cliente foi assistido pelo advogado" (admite emprego na voz passiva, porque, no sentido de auxiliar, o verbo assistir é transitivo direto); II) "O espetáculo foi assistido pelo advogado" (exemplo equivocado e errôneo, já que, sendo transitivo indireto nesse sentido, o verbo assistir não admite transposição para a voz passiva). 14) Embora haja autores que insistam em apassivar verbos dessa última acepção, mesmo quando transitivos indiretos, os gramáticos, de um modo geral, têm mantido a posição de obediência à regra acima fixada.
quarta-feira, 6 de maio de 2009

Induzir em erro ou induzir a erro (?)

1) No sentido de concluir, deduzir, inferir, pressupor, é transitivo direto. Ex.: "Os alunos induzirão a regra depois da observação dos seguintes exemplos..." (Sá Nunes).1 2) No sentido de causar, provocar, originar, resultar em, constrói-se com objeto direto (que pode ser sujeito na voz passiva). Exs.: a) "A nulidade do instrumento não induz a do ato, sempre que este puder provar-se por outro meio" (CC/1916, art. 152, parágrafo único); b) "... A nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal" (CC/1916, art. 153); c) "A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa" (CPC, art. 219); d) "A nulidade do ato não é induzida pela do instrumento..."; e) "A nulidade da obrigação principal não é induzida pela das acessórias"; f) "A litispendência é induzida pela citação válida...". 3) Observe-se, por oportuno, que o art. 678 do Projeto do Código Civil trazia a expressão "induzem à propriedade"; apontando a erronia, Rui Barbosa asseverou que "o verbo induzir pede complemento direto".2 4) No sentido de instigar, incitar, persuadir alguém, por meio de argumentos artificiosos, a praticar certo ato, aparece sob a construção induzir alguém a algo. Ex.: "Carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade: ... c) O que por meio de dolo ou coação induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu" (CC português, art. 2.034°, c). 5) No sentido de arrastar, fazer cair em erro, observa Francisco Fernandes que o objeto indireto vem regido pela preposição em (induzir alguém em).3 Ex.: "Quando, nos seus escritos, estatuiu leis gramaticais, foi para induzir em erro os que as observassem" (Rui Barbosa). ___________ 1 Cf. Fernandes, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4 ed., 16. Impressão. Porto Alegre: Globo, 1971. p. 383. 2 Cf. Barbosa, Rui. Parecer sobre a Redação do Código Civil. Rio de Janeiro: edição do Ministério da Educação e Saúde, 1949. p. 231. 3 Cf. Fernandes, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4 ed., 16. Impressão. Porto Alegre: Globo, 1971. p. 383.
quarta-feira, 29 de abril de 2009

Grande maioria (?)

1) Indaga um leitor se é correto o emprego da expressão grande maioria. 2) Ora, numa associação que tenha cem membros, se se considera o número de cinqüenta deles mais um, está-se, sem dúvida, diante da maioria. No capital acionário de uma sociedade anônima, quando se tem cinqüenta por cento do capital mais uma ação, também se está diante da maioria. 3) Uma maioria como a considerada nos dois casos, porém, é uma maioria apertada; já uma maioria que represente, por exemplo, noventa por cento dos associados, é uma folgada maioria. 4) Ante o fato de que o vocábulo maioria significa apenas a maior parte dos integrantes de um todo e ante a circunstância de que, entre a maioria e a totalidade, permeia uma gama enorme de possibilidades, são perfeitamente empregáveis expressões como grande maioria, apertada maioria, folgada maioria. 5) Sem necessidade de maiores indagações ou pesquisas, é fácil verificar na Constituição Federal de 1988, já acrescida de suas emendas constitucionais, diversos e significativos exemplos do emprego do vocábulo maioria, ora sem qualificativo algum, ora com modificadores e expressões: I) "Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros" (CF art, 47); II) "Compete privativamente ao Senado Federal: ... aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato" (CF, art. 52, XI); III) "Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão" (CF, art. 53, § 2º); IV) "Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa" (CF, art. 55, § 2º); V) "O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto" (CF, art. 66, § 4º); VI) "A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional" (CF, art. 67); VII) "As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta" (CF, art. 69); VIII) "Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos"(CF, art. 77, § 2º); IX) "Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos"(CF, art. 77, § 3º).
quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mais bem

1) Quando se diz "Ele é um bom advogado", o vocábulo bom, por modificar um substantivo, é um adjetivo e pode ter regularmente seu plural ("Eles são bons advogados"). 2) Já quando se diz "Ele é bem intencionado", por modificar um adjetivo (a tanto equivalendo a forma verbal adjetivada), a palavra bem é um advérbio. 3) A partir de tais observações, esclarece-se que a dúvida que surge entre os gramáticos concerne à possibilidade de emprego ou não de melhor como comparativo de superioridade de bom (adjetivo) e de bem (advérbio). 4) Não há, por primeiro, problemas acerca da possibilidade de uso da forma comparativa do adjetivo. Ex.: "Estes são melhores advogados do que aqueles". 5) O que se discute entre os gramáticos, sem uniformidade de entendimento, é se é possível usar o comparativo melhor para o advérbio. 6) Para uns, se o advérbio modifica um adjetivo ou forma verbal adjetivada, diz-se mais bem, e não melhor. Exs.: a) "A testemunha mais bem informada não depôs nos autos"; b) "Ele é o candidato mais bem indicado para o cargo". 7) Para tais autores, estaria equivocado o emprego da forma sintética melhor nos seguintes exemplos: a) "As suas ações são bem vistas e melhor imitadas"; b) "Outros mais confiados e melhor aconselhados". 8) Cândido de Figueiredo, por exemplo, opõe-se ao emprego indiscriminado das duas expressões - melhor informados e mais bem informados - ressaltando haver "um equívoco, muito vulgar, a este respeito", e defende que "em boa linguagem diz- se: mais bem informados, mais bem procedido, mais bem intencionados...". 9) De acordo com ensinamento de Luís A. P Vitória, "toda a vez que os advérbios bem ou mal precederem um particípio passado, ainda que adjetivado, empregar- se-á o comparativo analítico e não o sintético; dir-se-á, portanto: exercício mais bem feito, e não melhor feito". 10) Indagado sobre qual a melhor construção - mais bem classificado ou melhor classificado - Cândido de Figueiredo, em outro volume de obra já citada, realçando não ser ociosa a dúvida, observa que a primeira aparência é de que "seria indiferente o uso de qualquer das formas". 11) Em seguida, justifica tal gramático seu posicionamento: "entretanto, da índole da língua e da prática dos mestres não se infere essa indiferença; e, embora se descubram alguns exemplos clássicos, que talvez autorizassem melhor classificado, o caminho seguro é outro". 12) Para Edmundo Dantès Nascimento, "com particípio passado, principalmente quando este é irregular, o correto são as formas: 'mais bem', 'mais mal'", pois "ninguém diz: 'melhor feito', 'pior colocado'". 13) Já na consonância com lição de Eduardo Carlos Pereira, "são geralmente preferidas as formas analíticas mais bem e mais mal às sintéticas melhor, pior, diante de um particípio passivo: - mais bem feito, mais bem informado, mais mal escrito. Todavia, não faltam autorizados exemplos das formas sintéticas": a) "... a demonstração... seja melhor confirmada pelos fatos" (Alexandre Herculano); b) "Santarém é das terras de Portugal a melhor situada e qualificada" (Almeida Garrett). 14) Também realçando ser mais recomendável o uso do superlativo analítico mais bem ou mais mal, em vez do sintético melhor ou pior, antes do particípio passado, Vitório Bergo observa que, "uma ou outra vez se encontra em bons escritores aquela forma sintética". 15) Vasco Botelho de Amaral, todavia, doutrina que, "quando bem não é parte integrante de adjetivo composto, pode usar-se indiferentemente mais bem ou melhor, antes de particípio adjetivo". 16) Também para Sousa e Silva, "pode usar-se, indiferentemente, qualquer das duas formas com o particípio passado: melhor informado e mais bem informado". 17) E lembra tal gramático que "há quem não admita a forma sintética (melhor), mas a impugnação está em desacordo com os fatos da língua". 18) Nessa esteira, em oportuna análise de autores insuspeitos, Cândido jucá Filho assevera que o Padre Manuel Bernardes escreveu "Levou seu prêmio melhor logrado", e que José de Alencar fez registrar "mais decidida, senão melhor armada". 19) Complementa, contudo, o referido gramático: "o melhor, porém, é o que praticou o Rui: 'não foi mais bem sucedido'". 20) Ante a divergência entre os gramáticos, pelo princípio de que, na dúvida, existe liberdade para o usuário (in dubiis, libertas), é óbvio que estão autorizadas ambas as construções na linguagem que deva submeter-se ao padrão culto. 21) Tais observações valem para mal, mau, mais mal e pior.
quarta-feira, 15 de abril de 2009

Regras gerais de crase

1) É a fusão de duas vogais idênticas. 2) Seu aspecto mais importante é o caso de fusão da preposição a com os artigos femininos e pronomes demonstrativos a ou as (resultando à e às). E o acento grave tem hoje por função única em Português representar a existência da crase. 3) Duas regras básicas são de grande utilidade. 4) Por primeiro, quando se trata de saber se ela existe antes de um substantivo comum feminino, o melhor é substituir mentalmente, na frase, tal substantivo feminino por um correspondente masculino; se, com essa substituição, aparece ao ou aos no masculino, há crase no feminino. 5) Assim, diz-se "Vou à cidade", porque, no masculino, se fala "Vou ao campo". 6) De semelhante modo, "Ficaram junto à porta", porque "Ficaram junto ao portão". 7) Diz-se, todavia, "Encontrei a menina", porque se fala "Encontrei o menino"; e também, "A paz une as nações", porque "A paz une os povos". 8) Uma segunda regra geral para utilização da crase concerne aos nomes próprios de localidades. 9) Nessas hipóteses, quando um nome de localidade vem precedido de um a, alguns aspectos devem ser analisados: I) Verifica-se, de início, se a palavra que precede esse a exige a preposição a. II) Se essa palavra precedente não exige tal preposição, não há crase; assim, por exemplo, "Visitei a Bahia" (o verbo visitar é transitivo direto e não exige complemento precedido de preposição - quem visita, visita algo ou alguém). III) Se, porém, a palavra precedente exige a preposição a, deve-se continuar o raciocínio, trocando-se mentalmente a preposição da frase por outra diferente (o que se consegue, muitas vezes, trocando o próprio verbo, como ir por voltar). IV) Se, operada essa troca, surge, na combinação, um artigo feminino, então há crase no exemplo originário; assim, diz-se "Vou à Bahia", porque se fala "Volto da Bahia". V) Se, porém, feita a troca, não surge, na combinação, artigo algum, então não há crase; assim, diz-se "Vou a Roma", porque se fala "Volto de Roma". 10) Em tais casos de nomes de localidades, simbolizando no verbo ir todos aqueles que exigem construção com a preposição a, pode-se memorizar a questão com a seguinte quadra: "Se vou a e volto da, / Nesse caso crase há; / Se vou a e volto de, / Usar crase, para quê?". 11) Além dessas regras gerais, também há casos de crase obrigatória e outros de crase proibida.