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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 14 de julho de 2010

Polícia ou policia?

1) Uma leitora indaga se, após o Acordo Ortográfico de 2008, a palavra polícia continua ou não acentuada. 2) Ora, quanto à acentuação gráfica (aqui abrangidos não apenas os acentos - grave, agudo e circunflexo - , mas também os sinais diacríticos, como o trema), o mencionado acordo alterou, fundamentalmente, alguns aspectos, listados a seguir. 3) Num primeiro ponto, a partir do acordo, nas palavras terminadas em oo, não mais se emprega o acento circunflexo, de modo que agora se escreve voo, enjoo e abençoo, e não mais vôo, enjôo e abençôo. 4) Também não mais se usa o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler e ver e seus compostos (como descrer, desdar, reler e entrever), e, assim, a grafia, doravante, é creem, deem, leem e veem, e não mais crêem, dêem, lêem e vêem. 5) Para acertar a duplicidade já existente nos dois países, foi criado um caso de dupla grafia para diferenciação, com a marca optativa do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (louvámos, adorámos e falámos), para opor-se à primeira pessoa do plural do presente do indicativo (louvamos, adoramos e falamos). 6) O trema desapareceu por completo, de modo que a grafia correta é linguiça, sequência e quinquênio, e não mais lingüiça, sequência e qüinqüênio. 7) O acento deixou de ser usado para diferenciar pára (verbo) de para (preposição). 8) Eliminou-se o acento agudo nos ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas, de modo que se escreve agora assembleia e jiboia, e não mais assembléia e jibóia. 9) Como, no caso do item anterior, o acento foi eliminado das palavras paroxítonas, é certo que continuam sendo acentuados os vocábulos oxítonos com tais terminações, como papéis e herói. 10) Continua valendo a dupla grafia de acento antes de m e n, já que, por questões de pronúncia, Portugal emprega o acento agudo, enquanto o Brasil usa o acento circunflexo. Desse modo são igualmente corretos os acentos dos seguintes vocábulos: académico/acadêmico, génio/gênio, fenómeno/fenômeno, bónus/bônus. 11) Feitas essas ponderações, observa-se, para o caso da consulta, que a única possibilidade que haveria para gerar a dúvida trazida pela leitora seria o caso de se pensar na existência de um hipotético acento diferencial entre polícia (substantivo) e policia (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo policiar - ele policia). 12) Mas nem esse é o caso, pois não se tem, no caso, acento diferencial. Em verdade, polícia (com a sílaba tônica li) tem acento gráfico porque é um vocábulo paroxítono terminado em ditongo; já na palavra policia, a sílaba forte é ci, e esse fato não gera razão alguma para que exista acento gráfico no mencionado vocábulo. 13) Assim, em resumo, pelas razões já expostas, mesmo após o Acordo Ortográfico de 2008, polícia continua com acento gráfico, enquanto policia continua sem acento gráfico.
quarta-feira, 23 de junho de 2010

Aresto

1) É termo técnico, de largo uso na linguagem jurídica, com o significado de acórdão, decisão de um tribunal, decisão coletiva. Ex.: "Com o retorno dos autos do tribunal, o juiz da comarca determinou o cumprimento do venerando aresto". 2) Não confundir com sua parônima arresto, que significa apreensão autorizada pela Justiça. 3) Sob outro aspecto, Antonio Henriques, por um lado, conceitua acórdão como "forma verbal substantivada; trata-se da 3ª pessoa do plural (forma arcaica) do presente do indicativo do verbo acordar (concordar), cujo significado é 'julgamento feito pelos tribunais superiores' (CPC, art. 163, CPP, arts. 556, 563, 564 e 619)". 4) Por outro lado, tal autor - embora lembrando a sinonímia tomada por diversos autores - diferencia-o de aresto, dando a este o conceito de "decisão judicial irreformável tomada pelos tribunais superiores". 5) Em mesma direção, Edmundo Dantès Nascimento observa que "tecnicamente não são sinônimos acórdão e aresto, trazendo, em abono lição de Mendes Júnior: "Chamam-se arestos as decisões judiciais não suscetíveis de reforma, proferidas em forma de julgamento definitivo pelos tribunais superiores"." 6) Para sintetizar, enquanto acórdão é, genericamente, a decisão colegiada dos tribunais, o aresto é a decisão colegiada de um tribunal que não mais se apresente como suscetível de reforma. 7) Nem mesmo os textos de lei escapam ao cometimento de deslizes no emprego de palavras dessa natureza, bastando ver que, para o art. 23 do Decreto-lei n. 70, de 21/11/66, que instituiu a cédula hipotecária, a Coleção das Leis da União registrou aresto, quando, em realidade, queria significar arresto. 8) Quanto à pronúncia, além do fato de que o e é aberto (é) em ambos os vocábulos, é oportuno acrescentar que, em aresto, o r é pronunciado como em arisco (desconfiado), enquanto, em arresto, ele é pronunciado como em arrisco (que significa eu ponho em risco).
quarta-feira, 16 de junho de 2010

Traslado

1) Do latim trans (além de, através de) + latus (supino de ferre = levar), significa "a cópia, o que foi tirado do original constituindo-se na cópia fiel de documentos".1 Ex.: "Os traslado, ainda que não concertados, e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato" (CC/1916, art. 39). 2) Também consta traslado no Código Civil de 2002 em três artigos: 216, 217 e 218. 3) De Plácido e Silva, que lhe confere um sentido técnico próprio na terminologia jurídica, conceitua-o como "a cópia imediata, ou as cópias imediatas, passadas pelo próprio tabelião, ou escrivão, que formulou a escritura, e entregues, ato contínuo, aos interessados, como instrumentos autênticos da mesma escritura", motivo por que "é tido como o próprio original da escritura, cuja matriz está trasladada no livro do tabelião, ou nos autos do processo, em que a fez o escrivão oficiante".2 4) Para Luciano Correia da Silva, tanto faz trasladar como transladar, traslado ou translado.3 5) Anote-se, porém, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras em nosso idioma, não registra a forma translado, muito embora registre ambos os verbos: transladar e trasladar.4 _______________ 1 Cf. Henriques, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. P. 193. 2 Cf. Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Vol. IV (letras Q a Z), p. 413. 3 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed. 2009. São Paulo: Global. p. 805. 4 Cf. Silva, Luciano Correia da. Op. Cit., nota 137.
quarta-feira, 2 de junho de 2010

Tratar-se de

1) Geraldo Amaral Arruda esclarece que o verbo tratar pode ter sujeito, como na frase: "O autor, nesta ação, trata de seus direitos hereditários". 2) Continua afirmando, todavia, que, em outro contexto, pode-se preferir omitir o sujeito da oração, dizendo-se: "Nesta ação, trata-se de direitos hereditários". 3) E extrai ele as seguintes fiações: "O verbo continua na voz ativa e continua a reger objeto indireto; somente desapareceu o agente, que ficou indeterminado, servindo a partícula se precisamente como índice de indeterminação do sujeito". 4) Exatamente porque o sujeito é indeterminado com um direito ou com vários direitos, é que a flexão de tal substantivo para o plural não influi na concordância verbal: a) "Trata-se de um direito hereditário"; b) "Trata-se de direitos hereditários". 5) Em mesmo sentido, na lição de Domingos Paschoal Cegaila, o verbo tratar concorda obrigatoriamente na terceira pessoa do singular, mesmo que o termo ou expressão seguinte esteja no plural: a) "Trata-se de tarefas que exigem habilidade"; b) "Na verdade, tratava-se de fenômenos pouco conhecidos na época"; c) "Durante o encontro dos dois líderes políticos, tratou-se de problemas que afligem as populações pobres"; d) "Não se trata de advogados, minha senhora; trata-se de provas". 6) Reitere-se, com Laudelino Freire, que, quando usado na terceira pessoa com o pronome se, não vai para b plural tal verbo na passiva, "ainda que o objeto no plural esteja". 7) Assim, o plural de "Trata-se de um bom negócio" há de ser "Trata-se de bons negócios", e não "Tratam-se de bons negócios". 8) Francisco Fernandes até mesmo se refere à expressão tratar-se de, para que tal estrutura fique mais apartada das demais. 9) E Celso Pedro Luft é ainda mais didático, para lecionar que, com esse significado, "o verbo fica sempre na terceira pessoa do singular": Trata-se de obras, Tratar- se-á de símbolos, Talvez se trate de exceções, Quando se tratar de leis. 10) Em oportuna observação, anota AdalbertoJ. Kaspary por primeiro, exemplos de uso correto do verbo tratar-se usado pronominalmente: a) "Trata-se de meros casos de alçada policial"; b) "Trata-se de pessoas falsas, insinceras"; c) "Tratava-se de questões que fugiam à nossa competência"; d) "Talvez se trate de casos isolados"; e) "Trata-se, agora, de evitar prejuízos maiores aos condôminos". 11) Em sequência, realça tal autor que, com o verbo tratar-se, usado pronominalmente, "são incorretas construções pessoais (com sujeito expresso)", alinhando ele próprio exemplos errôneos: a) "A presente lide trata-se de ação possessória"; b) "É indiscutível tratarem-se de entorpecentes as substâncias supramencionadas"; c) "O autor trata-se de trabalhador rural"; d) "O caso trata-se de falsidade ideológica". 12) Por fim, manda que se corrijam tais exemplos da seguinte forma: a) "Cuida-se, na presente lide, de ação possessória"; b) "É indiscutível serem entorpecentes as substâncias supramencionadas"; c) "O autor é trabalhador rural"; d) "O caso é de falsidade ideológica" (ou "Trata-se, no caso, de falsidade ideológica", ou "O caso constitui falsidade ideológica").
quarta-feira, 26 de maio de 2010

Má-fé

1) Presumindo-se praticados de boa fé os atos jurídicos de um modo geral, sendo protegido por lei todo aquele que age sob o manto de tal intenção - quer podendo resilir o ato em que se prejudicou, quer podendo manter aquele que deve ser respeitado - a má-fé, seu oposto, exprime "tudo que se faz com entendimento da maldade ou do mal, que nele se contém". 2) E os atos praticados com tal intenção são inoperantes, não recebendo força legal, quer sendo tidos como nulos por natureza, quer podendo ser anulados, na conformidade com o interesse da parte prejudicada. 3) Quanto à estruturação gramatical de mau ou mal, é de se anotar, genericamente, que, modificando um adjetivo ou um verbo, é advérbio e se escreve mal: malcriado, mal-humorado, mal-intencionado. 4) Modificando, porém, um substantivo, escreve-se mau, que é como se grafa o adjetivo: mau-humor, mau-olhado. 5) Para facilidade de identificação, anote-se que, na prática, mau é o oposto de bom, enquanto mal é o contrário de bem. 6) Por outro lado, se o advérbio é invariável (malcriada, mal-humorados, mal-intencionadas), já o adjetivo sofre suas normais alterações para o feminino e para o plural, conforme a variação do substantivo: mau-olhado, maus-olhados, má-criação, más-criações. 7) De modo específico para o verbete considerado, o plural de má-fé é más-fés. 8) Pelas regras de uso do hífen, deve ele ser empregado no caso, como, aliás, confirma o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras.1 9) Não se deve pensar que, no caso, haja dois acentos gráficos em mesma palavra, uma vez que, para efeito de acentuação gráfica, os elementos unidos por hífen são considerados palavras distintas. Exs.: ábaco-mágico, café-solúvel, cará-de-são-tomé, cipó-café, pré-abdômen, pró-britânico. 10) Não se esqueça, aliás, ser bem fácil encontrar formas verbais com a conformação referida no item anterior: encontrá-lo-ás, fá-lo-íamos. __________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009, São Paulo: Global, p. 517.
quarta-feira, 12 de maio de 2010

Crase antes de nomes de localidades

1) Um leitor indaga se está correto o emprego do acento indicador da crase no seguinte exemplo: "Como dizem os antigos, não se vai à Franca, sobe-se à Franca do Imperador." 2) Ora, a indagação busca saber a respeito do uso de crase antes dos nomes de localidades, quando vêm precedidos de um a. 3) Nessas hipóteses, alguns aspectos devem ser analisados: I) Verifica-se, de início, se a palavra que precede esse a exige a preposição a. II) Se essa palavra precedente não exige tal preposição, não há crase; assim, por exemplo, "Visitei a Bahia" (o verbo visitar é transitivo direto e não exige complemento precedido de preposição - quem visita, visita algo ou alguém). III) Se, porém, a palavra precedente exige a preposição a, deve-se continuar o raciocínio, trocando-se mentalmente a preposição da frase por outra diferente (o que se consegue, muitas vezes, trocando o próprio verbo, como ir por voltar). IV) Se, operada essa troca, surge, na combinação, um artigo feminino, então há crase no exemplo originário; assim, diz-se "Vou à Bahia", porque se fala "Volto da Bahia". V) Se, porém, feita a troca, não surge na combinação artigo algum, então não há crase; assim, diz-se "Vou a Roma", porque se fala "Volto de Roma". VI) Diz-se, porém, "Vou à Roma dos césares", porque se fala "Volto da Roma dos césares". 4) Em tais casos de nomes de localidades, simbolizando no verbo ir todos aqueles que exigem construção com a preposição a, pode-se memorizar a questão com a seguinte quadra: "Se vou a e volto da, / Nesse caso crase há; / Se vou a e volto de, / Usar crase, para quê?" 5) De modo específico para os exemplos da consulta, a troca dos verbos dá o seguinte resultado: "Volto de Franca" e "Volto da Franca do Imperador". Assim, a forma correta do exemplo seria: "Como dizem os antigos, não se vai a Franca, sobe-se à Franca do Imperador".
quarta-feira, 5 de maio de 2010

Massivo

1) Indaga um leitor se existe massivo e acrescenta que, apesar de empregado amiúde, tal vocábulo não é registrado em dicionário algum. 2) Observe-se, de início, que não se põe em discussão, nem de longe se quer diminuir os relevantes serviços que os dicionaristas prestam ao idioma. 3) Mas se deve dizer aqui, todavia, que, por delegação legal específica, incumbe à Academia Brasileira de Letras a elaboração do rol dos vocábulos pertencentes ao vernáculo, e ela o faz pela edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, uma lista das palavras que integram oficialmente nosso idioma, com sua grafia oficial, seu gênero (masculino ou feminino), categoria morfológica (substantivo, adjetivo), etc. 4) Adiciona-se que, nos primeiros meses de 2009, veio a lume a quinta edição do VOLP, e nela se encontra regularmente registrado o vocábulo massivo, com a especificação de que se trata de um adjetivo.1 5) Oportuno é fixar que, incumbida por lei específica para a confecção do VOLP, a ABL goza de autoridade para, nesse campo, dizer o Direito, motivo por que, ao consultá-lo, legem habemus e devemos prestar obediência a suas determinações, como devemos fazer em relação aos demais diplomas legais. 6) Ante um tal quadro, duas situações precisam ser diferenciadas: I) se o VOLP não registra uma palavra, e um dicionário o faz, é de forçosa conclusão que tal vocábulo não existe oficialmente em nosso idioma; II) se o VOLP registra uma palavra, e os dicionários não o fazem, nem por isso o vocábulo deixa de existir oficialmente em nosso idioma. 7) Para consultar as palavras existentes no VOLP, é só acessar o site www.academia.org.br. 8) Feitas essas ponderações, especifica-se que o adjetivo aqui considerado significa, em última análise, sólido ou maciço, como é de fácil percepção nos seguintes exemplos: I) "O magistrado fez acompanhar sua sentença de massivos argumentos doutrinários"; II) "Massiva jurisprudência confirma a tese ora esposada". _________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global, p. 532.
quarta-feira, 28 de abril de 2010

Nomes próprios plurais

1) Há determinados nomes próprios que sempre se apresentam na forma plural: Alpes, Andes, Estados Unidos, Lusíadas, Sertões, Vassouras. 2) Tais substantivos trazem problemas de concordância verbal, e três observações podem ser formuladas a seu respeito. 3) Por primeiro, se um nome desses vem precedido de artigo, o verbo concorda com esse artigo. Ex.: "Os Estados Unidos invadiram o Iraque". 4) Se, porém, o nome não é precedido de artigo, o verbo fica no singular. Ex.: "Vassouras homenageou aquele desembargador". 5) Para o último caso, de Júlio Nogueira é a lição de que, "se o nome geográfico é do plural, mas só se pode usar sem artigo, a concordância deve ser no singular: Campos produz muito açúcar, Minas é abundante em minérios, Campinas tem muitas andorinhas etc.". 6) Assim sintetizam José de Nicola e Ernani Terra a questão do plural de nomes dessa natureza, rol esse em que tais autores incluem até mesmo nomes comuns: "Quando o sujeito é um nome que só se usa no plural (Estados Unidos, Alagoas, Minas Gerais, férias, pêsames etc.) e não vem precedido de artigo, o verbo fica no singular. Caso venha antecipado de artigo, o verbo concordará com o artigo". Exs.: a) "Alagoas possui lindas praias"; b) "As Alagoas possuem lindas praias"; c) "Férias faz bem"; d) "As férias fazem bem"; e) "Pêsames não traz conforto"; f) "Os pêsames não trazem conforto"; g) "Os Estados Unidos enviaram poderoso reforço"; h) "O Amazonas fica longe". 7) Por fim, se o nome plural é título de obra, optativa é a concordância, de modo que pode o verbo ficar no singular ou ir para o plural. Ex.: a) "Os Sertões faz parte de nosso melhor acervo cultural" (correto); b) "Os Sertões fazem parte de nosso melhor acervo cultural" (correto). 8) Em mesmo sentido, vale lembrar a doutrina de João Ribeiro: "Os nomes, habitualmente do plural, que indicam unidade de tal modo que não são acompanhados de artigo, exigem a concordância no singular. Notem-se os exemplos: 'Buenos Aires é a mais bela cidade da América'; 'Montes Claros fica na planície". E manda tal gramático comparar a concordância com a dos nomes que trazem o artigo: 'Os Alpes ficam na Suíça'; 'Os Estados Unidos fizeram guerra à Espanha'. 9) E, em justificativa, complementa tal autor em outra passagem: "Os nomes geográficos do plural, quando significam uma unidade, rio, cabo, monte ou povoação, figuram como no singular: 'Campos é próximo do Rio'; 'Buenos Aires está na embocadura do Prata'; 'O fértil Amazonas'". 10) Ao depois, acrescenta tal gramático: "Há exceção quando os nomes exprimem coletividade de montanhas, países, e são, por isso, precedidos do artigo: 'Os Estados Unidos de novo fizeram a paz'; 'Os Andes de sul a norte marginam o litoral do Oceano Pacifico'; 'Os Alpes nevam'". 11) Para resumir a Gramática, em tais casos, de oportuna lembrança a lição de Aires da Mata Machado Filho: "A boa norma é pôr o verbo no singular quando o topônimo no plural dispensa o artigo (Campos, Dores do Indaiá), e levá-lo para o plural quando o artigo seja empregado (Os Estados Unidos)". 12) E, quanto a nomes como Estados Unidos, atente-se ao ensino adicional de Vitório Bergo: "não procede a alegação de que o nome, embora no plural, se refere a um só país, pois esse país é constituído de diversos estados, e a idéia de pluralidade se reflete no articular os. Por este, pois, se pode regular a concordância: Campos progrediu, Campinas cresceu, o Amazonas é grande, os Andes se estendem, os Estados Unidos entraram em guerra". 13) E Luiz Antônio Sacconi, opondo-se aos que, especificamente nesse caso, defendem a possibilidade de concordância no singular sob o argumento de que os Estados Unidos seriam um só país, justifica que "tal alegação não procede, porque a idéia de pluralidade está claramente refletida no artigo os. Ademais, não se deve levar em conta o que o termo possa eventualmente sugerir, porquanto, assim fosse, teríamos uma verdadeira barafunda na língua", até porque se poderia dizer: "A guaraná está gelada" (por se tratar de uma bebida), ou "Luís é boa" (por se tratar de uma pessoa), ou "Isilda é sério" (por se tratar de um indivíduo). 14) Apenas para registro, transcreve-se o posicionamento minoritário, que, pelas razões expostas, não merece ser seguido, de Júlio Nogueira: "a denominação de países, livros etc. dada no plural não obriga o verbo ao plural: '... os Estados Unidos são (ou é) um grande país'".
quarta-feira, 14 de abril de 2010

Podem ... serem restritas... (?)

1) Um leitor indaga se o correto é "Podem as condutas médicas serem restritas pelo Sistema de Auditoria dos Planos de Saúde", ou se o correto deveria ser "Podem as condutas médicas ser restritas pelo Sistema de Auditoria dos Planos de Saúde". 2) É bastante conhecida a lição de que o infinitivo de um verbo (ou seja, o verbo quando o chamamos pelo nome: amar, vender, partir...) pode apresentar-se em sua forma não flexionada (o próprio nome do verbo - amar) ou em sua feição flexionada (ou seja, conjugado - amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles). 3) Quanto ao infinitivo, de um modo geral, nem sempre é fácil escolher a forma a ser empregada (flexionada ou não flexionada), e o assunto muitas vezes situa-se mais no terreno da Estilística do que da Gramática. 4) Com atenção específica ao caso da consulta, porém, a questão não é tão complexa e pode ser resolvida até com certa facilidade, apenas exigindo atenção ao texto na hora da revisão. 5) O problema, ademais, é corriqueiro na redação profissional de nossas petições, decisões e pareceres de todos os dias: como empregar o infinitivo numa locução verbal (dois verbos desempenhando o papel de um só - no caso, podem ... serem), quando postos tais verbos em ordem inversa e/ou entremeados com outras palavras ("Podem as condutas médicas serem restritas"). 6) A regra aplicável ao caso é de fácil entendimento: emprega-se o infinitivo impessoal nas locuções verbais, e nelas "não é lícito flexionar o infinitivo". Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado). 7) O erro mais comum, nesses casos, é a utilização do infinitivo flexionado, sobretudo quando, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, existem outras palavras, ou mesmo quando o exemplo está na ordem inversa. Exs.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto). 8) Cândido de Figueiredo, exatamente a esse respeito, lembra o seguinte exemplo, encontrado "num livro moderno, premiado oficialmente": "Podem entretanto esses serviços serem estabelecidos ..."; e complementa: "Podem serem... não é linguagem de cá". Acrescente-se: nem de cá, nem de lá, nem de lugar algum. 9) Reitere-se que, nesse caso, quando os verbos componentes da locução estão próximos e o auxiliar é normalmente flexionado, é menos corriqueiro o equívoco de flexão, sendo, assim, incomum um erro como o seguinte: "As certidões deverão acompanharem o traslado da escritura". 10) Todavia, quando os verbos da locução se distanciam, a possibilidade de erro se acentua, como se dá no seguinte emprego equivocado, modelo de outros tantos: "As certidões deverão, sob pena de invalidade do ato e impedimento para o registro, acompanharem o traslado da escritura" (corrija-se: deverão... acompanhar). 11) Após todas essas reflexões, assim se analisam as possibilidades do caso da consulta: a) "Podem as condutas médicas serem restritas pelo Sistema de Auditoria dos Planos de Saúde"? (errado); b) "Podem as condutas médicas ser restritas pelo Sistema de Auditoria dos Planos de Saúde"? (correto).
quarta-feira, 7 de abril de 2010

Estada ou Estadia?

1) Alguns autores, como Caldas Aulete, querem ver diferença entre estadia e estada, deixando a primeira para indicar a parada forçada que o navio faz no porto, enquanto conferem à segunda o significado de parada de outras coisas ou pessoas. 2) Cândido Jucá Filho, todavia, as dá por sinônimas e reputa forçada a mencionada distinção, que diz parecer não vigorar no Brasil. 3) Silveira Bueno, por sua vez, entende que o termo melhor é estada, reservando estadia para designar o tempo em que um navio gasta no porto, significando também a taxa portuária que se deve pagar. 4) Realçando haver freqüentes equívocos quanto a seu emprego nos meios forenses, Edmundo Dantès Nascimento faz expressa distinção entre a significação dos vocábulos estada e estadia: "o primeiro: permanência em um lugar (refere-se à pessoa); o segundo: permanência de navio no porto; automóvel em garagem; animais em cocheiras". 5) Consoante lição de Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, "não raro bons profissionais do Direito referem-se ao ato de estar em algum lugar por certo tempo como estadia. Ora, estadia é a permanência de veículos em garagem ou estacionamento, ou de navio no porto. Em referência a pessoas (e também a animais) o correto é estada". 6) De Arnaldo Niskier também é a diferenciação no sentido de que "estada é a permanência de animais ou pessoas em algum lugar. Estadia é para navios, carros etc.". 7) Luiz A. P. Vitória, de igual modo, faz essa diferença entre estada (como o ato de estar, a demora, a permanência) e a estadia (que conceitua como o tempo de permanência de um navio no porto). 8) Após fazer a distinção entre estadia ("demora que o capitão do navio fretado para transporte de mercadorias é obrigado a fazer, no porto, aonde chegou, sem que por isso se lhe deva mais do que o frete ajustado") e estada (permanência, demora), o Padre José F. Stringari observa que "hoje em dia emprega-se a cada passo esta palavra (estadia) na acepção de permanência, estada". E complementa que, "enquanto os puristas discutem, estadia vai ganhando terreno", trazendo exemplos de autores insuspeitos: a) "Eu decididamente não poderia recomeçar nova estadia no estrangeiro" (Rui Barbosa); b) "Ocupou-se de todos os autores nacionais que pôde conhecer e ainda de portugueses abrasileirados pela sua estadia no Brasil" (José Veríssimo); c) "Durante a estadia dos árabes na Península..." (Otoniel Mota). 9) Apesar da objeção de alguns, o melhor parece ser observar a efetiva distinção entre ambos os vocábulos e conferir a cada qual sua específica acepção, sobretudo porque o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão incumbido oficialmente de determinar a existência dos vocábulos em nosso idioma, além de sua grafia oficial, até mesmo fugindo a seu habitual proceder e finalidade, acaba por fixar o real sentido do vocábulo estadia: "demora, permanência de navio".
quarta-feira, 17 de março de 2010

Por cento

Por cento 1) O fulcro da questão é buscar resolver a concordância verbal em exemplos como "Noventa por cento viajaram", em que se pergunta: põe-se o verbo no singular ou no plural? 2) De acordo com lição de José de Nicola e Ernani Terra, "quando o sujeito é uma expressão que exprime porcentagem, o verbo deverá concordar com o numeral". Exs.: a) "Um por cento deixou a cidade"; b) "Trinta por cento deixaram a cidade". 3) Aduzem, por outro lado, tais autores que, "caso a expressão que indica porcentagem venha acompanhada de partitivo, pode-se fazer a concordância com a expressão partitiva. Exs.: a) 'Um por cento dos alunos faltaram'; b) 'Setenta por cento do time não apresentava boas condições físicas'". 4) Para Laurinda Grion, em casos que tais, por serem sujeitos formados por números percentuais, "a concordância do verbo se faz com o numeral": a) "Sessenta por cento dos empregados horistas estão contentes com as refeições servidas no almoço"; b) "Apenas dez por cento aprovam a atuação do serviço de restaurante"; c) "30% aprovam o plano"; d) "1% desconhece o assunto". 5) Já para Antonio Henriques, em tais casos, "o que determina a concordância é o partitivo": a) partitivo no singular, verbo singular: "90% do STF aplica bem a Justiça"; b) partitivo no plural, verbo plural: "90% dos Juízes aplicam bem a Justiça". 6) E, se não há partitivo, a concordância faz-se com o número: a) número singular, verbo singular: "Um por cento é pobre"; b) número plural, verbo plural: "Noventa por cento são ricos". 7) Para Luiz Antônio Sacconi, em tais casos, se se emprega o verbo ser em locução na voz passiva, dá-se a concordância com o partitivo (complemento). Exs.: a) "Vinte por cento da população está desempregada" (correto); b) "Vinte por cento dos trabalhadores estão desempregados" (correto). 8) Idêntico é o raciocínio para outros casos - mesmo sem locução na voz passiva - em que a concordância se faz com o adjunto (complemento) desse sujeito indicador de número percentual. Exs.: a) "Noventa por cento da imprensa defende o governo"; b) "Noventa por cento dos jornalistas defendem o governo". 9) Acresça-se, porém, a lição do professor Silveira Bueno, que indaga qual das duas concordâncias é correta: Oitenta por cento do eleitorado votou ou oitenta por cento do eleitorado votaram? E passa a responder tal gramático: "Oitenta por cento aqui são oitenta eleitores em cada porção de cem eleitores. Ora, se são oitenta eleitores, temos, evidentemente, um sujeito plural; se temos sujeito plural, o verbo deverá concordar com ele em número e pessoa, indo também para a terceira pessoa do plural". 10) E dá tal autor, em seguida, como correta, a construção: "Oitenta por cento do eleitorado votaram". 11) Luiz Antônio Sacconi, por sua vez, formula uma primeira regra, segundo a qual, se o número percentual se pospõe ao verbo, a concordância se fará normalmente com o número. Exs.: a) "Estão perdidos 50% da lavoura de café"; b) "Ficaram alagados 10% da cidade". 12) Em segunda norma, acrescenta tal gramático que "o plural também será obrigatório se o número percentual vier determinado por artigo ou pronome". Exs.: a) "Os 37% da produção serão exportados"; b) "Uns 15% da população morreram como consequência do terremoto". 13) Em adendo, observa que, se o número percentual for representado pela unidade, a concordância pode ser feita ou com o número percentual ou com seu complemento. Exs.: a) "Apenas 1% dos filmes requisitados chegou"; b) "Apenas 1% dos filmes requisitados chegaram". 14) Arnaldo Niskier, de seu lado, parte de três exemplos: a) "Quarenta por cento da vitória se devem a Pelé"; b) "Quarenta por cento da vitória se deve a Pelé"; c) "Esses dez por cento da arrecadação foram aplicados em Educação". 15) Deles, extrai tal autor as regras de seu entendimento: a) "com número percentual a concordância pode ser com o número" (quarenta - se devem); b) em tal caso, a concordância também pode dar-se "com a expressão que a ele se segue (o que normalmente se recomenda devido à eufonia)" (da vitória - se deve); c) "quando, no entanto, o número percentual é determinado, a única concordância possível é com o próprio número" (esses dez por cento - foram aplicados). 16) Ante tais divergências entre os autores, já aplicado o princípio de que, na dúvida, há liberdade para o usuário (in dubiis, libertas), podem-se resumir do seguinte modo as regras atinentes à questão da concordância verbal com a expressão por cento: a) Quando não há termo especificador, a concordância se faz com o numeral ("Um por cento faltou"; "Vinte por cento se ausentaram"); b) Quando a expressão indicativa de porcentagem se faz acompanhar de um termo especificador, de um partitivo, a concordância pode ser feita com o número ou com o termo especificador, indistintamente ("Apenas 1% dos filmes requisitados chegou"; "Apenas 1% dos filmes requisitados chegaram"; "Noventa por cento da imprensa defende o governo"; "Noventa por cento da imprensa defendem o governo"); c) Em tais casos de dupla possibilidade de concordância, é preciso atentar à flexão do adjetivo que funcionar como predicativo ("Vinte por cento da população está desempregada"; "Vinte por cento dos trabalhadores estão desempregados"); d) Se o número percentual se pospõe ao verbo, a concordância se faz normalmente com o número ("Estão perdidos 50% da lavoura de café"; "Ficou alagado 1% da cidade"); e) O plural será obrigatório, se o número percentual vier determinado por artigo ou pronome ("Os 37% da produção serão exportados"; "Uns 15% da população morreram como consequência do terremoto"). 17) No que concerne à concordância nominal em tais casos, lembrando que "os numerais flexíveis em gênero concordam com o substantivo a que se referem", leciona Domingos Paschoal Cegalla que, "pela lógica, deve-se dizer: 'Oitenta e duas por cento das mulheres trabalham fora de casa'. 'Trinta e uma por cento das crianças não frequentavam a escola'". 18) E justifica tal autor com o fato de que tais expressões significam "oitenta e duas mulheres entre cem; trinta e uma crianças entre cem". 19) De modo bem prático para o caso da consulta: I) "Um por cento das empresas sofreu fiscalização" (correto); II) "Um por cento das empresas sofreram fiscalização" (correto); III) "Noventa por cento das empresas sofreu fiscalização" (errado); IV) "Noventa por cento das empresas sofreram fiscalização" (correto); V) "Noventa por cento do bairro sofreu fiscalização" (correto); VI) "Noventa por cento do bairro sofreram fiscalização" (correto). ______
quarta-feira, 3 de março de 2010

Direito e linguagem científica

1) Uma leitora envia a seguinte mensagem: "Gostaria de que me explicassem se o Direito como ciência tem de possuir linguagem própria como outras ciências, como Medicina, Física ou Matemática? Mas com isso, a sociedade não se afastaria ainda mais, por não entenderem?" 2) Se, por um lado, o literato produz arte, com liberdade para empregar os vocábulos que melhor sugiram seu estado de espírito e sua criatividade, já o profissional do Direito (que frequentou um curso de ciências jurídicas e sociais), por outro lado, produz ciência, cuja linguagem é técnica e precisa. 3) Bem por isso, em termos práticos, é inconveniente, de um modo geral, substituir termos e locuções por sinônimos, a pretexto de evitar repetições. 4) Nessa esteira, lembrando que "a precisão da linguagem jurídica desaconselha tais substituições", observa Geraldo Amaral Arruda que, "firmado o título do instituto jurídico com a função de determinado adjetivo restritivo, será impróprio substituir substantivo e adjetivo por sinônimos ou pretensos sinônimos". 5) E alinha tal autor um rol dessas impropriedades, muitas vezes de mau gosto: estatuto minorista, estatuto repressivo, estatuto adjetivo civil, representante ministerial, fase inquisitorial, insuficiência probatória, em vez de: Código de Menores, Código Penal, Código de Processo Civil, representante do Ministério Público, fase do inquérito policial, insuficiência de provas. 6) A questão é tão arraigada nos meios forenses, que até mesmo resvala para o lado anedótico, como a história que se conta do causídico atuante na Justiça Militar, que ao Código Penal Militar jamais atribuía esse nome, mas sempre o rebatizava como pergaminho repressivo castrense; ou do extremo a que chegou um representante do Ministério Público, o qual, ao oferecer denúncia por lesões corporais em briga havida durante um jogo de futebol, asseverou ter-se dado o evento durante pugna de ludopédio. 7) Bem no estilo "seria cômico, se não fosse trágico", prestigioso jornal deste Estado, em artigo no qual se pretendia demonstrar que os jovens advogados tentam modernizar o idioma jurídico, noticiou que um deles, para não repetir a expressão Lei das Sociedades Anônimas, não teve dúvidas em chamá-la de diploma do anonimato. 8) A necessidade de um vocabulário preciso e científico se faz evidente até mesmo em determinados dispositivos legais. 9) Veja-se, por exemplo, o que segue: "Nos embargos infringentes e na ação rescisória, devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal expedirá cópias autenticadas do relatório e as distribuirá entre os juízes que compuserem o tribunal competente par o julgamento" (art. 553 do Código de Processo Civil). 10) Sabido é pela praxe que tais cópias serão entregues tão-somente aos que haverão de participar de modo efetivo do julgamento, e não a todos os integrantes do tribunal, o qual, como um todo, não deixa de ser competente para o julgamento. 11) Desse modo, melhor seria dizer turma julgadora em lugar de tribunal. 12) Em verdade, por ser ciência, o Direito tem uma linguagem própria, de modo que querer simplificá-la, com a abolição ou o enfraquecimento de sua terminologia técnica, a pretexto de tornar seu texto acessível ao povo a todo custo - como, aliás, têm pregado até mesmo entidades como a maior associação de magistrados do país - demonstra uma visão distorcida do que seja a realidade científica e se apega a uma atitude que se pode classificar, no mínimo, como demagógica. 13) Observem-se, em paralelo, os livros, os artigos e os relatos de Medicina ou de Odontologia: ninguém, até hoje, questionou o nível de sua linguagem, nem os termos técnicos envolvidos em sua redação. Além disso, dificilmente o resultado de um exame laboratorial vai ser entendido na totalidade por um paciente. E ninguém jamais pregou que a linguagem dos relatórios de exames laboratoriais deva ser simplificada, para ser entendida pelo leigo. 14) Nesse caso, é fácil dizer a sequência: o médico se incumbirá de dar as explicações necessárias, para que o paciente tenha a exata compreensão e extensão dos termos do resultado escrito. De semelhante modo, uma coisa é o relacionamento do advogado com o texto redigido das sentenças e dos acórdãos. Algo bem diverso é como esse advogado vai explicar ao cliente eventuais tópicos da sentença mais difíceis de compreensão pelo leigo. 15) Isso não quer dizer que não se devam policiar e coibir os excessos da linguagem empregada pelos operadores, a qual, em diversos de seus aspectos, esta sim, afasta a sociedade do Direito, quer como ordenamento, quer como ciência. Nessa esteira, podem-se evitar, sem dúvida, os termos empolados e difíceis, as construções arrevesadas, eventuais citações de outros idiomas que se afigurem desnecessárias, longos períodos que significam rigorosamente nada, extensas digressões que não explicam coisa alguma. Isso, porém, pode ser creditado na conta de um (mau) estilo de redação desenvolvido pelos operadores do Direito, de um jargão fossilizado e de uma miopia de análise, os quais levaram o pessoal do Direito a crer que tais características demonstram uma cultura superior de quem assim fala ou escreve.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sob hipoteca ou sobre hipoteca?

1) Um leitor indaga qual a forma correta da expressão: I) "Emprestei-lhe dinheiro sob hipoteca"; II) "Emprestei-lhe dinheiro sobre hipoteca". Acrescenta ele que encontrou no prestigiado gramático Domingos Paschoal Cegalla a construção "Emprestar dinheiro sobre hipoteca". 2) Num primeiro momento, exclui-se de qualquer dúvida um exemplo como "Ele discorreu longamente sobre hipoteca", em que é clara a idéia de a respeito de, acerca de, com referência a ou relativamente a, tipificando uma situação bem diferente do que aqui se discute. 3) Em seguida, alinha-se um exemplo como "A casa estava sob hipoteca": nele o sentido é claro para considerar a hipoteca como oneração ou gravame que pesa sobre a casa. É a hipoteca em seu prisma passivo, considerada do lado de quem sofre seus efeitos. 4) Por fim, traz-se um outro exemplo - "Ele aplicou dinheiro sobre hipoteca": o contexto não deixa dúvida de que a expressão em negrito busca considerar a hipoteca como lastro ou garantia. É a hipoteca em seu prisma ativo, considerada do lado de quem a tem como garantia e pode exigir seus reflexos do devedor. 5) Da própria verificação dos casos concretos, parece que se pode resumir a questão do seguinte modo: I) a expressão sob hipoteca indica a consideração pelo aspecto passivo, a saber, da oneração ou do gravame que pesa sobre o bem; II) já o circunlóquio sobre hipoteca aponta o aspecto ativo, ou seja, da garantia ou do lastro representado pelo referido direito real. 6) Com essas ponderações, vejam-se os seguintes exemplos, todos corretos quanto ao uso da expressão sob hipoteca: I) "Iriam à hasta pública os bens sob hipoteca"; II) "Basta que conste que o imóvel se encontra sob hipoteca"; III) "É preciso fiscalizar os imóveis sob hipoteca legal"; IV) "Trata-se de imóvel sob hipoteca cedular com base no Decreto-lei 413/69"; V) "O Sindicato dos Jornalistas se acha sob hipoteca judicial". 7) E se acrescentem outros exemplos, todos também corretos, agora com o emprego da expressão sobre hipoteca: I) "Era preciso proceder a uma avaliação das perdas quanto aos empréstimos sobre hipoteca"; II) "Ele aplicava dinheiro, mas o fazia somente sobre hipoteca"; III) "Naquele banco, há um serviço acessível de financiamento sobre hipoteca". 8) Por fim, de modo específico para o caso da consulta, à luz das considerações feitas: I) "Emprestei-lhe dinheiro sob hipoteca" (errado); II) "Emprestei-lhe dinheiro sobre hipoteca" (correto).
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Para eu ler

1) Uma leitora indaga se está correta a seguinte frase: "Fulano pediu para mim fazer isso". Outro leitor pede como se deve complementar a lacuna da frase: "É fácil para ___ trabalhar aqui". 2) Em frases como "Ela trouxe os autos para eu ler", a preposição não está regendo o pronome eu, mas o verbo ler, motivo por que a ligação sintática é "Trouxe os autos para ler", e não "Trouxe os autos para mim". 3) Observe-se, assim, o uso adequado e correto do pronome nos exemplos seguintes: a) "Trouxe os autos para mim" (correto); b) "Trouxe os autos para mim ler" (errado); c) "Trouxe os autos para eu ler" (correto); d) "Para mim, ler os autos é tarefa demorada" (correto); e) "Para eu ler os autos, preciso de umas duas horas" (correto). 4) Em casos dessa natureza, significativo é o lembrete de Luiz Antônio Sacconi: "não aparecendo verbo posposto, claro está que o pronome já não será sujeito". 5) Anote-se, todavia, que a existência de verbo no infinitivo não é necessariamente um sinal de que o pronome seja seu sujeito, fato esse que se comprova com a própria alteração de ordem dos termos da oração. Exs.: a) "Para mim, ler os autos é tarefa demorada" (correto); b) "Ler os autos é tarefa demorada para mim" (correto). 6) Em complementação a esse aspecto, atente-se à oportuna observação de Édison de Oliveira de que, "às vezes, por troca de ordem, o infinitivo, que não devia estar após esses pronomes, acaba por ocupar essa posição e, nesse caso, mantêm-se as formas mim e ti". Ex.: "Para mim ir ou ficar não faz diferença" (= "Ir ou ficar não faz diferença para mim"). 7) Com essas observações, confiram-se a formas corretas dos exemplos das indagações: I) "Fulano pediu para eu fazer isso"; II) "É fácil para mim trabalhar aqui"; III) "Para mim, é fácil trabalhar aqui".
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Quanto a(o) seu plural...?

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nós nos divertimos...?

1) Uma leitora, do curso de Letras, indaga qual a forma correta quanto à colocação dos pronomes átonos: I) "Nós nos divertimos tanto..."; II) "Divertimo-nos tanto..." 2) Para completar o quadro de dúvidas da leitora, poder-se-ia acrescentar à consulta se também é correto dizer "Nós divertimo-nos tanto..." 3) Em termos conceituais, para os tempos verbais simples, três são as possibilidades genéricas de colocação do pronome pessoal oblíquo átono: antes do verbo (próclise), no meio do verbo (mesóclise) e depois do verbo (ênclise). Exs.: I) "Não te vi na solenidade" (próclise); II) "Encontrar-nos-emos na solenidade" (mesóclise); III) "Vi-te na solenidade" (ênclise). 4) Esclareça-se que o pronome só se põe no meio do verbo quando este está no futuro do presente ou no futuro do pretérito. Como esse não é o caso da consulta, a questão resume-se a saber se se emprega a próclise ou a ênclise. 5) No caso da consulta, fixe-se que se tem um exemplo na ordem direta (sujeito + verbo + complementos), e não há palavra alguma que atraia o pronome para antes do verbo (lembre-se que o pronome pessoal nós, do caso reto, não é palavra atrativa). 6) E, assim, quando se (i) se tem um exemplo na ordem direta, e (ii) não há palavra que atraia o pronome para antes do verbo, é facultativa a colocação do pronome em próclise ou em ênclise. 7) Vejam-se, portanto, os seguintes exemplos, com a indicação de correção ou erronia quanto à colocação dos pronomes, incluindo-se hipóteses em que haja palavra atrativa (de valor negativo): I) "Nós nos divertimos..." (correto); II) "Divertimo-nos..." (correto); III) "Nós divertimo-nos..." (correto); IV) "Nós não nos divertimos..." (correto); V) "Não divertimo-nos..." (errado); VI) "Nós não divertimo-nos..." (errado); VII) "Nos divertimos..." (errado); VIII) "Não nos divertimos..." (correto).
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O(s) de cujus...?

1) Um leitor envia a seguinte indagação: "Nos processos de inventário, às vezes, há mais de um falecido. Nesses processos, como colocar a expressão latina 'de cujus' no plural?" 2) Quando se emprega a expressão "de cujus" em processos de inventário, tem-se uma forma braquilógica (redução de palavras ou expressões), extraída da locução latina "is de cujus sucessione agitur", a qual, traduzida, significa "aquele de cuja sucessão se trata". 3) Nossos repositórios legais trazem alguns casos de emprego da expressão em latim: a) "... decorridos 5 (cinco) anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Estado, ou ao Distrito Federal, se o 'de cujus' tiver sido domiciliado nas respectivas circunscrições..." (CC/1916, art. 1.594, em redação já revogada mesmo antes do CC/2002); b) "O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do 'de cujus'" (CC/1916, art. 1.611, § 1º). 4) Para melhor entendimento da expressão em latim (que guarda perfeita equivalência para efeito de raciocínio), considere-se a respectiva tradução: "aquele de cuja sucessão se trata". Nesta, o pronome adjetivo cuja refere-se a sucessão, fato esse que se confirma, quando, no mero plano da Gramática, se envia sucessão para o plural (muito embora possa não haver efetiva significação jurídica na afirmação resultante): "Aquele de cujas sucessões se trata..." 5) Num segundo aspecto, fixe-se que o pronome adjetivo cuja não se refere ao pronome aqueles. Para constatar, basta variar aquele: I) "aquele de cuja sucessão se trata"; II) "aquela de cuja sucessão se trata"; III) "aqueles de cuja sucessão se trata"; IV) "aquelas de cuja sucessão se trata". 6) Como o raciocínio em vernáculo é o mesmo para o latim, o que se pode dizer, em resposta específica à indagação do leitor, é que, não importando quantos sejam os falecidos e autores da herança, a expressão latina há de permanecer sempre invariável: "de cujus sucessione agitur". 7) Importante é acrescentar que também se há de fazer a adaptação do artigo, conforme o sexo da pessoa a que se refere: o "de cujus", a "de cujus", os "de cujus", as "de cujus"...
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Vírgula e Etc.

1) Trata-se de abreviatura da locução latina "et coetera", que, etimologicamente, significa e as outras coisas, ou e as coisas restantes, tendo, na atualidade, o sentido de assim por diante, afora o mais, e ainda outros, podendo abranger, além de coisas, também pessoas e animais. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc." 2) Tem, como sinônimo pejorativo, "et reliqua caterva", ou simplesmente "et caterva", literalmente "e o bando restante", que se usa para indicar "e os demais da mesma laia". 3) Como se vê, já na origem latina há uma conjunção aditiva, razão por que é errado dizer e etc. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados e etc." (errado). 4) Na lição de Luiz A. P. Vitória, aliás, "antes de etc., nunca se coloca a conjunção". 5) Quanto à pontuação, a rigor, seria etimologicamente inconcebível o uso da vírgula antes do etc., exatamente por considerada sua significação. 6) Nesses casos, tecnicamente, só se haveria de usar a vírgula antes de tal palavra nas hipóteses em que tal sinal indicativo de parada existisse antes do e, pela existência, por exemplo, de um termo intercalado. Ex.: a) "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, estes em maior número etc." (correto); b) "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc." (errado). 7) Anote-se, todavia, que o acordo ortográfico em vigência determina que a vírgula deve ser usada em tal caso, razão pela qual a referida vírgula se torna, então, obrigatória. 8) Exatamente por essa razão, anota Arnaldo Niskier que "a questão da vírgula antes do etc. é simples: deve ser usada! O argumento de que originalmente a palavra já contém o e (et) não vale, pois o que conta é o acordo ortográfico vigente, e, diga-se de passagem, já não falamos latim mas sim português". 9) De Cândido de Oliveira, em seguida, vem importante observação: "Sendo etc. a última palavra da frase, não colocamos dois pontos: um só ponto indicará a abreviatura e o ponto final: São vales, serras, planícies etc.". 10) Domingos Paschoal Cegalla sintetiza em três observações os problemas referentes ao assunto: a) "Costuma-se usar vírgula antes dessa abreviatura, embora contenha a conjunção e"; b) "Não se deve usar a conjunção e antes de etc."; c) "Pode-se empregar etc., mesmo com referência a pessoas e animais". 11) De fundamentados comentários de Edmundo Dantès Nascimento, também assim se pode resumir seu ponto de vista sobre a questão, com importantes reflexos para os textos jurídicos e forenses: a) apesar de alguns autores - como Júlio Nogueira e Luiz Autuori - o empregarem como sinônimo de outros ou de outrem, não é possível tal uso na literatura jurídica; b) é hábito internacional fazer preceder de vírgula tal abreviatura, apesar de repugnar a pontuação em uma série terminada por e, sobretudo aos que não perderam a ideia do sentido etimológico do vocábulo; c) o Vocabulário Ortográfico, aliás, sempre coloca vírgula antes de etc. 12) É interessante notar que, no art. 232 da Lei n. 6.015, de 31/12/73, que dispôs sobre os registros públicos, de acordo com a redação trazida pela Lei n. 6.216, de 30/6/75, que a modificou, constava vírgula antes de etc.; na republicação da lei, inserida na Coleção das Leis da União de 1975, vol. V, p. 61, todavia, acabou desaparecendo a mencionada vírgula.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Substabelecer

1) Em termos de técnica jurídica, substabelecer significa passar, outorgar a outrem, por instrumento específico (substabelecimento), os poderes recebidos de alguém em procuração. Ou, nos dizeres de De Plácido e Silva, "transferir os poderes constantes de um mandato a outrem, para que substitua a pessoa a quem o mesmo mandato foi conferido". Ex.: "O advogado, a pedido do cliente, substabeleceu os poderes recebidos". 2) Quem outorga o substabelecimento chama-se substabelecente; quem recebe poderes por ele chama-se substabelecido. 3) Substabelecer com reserva significa continuar o substabelecente com poderes para atuar na causa; substabelecer sem reserva quer dizer desvincular-se o substabelecente, de modo total e definitivo, da causa, sem poderes para nela continuar atuando (em tal caso, é errado dizer com reservas ou sem reservas, assim, no plural). 4) Quanto à sintaxe, é verbo que precisa ser observado no que tange à regência verbal. 5) Apontando-o como transitivo indireto, Francisco Fernandes o exemplifica com o pronome lhe, mas não esclarece a preposição que deva ser usada: "Substabeleceu-lhe os poderes da procuração". 6) Contrariando esse posicionamento e observando que há "nos substabelecimentos um erro corrente", Edmundo Dantès Nascimento, com fundamento em lição de Lindolfo Gomes, assevera que "quem substabelece não substabelece os poderes a alguém", mas "substabelece alguém nos poderes". 7) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques preconizam o uso da preposição em em tais hipóteses: "A regência do verbo substabelecer é: substabelecer em alguém os poderes conferidos". 8) Adalberto J. Kaspary dá como perfeita e correta a sintaxe com um objeto direto de pessoa (que pode vir como sujeito na voz passiva) e objeto indireto de coisa introduzido pela preposição em (substabelecer alguém em algo). Ex.: "Fulano substabeleceu Beltrano nos poderes da procuração que lhe foi outorgada". 9) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, porém, em seu dicionário, dá exemplo em que usa a preposição a: "A empresa em falência substabeleceu a outra firma o trabalho contratado". 10) De acordo com lição de Eliasar Rosa, que transcreve doutrina de Lindolfo Gomes, seria errada a construção "não se substabelecem 'poderes a alguém'", já que o que se dá é que se "substabelece 'alguém nos poderes...'" 11) Por fim, anota tal autor ser erro comum dizer-se que se substabelece com reservas ou sem reservas, já que tal substantivo deve ficar no singular; assim, substabelece-se com reserva ou sem reserva de poderes. Exs.: a) "O advogado substabeleceu com reserva de poderes" (correto); b) "O advogado substabeleceu com reservas de poderes" (errado). 12) Em realidade, ante a divergência entre os doutos com supedâneo no vetusto princípio de que, na dúvida, há de se ter um entendimento liberal (in dubio, pro líbertate), são possíveis três construções: I) substabelecer poderes a alguém; II) substabelecer alguém nos poderes; III) substabelecer poderes em alguém. Exs.: a) "O antigo advogado substabeleceu os poderes da causa ao novo patrono"; b) "O antigo advogado substabeleceu o novo patrono nos poderes da causa"; c) "O antigo advogado substabeleceu os poderes da causa no novo patrono". 13) Em tais casos, como é de regra, também se pode empregar as referidas construções, fazendo do objeto direto da voz ativa o sujeito da voz passiva. Exs.: a) "Os poderes foram substabelecidos ao novo advogado"; b) "O novo advogado foi substabelecido nos poderes"; c) "Os poderes foram substabelecidos no advogado recém-contratado". 14) Esse entendimento mais liberal é acolhido por Celso Pedro Luft, que vislumbra a possibilidade das seguintes construções: a) substabelecer algo a alguém; b) substabelecer algo em alguém; c) substabelecer alguém + predicativo (como em substabelecer alguém mandatário. 15) Nos textos de lei, tal verbo vem construído às vezes como intransitivo, às vezes com objeto direto (que pode ser sujeito na voz passiva) de coisa (substabelecer alguma coisa), às vezes com objeto direto de coisa e objeto indireto de pessoa introduzido pela preposição a (substabelecer alguma coisa a alguém), às vezes com objeto direto de coisa e objeto Indireto de pessoa introduzido pela preposição em (substabelecer alguma coisa em alguém). Exs.: a) "Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos..." (CC/19 16, art. 1.300, § 2°); b) "Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato" (CPC português, art. 36°, 2); e) "O mandatário é obrigado a aplicar toda h sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente" (CC/19 16, art. 1.300); d) "Considera-se celebrado pelo representante... o negócio realizado por aquele em quem tiverem sido substabelecidos os poderes de representação" (CC português,art. 261°, 2).
quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Direito a (ou à) indenização?

1) Um leitor encontrou a expressão direito a indenização no art. 5º, X, da Constituição Federal, e indaga se, no caso, não estaria faltando o acento indicador da crase. 2) Em termos conceituais, crase é a fusão de duas vogais idênticas. No que concerne à expressão da consulta, se existente, será ela a fusão de uma preposição com um artigo feminino. 3) No caso, indenização é um substantivo feminino. E, quando se quer saber se há crase antes de um substantivo comum do feminino, o melhor é substituí-lo mentalmente, na frase, por um correspondente masculino. Se, com essa substituição, aparece ao ou aos no masculino, então há crase no feminino. 4) No caso da consulta, veja-se o dispositivo constitucional: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". 5) Num primeiro aspecto, quando se substitui indenização por um correspondente masculino (ressarcimento, por exemplo), vê-se que a nova expressão pode ficar de dois modos: I) "... assegurado o direito a ressarcimento pelo dano material ou moral..."; II) "... assegurado o direito ao ressarcimento pelo dano material ou moral..." No primeiro caso, o sentido resultante é mais formal e genérico. No segundo, a acepção é de algo mais definido e específico. 6) Independentemente de qual seja o sentido final, porém, o certo é que, no campo estritamente gramatical, estão corretas ambas as expressões: direito a indenização ou direito à indenização.