1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que o obrigava..."; II) "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que lhe obrigava..."
2) Antes de entrar no mérito da questão, vamos considerar dois exemplos: I) "O juiz silenciou"; II) "O juiz quebrou o sigilo bancário".
3) No primeiro exemplo - "O juiz silenciou" - vê-se que o sujeito é o juiz, enquanto o verbo indica a ação de silenciar. Já no segundo exemplo - "O juiz quebrou o sigilo bancário" - tem-se por sujeito o juiz, enquanto o verbo indica a ação de quebrar.
4) Ora, no primeiro caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (silenciou), verifica-se que, numa análise bastante rudimentar e própria para o que aqui é necessário, a ação estanca no verbo, não passa (ou não transita) para além dele. Por isso se diz que se está diante de um verbo intransitivo.
5) Já no segundo caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (quebrou), também em análise bastante simplista, nota-se que a ação passa, vai (ou transita) para além do verbo. Por isso se diz que se está diante de um verbo transitivo.
6) Adicione-se um terceiro exemplo: "O documento pertence aos autos". Nele se tem o sujeito (o juiz) e um verbo (pertence), cuja ação também passa (ou transita) para além do verbo, de modo que também aqui se está diante de um verbo transitivo.
7) Considere-se, em seguida, novamente, o primeiro dos exemplos com verbo transitivo: "O juiz quebrou o sigilo bancário". Uma análise visual mostra que o complemento, que é o alvo (ou objeto) da ação de quebrar, está sem preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que quem quebra, quebra algo (exige complemento sem preposição obrigatória). E se conclui que a ação de quebrar passa diretamente para o complemento (ou alvo ou objeto), isto é, sem auxílio obrigatório de preposição.
8) Em tal caso, extraem-se duas conclusões de extrema importância: I) O que se tem é um verbo transitivo direto; II) O complemento desse verbo, por sua vez, denomina-se objeto direto.
9) Considere-se, em seguida, o segundo dos exemplos com verbo transitivo: "O documento pertence aos autos". Uma atenta observação mostra que o complemento, que é o destinatário (ou objeto) da ação de pertencer, está com preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que o que pertence, pertence a algo ou a alguém. E se conclui que a ação de pertencer passa indiretamente para o complemento (ou destinatário ou objeto), isto é, com o auxílio obrigatório de preposição.
10) E aqui também se extraem duas conclusões de extrema importância: I) Tem-se, no caso, um verbo transitivo indireto; II) O complemento, por sua vez, denomina-se objeto indireto.
11) Considere-se, por fim, um terceiro exemplo com verbo transitivo: "O juiz entregou os autos ao advogado". Uma atenta observação revela que há dois complementos: os autos (alvo da ação de entregar) e ao advogado (destinatário da ação de entregar). O raciocínio a ser feito é que quem entrega, entrega algo (complemento sem preposição obrigatória) a alguém (complemento com preposição obrigatória). E se conclui que, no caso, a ação de entregar passa diretamente para um complemento (alvo ou objeto), isto é, sem o auxílio obrigatório de preposição, e também passa indiretamente para outro complemento (destinatário ou objeto), isto é, com o auxílio obrigatório de preposição.
12) E aqui também se extraem duas conclusões de extrema importância: I) Tem-se um verbo transitivo direto e indireto (alguns ainda o denominam verbo bitransitivo); II) Há dois complementos do verbo: um objeto direto (os autos) e um objeto indireto (ao advogado).
13) Com essas premissas, acrescenta-se que os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes, como objetos indiretos. Exs.: a) "O juiz quebrou o sigilo bancário"; b) "O juiz quebrou-o"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O documento pertence-lhes"; e) "O juiz entregou os autos ao advogado"; f) "O juiz entregou-os ao advogado"; g) "O juiz entregou os autos ao advogado"; h) "O juiz entregou-lhe os autos".
14) Sousa e Silva aponta, com propriedade, ser comum o errôneo emprego de lhe e lhes em lugar de o, a, os e as.1
15) A frequência com que se dão os erros dessa natureza faz com que Arnaldo Niskier teça a seguinte observação: "É um erro muito comum a troca do pronome o (e variações) por lhe(s). Devemos ter em mente que o (e variações) é utilizado como objeto direto (conheço-o) e lhe(s) como objeto indireto (paguei-lhe cinco mil cruzeiros)".2
16) Para quem tem dificuldade exatamente para reconhecer qual há de ser a transitividade de um verbo em tal caso, é bom lembrar, em termos bem práticos, que o verbo transitivo direto admite passagem para a voz passiva, enquanto o transitivo indireto, por via de regra, não a admite.
17) Assim, o exemplo "O juiz quebrou o sigilo bancário" admite transformação para "O sigilo bancário foi quebrado pelo juiz". Já o exemplo "O documento pertence aos autos" não admite passagem para a voz passiva, o que é sinal inconfundível de que pertencer não é transitivo direto.
18) Voltando ao exemplo da consulta, vamos alterá-lo ligeiramente, para conferir-lhe um sentido prático, que possibilite análise sintática mais fácil: "A liminar obrigava o Prefeito ao silêncio". O termo a ser substituído pelo pronome, sem dúvida, é o Prefeito. Sem maiores dificuldades, verifica-se que ele é objeto direto. Assim, a substituição fica fácil: "A liminar obrigava-o ao silêncio". Ou, em termos literais para o caso da consulta: "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que o obrigava..."
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1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958, p. 168.
2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 51.