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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 30 de março de 2011

Prefeitura Municipal?

1) Um leitor pergunta se é correto usar a expressão Prefeitura Municipal. Argumenta que toda prefeitura - ente da administração pública - é municipal, de modo que haveria redundância no referido circunlóquio. 2) Prefeitura vem do latim (praefectura ou, mais especificamente, do verbo praeficere, que significa prepor, estar à testa, ser o chefe). Quer exprimir, assim, o comando, a direção, o governo, a intendência exercida por alguém.1 3) Entre os romanos, podia significar a administração de uma quinta (praefectura villae), o cargo de censor (praefectura morum), o comando da cavalaria (praefectura equitum), ou, até mesmo, a prefeitura de Roma.2 Chegou mesmo a constituir cada uma das quatro grandes divisões administrativas do Império Romano, estabelecidas por Constantino (da Itália, das Gálias, do Oriente, da Ilíria). 4) Embora estejamos acostumados apenas a pensar na repartição executiva central de cada município, ainda hoje há outros empregos do vocábulo, podendo-se exemplificar com prefeitura da universidade e prefeitura do campus. 5) Como se vê, nada há de incorreto no emprego da expressão Prefeitura Municipal, e, a seu respeito, podem-se fazer duas afirmações: I) não serve ela, de modo exclusivo, para designar a repartição central de um governo municipal; II) não há redundância em seu uso. __________________ 1 Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. III. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 423. 2 Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1993, p. 930.
quarta-feira, 23 de março de 2011

À medida que

1) Um leitor indaga como seria a utilização correta da expressão: a medida que, à medida que, a medida em que ou à medida em que. Poder-se-ia acrescentar se é correta a expressão na medida em que. 2) Diga-se, desde logo, que à medida que é a forma correta para a locução conjuntiva proporcional (assim com crase), quando se quer dar o sentido de à proporção que. Nesse sentido, não existe a medida que nem a medida em que (sem crase). Também incorreta é a expressão à medida em que. Exs.: a) "O réu se acalmava, à medida que a audiência se desenvolvia" (correto); b) "O réu se acalmava, à medida em que a audiência se desenvolvia" (errado). 3) Arnaldo Niskier leciona que, apesar de ser "expressão muito utilizada, equivocadamente, em discursos", o certo é que "à medida em que não existe".1 4) Lembrando que "na medida em que exprime relação de causa e equivale a porque, já que, uma vez que", enquanto "à medida que indica proporção, desenvolvimento simultâneo e gradual", equivalendo à expressão à proporção que, anotam Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante: "deve-se evitar a forma à medida em que, resultante do cruzamento das duas locuções estudadas".2 5) Para Domingos Pascoal Cegalla, por um lado, a expressão à medida que "equivale à locução conjuntiva à proporção que"; por outro lado, "é incorreta a variante à medida em que"; por fim, "é errado usar na medida em que para substituir à medida que ou à proporção que".3 6) Oportuna, em síntese, é a tríplice lição de José de Nicola e Ernani Terra: a) "À medida que significa à proporção que, conforme"; b) "Não existe a expressão à medida em que"; c) "Na medida em que corresponde a tendo em vista que".4 7) De equívocos dessa natureza nem mesmo escapam textos de lei, como é o caso do art. 72 da Lei 5.764, de 16.12.71, que instituiu o regime das cooperativas: "A assembleia geral poderá resolver, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais". 8) Corrija-se para "... à medida que..." _________________ 1 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 9. 2 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 550. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 24 e 274. 4 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 11.
1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "Assim, 20% dos senadores não foram reeleitos"; II) "Assim, 20% dos senadores não foi reeleito". 2) Busca-se saber, em suma, como se procede à concordância verbal nas diversas hipóteses de representação percentual no sujeito. Resumam-se, em dois exemplos, os principais problemas do assunto: I) "Noventa por cento viajou (ou viajaram)?"; II) "Noventa por cento do time viajou (ou viajaram)?" No primeiro deles, há um percentual no sujeito, mas sem especificação; no segundo, há um percentual seguido de especificação (do time). 3) Após longa análise dos autores que escrevem sobre a matéria e de suas divergências, parte-se da premissa de que, quando divergem os gramáticos, há liberdade para o usuário (in dubiis, libertas), de modo que se fixam as regras que seguem, aceitando-se um modo bastante amplo de entender a questão. 4) Primeira regra: Quando não há termo especificador, a concordância se faz com o numeral. Exs.: a) "Um por cento deixou a cidade"; b) "Trinta por cento deixaram a cidade"; c) "Apenas dez por cento aprovam a atuação do serviço do restaurante"; d) "1% desconhece o assunto"; e) "Um por cento é pobre"; f) "Noventa por cento são ricos". 5) Segunda regra: Quando a expressão indicativa de porcentagem se faz acompanhar de um termo especificador, de um partitivo, a concordância pode ser feita, indistintamente, com o número percentual ou com o termo especificador. Exs.: a) "Apenas 1% dos filmes requisitados chegou" (correto); b) "Apenas 1% dos filmes requisitados chegaram" (correto); c) "Noventa por cento da imprensa defendem o governo" (correto); d) "Noventa por cento da imprensa defende o governo" (correto); e) "Um por cento dos alunos faltou" (correto); f) "Um por cento dos alunos faltaram" (correto); g) "Setenta por cento do time não apresentavam boas condições físicas" (correto); h) "Setenta por cento do time não apresentava boas condições físicas" (correto). 6) Em tais casos de dupla possibilidade de concordância, é preciso atentar à flexão do adjetivo que funcionar como predicativo. Exs.: a) "Vinte por cento da população está desempregada" (correto); b) "Vinte por cento dos trabalhadores estão desempregados" (correto). 7) Terceira regra: Se, porém, o número percentual se pospõe ao verbo, a concordância normalmente se faz com o número. Exs.: a) "Estão perdidos 50% da lavoura de café"; b) "Ficou alagado 1% da cidade". 8) Quarta regra: Se o número percentual vier determinado por artigo ou pronome, o plural será obrigatório,. Exs: a) "Os 37% da produção serão exportados"; b) "Uns 15% da população morreram como consequência do terremoto". 9) De modo específico para o caso da consulta, como o número percentual (20%) e o termo especificador (senadores) são ambos do plural, apenas se permite a concordância do verbo no plural: I) "Assim, 20% dos senadores não foram reeleitos" (correto); II) "Assim, 20% dos senadores não foi reeleito" (errado). Mas observe a seguinte variação: I) "Assim, 1% dos senadores não foi reeleito" (correto); II) "Assim, 20% dos senadores não foram reeleitos" (correto). E se atente, em ambos os casos, ao adjetivo final (reeleito e reeleitos).
quarta-feira, 2 de março de 2011

O - Lhe - Dele?

1) Um leitor indaga por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos. 2) Ora, quanto aos pronomes pessoais oblíquos átonos, uma primeira regra a ser fixada é que o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes servem para funcionar como objetos indiretos. Exs.: I) "O juiz sentenciou o caso"; II) "O juiz sentenciou-o"; III) "O documento pertence aos autos"; IV) "O documento pertence-lhe". 3) Nem todos os verbos transitivos indiretos, contudo, permitem que seus objetos indiretos sejam substituídos por lhe. 4) Assim, o verbo assistir, no significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário assiste a vários debates e audiências"; b) "O estagiário assiste-lhes" (errado); c) "O estagiário assiste a eles" (correto). 5) Para Laudelino Freire, "na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".1 Exs.: a) "O estagiário aspirava ao cargo"; b) "O estagiário aspirava-lhe" (errado); c) "O estagiário aspirava a ele" (correto); d) "Naquele hora, recorreu a Deus"; e) "Naquela hora, recorreu-lhe" (errado); f) "Naquela hora, recorreu a ele" (correto). 6) Além da discriminação do ilustre gramático, outros verbos transitivos diretos repelem os pronomes lhe e lhes, de modo que são construídos com as formas preposicionadas: aludir, depender, referir-se. Exs.: a) "Aludi ao autor"; b) "Aludi-lhe" (errado); c) "Aludi a ele"; d) "Dependo da lei"; e) "Dependo-lhe" (errado); f) "Dependo dela" (correto); g) "Referi-me a Deus"; h) "Referi-me-lhe" (errado); i) "Referi-me a ele" (correto). 7) Os gramáticos não trazem as razões históricas para esse modo peculiar de construção de alguns verbos. Nem precisariam fazê-lo, assim como não precisam justificar o motivo de um determinado verbo ser hoje transitivo direto e outro, transitivo indireto. Às vezes, os verbos são sinônimos, mas apresentam diferentes transitividades. Em verdade, a função primordial da Gramática não é fixar regras impositivas de cima para baixo, mas sistematizar os fatos e as condutas que encontra na língua como manifestação. E as peculiaridades que tomam certas construções numa ou noutra direção nem sempre se submetem a regras. _________________ 1 Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora A noite, sem data, p. 7.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Correicional ou Correcional?

1) Um leitor pergunta qual a forma correta para designar uma das atribuições das Corregedorias: atividade correicional ou atividade correcional? 2) Diga-se, num primeiro aspecto, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra tanto correção como correição para designar o ato de corrigir.1 3) Pela tradição do Poder Judiciário, porém, tem-se reservado o termo correição (e não correção) para designar a visita e a fiscalização feita por autoridade competente aos estabelecimentos submetidos a seu controle. 4) Acrescente-se, por oportuno, que, embora o VOLP registre tanto correção como correição, o certo é que, ao dar os respectivos adjetivos, não apresenta a variante correicional, e sim, apenas, correcional.2 5) Sempre é bom lembrar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 6) Também conhecido pela sigla VOLP, é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação oficial e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8.12.1900. 7) Voltando ao caso da consulta: I) atividade correcional (correto); II) atividade correicional (errado). __________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 221. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 221.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Certeza que ou Certeza de que...?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: "tenho certeza que" ou "tenho certeza de que". 2) Ora, porque certeza é um substantivo (ou nome), o que o leitor quer saber, em última análise, se o nome certeza exige seu complemento com preposição ou não. 3) Esclarece-se, também por oportuno, que, em termos técnicos, o estudo acerca dessa exigência de preposição ou não para o complemento de um nome está a cargo de um capítulo da Gramática denominado regência nominal. 4) Autores ilustres já estudaram em minúcias o substantivo certeza, e um deles, Francisco Fernandes, coletou, entre conceituados usuários de nosso idioma, construções dele com as preposições de e em. Exs.: a) "... como se tivesse a certeza da minha ida..." (Camilo Castelo Branco); b) "Assegura-lhe ... a certeza do triunfo..." (Rui Barbosa); c) "Não há nenhuma certeza nas coisas do mundo" (Fr. D. Vieira).1 5) Celso Pedro Luft, em acréscimo, verificou a existência do emprego da preposição sobre em tais casos: a) "Só os policiais da linguagem têm certeza absoluta sobre o que é correto no falar e no escrever"; b) "Nenhum homem tem certeza sobre suas próximas ações e reações".2 6) Os exemplos dados até agora, contudo, são casos em que o complemento de certeza é apenas um substantivo: "certeza da ida..., certeza do triunfo...". A indagação do leitor, porém, é mais abrangente: certeza que ou certeza de que...? E isso pede uma análise um pouco mais detida. 7) Vamos formular um exemplo completo, para facilitar a compreensão didática da dúvida e a própria solução do problema: "Ele tinha certeza de que não haveria condenação". E desde logo se acrescente que o período composto pode ser transformado em um período simples, com uma só oração: "Ele tinha certeza da impunidade". 8) Em termos de análise sintática do referido período composto, tem-se uma primeira oração (Ele tinha certeza), que é a oração principal. Em seguida, tem-se uma segunda oração (de que não haveria condenação), a qual, porque completa sintaticamente a outra, é uma oração subordinada. Como faz o papel de um substantivo (impunidade), ela é uma oração subordinada substantiva. Além disso, porque impunidade é um complemento nominal, a oração correspondente também exerce a mesma função sintática. Em conclusão, aí vai seu nome completo: oração subordinada substantiva completiva nominal. 9) Já que não há dúvida, no caso, quanto à correção da expressão certeza de que, pode-se dizer que a dúvida do leitor, em termos mais técnicos, há de ser formulada do seguinte modo: é correto excluir a preposição que antecede uma oração subordinada substantiva completiva nominal? 10) Com esse quadro, invoca-se aqui a lição de Domingos Paschoal Cegalla: "Omitir a preposição de, neste caso, não constitui erro; a tradição da língua o permite. Todavia, em linguagem apurada, recomenda-se o uso do nexo prepositivo. Esta recomendação estende-se ao emprego de outros nomes, como certo, impressão, medo, etc." Exs.: a) "Estou certo de que houve fraude"; b) "Tinha-se a impressão de que as plantas definhavam"; c) "Tínhamos medo de que arrombassem a porta".3 11) Partindo do princípio de que, onde há fundada divergência entre os gramáticos, autoriza-se ao usuário o emprego de ambas as formas, volta-se ao exemplo da consulta, devidamente complementado para entendimento mais didático: I) "Ele tinha certeza de que não haveria condenação" (correto); II) "Ele tinha certeza que não haveria condenação" (correto). ___________________ 1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 81-82. 2 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed., São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 95. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa". 2. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 68.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Vi-o fechar o cofre ou Vi-lhe fechar o cofre?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "Vi-o fazer um gesto"; II) "Vi-lhe fazer um gesto". Acrescenta-se outra indagação: "Vi ele fazer um gesto"? 2) Voltando ao primeiro exemplo trazido pelo leitor - "Vi-o fazer um gesto" -percebe-se que o exemplo pode ser dito de outro modo: "Vi que ele fez um gesto". Nessa nova formulação, percebem-se os seguintes aspectos: I) Uma primeira oração é "Vi"; II) Uma segunda oração é "que ele fez um gesto". 3) Em termos sintáticos, podem-se extrair as seguintes conclusões para o novo exemplo: I) "Vi" é a oração principal; II) "Que ele fez um gesto" é uma oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração subordinada substantiva objetiva direta; IV) Como se verifica, o objeto direto de vi não é o, mas toda a segunda oração; V) Então se conclui que "o" é o sujeito de fez. 4) Ora, ante um tal quadro, vê-se que está sendo usado um pronome oblíquo como sujeito do verbo no infinitivo, e não um pronome do caso reto, o qual é até mesmo errado na hipótese: I) "Vi-o fazer um gesto" (correto); II) "Vi ele fazer um gesto" (errado). 5) A excepcionalidade de um pronome oblíquo ser sujeito constitui estrutura vinda do latim, idioma esse no qual o sujeito de um verbo no infinitivo vai para o acusativo (que é o caso oblíquo), e não para o nominativo (que é o caso reto): a) "Credo Petrum esse bonum" (correto); b) "Credo Petrus esse bonus" (errado). 6) No primeiro exemplo da consulta - "Vi-o fazer um gesto" - , podem-se fixar os seguintes aspectos: I) "Vi" é a oração principal; II) "-o fazer um gesto" é oração subordinada que faz a função sintática de objeto direto de vi, ou seja, da oração principal; III) Exatamente por isso, ela é uma oração objetiva direta; IV) Porque seu verbo estava contraído na forma do infinitivo e precisou até mesmo ser desenvolvido para ser analisado, chama-se, adicionalmente, oração reduzida de infinitivo; V) Seu nome completo, assim, é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo; VI) "O" não é objeto direto do verbo da primeira oração, mas sujeito de fazer, o que se entende facilmente pela existência do ele na oração estendida. 7) E se acrescenta: quando, nessa estrutura, o verbo da oração subordinada é transitivo direto (como o é fazer), então se permite usar lhe em vez de o, e isso sem alteração alguma de significado. Exs.: I) "Vi-o sair" (correto); II) "Vi-lhe sair" (errado); III) "Vi-o fechar o cofre" (correto); IV) "Vi-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Vi ele sair" (errado); VI) "Vi ele fechar o cofre" (errado). 8) Essa mesma construção e essas mesmas observações, feitas para o verbo ver, valem para os verbos fazer, mandar e deixar em construções similares. Exs.: I) "Faço-o sair" (correto); II) "Faço-lhe sair" (errado); III) "Faço-o fechar o cofre" (correto); IV) "Faço-lhe fechar o cofre" (correto); V) "Faço ele fechar o cofre" (errado); VI) "Mandei-o sair" (correto); VII) "Mandei-lhe sair" (errado); VIII) "Mandei-o fechar o cofre" (correto); IX) "Mandei-lhe fechar o cofre" (correto); X) "Mandei ele fechar o cofre" (errado); XI) "Deixei-o sair" (correto); XII) "Deixei-lhe sair" (errado); XIII) "Deixei-o fechar o cofre" (correto); XIV) "Deixei-lhe fechar o cofre" (correto); XV) "Deixei ele fechar o cofre" (errado).
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Siglas - CND'S ou CNDs?

1) Uma leitora se manifesta a respeito da mania generalizada de fazer o plural das siglas não apenas pelo acréscimo de um s minúsculo, mas pelo acréscimo intermédio de um apóstrofo ('). E indaga quando é correto, no caso, seu emprego. 2) Por um lado, parece integralmente aceitável a lição de Napoleão Mendes de Almeida de que se pluralizam as siglas pelo acréscimo de um s minúsculo às letras já integrantes delas: CEPs, CICs, R.Gs.1 3) Desse entendimento também é Arnaldo Niskier, para quem "não há motivos para não marcar o plural das siglas com um s minúsculo".2 4) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques também partilham do mesmo entendimento, ao lecionaram que, "com respeito ao plural das siglas, aceita-se o uso do s (minúsculo) para efeito de pluralização: PMS, INPMs, MPs".3 5) E Edmundo Dantes Nascimento leciona que tal uso de um s minúsculo ao final da sigla "é uma solução gráfica sem aprovação de convenção acerca do assunto, mas que resolve o caso".4 6) Ora, a junção do s minúsculo à sigla visa a levá-la ao plural. Isso significa que se deve unir o s sem artifício algum, como é o caso do apóstrofo. Só para exemplificar, ninguém pensaria em dizer o plural de caneta como caneta's. 7) Não se pode dizer que essa mania seja uma tentativa de americanizar o modo de escrever o vocábulo, uma vez que, no próprio inglês, quando o s representa o plural, vem ele unido diretamente ao vocábulo (terms, translations), e só se emprega o apóstrofo, quando se pretende expressar a posse entre dois substantivos, referindo-se a pessoas ou animais, hipótese em que se usa o esquema "possuidor + apóstrofo (') + possuído". Exs. a) The country of John > John's country (O país de John); b) The car of Mary > Mary's car (O carro de Mary). ___________________ 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 298. 2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Resppostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 111. 3 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 245. 4 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantes. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 208.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Antitrustes ou Antitruste?

1) Uma leitora indaga se, no plural, se deve dizer autoridades antitrustes ou autoridades antitruste? 2) Uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa mostra os seguintes verbetes com as seguintes indicações: a) antiprático - adj.; b) antipopular - adj. 2g.; c) antitraça - adj. 2g. 2n.1 3) Essas especificações mostram que antiprático é um adjetivo, o qual, por falta de outra indicação excepcional, tem sua normal variação em gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural). Ou seja: projeto antiprático, medida antiprática, projetos antipráticos e medidas antipráticas. 4) Já antipopular é também um adjetivo cuja forma serve para os dois gêneros (ou seja, não varia, quanto à forma, do masculino para o feminino), mas não há indicação específica quanto ao número, o que implica dizer que varia do singular para o plural. Assim: projeto antipopular, medida antipopular, projetos antipopulares e medidas antipopulares. 5) Por fim, antitraça é um adjetivo que tem a mesma forma para os dois gêneros e para os dois números. Assim: remédio antitraça, cortina antitraça, remédios antitraça e cortinas antitraça. 6) Nesse raciocínio, você também constatará que os adjetivos com prefixo anti, cujo elemento seguinte é um substantivo, têm todos a mesma forma de comportamento: anticaspa, antichoque, antifurto, antigreve, antirroubo, antirruído, antitanque, antitraça, antitruste... 7) Importa observar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é editado pela Academia Brasileira de Letras, a qual, em cumprimento à vestusta Lei n. 726, de 08.12.1900, tem a responsabilidade legal de editá-lo e a autoridade para definir tais aspectos gramaticais no idioma. 8) Voltando, de modo específico, à consulta da leitora: projeto antitruste, autoridade antitruste, projetos antitruste, autoridades antitruste... ______________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 65.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Boa-fé, Boa fé ou Boafé?

1) Um leitor indaga qual a forma correta, quanto ao hífen, após o recente Acordo Ortográfico: Boa-fé, boa fé ou boafé? 2) Reforça-se, mais uma vez, por oportuno, que a maioria dos gramáticos estavam acordes em que o emprego do hífen era assunto que carecia de um sério e profundo trabalho de sistematização e simplificação no idioma. Longe de melhorar a situação, todavia, o que o recente Acordo Ortográfico fez foi complicar ainda mais o que já era difícil. 3) Mas tentemos solucionar a questão trazida pelo atento leitor, usando as ferramentas de que dispomos. 4) Pelo Acordo Ortográfico, emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição, cujos elementos constituam uma nova unidade morfológica e de sentido, mantendo o acento próprio: sócio-gerente, arco-íris, afro-luso-brasileiro. 5) Excepciona o Acordo, em sequência, os compostos em que se perdeu a noção da composição, os quais devem ser grafados como uma única palavra: paraquedas, girassol, passatempo, etc. 6) Como se vê, o Acordo deixou de fixar critérios seguros, pois (i) manda empregar hífen nas palavras cujos elementos constituam nova unidade morfológica e de sentido, (ii) mas excepciona os compostos em que se perdeu a noção de composição (iii) e não dá critério algum para real solução do problema. 7) Em outras palavras, indaga-se: a expressão que motivou a consulta (i) constitui nova unidade morfológica e de sentido (boa-fé), ou (ii) é um composto em que se perdeu a noção de composição (boafé), ou, ainda, (iii) para os critérios do Acordo Ortográfico, nem mesmo chega a ser uma nova unidade morfológica e de sentido (boa fé). 8) Ante esse quadro, é forçoso concluir: por critérios técnicos do Acordo Ortográfico, é total a impossibilidade de fixar uma regra que solucione os problemas do hífen em hipóteses como a da consulta. 9) Num caso como esse, a única saída é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 10) Esse é o único recurso, porque, também conhecido pela sigla VOLP, ele é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8.12.1900. 11) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP apenas fez constar, como correta, a expressão boa-fé1, forma essa, aliás, que já constava do mesmo modo na quarta edição, de 2004, a última antes da vigência do Acordo.2 12) Com essas ponderações, vê-se que boa-fé é a única grafia correta para a mencionada expressão em nosso idioma na atualidade. ________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 124. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 116.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quem fez foi (foram) eles?

1) Um leitor pergunta como fica a concordância do verbo com o uso de quem no seguinte exemplo: "Quem fez mais sucesso no carnaval foi (foram) os cartões corporativos"? 2) A indagação do leitor, num primeiro momento, pode ser respondida com facilidade: foi o cartão ou foram os cartões. O verbo concorda com cartão/cartões. 3) Em sequência, aproveita-se para seguir em explicação que parece bastante útil ao caso: entre as expressões fui eu que e fui eu quem, "não há que escolher: ambas são corretas".1 4) Com a primeira delas - fui eu que - o verbo seguinte concorda com o pronome pessoal reto que aí se encontra. Exs. I) "Fui eu que fiz..."; II) "Foste tu que fizeste..."; III) "Foi ele que fez..."; IV) "Fomos nós que fizemos..."; V) "Fostes vós que fizestes..."; VI) "Foram eles que fizeram...". 5) Com a segunda de tais expressões - fui eu quem - o verbo seguinte (i) pode concordar com o pronome pessoal reto, como no caso anterior, (ii) ou pode ficar fixo na terceira pessoa do singular. Exs.: I) "Fui eu quem fiz..."; II) "Fui eu quem fez..."; III) "Foste tu quem fizeste..."; IV) "Foste tu quem fez..."; V) "Fomos nós quem fizemos..."; VI) "Fomos nós quem fez..."; VII) "Fostes vós quem fizestes..."; VIII) "Fostes vós quem fez..."; IX) "Foram eles quem fizeram..."; X) "Foram eles quem fez..." 6) Com o quem, é muito comum a concordância na terceira pessoa do singular, principalmente quando se procede à inversão: I) "Quem fez fui eu..."; II) "Quem fez foste tu..."; III) "Quem fez foi ele..."; IV) "Quem fez fomos nós..."; V) "Quem fez fostes vós..."; VI) "Quem fez foram eles..." 7) Com essas ponderações, vejam-se as variações corretas do exemplo da consulta: I) "Foram os cartões corporativos que fizeram mais sucesso no carnaval"; II) "Foram os cartões corporativos quem fizeram mais sucesso no carnaval"; III) "Foram os cartões corporativos quem fez mais sucesso no carnaval"; IV) "Quem fizeram o maior sucesso no carnaval foram os cartões corporativos"; V) "Quem fez o maior sucesso no carnaval foram os cartões corporativos". _____ 1 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo, Saraiva $ Cia., 1938, p. 48.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Op. cit. - Quando usar?

1) Um leitor indaga quando se deve usar op. cit. 2) Imagine-se que, num determinado trabalho científico - e as petições, peças e arrazoados forenses se incluem nesse rol - se resolva fazer referência ao seguinte trecho de Theotonio Negrão: "o operador do direito que não consegue ter linguagem correta não consegue expressar adequadamente seu pensamento". 3) Para isso, é de rigor científico que se forneçam elementos bastantes, a fim de que o leitor possa localizar a citação, constatar a veracidade da afirmação, conferir a fidelidade ao texto e até mesmo analisar o contexto em que se fez a afirmação. 4) A ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas fixa os critérios e a forma para o fornecimento desses dados, com possibilidade de variantes, e o usuário poderá fazer a respectiva menção em nota de rodapé1 ou entre parênteses (Cf. NEGRÃO, Theotonio. Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1988. vol. 49, p. 83). 5) Acresce dizer acerca da possibilidade de, num parágrafo seguinte, o autor do trabalho científico vir a fazer nova citação do mesmo autor e da mesma obra. 6) Nesse caso, ao fornecer os dados para localização do texto, poderá ele optar por um de dois caminhos: I) repetir os dados da fonte, como se não tivesse feito citação alguma anterior do mesmo autor citado, e acrescentar a nova página; II) dizer que o novo trecho está na mesma obra, ou seja, na obra citada, mas em outra página. 7) Nesse caso, omitirá ele os demais dados, e mencionará a expressão obra citada, e fornecerá o número da nova página, e isso novamente entre parênteses (Cf. NEGRÃO, Theotonio. Obra citada, p. 85), ou em nota de rodapé2, sendo correto abreviar para Ob. cit. tanto na primeira situação (Cf. NEGRÃO, Theotonio. Ob, cit., p. 85), quanto na segunda.3 8) Por influência multissecular do latim, ademais, admite-se o emprego da expressão obra citada em sua forma naquele idioma, quer por extenso (Cf. NEGRÃO, Theotonio. Opus citatum, p. 85), quer por abreviatura (Cf. NEGRÃO, Theotonio. Op., cit., p. 85), e isso tanto no meio do texto como em nota de rodapé, assim no primeiro caso4, como no segundo.5 9) Uma advertência final: nos casos práticos, é preciso tomar cuidado com alguns aspectos: I) Op. cit. refere-se à fonte citada imediatamente antes da última fonte citada; II) Para encontrar a fonte do Op. cit., a pessoa deve buscar em todas as notas de rodapé previamente referidas, a fim de localizar o que então se menciona; III) Por isso, é preciso atentar para que, por receio de não ser repetitivo, não se acabe, com o uso da expressão da consulta, dificultando o entendimento do texto e a própria localização da referência que se quer fazer. _______________ 1 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1988. vol. 49, p. 83. 2 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Obra citada, p. 85. 3 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Ob, cit., p. 85). 4 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Opus citatum, p. 85. 5 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Op., cit., p. 85.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Obrigava-o ou Obrigava-lhe?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que o obrigava..."; II) "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que lhe obrigava..." 2) Antes de entrar no mérito da questão, vamos considerar dois exemplos: I) "O juiz silenciou"; II) "O juiz quebrou o sigilo bancário". 3) No primeiro exemplo - "O juiz silenciou" - vê-se que o sujeito é o juiz, enquanto o verbo indica a ação de silenciar. Já no segundo exemplo - "O juiz quebrou o sigilo bancário" - tem-se por sujeito o juiz, enquanto o verbo indica a ação de quebrar. 4) Ora, no primeiro caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (silenciou), verifica-se que, numa análise bastante rudimentar e própria para o que aqui é necessário, a ação estanca no verbo, não passa (ou não transita) para além dele. Por isso se diz que se está diante de um verbo intransitivo. 5) Já no segundo caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (quebrou), também em análise bastante simplista, nota-se que a ação passa, vai (ou transita) para além do verbo. Por isso se diz que se está diante de um verbo transitivo. 6) Adicione-se um terceiro exemplo: "O documento pertence aos autos". Nele se tem o sujeito (o juiz) e um verbo (pertence), cuja ação também passa (ou transita) para além do verbo, de modo que também aqui se está diante de um verbo transitivo. 7) Considere-se, em seguida, novamente, o primeiro dos exemplos com verbo transitivo: "O juiz quebrou o sigilo bancário". Uma análise visual mostra que o complemento, que é o alvo (ou objeto) da ação de quebrar, está sem preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que quem quebra, quebra algo (exige complemento sem preposição obrigatória). E se conclui que a ação de quebrar passa diretamente para o complemento (ou alvo ou objeto), isto é, sem auxílio obrigatório de preposição. 8) Em tal caso, extraem-se duas conclusões de extrema importância: I) O que se tem é um verbo transitivo direto; II) O complemento desse verbo, por sua vez, denomina-se objeto direto. 9) Considere-se, em seguida, o segundo dos exemplos com verbo transitivo: "O documento pertence aos autos". Uma atenta observação mostra que o complemento, que é o destinatário (ou objeto) da ação de pertencer, está com preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que o que pertence, pertence a algo ou a alguém. E se conclui que a ação de pertencer passa indiretamente para o complemento (ou destinatário ou objeto), isto é, com o auxílio obrigatório de preposição. 10) E aqui também se extraem duas conclusões de extrema importância: I) Tem-se, no caso, um verbo transitivo indireto; II) O complemento, por sua vez, denomina-se objeto indireto. 11) Considere-se, por fim, um terceiro exemplo com verbo transitivo: "O juiz entregou os autos ao advogado". Uma atenta observação revela que há dois complementos: os autos (alvo da ação de entregar) e ao advogado (destinatário da ação de entregar). O raciocínio a ser feito é que quem entrega, entrega algo (complemento sem preposição obrigatória) a alguém (complemento com preposição obrigatória). E se conclui que, no caso, a ação de entregar passa diretamente para um complemento (alvo ou objeto), isto é, sem o auxílio obrigatório de preposição, e também passa indiretamente para outro complemento (destinatário ou objeto), isto é, com o auxílio obrigatório de preposição. 12) E aqui também se extraem duas conclusões de extrema importância: I) Tem-se um verbo transitivo direto e indireto (alguns ainda o denominam verbo bitransitivo); II) Há dois complementos do verbo: um objeto direto (os autos) e um objeto indireto (ao advogado). 13) Com essas premissas, acrescenta-se que os pronomes pessoais oblíquos átonos o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes, como objetos indiretos. Exs.: a) "O juiz quebrou o sigilo bancário"; b) "O juiz quebrou-o"; c) "O documento pertence aos autos"; d) "O documento pertence-lhes"; e) "O juiz entregou os autos ao advogado"; f) "O juiz entregou-os ao advogado"; g) "O juiz entregou os autos ao advogado"; h) "O juiz entregou-lhe os autos". 14) Sousa e Silva aponta, com propriedade, ser comum o errôneo emprego de lhe e lhes em lugar de o, a, os e as.1 15) A frequência com que se dão os erros dessa natureza faz com que Arnaldo Niskier teça a seguinte observação: "É um erro muito comum a troca do pronome o (e variações) por lhe(s). Devemos ter em mente que o (e variações) é utilizado como objeto direto (conheço-o) e lhe(s) como objeto indireto (paguei-lhe cinco mil cruzeiros)".2 16) Para quem tem dificuldade exatamente para reconhecer qual há de ser a transitividade de um verbo em tal caso, é bom lembrar, em termos bem práticos, que o verbo transitivo direto admite passagem para a voz passiva, enquanto o transitivo indireto, por via de regra, não a admite. 17) Assim, o exemplo "O juiz quebrou o sigilo bancário" admite transformação para "O sigilo bancário foi quebrado pelo juiz". Já o exemplo "O documento pertence aos autos" não admite passagem para a voz passiva, o que é sinal inconfundível de que pertencer não é transitivo direto. 18) Voltando ao exemplo da consulta, vamos alterá-lo ligeiramente, para conferir-lhe um sentido prático, que possibilite análise sintática mais fácil: "A liminar obrigava o Prefeito ao silêncio". O termo a ser substituído pelo pronome, sem dúvida, é o Prefeito. Sem maiores dificuldades, verifica-se que ele é objeto direto. Assim, a substituição fica fácil: "A liminar obrigava-o ao silêncio". Ou, em termos literais para o caso da consulta: "...apresentava a forma com que o prefeito tinha recebido a liminar que o obrigava..." _______________ 1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958, p. 168. 2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 51.
1) Um leitor encontrou num texto a seguinte construção: "... o fato de o Judiciário ter, de certa forma, imiscuído-se na esfera legislativa..." e indaga se ela é correta. 2) Faz-se ligeira adaptação na frase (apenas por questões didáticas e de raciocínio, já que se torna à frase original no fim): "... o Judiciário tinha imiscuído-se...". Em sua nova forma, anota-se, de início, a existência de uma locução verbal (mais de um verbo fazendo o papel de um só), em que tinha é o verbo auxiliar, e imiscuído é o verbo principal (e está no particípio). 3) Confirma-se a existência da locução verbal (ou seja, de dois verbos fazendo o papel de um só), quando se diz mentalmente "... o Judiciário se imiscuiu...", onde se vê apenas um verbo em tempo simples. 4) Acresce dizer que, na estrutura considerada, ainda sobra o pronome oblíquo átono se para ser usado com os verbos da locução. 5) Uma primeira observação a ser feita é que um pronome oblíquo átono não tem autonomia sonora, de modo que fica na dependência do verbo, que é a palavra à qual se liga; e esta é a efetiva detentora dessa autonomia sonora. 6) Em termos práticos, nesses casos, a indagação a ser adequadamente feita é a seguinte: quanto à sonoridade e à eufonia, qual o melhor lugar para o pronome: antes do auxiliar, entre o auxiliar e o principal, ou após o principal? O assunto é estudado por um capítulo da Gramática denominado topologia pronominal ou colocação dos pronomes. 7) Uma segunda observação é que, no caso das locuções verbais com o principal no particípio, são possíveis, em tese, duas colocações do pronome: I) - "... o Judiciário se tinha imiscuído..." (próclise ao auxiliar); II) - "... o Judiciário tinha-se imiscuído..." (ênclise ao auxiliar). Mas não se permite ênclise ao principal: "... o Judiciário tinha imiscuído-se..." (errado). 8) Anote-se, em continuação, que também se impede a próclise ao auxiliar, quando o pronome coincide com o começo da frase. Exs.: I) - "... o Judiciário se tinha imiscuído... " (correto); II) - "Se tinha imiscuído o Judiciário..." (errado). 9) Também se verifique que obsta a ênclise ao auxiliar a existência de uma daquelas palavras que normalmente atraem o pronome para antes do verbo num tempo simples (palavras negativas, advérbios, pronomes relativos, pronomes indefinidos e conjunções subordinativas). Exs.: I) "... o Judiciário não se tinha imiscuído... " (correto); II) - "... o Judiciário não tinha-se imiscuído..." (errado). 10) Vejam-se, assim, em resumo, as possibilidades de colocação do pronome no caso de locução verbal com o principal no infinitivo, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: I) - "Se tinha imiscuído o Judiciário" (errado); II) - "... o Judiciário se tinha imiscuído... " (correto); III) - "... o Judiciário tinha-se imiscuído..." (correto); IV) - "... o Judiciário tinha imiscuído-se..." (errado); V) - "Não se tinha imiscuído o Judiciário..." (correto); VI) - "... o Judiciário não se tinha imiscuído..." (correto); VII) - "... o Judiciário não tinha-se imiscuído..." (errado); VIII) - "... o Judiciário não tinha imiscuído-se..." (errado). Enfatize-se: não se admite, em hipótese alguma, em português, ênclise ao particípio. 11) Com as ponderações feitas, retorna-se ao exemplo da consulta: I) "... o fato de o Judiciário se ter, de certa forma, imiscuído na esfera legislativa..." (correto); II) "... o fato de o Judiciário ter-se, de certa forma, imiscuído na esfera legislativa..." (correto); III) "... o fato de o Judiciário ter, de certa forma, imiscuído-se na esfera legislativa..." (errado).
quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Concordância Verbal - Pronome relativo

1) Uma leitora traz à consulta o seguinte exemplo: "Buscam reparação dos prejuízos relativos às despesas de franquia do seguro dos autores, que totaliza(m) R$ 2.100,00, despesas processuais e demais cominações legais". E indaga se o verbo em negrito deve ser posto no singular ou no plural. 2) Ora, quando se pergunta se o verbo fica no singular ou vai para o plural, tem-se, em suma, uma questão referente à concordância verbal. 3) E a regra mais básica da concordância verbal se resume em dizer que o verbo concorda com o seu sujeito. 4) Para tanto, porém, deve-se dividir o período em suas respectivas orações, cada qual com seu respectivo verbo em negrito: I) a primeira oração é "Buscam reparação dos prejuízos relativos às despesas de franquia do seguro dos autores"; II) a segunda oração é que "totaliza(m) R$ 2.100,00, despesas processuais e demais cominações legais". 5) E, sem muitas perquirições, vê-se que, para saber se o verbo totaliza(m) fica no singular ou vai para o plural, a chave reside em se perguntar exatamente pelo sujeito de totaliza(m). 6) Ora, porque totaliza(m) está na segunda oração, devemo-nos ater aos termos dela, para identificar a função sintática e a eventual flexão de qualquer termo nela existente. 7) Com essa tônica, em seguida, nota-se que o que existente na segunda oração pode ser substituído por o qual, a qual, os quais, as quais. Conclui-se que é, assim, um pronome relativo. 8) E, quanto ao pronome relativo, fazem-se as seguintes ponderações: I) - chama-se pronome porque está em lugar de um nome; II) - diz-se relativo, porque está em íntima relação com um nome anteriormente referido; III) para se saber a função sintática exercida por um pronome relativo na segunda oração, é de crucial importância definir o nome existente na primeira oração, em cujo lugar ele se encontra. 9) No caso, o próprio contexto revela com facilidade que, dos nomes existentes na primeira oração (reparação, prejuízos, despesas, franquia, seguro e autores) o que não está em lugar de nenhum dos demais, e sim em lugar de reparação, de prejuízos, também se podendo entender pela possibilidade de estar ele em lugar de despesas. 10) Em seguida, com a recolocação do nome que foi substituído pelo pronome relativo, o período fica do seguinte modo: "Buscam reparação dos prejuízos relativos às despesas..., a qual reparação, ou os quais prejuízos, ou as quais despesas totaliza(m)..." 11) E, em seguida, formula-se a pergunta para se achar o sujeito de totaliza(m): o que é que totaliza? E a resposta vem com facilidade: a qual reparação, ou os quais prejuízos, ou as quais despesas. Ou seja: o que (que substitui reparação, ou prejuízos, ou despesas) é o sujeito de totaliza(m). E, porque substitui um nome do singular ou um nome do plural, tanto se pode entender que o que está no singular como que está no plural. 12) Vale dizer: se se pode entender que o sujeito de totaliza(m) tanto pode estar no singular como no plural, então se conclui que o verbo tanto poderá ficar no singular como ir para o plural, conforme o sentido que se queira fixar. 13) Vejam-se, portanto, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: I) "Buscam reparação dos prejuízos relativos às despesas de..., que totaliza..." (correto, por se entender que o que substitui reparação); II) "Buscam reparação dos prejuízos relativos às despesas de..., que totalizam..." (correto, por se entender que o que substitui prejuízos ou despesas).
quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Os Diários não foram mais circulados...?

1) Um leitor diz que, na biblioteca da OAB/SP, encontrou o seguinte comunicado: "Os Diários do Poder Judiciário - cadernos I.II e III - não foram mais circulados a partir do dia 15.8.2007". Parecendo-lhe estranho o emprego da expressão "não foram mais circulados", indaga se está correta a frase. 2) Independentemente de qualquer juízo sobre a correção ou erronia do exemplo, vê-se que ele está formando voz passiva, e o exemplo assim estaria posto na ordem direta, apenas com os elementos mais importantes no plano sintático: "Os Diários não foram mais circulados...". 3) Ora, em tese, voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintáticas diversas de se dizer a mesma realidade de fato: I) na voz ativa, o sujeito pratica a ação indicada pelo verbo ("O magistrado proferiu a sentença" - o sujeito magistrado pratica a ação de proferir); II) na voz passiva, o sujeito recebe a ação indicada pelo verbo ("A sentença foi proferida pelo magistrado" - o sujeito sentença recebe a ação de proferir indicada pelo verbo). 4) De uma simples contraposição entre os dois exemplos mencionados, podem-se extrair importantes conclusões quanto à estruturação sintática dos termos envolvidos: I) - O que era objeto direto na voz ativa (sentença) passa a ser sujeito na voz passiva; II) O que era sujeito na voz ativa (magistrado) continua agindo na voz passiva e, sintaticamente, recebe o nome de agente da passiva. 5) Ora, se o objeto direto da voz ativa se torna o sujeito da voz passiva, uma primeira conclusão importante desse raciocínio é que apenas verbos transitivos diretos podem ter voz passiva, sob pena de não se ter um sujeito para iniciar a voz passiva. 6) Em corolário, verbos transitivos indiretos, por via de regra, não podem ser passados para a voz passiva. E isso não é complicado de entender: basta atentar aos seguintes exemplos: I) "O juiz não gostou do depoimento"; II) "Nós dependemos das circunstâncias"; III) "A garota não simpatizava com a colega de classe". É intuitivo que não se consegue passar essas orações para a voz passiva. 7) Por idênticas razões, também não podem ser passados para a voz passiva os verbos intransitivos, como, em mesmo raciocínio, demonstram com facilidade os seguintes exemplos: I) "A criança morreu no hospital"; II) "O prédio caiu"; III) "O presidente voltou de viagem". 8) Em termos práticos, voltando ao exemplo da consulta - "Os Diários não foram mais circulados..." - , arranja-se sua formulação na voz ativa: "Os Diários não circularam". E, fatalmente, duas conclusões são obrigatórias: I) o verbo dessa oração não é transitivo direto, e sim intransitivo; II) se é intransitivo, não admite construção na voz passiva; III) por conseguinte, é totalmente incorreto o exemplo "Os Diários não foram mais circulados..."
quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Contrarrazoar ou Contra-arrazoar?

1) Ante as recentes modificações quanto ao emprego do hífen, ocasionadas pelo Acordo Ortográfico de 1990, pergunta um leitor qual a forma correta da expressão: I) Contrarrazoar uma apelação; II) Contra-arrazoar uma apelação? 2) Sempre é bom repetir, num intróito, que a maioria dos gramáticos defendiam que o emprego do hífen era assunto que carecia de sério e profundo trabalho de sistematização e simplificação. Longe de melhorar a situação, o que o Acordo fez foi complicar ainda mais o que já era difícil. 3) Mas tentemos solucionar a questão. Pela regra do Acordo Ortográfico, quando se tem o prefixo contra, emprega-se o hífen em dois casos: I) se o segundo elemento começa por h (contra-habitual, contra-harmonia, contra-haste, contra-homônimo); II) quando a palavra seguinte se inicia com a mesma vogal que termina o prefixo (contra-acusação, contra-almirante, contra-apelação, contra-arrazoado, contra-arrestar, contra-ataque). 4) Nos demais casos, não há hífen (contrabalançar, contracapa, contracheque, contraescritura, contrafé, contrainterpelar, contraoferta). 5) Além disso, se a palavra seguinte se inicia por r ou s, tais consoantes são duplicadas, mas sem o hífen (contrarreforma, contrarregra, contrarréplica, contrasseguro, contrassenso, contrassistema). 6) De modo prático para o caso da consulta, parte-se, por primeiro, da premissa de que escrever as razões de apelação tanto pode ser razoar como arrazoar; assim, oferecer resposta ao mencionado recurso tanto pode ser contrarrazoar (que é o resultado de contra + razoar) como contra-arrazoar (resultado de contra + arrazoar). 7) Atente-se, todavia, a que são incorretas as formas contra-razoar e contraarrazoar.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Antecipa(m)-se as eleições...?

1) Um leitor indaga se é correto o verbo no singular no seguinte exemplo: "Assim, antecipa-se as eleições antes que os problemas cheguem à classe baixa". 2) Num caso como esse, para saber qual a forma correta, é importante verificar qual a função do se e o próprio comportamento da estrutura sintática como um todo, no que tange à concordância verbal. 3) Para facilitar o entendimento prático da questão, pode-se dizer que, em frases como essa, em que há um se acoplado ao verbo, deve-se ver em qual de dois modelos o exemplo se encaixa e, então, extrair as conclusões mais adequadas. 4) Um primeiro modelo é "Aluga-se uma casa", no qual se acham presentes os seguintes aspectos: I) - Pode-se dizer o exemplo de outra forma - "Uma casa é alugada"; II) - É, portanto, o que denominamos uma frase reversível; III) - Em casos como esse, o exemplo está na voz passiva sintética; IV) - Em termos técnicos, o se é uma partícula apassivadora; V) - O sujeito do exemplo é uma casa; VI) - Porque o sujeito é uma casa, quando se diz casas, o verbo deve ir para o plural, já que a regra geral de concordância verbal determina que o verbo concorda com o seu sujeito; VII) - O correto, então, no plural, é "Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas". 5) Essa, aliás, é uma construção muito comum nos meios jurídicos, de modo que se há de zelar pela concordância adequada no plural, e não no singular, em casos como os que seguem: "Buscaram-se soluções para o conflito"; "Citem-se os réus"; "Devolvam-se os autos"; "Entreguem-se os autos da carta precatória"; "Intimem-se as testemunhas"; "Processem-se os recursos". 6) Um segundo modelo é "Gosta-se de um bom vinho", do qual se podem extrair as seguintes ilações: I) - O exemplo não pode ser dito de outra forma (ninguém pensaria em dizer "Um bom vinho é gostado"); II) - Não é, portanto, uma frase reversível; III) - Nesse caso, o exemplo não está na voz passiva, muito menos na voz passiva sintética; IV) - O "se", no exemplo, não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; V) - O sujeito da oração não é "um bom vinho", mas é indeterminado; VI) - seria impossível considerar um bom vinho o sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição"1; VII) - Em tais circunstâncias, pela própria estrutura sintática apontada, se, em vez de um bom vinho, se diz bons vinhos, o sujeito não se altera, mas continua indeterminado; VIII) - Exatamente porque, ao se pluralizar o referido termo, não se altera o sujeito, não há razão alguma para modificar o verbo; IX) - O correto, então, no plural, é "Gosta-se de bons vinhos", e não "Gostam-se de bons vinhos". 7) Também é comum essa construção nos meios jurídicos, de modo que se há de atentar à concordância adequada no singular, e não no plural, em casos como os que seguem: "Trata-se de embargos à execução"; "Proceda-se aos inventários"; "Obedeça-se aos princípios legais". Lembra-se que o traço comum, nesses casos, é a existência de uma preposição antes do termo que seria levado a pensar ser o sujeito (de embargos, aos inventários, aos princípios). 8) Com as ponderações feitas, volta-se ao exemplo da consulta - "Antecipa-se as eleições", do qual se podem extrair as seguintes conclusões: I) - Pode-se dizer o exemplo de outra forma - "As eleições são antecipadas"; II) - É, portanto, o que se chama uma frase reversível; III) - Nesse caso, o exemplo está na voz passiva sintética; IV) - O "se" é o que se chama partícula apassivadora; V) - O sujeito do exemplo é as eleições; VI) - Porque o sujeito é as eleições e está no plural, o verbo deve ir para o plural, para obedecer à regra geral de concordância verbal de que o verbo concorda com o seu sujeito; VII) - O correto, assim, no plural, é "Antecipam-se as eleições", e não "Antecipa-se as eleições". _______________ 1 Cf. SILVA, A. M. de Souza e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958, p. 264.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Há quem garante ou Há quem garanta?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta de se dizer: I) Há quem garante; II) Há quem garanta? 2) Em termos técnicos, a questão pode ser formulada do seguinte modo: numa frase como essa, deve-se empregar o presente do indicativo (garante) ou o presente do subjuntivo (garanta)? 3) Ora, quanto à Gramática, como leciona Evanildo Bechara, emprega-se normalmente o indicativo, quando se quer referir "um fato real ou tido como tal". Exs.: a) "A Terra gira em torno do Sol" (presente); b) "Os jurados fizeram um silêncio significativo" (pretérito perfeito); c) "O homem sempre buscará um sentido para sua vida" (futuro do presente). 4) Por outro lado, ainda na lição do citado gramático, usa-se o subjuntivo, quando se quer mencionar um fato "considerado como incerto, duvidoso, ou impossível de se realizar". Exs.: a) "Talvez venhas" (presente); b) "Era preciso que você viesse" (pretérito imperfeito); c) "Se você vier para a solenidade..." (futuro). 1 5) Com essas duas balizas, de modo específico para o caso da consulta, pode-se dizer que ambas as expressões são corretas, mas cada qual com uma acepção específica. 6) Em termos mais claros, se o falante acredita na certeza do fato referido, usa o presente do indicativo: "Há quem garante". 7) Se, porém, faz apenas uma conjectura não necessariamente compromissada com a realidade, e não tem certeza de sua ocorrência, então é mais comum que empregue o presente do subjuntivo: "Há quem garanta". ________________ 1 Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 273-276.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Risco de morte ou risco de vida?

1) Um leitor indaga qual a forma correta de se dizer: I) Risco de morte; II) Risco de vida? E também questiona se é correto empregar Risco de morrer. 2) Num primeiro aspecto, é correta a expressão risco de morrer, e contra ela não parece haver possibilidade de maiores questionamentos. Ex.: "A paciente corre o risco de morrer durante a cirurgia". 3) Por outro lado, para se entender bem o restante do problema, é importante dizer que, tradicionalmente, a expressão empregada quase sempre foi risco de vida. Assim foi o uso de nossos avós, e assim empregaram maciçamente os nossos literatos mais considerados ao longo dos tempos. 4) Para se ter uma idéia da dimensão do emprego de ambas as expressões ainda nos dias de hoje, basta anotar que uma pesquisa de tais expressões no Google dá um resultado de 27.000.000 de registros para risco de vida, enquanto apenas 284.000 registros para risco de morte, o que mostra a preferência pela primeira delas. 5) Por outro lado, não se pode negar que, de uns tempos para cá, houve a redescoberta da expressão risco de morte, a qual, impulsionada pela defesa do prestigiado Professor Pasquale Cipro Neto em um de seus programas pela televisão, acabou por se tornar verdadeiro modismo nos meios de comunicação. 6) O que se ouve, porém, com frequência, é que o referido professor foi alguém que inventou a expressão risco de morte e a quer impingir à população, como se fosse ele um ditador da Gramática. 7) O certo, contudo, é que tem ele a seu favor, no mínimo, quatro aspectos relevantes: I) ao que parece, ele não apontou erro algum na expressão risco de vida; II) o que ele fez, em verdade, foi apenas afiançar ser correta a expressão risco de morte; III) e ele está correto, quando diz ser correta a expressão risco de morte; IV) por fim, também se deve acrescentar que não foi ele o inventor dessa expressão por último referida. 8) Em verdade, em obra publicada há quase trinta anos, o sempre lembrado mestre Napoleão Mendes de Almeida já observava, em defesa dessa expressão, que, "se dizemos 'correr o risco de morrer', 'correr o perigo de morrer', acertado é também que digamos 'correr o risco de morte', 'correr o perigo de morte'..."1 9) Com tais ponderações, que parecem ser de total oportunidade, é possível afirmar que as duas expressões são vernáculas e corretas, e ambas trazem o mesmo conteúdo semântico. 10) Além disso, sem exageradas preocupações de ordem gramatical, em ambas se pode ver a ocorrência de uma elipse: I) em risco de vida, está claro que o significado é o risco de (perder a) vida; II) em risco de morte, não menos certa é a acepção do risco de (encontrar a) morte. 11) Verificando nossa legislação - apenas no que tange aos códigos, sem busca na legislação esparsa - podem-se afirmar os seguintes aspectos: I) não se encontrou nenhuma referência à expressão risco de morte; II) foram encontrados apenas três exemplos da expressão risco de vida, todas elas no recente Código Civil de 2002: a) "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica" (CC, art. 15); b) "Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau" (CC, art. 1.540); c) "O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo" (CC, art. 1.542, § 2º). 12) Apenas a título de ilustração final, anota-se que essa convivência de expressões aparentemente opostas, mas com o mesmo conteúdo semântico, não ocorre apenas em português, já que existem tais expressões, em mesmos moldes, no inglês (risk of life e risk of death), no espanhol (riesgo de vida e riesgo de muerte) e no francês (risque de vie e risque de mort). ________________ 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. 1. ed. São Paulo: Caminho Suave, 1981. p. 280.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Citação em língua estrangeira

1) Leitores indagam se, ao escrever uma palavra em língua estrangeira, num texto manuscrito, o correto é grafá-la entre aspas ou sublinhá-la, uma vez que não é possível fazê-lo em itálico em tais circunstâncias. 2) Independentemente de outros usos que possam ter as aspas, o itálico, o negrito e a sublinha, o certo é que também são eles empregados para grafar um vocábulo ou expressão que não pertençam ao nosso idioma. 3) E se esclarece, adicionalmente, que não há hierarquia, preferência ou maior correção nesse rol, de modo que assiste ao usuário do idioma optar pelo recurso que lhe convier na respectiva redação. 4) Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, todos igualmente corretos perante nosso idioma: I) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como "à vol d'oiseau" ou "performance", que bem podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como superficialmente e desempenho; II) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que bem podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como superficialmente e desempenho; III) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que bem podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como superficialmente e desempenho; IV) Devem-se evitar palavras e expressões estrangeiras desnecessárias, como à vol d'oiseau ou performance, que bem podem ser substituídas por vocábulos vernáculos, como o são superficialmente e desempenho.
quarta-feira, 28 de julho de 2010

Que concorre ou A que concorre?

1) Um leitor indaga, em suma, se está correta a seguinte frase: "Clique aqui e confira as obras que você pode concorrer". 2) O problema todo reside na expressão que você pode concorrer, onde o que é pronome relativo (e, assim, pode ser substituído por quais). 3) Ora, se, como no caso, funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga. 4) Assim, se vai ou não haver preposição antes do pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado por ele. 5) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (assim se diz, porque o correto é acreditar em, simpatizar com e lutar por); b) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos, com que simpatizamos e em que nos comprazemos" (e isso porque se diz aspirar a, simpatizar com e comprazer-se em). 6) Sobre esse assunto, assim é a lição de Sousa e Silva: "Nas orações adjetivas cujo pronome relativo não funcione como sujeito, se o verbo exigir alguma preposição, coloca-se esta antes do relativo". Exs.: a) "Atualmente, os meios de que dispomos..."; b) "Fui traído pelos amigos em quem mais confiava"; c) "... em relação àquele a quem devia respeito e admiração"; d) "É um monumento de que todos os brasileiros se orgulham" (dispor de, confiar em, dever respeito e admiração a, orgular-se de). 7) Num segundo aspecto, lembra o mesmo autor que, "se o relativo for o adjetivo (atualmente pronome adjetivo) cujo, a construção gramatical é idêntica". Ex.: "... eram R S e um pretinho de cujo nome não se lembra" (lembrar-se de).1 8) Com essas observações, de modo específico para o caso da consulta, anota-se que quem concorre, concorre a. Se há um auxiliar, não varia a regência do verbo: quem pode concorrer, pode concorrer a. 9) Desse raciocínio, conclui-se que procede a dúvida do leitor, conforme se nota pela seguinte especificação: I) "Clique aqui e confira as obras que você pode concorrer" (errado); II) "Clique aqui e confira as obras a que você pode concorrer" (correto). ____________ 1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organizações Simões Editora, 1958, p. 230-233.
quarta-feira, 21 de julho de 2010

Código de (ou do) Processo Civil?

1) Uma leitora indaga se é correta a expressão Código do Processo Civil, ou se apenas se deve dizer Código de Processo Civil. 2) Por um lado, é sabido que a Lei 5.869/73 e suas alterações posteriores vieram para regrar o processo civil, uma expressão e um assunto que constituem algo definido. 3) E uma rápida consulta aos títulos de artigos sobre a matéria revela ser sempre determinado tal processo (ou processo civil) pela existência do artigo definido masculino o: a) "Anotações sobre a Efetividade do Processo" (Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier); b) "Efetividade do Processo e Técnica Processual" (José Carlos Barbosa Moreira); c) "O Processo Civil no Limiar de um Novo Século" (Moniz de Aragão); d) "Função Social do Processo" (Calmon de Passos). 4) Com essas observações, não deixa de ser aceitável a idéia de se falar num código do processo civil, o que significaria exatamente um conjunto de normas destinadas a reger o processo civil como um todo. 5) Por outro lado uma simples leitura da parte introdutória da Lei 5.869/73 mostra que por ela se instituiu "o Código de Processo Civil". Essa é a expressão e esse é o nome dado pelo legislador ao conjunto de regras que constituem tal codificação, de modo que é assim que se deve mencionar a legislação codificada. 6) Essa, ademais, é a tradição do nosso direito: apenas para conferir, o Decreto-lei 1.608, de 18.09.39, falava também de um Código de Processo Civil, e o Decreto-lei 3.689, de 3.10.41 mencionava um Código de Processo Penal.