COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Que nem

1) Uma leitora quer saber se é correta a expressão que nem em uma frase como a seguinte: João fala inglês que nem um nativo. 2) Para melhor situar a pergunta, observa-se que o circunlóquio que nem está em lugar de como e introduz uma oração subordinada adverbial comparativa. Com a mencionada pergunta, então, quer-se saber se que nem pode ser uma conjunção (mais tecnicamente, uma locução conjuntiva) com valor comparativo. 3) Diga-se desde logo que os gramáticos, de um modo geral, não se sabe se por mero esquecimento ou se por rejeição não declarada, evitam listar que nem entre as conjunções ou locuções conjuntivas comparativas. 4) Atestando-lhe, porém, a existência ao longo dos tempos no vernáculo, Napoleão Mendes de Almeida registra aspectos interessantes: I) Anota que não vemos seu emprego em autores renomados. II) Traz, todavia, um exemplo do insuspeito Rebelo da Silva ("O erudito fez-se vermelho que nem uma romã"); III) Observa, por fim, que Eduardo Carlos Pereira registra tal locução em sua obra de gramática.1 5) Domingos Paschoal Cegalla, por sua vez, a tem como "expressão popular, equivalente à conjunção comparativa como". E exemplifica: I) "Ele é que nem o avô: alto e magro"; II) "Trepava nas árvores que nem macaco novo"; III) "Sua tez era que nem pétalas de rosa"; IV) "Entrou na sala que nem vento impetuoso".2 6) Respondendo a um consulente, que lhe indagava se tal expressão é "grosso caipirismo", quando usada numa comparação, Silveira Bueno afiançava ser "bom português" e realçava que podia ser encontrada em bons autores.3 7) Enfrentando diretamente a questão para a leitora e tendo em mente que se está diante de seu emprego por autores e gramáticos do porte daqueles aqui mencionados, pode-se afirmar que, no mínimo, o que há aqui é uma divergência entre os estudiosos, e, nessa condição, sempre vigora importante princípio a determinar que, na dúvida, concede-se liberdade ao usuário para escolher entre as posições ("in dubio, pro libertate"). ___________________ 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 257. 2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 344. 3 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938, p. 92.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Realizou-se... ou Foi realizada...?

1) Um leitor pergunta se é correto dizer "... realizou-se a primeira sessão..." Entende que deveria ser usada a voz passiva: "foi realizada a primeira sessão". E pede opinião. 2) Ora, tomando-se por modelo a estrutura "Aluga-se uma casa", vê-se que nela se acham presentes os seguintes aspectos: a) O exemplo pode ser dito de outra forma - "Uma casa é alugada"; b) Porque pode o exemplo ser dito de outra forma, diz-se que ela é uma frase reversível; c) Em casos assim, o exemplo que serviu de base para a transformação já está na voz passiva, e, por ser mais resumida do que a outra, chama-se voz passiva sintética; d) O outro modo de dizer - "Uma casa é alugada" é a voz passiva analítica; e) Não há, entre ambos, modo melhor ou pior de dizer, já que são apenas estruturas sintáticas diferentes para dizer a mesma realidade de fato; f) O se, no caso, chama-se partícula apassivadora; g) O sujeito do exemplo é uma casa; h) Porque o sujeito é uma casa, quando se diz casas, o verbo deve ir para o plural, já que a regra geral de concordância verbal determina que o verbo concorda com o seu sujeito; i) O correto, então, no plural, é "Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas". 3) Observe-se, aliás, que essa é uma construção muito comum nos meios jurídicos, de modo que se há de zelar pela concordância adequada no plural, e não no singular, em casos como os que seguem: "Buscaram-se soluções para o conflito"; "Citem-se os réus"; "Devolvam-se os autos"; "Entreguem-se os autos da carta precatória"; "Intimem-se as testemunhas"; "Processem-se os recursos". 4) Voltando ao exemplo da consulta - "... realizou-se a primeira sessão..." - que também pode ser transformado em "... foi realizada a primeira sessão...", podem ser extraídas, dentre outras, as seguintes conclusões: a) O primeiro dos exemplos é voz passiva, tanto quanto o segundo deles; b) O primeiro - que tem o se - por ser mais resumido do que o outro, chama-se voz passiva sintética; c) O outro - "... foi realizada a primeira sessão..." - é voz passiva analítica; d) Não há entre ambos modo melhor ou pior de dizer, nem mais correto ou menos correto, já que são apenas formas equivalentes, no plano sintático, de dizer a mesma realidade de fato. e) Em síntese: são igualmente corretos os exemplos i) "... realizou-se a primeira sessão..." e ii) "... foi realizada a primeira sessão..."
quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Por quanto ou Porquanto?

1) Um leitor, após pesquisar, observa que não encontrou lei que delegue à Academia Brasileira de Letras "a responsabilidade de editar o VOLP, nem de ditar a grafia oficial dos vocábulos da língua pátria". Por isso, pede esclarecimentos sobre o assunto. 2) Remontando a cronologia, diga-se que, três anos após sua fundação (20/7/1897), a Academia Brasileira de Letras se beneficiou com a edição do Decreto federal 726, de 8/12/1900, pelo qual: (i) se autorizava o Governo a dar permanente instalação à ABL em prédio público, (ii) se concedia à ABL franquia postal e (iii) se determinavam outras providências. 3) Em homenagem a alguém que sempre procurou o bem da ABL, incluindo seu reconhecimento como instituição de utilidade pública, tal decreto acabou sendo também conhecido pelo nome de Lei Eduardo Ramos. Quanto a esse personagem, acrescente-se que, mesmo sendo conhecido entre os escritores de sua época e tido como um dos fundadores da Academia, por nunca fazer campanha em benefício próprio, só conseguiu entrar na Casa de Machado de Assis no fim da vida. E mais: faleceu antes de tomar posse. 4) Pois bem. Costuma-se dizer que, desde a Lei Eduardo Ramos, a ABL tem a incumbência e a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos que integram nosso léxico, bem como fixar sua grafia, pronúncia, gênero, etc. Independentemente de rigidez e técnica jurídica sobre a questão, essa posição tem sido assim reconhecida sem contestações ao longo de décadas. 5) Exatamente com esse perfil de conduta, por iniciativa da ABL e anuência da Academia de Ciências de Lisboa, para minimizar os inconvenientes de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, foi aprovado, em 1931, o primeiro acordo ortográfico entre Brasil e Portugal, o qual, na prática, acabou não produzindo a tão desejada unificação dos dois sistemas ortográficos. 6) Por não se implementar, na prática, o acordo de 1931, a ABL, em sessão de 12/8/1943, por votação unânime, aprovou as instruções para a organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o que se denominou Formulário Ortográfico). Mais uma vez sem o rigor técnico do que juridicamente se tem como delegação legal, a ata da respectiva reunião registrava que esse regramento se fazia "consoante a sugestão do Sr. Ministro da Educação". 7) E mais: confirmando esse aspecto de delegação efetiva, mesmo sem o rigor técnico do vocábulo, a introdução do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1943 assim registrava: "A Academia Brasileira de Letras recebeu de Sua Excelência o Senhor Presidente da República a incumbência de elaborar o vocabulário ortográfico de que tratam os decretos-leis 292, de 23 de fevereiro de 1938, e 5.186, de 13 de janeiro de 1943". 8) Dois anos depois, ante as divergências dos vocabulários publicados por ambas as academias, em evidente demonstração da pobreza dos resultados práticos do acordo de 1943, realizou-se, em 1945, em Lisboa, novo encontro entre representantes das duas agremiações, o qual conduziu à chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mais uma vez, contudo, esse acordo não produziu os almejados efeitos, sendo adotado em Portugal, mas não no Brasil, por ser tido aqui como inaceitável, porquanto se conservavam consoantes mudas e não articuladas, já abolidas em nosso país, além de haver radicalismo na questão da acentuação de certas proparoxítonas (como acadêmico, gênero e tônico), sobre as quais os portugueses queriam pôr acento agudo, e não circunflexo. 9) Mais de vinte anos depois, veio a lei 5.765, de 18/12/1971 (em Portugal, a lei respectiva foi promulgada em 1973), a qual nada mais fez do que sacramentar um parecer conjunto da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa sobre as alterações na ortografia da língua portuguesa. E, no art. 2º dessa lei, constou o registro claro da delegação à ABL para a incumbência: "a Academia Brasileira de Letras promoverá, dentro do prazo de dois anos, a atualização do Vocabulário Comum, a organização do Vocabulário Onomástico e a republicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa nos termos da presente lei". 10) Ao depois, porque, apesar dessas iniciativas louváveis, continuavam a persistir divergências sérias entre os dois sistemas ortográficos, as duas academias elaboraram em 1975 um novo projeto de acordo, que não foi levado adiante por razões de ordem política. 11) Por isso, em maio de 1986, houve um novo encontro no Rio de Janeiro, e nele, pela primeira vez na história da língua portuguesa, se encontraram representantes não apenas de Portugal e Brasil, mas também dos novos países africanos lusófonos emergidos da descolonização portuguesa (só Guiné-Bissau não veio, e o Timor Leste ainda não era independente). A tentativa de acordo foi abandonada, porque as propostas foram tidas como drásticas (em um dos itens, pretendia-se, simplesmente, suprimir o acento em todas as palavras paroxítonas e proparoxítonas). 12) Anos depois, em 1990, os países lusófonos, em inteligente atitude de concessões mútuas e de abrangência para aceitar diversidades práticas, firmaram o chamado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, e nele, para o que aqui interessa, alguns aspectos importantes podem ser observados: I) o Brasil se fez representar, naquela oportunidade, por seu próprio Ministro da Educação; II) o projeto de texto de ortografia unificada, pelo lado brasileiro, fora elaborado pela ABL; III) por ser menos radical que o anterior, o acordo acabou sendo frutífero; IV) os signatários deveriam torná-lo lei em seus respectivos países; V) a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras seriam as responsáveis pela publicação de um vocabulário ortográfico comum. 13) Para implementar o referido Acordo Ortográfico, editaram-se, aqui no Brasil, os Decretos federais 6.583, 6.584 e 6.585, todos de 29/9/2008, e se aprovou o Protocolo Modificativo ao mencionado acordo, tendo o art. 2º deste último a seguinte redação: "Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas". 14) Uma síntese cronológica dessa exposição demonstra que a ABL sempre foi e continua sendo a instituição incumbida de autoridade oficial pelo Poder Público brasileiro para organizar, gerir e ditar as regras sobre ortografia: I) assim, para as normas do Formulário Ortográfico de 1943, "a Academia Brasileira de Letras recebeu de Sua Excelência o Senhor Presidente da República a incumbência de elaborar o vocabulário ortográfico de que tratam os decretos-leis 292, de 23 de fevereiro de 1938, e 5.186, de 13 de janeiro de 1943"; II) quando veio a lume a lei 5.765, de 18.12.1971, que nada mais fez do que sacramentar um parecer conjunto da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa sobre as alterações na ortografia da língua portuguesa, seu art. 2º também outorgava delegação clara à ABL sobre o assunto: "a Academia Brasileira de Letras promoverá, dentro do prazo de dois anos, a atualização do Vocabulário Comum, a organização do Vocabulário Onomástico e a republicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa nos termos da presente lei"; III) pelo Acordo de 1990, assinado pelo próprio Ministro da Educação brasileiro, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras seriam as responsáveis pela publicação de um vocabulário ortográfico comum; IV) quando da edição dos Decretos federais 6.583, 6.584 e 6.585, todos de 29.9.2008, com o que se aprovou o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico de 2008, o art. 2º deste último determinava que os Estados signatários tomariam as providências necessárias à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa por intermédio das instituições e órgãos competentes, o que, no que tange ao Brasil, significa que as providências a tanto necessárias seriam tomadas pela Academia Brasileira de Letras; V) assim, na prática e em resumo, ainda que se entenda, em interpretação restritiva, que a Lei Eduardo Ramos, de 1900, não outorgava delegação legal à ABL, o certo é que tal incumbência para ditar oficialmente regras sobre ortografia lhe foi concedida por leis posteriores, e a referida entidade continua detendo, nos dias de hoje, essa autoridade oficial por delegação do Poder Público; VI) porque a ABL detém delegação legal para ditar normas de ortografia e porque ela exerce tal autoridade por via do VOLP, a grafia neste constante é lei e a ela devemos prestar obediência, ainda que com ela não concordemos pelas mais diversas razões, inclusive de ordem científica, como, às vezes, acontece com outras leis, às quais, todavia, continuamos a obedecer.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sub-rogação ou Subrogação?

1) Uma leitora, atenta às alterações havidas em nosso sistema ortográfico, indaga como deve escrever atualmente: sub-rogação ou subrogação? 2) Ora, o prefixo sub, de origem latina, normalmente traz o significado de posição inferior, em sentido físico ou figurado, como em subtenente. 3) As diretrizes do Acordo Ortográfico de 2008 determinam que tal prefixo se une ao segundo elemento por hífen em três casos: I) quando o segundo elemento se inicia por h: sub-hepático, sub-horizontal, sub-humano; II) quando o segundo elemento começa com r: sub-ramo, sub-região, sub-reitoria, sub-rogação (e isso sob pena de ter a vogal que inicia o segundo elemento o som de um só r, como em sobremesa); III) quando o segundo elemento principia com a mesma letra que finda o prefixo: sub-base, sub-bosque, sub-brigadeiro (e aqui também sob pena de ter a vogal que principia o segundo elemento o som de um só b, como em subir). 4) Desse modo, ligam-se diretamente os elementos, quando o segundo deles principia por outra consoante, que não aquela que encerra o prefixo: subclassificação, subdesenvolvimento, subfamília, subgaleria, submaxilar, subnível, subsalário, subseção. 5) Também se ligam diretamente os elementos, quando o último deles começa por vogal: subabdominal, subadquirente, subemenda, subemprego, subinfecção, subitem, subocular, suboficial, subunidade, subutilizar. 6) Interessante é observar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - editado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes no vernáculo, determinando-lhes a forma correta - em critério evidentemente duplo e equivocado de consideração do problema, apresenta alguns vocábulos cujo segundo elemento é iniciado por h, mas lhes suprime tal letra e faz a junção sem hífen, como se o segundo elemento fosse iniciado por vogal: subarmônico, subemisférico, subepático, subumano1. 7) Todavia, como a Academia Brasileira de Letras, pela edição do VOLP, é a autoridade para ditar as regras sobre a grafia das palavras em nosso idioma, deve-se obedecer a tal determinação, até que, em edição futura, a questão seja unificada. ___________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 767-769.
1) Um leitor pede algumas considerações e informações genéricas sobre o que realmente seja o novo Acordo Ortográfico. 2) Sem pretender esgotar o assunto, é de se dizer, em termos históricos, que, de longa data, busca-se, nesse campo, algum tipo de unificação entre os países que falam o português: I) em 1945, houve proposta, que acabou sendo inaceitável para os brasileiros, pois se conservavam consoantes mudas e não articuladas, já abolidas em nosso país, além de haver radicalismo na questão da acentuação de paroxítonas - como acadêmico, ânimo, cômodo, econômico, efêmero, fenômeno, gênero, pânico, tônico - sobre as quais os portugueses queriam pôr acento agudo, e não circunflexo; II) em 1986, houve um encontro no Rio de Janeiro, em que se fizerem presentes seis dos oito países lusófonos (Guiné-Bissau não veio, e o Timor Leste ainda não era independente), mas a tentativa de acordo foi abandonada, porque as propostas foram tidas como drásticas (em um dos itens, pretendia-se suprimir o acento em todas as palavras paroxítonas e proparoxítonas); III) em 1990, o encontro foi em Lisboa, e, por ser menos radical que o anterior, acabou sendo frutífero e, por ele, a) os signatários deveriam torná-lo lei em seus respectivos países, e b) a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras seriam as responsáveis pela publicação de um vocabulário ortográfico comum; IV) 1994 era a data prevista para se ultimarem as providências e entrarem em vigor as novas regras; V) em 2004, o encontro se deu em São Tomé, e lá estavam representados os oito países lusófonos: a) previa-se a entrada do acordo em vigor "com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa"; b) abriu-se a possibilidade de adesão do Timor Leste; c) pactuou-se data para entrar em vigor o acordo: "no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) tenham depositado, junto da República Portuguesa, os respectivos instrumentos de ratificação ou documentos equivalentes que os vinculem ao Protocolo)". 3) Muito embora seu texto original e sua assinatura datem de 1990, optamos por chamá-lo de Acordo Ortográfico de 2008, porque: I) foi nesse ano que se promulgou o acordo em nosso país, por via do Decreto 6.583, de 29/9/2008, para ser "executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém"; II) também nesse ano se promulgou o Protocolo Modificativo do acordo, firmado em 1998, o que se deu por meio do Decreto 6.584, de 29/9/2008; III) ainda em tal ano se editou o Decreto 6.585, de 29/9/2008, a dispor sobre a execução do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico, assinado em 25/7/04. 4) Quanto ao início de sua vigência, a previsão legal era para o acordo produzir efeitos a partir de 1/1/2009 (cf. Decreto 6.583/08, art. 2º). 5) Também se previa que a implementação do Acordo obedeceria ao período de transição de 1/1/2009 a 31/12/2012, durante o qual coexistiriam a norma ortográfica então em vigor e a nova norma estabelecida (cf. Decreto 6.583/2008, art. 2º, parágrafo único). 6) Desse modo, sem maiores dificuldades de exegese, vê-se que se faculta ao usuário do idioma, entre 1/1/2009 e 31/12/2012, seguir pelas normas antigas ou pelas novas, sem incorrer em erro algum, ainda cumpra parcialmente uma e outra. Ou seja, somente a contar de 1/1/2013, haverá obrigatoriedade de seguir com exclusividade pelas novas regras do Acordo Ortográfico. Até 31/12/2012, quem optar por seguir pelas regras antigas estará escrevendo corretamente, e quem, até lá, escrever pelas regras novas também não poderá ser condenado. E quem resolver seguir parcialmente ambas também estará acertando. 7) Algumas características e aspectos importantes: I) tenta-se simplificação (basta ver a eliminação do hífen em "dia a dia" e "à toa", expressões essas que em certos casos tinham hífen, e em outros, não); II) busca-se uma compactação maior do idioma entre os usuários em todo o mundo, na tentativa de preservar-lhe a unidade e defendê-lo de processos de desagregação, o que é altamente louvável; III) o Acordo fixa e restringe as diferenças de escrita entre os falantes; IV) sedimenta, além disso, uma unidade de grupo linguístico significativo e possibilita seu prestígio junto a organismos internacionais; V) por não impor soluções radicais e necessariamente únicas nas divergências entre os lusófonos, evita o malogro dos acordos anteriores, inclusive o de 1945, que procuravam impor uma unificação ortográfica absoluta. 8) De maneira mais prática, pelo Acordo Ortográfico de 2008: a) foram introduzidos k, w e y em nosso alfabeto, que passou de 23 para 26 letras; b) houve mudanças na acentuação; c) aboliu-se, como regra, o emprego do trema; d) buscou-se a simplificação no uso do hífen. 9) Por fim, aos que lançam a pecha de lei imperfeita às regras que norteiam o padrão culto, por não preverem sanção específica aos que as contrariam, importa realçar que aos seus transgressores, sobretudo numa esfera em que a comunicação se há de fazer sem barreiras e de maneira limpa e plena, como é o campo jurídico, aplica-se a pena prevista por Teotônio Negrão em momentosa palestra a acadêmicos de Direito: "o operador do direito que não consegue ter linguagem correta não consegue expressar adequadamente seu pensamento".1 E, a um operador do Direito, expressar o pensamento de modo equivocado ou inadequado é tão grave como tomar-lhe as armas de luta ou confiscar-lhe as ferramentas de trabalho. __________________ 1 Cf. NEGRÃO, Theotonio. Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1988, vol. 49, p. 83.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Não apenas... como também ... merece(m)...?

1) Indaga um leitor se está correta a concordância verbal na seguinte frase: "Não apenas o Direito, como todas as demais disciplinas humanas, merecem respeito". 2) Ora, lecionando sobre a expressão "não só... mas também...", lembra Domingos Paschoal Cegalla que "esta e outras expressões equivalentes, quando sujeito, levam o verbo para o plural". Exs.: a) "Não só o jornal mas também a televisão devem educar o povo"; b) "Não só o pai mas também a mãe acompanhavam as crianças". 3) Realça tal autor, em continuação, que, "se o sujeito vier depois do verbo, este concordará, de preferência no singular". Exs.: a) "Deve usufruir dos lucros não só o patrão mas também o trabalhador"; b) "A esse cargo aspirava não só o marido mas também a esposa".1 4) As outras expressões equivalente, a que se refere o ilustre gramático são, por exemplo, "não apenas... como também...", "não apenas... mas também...", "não só... como...", "não só... como também...", "não somente... mas também...", "tanto... como..." 5) Especificamente quanto ao caso da consulta, conclui-se, após tais ponderações, que está correta a concordância verbal na seguinte frase: "Não apenas o Direito, como todas as demais disciplinas humanas, merecem respeito". Estaria também correta a inversão no singular, na esteira do exemplo do gramático referido: "Merece respeito não apenas o Direito, como todas as demias disciplinas humanas". _________________ 1 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1999, p. 276-277.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Havia imprimido ou Havia impresso?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: "Ele já havia imprimido" ou "Ele já havia impresso?". 2) Há verbos - e com frequência no particípio passado - que apresentam duas ou mais formas equivalentes: aceitado, aceito e aceite (aceitar), imprimido e impresso (imprimir), pegado e pego (pegar). 3) Nesses casos de berbos abundantes, a forma normal, mais longa e mais de acordo com as regras de derivação constitui o particípio passado regular (assim, entregado, benzido e extinguido); a outra forma, mais compacta, é o particípio passado irregular (assim, entregue, bento e extinto). 4) Quanto à sistematização do emprego das formas de tais verbos abundantes, pode-se dizer que com os verbos ter e haver (formando tempos compostos na voz ativa), usa-se normalmente o particípio passado regular. Exs.: I) "Ele tinha acendido o fogo"; II) "Ele havia acendido o fogo". 5) Já com o verbo ser (formando voz passiva) e com o verbo estar, usa-se normalmente o particípio passado irregular. Exs.: I) "O fogo fora aceso por ele"; II) "O fogo estava aceso". 6) Para não se radicalizar no assunto, vale lembrar a ponderada observação de Luiz Antônio Sacconi: "em alguns casos a língua moderna tem mudado essa regra, perferindo o uso dos irregulares com ter e haver", exemplificando com frito, ganho, gasto, pago e salvo, com os quais tem havido completo desprezo dos particípios passados regulares".1 7) De modo especial para o caso da consulta: I) "Ele já havia imprimido a minuta" (correto); II) "Ele já havia impresso a minuta" (errado); III) "Ele já tinha imprimido a minuta" (correto); IV) "Ele já tinha impresso a minuta" (errado); V) "A minuta foi imprimida por ele" (errado); VI) "A minuta foi impressa por ele" (correto); VII) "A minuta já estava imprimida" (errado); VIII) "A minuta já estava impressa" (correto). __________________ 1 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979, p. 76.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Não-pirata ou Não pirata?

1) Um leitor indaga qual a forma correta: I) "Cópia não-pirata"; II) "Cópia não pirata"? 2) Até pouco tempo atrás, o não, quando tinha a atribuição de prefixo negativo, podia, em alguns casos e observadas determinadas circunstâncias, anexar-se por hífen a um adjetivo ou substantivo e formar um outro vocábulo. 3) Independentemente, porém, de aprofundamento maior nessa observação, deve-se anotar que o Acordo Ortográfico de 2008, ao regrar o assunto, especificou os casos em que se emprega o hífen nas palavras que tenham prefixos ou falsos prefixos, mas nesse rol não incluiu o não. 4) Isso quer dizer, em suma, que, como regra, não mais se usa o hífen, quando se quer negar uma palavra, dizendo o seu contrário pela anteposição de um não. 5) De modo específico para o caso da consulta, responda-se: o correto é cópia não pirata, e não cópia não-pirata. 6) O próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em sua primeira edição após o Acordo Ortográfico, ao listar diversos vocábulos precedidos de não, em casos similares ao da consulta, registra-os sem hífen: não agressão, não cooperação, não cumprimento, não esperado, não execução, não ficção, não fumante, não governamental, não ligado, não pagamento, não proliferação, não sei quê, não violência.1 7) Sempre é oportuno lembrar que o VOLP é editado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação oficial e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900. 8) E sua função é, com força de lei, listar as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa; de um modo geral, não lhes indica o sentido; todavia, além da grafia oficial, fornece a pronúncia dos casos duvidosos. 9) Seguem alguns exemplos de dispositivos legais enquadrados no caso vertente, originalmente grafados com hífen, mas aqui já atualizados pelas regras do Acordo Ortográfico de 2008, os quais, quando citados, deverão, doravante, ser corrigidos pela eliminação do hífen: I) "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: ... IV - não intervenção" (CF, art. 4º, IV); II) "O imposto previsto no inciso IV: ... II - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores" (CF, art. 153, § 3º, II); III) "O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente" (CF, art. 208, § 2º); IV) "Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário" (CC, art. 1.684); V) "Compete ao credor, dentro de 10 (dez) dias, contados da data em que foi intimado do arresto a que se refere o parágrafo único do artigo anterior, requerer a citação por edital do devedor. Findo o prazo do edital, terá o devedor o prazo a que se refere o art. 652, convertendo-se o arresto em penhora em caso de não pagamento" (CPC, art. 654); VI) "A pena será ainda agravada em relação ao agente que: ... III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal" (CP, art. 62, III); VII) "As testemunhas comunicarão ao juiz, dentro de um ano, qualquer mudança de residência, sujeitando-se, pela simples omissão, às penas do não comparecimento" (CPP, art. 224); VIII) "Comprovada a falsa alegação do motivo de força maior, é garantida a reintegração aos empregados estáveis, e aos não estáveis o complemento da indenização já percebida, assegurado a ambos o pagamento da remuneração atrasada" (CLT, art. 504). 10) Importa esclarecer, por fim, que, ao tratar desse assunto, em Nota Explicativa, a "Comissão de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras", qualificando de "sintético e enxuto o texto oficial do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", após proceder a uma minuciosa análise de suas bases, decidiu por diversas medidas, dentre as quais, "excluir o emprego do hífen nos casos em que as palavras não e quase funcionam como prefixos: não agressão, não fumante, quase delito, quase irmão." 11) Por outro lado, contudo, aditou excerto que requer atenção: "Está claro que, para atender a especiais situações de expressividade estilística com a utilização de recursos ortográficos, se pode recorrer ao emprego do hífen nestes e em todos os outros casos que o uso permitir. É recurso a que se socorrem muitas línguas. Deste não hifenizado se serviram no alemão Fichte e Hegel para exercer importante função significativa nas respectivas terminologias filosóficas: nicht-sein e nicht-ich, de que outros idiomas europeus se apropriaram como calcos linguísticos". 12) E a indagação que surge do trecho citado é se nessa observação reside um permissivo lançado pela própria ABL para justificar a manutenção do hífen em qualquer das expressões referidas, de modo a justificar não-intervenção, não-cumulativo, não-oferecimento, não-proprietário, não-pagamento, não-punível, não-cumprimento, não-estáveis. 13) Ora, essa questão precisa ser posta nos seguintes termos: I) o Acordo Ortográfico, em texto claro e sem exceções, eliminou o hífen das palavras formadas com não; II) como regra, assim, não há casos especiais outros de permissão para seu emprego; III) o filósofo alemão Fichte, ao tratar dos componentes da percepção do mundo, precisou lançar em oposição dois princípios teóricos absolutos (ich e nicht-ich, ou seja, eu e não-eu); IV) de igual modo, Hegel, outro filósofo e também alemão, recusando a fixação dos opostos e buscando a conciliação entre eles, dizendo que negar simplesmente um termo nada produzia de determinado, precisou, para explicitar seu método dialético, contrapor pares conceituais (como sein e nicht-sein, vale dizer, ser e não-ser); V) a extrema especificidade em que empregado o não hifenizado evidencia seu caráter de excepcionalidade total no emprego feito por ambos os filósofos; VI) isso quer dizer que simplesmente não está ao talante do usuário que escreve algo que ache importante, que venha, a todo instante, a usar o hífen em tais circunstâncias; VII) a própria Nota Explicativa reforça essa tese, ao complementar que esse "não é, portanto, recurso para ser banalizado". 14) Desse modo, em termos práticos, continua valendo tudo o que anteriormente se disse, de modo que, no excerto da Nota Explicativa não reside permissivo algum para justificar a manutenção do hífen em qualquer das expressões referidas na legislação, e, assim, devem ser elas grafadas doravante do seguinte modo: não intervenção, não cumulativo, não oferecimento, não proprietário, não pagamento, não punível, não cumprimento, não estáveis. __________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global, p. 574.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A carreiras liberais ou À carreiras liberais

1) Uma leitora indaga: I) se estaria correta uma frase posta em uma publicação ("... hoje com franco acesso a carreiras liberais..."); II) ou se seria melhor dizer de outro modo ("... hoje com franco acesso à carreiras liberais..."). 2) Ora, tecnicamente, crase significa, na maioria dos casos, a fusão da preposição "a" com o artigo "a" ou "as". 3) Como o artigo "a" ou "as" acontece antes de nomes femininos, há um artifício prático para reconhecer se há ou não crase: I) substitui-se a estrutura feminina, onde repousa a dúvida, por uma estrutura masculina; II) se no masculino aparece "ao" (ou seja, a [preposição] + o [artigo masculino]), haverá crase no feminino (ou seja, a [preposição] + a [artigo feminino]). Exs.: a) "Encontrei a menina" (porque Encontrei o menino); b) "O livro pertence à menina" (porque "O livro pertence ao menino"). 4) Feita essa observação, anota-se, quanto ao caso da consulta: I) quando se diz "... hoje com franco acesso a carreiras liberais...", tem-se um "a" antes de carreiras; II) ou seja, tem-se um a (que não é plural) antes de um substantivo feminino do plural (carreiras); III) neste a (que não está no plural) não pode haver artigo, já que nele não há indicação alguma de existência de plural; IV) então, obviamente, ele é só preposição; V) e só a preposição não dá crase; VI) por isso é que, na prática e por facilidade, se costuma dizer, como regra, que não há crase, se o "a" está no singular, mas antes de um nome feminino do plural. 5) É claro que se poderia ter uma outra frase parecida com a da consulta: "... hoje com franco acesso às carreiras liberais...": I) nesse caso, porém, a estrutura já é outra; II) tem-se um "as" antes de carreiras; III) a substituição, com o emprego de um masculino, pode-se fazer com a expressão cargos liberais; IV) e o resultado é "... hoje com franco acesso aos cargos liberais..."; V) exatamente por aparecer "aos" no masculino, então há crase no feminino. 6) Comparem-se as estruturas seguintes (todas corretas), para não haver equívocos: I) "... hoje com franco acesso a carreiras liberais..."; II) "... hoje com franco acesso a cargos liberais..."; III) "... hoje com franco acesso às carreiras liberais..."; IV) "... hoje com franco acesso aos cargos liberais..."
quarta-feira, 27 de julho de 2011

Preposta ou A preposto?

1) Uma leitora indaga se a mulher que tem habilitação para óptica e optometria é uma técnica ou uma técnico; um segundo leitor pergunta se Marlene é executiva de vendas ou uma executivo de vendas; terceiro leitor questiona se a mulher que arbitra é árbitra ou uma árbitro; por fim, um quarto leitor perquire se devo dizer preposta ou uma preposto. 2) Essas indagações têm em comum uma mesma dúvida: os substantivos ou adjetivos (no caso técnico, executivo, árbitro ou preposto), nesses casos, devem-se manter invariáveis no masculino, ou ir para o feminino? 3) Ou ainda: nesses casos, deve-se fazer a normal flexão do masculino para o feminino (como o advogado e a advogada, o juiz e a juíza), ou se deve considerar cada um deles um comum de dois gêneros, com uma só forma para o masculino e para o feminino, fazendo-se a distinção do gênero apenas pelo artigo que o precede (como em o artista e a artista, o selvagem e a selvagem)? 4) Ora, a regra normal para essas situações é que, se uma função (ou profissão) é desempenhada por um homem, o substantivo (ou adjetivo) representativo fica no masculino; se, por uma mulher, vai para o feminino. E isso é mais do que suficiente para determinar, desde logo, resposta a cada uma das indagações: I) Cátia Regina é uma técnica em óptica e optometria; II) Marlene é uma executiva de vendas; III) a mulher que arbitra é uma árbitra; IV) uma mulher que vai representar uma empresa em audiência é uma preposta. 5) Para que se entenda a origem da dúvida, explica-se: durante séculos, a mulher esteve afastada das profissões fora do lar, de modo que os respectivos nomes representativos apenas eram ditos no masculino, o que fez Silveira Bueno lembrar antigo ensinamento de J. Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: "Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, - e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, - hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída". 6) E o próprio Silveira Bueno acrescentava importante explicação: "Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão, porque tais nomes são meros adjetivos, como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões".1 7) Para que se avaliem as profundas alterações havidas em menos de um século acerca da ascensão profissional da mulher, com a consequente necessidade de emprego de novos vocábulos, basta que se veja que, mesmo na segunda metade do século XX, ainda lecionava Artur de Almeida Torres haver "certos femininos que são meramente teóricos, e cujo conhecimento não oferece nenhuma utilidade prática", ponderação essa que tal autor complementava dizendo que "esses femininos só servem para sobrecarregar inutilmente a memória do estudante". 8) E, dentre tais substantivos que reputava inúteis, arrolava o mencionado gramático, por exemplo, capitoa (de capitão), aviatriz (de aviador) e anfitrioa (de anfitrião).2 9) Resumindo o que há de interesse para a resposta específica ao caso concreto: I) a mulher que tem habilitação é uma técnica em óptica e optometria; II) Marlene é uma executiva de vendas; III) a mulher que arbitra é uma árbitra; IV) a mulher que representa uma empresa em audiência é uma preposta. 10) Para ilustrar, diga-se que não é incomum, em discriminação dos títulos de formação pós-universitária de pessoa do sexo feminino, ver escrito que ela é mestre e doutora por esta ou aquela universidade. Corrija-se: mestra e doutora. ___________________ 1 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. vol. 2, p. 382-383. 2 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966, p. 59.
quarta-feira, 13 de julho de 2011

Havia(m)-se passado vários anos...?

1) Um leitor afirma ter lido "... haviam-se passado mais de dois anos..." e indaga: I) não deveria estar o verbo no singular, por ser impessoal?; II) ou vai para o plural, por estar no sentido de ter? 2) Para entender com mais facilidade a questão, vejam-se dois exemplos com verbos em tempos simples: I) "Passou-se um ano..."; II) "Passaram-se dois anos". Neles, não há dificuldade maior, já que o sujeito é um ano no primeiro exemplo e dois anos no segundo. Porque o verbo concorda com seu sujeito, a concordância flui com facilidade. 3) Diga-se, em seguida, o exemplo de outro modo: "Tinha-se passado um ano...". A novidade é que, em vez de um tempo simples, tem-se um tempo composto, com o verbo em locução (dois verbos fazendo o papel de um só): tinha-se passado. 4) Quando se tem uma locução verbal, podem-se afirmar os seguintes aspectos: I) o primeiro verbo é o auxiliar (tinha), e o segundo é o principal (passado); II) o verbo auxiliar é aquele que se flexiona na locução; III) o verbo principal é aquele que carrega o sentido da locução; IV) se o sujeito está no singular (um ano), o verbo - mais especificamente o auxiliar da locução - fica no singular (tinha-se...); V) se o sujeito está no plural (dois anos), o auxiliar da locução vai para o plural (tinham-se...). Ou seja: a) "Tinha-se passado um ano..."; b) "Tinham-se passado dois anos..." 5) Ora, quando o verbo ter é empregado como auxiliar em uma locução: a) quase sempre pode ser ele substituído pelo verbo haver; b) se o verbo haver é auxiliar da locução, ele se flexiona normalmente, conforme a necessidade. Exs.: I) "Havia-se passado um ano..." (correto); II) "Haviam-se passado dois anos..." (correto). 6) Para resumir a hipótese de se ter o verbo haver como auxiliar da locução: I) não é ele impessoal, mas se flexiona normalmente, II) nem deve permanecer invariável na terceira pessoa do singular, mas deve concordar com o sujeito da oração.  
quarta-feira, 6 de julho de 2011

Siglas dos estados brasileiros

1) Um leitor envia sua dúvida, aduzindo os seguintes argumentos: I) as siglas dos estados brasileiros são escritas algumas só com a inicial maiúscula (Ba), enquanto outras com todas as letras maiúsculas (RJ, MG); II) acredita ele que a sigla toda maiúscula se deve ao fato de ser composto o nome de alguns estados; III) quanto aos demais, de nomes simples, apenas a primeira letra deve ser maiúscula. 2) Num primeiro aspecto, em termos genéricos, anota-se que, para o emprego de maiúsculas e minúsculas nas siglas, José de Nicola e Ernani Terra mandam observar uma primeira regra de que "as siglas formadas por até três letras são grafadas em maiúsculas: PT, CBF, ONU, OAB, STF, etc.". 3) Acrescentam uma segunda regra de que "as siglas com mais de três letras devem ser grafadas com inicial maiúscula e as demais, minúsculas: Incra, Unesco, Fiesp, Embratur, etc.". 4) E complementam: "Se, porém, as siglas formadas por mais de três letras não puderem ser pronunciadas como se fosse uma palavra normal, também se grafarão em maiúsculas: ABNT, INSS, BNDES, CNBB, CPOR, DNER, etc.".1 5) Após essas observações, anota-se que as siglas dos vinte e seis estados e do distrito federal são, respectivamente: Acre - AC; Alagoas - AL; Amapá - AP; Amazonas - AM; Bahia - BA; Ceará - CE; Distrito Federal - DF; Espírito Santo - ES; Goiás - GO; Maranhão - MA; Mato Grosso - MT; Mato Grosso do Sul - MS; Minas Gerais - MG; Pará - PA; Paraíba - PB; Paraná - PR; Pernambuco - PE; Piauí - PI; Roraima - RR; Rondônia - RO; Rio de Janeiro - RJ; Rio Grande do Norte - RN; Rio Grande do Sul - RS; Santa Catarina - SC; São Paulo - SP; Sergipe - SE; Tocantins - TO. 6) Da observação das siglas acima, podem extrair-se as seguintes conclusões: I) Em estados com nome composto, a formação das abreviaturas aproveitou a inicial dos dois nomes: Distrito Federal - DF, Espírito Santo - ES, Minas Gerais - MG, Rio de Janeiro - RJ, Santa Catarina - SC, São Paulo - SP; II) Nessas circunstâncias, se já havia outro estado com a mesma sigla, então se fixou a diferença por algum outro modo: Mato Grosso - MT, Mato Grosso do Sul - MS; III) Quando houve, desde o início, um estado no norte e um no sul com a mesma sigla resultante, a diferença se fixou pela localização: Rio Grande do Norte - RN, Rio Grande do Sul - RS; IV) Nos estados com nome simples, buscou-se a feitura da sigla pelo aproveitamento das duas primeira letras: Acre - AC, Alagoas - AL, Amazonas - AM, Bahia - BA, Ceará - CE, Goiás - GO, Maranhão - MA, Pará - PA, Pernambuco - PE, Piauí - PI, Rondônia - RO, Sergipe - SE, Tocantins - TO; V) - Também nesse caso, se já havia uma sigla resultante por esse processo, a diferenciação se fez por algum outro artifício: Amapá - AP, Paraíba - PB, Paraná - PR, Roraima - RR. 7) Com base em todas as considerações feitas, podem-se extrair as seguintes conclusões concernentes ao caso da consulta: I) Todos os estados brasileiros e o distrito federal têm siglas com apenas duas letras, não importando a extensão de seus nomes: II) Ambas as letras de tais siglas são grafadas com maiúsculas, não importando tamanho do nome do estado nem o modo de formação da sigla; III) A sigla do estado da Bahia (BA) foi formulada pelo modo mais natural, a saber, pelo aproveitamento das duas primeiras letras; IV) A partir das considerações feitas, tal sigla, como as dos demais estados brasileiros, é grafada integralmente com maiúsculas; V) Também por conta das razões expostas, a sigla da Universidade Federal da Bahia - porque não se pronuncia como uma palavra autônoma - se escreve integralmente com maiúsculas (UFBA); VI) A escrita de toda a sigla em maiúscula independe do fato de que, eventualmente, para sua formação, haja contribuído uma palavra com mais letras do que outra (Bahia teria contribuído com duas letras, enquanto Universidade e Federal, cada qual delas com uma). ___________________ 1 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 118.
1) Um leitor pergunta qual a expressão correta para uma peça processual: I) "Requerer a produção de provas"; II) "Protestar pela produção de provas"? Indaga, adicionalmente, se há diferença, em termos de técnica processual, entre pedir e requerer. 2) O termo técnico para formular algum pedido ao juiz da causa em um processo civil, sem dúvida, é requerer, como se pode verificar pela leitura de alguns dispositivos do respectivo Código: 2º, 5º, 19, 33, 40, 64, 68, 71, 78, 83, 133, 155, 181, 222, 233, 243, 265, 273, 276, 278, 287, 325, 338, 343... 3) O sinônimo pedir às vezes é reservado para outras significações de cunho não necessariamente processual, como pedir certidões (255, 876), pedir o relator dia para julgamento (528 e 551) e formular requerimento ao Ministério Público (1.203). 4) Outras vezes, contudo, o verbo pedir também tem a exata conotação de requerer algo ao Magistrado da causa, em ato de solicitação de algo em processo civil: pedir alimentos (100, 259, 852), pedir prestações (260), pedir abstenção de prática de atos (287), pedir revisão do quanto estatuído em sentença (471), pedir juntada de documentos (555), pedir citação do devedor ou do réu (614, 874, 902, 912, 1.164), pedir que o juiz arbitre algo (854) e pedir concessão de prazo (1.071). 5) O sinônimo solicitar é reservado para um relacionamento alheio ao cerne da relação processual propriamente dita e se emprega entre pessoas ou instâncias não dispostas em hierarquia: entre escrivão de vara e secretário de tribunal (207); entre juízo deprecante e juízo deprecado (338, 475-P); entre magistrado e outra autoridade (411); entre perito e chefe de repartição pública (429); entre um julgador e seu tribunal (476); entre um julgador e outros tribunais (543-C); entre o oficial de justiça e seu juiz superior (660); entre o depositário e o juiz (835). 6) Em seguida, postular fica mais para a acepção genérica de simplesmente peticionar ou fazer pedidos, como se vê nos arts. 36, 39, 134 e 254. 7) Dos verbos de mesmo conjunto de significação, ainda resta pleitear, normalmente reservado para o sentido genérico de peticionar, como nas expressões pleitear em nome próprio (6º), pleitear de má-fé (16), pleitear o advogado no processo (134) e pleitear um direito em juízo (674). 8) Outras vezes, entretanto, pleitear tem o mesmo significado técnico-processual de requerer, como em pleitear o exequente quantia superior (475-L, 743), pleitear medidas acautelatórias urgentes (615) e pleitear medida cautelar (801). 9) Observa-se, por fim, que, contrariamente aos demais, protestar não tem o conteúdo semântico de requerer ou dos demais verbos, e sim de afirmar categoricamente ou reclamar frontalmente. 10) Com essas ponderações, de modo específico para a dúvida do leitor, pode-se afirmar o que segue: I) O termo técnico para formular processualmente algum pedido é requerer; II) Por isso, nada se pode objetar contra a expressão requerer produção de provas; III) Não estaria incorreta a mencionada expressão, nem mesmo se apreciada com rigor técnico, se fosse empregado algum dos sinônimos (pedir, solicitar, postular ou pleitear); IV) Não há base gramatical (nem mesmo jurídica) para defender o uso do verbo protestar na referida expressão. 11) Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: I) "Requerer juiz a produção de provas" (correto); II) "Pedir a produção de provas" (correto); III) "Solicitar a produção de provas" (correto); IV) "Postular a produção de provas" (correto); V) "Pleitear a produção de provas" (correto); VI) "Protestar pela produção de provas" (errado). 12) Para ilustração final, é de se dizer que corre, nos meios forenses, o relato de que, tendo um advogado protestado pela produção de provas e entendendo o Magistrado da causa que aquilo não era um efetivo requerimento, julgou o processo sem realizar a fase de instrução. A história, porém, termina por aí, porque não se sabe se houve recurso de tal decisão, nem qual seu eventual resultado.
quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pré-datado ou Pós-datado?

1) Um leitor indaga se um cheque dado hoje, com data futura e para ser cobrado depois, é pré-datado ou pós-datado. 2) Maria Helena Diniz assim faz a distinção: I) Pré-datar é lançar data com antecipação; II) Pós-datar é colocar uma data futura para que só nela o documento seja apresentado.1 3) De Plácido e Silva, depois de dizer que pós-datar significa, em princípio, datar depois, acrescenta que, "na significação jurídica... quer exprimir o ato de pôr data posterior àquela em que o documento ou o escrito se produziu, ou seja, datar o documento ou escrito com data futura".2 4) Tentemos resumir os conceitos: pré-datar é pôr em documento uma data futura, enquanto pós-datar é pôr no documento uma data posterior àquela de sua feitura. Em ambas as hipóteses, o documento é feito numa data, mas nele consta uma data posterior, para que somente nesta última venha a ser exigido. Em resumo: pré-datar e pós-datar têm rigorosamente o mesmo sentido. 5) Parece que se pode distinguir os vocábulos pela óptica do tempo em relação à ação que se considera: I) em pré-datar, avulta a ideia do momento em que se apõe a data (que é o de antes de sua efetiva apresentação); II) em pós-datar, põe-se em relevo o momento em que a ação efetivamente vai ocorrer (em que se há de dar a apresentação do cheque, por exemplo). Mas essa distinção é mera tentativa de explicação, de modo que em nada lhes altera o significado. 6) Voltando ao caso da consulta: de um cheque dado com data futura e para ser cobrado depois, tanto se pode dizer que é pré-datado como pós-datado, expressões essas que são rigorosamente sinônimas para os efeitos considerados. _________________ 1 Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, vol. III. São Paulo, Saraiva, 1998, p. 682. 2 Cf. SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico, vol. III. Rio de Janeiro. Forense, 1989, p. 396.
quarta-feira, 1 de junho de 2011

Havia ou Haviam?

1) Indaga um leitor se está correta a concordância verbal nas seguintes frases: I) "Naquela época, como haviam interesses em comum, deu certo..."; II) "Se haviam preocupações de lado a lado...". E questiona se o verbo haver não deveria ficar na terceira pessoa do singular. 2) Vale a pena lembrar, neste início, que, com o verbo existir, o termo que aparece com ele é o sujeito, e o verbo concorda com ele normalmente: I) "Existiu um aluno"; II) "Existiram dois alunos". 3) Essa variabilidade na concordância se espraia para o auxiliar, quando o verbo se apresenta em locução: I) "Deve existir um aluno"; II) "Devem existir vários alunos"; III) "Vai existir um aluno interessado"; IV) "Vão existir alunos interessados". 4) Se, porém, o verbo é haver (com o sentido de existir), fica ele invariável no singular, com o realce de que o termo que o acompanha não é sujeito, mas objeto direto: I) "Houve um aluno"; II) "Houve dois alunos". 5) Essa variabilidade ou invariabilidade na concordância espraia-se para o auxiliar, quando o verbo vem em locução: I) "Deve haver um aluno"; II) "Deve haver vários alunos"; III) "Deve existir um aluno"; IV) "Devem existir vários alunos"; V) "Vai haver um aluno"; VI) "Vai haver vários alunos"; VII) "Vai existir um aluno interessado"; VIII) "Vão existir vários alunos interessados". 6) Quanto aos exemplos da consulta, pode-se dizer deles o que segue: I) "Naquela época, como haviam interesses em comum..." (errado); II) "Naquela época, como havia interesses em comum..." (correto); III) "Se haviam preocupações de lado a lado..." (errado); IV) "Se havia preocupações de lado a lado..." (correto).  
quarta-feira, 25 de maio de 2011

Arco-íris - Qual é seu plural?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Paisano ou A paisano?

1) Uma leitora parte do princípio de que paisano é um substantivo masculino e indaga como aplicar tal vocábulo em expressões como a paisano. 2) Observa-se, num primeiro aspecto, que paisano pode ser um substantivo ou adjetivo. Nesse caso, normalmente, tem o sentido de pessoa natural de certa região, e não parece haver dificuldade no emprego ou concordância do vocábulo. Exs.: I) "Os paisanos se diferenciavam dos turistas quanto às vestes, ao modo de proceder e de se alimentar" (substantivo); II) "As camponesas paisanas pareciam mais recatadas que as turistas" (adjetivo). 3) Num segundo aspecto, importa anotar que existe a expressão invariável à paisana, a significar militar em trajes civis (e, por extensão, qualquer um que normalmente se vista de modo diferenciado e que, em certa situação, esteja com vestes informais). Exs.: I) "Em seu dia de folga, os militares desceram à paisana e foram divertir-se no clube da cidade"; II) "De olhar, conheço um padre, ainda que à paisana". 4) Resumindo para a indagação da consulta: I) A expressão é à paisana, e não a paisano; II) Tal expressão, em português, tem normalmente o significado de em trajes civis; III) Não importando outras variações sintáticas na frase, permanece ela invariável; IV) O correto é dizer "Fulano estava à paisana" ou "Beltrano estava à paisana", e não "Fulano estava a paisano" ou "Beltrano estava a paisano"; V) Também não é correto dizer "Fulano estava paisano" ou "Beltrano estava paisano".
quarta-feira, 27 de abril de 2011

Justiça ou Judiciário?

1) Um leitor parte do princípio de que os três Poderes são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário e verifica que, com frequência, fala-se não de Judiciário, mas de Justiça: "... a Justiça prendeu, a Justiça soltou...". E indaga se não deveria ser empregado o termo Judiciário. 2) Em termos de terminologia técnica, como a própria Constituição Federal faz questão de discriminar, os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (CF/88, art. 2º). 3) É verdade que, se, no exercício de sua função de solucionar os casos concretos e na aplicação da lei, o Judiciário tem por norte a busca de distribuir a justiça (cf. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º), esta nem sempre aflora quando da solução dos casos concretos. 4) De todo modo, sendo a justiça é um dos alvos precípuos do Poder Judiciário e mesmo um de seus atributos ou possíveis consequências, o certo é que, com certa frequência, se emprega o atributo em lugar do nome técnico que identifica a entidade. 5) Dá-se o nome de metonímia a essa figura de linguagem que usa uma palavra por outra, quando, entre elas, em decorrência de uma relação de contigüidade, existe uma certa interdependência1, determinada por relação de (i) efeito e causa ("As cãs [em lugar de velhice] inspiram respeito"), (ii) autor por obra ("Li Machado de Assis"), (iii) continente por conteúdo ("Uma garrafa basta para ele se descontrolar"), (iv) parte pelo todo ("Completou quinze primaveras")... 6) De modo específico para o caso da consulta, embora se reconheça que o sentido pode, eventualmente, vir a ficar tecnicamente comprometido, o certo é que o emprego de Justiça em lugar de Judiciário está correto, quando se atenta aos aspectos exclusivos da linguagem e da estilística, e isso pelo emprego da já citada figura de linguagem denominada metonímia. Exs.: I) "O Judiciário não pode ficar alheio a essa discussão" (correto); II) "A Justiça não pode ficar alheia a essa discussão" (correto). _________________ 1 Cf. LIMA, Carlos Henrique Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 15ª edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1972, p. 466.
quarta-feira, 13 de abril de 2011

Tão somente, Tão-somente ou Tãossomente?

1) Um leitor pergunta como fica a grafia da seguinte expressão após o Acordo Ortográfico: tão somente, tão-somente ou tãossomente? 2) Uma atenta leitura das alterações trazidas pelo Acordo Ortográfico mostra que este, em determinada extensão, veio para modificar o emprego do hífen nas palavras compostas, e a situação acabou ficando do seguinte modo: às vezes, passou a unir os elementos sem o emprego do hífen; outras vezes os manteve apartados, também sem a conexão pelo hífen; por fim, em alguns casos, acabou mantendo a união com o hífen, como se dava no sistema anterior. 3) No que concerne de modo específico ao caso da consulta, o que se tinha antes era uma expressa posição oficial sobre o assunto, e esta continua existindo em tais moldes após o Acordo Ortográfico. É o que se passa a explanar. 4) Parta-se, por primeiro, da premissa de que a Academia Brasileira de Letras, desde o início do século XX, por delegação conferida por lei, tem a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao vernáculo, e ela o faz por meio da publicação periódica do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5) Pois bem. Em sua edição de 2004, o VOLP registrava a grafia tão-somente, com os elementos unidos por hífen.1 6) Ao depois, na primeira edição posterior ao Acordo Ortográfico, tal obra passou a registrar a grafia tão somente, separando os elementos e fazendo desaparecer o hífen.2 7) Como o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa é a palavra oficial sobre a matéria, conclui-se que, após o Acordo Ortográfico, a grafia correta da expressão só pode ser tão somente. _____________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 747. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 781.
quarta-feira, 6 de abril de 2011

Advogada infra-assinada?

1) Um leitor pergunta se a expressão infra-assinado tem variação para o feminino (advogada infra-assinada), ou se fica invariável (advogada infra-assinado). 2) Observe-se, num aspecto preliminar, que, para o prefixo infra, o Acordo Ortográfico veio determinar que se usa o hífen, quando o elemento seguinte começa por a ou por h: infra-acústico, infra-assinado, infra-atômico, infra-hepático, infra-humano. 3) Se o segundo elemento se inicia por outra vogal, que não a, a junção se dá sem emprego do hífen: infraescrito, infraocular, infraumbilical. 4) E, se o segundo elemento se inicia por outra consoante, que não h, a junção também ocorre sem uso de hífen algum, apenas dobrando-se r e s, conforme a necessidade de manutenção do som: infrabucal, infracitado, infradotado, infrarrenal, infrassônico, infravermelho. 5) Ainda no aspecto de sua grafia, acresce dizer que tal expressão pode ser um substantivo composto (como em o infra-assinado) ou um adjetivo composto (como em o advogado infra-assinado), e, se emprega o hífen em ambos os casos. 6) De modo específico para a consulta, é de se dizer que, quer como substantivo, quer como adjetivo, o que se tem estruturalmente em tal expressão é o prefixo infra (e, portanto, um elemento invariável) e o adjetivo ou substantivo assinado (e, portanto, ambos elementos variáveis). 7) Por essa razão, assim se fazem os respectivos plurais: I) o infra-assinado, a infra-assinada, os infra-assinados, as infra-assinadas; II) o advogado infra-assinado, a advogada infra-assinada, os advogados infra-assinados, as advogadas infra-assinadas.