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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Pronome antes ou depois do verbo?

1) Um leitor pede explicações sobre a colocação do pronome nos seguintes exemplos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "A miséria compele-nos a não ter prurido". 2) Comecemos pela observação da realidade de fato do segundo exemplo: "A miséria compele-nos...". Nele, podem-se extrair os seguintes aspectos: a) Nessa oração, o sujeito é a miséria, o verbo é compele, e o complemento é nos; b) Quando se tem um exemplo nessa ordem, diz-se que ele está na ordem direta (que é a própria ordem do raciocínio lógico). 3) Quanto às regras de colocação do pronome, faz-se o seguinte raciocínio: a) O estudo para a colocação do pronome oblíquo átono centra-se no verbo, que é a base de sustentação sonora para a melhor localização do pronome, que não tem autonomia sonora); b) Se o pronome vem antes do verbo, há a próclise ("Ele se despediu"); c) Se o pronome vem no meio do verbo, há mesóclise ("Ele despedir-se-ia"); d) Se o pronome vem depois do verbo, há ênclise ("Ele despediu-se"); e) Se, como no caso, não há palavra atrativa antes do verbo, pode-se usar o pronome, facultativamente, em próclise ou em ênclise. 4) Vale dizer, na prática: a) "A miséria nos compele a não ter prurido" (correto); b) "A miséria compele-nos a não ter prurido". 5) Vamos, agora, ao primeiro exemplo: "Nosso pai sempre nos incentivou...". Nele se podem ver os seguintes aspectos: a) O sujeito é nosso pai, o verbo é incentivou, e o complemento é nos; b) O exemplo não está na ordem direta; c) Existe, antes do verbo, uma daquelas palavras atrativas; d) Especificando melhor, as palavras atrativas são as negativas (não, nunca, nada, ninguém, jamais, nem), os advérbios (sempre, frequentemente, ontem, amanhã), os pronomes relativos (que, o qual, cujo), os pronomes indefinidos (tudo, alguém) e as conjunções subordinativas (se, quando, conforme, como). 6) Ora, se existe uma palavra atrativa antes do verbo, é obrigatória a próclise. 7) Em conclusão prática para o primeiro exemplo: a) "Nosso pai sempre nos incentivou..." (correto); b) "Nosso pai sempre incentivou-nos..." (errado). 8) Resumindo as possibilidades para o caso da consulta: a) "A miséria nos compele a não ter prurido" (correto); b) "A miséria compele-nos a não ter prurido" (correto); c) "Nosso pai sempre nos incentivou..." (correto); d) "Nosso pai sempre incentivou-nos..." (errado).
quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Ovni ou Óvni? Ovnis, Óvnis ou Ovni's?

1) Um leitor, partindo do princípio de que se trata de uma sigla, indaga onde está a forma correta: Ovni ou Óvni? Ovnis, Óvnis ou Ovni's? 2) O que se busca saber no caso da consulta são dois aspectos distintos: a) o modo correto de levar uma sigla para o plural; b) como se porta o acento gráfico nas siglas e, de modo específico, na palavra referida. 3) Quanto ao primeiro aspecto, parece integralmente aceitável a lição de Napoleão Mendes de Almeida de que se pluralizam as siglas pelo acréscimo de um s minúsculo às letras já integrantes delas: CEPs, CICs, RGs.1 4) Desse entendimento também é Arnaldo Niskier, para quem "não há motivos para não marcar o plural das siglas com um s minúsculo".2 5) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques também partilham do mesmo entendimento de que, "com respeito ao plural das siglas, aceita-se o uso do s (minúsculo) para efeito de pluralização: PMS, INPMs, MPs".3 6) Tal uso de um s minúsculo ao final da sigla, para Edmundo Dantes Nascimento, "é uma solução gráfica sem aprovação de convenção acerca do assunto, mas que resolve o caso".4 7) Ressalve-se, todavia, que a pluralização da sigla, em tais casos, se dá com a simples junção de um s minúsculo, e não mediante emprego de algum apóstrofo: CEPs, CICs, RGs, e não CEP's, CIC's, RG's. 8) E, quanto ao segundo aspecto da consulta, é entendimento pacífico que não se acentuam as siglas, como é fácil perceber em PETROBRAS (que seria acentuada por se tratar de oxítona terminada por a) e em SESI (que seria acentuada por ser paroxítona terminada por i). 9) Parece importante ressaltar, a esta altura, que, não se deve confundir as siglas com as abreviaturas, e isso porque, diversamente das siglas, as abreviaturas devem ser acentuadas, se o acento estiver na parte que permanece da palavra abreviada. Exs.: fábr. (de fábrica), pág. (de página), téc. (de técnica). 10) Observa-se, por fim, em termos práticos, para a solução final do problema, que ao leitor escapou um pormenor de extremo significado. E, para dar solução adequada à questão, fixa-se por premissa que a Academia Brasileira de Letras, desde o início do século XX, por delegação conferida por lei, tem a autoridade para listar os vocábulos pertencentes ao vernáculo, e ela o faz por meio da publicação periódica do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 11) Pois bem. Em sua edição mais recente, o VOLP registra a palavra óvni, assim minúscula, com acento gráfico, e especifica que se trata não mais de uma sigla, e sim de um substantivo masculino5, o que, obviamente, permite a normal acentuação gráfica e pluralização do vocábulo. 12) Em síntese: a) óvni é, na atualidade, em nosso idioma, um substantivo masculino, e não uma sigla; b) como vocábulo normal, por se tratar de palavra paroxítona terminada por i, recebe acento agudo na vogal tônica; c) por fim, seu plural se forma naturalmente pela adição de um s (óvnis). __________ 1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 298. 2 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 111. 3 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 245. 4 Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 208. 5 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 606.
quarta-feira, 25 de julho de 2012

Sócio-gerente ou Sociogerente...?

1) Com as alterações introduzidas em nosso sistema pelo Acordo Ortográfico de 2008, quanto ao emprego do hífen, importa indagar qual a expressão correta para designar o sócio que, além de integrante do capital social, exerce uma função de comando na estrutura da empresa: sócio-gerente ou sociogerente, sócio-administrador ou socioadministrador, sócio-diretor ou sociodiretor? 2) Nunca é demais reforçar, como introdução desta resposta, que a maioria dos gramáticos estavam acordes em que o emprego do hífen era assunto que carecia de um sério e profundo trabalho de sistematização e simplificação. Longe de melhorar a situação e de atender às expectativas, todavia, o que o Acordo Ortográfico de 2008 fez foi complicar ainda mais o que já era difícil. 3) Mas tentemos solucionar a questão trazida pelo atento leitor, usando as ferramentas de que dispomos. 4) Pelo Acordo Ortográfico, quando se compõe nova palavra por justaposição de dois elementos, emprega-se o hífen, se tais elementos constituem uma nova unidade morfológica e de sentido, mantendo o acento. Exs.: arco-íris, afro-luso-brasileiro. 5) Como se vê, o critério não é firme, além do que escapa à apreciação da maioria dos usuários do idioma identificar quais os casos em que os elementos se unem para constituir nova unidade morfológica e de sentido, mantendo o acento. 6) Num caso como esse - em que se constata a ausência de critérios palpáveis para um raciocínio de convicção e certeza - a única saída é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 7) Também conhecido pela sigla VOLP, é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de nº 726, de 8/12/1900. 8) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar o substantivo composto sócio-gerente1. 9) É importante complementar com a observação de que nenhum outro substantivo composto, formado pelo primeiro elemento sócio, foi registrado pelo VOLP; não parece difícil, entretanto, concluir que os demais da consulta sigam o mesmo rumo: sócio-administrador e sócio-diretor. ____________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 762.
quarta-feira, 18 de julho de 2012

Menor impúbere

1) Um leitor indaga se a expressão menor impúbere é adequada para descrever o absolutamente incapaz - aquele com idade inferior a dezesseis anos - como comumente se vê em petições e outros documentos de cunho jurídico. 2) Para explanar a questão de modo mais didático, veja-se que, na esteira da legislação codificada anterior, o art. 3º, I, do Código Civil considera absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil o menor de dezesseis anos, e o art. 4º, I, tem por relativamente incapaz o menor com idade entre dezesseis e dezoito anos. 3) A consequência imediata dessa distinção reside no fato de que (i) o menor absolutamente incapaz não pode praticar ato algum por si, de modo que é representado por seus pais ou responsáveis, enquanto (ii) o menor relativamente incapaz pode praticar determinados atos da vida civil e, neles, é assistido por seus pais ou responsáveis (CC, art. 1.634, VI e art. 1.690, "caput"). 4) Embora a terminologia da consulta não tenha desfrutado da preferência do legislador, o certo é que a doutrina, de longa data, sempre denominou os menores absolutamente incapazes de menores impúberes, e deixou a terminologia menores púberes para os menores relativamente incapazes. 5) Quanto à etimologia, o impúbere - também conhecido como infante - é aquele que ainda não atingiu a puberdade, que não desenvolveu os pelos pubianos. Já o púbere - ou adolescente - é aquele que atingiu a puberdade, que já desenvolveu pelos pubianos. Como lembra De Plácido e Silva, essa é uma "situação que se revela pelo desenvolvimento físico da pessoa, em relação aos órgãos genitais".1 E, assim, até pela variabilidade com que se dá tal ocorrência, conclui-se que esse não é um critério científico nem seguro. 6) Para não haver dúvidas, é importante resumir dizendo que, embora não adotada por dispositivos de lei, essa é terminologia perfeitamente correta e adequada, além de uniformemente aceita pela doutrina, como se vê pela conceituação de Maria Helena Diniz, que não lhe faz reparo algum ou ressalva: a) Menor impúbere: "Aquele que conta com menos de dezesseis anos de idade, sendo absolutamente incapaz, devendo ser representado em todos os atos da vida civil". b) Menor púbere: "Pessoa relativamente incapaz, maior de dezesseis anos..., que pode praticar atos da vida civil desde que assistido pelo seu responsável".2 __________ 1 Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989, vol. III, p. 179. 2 Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, 1. ed., vol. III, p. 252.
quarta-feira, 27 de junho de 2012

Feiúra ou Feiura?

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Dêmos ou Demos?

1) Um leitor pergunta se é verdade que, com as recentes mudanças em nosso sistema de escrita, o verbo dar, na primeira pessoa do plural do presente do indicativo, passou a ser acentuado. 2) Reitere-se que o Acordo Ortográfico de 2008 não veio para simplificar, nem mesmo para unificar a escrita, e sim, em diversos aspectos, para regularizar e justificar a duplicidade de grafias e de pronúncias entre os usuários do idioma em Portugal (e países outros por ele colonizados) e no Brasil. 3) Seguindo essa orientação, criou tal sistema a dupla e facultativa possibilidade de grafia, mediante a diferenciação, pelo acento agudo, na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (louvámos, adorámos e falámos), formas essas pronunciadas de modo aberto em Portugal, para opor-se à primeira pessoa do plural do presente do indicativo (louvamos, adoramos e falamos). 4) Em critério um pouco diverso - já que aqui a forma aberta é exatamente a que não se acentua - quanto ao verbo dar, facultou o emprego do acento circunflexo em dêmos (1ª pessoa do plural do presente do subjuntivo) para se distinguir de demos (1ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo). 5) Como tal acento é facultativo, confiram-se os seguintes exemplos, com a indicação de seu acerto ou erronia entre parênteses: a) "Quando o inimigo nos fere, é preciso que demos a outra face" (correto); b) "Quando o inimigo nos fere, é preciso que dêmos a outra face" (correto); c) "No passado, não demos a outra face" (correto); d) "No passado, não dêmos a outra face" (errado).
quarta-feira, 30 de maio de 2012

No que couber ou No que couberem?

1) Um leitor traz uma dúvida que tem causado, em seu círculo de amigos e colegas de profissão, debates intermináveis: no que couber ou no que couberem? 2) Por questão de facilidade didática, são propostos dois exemplos em que aparece a expressão mencionada, com pequeno ajuste para explicitar melhor o problema (em vez de no, aparece naquilo): a) "Esse princípio será aplicável naquilo que couber"; b) "Esses princípios serão aplicáveis naquilo que couber". 3) Nesses dois exemplos, verifica-se que o que é um pronome relativo, o que, na prática, se percebe, procedendo-se à sua substituição por o qual. 4) Ora, um pronome relativo começa uma segunda oração, de modo que as orações do primeiro exemplo são as seguintes: a) "Esse princípio será aplicável naquilo" (oração principal); b) "que couber" (oração subordinada adjetiva [um pronome relativo começa exatamente uma oração adjetiva]). 5) Ora, num exemplo como esse, chama-se ao que de pronome relativo por duas razões: a) está ele em lugar de um nome anteriormente mencionado; b) relaciona-se a esse nome quanto ao sentido e o representa sintaticamente na nova oração. 6) A partir dessas premissas, podem-se fazer as seguintes afirmativas no caso concreto: a) O sentido do texto mostra que o antecedente do que - em cujo lugar ele está, com o qual se relaciona em sentido e ao qual representa sintaticamente na outra oração - é aquilo (veja-se: naquilo = em + aquilo); b) Deixar no singular ou levar para o plural o verbo que vem após o que não depende do sujeito da oração anterior, mas apenas do antecedente do que, já que este é sujeito da segunda oração. 7) Confira-se, portanto, a correção dos exemplos da consulta: a) "Esse princípio será aplicável naquilo que couber"; b) "Esses princípios serão aplicáveis naquilo que couber". 8) Para ilustração sobre a flexão de um verbo de segunda oração, quando nesta há um que que é sujeito, também se confiram os seguintes exemplos, todos corretos: a) "O vigia não viu o ladrão que entrou"; b) "Os vigias não viram o ladrão que entrou"; c) "O vigia não viu os ladrões que entraram"; d) "Os vigias não viram os ladrões que entraram".
quarta-feira, 16 de maio de 2012

Preeminente ou Proeminente?

1) Um leitor relata ter sido aluno de conhecido professor, e este sempre insistia em que preeminente era a forma correta, enquanto proeminente seria a forma errada. E indaga o leitor qual a forma correta da expressão. 2) Observe-se, num primeiro aspecto, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra ambas as palavras: preeminente e proeminente.1 3) Ora, o VOLP é editado pela Academia Brasileira de Letras, e esta detém a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes em nosso idioma, de modo que não remanesce dúvida quanto à efetiva existência de ambos os vocábulos no vernáculo. 4) Num segundo aspecto, uma consulta aos dicionários revela que proeminente tem o sentido primário e físico daquilo que avança em ponta, como maçãs do rosto proeminentes ou queixo proeminente. 5) Desse sentido físico, passou-se ao sentido metafórico, para indicar aquele ou aquilo que se eleva acima do que está em volta, ou aquele que se destaca por qualidades intelectuais ou morais em seu meio. Exs.: a) "Falo aos cidadãos proeminentes desta cidade"; b) "Buscava garimpar ideias proeminentes, que pudessem frutificar nas mentes dos concidadãos". 6) Já para preeminente, os dicionários referem a acepção daquilo que está muito acima do que está em sua volta, ou superior, ou excelso, ou sublime, ou que se distingue pelo mérito ou saber, ou nobre, distinto, ilustre. Exs.: a) "Um saber assim preeminente não pode ficar escondido"; b) "Ideias preeminentes foram explicitadas naquela reunião". 7) Da comparação entre as acepções e os exemplos, pode-se concluir em síntese: a) proeminente, por um lado, tem um sentido físico, que não se encontra em preeminente; b) no sentido metafórico, todavia, proeminente é sinônimo de preeminente. __________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 673 e 677.
quarta-feira, 9 de maio de 2012

Fôrma ou Forma?

1) Um leitor indaga se a escrita correta da palavra sinônima de molde, após as recentes mudanças em nossa ortografia, é fôrma ou forma. Na hipótese de ser a primeira delas, questiona o motivo, já que, antes da reforma, a palavra não tinha esse acento. 2) Ora, pela Lei 5.765, de 18.12.71, que alterou, em seu tempo, algumas regras de nossa ortografia, em simplificação nesse campo, determinou-se que não mais se acentuariam e e o das palavras de timbre fechado, sinal esse que, até então, era usado para diferenciá-las dos vocábulos que apresentavam fonemas de timbre aberto: almôço / almoço, comêço / começo, colhêr / colher. 3) E tal lei, àquela época, manteve, como única exceção, o acento diferencial em pôde (pretérito perfeito do indicativo de poder - "Ele pôde no passado") para diferenciar de pode (presente do indicativo - "Ele pode nos dias de hoje"). 4) Era clara a justificativa para a exceção: era necessário distinguir entre formas de um mesmo verbo que apenas se empregava em tempos diversos. 5) Por um lado, o Acordo Ortográfico de 2008 manteve, de modo expresso, o acento circunflexo diferencial em pôde (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo de poder) para diferenciá-la de pode (terceira pessoa do singular do presente do indicativo de poder). 6) Por outro lado, não se pode esquecer que, mesmo no sistema anterior, havia autores, como Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu conhecido dicionário, que preconizavam a necessidade de excepcionar ao menos um outro caso de fácil confusão, a saber, forma (ô), a significar modelo para se conferir o molde desejado, de difícil distinção da palavra forma (ó), com o sentido de feitio, configuração, aspecto particular. 7) E alinhava tal autor, já àquela época, uma quadra de Manuel Bandeira, no poema Estrela da Vida Inteira, em que a ausência de acento simplesmente impossibilitava perceber o sentido da estrofe: "Vai por cinquenta anos / Que lhes dei a norma: / Reduzi a sem danos / A fôrmas a forma".1 8) Pois bem. O Acordo Ortográfico de 2008 tomou as seguintes providências nesse campo: a) manteve a abolição genérica do acento diferencial de timbre; b) fez permanecer, com obrigatoriedade, a exceção do acento sobre pôde (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito de poder) para diferenciar de pode (terceira pessoa do singular do presente do indicativo de poder); c) em inovação, facultou o uso do acento circunflexo em fôrma (substantivo de timbre fechado) para distingui-la de forma (substantivo de timbre aberto ou verbo no presente do indicativo ou no imperativo). 9) Ante essa novidade, faz-se importante observação: sendo facultativo o acento, vejam-se os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Não quero moldar minha vida em fôrmas rígidas e sem sentido" (correto); b) "Não quero moldar minha vida em formas rígidas e sem sentido" (correto); c) "Mais importante é o conteúdo do que a forma" (correto); d) "Mais importante é o conteúdo do que a fórma" (errado). _________ 1 Cf. FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 645.
quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pôr-de-sol, Por de sol ou ...?

1) Com as alterações introduzidas em nosso sistema pelo Acordo Ortográfico de 2008, é oportuno observar como fica, quer quanto ao hífen, quer quanto ao acento gráfico, a escrita da expressão: pôr-de-sol, por-de-sol, pôr de sol ou por de sol? 2) Como é de fácil percepção, deve-se partir a questão em dois aspectos: a) o primeiro elemento da expressão continua com o acento circunflexo ou o perdeu?; b) há hífen para separar os elementos da expressão ou não? 3) Num primeiro aspecto, anota-se que, antes das recentes mudanças em nossa ortografia, a regra era acentuar a forma verbal pôr, para distingui-la da preposição por. 4) A explicação para essa ocorrência era que o verbo configurava uma forma tônica, enquanto a preposição, uma forma átona, de modo que se empregava, assim, na primeira, um acento diferencial de tonicidade. 5) Pois bem. Esse acento foi expressamente mantido pelo Acordo Ortográfico de 2008, como se pode conferir nos seguintes exemplos: a) "O trabalho foi feito por ele" (preposição); b) "É preciso pôr os pingos nos is" (verbo). 6) Num segundo aspecto, antes das recentes mudanças, havia, sim, o hífen para separar os elementos de tal palavra, de modo que a escrita correta era pôr-de-sol.1 7) Buscando simplificar o mais possível a grafia nesse aspecto, o Acordo Ortográfico de 2008, mantendo raras exceções já consagradas pelo uso, eliminou o hífen das locuções substantivas. 8) No rol desse vocábulo em que se eliminou o hífen, acha-se a locução pôr de sol, como se pode comprovar no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.2 9) Vejam-se, desse modo, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Dificilmente haverá um pôr-de-sol como aquele" (errado); b) "Dificilmente haverá um pôr de sol como aquele" (correto); c) "Dificilmente haverá um por-de-sol como aquele" (errado); d) "Dificilmente haverá um por de sol como aquele" (errado). 10) Apenas para ilustração complementar, frisa-se que o plural de pôr de sol é pores de sol. __________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 638. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 668.
1) Na prática, surge a dúvida acerca de qual a forma correta entre as seguintes: a) "Não há falar em nulidade no caso vertente"; b) "Não há falar-se em nulidade no caso vertente"; c) "Não há que falar em nulidade no caso vertente"; d) "Não há que se falar em nulidade no caso vertente". 2) De início, para o que interessa a este assunto, importa observar que, numa primeira estrutura, o verbo haver pode vir seguido de um infinitivo, em expressão com o sentido de não é possível, não cabe. Exs.: a) "Não há fugir a essa evidência"; b) "Não há confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; c) "No caso, não há falar em coisa julgada". 3) Nesse caso, lembra Francisco Fernandes que "também pode concorrer o elemento que entre a forma do verbo haver e o infinitivo"1. Exs.: a) "Não há que fugir a essa evidência"; b) "Não há que confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; c) "No caso, não há que falar em coisa julgada". 4) Ainda com mesma estrutura, o verbo haver pode vir seguido de que + infinitivo e tem o sentido de é preciso, é necessário, e, nessa hipótese, a presença do que é obrigatória. Exs.: a) "No caso, não há que olvidar o princípio da boa-fé"; b) "Num país democrático, há que respeitar a liberdade de expressão". 5) Num segundo aspecto, considerem-se os seguintes exemplos (e, desde logo, se diga que todos estão corretos): a) "Não há falar"; b) "Não há falar-se"; c) "Não há que falar"; d) "Não há que se falar". 6) Nesse caso, o primeiro exemplo de cada uma das séries ("Não há falar" e "Não há que falar"): a) não tem a presença do se; b) o infinitivo é impessoal, e c) tal verbo não tem sujeito. 7) Já o segundo exemplo de cada uma das séries ("Não há falar-se" e "Não há que se falar"): a) tem um se; b) este se é símbolo de indeterminação do sujeito; c) o sujeito, portanto, é indeterminado, e d) o infinitivo é pessoal. 8) Desse modo, o que se pode afirmar, em síntese, é que estão corretos todos os exemplos da consulta, cada um com suas peculiaridades sintáticas: a) "Não há falar em nulidade no caso vertente"; b) "Não há falar-se em nulidade no caso vertente"; c) "Não há que falar em nulidade no caso vertente"; d) "Não há que se falar em nulidade no caso vertente". 9) E, quanto aos demais exemplos, vejam-se suas variações linguísticas, todas corretas: a) "Não há fugir a essa evidência"; b) "Não há que fugir a essa evidência"; c) "Não há fugir-se a essa evidência"; d) "Não há que se fugir a essa evidência"; e) "Não há confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; f) "Não há que confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; g) "Não há confundir-se o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; h) "Não há que se confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; i) "No caso, não há falar em coisa julgada"; j) "No caso, não há que falar em coisa julgada"; k) "No caso, não há falar-se em coisa julgada"; l) "No caso, não há que se falar em coisa julgada"; m) "No caso, não há que olvidar o princípio da boa-fé"; n) "No caso, não há que se olvidar o princípio da boa-fé"; o) "Num país democrático, há que respeitar a liberdade de expressão"; p) "Num país democrático, há que se respeitar a liberdade de expressão". _______________ 1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 371.
quarta-feira, 4 de abril de 2012

Viva os brasileiros! Ou Vivam os brasileiros!?

1) Em expressões como "Viva o rei!", surgem problemas, quando o substantivo está no plural: "Viva os reis!" ou "Vivam os reis!"? 2) Para Antenor Nascentes, trata-se de interjeição: "Viva os Estados Unidos!"1, do que decorreria a conclusão de que se trataria de palavra invariável. 3) Para Domingos Paschoal Cegalla, que acaba por não se posicionar acerca da correção ou erronia do modo de expressão, mas parecendo inclinar-se para a tese da invariabilidade, "o povo sente a palavra viva como interjeição de aclamação, portanto, invariável"; e complementa tal autor que, "aliás, em francês se usa de preferência o singular: Vive les vacances!".2 4) Após observar que alguns gramáticos classificam esse vocábulo como interjeição, hipótese em que é invariável, enquanto outros a inserem na categoria dos verbos, caso em que a fazem variar de acordo com o respectivo sujeito, leciona Luís A. P. Vitória que "fica, pois, ao arbítrio de cada um escolher a forma que mais lhe aprouver".3 5) Não parece defensável, todavia, classificar viva como interjeição nesses casos, quer porque lhe falta o sentido vago e extragramatical próprio de tal categoria de palavras, quer porque a força exclamativa reside na oração como um todo, e não na palavra isoladamente. 6) Em realidade, o mais adequado é concluir que o sentido da expressão é optativo, indicador de uma vontade expressa por quem diz a frase: "Eu desejo que o rei viva", ou, simplesmente, "Que viva o rei!"4; do que decorre o plural "Eu desejo que os reis vivam", ou, simplesmente, "Que vivam os reis!". 7) Alfredo Gomes equipara o exemplo "Viva a República Brasileira!", sem qualquer complementação, simplesmente a "Viva meu pai longos anos", observando apenas que ambos os exemplos constituem hipóteses em que o sujeito substantivo vem depois do verbo5, assertiva essa de que se extrai a conclusão de que tais frases, com o sujeito no plural, assim ficariam: "Vivam as Repúblicas sul-americanas!" e "Vivam nossos pais longos anos". 8) De Arnaldo Niskier é a seguinte síntese: "Os verbos viver e morrer nas frases exclamativas devem concordar normalmente com o sujeito; são verbos e não interjeições". Exs.: a) "Viva o Sol!"; b) "Vivam as férias!"; c) "Morram os nazistas!".6 9) Para Silveira Bueno, no exemplo "Vivam os índios!" - que equivale à frase optativa (ou desiderativa) "Que os índios vivam" - , sendo vivam um verbo, deve ele ir para o plural".7 10) No entendimento de Laudelino Freire, "nas orações optativas assim construídas - 'Viva o Brasil', 'Morra a anarquia' - os sujeitos são respectivamente o Brasil, a anarquia".8 11) Sousa e Silva, sem comentários outros, afirma que tal vocábulo "concorda com o nome a que precede: 'Vivam nossos pais!'".9 12) Ante tais considerações, o mais adequado, então, é dizer "Vivam os reis!", harmonizando-se regularmente o sujeito com o seu verbo, como determinam as normas de concordância verbal, sendo tão flagrante a natureza verbal da palavra, que até lhe podemos encontrar, no caso, o antônimo morra. Exs.: a) "Viva o rei!"; b) "Vivam os reis!"; c) "Morra o rei!"; d) "Morram os reis!". 13) Quanto à expressão "Viva às férias", presente no Ateneu, de Raul Pompéia, anota Aires da Mata Machado Filho que tal autor "sentiu a natureza verbal da palavra viva. Mas, como lhe repugnou o plural, que o verbo exige, tratou de reduzir o sujeito a objeto direto, perpetrando, assim, um assassínio gramatical".10 14) Resuma-se o problema com lição do mesmo gramático citado, presente em outra obra: "A falta de costume de ver o verbo no plural é que induz à procura de explicações para o singular, onde só o plural é possível, em face das regras gramaticais".11 15) E se complemente com lição de José de Sá Nunes, o qual, a um consulente que lhe indagava se estava correta a expressão "Viva as férias!", respondeu de modo categórico: "Certa não está, pois o sujeito é as férias, com que deve concordar o verbo vivam. Quem diz 'viva as férias' perpetra solecismo". 16) Para confirmar seu ponto de vista, alinha tal autor significativos exemplos de abalizados escritores no sentido da lição por ele proferida: a) "Vivam as musas!" (Machado de Assis); b) "Vivam os bons e morram os maus" (Ernesto Carneiro Ribeiro); c) "Vivam todos esses intrépidos jacobinos da literatura" (Castilho).12 17) Em precisa lição - após observar que, em francês, o termo é verbo ("Vive la liberté!" - "Vivent les braves!"), mas em italiano, interjeição ("Viva i nostri benefattori!" - "Viva le donne oneste!"), acrescentando que "cada língua tem sua índole e quer-se respeitada" - anota o Padre José F. Stringari que, em orações desse jaez, no vernáculo, "o termo viva não é interjeição, mas sim verbo e, como tal, deve concordar com o sujeito: Viva o Brasil! Vivam os brasileiros!" 18) E exemplifica o padre gramático com textos de autores os mais abalizados: a) "Viva a minha amiga corça gentil!" (Machado de Assis); b) "Vivam os vivos!...Vivam as flores!... Vivam as musas!... Vivam os sineiros de outros anos!" (Machado de Assis).13 19) Para rematar, em lição que pode ser tomada como verdadeira síntese do assunto, de Silveira Bueno é o seguinte ensinamento para estruturas desse jaez: "Não devemos perder mais tanto tempo com cousas já decididas. Perante todos os luminares da filologia portuguesa está liquidado o caso: trata-se de orações optativas, em que o verbo viva deve concordar com o sujeito que se lhe segue imediatamente. Donde: Viva Tiradentes! Vivam os Inconfidentes!".14 ____________________ 1 Apud STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 72. 2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 414. 3 Cf. VITÓRIA, Luís A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 243-244. 4 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 209. 5 Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 328. 6 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 96. 7 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2. vol., p. 483. 8 Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 40. 9 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 314. 10 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Principais Dificuldades". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 69. 11 Ibid., vol. 2, p. 718. 12 Cf. NUNES, José de Sá. Aprendei a Língua Nacional (Consultório Filológico). São Paulo: Saraiva, 1938. vol. I, p. 88. 13 Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 71-72. 14 Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 216.
quarta-feira, 28 de março de 2012

Crase para evitar ambiguidade

1) Alguns leitores indagam qual a forma correta: venda à vista ou venda a vista. E alguns até mesmo raciocinam com a substituição por um masculino para defender a inexistência de crase: venda a prazo; se não aparece ao no masculino - raciocinam - não há crase no feminino. 2) Ora, normalmente, diz-se haver crase quando se fundem duas vogais idênticas. Nos casos mais comuns, um a (preposição) se encontra com outro a (artigo, pronome ou o início do pronome demonstrativo aquele, aquela, etc.). Seu símbolo é o acento grave. Exs.: a) "Vou à cidade" (preposição + artigo); b) "Esta situação é semelhante à anterior" (preposição + pronome); c) "Dediquei-me àquela tarefa" (preposição + início do pronome aquele ou similar). 3) Vale a pena esclarecer: o acento não é a crase, mas apenas o indicador de que ali ocorreu esse fenômeno de encontro de duas vogais idênticas. Por isso, o usuário não emprega a crase, mas o acento que representa sua ocorrência. Por facilidade, todavia, costuma-se dizer que se "usa a crase", e não que se "usa o acento indicador de ocorrência do fenômeno da crase", embora tal seja tecnicamente o que ocorre. 4) No caso da consulta, todavia, é oportuno dizer que não se usa a crase por motivos técnicos, e seu acento indicador não reflete a fusão de vogais idênticas, mas ele é utilizado apenas para evitar a ambiguidade, a duplicidade de sentido. 5) Exatamente por essa razão é que assim se escreve: a) "Matar à fome" (deixar sem comer) para diferenciar de "Matar a fome" (dar de comer); b) "Receber à bala" (receber atirando) para diferenciar de "Receber a bala" (ganhar uma guloseima); c) "Pintar à mão" (pintar com a mão) para diferenciar de "Pintar a mão" (passar tinta ou esmalte na mão); d) "Cheirar à gasolina" (exalar o cheiro de gasolina) para diferenciar de "Cheirar a gasolina" (aspirar o cheiro da gasolina). 6) Em todos esses casos, uma análise técnica demonstraria a inexistência do fenômeno da crase, e a justificativa de seu emprego reside exclusivamente no argumento de afastar a ambiguidade, a duplicidade de sentido. 7) É também desse rol o exemplo "Venda à vista" (venda em parcelas), em que também se dá a inexistência de motivos técnicos para crase, e basta a substituição por um substantivo masculino para verificar essa realidade: "Venda a prazo" (e não "Venda ao prazo"). Mas, analisando melhor o exemplo "Venda a vista", vê-se como possível a ocorrência de ambiguidade, por se poder entender vista como substantivo e alvo da própria venda (imagine-se a hipótese de alguém vendendo a própria córnea por esta ou aquela razão). 8) Em outras palavras: é de fácil percepção a possibilidade de duplo sentido na expressão trazida pela consulta. Daí a justificativa para uso da crase, que - repita-se - não é empregada por motivos de técnica e de real existência de fusão de duas vogais idênticas, mas apenas e tão somente para evitar ambiguidade.
1) Um leitor pergunta qual a forma correta: "Dá à causa o valor de..." ou "Dá-se à causa o valor de...". 2) Observe-se, desde logo, que ambas as expressões são corretas, cada uma com as suas peculiaridades sintáticas. 3) Para o primeiro exemplo - Dá à causa o valor de... - siga-se o raciocínio do autor em uma petição inicial: a) Vem (ele, autor) à presença do magistrado para expor os fatos; b) Expõe (ele, autor) os fundamentos de direito; c) Promove (ele, autor) a ação; d) Requer (ele, autor) a citação do réu e a possibilidade de produzir todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico; e) Por fim, dá (ele, autor) à causa o valor de... 4) Nesse caso: a) O sujeito de dar está oculto; b) Facilmente identificável, é ele (o autor da demanda); c) Importa observar que, se houver mais de um autor para a ação, então a correta expressão será "Dão à causa o valor de..."; d) Essa variação para o plural é consequência lógica da concordância verbal; e) Em tal caso, outros verbos da petição inicial da ação também haverão de ir para o plural: i) "Vêm (eles, autores) à presença do magistrado para expor os fatos"; ii) "Expõem (eles, autores) os fundamentos de direito"; iii) "Promovem (eles, autores) a ação"; iv) "Requerem (eles, autores) a citação do réu e a possibilidade de produzir todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico..." 5) Para o segundo dos exemplos - Dá-se à causa o valor de... - outro há de ser o raciocínio: a) Uma frase como essa, que conta com a presença de um se nesses moldes, chama-se reversível; b) Isso quer dizer que tal frase pode ser dita de outro modo; c) Já revertida, tal frase fica assim: "É atribuído à causa o valor de..."; d) Na ordem direta, tal frase revertida fica deste modo: "O valor de... é atribuído à causa". 6) Em frases assim reversíveis, que contem com a presença de um se nos moldes referidos, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) O exemplo que conta com o se está na voz passiva sintética; b) O se é partícula apassivadora; c) A expressão o valor é sujeito (e não objeto direto); d) O exemplo revertido - "É atribuído à causa o valor de..." - está na voz passiva analítica; e) É atribuído é uma locução verbal; f) O valor de também é sujeito na frase revertida. 7) Reitere-se, por fim, como remate, a observação inicialmente feita: ambas as estruturas são gramaticalmente corretas, cada qual delas com suas peculiaridades sintáticas.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dona - como abreviar?

1) Uma leitora pergunta como se deve abreviar a palavra Dona. 2) Diga-se, de início, que abreviar uma palavra é representá-la por uma ou algumas de suas letras: art. por artigo, inc. por inciso, par. por parágrafo, decr. por decreto. 3) O Formulário Ortográfico oficial traz registradas as reduções mais correntes, mas não mostra uniformidade de critérios, é confuso e deficiente nesse campo, deixando sem solução diversos problemas. 4) Ante a deficiência dos critérios oficiais sobre a questão, o melhor é concluir que ao usuário do idioma assiste certa liberdade para abreviar as palavras e expressões, guardados determinados parâmetros e princípios. 5) Lembram-se, todavia, aqui, duas regras importantes nesse processo. Uma primeira: para abreviar, sempre que possível, deve-se terminar a abreviatura em consoante, não em vogal. Ex.: filosofia pode ser abreviada como filos. ou fil., mas não filo. 6) Uma segunda regra: se na parte constante da abreviatura aparece o acento gráfico da palavra, deve ele continuar na abreviatura. Ex.: em página, pode-se abreviar como pág., mas não como pag. 7) De modo específico para o caso da consulta, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a incumbência oficial de zelar pelo idioma, ao trazer as reduções mais correntes, reserva para dona nada menos do que quatro modos de abreviar: D., d., D.ª e Da.1 8) O próprio VOLP traz os motivos para o número de reduções e para os critérios adotados em sua elaboração: a) as reduções que ele registra são "o resultado de uma coleta relativamente ampla de reduções em uso em livros publicados em português no século XX"; b) "uma palavra pode estar reduzida de duas ou mais formas"; c) isso se dá, porque "as reduções poderão ser mais ou menos fortes";d) "busca-se economizar o mais possível com as reduções, mas, concomitantemente, diminuir o mais possível as ambiguidades e obscuridades"2 _________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 868. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 865.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Amámos ou Amamos?

1) Um leitor indaga se as recentes modificações na Ortografia passaram a obrigar o uso do acento agudo na forma verbal amámos (pretérito perfeito) para distingui-la de amamos (presente do indicativo). 2) Ora, contrariamente ao que muitos pensam, o Acordo Ortográfico de 2008 não veio para simplificar a escrita; seu objetivo maior foi justificar as escritas de Brasil e Portugal, ou, talvez, sistematizá-las, mediante a permissão de emprego de formas distintas usadas em ambos os países. 3) Assim, para acertar a duplicidade de pronúncias dos dois países, criou ele a dupla possibilidade de grafia, mediante a diferenciação, pelo acento agudo, da primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (louvámos, adorámos e falámos), formas essas pronunciadas de modo aberto em Portugal, para opor-se à primeira pessoa do plural do presente do indicativo (louvamos, adoramos e falamos). 4) Vale lembrar que, no Brasil, com raras exceções de usuários que tiveram contatos prolongados com Portugal, não se faz distinção de pronúncia entre a primeira pessoa do plural do presente do indicativo e a primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, de modo que ambas são aqui pronunciadas com som fechado. 5) Mas, em termos do que é a situação após o Acordo Ortográfico de 2008, sintetize-se a questão com duas observações: a) O acento ocorre no pretérito perfeito, mas não no presente do indicativo; b) Tal acento é facultativo, e não obrigatório. 6) Com essas premissas, confiram-se, quanto à grafia, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Será que hoje amamos os inimigos?" (correto); b) "Será que hoje amámos os inimigos?" (errado); c) "Será que, no passado, amamos os inimigos?" (correto); d) "Será que, no passado, amámos os inimigos?" (correto).
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A mim me parece

1) É correta a repetição, em pleonasmo, de um pronome pessoal oblíquo átono por um tônico. Exs.: a) "A mim me parece que o recurso é intempestivo"; b) "A ela, não lhe ficou a ideia de que estavam dizendo a verdade". 2) Na lição de Vitório Bergo, trata-se de construção irrepreensível, apesar de pleonástica, e isso porque "o pleonasmo deixa de considerar-se vício para classificar-se como figura desde que, sem tornar deselegante a frase, contribua para dar maior relevo à ideia"1. 3) Mário Barreto, em corroboração, leciona que "uma boa coleção de pleonasmos possui a língua portuguesa na combinação das formas pronominais, tônicas e atônicas, podendo o pronome absoluto preceder o pronome conjunto complemento: dá-lhe a ele; a mim parece-me que...; parece-me a mim que...; a ti não te faço mal; a mim basta-me a satisfação de ter descoberto estas pérolas; a ele eu não lhe disse nada; ele disse-mo a mim...."2. 4) Nas palavras de Laudelino Freire, "é de boa linguagem reforçar o pronome objeto com o pronome oblíquo correspondente, ou com o pronome ele, precedidos um e outro da preposição a. Exs.: Mato-me a mim; Sirva-lhes a eles de castigo"3. 5) A autoridade de Vasco Botelho de Amaral, de igual modo, não deixa dúvidas acerca da possibilidade de emprego de pleonasmos dessa natureza: "Parece-me a mim, deu-nos a nós, falou-lhe a ele e similares não devem proscrever-se, porque tal condenação privaria o idioma de construções espontâneas, corretas, portuguesíssimas que se topam amiúde nas mais brilhantes páginas". 6) E arrola tal gramático4 exemplos de insuspeitos autores: a) "Me dês a mim certíssima resposta" (Camões); b) "Parecia-me a mim que se haviam de levantar todos, e irem-se lançar aos pés de Cristo" (Padre Antônio Vieira); c) "A mim não se me pega nada" (Almeida Garrett); d) "Quem me diz a mim que a grenha ruça não vai ao pé de nós?" (Antônio Feliciano de Castilho). __________ 1 Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. v. II, p. 183. 2 Cf. BARRETO, Mário. Através do Dicionário e da Gramática. 3. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 264. 3 Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 98. 4 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. A Bem da Língua Portuguesa. Lisboa: Ed. da Revista de Portugal, 1943. p. 38.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A domicílio ou Em domicílio?

1) Lembra Laurinda Grion que "em domicílio e a domicílio são locuções que têm emprego diverso; a primeira se usa com verbos ou nomes estáticos; a segunda, com verbos ou nomes dinâmicos"1. 2) Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia: a) "Levam-se compras a domicílio" (correto); b) "Levam-se compras em domicílio" (errado); c) "Corta-se cabelo em domicílio" (correto); d) "Corta-se cabelo a domicílio" (errado); e) "Atende-se em domicílio" (correto); f) "Atende-se a domicílio" (errado). 3) Tendo por objeto de análise a expressão "Entregas em domicílio", de igual modo se expressam José de Nicola e Ernani Terra: "Trata-se de uma expressão correta. Observe que dizemos: entregas em casa, no escritório, no endereço solicitado. Devemos usar a expressão a domicílio quando se emprega verbo que indica movimento: levar a domicílio, enviar a domicílio, ir a domicílio, etc."2 4) Atestando o que ocorre na linguagem coloquial, leciona Domingos Paschoal Cegalla: "a locução adverbial a domicílio é hoje usada, indistintamente, com verbos que indicam movimento (como levar, enviar, etc.), ou não: Levamos encomendas a domicílio; Damos aulas de violão a domicílio". 5) E até mesmo acrescenta tal autor: "Embora correta, a locução em domicílio se divorcia da língua corrente"3. 6) Em outra passagem, todavia, muito embora lembre que "a língua corrente não faz essa distinção", mas "usa exclusivamente a domicílio", concorda o mencionado autor com o posicionamento doutrinário anteriormente expendido por outros gramáticos, no que concerne aos textos que devam submeter-se à norma culta: e leciona que, por um lado, "a expressão a domicílio complementa verbos que pedem a preposição a"; por outro lado, "se o verbo exige a preposição em, a expressão adequada é em domicílio"4. Exs.: a) "Levam-se encomendas a domicílio"; b) "Leciona-se piano em domicílio". 7) O melhor, em realidade, parece ser distinguir, de modo efetivo, entre verbos ou vocábulos de significação estática ou dinâmica: com os primeiros, usa-se em domicílio; com os segundos, a domicílio. 8) Importa ilustrar, por fim, que, contrariando o tradicional apuro da linguagem da legislação codificada, o atual Código Civil incide em equívoco nesse ponto: "Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio..." (CC/2002, art. 752, "caput"). Corrija-se: ... entrega em domicílio... __________________ 1 Cf. GRION, Laurinda. Mais Cem Erros que um Executivo Comete ao Redigir. São Paulo: Edicta, sem data, sem ed. p. 10. 2 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 97. 3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Op. cit., p. 13, nota 25. 4 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 199. P. 127.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Dano moral ou Danos morais?

1) Um leitor indaga, sem maiores considerações, se o correto é falar indenização por dano moral ou indenização por danos morais. 2) Respondendo, desde logo, e diretamente, a indagação do leitor, anota-se que tanto se pode falar em dano material ou patrimonial, como em danos materiais ou patrimoniais, já que tal braço se espraia em diversos segmentos (dano patrimonial direto, dano patrimonial indireto, dano pauliano [resultante de fraude contra credores], dano por ricochete, dano direto, dano remoto...). 3) De mesmo modo, em contrapartida, pode-se falar em dano moral ou danos morais, já que aqui se enfeixam diversas modalidades: dano moral direto, dano moral indireto, dano moral indireto pela perda de bens patrimoniais com valor afetivo... 4) Ou seja: tanto o dano material como o dano moral se compõem de diversas secções, fragmentos ou espécies, e, assim, pode-se perfeitamente falar também em danos materiais e danos morais. 5) Vejam-se alguns casos de opção de nossa legislação pelo circunlóquio dano moral: a) "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:... VI) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho" (CF/88, art. 114, VI); b) "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" (CC, art. 186); c) "O ofendido por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no Juízo Civil, a reparação do dano moral, respondendo por este o ofensor e, solidariamente, o partido político deste, quando responsável por ação ou omissão a quem que, favorecido pelo crime, haja de qualquer modo contribuído para ele" (Código Eleitoral, art. 243, § 1º); d) "No que couber aplicar-se-ão na reparação do dano moral, referido no parágrafo anterior, os artigos 81 a 88 da Lei 4.117, de 27/8/1962" (Código Eleitoral, art. 243, § 2º). 6) Vejam-se, por outro lado, alguns casos de preferência pela expressão danos morais: a) "São direitos básicos do consumidor: ... VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" (CDC, art. 6º, VI); b) "São direitos básicos do consumidor: ... VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados".