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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pronome de tratamento - Diretor de escola

1) Um leitor indaga qual o pronome de tratamento que se deve dar a um diretor de escola agrotécnica federal. 2) Ora, Pronome de Tratamento, também denominado Pronome de Reverência, é a maneira formal para se dirigir a determinadas pessoas. 3) Para alguns cargos, os pronomes de tratamento são específicos: arcebispo (Vossa Excelência); bispo (Vossa Excelência); cardeal (Vossa Eminência); comandante geral da Polícia Militar (Vossa Excelência); deputado (Vossa Excelência); desembargador (Vossa Excelência); embaixador (Vossa Excelência); general (Vossa Excelência); governador de estado (Vossa Excelência); juiz de direito (Vossa Excelência); ministro de estado (Vossa Excelência); prefeito (Vossa Excelência), promotor de justiça (Vossa Excelência); reitor de universidade (Vossa Magnificência), secretário de estado (Vossa Excelência); senador (Vossa Excelência); vereador (Vossa Excelência). 4) Quando não há forma específica, o tratamento se faz com o pronome genérico Vossa Senhoria, aplicável, por exemplo, ao cônsul, ao coronel (e patentes a ele subordinadas), aos funcionários públicos de um modo geral... 5) Com essas premissas, o raciocínio não é difícil para o caso da consulta: a) - Se a escola agrotécnica federal é uma universidade e o diretor considerado é seu reitor, tem este tem tratamento específico (Vossa Magnificência); b) - Se não se tratar de uma universidade, ou se o diretor referido não é seu reitor, como não há previsão de tratamento específico, cai-se na vala comum, de modo que seu tratamento será Vossa Senhoria.
quarta-feira, 10 de abril de 2013

Segue anexo ou segue em anexo?

  1) A expressão invariável em anexo, embora corrente, não tem a aprovação de muitos e, para se ter a idéia do repúdio de alguns gramáticos, não é mencionada por Silveira Bueno, nem por Carlos Góis, nem por Aires da Mata Machado Filho, o qual se reporta às lições dos primeiros.1 2) Domingos Paschoal cegalla a reputa "expressão condenada", justificando que, com exceção de em branco, são de discutível vernaculidade as locuções adjetivas constituídas da preposição em + adjetivo (cópia em anexo, platéia em suspenso, cuidados em vão). 3) Observa tal gramático que em português "a locução adjetiva se forma com uma preposição (geralmente de ou sem), seguida de substantivo: amor de mãe; lenço de seda; voracidade de lobo; paixões sem freio; homem sem escrúpulos, etc." 4) E acrescenta: "o mínimo que se pode dizer é que a locução adjetiva em aberto e as outras aqui citadas, embora de uso freqüente, não têm tradição em nossa língua. A única realmente imprescindível é em branco".2 5) De igual modo, José de Nicola e Ernani Terra se postam de modo contrário ao emprego da expressão em anexo, com a seguinte fundamentação: "Embora sejam comuns, na linguagem comercial e jurídica, as expressões em anexo e em apenso devem ser evitadas, pois, como dissemos, tais palavras são adjetivos e não advérbios. Observe que jamais alguém diria: As promissórias seguem em incluso. Por que então dizer em anexo, em apenso?"3 6) Sem manifestar concordância ou discordância quanto a seu correto emprego. Regina Toledo Damião e Antonio Henriques apenas observam ser "corrente a expressão", "embora sem merecer a aprovação de muitos".4 7) Arnaldo Niskier é expresso para aceitar a correção de uso da expressão em anexo, dando-a como invariável.5 8) De Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, de igual modo, provém ensinamento favorável: "Tornou-se usual a expressão em anexo, de valor adverbial, embora muitos a rejeitem, como o Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo, já o Manual de Redação da Folha de S. Paulo a acolhe".6 9) Luiz Antônio Sacconi, por seu lado, é taxativo para aceitar a correção de uso de tal expressão, realçando que, em tal caso, a expressão há de permanecer invariável: a) Segue em anexo uma folha; b) Seguem em anexo as fotografias.7 10) Após referir que anexo é, originariamente, um adjetivo, que se flexiona normalmente em gênero e número, concordando com o substantivo por ele modificado, assim justifica Luciano Correia da Silva a possibilidade de emprego da expressão em anexo: "No entanto, como todo adjetivo pode ser substantivado, anexo pode também significar 'aquilo que está ligado como acessório' (cf. Aurélio) e, nesta acepção, indicar peças ou dados que formam um corpo especial, que se ajunta ou acrescenta à petição ou aos autos: anexo 1, anexo 2 etc. Portanto, neste sentido, é possível dizer que certa prova ou documento vem ou se acha em anexo, em uma, duas ou mais folhas... Em anexo, isto é, em parte que se junta ou se acrescenta, que se insere ou inclui. Exatidão ainda mais saliente se nota quando alguém junta todo um processado ou apenso aos autos principais. Por isso, é necessário prudência em algumas críticas ou censuras, que vão passando de pais para filhos, sem questionamento ou distinção...".8 11) Na lição Antonio Henriques, em obra que escreveu sozinho, essa expressão "tem, valor adverbial consagrado pelo uso, embora alguns a repilam".9 12) Para resumir, quer pelo extenso e prolongado uso - fator de extrema importância em tais casos - quer pela ausência de elementos mais sólidos para sua condenação, que pela própria aprovação de autores de relevo em nosso idioma, parece mais adequado aceitar seu normal emprego, com a observação de que se trata de locução invariável.____________1 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Dúvidas e Sutilezas da Linguagem". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol 2, p. 443-444. 2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Novas Fronteira, 1999. p. 134. 3 Cf. NICOLA, José de; TERRA, Ernani. 1.001 Dúvidas de Português. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 31. 4 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 227. 5 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 90. 6 Cf. HENRIQUES, Antonio, ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 39. 7 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 199. 8 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 168. 9 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 17. ____________ *Publicada originalmente em 22/6/2005
quarta-feira, 3 de abril de 2013

Chipre - em Chipre ou no Chipre?

1) Ao ver, no dia a dia, um emprego que lhe pareceu gramaticalmente equivocado, um atento leitor indaga se o correto é dizer e escrever em Chipre ou no Chipre? 2) Em termos técnicos, o que se busca dirimir é se o referido nome próprio designativo de lugar (tecnicamente denominado topônimo) admite ou não sua especificação por artigo definido. 3) Desde logo se diga que, nas mais distintas esferas, os nomes próprios designativos de lugares (i) às vezes se usam com artigo, (ii) às vezes, sem ele, e (iii) às vezes com ou sem, facultativamente. 4) E também se observe que isso é questão de uso, de tradição, e não de algo que se defina por alguma norma de Gramática, a qual não tem regra ou norma específica para resolver o assunto. 5) Num primeiro aspecto, quanto aos nomes de cidades, é mais comum não usar o artigo: (i) Estive em Brasília; (ii) Estive em São Paulo; (iii) Estive em Paris; (iv) Estive em Roma; (v) Estive em Nova York. Mas também há casos em que se emprega o artigo: (i) Estive no Recife; (ii) Estive no Rio de Janeiro; (iii) Estive no Porto. E mesmo os nomes de cidades que não admitem o artigo acabam por recebê-lo, quando a eles se segue um termo especificador: (i) Estive na Brasília de Juscelino; (ii) Estive na São Paulo de Mário de Andrade; (iii) Estive na Paris das luzes; (iv) Estive na Roma dos césares. 6) Num segundo aspecto, no que tange aos estados brasileiros, alguns se usam sem o artigo: (i) Estive em São Paulo; (ii) Estive em Minas Gerais; (iii) Estive em Pernambuco; (iv) Estive em Roraima; (v) Estive em Sergipe. Outros já se empregam com ele: (i) Estive no Amapá; (ii) Estive no Amazonas; (iii) Estive na Bahia; (iv) Estive no Piauí; (v) Estive no Rio de Janeiro. 7) Num terceiro aspecto, quanto aos países, alguns não admitem especificação pelo artigo definido: (i) Estive em Andorra; (ii) Estive em Cuba; (iii) Estive em Israel; (iv) Estive em Mônaco; (v) Estive em Portugal. Outros são empregados com precedência de tal artigo: (i) Estive no Brasil; (ii) Estive no Egito; (iii) Estive na Índia; (iv) Estive na Grécia; (v) Estive no Vaticano. E terceiros há que admitem ou não o artigo, facultativamente: (i) Estive em Espanha ou Estive na Espanha; (ii) Estive em França ou Estive na França; (iii) Estive em Inglaterra ou Estive na Inglaterra; (iv) Estive em Itália ou Estive na Itália. 8) Por fim, quanto aos continentes, um há que obriga o uso do artigo: Estive na América. Outros permitem duplo emprego: (i) Estive na Europa ou Estive em Europa; (ii) Estive na África ou Estive em África; (iii) Estive na Ásia ou Estive em Ásia. 9) Quanto ao topônimo Chipre, o mais comum é vê-lo empregado sem o artigo, como o faz o Código de Redação Interinstitucional do Serviço de Publicações da União Européia - obra de normalização das práticas linguísticas elaborada por especialistas de um comitê diretor interinstitucional - que cunha a expressão oficial "República de Chipre" como escrita a ser utilizada nos documentos em português, na qual se percebe com facilidade a ausência do artigo definido. 10) Uma atenta verificação do emprego da mencionada expressão pelos meios de comunicação, todavia, mostra o topônimo empregado ora sem o artigo, ora com ele. 11) Vejam-se alguns exemplos sem o artigo: (i) "Chipre é uma ilha situada no Mar Mediterrâneo oriental, ao sul da Turquia..."; (ii) "Chipre planeja isenção de impostos a cassinos, para reanimar a economia"; (iii) "Chipre quer concluir negociações com credores nesta semana"; (iv) "Presidente de Chipre nega envolvimento com desvios de depósitos..."; (v) "FMI pede que Chipre baixe salários e demita dois mil funcionários...". 12) E também se observem alguns casos com o emprego do artigo: (i) "Confiscos em depósitos no Chipre alcançam 60%..."; (ii) "O Banco Central do Chipre divulgou uma lista de perguntas e respostas sobre o nebuloso processo de taxação..."; (iii) "O Chipre é uma ilha meio estranha: fica bem mais perto do Oriente Médio do que da Europa, mas é um país europeu"; (iv) "A crise bancária no Chipre despertou certos temores sobre o turismo e o efeito que terá sobre este setor"; (v) "A Seleção Cipriota de Futebol representa o Chipre nas competições de futebol da FIFA". 13) Para se ter a ideia da extensão dessa normal duplicidade de emprego - com e sem a precedência do artigo definido - basta verificar o seguinte: (i) o Dicionário Aurélio usa sem o artigo, ao referir que cipriota é o "natural ou habitante de Chipre"; (ii) já o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora o define como o "natural ou habitante da ilha do Chipre", expressão onde se nota a presença do artigo; (iii) e a Infopédia, obra virtual da mesma editora por último referida, em critério diverso do empregado na versão escrita, define cipriota como "referente a Chipre", omitindo, assim, o artigo. 14) Ante essa duplicidade de entendimentos entre os doutos, além do emprego tão reiterado de ambas as formas, não parece possível condenar qualquer das duas construções: (i) Estive em Chipre (correto); (ii) Estive no Chipre (correto).
quarta-feira, 27 de março de 2013

Advogado e Pneu - A grafia mudou?

1) Uma leitora traz a seguinte dúvida: "O d mudo do vocábulo advogado, por exemplo, ou o p de pneu sofreram modificação com o Acordo Ortográfico? Ouvi comentários, que considerei absurdos. Daí buscar esclarecimento". 2) Importa observar, de início, que o Acordo Ortográfico veio para eliminar consoantes inúteis, existentes na grafia mas não pronunciadas, e fixou como fator determinante para sua conservação ou eliminação as pronúncias cultas da língua. 3) E fixou alguns critérios para tanto: a) Em caso de uniformidade de pronúncia nos países signatários do Acordo, a grafia será única: ficção, apto, ato, Egito; b) Quando tal uniformidade não existe, admite-se dupla grafia: sector, setor; concepção, conceção; c) Nas sequências mpc, mpç e mpt, se o p for eliminado, a letra m passa a n: Assumpção, assunção; sumptuoso, suntuoso; d) Nas sequências bd, bt, gd, mn e tm, a primeira letra conserva-se ou elimina-se facultativamente, uma vez que na língua não existe uniformidade de pronúncia: súbdito, súdito; subtil, sutil; amígdala, amídala; amnistia, anistia; aritmética, arimética. 4) Em resumo, se o Acordo Ortográfico, no aspecto da consulta, veio para eliminar consoantes inúteis, existentes na grafia mas não pronunciadas, obviamente não atinge a grafia de vocábulos como advogado e pneu, em que as consoantes são pronunciadas de modo claro e distinto. 5) Assim, a grafia de tais vocábulos continua sendo exatamente advogado e pneu, como, aliás, facilmente se pode constatar pela última edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão que detém a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos que pertencem ao vernáculo.1 ______________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 25 e 660.
quarta-feira, 20 de março de 2013

Bem vindo, bem-vindo ou benvindo?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta, quanto ao hífen, após o recente Acordo Ortográfico: Bem vindo, bem-vindo ou benvindo? 2) Nunca é demais reforçar, como introdução, que a maioria dos gramáticos estavam acordes em que o emprego do hífen era assunto que carecia de um sério e profundo trabalho de sistematização e simplificação. Longe de melhorar a situação, todavia, o que o recente Acordo Ortográfico fez, longe de atender às expectativas, foi complicar ainda mais o que já era difícil. 3) Mas tentemos solucionar a questão trazida pelo atento leitor, usando as ferramentas de que dispomos. 4) Pelo Acordo Ortográfico, usa-se o hífen com a palavra bem, quando o segundo elemento da palavra composta começar por vogal ou h. Exs.: bem-apanhado, bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado. 5) Não se apresse o leitor. Apesar da conclusão que pretenda extrair em sequência, vai-se logo observando como continua o Acordo: o advérbio "bem" pode ou não aglutinar-se ao segundo elemento, quando o segundo elemento da palavra composta começa por consoante: Exs.: por um lado, bem-casado, bem-comportado, bem-criado, bem-disposto, bem-dotado, bem-falante, bem-mandado, bem-nascido, bem-sucedido, bem-vestido; por outro lado, benfazejo, benfeitor, benquerença. 6) Só pelo teor do Acordo - o qual, sem estabelecer critérios seguros, afirma, de modo fluido e inconsistente, que o advérbio "bem" pode ou não aglutinar-se ao segundo elemento - já se vê a total impossibilidade de fixar uma regra que solucione os problemas do hífen em hipóteses como a da consulta. 7) Num caso como esse - em que se constata a ausência total de critérios mínimos para um raciocínio de convicção e certeza - a única saída é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 8) Também conhecido pela sigla VOLP, é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900. 9) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar bem-vindo1, forma essa que já era assim trazida, em 2004, pela quarta edição.2 10) Apenas para ilustração histórica e verificação de como também pode mudar a grafia oficial dos vocábulos no idioma, anota-se que, na segunda edição do VOLP, de 1998, hoje superada, permitiam-se as duas formas, bem-vindo e benvindo.3 ________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 113. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 106. 3 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., 1998. Rio de Janeiro: A Academia, p. 101.
quarta-feira, 13 de março de 2013

... a ser ... ou ... a sermos...?

1) Indaga um leitor qual ou quais as formas corretas nos seguintes exemplos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes"; c) "A miséria compele-nos a não ter prurido"; d) "A miséria compele-nos a não termos prurido"; e) "... comportamentos a ser adotados..."; f) "... comportamentos a serem adotados...". 2) Quanto ao uso do infinitivo flexionado ou não, de um modo geral, leciona Said Ali que a escolha depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou da necessidade de pormos em evidência o agente da ação: no primeiro caso, preferimos o infinitivo não flexionado; no segundo, o flexionado.1 3) Também para Hêndricas Nadólskis e Outra, "muitas vezes, a opção entre a forma flexionada ou não flexionada é estilística e não gramatical. Quando mais importa a ação, prefere-se a forma não flexionada; quando se realça o agente da ação, usa-se a forma flexionada".2 4) Celso Cunha, que cita o primeiro autor, em complementação, diz tratar-se, em verdade, de um emprego seletivo, mais do terreno da Estilística do que, propriamente, da Gramática.3 5) Feitas essas ponderações e resumindo que o uso do infinitivo flexionado ou não é questão mais de Estilística do que de Gramática e depende muito da eufonia, invoca-se, com os olhos voltados para o caso da consulta, a lição de Artur de Almeida Torres, para quem "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.: a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira); b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano); c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro" (Alexandre Herculano); d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados" (Camilo Castelo Branco); e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano); f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano); g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade..." (Camilo Castelo Branco); h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material" (Alexandre Herculano). 6) Feitas essas observações teóricas, volta-se aos exemplos da consulta: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes" (correto); b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes" (correto); c) "A miséria compele-nos a não ter prurido" (correto); d) "A miséria compele-nos a não termos prurido" (correto); e) "... comportamentos a ser adotados..." (correto); f) "... comportamentos a serem adotados..." (correto). __________________ 1 Apud CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S.A., 1970, p. 230. 2 Cf. NADÓLSKIS, Hêndricas; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes Ferreira de. Comunicação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Edição dos Autores, 1998, p. 125. 3 Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S.A., 1970, p. 126.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Devendo as partes "aguardar" ou "aguardarem"?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta do verbo no seguinte caso: a) "Não serão homologados acordos fora da pauta, devendo as partes aguardar a audiência..."; b) "Não serão homologados acordos fora da pauta, devendo as partes aguardarem a audiência..."? 2) É bastante conhecida a lição de que o infinitivo de um verbo (ou seja, o verbo quando o chamamos pelo nome - amar, vender, partir...) pode apresentar-se em sua forma não flexionada (o próprio nome do verbo - amar) ou em sua feição flexionada (vale dizer, conjugado - amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós...) 3) Quanto ao infinitivo, de um modo geral, nem sempre é fácil escolher a forma a ser empregada (flexionada ou não flexionada), e o assunto muitas vezes situa-se mais no terreno da Estilística do que da Gramática. 4) Com atenção específica para o caso da consulta, é oportuno notar ser corriqueiro, quando da redação profissional de nossas petições, decisões e pareceres de todos os dias, surgir a dúvida de como usar o infinitivo numa locução verbal (dois verbos desempenhando o papel de um só). 5) Não parecendo haver dificuldade para o exemplo no singular - "... deverá o réu aguardar a audiência..." - vamos começar, por facilidade didática, com uma variante do exemplo da consulta, sem questionar a forma como se apresentou a dúvida: "... deverão as partes aguardar(em) a audiência..." E vamos colocá-lo em ordem direta, a começar pelo sujeito: "As partes deverão aguardar(em)". Na ordem direta, o leitor, quase que intuitivamente, define a forma correta para o caso: "As partes deverão aguardar a audiência". Ora, se se altera a ordem dos termos da oração, não se muda a maneira correta de escrever: "Deverão as partes aguardar a audiência". Essa é a única forma correta para o exemplo. 6) A regra aplicável ao caso é de fácil entendimento: emprega-se o infinitivo impessoal nas locuções verbais, de modo que nelas não é lícito flexionar o infinitivo. Exs.: a) "As partes deverão aguardar a audiência" (correto); b) "As partes deverão aguardarem a audiência" (errado); c) "Deverão as partes aguardar a audiência" (correto); d) "Deverão as partes aguardarem a audiência" (errado). 7) Em seguida, se, como no caso da consulta, o auxiliar da locução está no gerúndio, nem por isso se alteram as possibilidades ou a maneira correta de se escrever: a) "Não serão homologados acordos fora da pauta, devendo as partes aguardar a audiência..." (correto); b) "Não serão homologados acordos fora da pauta, devendo as partes aguardarem a audiência..." (errado).
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Louvar Deus ou Louvar a Deus?

1) Um leitor pergunta se existe explicação para emprego de verbos como transitivos indiretos sempre que o objeto é Deus, como nos seguintes exemplos: Louvar a Deus, amar a Deus e adorar a Deus? 2) Antes de entrar no mérito da questão, vamos considerar dois exemplos: a) "O juiz silenciou"; b) "O juiz quebrou o sigilo bancário". 3) No primeiro exemplo - "O juiz silenciou" - vê-se que o sujeito é o juiz, enquanto o verbo indica a ação de silenciar. Já no segundo exemplo - "O juiz quebrou o sigilo bancário" - tem-se por sujeito o juiz, enquanto o verbo indica a ação de quebrar. 4) Ora, no primeiro caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (silenciou), verifica-se que, numa análise bastante rudimentar e própria para o que aqui é necessário, a ação estanca no verbo, não passa (ou não transita) para além dele. Por isso se diz que se está diante de um verbo intransitivo. 5) Já no segundo caso, quando se diz o sujeito (o juiz) mais o verbo (quebrou), também em análise bastante simplista, nota-se que a ação passa, vai (ou transita) para além do verbo. Por isso se diz que se está diante de um verbo transitivo. 6) Adicione-se um terceiro exemplo: "O documento pertence aos autos". Nele se tem o sujeito (o juiz) e um verbo (pertence), cuja ação também passa (ou transita) para além do verbo, de modo que também aqui se está diante de um verbo transitivo. 7) Considere-se, em seguida, novamente, o primeiro dos exemplos com verbo transitivo: "O juiz quebrou o sigilo bancário". Uma análise visual mostra que o complemento, que é o alvo (ou objeto) da ação de quebrar, está sem preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que quem quebra, quebra algo (exige complemento sem preposição obrigatória). E se conclui que a ação de quebrar passa diretamente para o complemento (ou alvo ou objeto), isto é, sem auxílio obrigatório de preposição. 8) Em tal caso, extraem-se duas conclusões de extrema importância: a) O que se tem é um verbo transitivo direto; b) O complemento desse verbo, por sua vez, denomina-se objeto direto. 9) Considere-se, em seguida, o segundo dos exemplos com verbo transitivo: "O documento pertence aos autos". Uma atenta observação mostra que o complemento, que é o destinatário (ou objeto) da ação de pertencer, está com preposição obrigatória. O raciocínio a ser feito é que o que pertence, pertence a algo ou a alguém. E se conclui que a ação de pertencer passa indiretamente para o complemento (ou destinatário ou objeto), isto é, com o auxílio obrigatório de preposição. 10) E aqui também se extraem duas conclusões de extrema importância: a) Tem-se, no caso, um verbo transitivo indireto; b) O complemento, por sua vez, denomina-se objeto indireto. 11) De modo específico para o caso da consulta, anote-se que determinados verbos normalmente transitivos diretos às vezes aparecem completados por objetos diretos preposicionados, e isso, dentre outras, pelas seguintes razões: a) Por reverência e respeito: "Ele ama a Deus sobre todas as coisas"; b) Quando se trata de pronome oblíquo tônico: "Nem ele entende a nós, nem nós a ele"; c) Para evitar confusão de sentido, principalmente em casos de inversão dos termos da oração: "A Abel matou Caim". 12) Vejam-se as seguintes conclusões para casos dessa natureza: a) Mesmo com objetos diretos preposicionados, os verbos continuam transitivos diretos, de modo que não passam a ser transitivos indiretos; b) Reforce-se que o complemento é objeto direto preposicionado, e não objeto indireto. 13) Para quem tem dificuldade exatamente para reconhecer qual há de ser a transitividade de um verbo em tal caso, é bom lembrar, em termos bem práticos, que o verbo transitivo direto normalmente admite passagem para a voz passiva, enquanto o transitivo indireto, por via de regra, não a admite. 14) Assim, o exemplo "O juiz quebrou o sigilo bancário" admite transformação para "O sigilo bancário foi quebrado pelo juiz". Já o exemplo "O documento pertence aos autos" não admite passagem para a voz passiva, o que é sinal inconfundível de que pertencer não é transitivo direto. 15) Vamos formular exemplos com os casos da consulta: a) "Nós louvamos a Deus" (voz ativa); b) "Deus é louvado por nós" (voz passiva); c) "Os homens amam a Deus?" (voz ativa); d) "Deus é amado pelos homens?"; e) "Eles adoravam verdadeiramente a Deus"; f) "Deus era adorado verdadeiramente por eles".
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Haver - Quando vai para o plural?

1) Um leitor, após afirmar - e de modo correto - que haver, quando significa existir, não vai para o plural, indaga quando sofre o mencionado verbo tal variação, já que os textos legais estão repletos de seu emprego desse modo. 2) Num primeiro aspecto, conforme reconhece o leitor, o verbo haver, quando significa existir, é impessoal (não tem sujeito), razão pela qual fica sempre no singular: a) "Houve um aluno interessado..."; b) "Houve vários alunos interessados..." 3) Em outros sentidos, porém, como quando quer dizer comportar-se, tal verbo é pessoal e normalmente conjugado. Ex.: "Os causídicos não se houveram com correção na defesa de seus clientes". 4) Em estruturas assim é que o leitor pode ter visto o verbo haver flexionado em textos legais: I) "Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem..." (CC, art. 39) (o sentido é receberão). II) "A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar." (CC, art. 546) (o significado é tiverem). 5) Um segundo, importante e corriqueiro caso em que o verbo haver se flexiona para concordar com o seu sujeito é aquele em que ele é auxiliar de outro verbo, numa locução verbal. Ex.: "Os causídicos haviam trabalhado a noite inteira na elaboração da defesa". 6) Nesse caso, é fácil perceber a necessidade de concordância do verbo no plural, quando se substitui a locução por um tempo simples: "Os causídicos trabalharam a noite inteira na elaboração da defesa". 7) Vejam-se exemplos dessa estrutura por último referida em dispositivos do Código Civil: I) "Os traslados e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato" (CC, art. 218); II) "É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido" (CC, art. 496); III) "Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador" (CC, art. 578); IV) "São também responsáveis pela reparação civil: ... V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia" (CC, art. 932, V); V) "O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante" (CC, art. 1.228, § 4º); VI) "Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário" (CC, art. 1.375). 8) Talvez pela frequência com que o verbo haver é empregado como impessoal, e, portanto, sem variação para o plural, o Código Civil de 1916, em seu art. 1.772, § 2º, não atentou ao fato de ser ele apenas auxiliar de um verbo pessoal e o deixou equivocadamente no singular: "... salvo se da morte do proprietário houver decorrido 20 (vinte) anos". O correto será houverem decorrido, bastando, para tal verificação, substituir a expressão por tiverem decorrido, ou, então, por um tempo simples: decorrerem.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Rua Monte Alegre ou rua Monte Alegre?

1) Um leitor pergunta se é grafada com maiúscula ou com minúscula a inicial dos nomes dos logradouros públicos: Rua Monte Alegre ou rua Monte Alegre, Avenida Paulista ou avenida Paulista, Palácio da Justiça ou palácio da Justiça? 2) Diz o Acordo Ortográfico de 2008 que á facultativo o uso da inicial maiúscula ou minúscula em nomes indicativos de logradouros públicos, de templos, de edifícios... Exs.: Rua da Liberdade ou rua da Liberdade, Largo dos Leões ou largo dos Leões, Igreja do Bonfim ou igreja do Bonfim, Templo do Apostolado Positivista ou templo do Apostolado Positivista, Edifício Rocha Barros Sandoval ou edifício Rocha Barros Sandoval. 3) De modo específico para o caso da consulta, se se partir do princípio de que é facultativo o emprego da maiúscula ou da minúscula em tais casos, estão corretos todos os seguintes exemplos: Rua Monte Alegre ou rua Monte Alegre, Avenida Paulista ou avenida Paulista, Palácio da Justiça ou palácio da Justiça. 4) Não se esqueça, por fim, um lembrete do próprio Acordo Ortográfico: "As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas (terminologia antropológica, geológica, bibliológica, botânica, zoológica, etc.), promanadas de entidades científicas ou normalizadoras, reconhecidas internacionalmente". Nessa lista de entidades, inclui-se, obviamente, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (A.B.N.T.).
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Em sede de - Estrangeirismo?

1) Sede significa assento, cadeira e, por extensão, o centro de governo, de diocese ou paróquia, o lugar onde funciona um governo ou administração; diz-se, assim,sede administrativa de um banco, sede das empresas. 2) Tem sido comum, porém, o emprego da expressão com o sentido de no âmbito, na esfera de, no campo de, em, como, por exemplo, nas construções em sede de mandado de segurança, em sede de habeas corpus. 3) Tal uso, porém, não encontra abono nos autores clássicos nem nos dicionaristas, configurando violência à sintaxe vernácula, muito embora venha conseguindo indevida penetração no idioma pelo erudito caminho das sentenças, dos acórdãos e dos livros de doutrina. 4) Vejam-se algumas correções possíveis para tais casos: a) "No âmbito do mandado de segurança, não se discute questão dessa ordem"; b) "No campo do mandado de segurança, não se discute questão dessa ordem"; c) "Em mandado de segurança, não se discute questão dessa ordem"; d) "Na esfera do mandado de segurança, não se discute questão dessa ordem". 5) Realçando tratar-se de italianismo, "que não se ajusta à índole da nossa língua", Geraldo Amaral Arruda (1997, p. 19) coleciona alguns exemplos de uso equivocado por novéis juízes em sentenças, sobre as quais longamente se debruçou tal autor para auxílio no aperfeiçoamento da linguagem, fazendo-se acompanhar tais excertos pela devida correção: a) "A culpa, em sede penal, precisa..." (poderia ser: "A culpa, em matéria penal, precisa..."); b) "Na sede inquisitorial o réu disse..." (poderia ser: "Na fase do inquérito..."); c) "... insuscetíveis de apreciação em sede de arresto..." (poderia ser: "... insuscetíveis de apreciação em caso de arresto", ou "... em matéria de arresto..."). 6) Em anotações pessoais, fotocopiadas e entregues a uma turma de novos juízes paulistas dos anos noventas, o mesmo desembargador, refutando o indigitado modo de escrever e expressar-se, refere que, às vezes, "o vício de linguagem penetra na redação das sentenças pela via erudita, que violenta a sintaxe vernácula. Exemplo disso é a locução em sede de, cujo sentido se pode encontrar no Lingarelli, que registra a locução in sede di, com sentido de durante, no momento em que ocorre qualquer coisa (ex. in sede di esami, di bilancio, di liquidazione). O dicionário italiano-português do Porto registra estas expressões e mais ainda in sede storica, politica, com a tradução do ponto de vista histórico, político". 7) Em realidade, o erro é tão corriqueiro nos dias de hoje, que, facilmente encontrável nos textos jurídicos, pode ser exemplificado com excerto de brilhante processualista moderno, que, ao tratar da questão do acesso à Justiça, o juntou, em mesma frase, a outro equívoco não menos sério (a nível), lecionando que a expressão considerada, mais do que um princípio, "é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial". 8) Erro dessa natureza encontra-se na Resolução 18/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, a qual, ao regulamentar o art. 9º da Lei Complementar 75/93 e o art. 80 da lei 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial, determina, em seu art. 3°, b, que tal controle externo será exercido, "em sede de controle concentrado, através de membros com atribuições específicas...". Corrija-se, apenas no que concerne a tal aspecto: "na esfera de controle concentrado", ou "no âmbito de controle concentrado", ou, ainda, "quanto ao controle concentrado".
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Objeto(s) do contrato?

1) Vários leitores indagam sobre um mesmo assunto, em estruturas como as que seguem: a) "... serviços objeto do contrato..."; b) "... serviços objetos do contrato..."; c) "... as matérias que foram objeto de apreciação..."; d) "... as matérias que foram objeto de apreciação..."? 2) Quando se tem uma estrutura com verbo de ligação, nos moldes dos exemplos dados, e o sujeito é plural, o complemento (predicativo do sujeito) pode ficar no singular ou no plural, independentemente de haver alguma variação no sentido.. Exs.: a) "Os escândalos do Congresso foram assunto do dia"; b) "Os escândalos do Congresso foram assuntos do dia"; c) "Os novos produtos foram sucesso instantâneo"; d) "Os novos produtos foram sucessos instantâneos". 3) E, quando no predicativo do sujeito se tem o vocábulo alvo ou a palavra objeto, a situação não se altera, de modo que são corretos todos os exemplos a seguir: a) "As matérias foram alvo de apreciação"; b) "As matérias foram alvos de apreciação"; c) "As matérias foram objeto de apreciação"; d) "As matérias foram objetos de apreciação". 4) Vamos estender um pouco mais os exemplos por último referidos, em estruturas sintáticas igualmente corretas: a) "As matérias que foram alvo de apreciação não foram publicadas"; b) "As matérias que foram alvos de apreciação não foram publicadas"; c) "As matérias que foram objeto de apreciação não foram publicadas"; d) "As matérias que foram objetos de apreciação não foram publicadas". 5) Nos exemplos por último citados, para não repetir o verbo ser desnecessariamente, vamos excluí-los e ver que são também corretas as estruturas resultantes: a) "As matérias alvo de apreciação não foram publicadas"; b) "As matérias alvos de apreciação não foram publicadas"; c) "As matérias objeto de apreciação não foram publicadas"; d) "As matérias objetos de apreciação não foram publicadas". 6) Voltemos aos exemplos das consultas: a) "...executar os serviços objeto desse contrato" (correto); b) "...executar os serviços objetos desse contrato" (correto); c) "... imóveis objeto do contrato..." (correto); d) "... imóveis objetos do contrato..." (correto); e) "... as matérias foram objeto de apreciação..." (correto); f) "... as matérias foram objetos de apreciação" (correto).
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Uso dos tempos verbais

1) Uma leitora indaga qual a forma correta de uso dos verbos em dois exemplos, os quais, para o que aqui interessa, podem ser resumidos do seguinte modo: a) "O valor do pagamento do ágio será destinado à conta de reserva de capital da Companhia, reserva essa que terá/teria por finalidade o pagamento de dividendos a ações preferenciais, consoante dispõe o inciso V do art. 200 da lei 6.404/76"; b) "Os acionistas renunciam ao exercício do direito de preferência que têm/teriam quanto à subscrição das novas ações, direito esse previsto no inciso IV do art. 109 e art. 171, ambos da lei 6.404/76". 2) No plano gramatical, observa-se, no que tange ao primeiro exemplo, que se emprega o futuro do pretérito (teria) para denotar uma ação que ainda se vai realizar, mas que se põe na dependência de uma condição. Ex.: "A vida presente do homem seria inexplicável, se não cresse na vida futura". 3) Já o futuro do presente (terá) denota uma ação que também se vai realizar no futuro, mas que não se põe na dependência de condição alguma. Ex.: "A morte virá para todos". 4) No caso da consulta, a finalidade futura do provisionamento do valor ali mencionado é formar a reserva de capital para pagar dividendos e ações preferenciais, e não se põe isso na dependência de condição alguma. Muito ao contrário, a certeza da finalidade e do provisionamento é patente e até mesmo se confirma pela previsão expressa de disposição legal referida no próprio texto. 5) Em verdade, dizer teria - em vez de terá - , como é de fácil percepção, pode sugerir uma possibilidade de ter, não uma certeza de ter. 6) Veja-se, por conseguinte, o modo correto de dizer a primeira frase da consulta: "O valor do pagamento do ágio será destinado à conta de reserva de capital da Companhia, reserva essa que terá por finalidade o pagamento de dividendos a ações preferenciais, consoante dispõe o inciso V do art. 200 da lei 6.404/76". 7) Em seguida, formulado acima o segundo exemplo com o que interessa para o caso, observa-se que, em termos técnicos, sua diferença gramatical para o exemplo anterior é que têm é presente do indicativo, e não futuro do presente. Todavia, em concordância com o primeiro caso, o presente do indicativo tem a mesma característica do futuro do presente, já que denota algo que se realiza agora, sem se submeter à dependência de condição alguma (ao contrário de teriam). 8) Em outros dizeres, no caso, os acionistas estão renunciando, presentemente, ao incondicionado direito à subscrição das novas ações. Dizer teriam - em vez de têm - , como é de fácil percepção, pode sugerir, como no caso do item primeiro da consulta, apenas uma possibilidade de ter, não uma certeza de ter. 9) O modo correto de dizer a segunda frase, assim, é: "Os acionistas renunciam ao exercício do direito de preferência que têm quanto à subscrição das novas ações, direito esse previsto no inciso IV do art. 109 e art. 171, ambos da lei 6.404/76".
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ser - Como concorda?

1) Um leitor indaga qual é a estrutura correta quanto à concordância do verbo ser: a) "Hoje é 30 de novembro"; b) "Hoje são 30 de novembro"? Para outro leitor, as dúvidas estão nestas estruturas: a) "O prazo máximo é de três meses"; b) "O prazo máximo são três meses". Para um terceiro, o que é correto: a) "O inferno são os outros"; b) "O inferno é os outros"; c) "O rebanho é meus pensamentos" (Fernando Pessoa)? 2) Diferentemente dos demais verbos - que ou não têm complementos, ou têm complementos próprios - o verbo ser, em seu uso mais normal, liga uma qualidade ao sujeito: "A candidata da cidadezinha era muito competente". 3) Nesse caso: a) competente não completa o verbo era, mas se refere ao sujeito candidata; b) por significar uma qualidade do sujeito, esse complemento chama-se predicativo do sujeito; c) e, por ligar uma qualidade ao sujeito, o verbo ser denomina-se verbo de ligação. 4) Porque o predicativo guarda íntima ligação com o sujeito, e não com o verbo, então, diversamente do que se dá com outros verbos - que seguem a regra normal de concordância com o seu sujeito - em estruturas com ser, o verbo ora concorda com o sujeito, ora, com o predicativo. 5) Por peculiaridades e características próprias do verbo ser, com ele não se pode falar em regras de concordância, mas em tendências ou preferências de concordância. Mesmo assim, em diversas hipóteses, uma vez fixada determinada tendência, logo após, com certa facilidade, encontra-se um exemplo de tendência contrária. 6) Tentando, contudo, abranger os casos mais comuns, uma primeira tendência do verbo ser é que ele prefere a concordância com o termo que estiver no plural (seja sujeito, seja predicativo). Ex.: "O problema eram os meus projetos". 7) Uma segunda tendência é que, se o sujeito é designativo de pessoa, fica o verbo no singular. Ex..: "Márcia é as preocupações da família". 8) Em terceiro aspecto, nas datas, admitem-se as seguintes construções: a) "Hoje é quinze de janeiro"; b) "Hoje são quinze de janeiro"; c) "Hoje é dia quinze de janeiro". 9) Apontadas, porém, as tendências mais importantes de concordância do verbo ser, vejam-se, em seguida, exemplos de autores de peso que as contrariam: a) "Os responsórios e os sinos é coisa importuna em Tibães" (Camilo Castelo Branco); b) "Vestidos e modas é assunto para mulheres" (Domingos Paschoal Cegalla). 10) Com a atenção voltada aos casos da consulta, assim se pode dizer: a) Nos exemplos trazidos pelo primeiro leitor - i) "Hoje é 30 de novembro"; ii) "Hoje são 30 de novembro" - têm-se a referência a datas, hipótese em que se permitem ambas as construções, e até mesmo seria possível uma terceira estrutura: "Hoje é dia 30 de novembro"; b) Nos exemplos do segundo leitor - i) "O prazo máximo é de três meses"; ii) "O prazo máximo são três meses" - as construções bem poderiam ser justificadas pela dupla possibilidade de concordância do verbo ser em tais circunstâncias, ora levando o verbo para o singular, ora, para o plural; c) Na dúvida do terceiro leitor - i) "O inferno são os outros"; ii) "O inferno é os outros"; ii) "O rebanho é meus pensamentos" (Fernando Pessoa) - novamente se pode justificar pela alternância de possibilidade de concordar o verbo ser com o sujeito ou com o predicativo.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Diante disto ou Diante disso?

1) Uma leitora se encontra diante das seguintes expressões: a) "Diante disto" ou "Diante disso"; b) "Neste diapasão" ou "Nesse diapasão". Como não sabe como sair do problema, pede auxílio para saber quando usa isto/este ou isso/esse. 2) As observações seguintes servem para os pronomes demonstrativos: isto, isso, aquilo, este, esse, aquele e variações de singular e plural. 3) Num primeiro aspecto, quanto ao espaço, este indica posição mais próxima da pessoa que fala (primeira pessoa): "Estou nesta sala". Na prática, quando se fala este, pode-se pensar em aqui. Assim: "Estou nesta sala aqui". 4) Já esse aponta para uma posição próxima da pessoa com quem se fala (segunda pessoa): "Já entrei nesse tribunal". Na prática, quando se fala em esse, pensa-se em aí: "Já entrei nesse tribunal aí". 5) Por sua vez, aquele indica posição próxima de quem se fala (terceira pessoa) ou distante de quem fala e da pessoa com quem se fala: "Olhe aquele advogado no carro preto". Na prática, quando se fala em aquele, pensa-se em lá: "Olhe aquele advogado lá no carro preto". 6) Num segundo aspecto, no interior da frase, isto e este se referem ao elemento anterior mais próximo; aquilo e aquele servem para o mais distante. Ex.: "O adulto e a criança têm seus direitos, mas esta exige maiores cuidados do que aquele". 7) Num terceiro aspecto, ainda no interior da frase, isto e este falam do que se vai dizer, enquanto isso e esse concernem ao que já se disse. Exs.: a) "A nova Constituição traz este preceito: não há possibilidade de discriminação entre filhos"; b) "Não há possibilidade de discriminação entre filhos: esse é o preceito da nova Constituição". 8) De modo específico para as expressões da consulta, formulam-se com elas alguns exemplos corretos de emprego das expressões referidas: a) "Diante deste obstáculo tão próximo de mim, vejo que nada posso fazer" (espaço); b) "Diante desse obstáculo tão próximo de você, parece que não há o que fazer" (espaço); c) "O homem pode fazer escolhas boas e escolhas ruins: estas, quase sempre, são mais atraentes, à primeira vista, do que aquelas"; d) "Isso que acabei de dizer é bem mais simples do isto que vou referir".
quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Verbos - existem ou não?

1) Um leitor indaga se existem os seguintes verbos no português culto e formal: agilizar, desincompatibilizar, disponibilizar, operacionalizar, reinicializar.2) A primeira observação que se deve fazer nesse campo é que, desde o início do século XX, a Academia Brasileira de Letras tem, por delegação legal, a autoridade para listar os vocábulos existentes em nosso idioma, e ela o faz por intermédio da publicação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.3) Desse fato resulta a forçosa conclusão - e esta é a lei para o assunto - de que, se o VOLP registra determinado vocábulo, ele existe oficialmente em nosso idioma, e seu uso está regularmente autorizado. Em caso contrário, não.4) E vale acrescentar que, ressalvada a grande contribuição que os dicionaristas prestam ao idioma, o certo é que não são eles a autoridade para ditar regras nesse campo, de modo que, em eventual conflito, vence o VOLP.5) Qualquer discussão adicional que se queira travar fica no campo da ciência linguística e pode influenciar futuras mudanças, mas não define a questão em termos práticos e atuais.6) Com essa premissa, observa-se que todos os verbos da consulta estão regularmente registrados na última edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.17) Assim, independentemente de alguém concordar ou não com sua existência, modo de ser ou de emprego no vernáculo, tais vocábulos existem oficialmente no idioma, e seu uso está perfeitamente autorizado na linguagem formal. __________________ 1 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 29, 270, 291, 598 e 713.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pós-datado ou Posdatado?

1) Com as alterações introduzidas em nosso sistema pelo Acordo Ortográfico de 2008, importa saber como se escreve a expressão indicativa de um cheque dado com data futura e para ser cobrado depois: pós-datado ou posdatado? 2) Desde logo, é importante observar que, se a questão do emprego de hífen com os prefixos já não é tão simples, com o prefixo pós a questão se potencializa em termos de dificuldades. 3) Diz o Acordo Ortográfico que num primeiro caso se usa o prefixo pós com hífen e acento: quando o segundo elemento se inicia por h: pós-hipófise, pós-homérico. E essa é a única determinação efetivamente objetiva para o assunto. 4) Além disso, continua dizendo o Acordo Ortográfico que também se usa pós com hífen e acento, quando o segundo elemento tem vida à parte: pós-adolescência, pós-apostólico, pós-doutoramento, pós-escrito, pós-graduação, pós-guerra, pós-kantiano, pós--nupcial, pós-operatório. 5) E acrescenta que, se o segundo elemento não tem vida à parte, o prefixo se junta a ele diretamente: poscefálico, posfácio, posgênito, poslúdico, pospasto, pospor. 6) Não se pode deixar de dizer, todavia, que o conceito é de extrema fluidez, ao fincar a distinção para separar ou não por hífen apenas no fato de ter ou não ter o segundo elemento vida à parte, e basta considerar, por exemplo, pospor, para constatar a dificuldade de explicação para a respectiva grafia. 7) Num caso como esse - em que se constata a ausência de critérios fixos e palpáveis para um raciocínio de convicção e certeza - a única saída é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 8) Esse é o único recurso, porque, também conhecido pela sigla VOLP, ele é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900. 9) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar o mencionado verbete com a forma pós-datado (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, p. 669).
quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pré-datado ou Predatado?

1) Com as alterações introduzidas em nosso sistema pelo Acordo Ortográfico de 2008, é oportuno observar qual a grafia correta: pré-datado ou predatado? 2) Diz o Acordo Ortográfico de 2008 que, se o segundo elemento se inicia por h, a forma pré (acentuada) e o hífen são obrigatórios: pré-habilitação, pré-helênico, pré-história, pré-humano. E essa é a única regra objetiva trazida ao usuário. 3) Quanto ao mais, usa-se o hífen e o acento, quando o segundo elemento tem vida à parte: pré-contratual, pré-impressão, pré-primário, pré-financiamento, pré-jurídico, pré--lançamento, pré-leitura, pré-matrícula, pré-nupcial, pré-operatório, pré-puberdade, pré--qualificação, pré-renascentista, pré-republicano, pré-requisito, pré-revolucionário, pré--romantismo, pré-santificado, pré-seleção, pré-senilidade, pré-simbolismo. 4) E acrescenta o Acordo Ortográfico que, se o segundo elemento não tem vida à parte, o prefixo se junta a ele diretamente: preâmbulo, precursor, predeterminar, predispor. 5) Importa observar, entretanto, que o conceito é de extrema fluidez, ao fincar a distinção para fazer ou não a separação por hífen no fato de ter ou não ter o segundo elemento vida à parte. Basta, aliás, considerar os seguintes vocábulos, para se ver a dificuldade de explicação para as respectivas grafias: preanunciação, preaquecimento, precogitação, preconcebido, precondicionar, predelinear, predestinar, predizer, prejulgamento, prenomeação, prequestionamento. 6) Em casos como esses - em que se constata a ausência de critérios fixos e palpáveis para um raciocínio de convicção e certeza - a única saída é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que é uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial. 7) Esse é o único recurso, porque, também conhecido pela sigla VOLP, ele é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação oficial e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900. 8) Pois bem. Voltando à questão que deu origem a estes comentários, importa dizer que, em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar o mencionado verbete com a forma pré-datado.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ter ou Haver?

1) Uma leitora pergunta como distinguir o emprego dos verbos ter e haver, e se um pode ser usado pelo outro. 2) Diga-se, desde logo, que, em alguns casos, ter e haver são praticamente sinônimos e podem ser usados um em lugar do outro; em outras situações, todavia, distinguem-se totalmente. 3) Como auxiliares, empregados na formação dos tempos compostos, são intercambiáveis: tinha amado ou havia amado, tivera amado ou houvera amado, terei amado ou haverei amado. Veja-se este dispositivo de lei: "Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo..." (CPC, art. 472). Bem se poderia substituir: se tiverem sido citados... 4) Interessante observação histórica nos traz Otelo Reis a esse respeito: "Até princípios do século XVIII, ... usavam os escritores muito mais do auxiliar haver que de ter, dizendo: hei sido, hei amado, havia chegado, etc. Atualmente, emprega-se mais frequentemente o auxiliar ter. A linguagem familiar, desataviada, não conhece mesmo o auxiliar haver, que só se emprega em composição mais esmerada..."1 5) Tais verbos também se podem considerar sinônimos e intercambiáveis no significado de alcançar, conseguir, obter, ou mesmo reaver. Exs.: a) "O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor" (CC, art. 1.257, parágrafo único); b) "No caso de falência, insolvência ou execução do prédio gravado, o credor da renda tem preferência aos outros credores para haver o capital indicado no artigo antecedente" (CC/1916, art. 752); c) "O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos..." (CC, art. 505). 6) O verbo haver ainda pode apresentar o conteúdo semântico de considerar ou julgar, e nesse caso também pode ser tido como sinônimo de ter. Exs.: a) "Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica ... o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder" (CC, art. 75, § 2º); b) "Enquanto se não transcrever o título de transmissão, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel, e responde pelos seus encargos" (CC/1916, art. 860, parágrafo único). 7) Também são sinônimos e intercambiáveis na expressão haver lugar ou haver lugar a, com o sentido de caber, em estrutura corrente na legislação portuguesa. Exs.: a) "Aquele que, sem título ou causa legítima, exercer funções próprias dum empregado público, arrogando-se esta qualidade, será punido com a pena de prisão de um até dois anos, e multa correspondente, sem prejuízo das penas de falsidade, se houverem lugar" (CP português, art. 235º; b) "Só pode haver lugar à providência referida neste artigo quando se trate de prisão efetiva e atual..." (CPP português, art. 315º, parágrafo único); c) "Quando haja lugar à extradição do réu, os prazos prescritos nos artigos anteriores para o processo seguir, como de ausentes, começarão a correr desde a data do pedido de extradição" (CPP português, art. 574º); d) "A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição" (CPC, art. 50, parágrafo único); e) "Aos credores só é permitido requerer arrolamento nos casos em que tenha lugar a arrecadação de herança" (CPC, art. 856, § 2º); f) "A representação tem lugar, ainda que todos os membros das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou exista uma só estirpe" (CC português, art. 2.045º). 8) Nas locuções ter de ou ter que - expressões essas que hoje abarcam dois significados (tanto o sentido de obrigação ou dever de, ou de precisar, como a acepção de ter alguma coisa a qual se deve ou se pode fazer) - o verbo ter é sinônimo de haver e bem pode ser por este substituído. Exs.: a) "É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação" (LICC, art. 12); b) "Havendo comunicação de lucros ilícitos, cada um dos sócios terá de repor o que recebeu do sócio delinquente, se este for condenado à restituição" (CC/1916, art. 1.392); c) "Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes..." (CPC, art. 47); d) "Quando se tratar de fotografia, esta terá de ser acompanhada do respectivo negativo" (CPC, art. 385, § 1º); e) "Se a caça ferida se acolher a terreno cercado, murado, valado ou cultivado, o dono deste, não querendo permitir a entrada do caçador, terá que a entregar, ou expelir" (CC/1916, art. 517); f) "Quando o juiz tiver que fazer diferentes quesitos, sempre os formulará em proposições simples e bem distintas..." (CPP, art. 484, VI). 9) A sinonímia e a intercambiabilidade entre ambos, todavia, nos casos mais comuns de emprego, cessam no que foi posto nas observações até agora feitas. 10) Bem por isso, o verbo haver pode significar existir, e, nesse sentido, é impessoal (fica invariável na terceira pessoa do singular) e transmite sua impessoalidade para o auxiliar em eventual locução verbal. Exs.: a) "Há um aluno inteligente naquela classe"; b) "Há vários alunos inteligentes naquela classe"; c) "Deve haver um aluno inteligente naquela classe"; d) "Deve haver vários alunos inteligentes naquela classe"; e) "Nos Territórios Federais com mais de cem mil habitantes, ... haverá órgãos judiciários de primeira e segunda instância..." (CF/88, art. 33, § 3º); f) "As despesas funerárias, haja ou não herdeiros legítimos, sairão do monte da herança..." (CC, art. 1.998); g) "Não haverá distinções relativas à espécie de emprego..." (CLT, art. 3º, parágrafo único). 11) Importa acrescer, no que tange à norma culta, que, nesse significado de existir, o verbo haver não permite a substituição por ter, de modo que o conhecido verso de Carlos Drummond de Andrade - "tinha uma pedra no meio do caminho" - deve ficar na conta da linguagem popular e coloquial. 12) Também é de fácil percepção que o verbo haver não permite substituição por ter, quando significa decorrer: "Havia oito ou nove anos que não nos víamos" (Machado de Assis). 13) O verbo haver ainda pode estar na expressão haver por bem, em que significa dignar-se, resolver, julgar oportuno ou conveniente, e nessa hipótese não há sinonímia nem intercambiabilidade com o verbo ter. Ex.: "Cabe ao tutor, quanto à pessoa do menor: ... II - Reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção" (CC, art. 1.740, II). 14) Também não há sinonímia nem intercambiabilidade entre ambos, quando ao verbo haver se segue um infinitivo e aquele tem o sentido de não é possível, não cabe. Exs.: a) "Não há fugir a essa evidência"; b) "Não há confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; c) "No caso, não há falar em coisa julgada". 15) Nesse caso por último referido, lembra Francisco Fernandes que "também pode concorrer o elemento que entre a forma do verbo haver e o infinitivo".2 Exs.: a) "Não há que fugir a essa evidência"; b) "Não há que confundir o interesse público com o interesse de eventuais governantes ou administradores"; c) "No caso, não há que falar em coisa julgada". 16) De igual modo, não são sinônimos nem intercambiáveis tais verbos, quando haver vem seguido de que + infinitivo e tem o sentido de é preciso, é necessário. Exs.: a) "No caso, não há que olvidar o princípio da boa-fé"; b) "Num país democrático, há que respeitar a liberdade de expressão". 17) Vale acrescentar diversos outros sentidos do verbo ter, nos quais é difícil entrever sinonímia e intercambiabilidade com o verbo haver: a) Quando significa sentir, sofrer, experimentar: "São mães sem terem dores" (Castilho); b) Quando quer dizer conter, encerrar: "Bolsa que tem dinheiro..." (Cândido de Figueiredo); c) Quando tem a acepção de dirigir, orientar, ensinar: "O professor teve este ano só três discípulos" (Caldas Aulete); d) Com o sentido de dar à luz, gerar: "Minha mãe teve seis filhos"; e) Como sinônimo de estar na idade de: "O menino tinha, então, seis anos"; f) Na acepção de valer, importar: "Que tem isso?"; g) Quando significa ser composto, formado: "Esta obra tem três volumes"; h) Por fim, para não alongar em demasia essa lista, com a acepção de avistar-se: "Fui ter com o diretor". 18) Como síntese, vale repisar a observação inicialmente feita: em alguns casos, ter e haver são praticamente sinônimos e podem ser usados um em lugar do outro; em outras situações, todavia, distinguem-se totalmente. _____________ 1 Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1971, p. 23. 2 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 371.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Autor ou Requerente?

1) Uma leitora indaga se existe diferença de uso entre os vocábulos Requerente e Autor. Em caso de resposta positiva, pergunta quando se deve empregar uma palavra ou outra. 2) Por um lado, presencia-se, na atualidade, um crescente avanço da ciência processual, a qual, em aprimoramento da técnica de redação, leva ao abandono de uma terminologia genérica e à busca de vocábulos que indiquem uma real e específica posição do interessado no processo. 3) Por outro lado, e até mesmo em decorrência da ponderação anterior, os tempos modernos exigem o abandono de uma tradição anacrônica e nitidamente extemporânea, como a que pretende perpetuar termos como Suplicante e Suplicado, resquícios de uma vassalagem, oriundos dos tempos da Casa de Suplicação, que os séculos já esqueceram. 4) Ante essas duas premissas, inegável é concluir desde logo que o vocábulo Requerente é termo totalmente genérico e não guarda em si elemento algum de técnica processual, que possa conferir-lhe sentido específico ou posicionamento num determinado feito. 5) De modo mais claro, veja-se que, se Requerente é aquele que requer, tanto o Autor como o Réu podem, numa específica petição, ser o Requerente da providência a que visa o mencionado pedido. Vale dizer: empregar Requerente numa petição não serve, de modo algum, para clarear a situação, nem para indicar a posição processual da pessoa referida. 6) Já Autor é aquele que promove uma ação judicial civil ou uma denúncia penal; e Réu, em contraposição, "é aquele contra quem se promove ação judicial (sentido civil) ou aquele contra quem se move denúncia por fato criminoso (sentido penal)."1 São termos genéricos e corretos para indicar os lados envolvidos em determinada medida judicial. 7) Em outros dizeres: aquele que promove uma ação sempre pode ser chamado de Autor; e aquele contra quem se ajuíza a demanda pode ser chamado de Réu, independentemente das especificidades. Trata-se de terminologia genérica aceita sem problemas maiores. 8) É claro que esse Autor pode ser especificado de acordo com a modalidade da medida judicial manejada: em execução é o Exequente; em ação desconstitutiva de título judicial ou extrajudicial é o Embargante; em reconvenção é o Reconvinte; em mandado de segurança é o Impetrante. 9) E aquele contra quem se manejam tais providências judiciais também podem ser assim especificados: Executado, Embargado, Reconvindo, Impetrado. 10) De modo específico para o caso da consulta: a) Requerente é vocábulo que se deve evitar em petições judiciais, porque, longe de se amoldar à técnica processual, constitui generalidade que confunde (nada impede, por exemplo, que o próprio Réu de determinada ação seja o requerente de certa petição); b) Autor é termo técnico genérico, que pode ser usado para indicar todo aquele que promove uma ação judicial civil (não importando sua especificidade) ou de uma denúncia penal; c) nada impede que haja o emprego de termos mais específicos que se amoldem à medida judicial manejada: Autor (para ações de conhecimento em geral), Exequente, Embargante, Reconvinte, Impetrante. __________________ 1 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 175.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Impetrar - Quando se usa?

1) Um leitor viu empregado o verbo impetrar indicando atividade diversa do ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus e indaga se é correto tal uso. 2) Anote-se, de início, que Maria Helena Diniz, além da acepção de "requerer perante autoridade competente 'habeas corpus' ou 'mandado de segurança'", aponta dois outros sentidos jurídicos para o verbo impetrar: a) "interpor recurso"; b) "requerer decretação de determinada medida judicial".1 3) Nos repositórios legais, por um lado, esse verbo atende com exatidão ao significado de ajuizamento de mandado de segurança, como se pode notar em dispositivo constitucional: "... o mandado de segurança pode ser impetrado por..." (CF/88, art. 5º, LXX). 4) Nesse mesmo sentido é usado em dois dispositivos da lei específica que rege o instituto: a) "O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro, poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer" (Lei 1.533, de 31.12.1951, art. 3º); b) "Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos desta Lei, impetrar o mandado de segurança por telegrama ou radiograma ao juiz competente..." (Lei 1.533, de 31/12/1951, art. 4º). 5) Quando se trata de habeas corpus, a legislação também costuma destinar ao mencionado verbo a acepção de seu ajuizamento: "O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público" (CPC, art. 654). 6) Por outro lado, importa acrescentar que o Código Civil de 1916 - célebre pelo apuro linguístico decorrente da polêmica travada entre Rui Barbosa e seu professor, Ernesto Carneiro Ribeiro - aplicou tal verbo com a simples acepção de requerer, ou mesmo de ajuizar outra modalidade de demanda: "O possuidor, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da violência iminente..." (CC/1916, art. 501). 7) O Código de Processo Civil de 1973, reconhecido pelo esforço de apuro científico e busca de perfeição terminológica, também o usou à margem do seu sentido original de ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus: "O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente" (CPC, art. 932). 8) Também o Código de Processo Penal Militar, ao falar da assistência na ação penal, após explicitar diversas medidas que se vedarão ao assistente, assevera que ele "não poderá, igualmente, impetrar recursos, salvo de despacho que indeferir o pedido de assistência" (CPPM, art. 65, § 1º). 9) Em síntese: muito embora normalmente o verbo impetrar queira dizer o ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus, o certo é que também ele pode ser usado para indicar (i) a interposição de recursos, (ii) o requerimento de outras providências judiciais e (iii) o aforamento de demandas de outra natureza. ____________ 1 Cf. DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico. 1. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 2, 1998, p. 775.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Pretérito mais-que-perfeito

1) Um leitor relata que uma colega de trabalho, em suas peças jurídicas, usa do pretérito mais-que-perfeito o tempo todo, nos lugares em que o normal seria empregar o pretérito perfeito. E indaga se essa é uma opção estilística válida, ou se há equívoco na utilização indiscriminada desse tempo verbal. 2) Em termos de fixação de premissas, observe-se que o pretérito perfeito indica uma ação terminada ("Fiz o trabalho"), enquanto o pretérito mais-que-perfeito aponta uma ação passada em relação ao próprio perfeito ("Quando ela chegou, eu já fizera [ou tinha feito] o trabalho". 3) Para Evanildo Bechara, em seu emprego clássico, o pretérito mais-que-perfeito "denota uma ação anterior a outra já passada"1, e isso se pode observar com facilidade em exemplo de autor inquestionável: "No dia seguinte, antes de me recitar nada, explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima..." (Machado de Assis). 4) Em segunda possibilidade de emprego, o pretérito mais-que-perfeito pode, sem correlação com outra ação passada, denotar um fato vagamente situado no passado, como se dá no seguinte exemplo: "Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos" (Monteiro Lobato). 5) E, para o que interessa aqui, não há outra permissão para emprego do pretérito mais-que-perfeito. 6) Respondendo de modo mais direto ao leitor, pode-se dizer que, se não ocorre nenhum dos casos citados - (i) nem ação anterior a outra já passada, (ii) nem fato vagamente situado no passado, mesmo sem correlação com outra ação passada - , mas se lança mão do pretérito mais-que-perfeito como simples equivalente do pretérito perfeito, então o que há é um equívoco nesse indiscriminado emprego de tempo verbal. _____________ 1 Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 275.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012

António ou Antônio?

1) Um leitor de nome Antônio ouviu dizer que António é a grafia correta do seu nome após as recentes modificações em nossa ortografia e indaga se isso corresponde à realidade ou não. 2) Vale a pena lembrar, de início, que, contrariamente ao que muitos pensam, o Acordo Ortográfico de 2008 não veio para simplificar a escrita; seu objetivo maior, em verdade, foi unificar a duplicidade de escritas de Brasil e Portugal, ou, quando muito, sistematizá-las, mediante a permissão de emprego de formas distintas usadas em ambos os países. 3) Também não se deve esquecer, quanto aos fatos da língua, que uma palavra como a da consulta, em que a sílaba tônica vem logo antes de um som nasal (normalmente antes de m ou n), é pronunciada de modo fechado (ô) no Brasil, mas com o timbre aberto (ó) em Portugal. 4) Ante tal realidade, ao sistematizar a duplicidade de pronúncias dos dois países, o Acordo Ortográfico, querendo legalizar a ambas perante a ortografia, determinou de modo expresso que "levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tônicas/tónicas grafadas e ou o estão em final de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respectivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua". 5) Seguem alguns exemplos dessa correta duplicidade de grafias: acadêmico/académico, anatômico/anatómico, cênico/cénico, cômodo/cómodo, fenômeno/fenómeno, gênero/género, topônimo/topónimo, Amazônia/Amazónia, Antônio/António, blasfêmia/blasfémia, fêmea/fémea, gêmeo/gémeo, gênio/gênio, tênue/ténue. 6) Duas observações não podem ser esquecidas: a) Em todas essas palavras, sempre há um acento obrigatório; b) O que se põe ao usuário é a opção de empregar acento circunflexo (^) ou acento agudo ('), conforme a pronúncia do país.
quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Chovia uma chuva...?

1) Um leitor indaga a respeito da estrutura sintática do exemplo: "Chovia uma triste chuva de resignação". 2) Por facilidade didática e de raciocínio, veja-se, por primeiro, o exemplo "Ele viveu": a) Há o sujeito (ele) e o verbo (viveu); b) O verbo não tem complemento, e é bastante em si na estruturação sintática; c) Por isso, ele se chama verbo intransitivo. 3) Considere-se, a seguir, outro exemplo: "Ele viveu uma vida tranquila": a) Há o sujeito (ele), o verbo (viveu) e um complemento sem preposição (uma vida tranquila); b) O verbo, contrariamente a suas características normais, apresenta um complemento; c) Assim, o verbo é, no caso, transitivo direto, e uma vida tranquila é seu objeto direto. 4) Acrescente-se que, como esse objeto direto traz uma ideia de pleonasmo já contida no próprio verbo, costuma-se chamá-lo de objeto direto interno. Outros exemplos ilustram essa ocorrência de verbos normalmente intransitivos, que às vezes se apresentam com objetos diretos internos: a) "Sonhei um sonho..."; b) "Dancei uma dança..."; c) "Ele dormiu o sono dos justos"; d) "Ele viveu uma vida de cão"; e) "... e rir meu riso..."; f) "Morrerás morte vil". 5) Com essas considerações, torne-se ao exemplo da consulta - "Chovia uma triste chuva de resignação": a) Como os demais verbos que indicam fenômenos meteorológicos, chovia é impessoal, de modo que essa é uma oração sem sujeito; b) Chovia é um verbo normalmente intransitivo; c) No caso, porém, ele, excepcionalmente, se apresenta como transitivo direto; d) Seu objeto direto é uma triste chuva de resignação; e) Como a ideia do objeto direto já se acha contida no próprio verbo, então se tem, por força do pleonasmo, um objeto direto interno.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Prover a mantença ou Prover à mantença?

1) Uma leitora pergunta se não há erro no texto do art. 1.695 do Código Civil (objeto de questão do 178º Concurso da Magistratura de São Paulo), quando registra que "são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover... à própria mantença..." Para o consulente, a crase seria indevida antes de mantença, já que prover é verbo transitivo direto. 2) A questão da leitora busca saber, em suma, se o verbo prover pede um objeto direto ou um objeto direto e se, por conseguinte, o respectivo complemento deve vir ou não regido pela preposição a. E isso é uma questão de regência verbal. 3) Celso Pedro Luft leciona que o verbo prover, quando tem o sentido de acudir, de atender, é transitivo indireto. E exemplifica: a) "Prover às despesas"; b) "Prover ao pagamento de uma dívida"; c) "Prover ao seu sustento"; d) "Prover à própria subsistência".1 4) O ensino de Francisco Fernandes não é diferente e traz a corroboração de exemplos de excelentes autores: a) "Prover à segurança pública" (Morais); b) "Prover às necessidades do hospital" (Cândido de Figueiredo); c) "Nem provê às necessidades do gênero humano" (Rui Barbosa).2 5) Ante essas lições, conclui-se não haver reparo algum a ser feito à redação do art. 1.695 do Código Civil, quando registra que "são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover... à própria mantença..." 6) A crase antes de mantença é totalmente adequada, já que prover, no sentido empregado, é verbo transitivo indireto e pede que o complemento seja regido pela preposição a, a qual, ao se fundir com o artigo a que antecede mantença, gera a crase. ____________ 1 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 424. 2 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, p. 483.