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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Cáiser - Existe?

1) Um leitor indaga qual a razão - se é que existe - para que o Dicionário Aurélio inclua a forma cáiser como nome do imperador da Alemanha, adaptação essa que não encontrou em outros dicionaristas, como Michaellis, Caldas Aulete e Figueiredo. E resume: "o sr. Aurélio gosta de neologismos, ou esse uso tem alguma base racional?". 2) Veja-se, por primeiro, quanto à etimologia, que, entre os romanos, um imperador ou príncipe tinha o título de caesar (pronuncia-se césar); na Rússia, seu equivalente era czar; na Alemanha, kaiser. 3) Uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa mostra que nele se registram os três seguintes vocábulos como pertencentes ao nosso léxico: cáiser, césar e czar. 4) Ora, a Academia Brasileira de Letras, entidade que edita o VOLP, tem, por delegação da lei, a incumbência para listar oficialmente as palavras pertencentes ao nosso idioma, assim como para determinar-lhes a grafia e fixar-lhes a pronúncia. Desse modo, em termos oficiais, legem habemus, razão pela qual está autorizado o uso do mencionado vocábulo. 5) Importante acréscimo se há de fazer: nossos dicionaristas, por mais respeitados que sejam e por melhores serviços que tenham prestado ao idioma, não são autoridades oficiais no assunto da consulta. Bem por isso, se suas lições contrariam o VOLP ou dele divergem, a este (e não àqueles) se deve prestar obediência, independentemente, até mesmo, de eventuais incoerências ou imperfeições que se possam apontar nos critérios por ele seguidos. Vale aqui a observação que se faz acerca da lei: pode-se, em tese e no plano da Ciência, discuti-la, questionar seus critérios, sua própria justiça; mas, na prática, incumbe segui-la e prestar-lhe obediência.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Contra-razões ou Contrarrazões de apelação?

Contra-razões ou Contrarrazões de apelação? 1) Ante as recentes modificações quanto ao emprego do hífen, ocasionadas pelo acordo ortográfico de 2010, diversos leitores indagam qual a forma correta da expressão: I) Contra-razões de apelação; II) Contrarrazões de apelação? 2) Antes de mais nada, a título de introdução, observa-se que a maioria dos gramáticos defendiam que o emprego do hífen era assunto que carecia de sério e profundo trabalho de sistematização e simplificação. Longe de melhorar a situação, o que o acordo fez foi complicar ainda mais o que já era difícil. 3) Mas tentemos solucionar a questão. Pela regra do acordo ortográfico, quando se tem o prefixo contra, emprega-se o hífen em dois casos: I) se o segundo elemento começa por h (contra-habitual, contra-harmonia, contra-haste, contra-homônimo); II) quando a palavra seguinte se inicia com a mesma vogal que termina o prefixo (contra-acusação, contra-almirante, contra-apelação, contra-arrazoado, contra-arrestar, contra-ataque). 4) Nos demais casos, não há hífen (contrabalançar, contracapa, contracheque, contraescritura, contrafé, contrainterpelar, contraoferta). 5) Além disso, se a palavra seguinte se inicia por r ou s, tais consoantes são duplicadas, mas não se usa o hífen (contrarreforma, contrarregra, contrarréplica, contrasseguro, contrassenso, contrassistema). 6) De modo prático para o caso da consulta, vê-se que o correto, agora, é contrarrazões, e não mais contra-razões. 7) Adiciona-se ponderação importante: o ato de argumentar e escrever as razões de apelação tanto pode ser razoar como arrazoar; desse modo, oferecer a respectiva resposta tanto pode ser contrarrazoar (que é o resultado de contra + razoar) como contra-arrazoar (resultado de contra + arrazoar). ______ * Publicado originalmente em 10/2/10
quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Em vez de ou ao invés de

1) Cuidado com essa expressão, cujo significado é em lugar de. Ex.: "Em vez de português, procure estudar matemática". 2) Não confundir com ao invés de, cujo significado é ao contrário de. 3) Alguns autores, como Napoleão Mendes de Almeida1, defendem a possibilidade de que a primeira expressão possa ser utilizada em lugar da segunda, mas não o inverso. 4) Nesse sentido também há a síntese de Josué Machado: "Em vez de que dizer em lugar de; ao invés de significa ao contrário de. No entanto, em vez de pode substituir ao invés de, mas ao invés de não pode substituir em vez de".2 5) Outros, porém, como Vitório Bergo, não permitem confusão alguma, e fazem total diferença entre essa expressão, com o sentido de em lugar de, e a locução ao invés de, com o significado de ao contrário de3. 6) Desse último posicionamento também é o Padre José F. Stringari, para quem "a locução ao invés de não tem parentela nenhuma com em vez de", trazendo em colaboração exemplos de autores os mais abalizados: a) "Em vez de livro, prometeu-lhe o Espírito Santo" (Camilo Castelo Branco); b) "Nada aqui pomos que seja por nós inventado; muito ao invés disto, nos ativemos à exposição do mestre universaldo espiritismo" (Carlos de Laet).4 7) Edmundo Dantes Nascimento, com a corroboração de exemplos significativos, também faz a distinção: em vez de "significa mera substituição", enquanto ao invés de traz a "ideia de oposição" e é "semelhante a ao revés de": a) "Absolveu, ao invés (ao revés) de condenar" (oposição); b) "Condenou a dois anos em vez de três" (substituição).5 8) Lembrando ser "comum a troca entre expressões parônimas" e que não se há de confundir a locução considerada com ao invés de, anotam Regina Toledo Damião e Antonio Henriques que "a expressão em vez de não exige sentido de situação antônima; basta a ideia de mera substiruição".6 9) Nesse mesmo sentido é a doutrina de Arnaldo Niskier: "ao invés de só se usa quando há ideias opostas, contrárias; quando as alternativas não são opostas, utiliza-se em vez de".7 10) O melhor parece ser acolher a lição majoritária, com a integral distinção entre as referidas expressões. 11) De modo específico para o caso da consulta, fixa-se, por primeiro, o sentido exato do texto: 'Em lugar de fazer comentários..., preferimos colar..." Estabelecida a exata significação, vê-se, ante as observações feitas, que só se pode dizer, no caso, "Em vez de...", jamais "Ao invés de...", ainda para a posição mais liberal da Gramática. Certo, portanto, o nosso leitor, ao apontar o equívoco do nosso Migalhas. _________ 1Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 26. 2Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 182. 3Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. v. II, p. 100. 4Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 60. 5Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantes. Linguagem Forense.5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 83. 6Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curdo de português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 60. 7Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 32. __________ * Publicado originalmente em 16/8/06.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A disposição ou à disposição?

"A disposição" ou "à disposição"? 1) Um leitor indaga qual a forma correta: a disposição ou à disposição. 2) Parta-se do princípio de que crase é a fusão de duas vogais idênticas, e o encontro mais corriqueiro dessa natureza é o da preposição "a" com o artigo feminino "a" ou "as", com o resultado de à ou às. 3) Mas não se esqueça que, quando se fala em preposição, pensa-se em uma estrutura sintática, com as partes da oração relacionadas entre si, de modo que, no caso, não é possível responder à indagação tal como formulada, por não se conhecer em que contexto se encontra a expressão discutida. 4) Por isso, para poder responder adequadamente à indagação, formulam-se dois exemplos: I) "A disposição dele já não era a mesma..."; II) "Ele sempre estava a disposição dos companheiros..." (O acento indicativo da crase, em um dos exemplos, foi eliminado de propósito, para efeito de raciocínio). 5) Ora, na prática, quando se quer saber se há crase antes de um substantivo comum feminino (como é o vocábulo disposição no caso da consulta), o melhor é substituir mentalmente tal substantivo feminino por um correspondente masculino, como, por exemplo: I) "O entusiasmo dele já não era o mesmo..."; II) "Ele sempre estava ao dispor dos companheiros..." 6) Feito esse raciocínio simples, então se aplica a seguinte regra geral de crase: se, com a substituição, aparece ao ou aos no masculino, há crase no feminino. 7) E se conclui para o caso da consulta: I) "A disposição dele já não era a mesma..."; II) "Ele sempre estava à disposição dos companheiros..." ___________ *Publicado originalmente em 4/3/09
quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O de que - Está correto?

1) Um consulente escrevia a Mário Barreto, assinalando estarem erradas as seguintes frases: a) "Um punhal foi do que se valeu o assassino"; b) "Do que se trata agora é de sair daqui". 2) Assinalava o subscritor da missiva a ocorrência de erros em tais frases, uma vez que a preposição estaria fora do lugar que lhe competia na primeira oração: Um punhal foi o de que se valeu...; na segunda oração, deveria haver a dissolução da expressão do que: O de que se trata... 3) O insigne filólogo, todavia, observou que "neste, como noutros casos, a incontestável autorização do uso chegou a dar salvo-conduto a construções a que chamam absurdas e aberrações que não consentem a análise". 4) E acrescentou que "tanto Rui Barbosa como outros escritores praticam também a deslocação da preposição", sendo "costume agregar-se no antecedente a preposição que pertence ao relativo": a) "No que se deve cuidar, portanto, é em educá-lo e corrigi-lo" (Rui Barbosa); b) "No que reparo agora é em duas coisas, que estão bem à flor da terra" (Padre Manuel Bernardes). 5) Por isso, o próprio gramático desfilou uma série de exemplos de uso corriqueiro, em que se dá tal junção: a) "Não sei no que pensas"; b) "Não sei te dizer do que mais gostei em Paris"; c) "Não sabes do que sou capaz"; d) "Isso é do que me estou queixando". 6) E justificou, antes de asseverar que a outra forma "é artificiosa e quase inusitada": "Tal é o poder do hábito nestas construções, que a ninguém, procedendo espontaneamente, ocorrerá colocar essas palavras na ordem que deveriam ter, e como se faz ao analisar-se tal classe de orações". 7) Em verdade, na consonância com ensinamento de Laudelino Freire, que traz significativos exemplos para tanto, "quando na frase vem o demonstrativo o seguido do relativo que, costuma-se, e é o que faz a linguagem corrente, juntar o o à preposição que pertence ao relativo": a) "Não sei no que (o em que) pensar"; b) "Veja ao que (o a que) me exponho"; c) "Já não sei para o que (o para que) eles prestam"; d) "Ainda não sei ao que (o a que) vem o Senhor". 8) E complementa tal gramático: "Entretanto o não agregar o demonstrativo o à preposição imprime ao dizer verdadeiro cunho clássico, como se vê neste exemplo de Castilho: '... mas amor, que é o a que ela aspira, não lhe chega a prometer'".
quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Remição ou Remissão da pena?

1) Por etimologia, o vocábulo remição significa resgate ou reaquisição onerosa de alguma coisa. Ex.: "A remição do homem custou sangue divino". 2) Em Direito, sempre com essa ideia das origens, fala-se, por exemplo, em remição da execução (resgate desta, mediante pagamento de todo o seu valor), remição da hipoteca (pagamento da dívida hipotecária por pessoa que não estava pessoal e originariamente obrigada a tanto), remição dos bens executados (libertação, por pessoas legalmente autorizadas, dos bens trazidos à execução, mediante depósito do preço de sua avaliação). 3) Já a palavra remissão, do latim remissio, traz em si o sentido de perdão, renúncia, desistência, absolvição. Ex.: "A remissão do pecado do homem custou sangue divino". 4) Juridicamente, exprime renúncia voluntária, perdão ou liberação graciosa de uma dívida, de um direito, e, assim, constitui, por conseguinte, modo de extinção de obrigação ou direito. 5) Embora os textos de lei observem normalmente a exata significação de ambos os vocábulos, o Código Civil de 1916 se equivocou em pelo menos oito situações e acabou por empregar remissão, quando o contexto não trazia a ideia de perdão, mas sim de resgate, motivo pelo qual, em tais casos, o correto seria remição. 6) Vejam-se, para exemplos, os seguintes dispositivos: a) "O herdeiro ou sucessor que fizer a remissão fica sub-rogado nos direitos do credor pelas cotas que houver satisfeito" (CC/1916, art. 766, parágrafo único); b) "Não sendo requerida a licitação, o preço da aquisição, ou aquele que o adquirente propuser, haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que, pago ou depositado o dito preço, ficará livre de hipotecas" (CC/1916, art. 816, § 1º). 7) Com a edição do Código Civil de 2002, o erro foi corrigido, no primeiro caso, como se pode verificar no art. 1.429, parágrafo único; continua, todavia, o equívoco no segundo dispositivo, como se pode verificar pela redação do art. 1.481, § 2º. 8) De modo específico para a indagação trazida, pode-se dizer que, por um lado, que existe remição da pena, como a que foi instituída pela Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), a qual, como explica o art. 126, "caput", da referida lei, é uma forma de resgate de parcela da pena privativa de liberdade por meio do trabalho do preso que, assim, diminui o tempo de sua condenação. Tal redução se faz à razão de um dia de pena por três de trabalho. Vê-se, no caso, nítida ideia de resgate, de pagamento. 9) Por outro lado, também se pode falar em remissão da pena, que é seu perdão no todo ou em parte, recebendo, conforme o caso, a designação própria e específica de graça ou indulto. ___________ *Publicado originalmente em 13/12/2006
1) Veem-se, com frequência, certidões de oficiais de justiça com o registro de que o réu se encontra "em lugar incerto e não sabido", expressão essa que, às vezes, se repete em editais, em manifestações de advogados, promotores, juízes e até mesmo em livros de doutrina. 2) Ora, ao determinar a citação do réu por edital, o art. 231, II, do Código de Processo Civil discrimina as situações em que tal há de ocorrer: a) "quando ignorado... o lugar em que se encontrar"; b) "quando ... incerto... o lugar em que se encontrar"; c) "quando ... inacessível o lugar em que se encontrar". 3) Para Moniz de Aragão, encontra-se em lugar ignorado, não sabido, ou desconhecido, por exemplo, aquele que "abandonou o lar e tomou rumo ignorado"; por outro lado, reside em lugar incerto, mas conhecido, aquele que se "muda para uma cidade grande ou nesta se transfere de casa e não se sabe onde fica situada a nova residência", não sendo possível localizar tal pessoa "sem conhecer o nome da rua e o número da casa onde mora". 4) Ante tal ensinamento, em outras palavras, numa primeira hipótese, o oficial de justiça poderá não ter notícia alguma do paradeiro do réu, caso em que certificará estar ele em lugar não sabido; numa segunda hipótese, poderá ter vaga notícia de que, por exemplo, retornou a Minas Gerais, mais especificamente para o vale do Jequitinhonha, ou mesmo que se mudou para a cidade de São Paulo, sem deixar o real endereço, e neste caso certificará que ele está em lugar incerto. 5) O que não se pode afirmar, todavia, é que o réu se encontra, ao mesmo tempo, "em lugar incerto e não sabido", expressão essa que encerra verdadeira contradição nos próprios termos. 6) Exatamente nessa esteira, observa Geraldo Amaral Arruda que antigos textos legais referiam-se a lugar incerto ou não sabido, conforme do réu "não se tivesse nenhuma notícia ou dele se tivesse notícia em lugar não determinado (p. ex., em uma cidade não determinada do sul de Minas Gerais)". 7) E complementa tal autor ser um contrassenso dizer lugar incerto e não sabido, pois "nenhum lugar pode ser incerto e, ao mesmo tempo, não sabido". 8) Fiel a esse entendimento, o Código de Processo Civil, em dois dispositivos, fala tão somente de lugar incerto (arts. 72, § 1º, "b", e 942), sem acrescentar não sabido; e o Código Civil fala em lugar remoto ou não sabido (art. 1.570), ou seja, refere-se a ambos de maneira disjuntiva.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Fórum ou Foro?

1) Fórum é forma vinda diretamente do latim e significa, em termos jurídicos, o próprio lugar onde funciona a Justiça, o prédio em que as causas são julgadas. Nesse sentido, tem por sinônima pouco usada a palavra foro (com pronúncia aberta no singular e no plural, mas sem motivo algum de acento gráfico em qualquer dos casos). Exs.: a) "O fórum cível central de São Paulo fica na Praça João Mendes"; b) "O foro (ó) cível central de São Paulo fica na Praça João Mendes".2) Como todo vocábulo paroxítono terminado em um ou uns, fórum é palavra acentuada tanto no singular quanto no plural: fórum, fóruns. Todavia não recebem acento - repita-se - nem foro nem foros.3) Não se encontrando exemplos de emprego de foro (ó) na legislação mais conhecida, vejam-se alguns exemplos de emprego da palavra fórum na legislação: a) "Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: I - for determinado o fechamento do fórum" (CPC, art. 184, § 1º, I); b) "A praça realizar-se-á no átrio do edifício do fórum..." (CPC, art. 686, § 2º); c) "O edital será afixado no átrio do fórum..." (CPC, art. 687, em redação revogada).4) Com pronúncia fechada no singular (ô) e aberta no plural (ó), dentre outros sentidos, significa a própria jurisdição, o âmbito, a alçada, o poder de julgar. Ex.: "Mesmo havendo foro de eleição, normalmente não há empecilho a que se ajuíze a demanda na comarca do domicílio do réu".5) Nesse sentido, também é palavra que, na atualidade, não tem razão alguma para ser graficamente acentuada nem no singular (ô) nem no plural (ó).6) Com Arnaldo Niskier, vale reiterar "que o plural de foro, como o de forno, é pronunciado com o tônico aberto (ó)". A essa alteração de timbre fechado no singular para aberto no plural, dá-se o nome de metafonia.7) Essa também é a lição de Artur de Almeida Torres, que inclui tal vocábulo entre os "substantivos terminados em o átono que fazem o plural com acréscimo de s, passando a aberto o timbre fechado da vogal tônica" (fóros).8) Nesse sentido se diz "foro de eleição", "causa a ser discutida neste foro", "expressão usada na linguagem do foro", e há diversos exemplos de seu emprego na legislação: a) "A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso" (CPC, art. 38); b) "A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu" CPC, art. 94); c) "Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles" (CPC, art. 94, § 1º); d) "Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa" (CPC, art. 95).9) Para sintetizar, vale a pena trazer a lição de Antonio Henriques, que assim diferencia os vocábulos: a) fórum - "o termo, além de outros significados, adquiriu o sentido de lugar de mercado, centro dos negócios públicos e privados, lugar onde se resolviam as contestações e processos", daí advindo o sentido atual: "lugar, espaço físico, prédio onde funcionam os órgãos do Poder Judiciário"; b) foro corresponde a fórum, "com som aberto no singular e plural"; c) foro (som fechado no singular e aberto no plural) - tem sentido de área de jurisdição, o raio de ação do juiz, podendo significar, também, "juízo, julgamento (foro íntimo, v. g.), costume, uso".
quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dar-se ao trabalho de ou Dar-se o trabalho de?

1) Com frequência se encontram, em textos jurídicos e arrazoados forenses, frases como "O advogado não se deu ao trabalho de pesquisar a íntegra do acórdão", em que o verbo dar-se, pronominal, tem o sentido de entregar-se, de dedicar-se; e se fica em dúvida se essa sintaxe é a correta, ou se uma outra é que é certa: "O advogado não se deu o trabalho de pesquisar a íntegra do acórdão". 2) Fixe-se, desde logo, que ambas as construções são corretas, podendo as observações aqui feitas ser estendidas a outras expressões similares, como dar-se ao incômodo ou dar-se ao luxo. 3) Do primeiro modelo (dar-se ao trabalho), podem-se alinhar alguns exemplos: a) "Não ponho o número, para que algum curioso... se dê ao trabalho de investigar e completar o texto" (Machado de Assis); b) "Não queria se dar ao trabalho de buscar emprego" (Nélida Piñon); c) "Lúcia Miguel Pereira, sempre tão escrupulosa, deu-se ao trabalho de ler toda essa matéria impressa" (Manuel Bandeira). 4) De igual modo, podem-se citar exemplos da segunda estrutura (dar-se o trabalho): a) "Ela nem se dá o trabalho de responder à pergunta" (Érico Veríssimo); b) "Quem quer que se dê o trabalho de ler..." (José Guilherme Merquior); c) "Deu-se o trabalho de vir aqui" (Menotti Del Picchia). 5) Quanto ao que ocorre no plano da sintaxe, em tais casos, assim explicita com propriedade Domingos Paschoal Cegalla: a) na estrutura ele deu-se ao trabalho, o pronome oblíquo se é objeto direto, e trabalho é o objeto indireto, querendo a expressão significar que a pessoa se entregou ao trabalho; b) já na construção ele deu-se o trabalho, o pronome oblíquo se é objeto indireto, e trabalho é o objeto direto, com o sentido prático de que alguém impôs o trabalho a si próprio. 6) Remate-se com Celso Pedro Luft, para quem dar-se ao trabalho é a sintaxe originária, enquanto dar-se o trabalho é construção que ocorre nos dias de hoje.
quarta-feira, 10 de julho de 2013

A catorze de julho ou Em catorze de julho?

1) Na lição de Napoleão Mendes de Almeida, em nossos dias, diz-se, com naturalidade, "em julho" e "em 1789", e se pergunta "em que dia?", de modo que, para tal autor, não se fala "a julho", nem "a 1789", e não se pergunta "a que dia?". Por esses motivos, para ele, haver-se-á de dizer em catorze de julho, e não a catorze de julho. 2) Em sentido oposto, alinhando exemplo de Camilo Castelo Branco, assegura Vitório Bergo que a cinco de maio se trata de "legítima expressão portuguesa, equivalente a no dia cinco". 3) Eduardo Carlos Pereira, de igual modo, sem proceder a qualquer distinção, exemplifica com "aos vinte de janeiro". Esse mesmo autor acrescenta, em lição apropriada para os meios jurídicos, que "na linguagem forense se diz: Aos 24 dias do mês de abril". 4) Júlio Ribeiro, por seu lado, não apenas admite, e em mais de uma passagem, o uso da preposição a em tais casos, mas chega a preconizar a omissão do artigo (a 14 de março, a 18 de maio, a 2 de maio, a 4 de janeiro), acrescentando que, "quando se põe clara a palavra dias, também se usa do artigo: Aos doze dias do mês de janeiro". 5) Lembra Alfredo Gomes, sem condenação alguma e com aprovação implícita, ser "conhecida a 'fórmula própria de autos e processos judiciários e outros': aos dez dias do mês de abril do ano...". 6) Partindo de dois exemplos - "Fernando Pessoa nasceu a 13 de junho de 1888" e "Fernando Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888" - observa Arnaldo Niskier, sem quaisquer comentários adicionais, que "as duas construções estão corretas". 7) E acrescenta também como possíveis duas outras: a) "... nasceu no dia 13 de junho"; b) "... nasceu aos 13 dias do mês de junho". 8) Ante as divergências entre os gramáticos, pelo vetusto princípio de que, na dúvida, há liberdade para o usuário, o melhor é ter como corretas todas as seguintes expressões: a) "Nasceu em 4 de julho"; b) "Nasceu a 4 de julho"; c) "Nasceu no dia 4 de julho"; d) "Nasceu aos 4 de julho"; e) "Nasceu aos 4 dias do mês de julho".
1) Repetindo nesse particular norma do art. 15 do ordenamento processual anterior, o art. 169, parágrafo único, do Código de Processo Civil, ao regrar a forma dos atos do processo, estatui de modo taxativo: "É vedado usar abreviaturas". 2) No conceito de Pontes de Miranda, "abreviatura é toda grafia que diminui a palavra, ou locução, ou frase, com elementos dela mesma", acrescentando tal autor que o proceder de quem abrevia "indica, sempre, pressa, economia de tempo, de fadiga", e, "às vezes, simples amor a símbolos, a sinais, sem que a intensidade da vida social ou individual a justifique". 3) Pondera Egas Dirceu Moniz de Aragão, para o caso da determinação do ordenamento processual em vigor, que "a vedação do uso de abreviaturas não é absoluta, sendo elas admissíveis nos casos comuns, como a indicação dos números e datas, assim como, por exemplo, do mês, pela ordem numérica". 4) Asseverando que "o que se proíbe é o emprego da abreviatura de palavras, por tornar difícil, senão impossível, a compreensão, no futuro, do texto", justifica ele que "os autores medievais, incluídos os glosadores, assim como os praxistas portugueses, valiam-se muito das abreviaturas, que dificultam o entendimento", adicionando que, "se isso se aplicasse aos autos de qualquer processo, surgiriam inadmissíveis dúvidas de interpretação". 5) Por sua vez, Antônio Dall'Agnol - com a ponderação de que a regra deve "ser interpretada cum grano salis", já que seu escopo é "evitar obscuridade" - realça que "existem abreviaturas, no entanto, que já ganharam foros de cidade na atividade forense, não havendo porque deixar de usá-las", uma vez que, "na maioria das vezes, representam economia de tempo". 6) E exemplifica o referido autor: "Assim, v. g., Rh (recebi hoje); D.R.A. (distribua-se, registre-se, autue-se) etc.". 7) Por fim, complementa: "O que não merece admissão é o uso de abreviaturas comuns em outras áreas, como na bancária ou na de contabilidade, por não serem de domínio geral ou específico dos profissionais do direito e partes". 8) Acresce dizer que o art. 15 do Código de Processo Civil de 1939, além de vedar as abreviaturas, também determinava deverem "ser escritos por extenso os números e as datas", regra essa não repetida pelo ordenamento processual em vigor; assim, não mais existe obrigatoriedade alguma nesse sentido, devendo o usuário apenas zelar no sentido de ser claro e de dificultar eventual fraude. 9) Anote-se, por fim, o ensino de Pontes de Miranda, no que concerne à transgressão do disposto no art. 169, parágrafo único, do Código de Processo Civil: "o defeito, aparecendo as abreviaturas em atos e termos, não é sem eventuais remédios: o dos arts. 243 e 245". 10) Isso quer dizer, por um lado, que, "quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa" (CPC, art. 243); por outro lado, quer significar que "a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão" (CPC, art. 245). 11) E se acrescente o vetusto princípio de processo segundo o qual não se decreta nulidade sem prova do prejuízo.
A maior parte de 1) Para efeitos de sintaxe, equivalem a coletivos algumas expressões como a maioria de, a maior parte de, boa parte de, grande número de, grande parte de, uma vez que, mesmo tendo a aparência formal de singular, indicam o agrupamento de seres. 2) No que concerne à concordância verbal, tais expressões, se desacompanhadas de termo especificador, deixam o verbo no singular. 3) Se acompanhadas de termo especificador no plural, todavia, pode o verbo, facultativamente, ficar no singular ou ir para o plural. 4) Por isso, vejam-se as seguintes concordâncias, com a indicação de sua correção ou erronia: a) "A maioria segue esse entendimento" (correto); b) "A maioria seguem esse entendimento" (errado); c) "A maioria dos autores segue esse entendimento" (correto); c) "A maioria dos autores seguem esse entendimento" (correto).1 5) Quando há opção de concordância, todavia, dá-se ela no plano sintático, porquanto, no que tange ao sentido, nada é indiferente, e, como lembra Aires da Mata Machado Filho, "reside a decisão no ambiente expressional, também chamado contexto". 6) E explicita tal gramático: "Se o primeiro plano da expressão coube ao coletivo, deixa-se estar o verbo no singular; se convém ao complemento no plural, irá para esse número".2 7) Também reconhecendo em tais locuções acompanhadas de especificador no plural a natureza de coletivos partitivos (expressões que designam parte de um todo), anota Arnaldo Niskier que estes "admitem as duas concordâncias, isto é, o verbo pode aparecer tanto no plural quanto no singular". 8) "Mas", acrescenta ele, "a segunda forma faz bem aos nossos ouvidos".3 _________________ 1 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 205. 2 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. v. 4, p. 1.336. 3 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 93.
quarta-feira, 5 de junho de 2013

Havia dado é cacófato?

1) Um leitor indaga se o encontro de sons que ocorre na expressão havia dado é cacófato. 2) Genérica e tecnicamente, cacófato ou cacofonia "é um vício resultante do encontro de vocábulos que no conjunto se prestam à formação de termo inconveniente".1 3) Na visão rígida de Alfredo Gomes, basta o vocábulo pouco fino, formado pelo encontro do final de uma palavra com o começo da outra, para configurar o cacófato, como é o caso de fica cá, cama minha, prima minha, uma mão.2 4) Por seu lado, Júlio Ribeiro conceitua cacofonia como o "encontro de duas palavras que produza uma terceira de significação baixa ou torpe".3 5) No ensino de Júlio Nogueira, "é a formação ocasional de palavras ridículas ou pouco decentes pelo encontro de sílabas finais de uma com o começo de outra: ela trina já que tinhas, alma minha, já sinto nunca pus, vez passada (vespa assada)".4 6) A par dessa discussão - se há necessidade de formação de uma palavra baixa e torpe, ou se basta um resultado sonoro pouco fino - o certo é que, modernamente, por conceito, só se considera cacófato o som ridículo ou obsceno, verdadeiramente inaceitável, proveniente da união das sílabas finais de uma palavra com as iniciais da que lhe vem a seguir. Ex.: "Vou-me já, porque já está pingando" (em realidade, a pessoa do exemplo se vai apenas porque a chuva já começou). 7) Essa, aliás, é a conclusão que se extrai do conceito de Eduardo Carlos Pereira, quando assevera que cacofonia "consiste na junção de duas palavras de modo tal que se forme uma outra de sentido torpe ou ridículo".5 8) Por outro lado, atente-se a que, se o cacófato é erro, não se deve cair no exagero da cacofatomania, que é escrúpulo ridículo, que busca espreitar tal ocorrência em qualquer trecho ou encontro de sílabas. 9) A gramática atual, em verdade, não considera erros dessa natureza expressões como alguma cacofonia (macaco), alma minha (maminha), ela tinha (latinha), fé de mais (fede mais), por cada (porcada), por tal (portal), uma mão (mamão). 10) Com propriedade, lembra Luiz Antônio Sacconi que, "modernamente, só se considera cacofonia se a palavra produzida for chula, obscena, realmente ridícula e inaceitável", acrescentando que "a gramática atual já não condena, portanto, estes encontros: ela tinha, nosso hino, por cada limão, uma mala".6 11) Nesse sentido, basta ver que o art. 183, VII, do Código Civil de 1916, ao discriminar os impedimentos dirimentes absolutos, refere que não pode casar "o cônjuge adúltero com o seu co-réu por tal condenado", devendo-se anotar que tal encontro nem sequer foi lembrado na polêmica entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro. 12) Analisando a expressão por conveniente (porco) do art. 436 do Código Civil de 1916, refere também Luciano Correia da Silva que, para a existência do cacófato, "não basta que o encontro seja apenas desagradável: é necessária a torpeza, a obscenidade, ou a contundente grosseria", razão pela qual "associações como a vista no destaque (por + con) não representam cacofonia". 13) Nessa linha, para tal autor - que lembra, de passagem, que "os escritores portugueses nunca se preocuparam muito com certas dissonâncias, que para muitos guardiões do vernáculo seriam cacofonias" - de agrupamentos como "'intrínseca validade" e "por tal", "uns podem ser malsoantes, desagradáveis; outros nem a isso chegam". 14) E continua ele, em lição firme e sem meias palavras, que "cacofonia mesmo haverá em 'vou-me já' 'lá trina' 'provoca gado' 'garfo deu' 'tifo deu'".7 15) Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade apontam como "malsoante colocação pronominal" a estrutura "se as não satisfizer" existente no art. 45 do Código Civil brasileiro de 1916.8 16) E ao comentarem a estrutura "a não possa guardar", existente no art. 1.270 do Código Civil de 1916 - por eles reputada "infeliz colocação pronominal" - observam também tais autores que "a questão do cacófato e relativa e que muitos dos assim chamados cacófatos receberam a chancela do uso, inevitáveis que são", muito embora seja "preferível evitá-los".9 17) Em outra obra escrita solitariamente, Antonio Henriques também anota que "tempo houve em que a preocupação dos gramáticos (gramatiqueiros) era colecionar cacófatos. Hoje, sabe-se de encontros inevitáveis de silabas que não mais despertam a atenção, e já disse alguém que o cacófato e ridículo; mais ridícula e a caca ao cacófato".10 18) Artur de Almeida Torres, por um lado, aduz para cacofonia o rígido conceito de "encontro de palavras que formem outra de sentido torpe, ridículo ou desagradável: 'Já sinto as minhas aflições'; a boca dela; 'Ele só tem uma mão'; intrínseca validade'". 19) Por outro lado, ressalva a existência de cacófatos "que não são passíveis de censura, já porque aparecem em frases feitas, e sem sucedâneos perfeitos (da nação, de balde, por tal), já pela sua habitualidade nas páginas de nossos maiores escritores (alma minha, como elas, as não). 20) Por fim, exatamente para esses últimos casos, refere a advertência de Rui Barbosa, para quem encontros dessa natureza têm de ser tolerados, porque "a lei da necessidade obriga as exigências da eufonia a condição fatal de transigir".11 21) Domingos Paschoal Cegalla, por um lado, observa que "evitar os cacófatos não deve tornar-se preocupação obsessiva de quem fala ou escreve, tanto mais porque alguns há que são inevitáveis"; por outro lado, como "convém evitá-los o mais possível", aconselha três estratégias simples para a vida prática: a) "substituir por sinônimos as palavras geradoras de cacofonias"; b) "mudar essas palavras de lugar na frase"; c) "alterar a estrutura da frase".12 22) Em mesma esteira, adverte Napoleão Mendes de Almeida ser infundado o escrúpulo de se evitarem encontros tais como "no novo processo", "no nosso caso"ou "uma mão", sendo totalmente desnecessárias construções como "em o novo processo", "em o nosso caso" ou "'u' a mão".13 23) A respeito do último aspecto observado, entretanto, Cândido Jucá Filho fala tão-somente em questão de preferência e aponta exemplo de Ernesto Carneiro Ribeiro, que fala "em o número II do art. 46".14 24) Acresça-se que Rui Barbosa, em observações ao art. 1.675, II, do Projeto do Código Civil, intentando garimpar vício na expressão última moléstia (mamo), dizia que ela não soava bem a ouvidos afinados, mas receava fazer alegação nesse sentido, já que poderia "ver invocada em honra do projeto a alma minha de Camões".15 25) Mesmo assim, a sugestão acabou acarretando mudança de redação, como se vê do art. 1.668, II, do Código Civil de 1916: moléstia de que faleceu. 26) No campo dos textos de lei, o art. 35, § 4°, do Código Civil de 1916, ao tratar do domicílio das pessoas jurídicas, registra a passagem "no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agencias ; Rui Barbosa refutou todas as objeções de cacófato, e até mesmo argumentou que não se pronuncia por (ô), mas pur, o que evita, no caso, qualquer sonância incomoda.16 27) O mesmo Código Civil de 1916, no art. 1.270, também registra: "Ao depositário será facultado, outrossim, requerer depósito judicial da coisa, quando por motivo plausível, a não possa guardar"; não há notícia de invectivas fundadas e frutíferas contra tal redação. 28) Por outro lado, o Código Comercial, no art. 43, de igual modo, estatui: "A fiança será conservada por inteiro, e por ela serão pagas as multas em que o corretor incorrer, e as indenizações a que for obrigado, se as não satisfizer". 29) De modo específico para o exemplo da consulta, em síntese, pode-se dizer o que segue: I) O encontro de sons na expressão havia dado não é dos mais agradáveis ao ouvido; II) É certo que dele resulta uma sonoridade pouco elegante; III) Pode haver, até mesmo, quem entreveja nesse encontro de sons alusão à homossexualidade; IV) Também indisputável que uma simples alteração de havia por tinha bastaria para evitar a confusão; V) Em termos de um conceito moderno do que seja cacófato, porém, não parece haver como condenar seu redator. _____________ 1 Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 246. 2 Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 471. 3 Cf. RIBEIRO, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 328. 4 Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português - 3ª série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 241. 5 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 263. 6 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 270. 7 Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 86. 8 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 139. 9 Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 126. 10 Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 30. 11 Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 223. 12 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 60. 13 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 45 e 61. 14 Cf. JUCA FILHO, Candido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 233. 15 Cf. BARBOSA, Rui. Parecer sobre a Redação do Código Civil. Rio de Janeiro: edição do Ministério da Educação e Saúde, 1.949. p. 437. 16 Apud SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 86.
quarta-feira, 29 de maio de 2013

Protocolar ou protocolizar?

1) Apesar das objeções de alguns autores, Napoleão Mendes de Almeida1 e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira2 registram-na como forma vernácula, dando-a como normal sinônimo de protocolar (esta sem resistência alguma), com o significado de levar ao protocolo. Ex.: "O advogado protocolizou o pedido de relaxamento de prisão de seu constituinte". 2) Embora pouco usada no sentido de inscrever, de registrar em protocolo, encontra-se exemplo de seu emprego por texto de lei: "Protocolizado o título ou documento, far-se-á em seguida, no livro respectivo..." (Lei n. 6.015, de 31/12/73, art. 147).   3) Interessante é anotar, por um lado, que nossos textos de lei, de um modo geral, evitam o emprego tanto de protocolar como de protocolizar, e acabam dando preferência a locuções como lançados em protocolo (art. 50 do Código Comercial), apontado no protocolo (art. 154 do Decreto n. 4.857, de 1939 - Regulamento dos Registros Públicos), lançamento no protocolo, apontamento no protocolo, entrada no protocolo e prenotados no protocolo (respectivamente arts. 12, 151, 153 e 191 da Lei de Registros Públicos).4) Por outro lado, também se encontram as formas específicas dos mencionados verbos, como o particípio passado de protocolar (art. 164, § 1°, do Decreto n° 4.857, 1939), situação que se repete nos arts. 110, § 1°, e 156, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, e o particípio passado de protocolizar (arts. 147 e 188 do texto legal por último referido).5) Em apreciação conjunta para ambas as formas, leciona Geraldo Amaral Arruda que "é preciso cuidado especial no uso desses verbos, que, embora registrados nos dicionários, não consta que tenham sido usados senão em formas nominais, fora da linguagem coloquial dos cartórios", motivo por que - acentuando o referido mestre tratar-se "antes de uma questão de estilo e clareza do que de correção de linguagem" - em seu entendimento, é "conveniente a opção pelas locuções, das quais as leis oferecem vários exemplos".36) Com a devida vênia desse ensinamento, todavia, não parece haver razão para tal emprego restritivo, porquanto, se se admite o uso das formas nominais de ambos os verbos (infinitivo, gerúndio e particípio), e se não há empecilho algum que determine ser defectivo qualquer deles no que concerne à conjugação verbal, não parece haver razão impeditiva de seu emprego nas demais formas, também não se apresentando visível qualquer "questão de estilo e clareza" que justifique tal proceder proibitivo.7) Reforçando exatamente esse entendimento, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da existência ou não de vocábulos em nosso idioma, registra o verbo protocolizar sem restrição alguma,4 o que implica dizer que seu emprego está oficialmente autorizado entre nós.8) Oportuno é acrescentar que o art. 147 da Lei 6.015, de 31/12/73, que dispôs sobre os registros públicos, em sua redação primitiva, assim registrava: "Protocolado o título ou documento, far-se-á, em seguida, no livro respectivo, o lançamento..."; na republicação da lei, inserida na Coleção das Leis da União de 1975, vol. V, p. 61, todavia, passou a constar protocolizado.9) De igual modo, o art. 277 da mesma lei (antigo art. 278), assim registrava: "Requerida a inscrição de imóvel rural no registro Torrens, o oficial protocolará e autuará o requerimento e documentos..."; a republicação, com as alterações trazidas pela Lei 6.140 e pela Lei 6.216, de 30/6/75, por sua vez, registrou protocolizará.10) Nenhum problema, já que ambas as formas são aceitas como variantes e igualmente corretas em nosso léxico._____________1Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 250.2Cf. FERREIA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. P. 1.150.3Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 151.4Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 614. _____________ *Publicado originalmente em 27/7/2005
quarta-feira, 15 de maio de 2013

Miolo (ô) - Miolos (ó)?

1) Um leitor traz sua total dúvida quanto à pronúncia do o tônico no plural das palavras que apresentam um o fechado tônico no singular, já que algumas mantêm ô, enquanto outras mudam para ó. Exemplifica - miolos (ô) ou miolos (ó) - e pede alguma sistematização ou regra para tanto. 2) É uma realidade, em nosso idioma, que algumas palavras com o fechado tônico (ô) no singular, quando passam ao plural, mudam sua pronúncia para um o aberto (ó). A esse fenômeno linguístico, chamamos tecnicamente metafonia. Autores há que também denominam umlaut, que é o termo para essa ocorrência em alemão. 3) Vejam-se alguns exemplos de palavras com o fechado (ô) no singular, as quais, por mefatonia, passam ao plural com o aberto (ó): abrolho (ô), abrolhos (ó), aposto (ô), apostos (ó), caroço (ô), caroços (ó), choco (ô), chocos (ó), corno (ô), cornos (ó), coro (ô), coros (ó), corpo (ô), corpos (ó), corvo (ô), corvos (ó), despojo (ô), despojos (ó), esforço (ô), esforços (ó), fogo (ô), fogos (ó), forno (ô), fornos (ó), imposto (ô), impostos (ó), miolo (ô), miolos (ó), olho (ô), olhos (ó), osso (ô), ossos (ó), ovo (ô), ovos (ó), poço (ô), poços (ó), porco (ô), porcos (ó), porto (ô), portos (ó), posto (ô), postos (ó), povo (ô), povos (ó), reforço (ô), reforços (ó), socorro (ô), socorros (ó), tijolo (ô), tijolos (ó), torto (ô), tortos (ó), troço (ô), troços (ó). 4) Atente-se, contudo, a outras palavras com o fechado no singular (ô), que continuam com o fechado no plural (ô): acordo (ô), acordos (ô), almoço (ô), almoços (ô), alvoroço (ô), alvoroços (ô), bolo (ô), bolos (ô), bolso (ô), bolsos (ô), cachorro (ô), cachorros (ô), caolho (ô), caolhos (ô), coco (ô), cocos (ô), contorno (ô), contornos (ô), esboço (ô), esboços (ô), esposo (ô), esposos (ô), estorvo (ô), estorvos (ô), ferrolho (ô), ferrolhos (ô), forro (ô), forros (ô), globo (ô), globos (ô), gosto (ô), gostos (ô), gozo (ô), gozos (ô), morro (ô), morros (ô), rolo (ô), rolos (ô), sogro (ô), sogros (ô), sopro (ô), sopros (ô), soro (ô), soros (ô), transtorno (ô), transtornos (ô). 5) Essa mudança do timbre da vogal, presente nas línguas românicas, como lembra J. Mattoso Camara Jr. "parece ter principalmente ocorrido onde se fez sentir a necessidade de discriminação ou maior diferenciação flexional", "interferiu com a regularidade da mutação das vogais longas e breves latinas para fechadas e abertas portuguesas", e, "na sincronia do português moderno, estabeleceu o processo morfêmico ou submorfêmico da alternância vocálica".1 6) Se essa explicação técnica e histórica sobre as circunstâncias da passagem dos vocábulos do latim para o português diz muito pouco ao leitor, console-se ele, porque o subscritor destas linhas, que teve aulas de filologia românica em sua faculdade de Letras, também absorve bem pouco de tais considerações. 7) Em realidade, o que se dá é uma ocorrência linguística de fato, que independe de regras e que impossibilita sistematização. Vale dizer: pelas próprias circunstâncias em que a metafonia ocorre em nosso idioma, não há como regrar ou sistematizar o assunto. 8) A solução para dúvidas dessa natureza é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial e, em casos complexos, esclarece adicionalmente a pronúncia. 9) Também conhecido pela sigla VOLP, é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900. 10) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar miolo, e, entre parênteses, a pronúncia correta do singular (ô) e do plural (ó).2 _________________ 1 Cf. CAMARA JR., J. Mattoso. Filologia e Gramática. 4. ed., São Paulo: J. Ozon Editor, sem data, p. 259-260. 2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 553.
quarta-feira, 8 de maio de 2013

Para que (se) pudesse (se) inscrever(-se)

1) Um leitor - partindo do princípio de que as conjunções subordinativas obrigam a colocação do pronome pessoal oblíquo átono em próclise - indaga, em suma, como, na locução verbal, funciona essa regra de atração. 2) Especificando sua dúvida, pergunta quais as formas corretas entre os seguintes exemplos: a) "Impetrou o mandado de segurança a fim de que pudesse inscrever-se no Exame de Ordem 2008/02"; b) "Impetrou o mandado de segurança a fim de que pudesse se inscrever no Exame de Ordem 2008/02"; c) "Redigiu o presente requerimento porquanto colima matricular-se no Curso de Mandarim desta Instituição de Ensino"; d) "Redigiu o presente requerimento porquanto colima se matricular no Curso de Mandarim desta Instituição de Ensino". 3) Quanto se tem a frase "O réu quer dizer-nos alguma coisa", tem-se uma locução verbal composta por um verbo auxiliar (quer) e um principal no infinitivo (dizer); e a questão é saber qual a posição em que há de estar corretamente colocado o pronome pessoal oblíquo átono (nos): antes do auxiliar ("O réu nos quer dizer alguma coisa), entre o auxiliar e o principal ("O réu quer-nos dizer alguma coisa), ou após o principal ("O réu quer dizer-nos alguma coisa). 4) Carlos Góis, sem trazer qualquer fundamento para sua asseveração - o que confere ao indigitado ensino o consequente matiz de mera preferência - leciona que "a construção com o pronome no meio ("deve-se dizer a verdade", "podem-se ocultar as provas"), conquanto não seja incorreta, é menos boa".1 5) Já para Alfredo Gomes, "o pronome pessoal objeto coloca-se ordinariamente... depois do auxiliar nos tempos compostos", mas tal posicionamento não é ortodoxo, admitindo outras colocações.2 6) Em realidade, muito embora seja mais comum a colocação antes do auxiliar ou depois do principal, Eduardo Carlos Pereira, para os casos normais, lembra a possibilidade genérica das três colocações do pronome átono: antes do auxiliar, após o auxiliar e após o principal.3 Exs.: a) "A testemunha nos pode esclarecer a verdade"; b) "A testemunha pode-nos esclarecer a verdade"; c) "A testemunha pode esclarecer-nos a verdade". 7) Lembra Otoniel Mota que, "com um infinito a que se junta um auxiliar, a colocação pronominal mais elegante e mais empregada pelos bons autores modernos é a enclítica a ambos os verbos: 'quero dizer-vos'. No português arcaico predomina a colocação de permeio", entre o auxiliar e o principal (quero-vos dizer).4 8) Sobre o uso de ênclise do pronome ao infinitivo em Portugal, em casos dessa natureza, de Cândido de Figueiredo é oportuna lição: "afinal, tão portuguesa é a expressão que deve rejeitar-se, como esta outra: que se deve rejeitar, embora eu prefira esta, por me parecer mais espontânea, mais nacional... de cá, e talvez mais clássica", não sem reiterar em acréscimo tal gramático sua crença de serem "legítimas as duas variantes".5 9) Se o pronome começa a frase, vedada está a possibilidade de vir ele antes do auxiliar, sob pena de contrariar princípio básico de colocação de pronomes oblíquos átonos, segundo o qual eles não começam frase. Exs.: a) "O magistrado lhe queria falar" (correto); b) "Lhe queria falar o magistrado" (errado). 10) Se há palavra atrativa antes da locução, não se coloca o pronome entre o auxiliar e o principal. Exs.: a) "O magistrado não lhe quer falar" (correto); b) "O magistrado não quer-lhe falar" (errado); c) "O magistrado não quer falar-lhe" (correto). 11) Vale aqui a lição de Aires da Mata Machado Filho: "Se houver motivo de próclise, ajusta-se a duas colocações: anterior à locução ou posterior ao verbo principal... É errado escrever não posso-te ensinar...".6 12) Em idêntico sentido é a lição de Laudelino Freire: "Nas frases em que figura o infinitivo precedido de auxiliar, vindo este precedido da negativa, ou do pronome relativo, os pronomes complementos, inclusive o se como partícula apassivante, ou virão depois do infinitivo, ou antes do auxiliar, e nunca entre o auxiliar e o infinitivo".7 13) Também assim é a lição de Sousa e Silva: "Com as conjugações compostas de dois verbos em que o principal estiver no infinito, colocar-se-á o pronome antes do auxiliar ou depois do infinitivo, se houver alguma das palavras que determinam a próclise com as conjugações simples...; no caso contrário, será inteiramente facultativa a colocação".8 14) Em tais hipóteses de existência de palavra atrativa antes da locução, lembra Carlos Góis que "é errônea (solecismo) a construção, muito em voga no Brasil (até por parte de escritores pouco escrupulosos), com o pronome interposto à locução verbal, e agravada com a omissão do hífen*: 'Aqui devo te esperar'". 15) Complementa ele que tal emprego errôneo constitui um "brasileirismo", por ele conceituado como "um solecismo próprio das classes incultas de nosso país", em colocação que, por viciosa, "deverá ser evitada".9 16) Josué Machado, lembrando famosa frase do primeiro presidente civil eleito após o período da Revolução de 1964, embora indiretamente - "Não vamos nos dispersar" -, observa que "um português bem falante ou um gramático severo diria ou escreveria: 'Não vamos dispersar-nos'. Ou 'Não nos vamos dispersar'".10 17) João Ribeiro nesse assunto de locução verbal com o principal no infinitivo, precedida de palavra negativa, lembra, por um lado, a dupla possibilidade da gramática: anteposição do pronome átono ao auxiliar ou sua posposição ao principal. 18) "Mas" - continua ele - "eu digo por um terceiro modo" (fixação do pronome entre o auxiliar e o principal, mesmo com palavra negativa antes do auxiliar), "e, quem sabe, se não estou a criar uma utilidade nova e um delicado matiz que a língua europeia não possui".11 19) Luiz Antônio Sacconi, por um lado, lembra que, nas hipóteses de ausência de palavras atrativas, tríplice é a possibilidade de posicionamento do pronome átono (próclise ao auxiliar, ênclise ao auxiliar e ênclise ao infinitivo). 20) Por outro lado, observa que "a colocação preferida brasileira é a segunda". 21) Em continuação, para os casos em que a locução vem precedida de palavra atrativa, esclarece haver duas possibilidades de colocação do pronome átono. 22) Por fim, em observação acerca da língua falada, anota que "ambas essas colocações são rejeitadas pelos brasileiros", que preferem posicionar o pronome átono entre o auxiliar e o principal.12 23) Para tais espécies de locução verbal, Mário Barreto, por primeiro, deixa clara a possibilidade de emprego de ênclise ao infinitivo. 24) Ao depois, ressalva de modo taxativo a correção de uso da ênclise ao auxiliar, argumentando com motivo de atração fonética e justificando que "a colocação dos pronomes atônicos não se resolve pela análise lógica, mas sim pela fonética".13 25) Se o auxiliar está no futuro do presente ou no futuro do pretérito, valem as regras já referidas, apenas com a ressalva de que, com essas formas verbais, nunca se dá a ênclise ao auxiliar, mas mesóclise ao auxiliar: a) "O magistrado dever-lhe-ia falar toda a verdade" (correto); b) "O magistrado deveria-lhe falar toda a verdade" (errado). 26) Se com tais conjugações perifrásticas do infinitivo aparece a preposição de, lembra Eduardo Carlos Pereira que, se não houver incidência das proibições mencionadas, pode o pronome ocupar quatro posições: antes e depois do auxiliar; antes e depois do infinitivo. Exs.: a) "Pedro se tem de calar"; b) "Pedro tem-se de calar"; c) "Pedro tem de se calar"; d) "Pedro tem de calar-se". 27) Acrescenta, contudo, que, "sendo negativa a proposição, o pronome só poderá ocupar três posições", exemplificando ele próprio: a) "Pedro não se tem de calar"; b) "Pedro não tem de calar-se"; c) "Pedro não tem de se calar".14 28) Em um outro aspecto, anota Édison de Oliveira que "o pronome oblíquo não pode ficar solto entre dois verbos", motivo por que está errada a construção "O fato vai se repetir". 29) Segundo tal autor, para corrigir expressões dessa natureza, "reúne-se o pronome oblíquo à forma verbal anterior": "O fato vai-se repetir".15 30) Em mesma esteira, após admitir normalmente todas as já mencionadas possibilidades de colocação do pronome nas locuções verbais, Aires da Mata Machado Filho - esclarecendo que "escritores brasileiros há que preferem deixar o pronome átono solto entre os elementos constitutivos de locução verbal e da conjugação de tempos compostos" - observa que, quando se posiciona depois do auxiliar ou depois do principal, o pronome átono vem "sempre a eles ligado por hífen", acrescentando que a ênclise ao auxiliar, nesses casos, não dispensa o traço de união entre o auxiliar e o pronome átono, sob pena de se relacionar, indevidamente, o pronome em próclise ao verbo principal.16 31) De Carlos Góis também se origina idêntico ensinamento para a grafia do pronome, quando posto em ênclise ao auxiliar: "O traço de união (hífen ou tirete) assinala que até eles se estende a acentuação do verbo. Constitui por isso grave erro omiti-lo": O fato vai se repetir por O fato vai-se repetir.17 32) À possibilidade de que o pronome pessoal oblíquo átono venha a ocupar mais de uma posição na frase, sem prejuízo de sentido e sem transgressão da disciplina gramatical, Carlos Góis denomina "tipos sintáticos equivalentes de topologia pronominal". 33) Ressalva ele, entretanto, que, se, com a alteração de posicionamento do pronome no período, "o sentido for diferente, não haverá tipo sintático equivalente", que é o que se dá nos seguintes exemplos: a) "Cumpre-lhe dizer" (isto é, cumpre a ele dizer); b) "Cumpre dizer-lhe" (isto é, cumpre dizer a ele); c) "Mandou-me arrolar" (o me é agente); d) "Mandou arrolar-me" (o me é paciente).18 34) Parece que a questão da colocação dos pronomes oblíquos átonos nas locuções em que o verbo principal esteja no infinitivo pode ser resumida do seguinte modo: a) se não há palavra atrativa antes do auxiliar (ver casos de próclise), qualquer das três posições é perfeitamente defensável - o pronome pessoal oblíquo átono pode vir antes do auxiliar, entre o auxiliar e o principal e após o principal; b) se a colocação antes do auxiliar coincide com o começo da frase, não está ela permitida, pelo simples motivo de que um pronome dessa natureza não começa frase; c) se antes da locução há uma palavra atrativa não se coloca o pronome entre o auxiliar e o principal, restando apenas as duas outras possibilidades - próclise ao auxiliar e ênclise ao principal; d) se o auxiliar está no futuro do presente ou no futuro do pretérito, valem as regras já referidas, apenas com a ressalva de que, com essas formas verbais, nunca se dá a ênclise ao auxiliar, devendo esta possibilidade ser adaptada para mesóclise ao auxiliar; e) quando se posiciona depois do auxiliar ou depois do principal, o pronome átono vem sempre ligado a tais verbos por hífen. 35) De modo prático para o caso da consulta, quanto ao primeiro exemplo trazido pelo leitor, podem-se fazer as seguintes ponderações e variações, começando pela hipótese de não haver palavra atrativa alguma: a) "Ele se podia inscrever no Exame de Ordem" (correto); b) "Ele podia-se inscrever no Exame de Ordem" (correto); c) "Ele podia se inscrever no Exame de Ordem" (errado); d) "Ele podia inscrever-se no Exame de Ordem" (correto). 36) Para o caso de haver uma palavra atrativa, a frase pode apresentar as seguintes variações: a) "Ele não se podia inscrever no Exame de Ordem" (correto); b) "Ele não podia-se inscrever no Exame de Ordem" (errado); c) "Ele não podia se inscrever no Exame de Ordem" (errado); d) "Ele não podia inscrever-se no Exame de Ordem" (correto). 37) Acrescentar mais um item: Esclarece-se, por fim, que o segundo exemplo trazido pelo leitor tem exatamente a mesma estrutura apresentada pelo primeiro deles. _______________________ 1 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Construção. 4. ed. São Paulo: Paulo de Azevedo & Comp. Ltda., 1945. p. 114-115. 2 Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 348. 3 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 252-253. 4 Cf. MOTA, Otoniel. O Meu Idioma. Campinas: Typ. da Casa Genoud, 1916. p. 184. 5 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. O Problema da Colocação de Pronomes. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1937. p. 80-81. 6 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 4, p. 1.392. 7 Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora A Noite, sem data. p. 17. 8 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 62. 9 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Construção. 4. ed. São Paulo: Paulo de Azevedo & Comp. Ltda., 1945. p. 99, 101 e 103. 10 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 78. 11 Cf. RIBEIRO, João. A Língua Nacional. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. p. 10. 12 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 234. 13 Cf. BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 49-50. 14 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 255-256. 15 Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 119. 16 Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Português Fora das Gramáticas". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 4, p. 1.392-1.393. 17 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Construção. 4. ed. São Paulo: Paulo de Azevedo & Comp. Ltda., 1945. p. 69. 18 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Construção. 4. ed. São Paulo: Paulo de Azevedo & Comp. Ltda., 1945. p. 135-136.
quarta-feira, 24 de abril de 2013

Trema depois do Acordo Ortográfico

1) Um leitor pergunta se, com o recente Acordo Ortográfico, o trema realmente desapareceu de nosso idioma. 2) Num primeiro aspecto, pode-se transcrever o que diz o Acordo Ortográfico: "O trema é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas". 3) Assim, em grafia anterior, certas palavras recebiam o trema: agüentar, argüição, cinqüenta, freqüência, tranqüilo. Observe-se, todavia, como são grafadas agora: aguentar, arguição, cinquenta, frequência, tranquilo. 4) O próprio Acordo Ortográfico, todavia, deixa uma exceção: "Conserva-se, no entanto, (o trema) em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: mülleriano, de Müller"; hübneriano, de Hübner. 5) Reconhece-se que, antes, as regras para emprego do trema não eram tão simples, e, em determinados casos, sua existência era questão que dependia da pronúncia ou não do u nos respectivos vocábulos, e isso podia variar de grupo para grupo, de região para região. 6) Sua eliminação pura e simples, contudo, não se deu sem efeitos complicadores. Basta que se veja, por exemplo, que hoje, a abolição do acento agudo em certas formas verbais e a eliminação do trema "dão origem a novas homografias: argui, por exemplo, representa graficamente a 3ª pessoa do singular do presente do indicativo ('u' tônico em ele argui), a 2ª pessoa do singular do imperativo afirmativo ('u' tônico em argui [tu]) e a 1ª pessoa do singular do pretérito perfeito ('i' tônico, com o u sonante)".1 E essas novas dificuldades, o Acordo não as resolve. __________________ 1 Cf. Instituto Antônio Houaiss. Escrevendo pela Nova Ortografia: Como Usar as Regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Coordenador: José Carlos Azeredo. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 40.