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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 2 de julho de 2014

Personagem

1) Para Napoleão Mendes de Almeida, seu gênero fixo é o feminino, ainda que se refira a pessoa do sexo masculino. Ex.: "Otelo é uma personagem muito expressiva da criação de Shakespeare". 2) Segundo tal autor, constituiria galicismo o uso de tal vocábulo com o gênero masculino. 3) Para Domingos Paschoal Cegalla, "com referência a mulheres deve-se usar o feminino: Capitu é a personagem central do romance Dom Casmurro". 4) Cândido Jucá Filho, porém, embora reconheça ser mais regular o feminino, aponta-a como palavra tanto masculina quanto feminina, cujo uso independe do gênero do vocábulo a que se refere, como dá testemunho o exemplo que cita: "Caxias foi uma grande personagem na Guerra do Paraguai". 5) Para João Ribeiro, "hoje se diz arbitrariamente: o ou a personagem", acrescentando tal gramático, em outra passagem de sua obra, que tal vocábulo "ainda hoje tem gênero incerto". 6) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira também partilha do entendimento desse último autor, exemplificando de modo expressivo: "A criança é um dos personagens mais bonitos do quadro". 7) Júlio Ribeiro arrola-o entre os substantivos que "são indiferentemente masculinos ou femininos". 8) Também para Evanildo Bechara, a palavra tanto pode ser masculina quanto feminina. 9) Celso Cunha, de modo taxativo, leciona: "Diz-se, indiferentemente, o personagem ou a personagem com referência ao protagonista homem ou mulher". 10) Vasco Botelho de Amaral observa que "continua e continuará talvez a hesitação acerca do gênero desta palavra, que nuns autores surge masculina, noutros feminina e, às vezes, no mesmo ora masculina ora feminina, como em Herculano". 11) Acrescenta que, no início do século, dava-se preferência ao feminino, muito embora em Camilo Castelo Branco predominasse o masculino. 12) Cândido de Oliveira arrola-o entre os comuns de dois gêneros: a) "Hamlet é um personagem difícil de interpretar"; b) "Julieta é uma personagem romântica". 13) Cândido Jucá Filho registra que, no português arcaico, "inúmeras palavras que tinham o sufixo agem eram masculinas. Com o tempo, todas vieram dar em feminino, apesar do castelhano e do francês terem preferido o masculino. Personagem, porém, ficou indeciso, quer se trate de homem, quer de mulher... No Brasil, tem predominado porventura o masculino, mesmo tratando-se de mulher". 14) Lembrando que se usa tal vocábulo, indiferentemente, como masculino e como feminino, observa Sousa e Silva que "a condenação do masculino é mero arbítrio, não se apoia nos fatos da linguagem". 15) Para Arnaldo Niskier, "apesar de os puristas insistirem em considerar personagem como um substantivo exclusivamente feminino, modernamente, ele pode também ser usado no masculino". 16) Dirimindo quaisquer dúvidas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras e portador da incumbência de listar oficialmente as palavras de nosso léxico, registra personagem como um substantivo de dois gêneros, o que permite extrair duas conclusões: a) a palavra pode ser empregada no masculino ou no feminino, indiferentemente; b) tal uso facultativo independe do gênero da palavra a que se refira, de modo que estão corretas todas as seguintes expressões: a) "Capitu é a personagem central do romance Dom Casmurro"; b) "Capitu é o personagem central do romance Dom Casmurro"; c) "Caxias foi um grande personagem na Guerra do Paraguai"; d) "Caxias foi uma grande personagem na Guerra do Paraguai".
quarta-feira, 25 de junho de 2014

Remir

1) Do latim redimere, tem por sinônimo redimir e significa resgatar, pagar, liberar, livrar, trazendo em si a ideia de pagamento, de reaquisição a título oneroso. Ex.: "Para remir o homem, precisou haver trabalho divino". 2) Com esse mesmo sentido no campo jurídico, fala-se, assim, em remir a execução (depositar judicialmente o valor do débito, que extingue a execução), em remir bens do executado (exonerar da penhora bens gravados, mediante depósito do valor da avaliação). Ex.: "É lícito ao cônjuge, ao descendente, ou ao ascendente do devedor remir todos ou quaisquer bens penhorados, ou arrecadados no processo de insolvência, depositando o preço por que foram alienados ou adjudicados" (CPC, art. 787, caput). 3) É verbo para indicar remição (resgate, liberação a título oneroso), e não remissão, que significa perdão. 4) Não confundir com remitir, que significa perdoar. 5) Quanto à conjugação verbal, trata-se de verbo defectivo, o qual, para Otelo Reis, apenas é conjugado nas formas em que, ao m do radical, se segue a vogal i: remimos, remis, remia, remi, remira, remirei, remiria, remisse, remindo, remido, devendo as formas que lhe faltam ser supridas pelas do verbo redimir, que é conjugado em todas as pessoas: redimo, redimes... 6) Cândido de Oliveira também observa que tal verbo é defectivo e que, nas formas faltantes, há de ser complementado por redimir. 7) Desse entendimento também é Sousa e Silva. 8) Em lição que não afeta a estruturação prática, mas apenas influencia a disciplina teórica da conjugação, Alfredo Gomes assevera que tal verbo não é defectivo, porquanto "remir e redimir são formas diversas do mesmo vocábulo latino (redimere); por isso remir tem as seguintes formas no presente do indicativo: redimo, redimes, redime, remimos, remis, redimem; no imperativo: redime, remi; no subjuntivo presente: redima, redimas, redima, redimamos, redimais, redimam". Com a devida vênia do ilustre autor, não há como concordar com ele. Se, em latim, remir e redimir eram formas do mesmo vocábulo, tal não se dá em Português, em que devemos considerar a existência de dois verbos distintos, cada qual com sua conduta e sua conjugação, e isso independentemente da circunstância de um deles provir do outro. 9) Luiz Antônio Sacconi, reconhecendo-lhe a defectividade, assevera que ele "só possui as formas arrizotônicas", complementando que "as formas que lhe faltam são supridas com as do verbo sinônimo redimir". 10) Em termos práticos, outra não é a lição de Francisco Fernandes, forte em lição de Ernesto Carneiro Ribeiro, que traz as seguintes observações: a) "Emprega-se nas formas em que aparece a vogal i após o m do radical"; b) "Para suprir as linguagens de que carece o verbo remir, por se equivocarem com as do verbo rimar, recorre nossa língua às formas do verbo redimir, de que é aquele apenas uma síncope". 11) Das lições lançadas, em termos práticos, vê-se que seus problemas de conjugação restringem-se ao presente do indicativo e tempos daí derivados. 12) No presente do indicativo, apresenta remimos e remis. 13) Não tem pessoa alguma do presente do subjuntivo. 14) No imperativo afirmativo, tem apenas remi (vós). 15) Por não ter presente do subjuntivo, não apresenta pessoa alguma do imperativo negativo, que deriva na totalidade do primeiro, sem alteração alguma. 16) Em todos os demais tempos, aparece um i após o radical: remi (pretérito perfeito do indicativo), remira (pretérito mais-que-perfeito do indicativo), remisse (imperfeito do subjuntivo), remir (futuro do subjuntivo), remia (pretérito imperfeito do indicativo), remirei (futuro do presente), remiria (futuro do pretérito), remindo (gerúndio), remido (particípio). Nesses tempos, não há dificuldade para a conjugação. 17) Gladstone Chaves de Melo, todavia, mantém ensinamento diverso dos anteriormente explicitados, e assevera que falta ao verbo apenas a primeira pessoa do singular do presente do indicativo e, por conseguinte, todas as pessoas do presente do subjuntivo, motivo por que, para ele, no presente do indicativo, assim é sua conjugação: rimes, rime, remimos, remis, rimem. 18) De acordo com essa lição, passaria a existir também a segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo (rime tu). 19) Em mesma esteira, observam Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade que "há quem admite a conjugação integral", coletando significativos exemplos: a) "Almas e corpos se rimem, almas e corpos se resgatam; mas as almas resgatam-se por amor de si mesmas, e os corpos por amor das almas" (Padre Vieira); b) "Rime do infando incêndio a pia armada / Poupa inocentes, nossa causa atende" (Odorico Mendes). 20) Indo ainda além, recorda Adalberto J. Kaspary a posição de Albertina Fortuna Barros e Zélio dos Santos Jota, "que advogam o emprego de remir em todas as suas formas, dando-lhe flexão idêntica a do verbo agredir: rimo, rimes, rime, remimos, remis, rimem...". 21) Por fim, é interessante observar que, nos textos de lei, tal verbo aparece, invariavelmente, no infinitivo, como se pode observar nos artigos 766 e 814 do Código Civil de 1916 (mantido o vocábulo no caso do primeiro dispositivo, substituído pelo art. 1.429 do CC/2002), 651, 787 e 788 do Código de Processo Civil, 278 do Código Comercial, 266 da Lei 6.015, de 31/12/73, 126 da Lei 7.210, de 11/7/84.
quarta-feira, 18 de junho de 2014

Elidir ou Ilidir?

1) Elidir tem o sentido de eliminar, fazer elisão, suprimir. Exs.: a) "Camões elide, por aférese, o i de 'imaginação'"; b) "E é por isso que Camões pôde metrificar elidindo essa vogal" (Rui Barbosa); c) "O pagamento dos tributos, para efeito de extinção de punibilidade... não elide a pena de perdimento de bens..." (TFR, Súmula 92). 2) Com propriedade, no campo jurídico, o art. 11, § 2°, da antiga Lei de Falências registra que, uma vez citado, o devedor comerciante, no prazo para a defesa, poderá "depositar a quantia correspondente ao crédito reclamado, ... elidindo a falência"; e isso porque, como determina o mesmo dispositivo em sequência, "feito o depósito, a falência não pode ser declarada, e se for verificada a improcedência das alegações do devedor, o juiz ordenará, em favor do requerente da falência, o levantamento da quantia depositada, ou da que tiver reconhecido como legitimamente devida". 3) Já ilidir tem o significado de contestar, destruir refutando, impugnar, rebater, refutar. Ex.: "Em sua defesa, o réu prontamente ilidiu as acusações de que foi alvo". 4) Observando que elidir significa eliminar, suprimir, fazer elisão, enquanto ilidir quer dizer destruir, refutar, rebater, Eliasar Rosa complementa que, "em suas sustentações escritas, ou orais, procura o advogado ilidir os fundamentos, ou a argumentação que não lhe sejam favoráveis". 5) É certo que o art. 343 do Código Civil de 1916 registrava: "Não basta o adultério da mulher com quem o marido vivia sob o mesmo teto, para elidir a presunção legal de legitimidade da prole". Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, porém, observavam, durante a vigência do mencionado dispositivo, e com total propriedade, que, em indispensáveis anotações, Theotonio Negrão corrigia o verbo elidir (suprimir, excluir) por ilidir (rebater, refutar, anular). E a nova codificação civil veio a corrigir o equívoco: "Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade" (CC, art. 1.600). 6) Por outro lado, o art. 244 do Código Penal refere o verbo ilidir: "Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, ... o pagamento de pensão alimentícia judicialmente"; Damásio de Jesus, todavia, em comentários ao mencionado dispositivo, anota que, no caso, "o correto é elide".. 7) O art. 757 do Código de Processo Civil registra: "O devedor ilidirá o pedido de insolvência se, no prazo para opor embargos, depositar a importância do crédito, para lhe discutir a legitimidade ou o valor". Observando que elidir significa eliminar, enquanto ilidir quer dizer rebater, contestar, anota Theotonio Negrão que melhor seria que a disposição legal, no caso, registrasse elidirá. 8) De igual modo, o texto oficial do art. 21, parágrafo único, da Lei 5.478, de 25/7/68, que dispõe sobre a ação de alimentos, ao conferir nova redação ao art. 244 do Código Penal, assim determina: "Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada". O mesmo professor Theotonio Negrão, lembrando que o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, assim como Séguier e Aurélio Buarque de Holanda, procedem a idêntica distinção, manda corrigir para elide.
quarta-feira, 11 de junho de 2014

Dar luz ao filho ou Dar à luz o filho?

1) A partir do próprio sentido da expressão, importante é observar a regência verbal. 2) Por ocasião do nascimento, não se dá luz ao filho, mas se dá o filho à luz, porque o rebento, que até então permanecia na escuridão do ventre materno, é entregue à luz do mundo com o parto. 3) Comparem-se, assim, quanto à correção, os seguintes exemplos: a) "A mãe deu a luz ao filho a caminho do hospital" (errado); b) "A mãe deu à luz o filho a caminho do hospital" (correto). 4) Com esse mesmo significado, em sentido figurado, diz-se que o autor dá à luz uma obra. 5) O entendimento por essa sintaxe é firme entre os gramáticos, e não se apresenta discrepância nenhuma entre eles, como testemunham as lições de Celso Pedro Luft e Francisco Fernandes. 6) Em corroboração, Mário Barreto até mesmo lembra que, em francês, se diz: "Sa mère, morte en lui donnant le jour", o que quer dizer "sua mãe, que morrera ao dá-lo à luz". E leciona tal gramático que esse verbo, nesse sentido, tem a pessoa que nasce como objeto direto, reservando-se para luz a função de objeto indireto. 7) Confirmando esse ensino, Sousa e Silva mostra uma legenda de clichê que recolheu com o errôneo emprego de tal expressão: "Bibi Ferreira deu a luz a uma linda menina que receberá na pia batismal o nome de Teresa Cristina" (e manda corrigir: "Bibi Ferreira deu à luz uma linda menina..."). 8) Também Domingos Paschoal Cegalla anota que dar à luz "é a forma correta dessa expressão eufêmica, e não dar a luz a".
quarta-feira, 4 de junho de 2014

Cada

1) Cada é pronome que só se deve usar acompanhado de substantivo, vale dizer que só deve ser empregado como pronome adjetivo: cada homem, cada mulher. 2) Na lição de Eduardo Carlos Pereira, configura "um distributivo invariável, que se une com qual, para formar o pronome cada qual, e com um na forma composta cada um, que raramente vem acompanhada de substantivo claro". 3) Evanildo Bechara, por seu lado, reforça que "é condenado o emprego de cada em lugar de cada um nas referências a nomes expressos anteriormente". 4) Essa lição, de igual modo, é seguida por Luiz Antônio Sacconi. Exs.: a) "Os livros custam dez reais cada" (errado); b) "Os livros custam dez reais cada um" (correto). 5) Também Cândido de Oliveira - lembrando que sempre se deve dizer cada um, cada uma - exemplifica que o correto é: "Vendo frango a cem cruzeiros cada um"; e não: "Vendo frango a cem cruzeiros cada". 6) De acordo com o ensinamento de Júlio Nogueira, dois aspectos são de significativo relevo para o emprego do vocábulo aqui considerado: por primeiro, "cada é sempre anteposto ao nome - cada cousa em seu lugar"; ao depois, "não é correto o emprego de cada em fim de frase - vendo a dez mil réis cada. Diga-se: cada um, cada par, cada jogo, cada peça etc". 7) Lembrando que "cada um é pronome e não se confunde com o adjetivo cada", reitera Edmundo Dantès Nascimento que o emprego de cada em expressões como "Vendeu animais a Cr$ 1.000,00 cada" é erro, devendo-se dizer cada um, ou usar um nome: "Vendeu a Cr$ 1.000,00 cada animal". 8) Nessa mesma esteira se dá a lição de José de Nicola e Ernani Terra: "O pronome indefinido cada não deve ser utilizado desacompanhado do substantivo ou numeral, portanto é incorreto dizer: Os livros custaram vinte reais cada; Vendia frangos a dois reais cada". 9) Para Júlio Nogueira, seu uso é galicismo "no fim da frase, com elipse de outra palavra: a Cr$ 5,00 cada (par, unidade, metro etc.). É a tradução do chaque, já errôneo em francês, nessa construção. Diga-se: a Cr$ 5,00 cada um (par, dúzia, jogo etc.)". 10) Édison de Oliveira resume a questão em dois aspectos: por um lado, "o normal é empregar a palavra cada seguida de substantivo"; por outro, a locução cada um ou cada uma "não deve ser seguida de substantivo". Exs.: a) "Haverá um defensor para cada réu"; b) "Haverá um defensor para cada um". 11) "Pode referir-se a substantivo no plural, precedido de um numeral, indicando nesse caso um conjunto, um grupo: cada dez pacotes, cada cem pessoas". 12) Também observando que o pronome indefinido cada pode não apenas referir-se à unidade num grupo de seres, mas também "a um conjunto deles", anota Domingos Paschoal Cegalla que, em tal caso, o verbo concorda no plural. Ex.: "Cada três livros custavam 60 reais". 13) Com Sousa e Silva, pode-se fazer o seguinte resumo: a) nunca se usa essa palavra como pronome ("Custa dez cruzeiros cada um", e não "Custa dez cruzeiros cada"); b) com o mesmo sentido de cada um, emprega-se às vezes cada qual; c) é lícito dizer cada dois, cada três; d) quando o substantivo está no singular, dispensa-se o numeral, no português moderno (cada livro, cada pena, e não cada um livro, cada uma pena; porém se diz cada dois livros, cada duas penas). 14) Em termos gramaticais, a cominação cada um ou cada qual vale como substantivo. Exs: a) "Cada um é senhor de seus atos"; b) "Cada qual tem o ar que Deus lhe deu" (Machado de Assis). 15) Quanto a concordância verbal, o verbo fica no singular, quando os núcleos do sujeito vem determinados pelo distributivo cada, até porque os substantivos assim designados normalmente indicam gradação. Ex.: "Cada era, cada geração, cada povo exprime o sentimento" (Rui Barbosa)
quarta-feira, 21 de maio de 2014

Ou e Vírgula

1) Um leitor pergunta como se emprega a vírgula antes da conjunção ou nas orações. Ante a importância do assunto, além da análise da vírgula entre orações, também se estende aqui o estudo para os casos de vírgula entre os termos de mesma oração. 2) Algumas observações se fazem neste início: a) a preocupação do leitor foi bem posta, ao indagar sobre o emprego da vírgula antes da conjunção ou, já que seu uso após ela se deve a diversos outros fatores, de difícil unificação ou sistematização; b) a conjunção ou às vezes conecta termos de mesma oração (como em "Preciso encontrar Pedro ou Paulo") e, outras vezes, liga duas orações (como em "No próximo final de semana, não sei se trabalho ou descanso"); c) as observações que aqui se fazem mostram mais uma tendência haurida nas regras de estruturação do pensamento e nos melhores autores, de aconselhável emprego no ato de redigir, do que um conjunto de regras inflexíveis; d) uma maior atenção à pontuação - sobretudo na redação técnica - constitui tendência da segunda metade do século XX, de modo que nem os melhores autores de antes observaram com acuidade as respectivas regras ao longo dos tempos. 3) Respondendo à indagação da consulta, é de se dizer que, quando o ou une termos de mesma oração, o normal é não usar a vírgula antecedente, e isso por não haver separação nem ruptura de encadeamento entre tais termos, quer quanto ao pensamento, quer quanto à sintaxe: a) "Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes" (CC, art. 88); b) "As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias" (CC, art. 96, caput); c) "Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais" (CPC, art. 2º); d) "Os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil" (CPC, art. 8º); e) "Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente" (CPC, art. 16); f) "O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido" (CPC, art. 20, § 1º); g) "Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem pelas despesas e honorários em proporção" (CPC, art. 23). 4) Embora essa seja uma regra básica, que não causa polêmica e que emana das diretrizes filosóficas que norteiam a estruturação de um texto a ser escrito em linguagem formal, da sintaxe e dos próprios fins dos sinais de pontuação, o certo é que os melhores escritores e mesmo diversos textos de lei acabam por transgredi-la a todo momento, e isso, bem possivelmente, mais por descuido e desatenção do que por real desconhecimento acerca de sua necessidade: a) "Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro..." (CC, art. 5º, parágrafo único, I); b) "Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade..." (CC, art. 12); c) "É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo..." (CC, art. 14, caput); d) "... mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz..." (CC, art. 30, § 1º); e) "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial..." (CC, art. 50); f) "... o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados..." (CC, art. 64); g) "Se (as fundações) funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal" (CC, art. 66, § 1º); h) "... o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção..." (CC, art. 69); i) "São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia..." (CC, art. 82); j) "Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam" (CC, art. 87); k) "... salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso" (CC, art. 94); l) "São bens públicos:... III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades" (CC, art. 99, III); m) "A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo..." (CPC, art. 38, caput); n) "Compete ao advogado, ou à parte quando postular em causa própria" (CPC, art. 39, caput); o) "... não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária" (CPC, art. 42, § 1º); p) "A citação do alienante, do proprietário, do possuidor ... far-se-á:... b) quando residir em outra comarca, ou em lugar incerto, dentro de 30 (trinta) dias" (CPC, art. 72, § 1º, "b"); q) "A sentença, que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo" (CPC, art. 76). 5) Acresce dizer que, se o conetivo ou se repete antes de termos ou expressões, com resultante caráter enfático, usa-se a vírgula antes dele, em todas as ocorrências: "Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau" (CC, art. 12, parágrafo único). 6) Quando o ou une orações de pequena extensão, normalmente não se emprega a vírgula antes de tal conetivo: a) "Far-se-á averbação em registro público:... II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação" (CC, art. 10, II); b) "... o juiz... adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma" (CC, art. 21); c) "... é mister que a reforma:... II - não contrarie ou desvirtue o fim desta" (CC, art. 67, II); d) "... ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor" (CC, art. 96, § 1º); e) "São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem" (CC, art. 96, § 2º); f) "São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore" (CC, art. 96, § 3º); g) "Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade" (CPC, art. 3º); h) "... cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo..." (CPC, art. 19, caput); i) "... naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública..." (CPC, art. 20, § 4º); j) "... as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu ou reconheceu" (CPC, art. 26, caput); k) "... salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência..." (CPC, art. 87); l) "A assistência não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação ou transija sobre direitos controvertidos..." (CPC, art. 53). 7) Se as orações são de maior extensão, então se usa a vírgula antes do conetivo: a) "Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes" (CC, art. 13); b) "A autorização do marido e a outorga da mulher podem suprir-se judicialmente, quando um cônjuge a recuse ao outro sem justo motivo, ou lhe seja impossível dá-la" (CPC, art. 11, caput); c) "O juiz dará curador especial: I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele" (CPC, art. 9º, I); d) "Quando o autor recusar o nomeado, ou quando este negar a qualidade que lhe é atribuída, assinar-se-á ao nomeante novo prazo para contestar" (CPC, art. 67). 8) Como nem sempre é fácil definir o que seja oração de maior extensão, é muito comum ver o emprego da vírgula antes do conetivo ou, mesmo quando este liga orações que possamos classificar como de menor extensão: a) "Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência..." (CC, art. 36); b) "O registro declarará:... V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais" (CC, art. 46, V); c) "Presume-se aceita a nomeação se:... II - o nomeado não comparecer, ou... nada alegar" (CPC, art. 68, II); d) "... se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até final" (CPC, art. 75, II). 9) Para tornar mais prática uma análise dessa natureza por parte do leitor, tome-se um exemplo da própria lei: "Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude" (CC, art. 48, parágrafo único). 10) Para o que aqui interessa, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) quando se diz a lei ou o estatuto, o conetivo está a unir termos de uma mesma oração, o que explica a ausência de vírgula; b) essa também é a explicação para a inexistência de vírgula na expressão simulação ou fraude; c) o outro conetivo liga duas orações - "... quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro..."; d) como as orações por ele unidas têm uma certa extensão, justifica-se a existência da vírgula para separá-las. 11) Tome-se também outro exemplo: "Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante" (CC, art. 69). 12) Dele se podem dizer os seguintes aspectos acerca do ou: a) quando se diz impossível ou inútil e igual ou semelhante, o conetivo está a unir termos de uma mesma oração, o que explica a ausência de vírgula; b) a segunda ocorrência do conetivo mostra que ele está a unir duas orações - "Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade..., ou vencido o prazo ..." - e, como as orações por ele unidas têm uma certa extensão, justifica-se a existência da vírgula para separá-las; c) nas demais ocorrências - i) o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado e ii) no ato constitutivo, ou no estatuto - volta a ocorrer a união entre termos de mesma oração, e, assim, tais termos não deveriam ser separados por vírgula.
quarta-feira, 14 de maio de 2014

Juntamente com - Pleonasmo?

1) Um leitor pergunta se a expressão juntamente com é pleonasmo desnecessário e, assim, deve ser evitada nas construções em português. 2) Algumas afirmações se podem fazer para as expressões juntamente com e junto com: a) ambas não constituem pleonasmo; b) as duas formas são corretas e defensáveis perante o idioma; c) também são locuções prepositivas (ambas têm o valor de preposição); d) ambas podem ser tidas como sinônimas, equivalentes e intercambiáveis. Exs.: i) "A filha saiu junto com o pai, num dia de sol"; ii) "A filha saiu juntamente com o pai, num dia de sol". 3) Reiterando essa equivalência semântica e sintática, Celso Pedro Luft faz questão de, a par de citar exemplos de autores insuspeitos, emparelhar a locução não empregada por eles: a) "Convidou-o para almoçar..., juntamente com o seu intérprete" (Érico Veríssimo); b) "Almoçou junto com o intérprete"; c) "O latim popular... foi assimilado juntamente com toda a cultura dos romanos" (Fidelino de Figueiredo); d) "... foi assimilado junto com a cultura..."; e) "Vim juntamente com ele" (Antenor Nascentes); f) "... junto com ele". 4) Domingos Paschoal Cegalla também as dá como equivalentes e sinônimas, e Francisco Fernandes não apenas atesta a regular existência de juntamente com, mas ainda alinha exemplos de autores os mais significativos de nosso idioma: a) "E abatera-se (o cavalo), morto juntamente com o cavaleiro" (Euclides da Cunha); b) "Chamam-se (os sons) semivogais, sempre que soam juntamente com a vogal de uma sílaba" (Sousa da Silveira). 5) Apenas para citar dois dos nossos repositórios de lei, uma busca no Código Civil de 2002 e no Código de Processo Civil de 1973 mostra que ambos optaram pelo uso exclusivo de juntamente com, e não há neles um só caso de emprego da expressão junto com, como se pode ver a seguir: a) "Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal" (CC, art. 411); b) "Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior" (CC, art. 583); c) "O sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou por advogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata" (CC, art. 1.074, § 1º); d) "Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: 'De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados'" (CC, art. 1.535); e) "A citação do denunciado será requerida, juntamente com a do réu, se o denunciante for o autor; e, no prazo para contestar, se o denunciante for o réu" (CPC, art. 71); f) "Será oferecida, juntamente com os embargos, a exceção de incompetência do juízo, bem como a de suspeição ou de impedimento do juiz" (CPC, art. 742); g) "Ocorrendo a morte de algum herdeiro na pendência do inventário em que foi admitido e não possuindo outros bens além do seu quinhão na herança, poderá este ser partilhado juntamente com os bens do monte" (CPC, art. 1.044).
quarta-feira, 30 de abril de 2014

Óptica ou Ótica?

1) Um leitor traz duas dúvidas sobre um mesmo assunto: (i) se existe alguma diferença entre óptica e ótica, ou se são ambas sinônimas; (ii) se, em óptica, o "p" é pronunciado ou não. 2) Óptica vem do grego (optiké), passando pelo latim tardio (optice) e significa: a) como substantivo, a ciência relacionada aos fenômenos da visão; b) ou o estabelecimento onde se fabricam e/ou se vendem instrumentos ópticos, sobretudo óculos ou lentes; c) ou, ainda, em sentido figurado, ponto de vista, ou ângulo pelo qual se vê uma questão; d) ou, por fim, como adjetivo, algo relacionado à visão. Exs.: (i) "O oftalmologista trazia consigo um tratado de Óptica"; (ii) "Havia uma óptica na esquina de minha casa"; (iii) "A óptica dos românticos é um tanto quanto peculiar"; (iv) "O que ele pensou ter visto foi uma ilusão óptica". 3) Já ótica, que também vem do grego (otikós), significa: a) como substantivo, ciência da audição; b) ou, como adjetivo, algo relacionado à audição. Ex.: (i) "O otorrinolaringologista havia sido reprovado exatamente em Ótica, uma das cadeiras de seu curso universitário"; (ii) "Uma forte dor de ouvido foi causada por um gânglio ótico". 4) É bem certo que há dicionaristas, como Antônio Houaiss (2001, p. 2.073 e 2.090) e Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (2001, p. 2.073 e 2.090), que tratam ambas como formas variantes e, portanto, sinônimas. Já o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, faz questão de distinguir: (i) óptica é a "ciência da visão", opticidade é a "qualidade de óptico", opticista é a "pessoa versada em óptica", e óptico é algo "relativo à visão"; (ii) já ótica é a "ciência da audição", oticidade é a "qualidade de ótico", oticista é a "pessoa versada em ótica", e ótico é algo "relativo à audição" (2009, p. 599 e 605). 5) Diante dessa divergência, de rigor é fazer uma observação importante: não importando o precioso trabalho e a valiosa contribuição prestada pelos dicionaristas ao idioma (o que jamais se pode menosprezar), o certo é que a Academia Brasileira de Letras detém a delegação legal para, em caráter oficial, não apenas listar os vocábulos pertencentes ao vernáculo, mas também descer a pormenores, como grafia e pronúncia das palavras. Nesse quadro, sempre que há discordância entre eles, prevalece a posição da ABL, a qual, no caso, se manifesta por via da edição do VOLP. 6) Assim, de modo prático para as indagações do leitor, num primeiro aspecto, fixa-se, nos termos observados, que óptica e ótica não são formas variantes uma da outra, nem palavras sinônimas, mas detêm ambas conteúdo semântico próprio e distinto, de modo que não é adequado tomar uma querendo significar a outra. 7) Num segundo aspecto, o acordo ortográfico de 2008 mandou excluir as consoantes inúteis. De modo específico para o caso do encontro consonantal pt, mandou eliminar o p nos casos em que os falantes do idioma não mais o pronunciam (adotar, batizar, Egito e ótimo, e não mais adoptar, baptizar, Egipto e óptimo). Manteve, contudo, a grafia pt naqueles casos em que o p continua sendo pronunciado (adepto, apto, eucalipto, inepto e rapto). Nessa esteira, se o VOLP, mesmo após o Acordo Ortográfico de 2008, fez questão de manter o p na grafia de óptica e de seus cognatos, só se pode concluir que tal p é pronunciado em todos esses casos.
quarta-feira, 23 de abril de 2014

Escrita e verbalmente ou Escrito e verbalmente?

1) Um leitor relata haver deixado na porta da sala do chefe um recado nos seguintes termos: "Favor não entrar. Solicita-se deixar recado, escrita ou verbalmente". Foi ele corrigido por uma advogada e um diretor. Disseram-lhe que o correto é "escrito ou verbalmente", ou, no máximo, "escrito ou verbal". Serve-se da consulta para indagar qual a forma correta. 2) Por um lado, importa fixar como premissa que um advérbio como o que aqui se considera forma-se em nossa língua pela flexão do adjetivo para o feminino e subsequente acréscimo do sufixo mente. Exs.: a) caloroso > calorosa > calorosamente; b) legal > legal > legalmente. 3) Num segundo aspecto, vale citar o ensino de João Ribeiro: "Os advérbios em mente, quando ocorrem juntos, perdem, exceto o último, aquela terminação. Ex.: 'Discorreu larga e profundamente'. É esse uso clássico. No entanto, hoje em dia se vai generalizando, talvez por influência francesa, o uso de conservar as terminações: 'Discorreu sabiamente, largamente, profundamente'". 4) Tendo em consideração um exemplo de Rui Barbosa - "Essas decisões são perfeitamente, legalmente, constitucionalmente definitivas" - observa Souza e Silva que nosso grande expoente da língua "se teria expressado com menos energia se dissesse: 'Essas decisões são perfeita, legal, constitucionalmente definitivas'". 5) Parece que o assunto, até este ponto, pode ser resumido com lição de Artur de Almeida Torres: a) "Concorrendo na frase, sucessivamente, dois ou mais advérbios de modo, só o último, em regra, recebe o sufixo mente"; b) "Se, porém, a construção tiver sentido enfático, cada advérbio poderá receber esse elemento sufixal". 6) Em acréscimo, e com integral aplicação ao caso da consulta, em que o sufixo ocorre apenas com o último advérbio, invoca-se a síntese de Júlio Ribeiro: a) "Quando se agrupam diversos advérbios terminados em mente, só o último assume essa desinência"; b) Guardam, contudo, "os outros a forma feminina singular dos adjetivos de que nascem"; c) E ele próprio exemplifica: "Lutaram os paraguaios calorosa, desatinada, loucamente". 7) Veja-se, apenas para conferir, a preferência do legislador brasileiro no Código Civil revogado, cuja redação, como se sabe, teve a participação decisiva de Rui Barbosa: "O registro declarará: ... II - o modo por que se administra e representa (a associação ou a fundação) ativa e passiva, judicial e extrajudicialmente" (CC/1916, art. 19, II). E se perceba já alguma alteração no dispositivo correspondente do Código Civil de 2002: "O registro declarará: ... III - o modo por que se administra e representa (a associação ou a fundação) ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente" (CC, art. 46, III). 8) De modo específico para o caso da consulta, vejam-se as variações de construção com a indicação de sua correção ou erronia, incluindo a hipótese final de emprego de adjetivos, e não de advérbios: a) "Solicita-se deixar recado, escrita ou verbalmente" (correto); b) "Solicita-se deixar recado, escrito ou verbalmente" (errado); c) "Solicita-se deixar recado, escritamente ou verbalmente" (correto); d) "Solicita-se deixar recado, escrito ou verbal" (correto).
quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pegar

1) Na lição de Luiz Antônio Sacconi, "o verbo pegar é abundante na língua familiar; não o é na língua culta". 2) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante lecionam que esse verbo, na língua culta, apresenta apenas o particípio passado regular (pegado). 3) Antonio Henriques, de igual modo, preconiza pegado como a "única forma aceitável do particípio passado de pegar". 4) Silveira Bueno preconiza a continuidade de existência e a possibilidade de uso normal de ambos os particípios - pegado e pego - de acordo com as regras previstas para os verbos abundantes no particípio: "com os verbos ter e haver usamos o particípio longo, invariável... Com os verbos ser e estar usamos o particípio breve, variável". 5) Na lição de Vitório Bergo, o particípio passado regular (pegado) é "forma correta, usada pelos clássicos em vez de pego, que é moderna, e nos diversos sentidos usuais, como seguro, medrado, rente, etc.". 6) Para Cândido de Oliveira, "ganho, gasto, pago, pego são usados indiferentemente para ambas as vozes (com qualquer auxiliar)", e "os particípios ganhado, gastado, pagado, pegado tendem a desaparecer". 7) Em outra obra escrita com Regina Toledo Damião, anota Antonio Henriques que, "apesar do uso corrente da forma pego, ainda sobrevive entre bons autores a forma pegado" na atualidade. 8) Para Sousa e Silva, que invoca a autoridade de Eduardo Carlos Pereira e de José Oiticica, pego "é um dos particípios de pegar (o outro é pegado), desconhecido, talvez, em Portugal, mas comuníssimo no Brasil". 9) Domingos Paschoal Cegalla assim resume a questão da sintaxe desse verbo, no que tange ao uso de seu particípio passado: a) Pegado "se usa com os verbos ter e haver" (Homens da vizinhança tinham (ou haviam) pegado o animal); b) Pego é "forma contrata de pegado" e "se usa, de regra, com os verbos ser e estar" (O cão foi pego pelos moradores da vizinhança - O animal estava pego); c) "Há tendência para se usar pego na forma ativa" (Um morador vizinho tinha (ou havia) pego o animal). 10) Ante a divergência apresentada entre os gramáticos, podem-se extrair as seguintes conclusões, de integral validade para o usuário da norma culta: a) o verbo pegar é abundante, assim na língua familiar como na língua culta, apresentando os dois particípios passados - pegado e pego; b) com tais particípios, o normal é seguir as regras previstas para os verbos abundantes e usar pegado com os verbos ter e haver, e pego com os verbos ser e estar; c) empregar, todavia, pego com os auxiliares ter e haver não pode ser considerado um erro; d) se pegado tende a desaparecer, o certo é que ainda existe e é usado em nosso idioma nos dias de hoje. 11) Ultime-se com a anotação de que a pronúncia do particípio passado irregular pego é fechada (ê), e não aberta (é), como alguns teimam em dizer, até porque pego "com a vogal e aberta é forma do verbo pegar (eu pego)".
1) Um leitor parte do princípio de que, quando queremos fazer uma referência vaga ou genérica a alguém, ou falar de uma pessoa cujo nome desconhecemos, geralmente empregamos as expressões fulano, beltrano e sicrano. Diz ele, porém, que já ouviu alano, mengano, zutano, citano e perengano. E indaga: além das três primeiras, existem outras formas para tais referências em português? 2) Ora, quando se emprega um vocábulo como fulano, quer-se falar de uma pessoa indeterminada, ou de alguém que não se conhece, ou, ainda, de alguém que não se quer nomear. Ex.: "O fulano que atendeu não vestia o uniforme da repartição". 3) Se a referência é feita a mais de uma pessoa, fala-se de fulano, sicrano (e não siclano, cicrano ou ciclano) e beltrano. Ex.: "Não me interessa se o autor dessa estupidez foi fulano, sicrano ou beltrano". 4) Quanto aos demais vocábulos trazidos pela consulta, podem-se fazer as seguintes observações a seu respeito: a) O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, com delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes no idioma, não registra mengano, citano, cicrano e perengano, o que implica dizer que tais palavras não existem em nosso idioma; b) Quanto a zutano, trata-se de vocábulo do espanhol, não do português; c) Por fim, a palavra alano existe no vernáculo, mas seu sentido é de um povo de origem iraniana, que invadiu a Gália em 406, de modo que não tem a acepção pretendida pela consulta. 5) Em síntese, respondendo de modo direto à pergunta: a) em português, existem fulano, sicrano e beltrano; b) para complementar essa discriminação, todavia, não existem alano, mengano, zutano, citano e perengano.
quarta-feira, 12 de março de 2014

Para compor ou Para comporem?

1) Um leitor diz ter dúvidas quanto à flexão do verbo em frases como: a) "Designar servidores para compor comissão..."; b) "Designar servidores para comporem comissão..." 2) Para se ver que essa é uma dúvida trazida de modo recorrente, outro leitor indaga qual ou quais as formas corretas nos seguintes exemplos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes"; c) "A miséria compele-nos a não ter prurido"; d) "A miséria compele-nos a não termos prurido"; e) "... comportamentos a ser adotados..."; f) "... comportamentos a serem adotados...". 3) Em frases como as apontadas, o que se tem é um verbo no infinitivo e precedido por uma preposição - para ou a. E a questão, em suma, busca resposta para a seguinte indagação: Usa-se o infinitivo não flexionado (compor ou ser) ou o infinitivo pessoal (comporem ou sermos), quando precedido pela preposição para ou a? 4) Quanto ao uso do infinitivo flexionado ou não, de um modo geral, leciona Said Ali que a escolha depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou da necessidade de pormos em evidência o agente da ação: no primeiro caso, preferimos o infinitivo não flexionado; no segundo, o flexionado. 5) Também para Hêndricas Nadólskis e Marleine Toledo, "muitas vezes, a opção entre a forma flexionada ou não flexionada é estilística e não gramatical. Quando mais importa a ação, prefere-se a forma não flexionada; quando se realça o agente da ação, usa-se a forma flexionada". 6) Celso Cunha, que cita o primeiro autor, em complementação, diz tratar-se, em verdade, de um emprego seletivo, mais do terreno da Estilística do que, propriamente, da Gramática. 7) Assim também leciona Artur de Almeida Torres a esse respeito: "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.: a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira); b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano); c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro" (Alexandre Herculano); d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados" (Camilo Castelo Branco); e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano); f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano); g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade" (Camilo Castelo Branco); h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material" (Alexandre Herculano). 8) Veja-se que eufonia, em última análise, significa um som agradável, e a atenta leitura mostra que os exemplos acima não repeliriam outra construção, como é fácil verificar: a) "Vamos com ele, sem nos apartar ..."; b) "Vamos com ele, sem nos apartarmos ..."; c) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo"; d) "... os levavam à pia batismal sem crer no batismo"; e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes"; f) "Obrigá-los a voltarem o rosto contra os árabes"; g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade"; h) "... fanatizados que aparecem sempre para justificarem o bom quilate da novidade"; i) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material"; j) "... tantos que nasceram para viver uma vida toda material". 9) Nesse assunto de uso do infinitivo flexionado ou não flexionado, resguardados certos parâmetros mínimos de correção, de bom-senso e de eufonia, é oportuno rememorar a frase de José Oiticica, de que Aires da Mata Machado Filho lamentou não ter sido o autor, de modo que lhe restava apenas a satisfação de repetir: "Mandem os gramáticos às favas e empreguem o infinitivo à vontade". 10) Tais palavras, a bem da verdade, não deixam de ter suporte no que Júlio Nogueira disse com muita propriedade: "Além das sumárias indicações..., difícil será estabelecer regras seguras. É este um dos assuntos que têm dividido os competentes na matéria, dando lugar a fortes dissídios. Em alguns casos, a preferência entre a forma invariável e a variável é apenas de intuição natural, por eufonia, orientação perigosa, pois o que a uns parece agradável ao ouvido, a outros soa mal. Nisto, como no mais, os clássicos não são acordes, nem podem, pela prática generalizada, servir de modelo". 11) Remate-se com a observação de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante de que "o infinitivo constitui um dos casos mais discutidos da língua portuguesa", e "estabelecer regras para o uso de sua forma flexionada, por exemplo, é tarefa difícil" e, "em muitos casos, a opção é meramente estilística". 12) De modo prático para os exemplos da primeira consulta, deve-se dizer que, em todos os casos em que o infinitivo vem precedido de preposição dessa natureza (sem, de, a, para ou em), estão corretos ambos os modos de fala: a) "Designar servidores para compor comissão..."; b) "Designar servidores para comporem comissão..." 13) E, quanto aos exemplos da segunda consulta, também todos os exemplos estão igualmente corretos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes"; c) "A miséria compele-nos a não ter prurido"; d) "A miséria compele-nos a não termos prurido"; e) "... comportamentos a ser adotados..."; f) "... comportamentos a serem adotados...".
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Teratológico ou Teratogênico?

1) Um leitor relata ser comum, na prática dos tribunais, o emprego da expressão decisão teratológica. E indaga se o correto, sobretudo do ponto de vista etimológico, não seria teratogênica. 2) Observe-se, num primeiro aspecto, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra ambas as palavras: teratogênico e teratológico. 3) E se realça, nesse campo, que o VOLP é editado pela Academia Brasileira de Letras, e esta detém a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes em nosso idioma, de modo que não há dúvida quanto à efetiva existência de ambos os vocábulos no vernáculo. 4) Num segundo aspecto, vê-se que teratológico, originalmente, significa aquilo que se refere à teratologia, ou seja, ao estudo das anomalias e malformações do embrião ou feto. Ex.: "Naquela aula, em que os estudantes de Medicina respiravam embriões e fetos, só se falou em teratologia, em assuntos teratológicos". 5) Desse sentido físico, por sinédoque, passou a significar o estudo das monstruosidades em geral. Ex.: "Pretender a aplicação de um princípio geral de direito com marginalização de lei infraconstitucional em vigor, e isso sem que seja esta declarada inconstitucional, nada mais é do que teratologia, do que interpretação teratológica da lei e do ordenamento jurídico como um todo". 6) Já teratogênico tem o sentido primário e físico daquilo que causa teratogenia ou teratogênese, a saber, que causa formação e desenvolvimento no útero de anomalias que levam a malformações. E não há registro de aplicações do vocábulo com sentido figurado ou de algum modo metafórico. Ex.: "Na análise daquele embrião doente, as malformações foram expostas em todos os seus aspectos teratogênicos". 7) Da comparação entre as acepções e os exemplos, pode-se concluir em síntese: a) teratológico, por um lado, tem um sentido figurado, que os dicionários não apresentam para teratogênico; b) no sentido físico, os vocábulos apresentam alguma intersecção de sentido, mas, pelo que mostram os dicionários, mas não uma real e efetiva sinonímia; c) de modo específico para o caso da consulta, a forma correta é decisão teratológica, e não decisão teratogênica.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sob encomenda ou Sobre encomenda?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

É-me... - Está correto?

1) Um leitor indaga se está correta a colocação do pronome na seguinte frase: "É-me sumamente grato cumprimentar Vossa Excelência". 2) Ora, um pronome como esse chama-se pronome pessoal oblíquo átono: a) pronome pessoal, porque está em lugar de um nome, que representa uma pessoa do discurso; b) oblíquo, porque faz uma função de objeto (se fosse de sujeito, seria pronome reto); c) átono (e não tônico), porque não tem autonomia sonora. 3) Por ser átono, esse pronome depende da tonicidade do verbo por ele completado, de modo que a questão de colocação do pronome cinge-se a verificar onde a sonoridade melhor aconselha seu posicionamento no caso: antes ou depois do verbo. 4) Se o pronome átono vem antes do verbo, diz-se que há próclise. Ex.: "Não me é sumamente grato cumprimentar Vossa Excelência". 5) Se o pronome átono vem no meio do verbo, diz-se que há mesóclise. Ex.: "Ser-me-á sumamente grato cumprimentar Vossa Excelência". 6) Se o pronome átono vem depois do verbo, diz-se que há ênclise. Ex.: "É-me sumamente grato cumprimentar Vossa Excelência". 7) Considerando especificamente a indagação do leitor, podem-se fazer as seguintes afirmações para o exemplo por ele enviado: a) não pode haver próclise, porque, em linguagem culta, não é correto um pronome pessoal oblíquo átono começar a frase; b) também não pode haver mesóclise, porque esta só acontece no futuro do presente e no futuro do pretérito, e o verbo do caso da consulta está no presente do indicativo; c) a ênclise, assim,é a única opção restante e que se amolda às regras gramaticais de colocação depronomes; d) está, portanto, perfeitamente correta a colocação no seguinte exemplo: "É-me sumamente grato cumprimentar Vossa Excelência".
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Colocação de pronomes - atração remota?

1) Um leitor alinha três exemplos: a) "Contou-nos que o amava ainda depois de tudo"; b) "Contou-nos que, depois de tudo, o amava ainda"; c) "Contou-nos que, depois de tudo, amava-o ainda". Fundamenta que, no primeiro exemplo, a próclise foi usada por existência de uma daquelas palavras que atraem o pronome átono para antes do verbo. Refere, ao depois, que, no segundo exemplo, também se usou a próclise por atração, embora entre a palavra atrativa e o pronome exista um termo intercalado. Anota, por fim, que, no terceiro exemplo, não houve atração. E indaga se, neste último, a colocação pronominal está correta ou errada. 2) Verificada a premissa de que, em razão da eufonia, há palavras que atraem o pronome pessoal oblíquo átono para antes do verbo (palavras negativas, advérbios, pronomes relativos, pronomes indefinidos, conjunções subordinativas), a indagação (que, no caso, diz respeito apenas aos dois últimos exemplos) pode ser resumida do seguinte modo: quando se intercala, após palavra atrativa, outra palavra, ou expressão, ou mesmo oração (no caso, a expressão intercalada é "depois de tudo"), continua aquela primeira exercendo sua normal força de atração? 3) Carlos Góis, em estudo sobre os casos de próclise, observa que, se entre a palavra atrativa e o verbo "mediar outra oração, que os afaste e distancie, dá-se então a ênclise (a distância ou afastamento fez cessar a atração)", buscando tal autor corroboração em exemplo de Machado de Assis: "Poderá fazer crer ao leitor que, durante aqueles dias em que a perdemos de vista, tornara-se Guiomar uma criatura desditosa". 4) Para Cândido de Figueiredo, em tais casos, "o pronome pessoal atônico, que deveria ser proclítico, por o atrair uma partícula anterior, nos aparece muitas vezes enclítico, por ficar longe da referida partícula". Ex.: "... cordas que, se acaso tremem e vibram apagam-se, fundem-se" (João Ribeiro). 5) Buscando uma explicação plausível para essa ocorrência, justifica tal autor: "a inobservância rigorosa da construção é atenuada sensivelmente pela distância entre as partículas que normalmente se atraem". 6) Falando dos itens de exceção das regras de colocação de pronomes e enfocando, de modo específico, "as principais causas que perturbam a colocação normal dos pronomes oblíquos", refere Artur de Almeida Torres, entre estas, "a distância em que o pronome se acha das palavras acima mencionadas (palavras atrativas), que ficam como que esquecidas", o que, pelos exemplos por ele coligidos acarreta o emprego da ênclise. Exs.: a) "Vozes humanas que, apelidando-se pela calada das horas mortas, levantam-se..." (Júlio Ribeiro); b) "... cuja substância vai-se por qualquer rasgão" (Rui Barbosa); c) "Durante uns dois meses, que o general demorou-se na província" (Camilo Castelo Branco); d) "Asseguro-vos que, se me falece ambição para aceitar os vossos votos contradizendo as minhas opiniões, sobeja-me avareza" (Alexandre Herculano). 7) Na conformidade com lição de Evanildo Bechara, no caso de vocábulos ou de uma oração que se intercalem na subordinada, "exigindo uma pausa antes do verbo, o pronome átono pode vir enclítico", mesmo em havendo, distante, palavra normalmente atrativa, para o que se observa a regra genérica de que não se põe pronome oblíquo átono logo após vírgula. Ex.: "Mas a primeira parte se trocou por intervenção do Tio Cosme, que, ao ver a criança, disse-lhe entre outros carinhos..." 8) De acordo com o próprio verbo auxiliar da locução, empregado pelo gramático por último referido ("pode vir"), e pelo que se verifica do uso normal em textos que se subordinam ao padrão culto da língua, referendado por exemplos de autores abalizados e insuspeitos, o mais adequado é considerar que, em situações desse jaez, o pronome pode vir em uma de duas posições: ou em próclise, por observância da atração da palavra respectiva, ainda que remota, ou em ênclise, com base na realidade mais direta e palpável de que, objetivamente, não há, próxima, palavra alguma atrativa. 9) Bem por isso, o exemplo citado de Machado de Assis também poderia ter sido escrito na estrita conformidade com as normas das palavras atrativas - no caso um pronome relativo com ligação direta de sentido com o verbo e o pronome átono - em atração pronominal remota. 10) Assim, no caso, será também correto dizer: "Mas a primeira parte se trocou por intervenção do Tio Cosme, que, ao ver a criança, lhe disse entre outros carinhos..." 11) E, de modo bem prático, no caso da consulta que motivou estas considerações, estão corretos ambos os exemplos: a) "Contou-nos que, depois de tudo, o amava ainda"; b) "Contou-nos que, depois de tudo, amava-o ainda". ______________ *Publicado originalmente em 30/09/2009.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

No sentido de... - Está correto?

1) Um leitor indaga se é correto o emprego da expressão no sentido de em frases como a seguinte: "Um exército de estudiosos e vernaculistas engajou-se no sentido de preservar as excelências e galas da língua portuguesa". 2) Vejam-se, de início, os seguintes exemplos: a) "O acidente bloqueou a Rodovia Fernão Dias no sentido de Belo Horizonte"; b) "Não tem plural o verbo 'haver' no sentido de 'existir'"; c) "A Justiça Eleitoral precisa modernizar-se no sentido de agilizar os julgamentos". 3) E, então, se passe a constatar: a) no primeiro exemplo, a expressão significa na direção de; b) no segundo exemplo, pode ser substituída por na acepção de; c) no terceiro exemplo, quer dizer apenas para. 4) Pois bem: os gramáticos têm entendido pela correção integral dos dois primeiros casos, mas têm condenado o uso dessa expressão para significar apenas para. 5) Assim, Josué Machado se posta contra o emprego dessa expressão "supostamente solene... em lugar do conciso para", em frases como, por exemplo, "Estou envidando esforços no sentido de..." 6) Laurinda Grion também dá como incorreto seu uso em tais casos, preconizando sua substituição por para, justificando que, "neste caso, não é preferível o uso da expressão no sentido de, porque ela indica direção, ao passo que a ideia da frase é finalidade", motivo por que "para é o melhor vocábulo". 7) Voltando, na prática, à frase da consulta: a) "Um exército de estudiosos e vernaculistas engajou-se no sentido de preservar as excelências e galas da língua portuguesa" (errado); b) "Um exército de estudiosos e vernaculistas engajou-se para preservar as excelências e galas da língua portuguesa" (correto).
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Nestes termos ou nesses termos?

1) Tanto no tempo quanto no espaço, este indica posição mais próxima da pessoa que fala (primeira pessoa). Exs.: a) "Estou nesta sala"; b) "Saiu neste minuto"; 2) Na prática, quando se fala em este, pode-se pensar em aqui. Assim: "Estou nesta sala aqui". 3) Já esse indica posição próxima da pessoa com quem se fala (segunda pessoa), ou mesmo um certo distanciamento da pessoa que fala. Exs.: a) "Já entrei nesse tribunal"; b) "Ano passado: esse, para mim, foi um dos anos mais difíceis". 4) Na prática, quando se fala em esse, pode-se pensar em aí. Assim: "Já entrei nesse tribunal aí". 5) Por sua vez, aquele indica posição próxima de quem se fala (terceira pessoa) ou mesmo distante dos interlocutores (de quem fala e da pessoa com quem se fala). Exs.: a) "Olhe aquele advogado no carro preto"; b) "Eu era juiz de primeira entrância; naquela época, tudo era menos complicado". 6) Na prática, quando se fala em aquele, pode-se pensar em lá. Assim: "Olhe aquele advogado lá no carro preto."1 7) No que respeita à proximidade dos objetos ou das pessoas, vale resumir a questão com o ensinamento de Júlio Ribeiro: "Este indica proximidade em relação à pessoa que fala; é o demonstrativo da primeira pessoa: 'esta espingarda' indica a espingarda que está junto da pessoa que fala. Esse indica proximidade em relação à pessoa com que se fala: é o demonstrativo da segunda pessoa: 'essa faca' indica a faca que está perto da pessoa com quem se fala. Aquele indica distância absoluta ou proximidade com relação a terceiro; é o demonstrativo da terceira pessoa: aquele veado indica o veado que se vê ou que se supõe ao longe".2 8) Num segundo aspecto, no interior da frase, este se refere ao elemento anterior mais próximo; aquele, ao mais distante. Ex.: "O adulto e a criança têm seus direitos, mas esta exige maiores cuidados do que aquele". 9) Ainda no interior da frase, isto, este e esta se referem ao que se vai dizer, enquanto isso, esse e essa se relacionam ao que já se disse. Exs.: a) "A nova Constituição traz este preceito: não há possibilidade de discriminação entre filhos"; b) "Não há possibilidade de discriminação entre filhos: esse é o preceito da nova Constituição". 10) Finde-se com a judiciosa observação de Evanildo Bechara: "Nem sempre se usam com este rigor gramatical os pronomes demonstrativos; muitas vezes interferem situações especiais que escapam à disciplina da gramática".3 11) Josué Machado também deixa claras as funções do pronome demonstrativo em tais circunstâncias: a) "este está sempre mais perto de quem fala ou escreve do que esse, por mais perto que esteja o esse"; b) "quando se usa este ou aquele para referência a termos ou orações anteriores, este se refere ao mais próximo e aquele obviamente ao mais afastado"; c) na diferenciação entre o que já se disse e o que se vai dizer, "este se refere ao futuro, ao que vem abaixo, a seguir", e "esse sempre se refere ao passado, ao já dito, que ficou para trás, ou está acima".4 12) Os textos de lei nem sempre fazem a adequada distinção entre pronomes, em casos dessa espécie. 13) Veja-se, para exemplo: "Para os efeitos desse artigo, equipara-se ao 'habite-se' das autoridades municipais a ocupação efetiva da unidade residencial" (art. 7o, § 1o , da Lei 4.380, de 21.8.64, que regulamentou os contratos imobiliários". 14) Tratando-se de um parágrafo inserido no próprio artigo a que se faz referência, óbvio que o pronome deve ser deste, e não desse. 15) No caso da consulta feita pela leitora Melina Silva Martino, pode-se pensar em dois significados: a) nos termos desta petição, caso em que nestes termos seria expressão correta por aplicação do item 1 destas reflexões; b) nos termos que ficaram ditos, hipótese em que nesses termos seria expressão correta por aplicação do item 9 destas reflexões. 16) Em resumo: a) Nestes termos seria forma correta e significaria nos termos desta petição; b) Nesses termos seria forma igualmente correta e significaria nos termos que ficaram ditos nesta petição. Vale dizer: duas formas gramaticalmente corretas, mas com ligeira alteração de sentido. 17) Na hipótese da consulta formulada pelo leitor Fuad Ballura, como se trata da casa a que pertencem os redatores e na qual eles estão, o correto, então, é dizer desta casa, e não dessa casa. 18) Por fim, quanto à indagação trazida pelo leitor Bruno Bergmanhs, o correto será: 'O carro é vermelho. Esse é grande.' ______________ 1Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Para Entender Português. São Paulo: Gráfica Biblos Ltda. - Editora, edição sem data. p. 71. 2Cf. RIBEIRO, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 63. 3Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed. segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 97. 4Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 27-29. ______________ Publicado originalmente em 16/11/05.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Mover ação contra

      Mover ação contra 1) Geraldo Amaral Arruda anota que o emprego de contra, em expressões como mover ação contra, decorre "da preferência pela fórmula tradicional, que é satisfatória para descrever como é vista e sentida a relação entre os litigantes", o que fez com que Chiovenda, Liebman e Cândido Rangel Dinamarco não deixassem de referir a existência de uma contenda judiciária e de usar a preposição contra para fazer menção a tal disputa.         2) Bem por isso, complementa tal autor ser "evidente que, ao referir-se a essa luta a respeito de interesses conflitantes, o juiz retrate o que vê ante si, dizendo que as partes contrárias não estão apenas uma em face da outra, mas que vê perante o juízo adversários que se enfrentam em contenda judiciária, uma contra a outra". 3) E alinha tal autor diversos exemplos colhidos em obra de Liebman, traduzida para o vernáculo por Cândido Rangel Dinamarco, e de Chiovenda, na tradução portuguesa de J. Guimarães Menegale, sempre em fidelidade para com o uso original, no qual se patenteia o antagonismo entre as partes de um processo e o próprio emprego da preposição contra e não da locução em face de.1   4) Sérgio Bermudes, notável advogado e mestre de processo, marcou, por sua vez, posição específica, escrevendo artigo com o significativo título A Favor do Contra, no qual acentua os seguintes aspectos: a) o pedido de tutela se dirige efetivamente contra o Estado, devedor da prestação jurisdicional;   b) "cunhou-se, então, a locução prepositiva em face de, com o ânimo de deixar bem nítido que o autor não ajuizou a ação contra o réu, mas contra o Estado";   c) "esse empenho de esclarecer, demasiadamente, as coisas só faz confundi-las e baralhá-las, aos olhos do homem comum, destinatário da administração da justiça, que entende, perfeitamente, até por atavismo, que uma ação haja sido proposta contra ele, mas queda perplexo e nervoso, quando ouve dizer que uma ação foi proposta em face dele";   d) "infelizmente, o emprego da locução em face de vai ganhando terreno e expulsando da linguagem técnica o contra imemorial";   e) "não há motivos de ordem lógica, ou jurídica, para o culto da expressão em face dele, incompatível com a tradição e o claro entendimento do alcance da iniciativa do autor, que vai a juízo contra o réu";   f) "desde as fontes, identifica-se a ação, e dela se fala como um movimento do autor contra o réu";   g) "os clássicos da antiga literatura processual portuguesa e brasileira sempre se referiram à ação de uma parte contra a outra", como se pode confirmar em Pereira e Sousa, Paula Batista, Barão de Ramalho e João Monteiro;   h) "se os avanços científicos convenceram os processualistas brasileiros de que a ação se exerce contra o Estado, e não contra o réu, não chegaram a influir na sua linguagem, como revelam eloqüentes amostras, colhidas em apressada e perfunctória consulta, nos mananciais mais abundantes", em obras de Pontes de Miranda, José Frederico Marques, Moacyr Amaral Santos e José Carlos Barbosa Moreira, este último, além de enfileirado entre os melhores processualistas do mundo, também "de notórios desvelos com o apuro da linguagem técnica";   i) em conclusão, "num país em que tanto se deve reformar, da estrutura de várias instituições ao caráter de muitos homens, convém deixar quieto, no seu canto, o que não precisa ser mudado", de modo que é preciso ser contra ao em face, "aliás, de pureza vernacular duvidosa".2 5) Não se olvide que de uso corrente é a preposição contra em nosso Código Civil de 1916 - de reconhecido apuro lingüístico por decisiva atuação de Rui Barbosa - para significar a contraposição dos pólos ativo e passivo de uma demanda (em estruturação mantida pelo Código de 2002, nos casos em que persiste a respectiva determinação): a) "... ação do segurado contra o segurador e vice-versa..." (art. 178, § 6º, II); b) "... ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio aumentado pela avulsão..." (art. 178, § 6º, XI); c) "... toda e qualquer ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal..." (art. 178, § 10, VI);   d) "... aqueles (herdeiros do doador) podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de contestada a lide" (art. 1.185);   e) "Se o mandatário obrar em seu próprio nome, não terá o mandante ação contra os que com ele contrataram, nem estes contra o mandante" (art. 1.307);   f) "... terá (o mandante) contra este (o procurador) ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções" (art. 1.313);   g) "... ficam salvas ao constituinte as ações, que no caso lhe possam caber, contra o procurador" (art. 1.318);   h) "Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação, que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber" (art. 1.337);   i) "Sempre que houver ação regressiva de uns contra outros herdeiros, a parte do co-herdeiro insolvente dividir-se-á em proporção entre os demais" (art. 1.798). 6) De igual modo, o Código de Processo Civil - diploma recente e de conhecida apuração formal quanto à precisão científica e quanto ao zelo pelo vernáculo - registra, em diversas passagens, o uso da preposição contra para estabelecer o antagonismo das demandas judiciais: a) "... oferecer oposição contra ambos" (art. 56);   b) "... contra o outro prosseguirá o opoente" (art. 58);   c) "... contra ele correrá o processo" (art. 66, primeira parte);   d) "...o processo continuará contra o nomeante" (art. 66, segunda parte);   e) "... não poderá intentar nova ação contra o réu" (art. 268, parágrafo único);   f) "É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos..." (art. 292, caput);   g) "Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: ... II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência..." (art. 593, II);   h) "Da execução por quantia certa contra devedor solvente" (rubrica do Capítulo IV, que precede o art. 646);   i) "Da execução contra a Fazenda Pública" (rubrica da Seção III, que precede o art. 730);   j) "... pode o juiz ouvir, em três (3) dias, aquele contra quem (o protesto contra a alienação de bens) foi dirigido..." (art. 870, parágrafo único). 7) Também nessa exata conformidade, é de se ver que Francisco Fernandes registra se deva dizer ação contra, simplesmente ignorando a existência de ação em face de, com base em exemplo de Camilo Castelo Branco: "Aconselharam-no que intentasse ação judiciária contra os sócios".3   8) Igual proceder tem Celso Pedro Luft, que apenas refere ação contra, nada aduzindo acerca de ação em face de.4 ___________   1Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 89-93.2Cf. Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. vol. 65, p. 219-223.3Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 8.4Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 26. ______ * Publicado originalmente em 12/3/08.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013

De cujus - Qual é o plural?

1) Um leitor envia a seguinte indagação: "Nos processos de inventário, às vezes, há mais de um falecido. Nesses processos, como colocar a expressão latina de cujus no plural?" 2) Quando se emprega a expressão de cujus em processos de inventário, tem-se uma forma braquilógica (redução de palavras ou expressões), extraída da locução latina is de cujus sucessione agitur, a qual, traduzida, significa "aquele de cuja sucessão se trata". 3) Nossos repositórios legais trazem alguns casos de emprego da expressão em latim: a) "... decorridos 5 (cinco) anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Estado, ou ao Distrito Federal, se o de cujus tiver sido domiciliado nas respectivas circunscrições..." (CC/1916, art. 1.594, em redação já revogada mesmo antes do CC/2002); b) "O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus" (CC/1916, art. 1.611, § 1º). 4) Para melhor entendimento da expressão em latim (que guarda perfeita equivalência para efeito de raciocínio), considere-se a respectiva tradução: "aquele de cuja sucessão se trata". Nesta, o pronome adjetivo cuja refere-se a sucessão, fato esse que se confirma, quando, no mero plano da Gramática, se altera o vocábulo sucessão (muito embora possa não haver efetiva significação jurídica na afirmação resultante): a) "Aquele de cujo inventário se trata..."; b) "Aquele de cuja sucessão se trata..."; c) "Aquele de cujos bens se trata..."; d) "Aquele de cujas dívidas se trata..." 5) Num segundo aspecto, fixe-se que o pronome adjetivo cuja não se refere ao pronome aqueles. Para constatar, basta variar aquele e se perceberá que a expressão discutida não se altera: a) "aquele de cuja sucessão se trata"; b) "aquela de cuja sucessão se trata"; c) "aqueles de cuja sucessão se trata"; d) "aquelas de cuja sucessão se trata". 6) Como o raciocínio em vernáculo é o mesmo para o latim no aspecto da consulta, o que se pode dizer, em resposta específica à indagação do leitor, é que, não importando quantos sejam os falecidos e autores da herança, a expressão latina há de permanecer sempre invariável: de cujus sucessione agitur. Ou, de modo mais específico: a) o de cujus; b) a de cujus; c) os de cujus; d) as de cujus. 7) Não assiste razão, assim, à observação encontrada na internet, em um site especializado em língua portuguesa, de que a expressão não receberia flexão de gênero, mas sempre deveria permanecer no masculino - "o de cujus" - com as especificações: o de cujus varão ou masculino e o de cujus virago ou feminino. 8) Ante o próprio significado e o comportamento linguístico da expressão, há de se ter a cautela para não incidir no erro daquele causídico despreparado do anedotário forense, o qual, em demonstração de que a realidade, no mínimo, se iguala à fantasia, virou fato e, ao fazer as primeiras declarações em autos de inventário, "afirmava que o de cujus (o falecido) havia deixado cinco de cujinhos. Ele queria dizer que o morto deixou cinco filhos vivos" (Folha de S. Paulo, 10/5/97). 9) Quanto à grafia, é certo que Cândido Jucá Filho registra o aportuguesamento da expressão, com hífen e acento gráfico por nossas regras: "Procedemos segundo a vontade expressa da de-cújus". 10) Eliasar Rosa registra o uso da forma aportuguesada decujo por Pontes de Miranda, por Lacerda de Almeida e por outros juristas. 11) Tais formas aportuguesadas - de-cújus e decujo - contudo, não são registradas pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficialmente incumbido de definir quais as palavras que efetivamente integram nosso léxico, motivo por que não se autoriza seu emprego. 12) Em verdade, por constituir expressão alheia a nosso idioma, deve ser grafada sem acento e sem hífen (que não existiam na língua de origem), até porque, como lembra Edmundo Dantès Nascimento, porque expressões assim não eram hifenizadas em latim, "não o podem ser em língua nenhuma". E acrescenta tal autor: "para quem pretende grafar escorreitamente não é permitido o hífen em expressões do latim clássico". 13) Além disso, expressões dessa natureza devem vir entre aspas, em itálico, negrito ou com sublinha, que é o procedimento normal em relação a vocábulos aqui empregados, mas alheios ao vernáculo.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Segue embargos ou Seguem embargos?

1) Importa saber qual dos dois exemplos está gramaticalmente correto: a) "Segue embargos..."; b) "Seguem embargos..."? 2) Ora, chama-se concordância verbal à harmonização do verbo com o seu sujeito, o que se dá em número (singular ou plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira). 3) Saiba-se, assim, por primeiro, que, conforme sustenta Carlos Góis , o verbo (denominado palavra regida ou subordinada) acomoda-se à flexão do sujeito (denominado palavra regente ou subordinante). 4) E também se saiba que se o sujeito é simples, a concordância se faz em número e pessoa com o núcleo do sujeito. Exs.: a) "Eu encontrei o livro"; b) "Os rebeldes saíram às ruas"; c) "A pintura dos três prédios exigiu dois meses"; d) "Aconteceram, por aqui, casos interessantes"; e) "Os consertos do edifício demoraram mais do que o previsto". 5) Muitas vezes, sobretudo porque o sujeito vem posposto ao verbo, ou dele distante, ou mesmo porque se acoplam adjuntos no plural a um núcleo de sujeito no singular, esquecem-se equivocadamente alguns de proceder à regular concordância, como se dá até mesmo com textos de lei. 6) E equívocos dessa natureza ocorrem até mesmo em dispositivos de lei. Assim, por exemplo: "Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta lei assegura ao portador" (art. 59 do Decreto-Lei 7.357, de 2/9/85, que dispôs sobre o cheque e deu outras providências). Corrija-se o texto para: Prescreve... a ação (porque, na ordem direta, a ação prescreve). 7) Em mesma esteira: "A existência de ônus fiscais ou reais, salvo os impeditivos de alienação, não impedem o registro, que será feito com as devidas ressalvas..." (art. 32, § 50, da lei 4.591, de 16/12/64, que regulou o condomínio e as incorporações imobiliárias). Proceda-se à seguinte correção: "A existência... não impede o registro..." 8) Ante as ponderações feitas nestes comentários, se a dúvida reside em saber qual dos dois exemplos está correto - "Segue embargos..." ou "Seguem embargos..." -, tenha-se a certeza: seguem, porque "embargos" (uma palavra que exige verbo no plural) é o sujeito. 9) E não cabe objetar com o argumento de que o sentido seria "Segue petição de embargos..." Se se apresentar essa nova oração, ainda que se tenha o mesmo sentido, a realidade gramatical e sintática há de ser outra: em vez de "embargos", "petição" (palavra do singular) passará a ser o núcleo do sujeito e exigirá a concordância do verbo no singular. 10) Veja-se, assim, a forma correta dos seguintes exemplos: a) "Seguem embargos"; b) "Segue petição de embargos". _______________ *Publicado originalmente em 28/8/13.