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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
1) Um leitor parte do seguinte exemplo: "O ato foi uma reação específica às ações da Anistia Internacional, que vinha denunciando e cobrando esclarecimentos sobre violações de direitos humanos, como torturas, desaparecimentos e assassinatos de opositores". E indaga se, nesse exemplo, "de opositores pode ser considerado complemento dos termos assassinato, desaparecimentos e torturas, ou só pode ser considerado complemento do último termo, ou seja, complemento tão somente do termo assassinatos". 2) Louve-se, desde logo, o nível da questão trazida pelo leitor. Há indagações sem maior complexidade, que clamam por soluções também simples, como as de acentuação ou grafia. Mas questões como essa - atinente a uma das mais difíceis funções sintáticas, que é o complemento nominal representado por expressão preposicionada que inteira o sentido de um substantivo - demonstram, por si sós, o nível de formação gramatical do leitor que as formula. 3) De início, vejam-se dois exemplos, aqui dados para melhor entendimento da questão: a) "O amor de mãe é elemento básico para um crescimento saudável"; b) "O amor à mãe é um sentimento cuja recompensa a Bíblia registra". 4) Nesses dois casos, pode-se afirmar que de mãe e à mãe são duas expressões precedidas de preposição (de e a), as quais completam substantivos (amor, em ambas as situações). 5) Ora, quando uma expressão preposicionada completa um substantivo, o que se tem, no plano da sintaxe, ou é um complemento nominal, ou é um adjunto adnominal. E distinguir qual seja sua função, nesses casos, não é algo tão simples. 6) O segredo é raciocinar do seguinte modo: se a expressão preposicionada é o alvo, destinatário ou paciente do que diz o substantivo cuja significação é por ela inteirada, então ela é um complemento nominal. Na prática, quando se diz amor à mãe, a expressão à mãe é o alvo ou o destinatário do amor. Então esse termo é um complemento nominal. 7) Já quando se diz amor de mãe, o circunlóquio de mãe não é alvo, destinatário ou paciente - e sim autor - do amor. Então ela não é complemento nominal, mas adjunto adnominal. No plano da morfologia, diz-se que ela é uma locução adjetiva, a qual, com frequência, pode até mesmo ser substituída por um adjetivo. No caso, amor de mãe é o mesmo que amor materno ou amor maternal. Mas pode acontecer que, mesmo sendo tecnicamente uma locução adjetiva, não tenha ela um adjetivo equivalente. 8) Acrescente-se que um substantivo pode ter em mesma frase tanto um adjunto adnominal como um complemento nominal, como se dá no seguinte exemplo: "O amor de Jesus às criancinhas merece reflexão". Por um lado, de Jesus é adjunto adnominal de amor; por outro, às criancinhas é complemento nominal também de amor. 9) Importa, ainda, observar que o substantivo inteirado pelo complemento nominal normalmente corresponde a um verbo transitivo: a) amor de mãe significa amar a mãe; b) reação às ações quer dizer reagir às ações; c) violação de direitos situa-se no mesmo campo de significado de violar direitos; d) tortura de opositores tem a ver com torturar opositores; e) assassinato de opositores pode transformar-se em assassinar os opositores. 10) Voltemos, então, ao exemplo do leitor. Já no começo da frase, podemos encontrar dois outros casos que merecem consideração: a) reação às ações; b) violações de direitos. Em ambos, as expressões em realce (i) são preposicionadas, ii) inteiram o significado de um substantivo, e iii) são os alvos, destinatários ou pacientes do que dizem os substantivos inteirados por elas. Tais expressões, por conseguinte, são complementos nominais. 11) Em seguida, centremo-nos em considerar o excerto "torturas, desaparecimentos e assassinatos de opositores". Pelo sentido que transparece claramente, podemos especificar melhor, tornando-a três expressões: a) torturas de opositores; b) desaparecimentos de opositores; c) assassinatos de opositores. Em todas elas, de opositores (i) é uma expressão preposicionada, (ii) que inteira o sentido de substantivos (torturas, desaparecimentos e assassinatos) e (iii) é o alvo, destinatário ou paciente do que diz o substantivo completado por ela. Tais expressões, por conseguinte, são complementos nominais. 12) Por fim, no plano sintático, respondendo especificamente à indagação, tal como lançada pelo leitor, podem-se lançar as seguintes conclusões: i) por um lado, é possível considerar, para os dois primeiros casos, que os substantivos são completados por uma expressão preposicionada oculta, a saber, de opositores, a qual se repete, de modo silencioso, em nossa mente, quando perpassamos por cada qual das expressões; b) também não há empecilho algum a se reputar que se está diante de um caso em que três substantivos são inteirados, em sua significação, por um mesmo complemento nominal; c) não se pode, todavia, ter a expressão de opositores como complemento nominal apenas de assassinatos, sob pena de se deixar no vazio e sem adequada complementação o sentido dos demais substantivos, a saber, torturas e desaparecimentos, que, como não é difícil perceber, clamam por uma complementação, quer no campo da significação, quer na esfera da sintaxe.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quer... quer... quer...

1) Nada impede que se empregue quer por mais de duas vezes, desde que três ou mais blocos hajam de ser comparados em alternativa, tal como aparece no art. 1.368 do Código Civil de 1916: "É universal a sociedade, quer abranja todos os bens presentes, ou todos os futuros, quer uns e outros na sua totalidade, quer somente a dos seus frutos e rendimentos". 2) Quanto ao emprego de outras palavras de função similar, de Luciano Correia da Silva vem a seguinte lição: "A alternativa ou pode estar uma vez só ou várias vezes numa frase ou período: 'Decifra-me ou devoro-te'; 'Um advogado se distingue, ou pela competência, ou pela dedicação, ou, o que é melhor, por essas duas qualidades juntas'. Quer e já funcionam sempre repetidas, combinadas com ou, ou várias vezes... conforme os exemplos: 'Já falando, já escrevendo, o advogado precisa respeitar a gramática'; 'Quer falando, ou escrevendo, o advogado precisa respeitar a gramática'" (1991, p. 144). 3) Interessante é anotar, todavia, em objeção ao ensino do mestre por último citado, que, da observação dos textos submetidos à norma culta, o que comumente se vê é a obediência à lição de Sousa e Silva, para quem, se se emprega a conjunção quer no primeiro membro disjuntivo, deve-se repeti-la no segundo: "... quer corram, quer andem devagar" (1958, p. 248). ______________________ SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. São Paulo: Edipro, 1991.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Incluído ou Incluso?

1) A questão que se põe é saber quando empregar incluso e incluído. 2) Observe-se que não é tão difícil encontrar verbos que têm dois particípios passados. São eles denominados verbos abundantes. 3) Nesses casos, o particípio normal, que segue as regras de derivação, é mais longo e chama-se regular; o outro, irregular. Assim, entregado, benzido e extinguido são particípios passados regulares; já entregue, bento e extinto são particípios passados irregulares. 4) Com os verbos ter ou haver (formando tempos compostos na voz ativa), usa-se normalmente o particípio passado regular. Exs.: a) "Ele tinha acendido o fogo"; b) "Ele havia acendido o fogo". 5) Com o verbo ser (formando voz passiva) e com o verbo estar, usa-se normalmente o particípio passado irregular. Exs.: a) "O fogo fora aceso por ele"; b) "O fogo estava aceso". 6) Atente-se, adicionalmente, a que chegar não faz chego no particípio passado. Ex.: a) "O réu tinha chegado com atraso à audiência" (correto); b) "O réu tinha chego com atraso à audiência" (errado). 7) Acrescente-se, por fim, que incluído e incluso não são formas abundantes de particípio do verbo incluir, e sim apenas incluído, uma vez que, como adverte com propriedade Otelo Reis1, em lição para diversos verbos (dentre os quais incluir), "as formas dadas como seus particípios [irregulares] são hoje meros adjetivos". 8) Com essa lição em mente, confiram-se, assim, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia: a) "O garçom tinha incluído o serviço na conta" (correto); b) "O garçom tinha incluso o serviço na conta" (errado); c) "O serviço já fora incluído na conta" (correto); d) "O serviço já fora incluso na conta" (errado); e) "O incluso tíquete de desconto não foi levado em consideração" (correto). ______ 1 Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1971, p. 150. ______ *Publicado originalmente em 20/06/2012.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Impresso ou Imprimido?

1) A questão que se põe é saber qual a forma correta: "Ele já havia imprimido" ou "Ele já havia impresso?". 2) Há verbos - e com frequência no particípio passado - que apresentam duas ou mais formas equivalentes: aceitado, aceito e aceite (aceitar), imprimido e impresso (imprimir), pegado e pego (pegar). São denominados verbos abundantes. 3) Nesses casos de verbos abundantes, a forma normal, mais longa e mais de acordo com as regras de derivação constitui o particípio passado regular (assim, entregado, benzido e extinguido); a outra forma, mais compacta, é o particípio passado irregular (assim, entregue, bento e extinto). 4) Quanto à sistematização do emprego das formas de tais verbos abundantes, pode-se dizer que com os verbos ter e haver (formando tempos compostos na voz ativa), usa-se normalmente o particípio passado regular. Exs.: a) "Ele tinha acendido o fogo"; b) "Ele havia acendido o fogo". 5) Já com o verbo ser (formando voz passiva) e com o verbo estar, usa-se normalmente o particípio passado irregular. Exs.: a) "O fogo fora aceso por ele"; b) "O fogo estava aceso". 6) Para não se radicalizar no assunto, vale lembrar a ponderada observação de Luiz Antônio Sacconi: "em alguns casos a língua moderna tem mudado essa regra, preferindo o uso dos irregulares com ter e haver". Exemplifica tal autor com frito, ganho, gasto, pago e salvo, com os quais tem havido completo desprezo dos particípios passados regulares. 7) De modo especial para os exemplos inicialmente postos: a) "Ele já havia imprimido a minuta" (correto); b) "Ele já havia impresso a minuta" (errado); c) "Ele já tinha imprimido a minuta" (correto); d) "Ele já tinha impresso a minuta" (errado); e) "A minuta foi imprimida por ele" (errado); f) "A minuta foi impressa por ele" (correto); g) "A minuta já estava imprimida" (errado); h) "A minuta já estava impressa" (correto).
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A presidente ou a presidenta?

1) De um modo geral, seguindo a própria estruturação existente no latim, os adjetivos terminados em nte, mesmo quando apresentam aparência substantivada, têm uma mesma forma para o masculino e para o feminino, modificando-se tão-somente o artigo que os antecede: a amante, o amante, a constituinte, o constituinte, a doente, o doente, a estudante, o estudante, a ouvinte, o ouvinte. 2) É tecnicamente o que se denomina comum-de-dois ou comum-de-dois gêneros. 3) Quanto a presidenta, leciona Celso Cunha que se trata de feminino ainda com curso restrito no idioma, pelo menos no Brasil.1 4) Essa última também é a lição de João Ribeiro, para quem "o uso de formar femininos em enta dos nomes em ente, como presidenta, almiranta, infanta, tem-se pouco generalizado".2 5) Evanildo Bechara admite a normal variação desse substantivo para o feminino.3 6) Antenor Nascentes anota que o uso já admitiu o feminino presidenta.4 7) Luiz Antônio Sacconi, sem outros comentários, confere ao vocábulo dois femininos: presidente e presidenta.5 8) Mário Barreto admite-lhe a forma específica feminina (presidenta) - não sem antes observar que a forma antiga era a mesma para ambos os gêneros - e esclarece tratar-se de "toda mulher que preside", recusando, todavia, o intento de alguns de conferir tal nome à mulher do presidente. 9) Ainda de acordo com tal gramático, a ojeriza de alguns para com o emprego de forma feminina em tais casos talvez se explique pela circunstância lembrada pelo citado gramático de que, "na língua jocosa, é que dos nomes de cargos sói derivar-se um feminino para designar a mulher do que o desempenha, como almiranta, generala, coronela, delegada...".6 10) Édison de Oliveira insere tal palavra entre aqueles diversos vocábulos femininos terminados por a, que o povo evita usar, "quer em virtude de preconceito de que se trata de funções ou características próprias do homem, quer por considerá-los mal sonoros ou exóticos", acrescentando, ademais, tal autor que se hão de empregar tais femininos, "que a gramática já ratificou definitivamente".7 11) Observa Domingos Paschoal Cegalla que presidenta "é a forma dicionarizada e correta, ao lado de presidente". Exs.: a) "A presidenta da Nicarágua fez um pronunciamento à nação"; b) "A presidente das Filipinas pediu o apoio do povo para o seu governo".8 12) Para Arnaldo Niskier, "o feminino de presidente é presidenta, mas pode-se também usar a presidenta, que é a forma utilizada em diversos jornais".9 13) Sousa e Silva não vê desdouro algum nem incorreção lingüística em se dizer presidenta para o feminino. 14) E transcreve tal gramático o posicionamento de Sá Nunes, para quem, ao se deixar de flexionar tal vocábulo, "não pode haver contra-senso maior: contra a Gramática e contra o gênio da Língua Portuguesa", uma vez que "o substantivo que designa o cargo deve concordar em gênero com a pessoa que exerce a função. Sempre foi assim, e assim tem de ser". 15) Continuando na exposição de seu próprio entendimento, complementa Sousa e Silva que, na esteira dos nomes terminados em ente - e que são comuns aos dois gêneros - tanto se pode dizer a presidente como a presidenta.10 16) Cândido de Oliveira, após lecionar que "os nomes terminados em ente são comuns de dois gêneros", acrescenta textualmente que "é de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminin"; e, em seu exemplário, ao masculino presidente contrapõe ele o feminino presidenta.11 17) Ao lado de presidente - que dá como substantivo comum-de-dois gêneros - registra a palavra presidenta como um substantivo feminino o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da existência ou não de vocábulos em nosso idioma,12 o que implica dizer que seu uso está plena e oficialmente autorizado entre nós. Pode-se dizer, portanto, a presidente ou a presidenta. _________ 1Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 96. 2Cf.RIBIERO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 158. 3Cf.BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 84. 4Cf.NASCENTES, Antenor. O Idioma Nacional. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. vol. II., p. 60. 5Cf.SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 32. 6Cf.BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa.2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 188. 7Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Edição sem data. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda. P. 158. 8Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 330. 9Cf.NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 58. 10Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 307. 11Cf.OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 133-134. 12Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta. p. 644. ______ *Publicado originalmente em 07/11/2007.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Qual é o plural de júnior?

1) Parta-se, inicialmente, do princípio de que tal palavra já está incorporada ao nosso léxico com o sentido de mais moço e é empregada com frequência após o nome de alguém mais jovem, para distingui-lo de pessoa mais velha, de mesmo nome. Ex.: "Plínio Cecílio Segundo Júnior escreveu o 'Panegírico de Trajano'". 2) Fixe-se, por oportuno, que, ao contrário do que muitos supõem, seu significado não é de filho, mas apenas de alguém mais jovem, quando comparado a outrem mais velho. Comparando ambos os vocábulos, lembra Napoleão Mendes de Almeida que júnior "tem significação mais lata; pode designar não só filho, mas qualquer parente que, de igual nome, seja de nascimento mais recente; um sobrinho, um neto pode ter júnior após seu nome, igual ao de um tio, ao de um avô". 3) No plural, com largo uso no esporte, lembra Evanildo Bechara que tal vocábulo tem o sentido de novato, e, por questões de ortoepia, a sílaba tônica se desloca, fazendo juniores, tendo a vogal tônica pronúncia fechada (ô). Ex.: "O Brasil não foi bem no campeonato mundial de futebol de juniores deste ano". 4) Luiz Antônio Sacconi também lhe ressalta estes dois aspectos quanto a seu plural: a) é forma paroxítona; b) a vogal tônica é fechada (ô). 5) Fique-se com a preciosa síntese de Vitório Bergo, para quem, por um lado, por significar o mais moço, quando "posposto a um antropônimo, pode assinalar não só o filho em relação ao pai, senão também o sobrinho em face do tio, o neto relativamente ao avô etc." Ao depois, em continuação, tal gramático não apenas aponta o deslocamento do acento tônico para a penúltima sílaba, mas também explicita que o timbre da vogal tônica é fechado (ô). 6) De igual modo, na síntese de José de Nicola e Ernani Terra, esse vocábulo, "que se refere ao mais jovem entre duas ou mais pessoas, é uma palavra trissílaba proparoxítona; recebe, portanto, acento gráfico: jú-ni-or. A forma plural é paroxítona: ju-ni-o-res (com a vogal tônica fechada: ô)". 7) Veja-se, também, a síntese de Arnaldo Niskier: "O plural de júnior é juniores, que se pronuncia juniôres". 8) De Domingos Paschoal Cegalla também procede a apropriada observação de que se escreve, no plural, juniores, e "se pronuncia juniôres e jamais júniores ou júniors". 9) Não difere desse entendimento Luís A. P. Vitória, para quem juniores é o correto plural de júnior em português, e se pronuncia com o o fechado (juniôres). 10) Seu antônimo é sênior, que significa mais velho, mais experimentado. 11) Para resumir, oportuna a observação de Sousa e Silva: "Não se justificam os plurais júniors e sêniors, de que fazem uso nas seções desportivas de nossas gazetas. As formas corretas são juniores, seniores, com o acento tônico deslocado para a terceira sílaba: juniôres, sêniores". 12) Observe-se, por fim, que, eliminando quaisquer dúvidas ou polêmicas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras pertencentes a nosso idioma, já faz tempo, fez questão de fixar os três aspectos: a) a grafia do singular é júnior; b) o plural é juniores; c) a pronúncia do plural é juniôres. Fixados, porém, tais esclarecimentos na referida edição, o VOLP passou a registrar apenas a forma do singular nas edições posteriores, nada observando sobre seu plural.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Propositadamente ou Propositalmente?

1) Fundado em lição de João Ribeiro, Napoleão Mendes de Almeida adverte que, para significar a expressão de propósito ou de caso pensado, deve-se usar o advérbio propositadamente, não sendo considerado de bom uso, nesse caso, nem o advérbio propositalmente, nem o adjetivo proposital. Ex.: a) "O crime foi doloso, porque o réu agiu propositadamente" (correto); b) "O crime foi doloso, porque o réu agiu propositalmente" (errado). 2) Rui Barbosa, em suas críticas específicas, já observava a ausência de analogia vernácula autorizadora de uso do advérbio propositalmente, ao qual chamou de "desnecessária corruptela", que ganharia foro de sanção jurídica com sua inserção no Código Civil de 1916. 3) Em outro lugar de mesma obra, tal mestre lecionava textualmente que "as regras da analogia não autorizam a formação de semelhante neologismo", estendendo longa lista de sinônimos para substituí-lo. 4) Por fim, ao criticar o art. 96 do projeto original do código, sugeriu, para o adjetivo proposital, três vocábulos substitutos: intencional, voluntário, deliberado. 5) José de Sá Nunes, num primeiro aspecto, afiança não ser propositalmente um vocábulo do léxico português, para o que traz abono de Rui Barbosa e de Ernesto Carneiro Ribeiro. 6) Ao depois, transcreve lição de Said Ali, para quem propositalmente e até mesmo propositadamente são vocábulos desnecessários. 7) Acrescenta, a seguir, que, em seu modo de ver, nem Rui Barbosa nem Ernesto Carneiro Ribeiro se lembraram de "provar a vernaculidade do adjetivo propositado e do advérbio propositadamente". 8) Por fim, acaba trazendo citações de abalizados escritores, em que se comprova o emprego do vocábulo discutido: a) "Mas A. Herculano mui propositadamente escreveu..." (Rui Barbosa); b) "Propositadamente neguei registo a vocábulos, que tinham a abonação de Rui Barbosa e que eram do meu conhecimento" (Cândido de Figueiredo); c) "Excluímos propositadamente desta secção os escritores vivos" (João Ribeiro). 9) Para Domingos Paschoal Cegalla, propositadamente é "melhor forma do que propositalmente", assim como propositado é forma "preferível a proposital". 10) Cândido Jucá Filho, por um lado, lembra lição de Mário Barreto, de importância para o caso: "Rui Barbosa, na sua brilhante Réplica, provou a ilegitimidade vernácula de proposital e de propositalmente. O que é português é propositado e propositadamente". 11) Por outro lado, após tal transcrição, continua o referido autor: "Não concordo. Rui não mostrou senão uma implicância pessoal. Diz-se intenção, intencional, intencionalmente. Por que se não pode dizer propósito, proposital, propositadamente?" 12) Por fim, conclui ele: "Mas a verdade é que os clássicos, como o povo, têm preferido a expressão de propósito. Quanto a propositado, não se livra de ser pedante". 13) Dirimindo, todavia, toda e qualquer dúvida acerca da possibilidade de emprego de proposital e, por consequência, propositalmente, é de se ver que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da existência de vocábulos em nosso idioma, registra tanto propositado quanto proposital, o que implica dizer que o uso de ambos os adjetivos está plena e oficialmente autorizado entre nós, além de estarem autorizados, de igual modo, propositadamente e propositalmente, os quais nada mais são do que advérbios regularmente formados dos dois referidos adjetivos.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Todo ou Todo o?

1) Vejam-se os seguintes exemplos e o significado respectivo da expressão todo ou todo o: a) "Todo o dia, o réu está no balcão do cartório, à espera da sentença" (o dia inteiro); b) "Todo dia, o réu está no balcão do cartório, à espera da sentença" (todos os dias). 2) Laudelino Freire é muito preciso em sua observação a respeito: "O todo quando se lhe pospõe o artigo (todo o) significa a inteireza de uma coisa, reservando-se a todo, sem o artigo, a significação de cada, qualquer, ou o total de muitas. No primeiro caso indica-se o todo físico, o todo lógico, por inteiro; no segundo, a coleção ou totalidade". 3) Fundando-se em lição de Damião de Góis, continua tal gramático na observação de que: a) na frase "Laranjeira que todo ano tem fruto", deve entender-se que essa árvore dá frutos todos os anos; b) se, porém, se disser "Laranjeira que todo o ano tem fruto", deve-se entender que ela frutifica durante o ano inteiro. 4) E finaliza ele com propriedade: "O fato, portanto, ficará regularizado, se se tomar por norma usar sempre de todo seguido de o, menos quando todo tenha a significação de qualquer, ou de totalidade. As expressões toda a parte, toda a vez, todo o momento, todo o caso, etc., melhor exprimirão o que se quer dizer uma vez escritas sem o artigo. 5) De igual modo, em exemplo significativo, Silveira Bueno desfaz possíveis dúvidas: a) "Toda vida é uma dádiva de Deus" quer dizer que qualquer vida é uma dádiva de Deus; b) já "Toda a vida é uma dádiva de Deus" vem a significar que a vida inteira é uma dádiva de Deus. 6) Vale também transcrever a preciosa síntese e acréscimo de Júlio Nogueira: "Na linguagem do Brasil, faz-se judiciosa distinção. Todo o diz-se quando equivale a inteiro, na totalidade, completamente... Na acepção de qualquer não se usa o artigo". E continua tal gramático com sua observação: "No plural, porém, o artigo aparece em qualquer acepção". 7) E se reitere, quanto a última lição, com a observação de Édison de Oliveira, para quem, "no plural, as palavras todos, todas sempre se farão acompanhar pelos artigos os, as, independentemente do significado em que tenham sido empregadas". 8) Buscando esquematizar o emprego exato de tais vocábulos, leciona Laudelino Freire que se deve "usar sempre de todo seguido de o (todo o) menos quando todo tenha a significação de qualquer. Todo o significa a inteireza de uma coisa; todo, sem o artigo, significa cada, qualquer, ou o total de muitos. A distinção é inconfundível. 'Toda a casa foi queimada', isto é, a casa, toda ela, foi queimada. 'Toda casa deve pagar impostos', isto é, todas as casas são sujeitas ao imposto. 'Todo o dia' = dia inteiro; 'Todo dia' = todos os dias". 9) Na lição de José de Nicola e Ernani Terra, "os pronomes indefinidos todo e toda (no singular), quando desacompanhados de artigo, significam qualquer"; porém, "quando acompanhados de artigo, passam a dar a ideia de inteiro, totalidade". 10) Para Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, todo "tem a ideia de totalidade numérica, de generalização" (toda responsabilidade = qualquer tipo de responsabilidade), enquanto todo o "tem ideia de totalidade das partes, especificação" (toda a responsabilidade = responsabilidade total, inteira, completa). 11) Sousa e Silva (1958, p. 295), por um lado, lembra que há gramáticos, como Eduardo Carlos Pereira, para os quais "é facultativo o uso do artigo nas frases em que muitos o omitem presentemente"; por outro lado, observa ele que essa moderna distinção entre toda a casa ("a casa inteira") e toda casa ("todas as casas" ou "qualquer casa"), por exemplo, "tende a fixar-se em nossa língua, por influência do francês". 12) Para Luciano Correia da Silva, os arcaicos e os clássicos usavam indiferentemente uma forma pela outra, e "somente a partir do Romantismo é que se passou a ensinar esta diferença: todo é sinônimo de cada qualquer, e todo o quer dizer inteiro, na totalidade". 13) Vale a pena teorizar com a lição de Alfredo Gomes: "a palavra todo tem duas acepções: a de inteiro e a de qualquer. Apesar de confundidas essas duas ideias no emprego..., convém fazê-lo seguir de artigo - todo o, toda a - no sentido de inteiro, e usá-lo sem artigo quando significar qualquer: a) 'Todo homem é mortal'; b) 'Nem toda a casa está estragada'". 14) Em caso muito particular, anote-se que, Silveira Bueno, por um lado, observa que "a expressão todo mundo é galicismo que desde os tempos de Gil Vicente entrou no uso português, mais velho, portanto que o próprio Brasil". 15) Por outro lado, mostra esse autor uma visão permissiva no emprego dela: "Esta antiguidade da expressão já lhe deu foros de idioma e pode ser empregada, sabendo-se, contudo, que é empréstimo". 16) Antonio Henriques refere lição de Said Ali e de Rui Barbosa de que a equivalência de todo o (inteiro) e todo (qualquer) "engenhosa e clara, mas falsa", acrescentando que o primeiro dos autores que cita "aduz inúmeros exemplos em que falha tal correlação". 17) O Código Civil de 1916 nem sempre observa a distinção: a) "Todo o ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico" (art. 81 - todo o ato lícito está por qualquer ato lícito; a redação conferida ao CC/2002, art. 185, fez desaparecer o problema); b) "A mulher pode, em todo o caso, reter os objetos de seu uso..." (art. 303 - todo o caso está por qualquer caso; como se tratava do regime dotal, o dispositivo não se repete no CC/2002); c) "Estão sujeitos à curatela: I - os loucos de todo o gênero" (art. 446, I - todo o gênero está pela totalidade completa; a redação conferida ao CC/2002, art. 1.767, I, fez desaparecer a dificuldade); d) "A certidão negativa exonera o imóvel e isenta o adquirente de toda responsabilidade" (art. 1.137, parágrafo único - toda responsabilidade está por qualquer responsabilidade; o dispositivo não se repete no CC/2002). 18) O Código Comercial, de igual modo, nem sempre faz a referida distinção: a) "Todo documento de contrato comercial não ressalvada pelos contraentes com assinatura da ressalva não produzirá efeito algum em juízo..." (art. 134 - a distinção foi observada); b) "Todo o corretor é obrigado a matricular-se no Tribunal de Comércio do seu domicílio" (art. 38 - a distinção não foi observada). 19) A legislação portuguesa, de igual modo, não prima pela observância rigorosa da distinção aqui noticiada: "Toda a pessoa que tiver notícia de qualquer infração penal poderá participá-la ao juiz da comarca em que foi cometida..." (CPPp, art. 160°). Corrija-se: "Toda pessoa que tiver notícia de qualquer infração penal poderá participá-la ao juiz da comarca em que foi cometida...".
quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Como usar a preposição "perante"?

1) Trata-se de preposição que tem o sentido de ante, diante de. Ex.: "Enfim, o réu estava perante o juiz". 2) Observe-se que a preposição é perante, e não existe a locução prepositiva perante a; não se esqueça, como bem lembra Domingos Paschoal Cegalla, que "a preposição a, aqui, é demasiada". 3) Vejam-se, por conseguinte, as formas adequadas de expressão: perante o juiz (e não perante ao juiz), perante eles (e não perante a eles), perante o qual (e não perante ao qual). 4) Alinham-se alguns exemplos de emprego correto do referido vocábulo em nossa legislação: a) "No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente..." (CC, art. 756); b) "Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente" (CC, art. 787, § 4º); c) "O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais" (CC, art. 801, § 1º); d) "A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas" (CPC, art. 90); e) "Correndo o processo perante outro juiz, serão os autos remetidos ao juiz competente da Capital do Estado ou Território, tanto que neles intervenha uma das entidades mencionadas neste artigo" (CPC, art. 99, parágrafo único); f) "Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar" (CPC, art. 106).
quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Não obstante - Está correto?

1) Trata-se de expressão correta, que significa apesar de. Ex.: "Não obstante a respeitável argumentação do autor, proferiu-se um veredicto de improcedência do pedido". 2) Tem nada obstante como locução de idêntico significado e de perfeita correção no vernáculo. 3) Esclareça-se com José de Sá Nunes: "Obstante é o particípio do presente do verbo obstar, o qual entra na formação da locução prepositiva não obstante e da locução conjuntiva não obstante que. É trivialíssima em nossa língua a expressão não obstante isto ou isto não obstante, análoga ao latim hoc non obstante, ablativo absoluto". 4) Acresça-se com o mesmo gramático que "hoje, porém, não se faz a concordância no plural, porque não obstante se usa como preposição, e, como tal, invariável. Exemplos semelhantes à tríade seguinte poderei oferecer-lhos às dezenas, por demonstrar que as locuções não obstante e não obstante que são vernaculíssimas a qualquer luz". Exs.: a) "Não obstante quaisquer pretensões..." (Rui Barbosa); b) "Não obstante as festas da Terra..." (Machado de Assis). 5) Antonio Henriques conceitua a expressão não obstante como um "elemento de coesão negativo-opositivo" e a considera "a forma mais corrente" nos meios jurídicos: a) "Não obstante, a multa não é fatal" (Magalhães Noronha); b) "Se omitir tais cautelas e, não obstante, efetuar a tapagem, presumir-se-á que a fez à sua custa" (Washington de Barros Monteiro). 6) Cândido Jucá Filho observa ser possível a construção não obstante que, lembrando lição de Mário Barreto, que se abona com um passo do Padre Manuel Bernardes: "Aos sábados era certo na ladainha, não obstante que a freguesia lhe ficava longe do campo onde morava". 7) Ao rejeitar o emprego de inobstante, porque "nenhum dicionário autoriza esse neologismo", Geraldo Amaral Arruda preconiza o uso de nada obstante ou de sua sinônima não obstante, reputando-as ambas "expressões vernáculas já consagradas". 8) Luciano Correia da Silva, contudo, referenda o emprego de não obstante e de nada obstante, acreditando até mesmo que nada impede o uso de inobstante. 9) Para espancar dúvidas, todavia, é de se ver que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - veículo oficial da Academia Brasileira de Letras para apontar quais as palavras existentes em nosso léxico -, não registra inobstante, o que obriga a conclusão de que seu emprego não está autorizado em nosso idioma. 10) Nosso Código Civil emprega diversas vezes a expressão não obstante: a) "Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados e não prevalecer em relação a um, fica, não obstante, válida relativamente aos outros" (art. 1.026, parágrafo único); b) "Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado" (art. 1.131); c) "Às pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar doações puras" (art. 1.170); d) "O segurador, que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco, de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado".
quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Com nós - Existe?

1) Precedidos da preposição com, os pronomes nós e vós formam conosco e convosco. 2) Permanecem, contudo, as formas com nós e com vós, se tais pronomes vêm seguidos de outros, todos, mesmos, próprios ou oração adjetiva. Exs.: a) "O juiz falou com nós" (errado); b) "O juiz falou conosco" (correto); c) "O juiz falou com nós todos" (correto); d) "Ele não falou justamente com nós, que lhe demos tanto apoio" (correto). 3) A tal lista de palavras que não deixam o pronome submeter-se à aglutinação, Júlio Nogueira acrescenta ambos: com nós ambos, e não conosco ambos. 4) Esses vocábulos que acarretam a mencionada aglutinação são denominados por Luiz Antônio Sacconi "palavras reforçativas". 5) Atente-se à síntese de Antenor Nascentes: "Embora regidos da preposição com os pronomes nós e vós assumam as formas nosco, vosco, deixam de assumi-las quando modificadas por todos, outros, mesmos, próprios, ambos. Assim dir-se-á: com nós mesmos, com vós todos etc.". 6) Para Domingos Paschoal Cegalla, "diz-se com nós quando esse pronome vem seguido de palavra reforçativa ou de numeral". Exs.: a) "Terá de entender-se com nós mesmos"; b) "Preocupamo-nos mais com ele do que com nós próprios"; c) "Discutia e brigava com nós todos"; d) "Ele saiu com nós duas". 7) Para Edmundo Dantès Nascimento, "não se empregam por eufonia as formas conosco e convosco seguidas de mesmo ou próprio". 8) Também é oportuno citar a lição de Vitório Bergo no sentido de que, "não só por uma questão de eufonia, senão também, ao que parece, pela conveniência de assinalar a utonomia do pronome vós, confundido na forma composta, prefere-se a combinação com vós quando vem ele modificado por adjetivo". Excepciona, contudo, tal gramático: "há também exemplos, embora raros, daquela reminiscência do ablativo latino seguida de determinativo", alinhando exemplos, que realça serem raros, de abalizados autores: a) "Queria ver-vos mais generoso convosco mesmo" (Camilo Castelo Branco); b) "E, se o valor de vossos amadores houver de ser igual convosco mesma..." (Camões). 9) Assim também para Silveira Bueno: "Não há erro algum em dizer... conosco mesmos, conosco próprios, expressões tão corretas quanto com nós mesmos, com nós próprios. É, porém, mais eufônica a separação: com nós mesmos, com nós próprios. Note bem: ambas as maneiras são corretas; esta última é apenas mais harmoniosa". 10) Também após ensinar, por um lado, que "os pronomes pessoais oblíquos, quando regidos pela preposição com, assumem as formas comigo, contigo, consigo, conosco, convosco", o gramático Sílvio Elia complementa, por outro lado, que, "modificados por atributo ou oração relativa,... decompõem-se conosco e convosco em com nós e com vós". Em seguida, entretanto, invocando lição de Sousa da Silveira, realça ele que "tal regra não é absoluta, pois, em tais casos, também se encontra o emprego de conosco e convosco, inclusive em Camões". 11) Ante a divergência entre os estudiosos, fica-nos a liberdade de empregar, em tais casos, a forma aglutinada (conosco e convosco) ou a forma analítica (com nós e com vós). 12) Sob outro aspecto, em interessante observação, adverte Sousa e Silva que "as formas comigo, contigo e consigo não se decompõem nunca": comigo mesmo, contigo mesmo, consigo mesmo.
quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Bater, Dar e Soar - Como concordar?

1) No que respeita à concordância verbal, com referência às horas, os verbos bater, dar e soar podem ser construídos de dois modos. 2) Em primeira possibilidade de construção, a palavra relógio é o sujeito, e a hora funciona como objeto direto. Exs.: a) "O relógio deu uma hora"; b) "O relógio deu duas horas"; c) "Os relógios deram uma hora"; d) "Os relógios deram duas horas"; e) "O relógio bateu uma hora"; f) "O relógio bateu duas horas"; g) "Os relógios bateram uma hora"; h) "Os relógios bateram duas horas"; i) "O relógio soou uma hora"; j) "O relógio soou duas horas"; k) "Os relógios soaram uma hora"; l) "Os relógios soaram duas horas". 3) Em segunda possibilidade de estrutura, o número de horas faz a função sintática de sujeito, enquanto o relógio passa a ter a função sintática de adjunto adverbial de lugar, não importando a ordem em que se colocam os termos na oração: a) "No relógio deu uma hora"; b) "No relógio deram duas horas"; c) "Nos relógios deu uma hora"; d) "Nos relógios deram duas horas"; e) "No relógio bateu uma hora"; f) "No relógio bateram duas horas"; g) "Nos relógios bateu uma hora"; h) "Nos relógios bateram duas horas"; i) "No relógio soou uma hora"; j) "No relógio soaram duas horas"; k) "Nos relógios soou uma hora"; l) "Nos relógios soaram duas horas". 4) Vale sintetizar com a lição de Mário Barreto, para quem tais verbos podem, nessa estrutura, empregar-se: a) "Como transitivos (diretos) e com a palavra relógio como sujeito". Exs.: "Nisto, deu três horas o relógio da botica" (Camilo Castelo Branco); b) "Toma-se como sujeito o número que designa a hora, com o que o verbo dar passa a significar soar". Ex.: "Nove horas deram há muito" (Almeida Garrett).
quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A pretexto de ou Sob pretexto de?

1) A pretexto de é locução prepositiva empregada no sentido de com o fim aparente de, dando como razão ou desculpa. Exs.: a) "O advogado procrastinava o andamento do processo, a pretexto de ouvir testemunhas"; b) "Encerrou o expediente mais cedo, a pretexto de que precisava encontrar-se com um amigo". 2) Sob pretexto de é outra locução prepositiva exatamente com o sentido da anterior e de igual correção. Exs.: a) "O advogado procrastinava o andamento do processo, sob pretexto de ouvir testemunhas"; b) "Encerrou o expediente mais cedo, sob pretexto de que precisava encontrar-se com um amigo". 3) Domingos Paschoal Cegalla atesta a vernaculidade, a correção e o mesmo sentido de ambas as expressões. 4) Confirma-se correção da expressão a pretexto de com o fato de que o Código Civil de 1916 - cuja redação foi tão longamente discutida por Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro - determina, no art. 927, segunda parte (em redação não repetida pelo art. 416 do Código Civil de 2002), quanto à pena convencional, que "o devedor não pode eximir-se de cumprimento, a pretexto de ser excessiva". 5) Na legislação codificada atual, também se encontra um exemplo da expressão a pretexto de: "Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado" (CC, art. 529, parágrafo único). 6) Na legislação, também se encontra exemplo da expressão sob pretexto (não, porém, sob pretexto de: "Nenhuma autoridade estranha à mesa poderá intervir, sob pretexto algum, em seu funcionamento, salvo o juiz eleitoral" (Código Eleitoral, art. 140, § 2º).
quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Macérrimo, Magérrimo ou Magríssimo?

1) A par da formação popular magríssimo, lembrada por Carlos Góis e Herbert Palhano para o superlativo absoluto sintético de magro, a forma erudita de tal superlativo absoluto sintético, pela derivação latina, é macérrimo. 2) Macérrimo, aliás, é a única forma de superlativo absoluto sintético que Luiz Antônio Sacconi dá para o adjetivo magro. 3) Para Gladstone Chaves de Melo, o superlativo magérrimo, que circula na linguagem coloquial, "não tem suporte na tradição da língua, nem em raiz latina ou alatinada. É, portanto, inaceitável e errado". 4) Também macérrimo é o superlativo absoluto sintético de magro dado por Antenor Nascentes. 5) Mesmo na atualidade, lembra Arnaldo Niskier que "a língua falada ainda não conseguiu impor a forma magérrima, que continua sendo considerada errônea". 6) Na lição de Domingos Paschoal Cegalla, "a forma magérrimo é anormal. Prefira-se macérrimo (forma erudita) ou magríssimo (forma vulgar)". 7) Também Artur de Almeida Torres refere os superlativos macérrimo e magríssimo, mas não magérrimo. 8) Para José de Nicola e Ernani Terra, "embora as formas populares magérrimo e magríssimo sejam de largo uso, uma pessoa muito magra é uma pessoa macérrima". 9) Registra, todavia, magérrimo o Dicionário da Melhoramentos. 10) Também nessa última vertente e contrariando o histórico do vocábulo, para Silveira Bueno, "é possível, exista a forma macérrimo; está, porém, contra as leis da fonética. Devemos, portanto, usar da outra correta: magérrimo ou da vernácula magríssimo". 11) Já Cândido de Oliveira arrola três superlativos absolutos sintéticos para magro: magérrimo, macérrimo e magríssimo. 12) Talvez para atender ao constante emprego popular, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras - órgão oficial para determinar o que é correto ou não no campo do léxico - veio a dirimir quaisquer controvérsias, acolhendo como corretas as formas macérrimo e magérrimo, motivo por que está oficialmente autorizado o emprego de ambas. 13) Observe-se, ademais, que o VOLP não registra a forma magríssimo, e isso assim se dá, porquanto não se registram normalmente as formas regulares do superlativo absoluto sintético. Isso, todavia, não quer dizer que não seja forma correta e perfeitamente empregável.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Pego (ê) ou pego (é)

1. Um leitor indaga se a pronúncia do particípio passado do verbo pegar tem timbre fechado ou aberto: pego (ê) ou pego (é). Como nos exemplos a seguir: (i) "O assaltante foi pego (ê) pela polícia"?; ou (ii) "O assaltante foi pego (é) pela polícia"? 2. Diga-se, desde logo, para não haver dúvidas: a pronúncia aberta do verbo pegar (pégo), no particípio passado, é um modismo que, em época mais recente, vem-se alastrando entre os usuários do idioma, e isso por significativa influência do rádio e da televisão; mas essa pronúncia não encontra respaldo algum nas regras de ortoepia do vernáculo, nem entre os estudiosos do assunto, que são unânimes em apoiar a forma fechada. 3. É certo, por um lado, que o verbo pegar tem pronúncia aberta no presente do indicativo: eu pego (é), tu pegas (é), ele pega (é)... 4. No particípio passado, porém, é consenso entre os estudiosos do idioma que a pronúncia deve ter timbre fechado. 5. Domingos Paschoal Cegalla assim resume essa questão do particípio passado: "A pronúncia correta é pêgo. Pego, com a vogal e aberta, é forma do verbo pegar (eu pego)".1 6. Porque ao tempo de edição de sua obra já não mais havia, na escrita, o acento diferencial de timbre sobre vocábulos dessa natureza, Napoleão Mendes de Almeida fazia questão de trazer entre parênteses a grafia sempre fechada desse particípio passado.2 7. Mesmo antes da reforma ortográfica trazida pela lei 5.765, de 18/12/71, que extinguiu o acento diferencial de timbre, Silveira Bueno, sem ver necessidade de quaisquer outras discussões, registrava, tão só e exclusivamente, a forma com timbre fechado - pêgo3 - proceder esse que já havia manifestado em outra de suas obras.4 8. Esse também é o modo de pensar de Cândido de Oliveira.5 9. E, em preciosa obra acerca do estudo sobre a conjugação dos verbos, Otelo Reis foi mais longe e deu a forma pego (é) como criação errônea de cunho popular.6 10. Ante tais considerações, comparem-se as formas corretas e erradas de pronúncia de tal particípio passado nos seguintes exemplos: (i) "O assaltante foi pego (ê) pela polícia" (correta); ii) "O assaltante foi pego (é) pela polícia" (errada); iii) "Os assaltantes foram pegos (ê) pela polícia" (correta); (iv) "Os assaltantes foram pegos (é) pela polícia" (errada); (v) "A fugitiva foi pega (ê) pela polícia" (correta); vi) "A fugitiva foi pega (é) pela polícia" (errada); (vii) "As fugitivas foram pegas (ê) pela polícia" (correta); (viii) "As fugitivas foram pegas (é) pela polícia" (errada). __________ 1CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 313. 2ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 228-229. 3BUENO, Francisco da Silveira. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 218. 4BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 332. 5FIGUEIREDO, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961, p. 207. 6REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 36. ed. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1976, p. 90.
quarta-feira, 16 de julho de 2014

Gastado ou Gasto?

1) Para Otelo Reis, quanto a seu particípio passado, o verbo gastar é usado só na forma irregular (gasto) com qualquer auxiliar, observando tal autor que "na linguagem hodierna já não se usa a forma regular". Exs.: a) "O réu tinha gasto o produto do crime"; b) "O produto do crime fora gasto pelo réu". 2) Nos dizeres de Édison de Oliveira, na linguagem contemporânea, "estão fora de uso as formas ganhado, gastado e pagado, não só com o auxiliar ser, mas também com o auxiliar ter", motivo por que "estão, pois, superadas construções como: a) 'Nós teríamos ganhado a partida'; b) 'Ele tinha gastado o tempo inutilmente'; c) 'Tínhamos pagado tudo o que devíamos'; devendo-se preferir: i) 'Nós teríamos ganho a partida'; ii) 'Ele tinha gasto o tempo inutilmente'; iii) 'Tínhamos pago tudo o que devíamos'". 3) A doutrina de Celso Cunha também merece transcrição: "De outrora se usavam normalmente os dois particípios. Na linguagem atual preferem-se, tanto nas construções com o auxiliar ser como naquelas em que entra o auxiliar ter, as formas irregulares ganho, gasto e pago, sendo que esta última substituiu completamente o antigo pagado". 4) Observa Edmundo Dantès Nascimento que o uso vem consagrando o particípio gasto tanto para o sentido ativo como para o passivo. 5) Para Sousa e Silva, o particípio gastado caiu em desuso, "empregando-se atualmente a forma gasto com qualquer auxiliar". 6) Também para Vitório Bergo, "os particípios fortes ganho, gasto, pago, salvo tendem a suplantar as formas em ado, pois que se usam normalmente com os dois tipos de auxiliares". 7) Para se resumir o entendimento até agora exposto, pode-se dizer que a tendência ao uso do verbo gastar na forma participial irregular, tanto na voz ativa quanto na passiva, é antiga, sendo raros os exemplos em contrário. 8) Em posicionamento contrário, todavia, tem-se, na lição de Eduardo Carlos Pereira, por um lado, que os particípios irregulares pago, ganho e gasto "podem empregar-se na voz ativa com os verbos ter e haver"; por outro lado, "muitas formas regulares", como, por exemplo, ganhado, gastado, "podem ser empregadas na passiva com os verbos ser e estar". 9) Evanildo Bechara também admite a coexistência de ambos os particípios passados. 10) Cândido Jucá Filho, sem quaisquer explicações adicionais, especifica indiferentemente os particípios gasto e gastado. 11) Aires da Mata Machado Filho, que, sem maiores explicações, emprega normalmente o particípio passado gastado no exemplo "Ele havia gastado o dinheiro", acaba por transcrever interessante lição de Antenor Nascentes: "Na língua viva atual, quer com o auxiliar ter, quer com ser, só se usam os particípios irregulares ganho, gasto e pago, dos verbos ganhar, gastar e pagar. Na língua antiga, o regular domina: Vintém poupado, vintém ganhado (nas antigas moedas de 40 réis)". 12) Anota Vitório Bergo que se encontra em bons autores o emprego do particípio passado regular, "precedido, segundo a regra geral, do auxiliar ter ou haver". 13) Para Cândido de Oliveira, "ganho, gasto, pago, pego são usados indiferentemente para ambas as vozes (com qualquer auxiliar)", e "os particípios ganhado, gastado, pagado, pegado tendem a desaparecer". 14) Para Domingos Paschoal Cegalla, "usa-se gastado com os auxiliares ter e haver"; já "com o auxiliar ser (voz passiva), usa-se gasto". 15) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante consideram gastar um verbo abundante, sendo para tais autores perfeitamente possível o emprego do particípio passado regular (gastado), o qual deverá ser usado com os auxiliares ter e haver. 16) Ante a divergência entre os gramáticos, o que reflete a própria duplicidade de emprego pelos usuários da norma culta na atualidade, não parece haver razão alguma para se restringir o emprego de qualquer das formas, de modo que parecem perfeitamente aceitáveis o particípio passado regular (gastado) e o particípio passado irregular (gasto), devendo-se conferir ao primeiro o uso com os auxiliares ter e haver; ao segundo, deve-se destinar o emprego dos auxiliares ser e estar.
quarta-feira, 9 de julho de 2014

Esperto ou Experto?

1) Esperto tem o significado de desperto, sagaz, vivo. Ex.: "Os litigantes hão de estar espertos para a fiscalização dos atos processuais". 2) Já experto é adjetivo com o sentido de exercitado, experiente, perito, prático, versado. Exs.: a) "Eram advogados expertos na lida dos processos"; b) "Perdoa, meu rico prelado, perdoa-me esses descuidos da pena, tão pouco experta em matérias eclesiásticas" (Machado de Assis). 3) Como se vê pelo último exemplo, como adjetivo, experto pede complemento regido pela preposição em, lição essa também registrada por Francisco Fernandes, ao citar exemplo de Rui Barbosa: "Qual seria o desfecho, perguntam os expertos nestes assuntos". 4) Com frequência e corretamente, também tem sido utilizado esse vocábulo, nos meios forenses, como substantivo, para indicar o perito nomeado pelo juízo para algum trabalho previsto pela legislação processual. Ex.: "No prazo determinado pelo juiz, o experto apresentou seu laudo pericial". 5) Não se trata de palavra nova nessa acepção, porquanto já a empregava o próprio Camões, em seu Os Lusíadas: "Que, posto que em cientes muito cabe, / Mais em particular o experto sabe". 6) Atento às dificuldades que normalmente ocorrem com a diferenciação entre as duas palavras, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão incumbido oficialmente de determinar a existência dos vocábulos em nosso idioma, contrariamente a seu usual proceder de não dar o sentido das palavras, acaba por fazer ele próprio a distinção, explicitando que esperto quer dizer acordado, enquanto experto tem a acepção de versado, perito.