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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A fazer - Está correto?

1) É de uso corriqueiro, na linguagem comum e coloquial, o infinitivo precedido da preposição a, como nas seguintes expressões: assunto a discutir, audiência a realizar, casa a alugar, citação a realizar, depoimento a prestar, intimação a efetuar, livro a consultar, notificação a efetuar, perícia a fazer, problema a debater, processo a despachar, prova a produzir, questão a resolver, sentença a proferir, terreno a vender, testemunha a ouvir... Alguns ainda acrescentam um pronome se nesses casos: citação a realizar-se, notificação a efetuar-se... 2) No que tange ao nível que se há de manter na norma culta dos trabalhos jurídicos e forenses, porém, gramáticos e filólogos estão acordes em que tal estrutura constitui arraigado galicismo sintático. 3) Para alguns, até mesmo configura "francesia de cabelos brancos", que só por descuido se encontra, e com determinada frequência, nos que melhor falam a língua pátria, não se tendo mostrado disposta a norma culta a tolerá-la, até porque "perfeitamente evitável o vício, sem prejuízo da naturalidade". 4) Alfredo Gomes é dos que inserem expressão desse jaez no rol dos galicismos sintáticos. 5) Vitório Bergo, de igual modo, cita-a no rol dos galicismos de estrutura, daqueles "em que as palavras são portuguesas, mas a sintaxe (especialmente a colocação e a regência) é francesa". 6) Em mesma obra, tal autor, por um lado, especifica que "constitui galicismo o emprego da preposição a, em vez do relativo que, em frases como estas: 'nada tenho a dizer', 'nada tenho a fazer' e outras semelhantes". 7) Por outro lado, manda que se imitem escritores exemplares, que usam construções legítimas: a) "Nada tinha que ver a oposição" (Alexandre Herculano); b) "Nada tenho que renunciar" (Rui Barbosa). 8) Por fim, reconhece que infelizmente se generaliza a sintaxe por ele combatida. 9) Em outra obra, confirmando tratar-se de sintaxe francesa, o mesmo autor afiança ser referível usar que em lugar de a, fundando-se em exemplo de Machado de Assis: "Das mais insignificantes, pensava ele, há sempre alguma coisa que extrair". 10) Júlio Nogueira também se posta contra o uso de expressões como "Tenho muitas coisas a fazer"; e preconiza o uso da preposição que: "Tenho muitas coisas que fazer". 11) Sem se posicionar, Domingos Paschoal Cegalla, em análise da locução nada a fazer, apenas refere tratar-se de "expressão calcada no francês, mas aceita por conceituados gramáticos, ao lado das vernáculas nada para fazer e nada que fazer". 12) Um primeiro modo de corrigir tais expressões é usar a preposição por, que tem como uma de suas atribuições apontar o que se deve fazer ou o que não está feito. Exs.: assunto por discutir, audiência por realizar, casa por alugar, citação por realizar, depoimento por prestar, intimação por efetuar, livro por consultar, notificação por efetuar, perícia por fazer, problema por debater, processo por despachar, prova por produzir, questão por resolver, sentença por proferir, terreno por vender, testemunha por ouvir... 13) Um segundo modo de correção consiste em usar a preposição para e apassivar o verbo pelo acréscimo do pronome se. Assim: assunto para se discutir, audiência para se realizar, casa para se alugar, citação para se realizar, depoimento para se prestar, intimação para se efetuar, livro para se consultar, notificação para se efetuar, perícia para se fazer, problema para se debater, processo para se despachar, prova para se produzir, questão para se resolver, sentença para se proferir, terreno para se vender, testemunha para se ouvir... 14) Um terceiro modo de perfeita correção é empregar a voz passiva analítica com o emprego da preposição para ou a: assunto para (ou a) ser discutido, audiência para (ou a) ser realizada, casa para (ou a) ser alugada, citação para (ou a) ser realizada, depoimento para (ou a) ser prestado, intimação para (ou a) ser efetuada, livro para (ou a) ser consultado, notificação para (ou a) ser efetuada, perícia para (ou a) ser feita, problema para (ou a) ser debatido, processo para (ou a) ser despachado, prova para (ou a) ser produzida, questão para (ou a) ser resolvida, sentença para (ou a) ser proferida, terreno para (ou a) ser vendido, testemunha para (ou a) ser ouvida...
quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Colocação de pronomes - Caso prático

1) Um leitor indaga, em síntese, qual das construções é a correta: a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)"; b) "Escrevo para o lembrar de que (...)". 2) Para não haver dúvidas, é oportuno reafirmar que, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: (i) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); (ii) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); (iii) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa"). 3) No caso trazido para análise, uma primeira observação: não se há de falar em mesóclise, já que esta só pode existir com o verbo em um de dois tempos: futuro do presente e futuro do pretérito. E uma segunda observação: o verbo dos dois exemplos sob apreciação está no infinitivo. 4) E uma análise técnica revela que o leitor quer saber, em última análise, como se coloca o pronome, quando uma preposição (no caso para) precede um verbo no infinitivo (no caso lembrar): em próclise ou em ênclise? 5) Ora, para os verbos no infinitivo, existe, por um lado, a lição de Cândido de Figueiredo, segundo a qual "as preposições pertencem à categoria das partículas que influem geralmente na colocação dos pronomes pessoais atônicos, atraindo-os".1 6) Exemplos colhidos pelo mencionado autor em autorizados escritores de nosso idioma, entretanto, revelam que, quando se tem um infinitivo precedido de preposição, a colocação do pronome átono, em última análise, não se faz em próclise necessária, mas constitui caso de colocação facultativa, a saber, antes do verbo (em próclise) ou depois dele (em ênclise). Exs.: a) "Até chegou a me dar casa..." (Machado de Assis); b) "... obriga o procurador a respeitar-lhe as cláusulas" (Rui Barbosa); c) "... era bastante para sacudir-me da Tijuca" (Machado de Assis); d) "Chamou-me um escravo para me servir o doce" (Machado de Assis); e) "Ficou Maria Henriqueta livre por se ver livre do suborno da mãe" (Camilo Castelo Branco); f) "Senhor, morro por unir-me convosco" (Padre Manuel Bernardes); g) "... não faltaria Deus em lhe dar um bom dia" (Padre Antônio Vieira). 7) Fixada, assim, a regra de que o infinitivo precedido de preposição permite a colocação facultativa do pronome átono em próclise ou em ênclise, pode-se dizer, quanto à indagação que motivou estas considerações, que estão corretas ambas as formas trazidas pelo leitor: a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)"; b) "Escrevo para o lembrar de que (...)". ______________ 1 FIGUEIREDO, Cândido de. O Problema da Colocação de Pronomes. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1937, p. 320.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Resultar provado - Está correto?

1) Napoleão Mendes de Almeida, arrimando-se em lições de Botelho de Amaral, Epifânio Dias e Mário Barreto, adverte que não se deve dar a tal palavra o valor de verbo de ligação; isto é: "não deve ele vir acompanhado de predicativo". 2) A correção, em tais casos, faz-se pela substituição do verbo vitando por um sinônimo. Exs.: a) "Resultou improfícuo o esforço do Ministério Público, que não conseguiu a condenação do réu" (errado); b) "Tornou-se (ou veio a ser, ou foi) improfícuo o esforço do Ministério Público, que não conseguiu a condenação do réu" (correto). 3) Francisco Fernandes, de igual modo, até mesmo colacionando exemplo reputado vicioso de Euclides da Cunha ("A operação... resultou inútil"), após observar que, "modernamente, tem-se querido dar ao verbo resultar a natureza de verbo predicativo", nega integralmente a possibilidade de tal construção. 4) A esse respeito, também adverte Júlio Nogueira: "A nossa imprensa parece disposta a dar ao verbo resultar um emprego que ele só tem no espanhol: 'os esforços resultaram improfícuos'; 'a diligência resultou inútil' etc. Em português cumpre dizer: 'os esforços foram improfícuos' ou 'não deram resultado'...". 5) Fazendo eco contra seu uso desse modo equivocado nos meios jurídicos, em estrutura com predicativo - por ele reconhecida como real castelhanismo - posta-se Eliasar Rosa, anotando exemplos de seu emprego errôneo: a) "Do exame das provas, resultou provado..."; b) "Os esforços da defesa resultaram inúteis". 6) Fundado em lição de Epifânio Dias, lembra Edmundo Dantès Nascimento que uma frase como "A prova resultou completamente irrelevante", em realidade, "não é possível em linguagem escorreita", e o emprego do verbo resultar, em tais casos, com predicativo do sujeito "não é português". 7) Manda tal autor corrigir para "A prova resultou em completa irrelevância", ou ainda "A prova não deu resultado". 8) De igual modo, corrija-se uma frase como "A diligência resultou inútil" para "A diligência foi improfícua", ou "A diligência não deu resultado". 9) Geraldo Amaral Arruda confirma que seu emprego como verbo de ligação, acompanhado de predicativo, com o sentido de ficar, por influência do espanhol, é condenado entre nós por Júlio Nogueira, Francisco Fernandes, Napoleão Mendes de Almeida e Cândido Jucá Filho. 10) Laurinda Grion também observa que "resultar não é verbo de ligação", motivo por que uma frase como nossos esforços resultaram inúteis "exige um desses verbos, como ser, estar, permanecer", devendo ser corrigida para nossos esforços foram inúteis. 11) Sousa e Silva também invoca lição de Mário Barreto no sentido de que não parece português "este emprego do verbo resultar com nome predicativo". Exs.: a) "Um exército em que nem o último soldado queira ceder o passo resulta invencível" (errado); b) "Um exército em que nem o último soldado queira ceder o passo é invencível" (correto). 12) Observando que os espanhóis, na linguagem moderna, "fazem excessivo gasto de semelhante verbo", complementa o referido gramático que "em português recorremos a qualquer outro meio de expressão, menos ao verbo resultar. Usaremos ser, sair, vir a ser, parar em, vir a parar, fazer-se". 13) Em ensino que pode valer para a linguagem coloquial, mas não para os textos que devam submeter-se ao padrão culto, ensina Domingos Paschoal Cegalla que "a construção 'resultar + adjetivo' é imitação do espanhol;... mas, devido a sua força expressiva, tal emprego do verbo resultar vem se impondo cada vez mais e não deve ser condenado". 14) Em mesma esteira, aponta Celso Pedro Luft alguns aspectos: a) a construção resultar + predicativo "trata-se de empréstimo tomado ao castelhano"; b) configura, todavia, "empréstimo consagrado", que "recebe, atualmente, cada vez mais adeptos, certamente por seu sintetismo expressivo"; c) "é que esse resultar não é simplesmente 'verbo de ligação', como se pretende, mas síntese expressiva de ser + resultado"; d) "por isso, 'Os esforços resultaram improfícuos' não é o mesmo que ... 'foram ou tornaram-se improfícuos' ou 'não deram resultado', correções pretendidas". 15) Apesar da autoridade dos divergentes, parece ser de toda conveniência evitar a construção resultar + predicativo nos textos que devam submeter-se à norma culta. 16) Nos textos de lei - que, por via de regra, obedecem às regras da norma culta e não o empregam com predicativo - tal verbo às vezes aparece empregado com objeto indireto de coisa (resultar de), às vezes com objeto indireto de pessoa (resultar a), às vezes com objeto indireto de coisa e objeto indireto de pessoa (resultar de... a), às vezes intransitivamente, com o sentido de dar resultado; jamais, porém, é ele empregado como verbo de ligação. Exs.: a) "... A aceitação pode retratar-se se não resultar prejuízo a credores..." (CC/1916, art. 1.590, em redação não repetida pelo art. 1.812 do CC/2002); b) "A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido" (CC, art. 953, caput); c) "A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo sem as condições do putativo" (CC, art. 1.617); d) "Se no processo de divórcio litigioso, a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento..." (CC português, art. 1.774°, 2). 17) Apenas para ilustrar, é de se ver que Adalberto J. Kaspary, dedicado estudioso do emprego dos verbos nos textos de lei, - muito embora realce que "esse uso de resultar como verbo de ligação, que já se encontra em Euclides da Cunha (Os Sertões), recebe, atualmente, cada vez mais adeptos, certamente por seu sintetismo expressivo" - não conseguiu localizar um só exemplo abonador de tal emprego, assim nos diplomas legais do Brasil como nos de Portugal.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Impronunciar ou Despronunciar?

1) É verbo usado com frequência em Direito Penal, especificamente em processos que apuram crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri. 2) Tem o sentido de julgar, considerar inadequada uma denúncia, mesmo antes de remeter o acusado para julgamento pelo Tribunal do Júri. Ex.: "O juiz, como presidente do tribunal do júri, pode pronunciar, impronunciar ou absolver sumariamente o acusado". 3) Enquanto o verbo pronunciar tem aplicação mais ampla, não se limitando à área penal, já impronunciar é um verbo específico da terminologia criminal, não servindo para ser portador de qualquer outro conteúdo semântico. 4) Acrescente-se, com Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade , a profunda diferença entre impronunciar ("verificar, de imediato, a ausência de provas para pronúncia") e despronunciar (que implica a "verificação posterior de dados insuficientes para a pronúncia", razão pela qual "esta deixou de existir"). 5) Em outra obra, Antonio Henriques assim reforça a diferença: a) impronunciar - "não houve pronúncia por falta de base, de força, de fundamento; o indiciado não foi a julgamento"; b) despronunciar - "houve pronúncia; o indiciado foi a julgamento que, depois, se desfaz, acaba, cessa, sofre reforma". 6) Também buscando diferenciar ambos os verbos, anota Adalberto J. Kaspary que despronunciar é "alterar um julgamento anterior, em que o réu foi pronunciado", enquanto impronunciar é "julgar, desde logo, improcedente a denúncia ou queixa contra o indiciado, determinando a sua soltura". 7) Muito embora sejam empregados com frequência nos meios jurídicos e forenses, raro é o uso de ambos os verbos - impronunciar e despronunciar -nos textos legais: a) "A decisão que impronunciar ou absolver o réu fará cessar a aplicação provisória da interdição anteriormente determinada" (CPP, art. 376); b) "Quando, instaurado processo por infração penal, o juiz, absolvendo ou impronunciando o réu, reconhecer a existência de qualquer dos fatos previstos no art. 14 ou no art. 27 do Código Penal, aplicar-lhe-á, se for caso, medida de segurança" (CPP, art. 555); c) "Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: ... que pronunciar ou impronunciar o réu" (CPP, art. 581, IV); d) "Mantém-se a culpa formada até à decisão final, a não ser que em qualquer recurso o arguido seja despronunciado ou absolvido" (CPP português, art. 308º, § 3º). 8) E se esclareça que ambos os verbos - despronunciar e impronunciar - encontram-se registrados pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficialmente incumbido de determinar quais palavras integram, de modo efetivo, nosso idioma, o que significa que o uso de ambos está oficialmente autorizado entre nós.
1) A dúvida trazida por um leitor para solução questiona qual a forma correta: "Contra-arrazoar o recurso" ou "Contra-arrazoar ao recurso"? 2) Antes de ingressar no efetivo mérito da pergunta, observa-se que existem, nos meios jurídicos e forenses, razoar e arrazoar, ambos com o mesmo significado de expor as razões, os motivos ou os fundamentos em uma peça, como se dá em uma petição inicial, uma contestação, um recurso. 3) Por conseguinte, contrarrazoar e contra-arrazoar são expressões sinônimas, que trazem em si a ideia de responder as razões em uma peça judicial de resposta. 4) Por outro lado, quando se quer saber se o correto é "Contra-arrazoar o recurso" ou "Contra-arrazoar ao recurso", quer-se saber se o verbo razoar ou arrazoar e, por conseguinte, contrarrazoar ou contra-arrazoar pedem um complemento sem preposição ou com preposição. 5) Em termos mais técnicos, quer-se saber se tais verbos são transitivos diretos ou transitivos indiretos. 6) E, quando a dúvida se refere à sintaxe, ou seja, à estruturação do conjunto, à junção das palavras na frase - como é o caso de saber se um verbo pede um objeto direto ou um objeto indireto - a autoridade para definir a forma correta está com os bons escritores, conforme exemplos neles coletados pelos nossos gramáticos e linguistas. 7) Ora, em obra que garimpa em nossos melhores autores, Francisco Fernandes ensina que, no sentido de defender ou advogar uma causa, o verbo razoar é transitivo direto, isto é, constrói-se sem preposição. Ex.: "Razoar uma causa". 8) Discorrendo sobre arrazoar, Celso Pedro Luft tem o mesmo entendimento: é verbo transitivo direto. Ex.: "Arrazoar uma causa". 9) Assim: a) "Razoar o recurso" (correto); b) "Razoar ao recurso" (errado); c) "Arrazoar o recurso" (correto); d) "Arrazoar ao recurso" (errado). 10) Considerando agora diretamente a indagação feita, pode-se assim resumir na prática: a) "Contrarrazoar o recurso" (correto); b) "Contrarrazoar ao recurso" (errado); c) "Contra-arrazoar o recurso" (correto); d) "Contra-arrazoar ao recurso" (errado).
quarta-feira, 22 de julho de 2015

Vimos... ou Viemos...?

1) Um leitor indaga se o correto é "Vimos à sua presença", ou "Viemos à sua presença". 2) Vimos é presente do verbo vir, enquanto viemos é passado do mesmo verbo. Exs.: I) "Vimos agora, nesta oportunidade, para manifestar nosso apoio"; II) "Viemos ontem, porque a audiência começa muito cedo". 3) Ora, porque vimos também é o passado do verbo ver, alguns tendem a evitar seu uso como presente de vir e acabam cometendo erros como o seguinte: "Viemos agora, nesta oportunidade, para manifestar nosso apoio". 4) Para Otelo Reis, "as pessoas menos cultas manifestam a tendência para dizer viemos em vez de vimos na primeira pessoa do plural do presente do indicativo".1 5) Tal falha de emprego da forma do pretérito perfeito pelo presente do indicativo, Júlio Nogueira a atribui à "falta de uso" da forma correta.2 6) Conta o anedotário político que Jânio Quadros - conhecido por seu vernáculo escorreito - quando prefeito de São Paulo, recebeu uma comissão de representantes de professores em greve. O líder deles se levantou e disse algo assim: "Senhor Prefeito, viemos aqui hoje para apresentar a Vossa Excelência nossa pauta de reivindicações". Antes que o representante continuasse, Jânio, também conhecido por seus repentes e rompantes, levantou-se de imediato e disse, saindo, para não mais voltar à reunião: "Vieram e não me encontraram!" _____________ 1 Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971, p. 123. 2 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930, p. 201.
quarta-feira, 1 de julho de 2015

Dar uma fugida - é correto?

1) Uma leitora observou no rádio a seguinte frase: "O jeito é dar uma fugidinha com você". E pergunta se é correto dizer dar uma fugida, em vez de fugir. 2) Vejam-se outros exemplos com mesma estrutura, colhidos nos meios de comunicação: (i) "O aluno deu uma revisada na matéria"; (ii) "A aluna deu uma relaxada antes do exame"; (iii) "O atacante deu uma vacilada e perdeu o gol"; (iv) "O zagueiro deu uma escorregada, e o atacante fez o gol"; (v) "O Brasil deu uma forçada no saque"; (vi) "Jaqueline deu uma largada na bola"; (vii) "O tumulto dá uma manchada no campeonato"; (viii) "Dê uma ligada para mim antes de sair"; (ix) "O pivô deu uma andada dentro do garrafão"; (x) "O árbitro deu uma olhada feia para o jogador"; (xi) "David Luiz deu uma recuada perigosa para o goleiro"; (xii) "O que o goleiro fez foi dar uma esfriada no jogo"; (xiii) "A Rússia quer dar uma segurada no jogo"; (xiv) "O time deu uma crescida no jogo"; (xv) "O levantador deu uma aliviada na bola"; (xvi) "Os dois times deram uma cansada neste final de jogo"; (xvii) "Agora, a seleção vai dar uma cadenciada no jogo"; (xviii) "Esse gol dá uma acalmada na seleção"; (xix) "Dunga vai ter trabalho para dar uma acertada no time"; (xx) "O técnico vai dar uma parada no jogo"; (xxi) "O Brasil precisa dar uma reestruturada no time"; (xxii) "O defensor deu uma cochilada, e o time levou o gol"; (xxiii) "Vou dar uma comentada com ele"; (xxiv) "O técnico deu uma lembrada no assunto"; (xxv) "O Felipão precisa dar uma organizada nas coisas"; (xxvi) "O time deu uma reagida, e depois voltou ao marasmo"; (xxvii) "O Governo deu uma abandonada no projeto"; (xxviii) "Não sei, mas vou dar uma pesquisada"; (xxix) "É preciso dar uma conferida na situação"; (xxx) "Vou aproveitar o feriado prolongado e dar uma viajada"; (xxxi) "Djokovich foi dar uma pressionada no juiz de linha"; (xxxii) "O time deu uma desconcentrada total"; (xxxiii) "É preciso dar uma analisada na situação"; (xxxiv) "A torcida deu aquela vaiada"; (xxxv) "Não sei se o piloto deu alguma errada"; (xxxvi) "Helinho Castroneves deu uma acelerada e passou"; (xxxvii) "O Vasco deu uma esquentada no jogo"; (xxxviii) "Isso só dá uma diluída no problema"; (xxxix) "O passe da Alemanha deu uma piorada"; (xl) "Valdívia deu uma reclamada com o árbitro"; (xli) "Neymar deu uma isolada na bola"; (xlii) "Robinho deu uma chutada totalmente torta na bola"; (xliii) "O Brasil deu uma melhorada no bloqueio"; ( xliv) "O apresentador da cerimônia deu uma enrolada solene"; (xlv) "O zagueiro deu, sim, uma empurrada no atacante"; (xlvi) "O gol deu uma sacudida no jogo"; (xlvii) "O zagueiro tentou dar uma dominada e perdeu a bola"; (xlviii) "O diretor do Corinthians ficou de dar uma telefonada"; (xlix) "O técnico só está dando uma observada no panorama"; (l) "O Alonso deu uma fechada no Massa"; (li) "A torcida deu uma xingada básica no árbitro"; (lii) "Helinho foi dar uma descansada no banco de reservas"; (liii) "O árbitro deu uma confirmada no número do jogador"; (liv) "Agora está dando uma nublada aqui em Porto Alegre"; (lv) "Vamos dar uma passada pelos outros estádios"; (lvi) "O Corinthians dá uma virada no jogo"; (lvii) "Vamos dar uma girada pelos outros telões"; (lviii) "Vamos dar uma atualizada nos resultados"; (lix) "O goleiro deu uma valorizada no choque"; (lx) "Ele deu uma ajeitada na bola com a mão"; (lxi) "Vamos dar uma recuperada na imagem"; (lxii) "O técnico precisa dar uma encaixada no sistema"; (lxiii) "É preciso dar uma revigorada nesse time"; (lxiv) "Com a vitória, o time dá uma respirada no campeonato"; (lxv) "O técnico quer dar uma poupada no jogador"; (lxvi) "O jogador deu uma corrida ao ataque e não voltou para a defesa"; (lxvii) "O carro derrapou e deu uma atravessada na pista"; (lxviii) "Dê uma verificada para mim"; (lxix) "O Governo deu uma reformada na proposta". 3) Quando se tem uma estrutura como essa (o verbo dar + um substantivo terminado por ada ou ida), o primeiro passo é verificar se o termo dado como substantivo existe efetivamente no vernáculo. E a autoridade para listar oficialmente as palavras de nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras, que a exerce pela edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Desse modo, se o vocábulo pretendido não encontra registro no VOLP, ele simplesmente não existe em português. 4) Ora, de toda essa lista de exemplos, constam como substantivos registrados pelo VOLP as palavras empregadas nos seguintes exemplos, de modo que apenas seu emprego está correto como tal: (i) "O atacante deu uma vacilada e perdeu o gol"; (ii) "O zagueiro deu uma escorregada, e o atacante fez o gol"; (iii) "Jaqueline deu uma largada na bola"; (iv) "Dê uma ligada para mim antes de sair"; (v) "O pivô deu uma andada dentro do garrafão"; (vi) "O árbitro deu uma olhada feia para o jogador"; (vii) "David Luiz deu uma recuada perigosa para o goleiro"; (viii) "O time deu uma crescida no jogo"; (ix) "O levantador deu uma aliviada na bola"; (x) "Dunga vai ter trabalho para dar uma acertada no time"; (xi) "O técnico vai dar uma parada no jogo"; (xii) "O defensor deu uma cochilada, e o time levou o gol"; (xiii) "Vou aproveitar o feriado prolongado e dar uma viajada"; (xiv) "Não sei se o piloto deu alguma errada"; (xv) "O Vasco deu uma esquentada no jogo"; (xvi) "O apresentador da cerimônia deu uma enrolada solene"; (xvii) "O gol deu uma sacudida no jogo"; (xviii) "O diretor do Corinthians ficou de dar uma telefonada"; (xix) "O Alonso deu uma fechada no Massa"; (xx) "Helinho foi dar uma descansada no banco de reservas"; (xxi) "Vamos dar uma passada pelos outros estádios"; (xxii) "O Corinthians dá uma virada no jogo"; (xxiii) "O jogador deu uma corrida ao ataque e não voltou para a defesa". 5) Não sendo a questão solucionada pelo critério acima, o segundo passo é ver se, apesar de não existir exatamente o substantivo do exemplo, de modo que não pode ele ser aplicado, há um outro de mesmo radical, que seja capaz de substituir o vocábulo pretendido, caso em que se fazem as alterações necessárias nos demais termos da estrutura: (i) "O aluno fez uma revisão da matéria"; (ii) "Os dois times sentiram cansaço neste final de jogo"; (iii) "O Brasil precisa fazer uma reestruturação no time"; (iv) "Vou fazer um comentário com ele"; (v) "O time teve uma reação e depois voltou ao marasmo"; (vi) "Não sei, mas vou fazer uma pesquisa"; (vii) "É preciso fazer uma conferência da situação"; (viii) "Djokovich foi fazer uma pressão sobre o juiz de linha"; (ix) "É preciso fazer uma análise da situação"; (x) "A torcida deu aquela vaia"; (xi) "Valdívia fez uma reclamação com o árbitro"; (xii) "Robinho deu um chute totalmente torto na bola"; (xiii) "O Brasil teve uma melhora no bloqueio"; (xiv) "O zagueiro deu, sim, um empurrão no atacante"; (xv) "O zagueiro tentou fazer o domínio e perdeu a bola"; (xvi) "A torcida fez um xingamento básico para o árbitro"; (xvii) "O árbitro fez a confirmação do número do jogador"; (xviii) "Vamos dar um giro pelos outros telões"; (xix) "Vamos fazer uma atualização dos resultados"; (xx) "Vamos fazer a recuperação da imagem"; (xxi) "O técnico precisa fazer um encaixe no sistema". 6) Num terceiro passo, se também não for encontrado nenhum substantivo que substitua, então a expressão deverá ser toda trocada por um verbo, como nos seguintes casos: (i) "A aluna relaxou antes do exame"; (ii) "O Brasil forçou o saque"; (iii) "O tumulto mancha o campeonato"; (iv) "O que o goleiro fez foi esfriar no jogo"; (v) "A Rússia quer segurar o jogo"; (vi) "Agora, a seleção vai cadenciar o jogo"; (vii) "Esse gol acalma a seleção"; (viii) "O técnico lembrou o assunto"; (ix) "O Felipão precisa organizar as coisas"; (x) "O Governo abandonou o projeto"; (xi) "O time desconcentrou geral"; (xii) "Helinho Castroneves acelerou e passou"; (xiii) "Isso só dilui o problema"; (xiv) "O passe da Alemanha sofreu uma piora"; (xv) "Neymar isolou a bola"; (xvi) "O técnico só observa o panorama"; (xvii) "Agora está nublando aqui em Porto Alegre"; (xviii) "O goleiro valorizou o choque"; (xix) "Ele ajeitou a bola com a mão"; (xx) "É preciso revigorar esse time"; (xxi) "Com a vitória, o time respira no campeonato"; (xxii) "O técnico quer poupar o jogador"; (xxiii) "O carro derrapou e atravessou na pista"; (xxiv) "Verifique para mim"; (xxv) "O Governo reformou a proposta". 7) Nada impede que os exemplos do primeiro passo possam ser transformados nos moldes do terceiro: (i) "O atacante vacilou e perdeu o gol"; (ii) "O zagueiro escorregou, e o atacante fez o gol"; (iii) "Jaqueline largou a bola"; (iv) "Ligue para mim antes de sair";  (v) "O pivô andou dentro do garrafão"; (vi) "O árbitro olhou feio para o jogador"; (vii) "David Luiz recuou perigosamente para o goleiro"; (viii) "O time cresceu no jogo"; (ix) "O levantador aliviou na bola"; (x) "Dunga vai ter trabalho para acertar o time"; (xi) "O técnico vai parar o jogo"; (xii) "O defensor cochilou, e o time levou o gol"; (xiii) "Vou aproveitar o feriado prolongado e viajar"; (xiv) "Não sei se o piloto errou"; (xv) "O Vasco esquentou o jogo"; (xvi) "O apresentador da cerimônia enrolou solenemente"; (xvii) "O gol sacudiu o jogo"; (xviii) "O diretor do Corinthians ficou de telefonar"; (xix) "O Alonso fechou o Massa"; (xx) "Helinho foi descansar no banco de reservas"; (xxi) "Vamos passar pelos outros estádios"; (xxii) "O Corinthians vira o jogo"; (xxiii) "O jogador correu ao ataque e não voltou para a defesa". 8) Do mesmo modo, nada impede que os exemplos do segundo passo se transformem na estrutura utilizada no terceiro, de acordo com a opção do usuário: (i) "O aluno revisou a matéria"; (ii) "Os dois times se cansaram neste final de jogo"; (iii) "O Brasil precisa reestruturar o time"; (iv) "Vou comentar com ele"; (v) "O time reagiu e depois voltou ao marasmo"; (vi) "Não sei, mas vou pesquisar"; (vii) "É preciso conferir a situação"; (viii) "Djokovich foi pressionar o juiz de linha"; (ix) "É preciso analisar a situação"; (x) "A torcida vaiou"; (xi) "Valdívia reclamou com o árbitro"; (xii) "Robinho chutou totalmente torto a bola"; (xiii) "O Brasil melhorou o bloqueio"; (xiv) "O zagueiro empurrou, sim, o atacante"; (xv) "O zagueiro tentou dominar e perdeu a bola"; (xvi) "A torcida xingou o árbitro"; (xvii) "O árbitro confirmou o número do jogador"; (xviii) "Vamos girar pelos outros telões"; (xix) "Vamos atualizar os resultados"; (xx) "Vamos recuperar a imagem"; (xxi) "O técnico precisa encaixar o sistema". 9) Após essas considerações, fazem-se, em síntese, os seguintes comentários quanto ao exemplo da consulta: (i) o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, é a palavra oficial para definir a existência ou não dos vocábulos em nosso idioma; (ii) e o VOLP registra, sim, como substantivo feminino regularmente existente em português, o termo fugida1; (iii) desse modo, é de total correção dizer e escrever dar uma fugida; (iv) nada impede o emprego desse substantivo no diminutivo, de modo que se venha a dizer "O jeito é dar uma fugidinha com você". ________ 1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 387.
quarta-feira, 17 de junho de 2015

Caráter ou Caractere?

1) Caráter pode ter diversos significados: a) conjunto de características de alguém ("Seu caráter agressivo dificulta-lhe os relacionamentos"); b) qualidade de alguma pessoa ("Ele é alguém de caráter"); c) cunho ("Ele escreveu uma obra de caráter científico").2) Já caractere (é) significa qualquer dígito numérico, letra de alfabeto ou código de controle ("Ele não conseguiu localizar o processo pela internet, por falta de um caractere em seu número").3) Embora etimologicamente sejam variações de um mesmo vocábulo (do grego caraktér pelo latim charactere), modernamente se passou a fazer a distinção, conforme o sentido, sobretudo em decorrência de seu grande uso advindo do progresso da informática.4) Corroborando o fato de que essa distinção é recente, vale lembrar antiga observação de Cândido de Figueiredo a um funcionário de escola que exigia de seus inspecionados que fizessem sempre a distinção prosódica entre caráter, para significar feição moral, e caracter (é), para indicar a letra, obrigando também a distinção no plural - carácteres e caracteres (é) - consoante as acepções: "Sob a forma de caráter, há apenas um vocábulo, e as várias acepções de um vocábulo não influem absolutamente nada na sua prosódia".5) Pois bem. Nos últimos tempos, tem-se a seguinte situação nas sucessivas e recentes edições do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão oficialmente incumbido de listar as palavras existentes em português, bem como sua correta grafia e prosódia: a) em sua segunda edição (1998), apresentava as formas carácter e caráter, mas não caracter (é) nem caractere (é), e fazia remissão entre aquelas, como sinônimas, apontando para ambas o plural caracteres; b) em sua quarta edição (2004), eliminou carácter, acrescentou caractere (é), mas indicou o plural caracteres apenas na última; c) em sua quinta edição (2009), já em conformidade com o Acordo Ortográfico de 2008, manteve exatamente a postura da edição anterior, a saber, não trouxe caracter (é) nem carácter, e sim caractere e caráter, e apontou o plural caracteres apenas nesta última.6) Ante um tal quadro, a questão pode ser assim sintetizada para os dias de hoje: a) no singular, há caráter e caractere (é), mas não existem carácter nem caracter (é); b) o plural de ambas é caracteres, com o e tônico também com timbre aberto (é), não importando a acepção que o vocábulo possa ter; c) em caractere e em caracteres, o c é regularmente pronunciado.7) Adicionalmente, como interessante observação, vale anotar que o substantivo composto mau-caráter faz, no plural, maus-caracteres, como, aliás, registra o VOLP, não importando que o som do vocábulo possa não ser dos melhores.
quarta-feira, 10 de junho de 2015

Grosso modo ou A grosso modo?

1) Grosso modo é uma locução latina, que significa aproximadamente, de um modo geral, de um modo grosseiro, por alto, resumidamente. Ex.: "Apreciando o caso grosso modo, já se vê que o autor não tem razão". 2) Por se tratar de expressão latina, de rigor é que venha entre aspas, com sublinha, em negrito ou itálico, ou ainda com grifo equivalente, indicador de tal circunstância. 3) Também não se olvide a lição de Edmundo Dantès Nascimento: a) expressões como essa não eram hifenizadas em latim, razão pela qual "não o podem ser em língua nenhuma"; b) "para quem pretende grafar escorreitamente, não é permitido o hífen em expressões do latim clássico". 4) Não há motivo algum para se lhe antepor a preposição a, que não existe na expressão em latim, de modo que é errôneo o seguinte emprego: "Apreciando o caso a grosso modo, já se vê que o autor não tem razão". 5) Domingos Paschoal Cegalla confirma esse aspecto de que "não se diz a grosso modo, mas apenas grosso modo". 6) Veja-se, também nesse sentido, a lição de Arnaldo Niskier: "A expressão é grosso modo e não a grosso modo". 7) Resumem-se os três aspectos problemáticos da expressão: a) por ser latina, de algum modo a expressão deve ser realçada (com sublinha, negrito ou itálico, ou ainda com grifo equivalente, indicador de tal circunstância); b) "a palavra a não pertence à expressão", motivo por que se há de dizer "sempre grosso modo, não a grosso modo"; c) por se tratar de expressão latina, é proibido o emprego de hífen, que não existia no idioma original, de modo, assim, que é equivocada a grafia grosso-modo.
quarta-feira, 3 de junho de 2015

Citação com (ou por) hora certa?

1) Uma consulta aos principais autores de obras que tratam de regência nominal, como Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft e Domingos Pascoal Cegalla, mostra que eles não se ocupam de tratar qual a preposição a ser empregada após o vocábulo citação.2) Os autores de manuais de redação dirigidos diretamente aos operadores do Direito, que foram aqui consultados, também não se manifestam a esse respeito.3) Ora, a citação, em apertada síntese, é o ato processual pelo qual se dá notícia oficial ao réu de que contra ele foi ajuizada uma ação, e isso para que, em querendo, ele possa defender-se no processo (CPC, art. 213) no prazo de quinze dias (CPC, art. 297), contados, em suma, da juntada aos autos do documento portador da referida citação (CPC, art. 241).4) Uma atenta leitura do Código de Processo Civil revela que a citação (CPC, art. 221) é feita por três meios específicos: pelo correio (CPC, art. 221,1, e 222/223), pelo oficial de justiça (CPC, art. 221, 11, e 224/230) e por edital (CPC, art. 221, III, e 231, 233). Em todos esses casos, como normalmente se dá com os adjuntos adverbiais de meio ou de instrumento, a preposição empregada é por.5) Num caso específico de citação por oficial de justiça, entretanto, prevê a lei que, "quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar" (CPC, art. 227).6) Em seguida, dispõe a lei que, em cumprimento ao que se referiu, voltando o oficial, se não encontrar o citando, dará por feita a citação nas condições e circunstâncias que especifica (CPC, art. 228). É o que se denomina citação com hora certa (CPC, art. 229). 7) É preciso ficar claro, entretanto, que a citação com hora certa não é um dos meios de citação (que são pelo correio, por oficial de justiça e por edital [CPC, art. 221]), mas, apenas e tão somente, uma modalidade de citação por oficial de justiça (CPC, arts. 227/229). Em outras palavras, a citação poderia ser feita com calma ou com exasperação, com truculência ou com lhaneza, assim como também pode ser feita, nos termos da lei, com hora certa. 8) Em resumo: para os meios previstos para a citação, a lei emprega a preposição por; para um modo específico de proceder à citação por um dos meios, emprega a preposição com.
quarta-feira, 27 de maio de 2015

Como se lê? 83,47%

1) Há diversas regras importantes e interessantes para a leitura dos numerais e para sua escrita por extenso, como, por exemplo, a que determina a interposição da conjunção e entre as centenas e as dezenas e entre estas e as unidades. Em decorrência dela é que o número 2.662.385 é lido e escrito por extenso do seguinte modo: dois milhões seiscentos e sessenta e dois mil trezentos e oitenta e cinco. 2) No caso das consultas, o mais lógico é pensar, por primeiro, na existência de um modo mais conceitual e apurado de dizer e escrever: a) 83,47%: oitenta e três inteiros e quarenta e sete centésimos por cento; b) 0,3%: três décimos por cento. 3) A par desse modo mais clássico, também se posta um outro mais simples, direto e igualmente correto: a) oitenta e três vírgula quarenta e sete por cento; b) zero vírgula três por cento. 4) Observe-se, porém, o que, de fato, se dá nesses casos: de cada cem unidades, estou-me referindo a 83,47 delas no primeiro caso e a três décimos de unidade no segundo caso. Por isso é que digo o número e acrescento a expressão por cento. Vê-se, porém, com facilidade, que não faz sentido substituir tal expressão pelo adjetivo percentual, o qual serviria para dar uma qualidade e não para indicar que os números referidos são extraídos de um lote de cem unidades. 5) Observe-se, por fim, que, obedecidas certas regras mínimas de correção, não parece adequado entender que as normas de Gramática devam vir para atrapalhar as questões e o próprio viver quotidiano, e sim, muito mais, para ordenar o modo de escrever e falar, a fim de que a escrita e a fala sejam efetivos instrumentos para transmissão das idéias.
quarta-feira, 20 de maio de 2015

Vírgula - Questão Prática

1) Um leitor parte do seguinte texto, que foi objeto de questionamento em algum exame ou concurso: "Levantamento do Mapa da Violência mostrou que o cenário pacífico ficou no passado. Divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangari, o documento prova que a criminalidade mudou de endereço. Migrou das capitais e regiões metropolitanas para o interior." 2) E traz para análise a alternativa "c" da questão respectiva, que foi dada como correta, quanto ao emprego da vírgula, por quem confeccionou o gabarito (de modo equivocado, no entender do leitor): (C) A correção gramatical do texto seria mantida, caso o trecho 'Divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangari' fosse deslocado para depois da expressão 'o documento', da seguinte forma: 'O documento divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangari'". 3) Adicionalmente, transcreve a justificativa que quem confeccionou o gabarito deu para considerar correta a alternativa: "No texto original, a oração 'Divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangar' vem separada por vírgula pelo fato de ser reduzida anteposta e ter valor explicativo (Divulgado = que foi divulgado); o deslocamento colocaria a oração em sua posição normal e isso dispensaria o uso da vírgula. Então, o deslocamento proposto: 'O documento divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangari' manteria a correção gramatical do texto". 4) Antes de responder à indagação do leitor, consideram-se, de início, dois outros exemplos para a fixação de premissas didáticas importantes: a) "O documento que foi divulgado ontem não é verdadeiro"; b) "O documento, que foi divulgado ontem, não é verdadeiro". 5) Uma acurada reflexão, quando comparados ambos os exemplos, faz concluir pelos seguintes aspectos para o primeiro deles: (i) o vocábulo "documento" tem sentido genérico; (ii) a expressão "que foi divulgado ontem" acaba por restringir-lhe a abrangência; (iii) isso quer dizer que, dentre todos os documentos possíveis, sua significação é particularizada para "aquele que foi divulgado ontem". 6) Seguindo a análise, também se podem extrair as seguintes ilações para o segundo dos exemplos: (i) o vocábulo documento, desde logo, demonstra ter um sentido específico e conhecido pelo leitor, bem possivelmente porque já tenha sido mencionado; (ii) desse modo, a expressão "que foi divulgado ontem" não lhe restringe a abrangência, mas apenas explicita uma circunstância que lhe é própria ou lhe fornece uma explicação; (iii) isso quer dizer que a palavra documento, antes e depois de acrescida a mencionada expressão, continua com a mesma extensão semântica. 7) Com esses elementos, podem-se extrair as seguintes conclusões: (i) em ambas as frases, "que foi divulgado ontem" é uma expressão que modifica o vocábulo documento; (ii) como essa modificação é representada por uma expressão que contém um verbo, tem-se que o trecho modificador constitui uma oração; (iii) como essa oração desempenha uma função sintática em relação a um termo da outra oração (a saber, "O documento [...] não é verdadeiro"), que é a oração principal, então ela é chamada de oração subordinada; (iv) como a oração sob análise modifica um substantivo, então tecnicamente equivale a um adjetivo e é chamada de oração subordinada adjetiva; (v) como, no primeiro exemplo, essa oração restringe o sentido do substantivo modificado, particularizando-o entre todos os demais da mesma espécie, então ela se chama oração subordinada adjetiva restritiva; (vi) como, no segundo caso, essa oração apenas explicita uma circunstância já existente na palavra modificada ou fornece uma explicação a seu respeito, então ela se chama oração subordinada adjetiva explicativa; (vii) importa, ainda, acrescentar que, se a forma do verbo não for estendida ("que foi divulgado"), mas compacta, no particípio (apenas "divulgado"), ainda deverá ser esclarecida essa circunstância (no primeiro exemplo, oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de particípio, enquanto, no segundo, oração subordinada adjetiva explicativa reduzida de particípio). 8) E se adicionam outras observações: (i) as orações adjetivas normalmente são iniciadas por um pronome relativo (no caso, que = o qual na oração estendida); (ii) é regra que a oração adjetiva explicativa vem separada por vírgulas da oração principal; (iii) também é regra que a oração adjetiva restritiva não vem antecedida por vírgula e, excepcionalmente, sobretudo quando é de maior extensão, pode ter vírgula em seu término. 9) Quanto ao exemplo trazido pelo leitor, uma vez aplicados os princípios antes alinhados e seguido o raciocínio até agora feito, são pertinentes os seguintes comentários: (i) é verdade que, no caso trazido para análise, pode-se deslocar, sem alteração de sentido, a primeira parte do trecho referido; (ii) não se pode esquecer, todavia, que o trecho inicial, que se intercala, tem conotação explicativa, e não restritiva; (iii) tecnicamente, constitui uma oração subordinada adjetiva explicativa, fato esse que se constata com facilidade, quando se estende seu verbo, que vem no particípio; (iv) por ser explicativa, tal oração adjetiva deve ser intercalada na oração principal por meio de vírgulas; (v) a forma correta, então, é "O documento, divulgado no dia 30 de março pelo Instituto Sangari, prova que a criminalidade mudou de endereço"; (vi) isso faz concluir que, tal como posta a questão trazida para análise, a correção gramatical não foi mantida ao se proceder à intercalação da parte inicial sem vírgulas; (vi) em outras palavras, vale dizer que assiste razão ao raciocínio do leitor consulente.
quarta-feira, 6 de maio de 2015

Ratificar ou Retificar?

1) Basicamente, ratificar quer dizer confirmar o que se afirmou anteriormente. Ex.: "A testemunha, ratificando-se, confirmou a história inicial". 2) É bastante comum seu emprego nos textos de lei: a) "O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito" (CC, art. 308); b) "Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar" (CC, art. 662); c) "O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos" (CC, art. 665); d) "Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato" (CC, art. 871); e) "Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo" (CPC, art. 1.122, § 2º). 3) Já retificar significa corrigir, emendar. Ex.: "O magistrado, em novo despacho, retificou ligeiros descuidos do anterior". 4) Também é usual seu emprego nos textos de lei: a) "Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule" (CC, art. 1.247); b) "Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: ... I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo" (CPC, art. 463, I); c) "Julgando procedente a impugnação referida no n. I, o juiz mandará retificar as primeiras declarações" (CPC, art. 1.000, parágrafo único); d) "Julgando procedente a impugnação, determinará o juiz que o perito retifique a avaliação, observando os fundamentos da decisão" (CPC, art. 1.009, § 2º).
quarta-feira, 29 de abril de 2015

Crase antes de pronome de tratamento

1) Pronome de tratamento, também chamado pronome de reverência, é a maneira formal para se dirigir com respeito a determinadas pessoas no trato cortês e cerimonioso. Ex.: I) "Sua Excelência, o presidente do Tribunal de Justiça, honrou-nos com sua visita"; II) "Vossa Excelência, senhor Deputado, é muito corajoso". 2) Pela leitura atenta dos exemplos dados e pela verificação acurada de outros casos, conclui-se com facilidade que normalmente não se emprega artigo antes de um pronome de tratamento. 3) Ora, como crase significa a fusão de duas vogais idênticas, um segundo a que seria necessário para sua ocorrência antes de um pronome de tratamento fatalmente haveria de ser um artigo. 4) E, como o pronome de tratamento normalmente repele o uso do artigo, fixa-se a regra de que não se usa o acento indicador da existência de crase antes de pronome de tratamento. Exs.: I) "Dirijo-me respeitosamente a Vossa Reverendíssima nesta oportunidade"; II) "Entregamos um cartão de prata a Sua Excelência o prefeito, em agradecimento por seus esforços em prol de nossa causa". 5) Esclarece-se que essa regra de que não se usa acento indicador da crase antes de pronome de tratamento não é estabelecida de modo genérico e teórico, mas parte da verificação do caso concreto e da conseqüente averiguação da inexistência de fusão de vogais idênticas. 6) Atentando de modo específico ao que se dá na linguagem forense, assim ensina Eliasar Rosa: "Erro palmar e imperdoável é o de pôr sinal indicativo de crase nesse a que antecede V. Exa."1 7) Acresce dizer que, por exceção, há três pronomes de tratamento que admitem artigo - e, por conseqüência, crase - antes de si: senhora, senhorita e dona. Exs.: I) "Dirigiu-se à senhora Fontes com todo o respeito"; II) "Meus respeitos à senhorita Fontes"; III) "Meus respeitos à dona Valquíria Fontes".
quarta-feira, 22 de abril de 2015

A final ou Afinal?

1) A final é expressão bastante comum em linguagem jurídica, com o significado de por último, ao final. Ex.: "O autor requereu, a final, a condenação do réu ao pagamento de custas e honorários". 2) Observam Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade que essa expressão é empregada com o sentido de no final da demanda, por último, concluído o processo, terminado o processo, e realçam ser ela "expressão tipicamente restrita ao vocabulário jurídico". 3) Em obra de exclusiva autoria, Antonio Henriques volta a observar que se trata de "expressão corrente na área jurídica e a ela restrita" e lhe confere o significado de no final, por último, no fim, no término da demanda. 4) Vejam-se alguns exemplos de emprego da expressão a final em textos legais, com seu correto significado: a) "As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido" (CPC, art. 27); b) "Incumbe ao curador: ... V - prestar contas a final de sua gestão" (CPC, art. 1.144, V); c) "Apresentados e vistos os embargos, proferirá o Tribunal a sua sentença, rejeitando-os, ou recebendo-os e julgando-os logo provados. Todavia, se ao Tribunal parecer que a matéria dos embargos é relevante mas que não está suficientemente provada, poderá assinar dez dias para a prova; e findo este prazo, sem mais audiência que a do Fiscal, os julgará a final" (CCo, art. 851, 1ª parte). 5) Por outro lado, afinal é advérbio e tem o significado de enfim, finalmente. Ex.: "O divórcio, afinal, acabou sendo a melhor solução para aquele casal". 6) Vejam-se alguns casos de emprego do vocábulo afinal em nossa legislação: a) "Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho" (CC, art. 1.322, parágrafo único); b) "A justificação será afinal julgada por sentença e os autos serão entregues ao requerente independentemente de traslado, decorridas 48 (quarenta e oito) horas da decisão" (CPC, art. 866, caput). 7) No caso de alguns dispositivos de lei, fica-se em dúvida acerca da correção do vocábulo ou expressão que se empregou - se a final ou afinal: a) "Julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do embargante, que só receberá os bens depois de prestar caução de os devolver com seus rendimentos, caso sejam afinal declarados improcedentes" (CPC, art. 1.051); b) "Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto" (CPP, art. 304); c) "Se o interessado não souber ou não puder assinar as suas declarações, será exigida a presença de três testemunhas, uma das quais assinará por ele, a rogo, devendo o funcionário ler as declarações, feitas em voz alta, atestando, afinal, que delas ficou ciente o interessado" (CLT, art. 17, § 2º, revogado).
quarta-feira, 15 de abril de 2015

Crase antes de pronome possessivo

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Parágrafo único ou § único?

1) A dúvida trazida busca saber se o correto é escrever parágrafo único ou § único? 2) O art. 59, "caput", da Constituição Federal de 1988 esclarece que o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. E o parágrafo único do referido dispositivo ordena, na sequência, que "lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis". 3) Em cumprimento à mencionada disposição constitucional, foi editada a Lei Complementar 95, de 26/02/98, a qual, antes de passar ao regramento específico, adicionou ao rol dos itens sob sua regência os "decretos" e "demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo" (art. 1º, parágrafo único). 4) Como se vê, por um lado, impõe-se fixar a premissa de que, em nosso sistema, existe lei própria regulamentando o modo de redigir e citar as disposições de lei. 5) Por outro lado, importa esclarecer que os pontos a serem observados, para o item trazido pela dúvida, encontram-se especificados em três regras postas no art. 10, III, da citada lei: a) "os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico '§'"; bi) esse símbolo será "seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste"; c) quando existente apenas um parágrafo, usar-se-á "a expressão 'parágrafo único' por extenso". 6) Desse modo, sintetiza-se assim a resposta à questão trazida pelo leitor: a) não é aleatório o modo de elaborar e redigir as leis, mas segue ele determinações específicas postas em lei; b) também não fica ao alvitre do usuário a forma como citar e especificar seus itens; c) assim, quando houver um só parágrafo no dispositivo legal, é obrigatório escrever parágrafo único; d) já quando houver mais de um parágrafo, será obrigatório empregar o símbolo §; e) na sequência de tal símbolo, o numeral será ordinal até o nono (1º, 2º, 3º..., 9º); f) do décimo em diante, o numeral será cardinal (10, 11, 12...). 7) Na prática, diretamente em resposta à dúvida trazida pelo leitor: a) as formas corretas de escrita são obrigatoriamente parágrafo único e § 1º; b) não é correto escrever nem § único, nem parágrafo 1º; c) pelos dispositivos da lei que rege a matéria, não é aleatório o emprego de tais formas, nem fica ao alvitre do leitor a opção por uma delas, que não a indicada pela lei. 8) Uma curiosidade final. O símbolo § equivale a dois esses entrelaçados. Sua criação tem origem na expressão latina "signum sectionis", ou seja, um sinal de seção ou sinal de corte. Para efeitos jurídicos, isso quer significar que o trecho representado pelo parágrafo, por sua importância em termos de tratamento legislativo, está apartado ou separado daquilo que o texto legal tratou no "caput" do dispositivo a que ele pertence.
quarta-feira, 18 de março de 2015

Ribeirão Preto: Quem nasce lá é o quê?

1) Um leitor verificou que o autor destas linhas pertence a uma academia de letras jurídicas. E, a partir dessa leitura, faz duas indagações: a) o correto é ribeirãopretano ou ribeirãopretense?; b) a grafia é com hífen ou sem? 2) Um adjetivo como esse, denominado pátrio, é conceituado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira como aquele "que se refere a continente, país, região, estado, cidade, província, vila, povoado".1 Com ligeira alteração de significado, pode ele também ser denominado adjetivo gentílico ou relativo. 3) É nessa esteira que vem a pergunta do leitor: quem nasce em Ribeirão Preto é o quê? E, em seguida: os elementos desse adjetivo composto são separados por hífen ou não? 4) Tudo isso, na prática, significa escolher entre as formas de extenso rol de possibilidades teóricas: ribeirãopretano, ribeirão-pretano, ribeirãopretense, ribeirão-pretense, ribeiropretano, ribeiro-pretano, ribeiropretense, ribeiro-pretense, riberopretano, ribero-pretano, riberopretense, ribero-pretense. 5) Para isso, em primeiro lugar, é importante estabelecer o princípio de que a lei delega à Academia Brasileira de Letras a autoridade para definir quais são os vocábulos que integram oficialmente nosso léxico, e ela exerce essa delegação por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Essa autoridade abrange também definir a grafia dos vocábulos, sua pronúncia, gênero, categoria gramatical, etc. 6) Com essa premissa, releva anotar, em continuação, que o VOLP registra apenas as seguintes grafias para o adjetivo gentílico buscado pelo leitor: ribeirão-pretano, ribeirão-pretense e ribeiro-pretano.2 7) Faça-se, então, uma primeira observação. Pelos critérios adotados pelo Acordo Ortográfico de 2008 - que não cabe nesta oportunidade discutir ou polemizar - todas as formas registradas pelo VOLP como corretas trazem hífen, de modo que se excluem as possibilidades de junção dos dois elementos sem o mencionado sinal diacrítico. 8) Adicione-se uma segunda observação. Essas são as formas de grafia autorizadas para o mencionado vocábulo, sem outras possibilidades. Pode-se argumentar que, tecnicamente, nada impediria a admissão, por exemplo, de ribeiro-pretense. Todavia, se o VOLP não a autoriza, essa forma não existe no idioma. Pode ser que, em futura edição, a ABL venha a absorvê-la e adotá-la como correta. Então se haverá de inseri-la no léxico oficial. Não, porém, por agora. 9) E se ultime com uma terceira observação, a partir do seguinte fato: Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira não registra ribeirão-pretense3, e o dicionário da Melhoramentos traz ribero-pretano.4 Ou seja: o primeiro omite forma registrada pelo VOLP, enquanto o segundo faz constar outra não adotada por ele. Sem demérito para o inestimável trabalho desempenhado, no campo da ciência, em prol do vernáculo, pelos dicionaristas, é importante fixar que eles não detêm a autoridade legal para definir as questões do idioma, e sim a ABL. Desse modo, em caso de divergência, há de prevalecer o que esta última diz e determina. ________________ 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 57. 2 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1988. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 722. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.842. 4 Companhia Melhoramentos de São Paulo. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 14. ed., São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1975, p. 1.517.
quarta-feira, 11 de março de 2015

Aforisma ou Aforismo?