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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 18 de maio de 2016

Ficar no aguardo - É correto?

1) Um leitor indaga se é correta a expressão ficar no aguardo para significar aguardar.2) Ora, num primeiro aspecto, importa anotar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, veículo pelo qual a Academia Brasileira de Letras exerce sua função de listar oficialmente as palavras existentes em nosso idioma, registra, de modo expresso e taxativo, o vocábulo aguardo como substantivo masculino1, forma que vem por derivação regressiva, do verbo aguardar. 3) Nossos mais conhecidos dicionaristas - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira2 e Antônio Houaiss3 - conferem ambos a esse substantivo o significado de aguardamento, espera e expectativa. 4) São conhecidas as variantes ao aguardo (confira-se exemplo trazido pelo primeiro dicionarista citado) e no aguardo. Exs.: a) "Fico ao aguardo de suas notícias"; b) "Estou no aguardo de seus comentários". 5) A par da palavra oficial favorável da ABL por via do VOLP, ainda se pode acrescentar a abalizada lição de Napoleão Mendes de Almeida: "Não há argumento para condenar o emprego de aguardo no sentido de espera, expectativa. É da índole de nosso idioma utilizar-se de formas verbais para funções de substantivo, para indicar o ato ou o resultado da ação expressa pelo verbo".4 ____________________1 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 31.2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 80.3 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 125.4 ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 16.
quarta-feira, 4 de maio de 2016

Com certeza ou Certamente?

1) Um leitor indaga se é correta a expressão com certeza, tão empregada nos dias de hoje, ou se é mais adequada a palavra certamente. 2) Em termos históricos, sobre um exemplo como "Ele falava de modo humilde", podem-se fazer as seguintes considerações: a) tal frase pode ser alterada para "Ele falava de mente humilde" (em latim, mens, mentis, que significa pensamento); b) ou, então, "Ele falava de humilde mente"; c) com o passar dos tempos, a palavra mente passou a ser considerada como mero sufixo do adjetivo em tais casos1; d) e a palavra resultante dessa junção passou a ser empregada como um advérbio (humildemente). 3) No português atual, quanto à estrutura e formação, esse assunto passa pelo seguinte raciocínio: a) parte-se, de início de adjetivos como sábio, cristalino e humilde; b) flexionando-se tais adjetivos para o feminino, surgem sábia, cristalina e humilde (este último adjetivo é uniforme, ou seja, tem a mesma forma para o masculino e para o feminino); c) a esses adjetivos no feminino, acrescenta-se o sufixo mente; d) chega-se, então, aos advérbios (normalmente de modo) sabiamente, cristalinamente e humildemente. 4) De modo específico para a indagação do leitor: a) imagine-se o exemplo "Ele vai à festa com certeza"; b) essa frase equivale a dizer "Ele vai à festa de modo certo"; c) ou, ainda, "Ele vai à festa certamente"; d) todas essas expressões são igualmente corretas, e nada se pode apontar de equívoco em nenhuma delas. 5) Com essas ponderações como premissas, uma primeira observação: não se deve impingir reprovação alguma ao emprego do circunlóquio com certeza. Ele não é novidade no idioma, nem modismo. Para comprovar a realidade dessa afirmação, lembram-se aqui os versos de antiga canção da inesquecível Amália Rodrigues: "É uma casa portuguesa, com certeza! Com certeza, é uma casa portuguesa!". 6) Uma segunda observação: o fato de se constatar, atualmente, um real abuso no emprego dessa expressão, capaz de sugerir uma indicação de maior moderação na fala, não é motivo para sua condenação, como se fosse um equívoco. Já os latinos diziam que o abuso não pode impedir o uso (abusus non tollit usum), e o provérbio se aplica ao caso com perfeição. 7) Uma terceira e última observação: embora com frequência seja objeto de indagação dos leitores, afirme-se com todas as letras: não existe a grafia concerteza em nosso léxico.__________________1 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 258.
quarta-feira, 27 de abril de 2016

À unanimidade ou Por unanimidade?

1) Uma leitora indaga qual a forma correta da expressão: à unanimidade ou por unanimidade. 2) De modo bem simples, a observação do que acontece nos casos em que a decisão se dá pelo oposto da unanimidade mostra o que se deve ter por correto no caso da dúvida da leitora: diz-se aprovado por maioria, e não à maioria. 3) Assim, do mesmo modo, o correto é dizer por unanimidade, e não à unanimidade. Exs.: a) "Por unanimidade, negaram provimento ao recurso" (correto); b) "À unanimidade, negaram provimento ao recurso" (errado). 4) Nas codificações mais conhecidas do direito pátrio, apenas foi encontrado um exemplo no Código de Processo Civil de 1973: "A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282, devendo o autor: ... II - depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente" (art. 488). 5) No mesmo sentido da tese aqui esposada, foram encontrados quatro exemplos no Código Civil português de 1966: a) "Enquanto não se ultimarem as partilhas, podem os sócios retomar o exercício da actividade social, desde que o resolvam por unanimidade" (art. 1.019º, 1); b) "A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos" (art.º 1.432º, 2); c) "As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes" (1.432, 5).  
terça-feira, 19 de abril de 2016

Puxa-saco - Qual o plural?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual é o plural do vocábulo puxa-saco. 2) Ora, ante o fato de se tratar de uma palavra que traz em si o estigma da vulgaridade, gerando dúvidas sobre sua existência efetiva no vernáculo, sempre é bom lembrar - até para criar no leitor o hábito salutar de um raciocínio que se repete - que, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, ou mesmo qual é sua grafia e/ou pronúncia, ou qual o seu plural quando foge à normalidade, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma e para definir-lhes as demais peculiaridades e circunstâncias, é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.1 4) Uma simples consulta ao VOLP mostra que, além da efetiva existência no léxico do vocábulo puxa-saco, há o registro dos seguintes aspectos: a) tem ele a mesma forma para o masculino e para o feminino; b) no plural, forma puxa-sacos tanto no masculino como no feminino.2 5) Com essas considerações como premissas, em específica reposta ao leitor, confiram-se os seguintes exemplos, todos corretos: a) "Ele é um puxa-saco"; b) "Ela é uma puxa-saco"; c) "Eles são dois puxa-sacos"; d) "Elas são duas puxa-sacos"; e) "Ele puxa o saco do presidente"; f) "Ela puxa o saco do presidente"; g) "Eles puxam o saco do presidente"; h) "Elas puxam o saco do presidente". ___________________  1 Em algumas épocas, a ABL põe o VOLP à disposição do leitor on-line; em outras, a disponibilização ocorre apenas por edição de livro específico com tal função. 2 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Global Editora Distribuidora Ltda., 2009, p. 688.
quarta-feira, 13 de abril de 2016

Concebeu o ou Concebeu ao?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual das duas construções é correta: a) "Concebeu o Príncipe da Paz"; b) "Concebeu ao Príncipe da Paz". 2) Antes de responder diretamente ao leitor, formulam-se dois exemplos para uma melhor explanação didática: a) "O juiz sentenciou o processo"; b) "O documento pertence aos autos". 3) Quanto ao primeiro exemplo - "O juiz sentenciou o processo" - podem-se fazer as seguintes considerações: a) o complemento (o processo) não está precedido de preposição obrigatória; b) a ação passa (ou transita) para o verbo diretamente (isto é, sem auxílio obrigatório de preposição); c) por isso o verbo se chama transitivo direto; d) também por isso, o complemento verbal (o processo) é um objeto direto. 4) No segundo exemplo - "O documento pertence aos autos" - podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o complemento (aos autos) está precedido de preposição obrigatória; b) a ação passa (ou transita) para o verbo indiretamente (ou seja, com o auxílio obrigatório de preposição); c) por isso o verbo se chama transitivo indireto; d) também por isso, o complemento verbal (aos autos) é um objeto indireto. 5) Ocorre que determinadas expressões - como adorar ao Criador, amar a Deus e louvar ao Senhor - apresentam um verbo transitivo direto, mas estes têm, com frequência, seus objetos diretos precedidos de preposições não obrigatórias, e isso pelas seguintes razões: a) por ênfase, reverência e respeito ("Ele ama a Deus sobre todas as coisas"); b) porque o complemento vem representado por um pronome oblíquo tônico ("Nem ele entende a nós, nem nós, a ele"); c) para evitar confusão de sentido, principalmente em casos de inversão dos termos da oração ("A Abel matou Caim"). 6) Nesses casos, é importante não esquecer: a) mesmo com objetos diretos preposicionados, os verbos continuam transitivos diretos, de modo que não passam a transitivos indiretos; b) de igual forma, o complemento é objeto direto preposicionado, e não objeto indireto. 7) Para quem, nesses casos, tem dificuldade exatamente em reconhecer qual é a transitividade do verbo, é bom lembrar, em termos bem práticos, que o verbo transitivo direto normalmente admite passagem para a voz passiva, enquanto o transitivo indireto, por via de regra, não a admite. 8) Assim, o exemplo "O juiz sentenciou o processo" admite ser transformado em "O processo foi sentenciado pelo juiz". Já o exemplo "O documento pertence aos autos" não admite passagem para a voz passiva, o que é sinal inconfundível de que pertencer não é transitivo direto. 9) Do exemplo do leitor, já ligeiramente reformulado para maior facilidade didática - "Ela concebeu o Príncipe da Paz" - podem-se extrair as seguintes conclusões, a partir das ponderações já feitas nos itens anteriores: a) ela é o sujeito e Príncipe da Paz é o objeto direto; b) o verbo é transitivo direto; c) afirma-se, sem dúvida, que o verbo é transitivo direto, quando se percebe que o exemplo pode ser passado para a voz passiva ("O Príncipe da Paz foi concebido por ela"); d) o exemplo assim formulado é correto e tem seu objeto direto normal; e) por uma questão de ênfase, reverência e respeito, entretanto, também se pode dizer "Ela concebeu ao Príncipe da Paz"; f) nesse caso, tem-se um objeto direto preposicionado; g) como já se viu, o verbo, no exemplo, continua sendo transitivo direto.
quinta-feira, 7 de abril de 2016

Com ressalva ou Com ressalvas?

1) Uma leitora, que trabalha como revisora de português no TSE, indaga qual é a forma correta para os processos de prestação de contas em eleições: aprovação com ressalva ou aprovação com ressalvas? 2) Ora, uma prestação de constas de um candidato em eleições pode ter um de três resultados: a) ser aprovada; b) ser rejeitada; c) ser aprovada com ressalva. 3) No que concerne à última possibilidade, a ressalva significa que a aprovação ocorreu, mas ficou uma observação que evidencia a existência de alguma irregularidade, embora esta não tenha sido reputada capaz de inviabilizar a aprovação. 4) Imagine-se, por hipótese, um rol não exaustivo de irregularidades que podem ser encontradas em uma prestação de contas: a) um pequeno atraso na apresentação final delas; b) omissão de prestação parcial, embora sem comprometimento do resultado final; c) inocorrência, em dez dias a contar da emissão do respectivo CNPJ, da abertura de conta bancária por onde transitassem os recursos para a campanha eleitoral; d) detecção de impropriedades que, todavia, não impediram o efetivo exame contábil e financeiro dos gastos havidos durante a campanha. 5) E, em um caso concreto e específico, a) ou pode ser detectada apenas uma dessas situações, que constitua uma irregularidade, mas não impeça a aprovação; b) ou, então, podem ser encontradas duas ou mais delas, com idêntico resultado final. 6) Se encontrada apenas uma dessas irregularidades, as contas serão aprovadas com ressalva; se, porém, mais de uma dessas irregularidades for detectada, então as contas serão aprovadas, mas com ressalvas. Vale dizer: para cada irregularidade se atribuirá uma ressalva.
quarta-feira, 30 de março de 2016

Músico e Música?

quarta-feira, 23 de março de 2016

Amanhã voltamos ou Amanhã voltaremos?

1) Um leitor faz as seguintes considerações: a) quanto ao emprego do presente do indicativo em lugar do futuro do presente, entende ser correto dizer "Voltamos após os comerciais", por se tratar de continuidade do ato; b) mas acredita ser errada a frase "Voltamos amanhã"; c) e reputa, ainda, muito pior e equivocado dizer "Voltamos na próxima semana". Indaga, por fim, o que é correto em tais casos. 2) Ora, a primeira regra sobre o uso do presente do indicativo é aquela segundo a qual esse tempo denota uma declaração que pode ser de três tipos: a) ou se verifica no momento em que se fala ("Ocorre-me, neste exato momento, uma ideia interessante"); b) ou acontece habitualmente ("A Terra gira em torno do Sol"); c) ou representa uma verdade universal ("O homem é mortal"). 3) Todavia, a par dessas possibilidades usuais, além de outras excepcionais não especificadas, o certo é que também se emprega o presente do indicativo em lugar do futuro do presente do indicativo, como no seguinte exemplo: "Amanhã eu vou à cidade".1 4) Embora alguns autores falem na permissão de uso do presente apenas "para indicar um futuro próximo", como em "Subo hoje e volto na segunda-feira"2, o certo é que eles acabam sendo contrariados na prática, muitas vezes, por citações de autores célebres do idioma, que eles próprios invocam. 5) É o que se dá, por exemplo, com Celso Cunha, que fala em emprego do presente do indicativo "para marcar um fato futuro, mas próximo", porém traz em abono uma frase de Machado de Assis que lhe contraria, na íntegra, o ensino: "Vou arranjar as malas, e amanhã embarco para a Europa; vou a Roma, depois sigo imediatamente para a China".3 6) Diante dessas considerações, assim se responde ao leitor: a) o presente do indicativo pode, sim, ser empregado em lugar do futuro do presente; b) muito embora alguns gramáticos queiram restringir esse uso aos casos em que se está diante de um futuro próximo, a escrita dos melhores escritores demonstra que essa limitação efetivamente não existe; c) assim, de modo prático e concreto, os exemplos arrolados pelo leitor estão todos corretos d) não parece haver erro até mesmo em um exemplo ainda mais radical: "Ainda nos encontramos na eternidade". (i) "Voltamos após os comerciais", ii) "Voltamos amanhã" e iii) "Voltamos na próxima segunda-feira"); d) não parece haver erro até mesmo em um exemplo ainda mais radical: "Ainda nos encontramos na eternidade". ________________ 1 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 273-274.2 MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970, p. 283. 3 CUNHA, Celso. Gramática Moderna. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970, 2. ed., p. 218.
quarta-feira, 16 de março de 2016

Entrar na Justiça - É correto?

1) Um leitor pergunta se é correta a expressão entrar na Justiça, ou se o adequado é provocar o Judiciário. 2) Ora, apesar de tão maltratada em nossos dias na fala e na escrita, mesmo assim é inquestionável que nossa língua dispõe de grande riqueza tanto na extensão do léxico como nas formas de estruturação sintática. Lembrando conhecido verso de Olavo Bilac, a maioria esmagadora dos usuários continua sendo inculta, mas a língua continua sendo bela. 3) Nesse quadro, com a atenção voltada à indagação do leitor, diversos são os verbos e expressões que podem indicar o início da atuação de alguém em busca da prestação jurisdicional: entrar com ação, ingressar com medida, ajuizar demanda, provocar... 4) E também múltiplas são as opções para identificar o destinatário estatal desse pleito: Juízo, Justiça, Poder Judiciário... 5) Desse modo, não importando se uma das formas pode ser um pouco mais técnica do que a outra, o certo é que qualquer associação que se faça em todo esse conjunto será bem recebida para indicar essa incoação da relação processual: a) "Entrar com ação em Juízo"; b) "Entrar com ação na Justiça"; c) "Entrar com ação no Poder Judiciário"; d) "Ingressar com medida em Juízo"; e) "Ingressar com medida na Justiça"; f) "Ingressar com medida no Poder Judiciário"; g) "Ajuizar demanda na Justiça"; h) "Ajuizar demanda no Poder Judiciário"; i) "Provocar o Juízo"; j) "Provocar a Justiça"; k) "Provocar o Poder Judiciário"...
quarta-feira, 9 de março de 2016

Com ressalva ou Com ressalvas?

1) Uma leitora, que trabalha como revisora de português no TSE, indaga qual é a forma correta para os processos de prestação de contas em eleições: aprovação com ressalva ou aprovação com ressalvas? 2) Ora, uma prestação de constas de um candidato em eleições pode ter um de três resultados: a) ser aprovada; b) ser rejeitada; c) ser aprovada com ressalva. 3) No que concerne à última possibilidade, a ressalva significa que a aprovação ocorreu, mas ficou uma observação que evidencia a existência de alguma irregularidade, embora esta não tenha sido reputada capaz de inviabilizar a aprovação. 4) Imagine-se, por hipótese, um rol não exaustivo de irregularidades que podem ser encontradas em uma prestação de contas: a) um pequeno atraso na apresentação final delas; b) omissão de prestação parcial, embora sem comprometimento do resultado final; c) inocorrência, em dez dias a contar da emissão do respectivo CNPJ, da abertura de conta bancária por onde transitassem os recursos para a campanha eleitoral; d) detecção de impropriedades que, todavia, não impediram o efetivo exame contábil e financeiro dos gastos havidos durante a campanha. 5) E, em um caso concreto e específico, a) ou pode ser detectada apenas uma dessas situações, que constitua uma irregularidade, mas não impeça a aprovação; b) ou, então, podem ser encontradas duas ou mais delas, com idêntico resultado final. 6) Se encontrada apenas uma dessas irregularidades, as contas serão aprovadas com ressalva; se, porém, mais de uma dessas irregularidades for detectada, então as contas serão aprovadas, mas com ressalvas. Vale dizer: para cada irregularidade se atribuirá uma ressalva.
quarta-feira, 2 de março de 2016

Nunca jamais - Está correto?

1) Trata-se de expressão enfática, de sentido evidentemente negativo, a qual, sinônima de jamais nunca, apesar da duplicidade e repetição de significado, é aprovada pelos gramáticos e encontrada com frequência nos melhores escritores: Bernardes, Vieira, Camilo Castelo Branco, Castilho, Machado de Assis e Rui Barbosa. Exs.: a) "Nunca jamais houve defensor da liberdade como este"; b) "Jamais nunca houve defensor da liberdade como este". 2) Eduardo Carlos Pereira vê em tal expressão "uma negativa reforçada ou intensiva ainda vigente". 3) Aires da Mata Machado Filho coleciona, nos melhores autores, variadas formas similares de dupla negativa: "nunca por nunca" (Camilo Castelo Branco), "nunca em tempo algum" (idem), "nunca dos nuncas" (Gil Vicente), "nem tu não hás de vir" (idem). 4) Como se viu, costuma também aparecer na forma invertida jamais nunca. 5) Cândido de Figueiredo, para quem tal expressão é um advérbio composto, de emprego normal, traz a corroboração de exemplo do Padre Manuel Bernardes:"Nunca jamais me glorie em coisa alguma...". 6) Mesmo sem comentários específicos, José de Sá Nunes acata o emprego dessa expressão, como se verifica na seguinte passagem de sua própria lavra: "Esta é que é a sintaxe que me parece mais segura, porque desde Morais até Figueiredo o vocábulo 'mister' nunca jamais deixou de ter o significado de 'necessidade', 'precisão', 'urgência'...". 7) Heráclito Graça  defende a correção de tal sintaxe e anota que a empregaram Frei Luís de Sousa, Padre Antônio Vieira e Antônio Feliciano de Castilho. 8) Justificando o emprego optativo de nunca jamais e de jamais nunca, Carlos Góis leciona que, "quando um advérbio vem modificado por outro, pode ocorrer, mui raramente, a colocação indiferente de um em relação a outro: ... Nunca jamais me apareças; ou Não me apareças jamais nunca...". 9) Nos dizeres de Domingos Paschoal Cegalla, "não é redundância censurável, mas uma negativa enfática, frequente em escritores clássicos". 10) Para Luís A. P. Vitória, trata-se de "expressão pleonástica justificada pela ênfase". 11) Ante a uniforme aceitação por parte dos gramáticos, vê-se que está plenamente autorizado o emprego de tal expressão nos textos que devam submeter-se as regras da norma culta.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Usufruir os bens ou Usufruir dos bens?

1) Com o significado de fruir pelo uso, de tirar utilidades pelo uso, Francisco Fernandes, no que concerne à regência verbal, admite a possibilidade de construção do verbo usufruir com objeto direto (que pode aparecer como sujeito na voz passiva). Ex.: "Nem companheiro de casa era dos amigos de Otaviano e estava no direito de usufruir sua opulência literária" (Porto Carreiro). 2) Nesse mesmo sentido, com especificidade para o campo do Direito, Adalberto J. Kaspary ensina com propriedade: "embora seja registrada por alguns gramáticos e dicionaristas, não encontramos nos textos de lei pesquisados, exemplos da regência usufruir de". 3) Lembrando, todavia, lição de Cândido Jucá Filho, Celso Pedro Luft observa a possibilidade facultativa de seu emprego com objeto indireto introduzido pela preposição de. Ex.: "Usufruiu dos rendimentos". 4) Domingos Paschoal Cegalla, por seu lado, pondera que "a regência indireta, usufruir de alguma coisa, embora censurada por alguns gramáticos, mas registrada em dicionários modernos, vem se impondo na língua de hoje: 'Usufruímos dos benefícios da civilização'". 5) Nos textos de lei pesquisados, foram encontrados, por um lado, exemplos de sintaxe com objeto direto. Exs.: a) "O usufrutuário pode usufruir ... o prédio..." (CC/1916, art. 724); b) "O usufrutuário de ações ou de partes sociais tem direito: ... c) a usufruir os valores que, no ato de liquidação da sociedade ou da quota, caibam à parte social sobre que incide o usufruto" (CC português, art. 1.467º, 1, c). 6) Também foi encontrado um exemplo de sintaxe com emprego da preposição de no art. 29, § 2º, da Lei 5.764, de 16/1/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. Em tal dispositivo, registra-se que, para acudir às despesas da sociedade, a cooperativa pode ou proceder a rateio diretamente proporcional à fruição dos serviços (art. 80, caput), ou estabelecer rateio igual das despesas gerais da sociedade entre todos os associados, "quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela prestados" (art. 80, I). 7) Em resumo, quanto à regência verbal, embora divirjam os gramáticos sobre as possibilidades de construção para o complemento desse verbo, o melhor parece ser adotar a maior abrangência da discussão e acatar ambas as possibilidades aventadas pelos estudiosos: a) "Ele usufruíra os benefícios da civilização" (transitivo direto); b) "Ele usufruíra dos benefícios da civilização" (transitivo indireto).
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Anos vinte ou Anos vintes?

1) Josué Machado anota que, na substantivação, não há motivo para abandonar os numerais sem flexão para o plural. Exs.: a) "As eleições dos anos noventas serão diferentes com as urnas eletrônicas"; b) "Os ladrões do Congresso transformavam cincos em cinquentas"; c) "Os noves do baralho foram marcados". 2) Excepciona tal autor, porém, que "só não se flexionam em número os numerais cardinais terminados em s (dois, três, seis, dezesseis), em z (dez) e mil"; não é, todavia, por exceção, que não se flexionam tais palavras em número, mas que, por exemplo, ao menos as primeiras, à semelhança de outros substantivos terminados por s, como pires e ônibus, têm a mesma forma no singular e no plural. 3) De Vitório Bergo também é a lição de que as palavras substantivadas seguem geralmente as regras normais de flexão para o plural, segundo a sua terminação, como é o caso de os noves. 4) Para Domingos Paschoal Cegalla, por um lado, "numerais substantivados terminados por fonema vocálico formam o plural como os substantivos: dois uns, quatro setes, prova dos noves fora, dois cens"; por outro lado, ficam invariáveis os que finalizam por fonema consonantal: "No teste, João tirou quatro seis e dois dez". 5) Bem por isso, de modo específico para o caso, há de se dizer anos vintes, e não anos vinte, como tem sido de corriqueira audiência. 6) É bastante comum encontrar equívocos dessa natureza em textos jurídicos e forenses, como se pode comprovar pelo seguinte excerto de aresto de um de nossos tribunais superiores: "A Constituição republicana dos oitenta deu um novo passo no que concerne à organização familiar". Corrija-se: "A Constituição republicana dos oitentas deu um novo passo no que concerne à organização familiar".    
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Acordo Ortográfico - Como citar leis antigas?

1) Um leitor indaga como deve citar leis antigas, agora que o Acordo Ortográfico está em vigor de modo integral e exclusivo: pela grafia da época em que foram editadas ou pelas novas diretrizes? 2) Fixe-se, como premissa, que, a contar de 1/01/16, somente passou a ser correto escrever pelas regras determinadas pelo Acordo Ortográfico de 2008. 3) E a dúvida do leitor diz respeito a saber como deve proceder para a citação de leis antigas, que foram editadas quando o sistema ortográfico era diverso daquele que vige na atualidade. 4) Ora, Luís Vaz de Camões escreveu, no original, os primeiros versos de Os Lusíadas do seguinte modo: "As armas & os barões assinalados, / Que da Occidental praya Lusitana..." Mas o sistema ortográfico atual determina que se escreva do seguinte modo: "As armas e os barões assinalados, / Que da ocidental praia lusitana..." E é desse modo que os versos são hoje citados e que a referida obra é hoje publicada. 5) De mesmo modo se deve proceder com relação às leis, cuja grafia deve seguir os padrões ortográficos atuais, quando diversos forem os da época de sua edição. 6) Para ilustração, vejam-se alguns trechos do Código Comercial de 1850 em sua grafia original: a) "Podem commerciar no Brasil..." (art. 1º, caput); b) "São prohibidos de commerciar..." (art. 2º, caput); c) "Na prohibição do artigo antecedente não se comprehende a faculdade de dar dinheiro a juro ou a premio, com tanto que as pessoas nelle mencionadas não fação do exercicio desta faculdade profissão habitual de commercio; nem a de ser accionista em qualquer companhia mercantil, huma vez que não tomem parte na gerencia administrativa da mesma companhia" (art. 3º). 7) E se atente à grafia atual, que deve ser observada nas citações dos mesmos dispositivos nos dias de hoje: a) "Podem comerciar no Brasil..." (art. 1º, caput); b) "São proibidos de comerciar..." (art. 2º, caput); c) "Na proibição do artigo antecedente não se compreende a faculdade de dar dinheiro a juro ou a prêmio, contanto que as pessoas nele mencionadas não façam do exercício desta faculdade profissão habitual de comércio; nem a de ser acionista em qualquer companhia mercantil, uma vez que não tomem parte na gerência administrativa da mesma companhia" (art. 3º). 8) Sintetiza-se, por fim, de modo específico para a indagação do leitor: as leis antigas devem ser hoje citadas pela forma constante das diretrizes ortográficas atualmente em vigor, e não pela grafia da época em que foram editadas.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Acordo Ortográfico - Quando entra em vigor?

1) Uma leitora indaga, de modo bastante simples e direto, quando entram em vigor as regras introduzidas na escrita do português pelo novo Acordo Ortográfico. Ou seja: quando passa a ser obrigatório escrever apenas pelas novas diretrizes. 2) Ora, depois de muitos estudos e discussões, em 12/10/90, em Lisboa, foram aprovadas as bases para um acordo ortográfico entre os países lusófonos (que falam o português), a saber, Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Contou-se também com a adesão dos observadores de Galiza. Timor Leste ainda não era um país independente. 3) Pelo próprio documento de acordo, firmado em 16/10/90, incumbia aos países signatários a responsabilidade de adotarem as medidas necessárias para a efetiva entrada em vigor das regras respectivas nos correspondentes ordenamentos jurídicos. 4) No Brasil, tal se deu por via dos Decretos 6.583, 6.584 e 6.585, todos de 29/9/08, e por eles: a) o Acordo Ortográfico produziria efeitos em nosso País a partir de 1º/1/09; b) seria observado um período de transição entre 1º/9/09 e 31/12/12; c) nesse interregno, coexistiriam, ambas com validade, a norma ortográfica antiga e a nova norma estabelecida; d) a contar de 1º/1/13, a escrita haveria de obedecer somente à nova norma estabelecida. 5) Antes, porém, de findar-se o prazo acima referido, foi editado o decreto 7.875, em 27/12/12, que alargou para 31/12/15 o período de transição entre os regimes ortográficos, de modo que, durante esse novo tempo, coexistiriam a norma ortográfica antiga e a nova norma estabelecida. 6) Como, antes de findar-se o prazo por último concedido, não houve nova dilação, conclui-se, de modo óbvio e forçoso, que, por expressa previsão da norma por último editada, a partir de 1/1/16, somente passou a ser correto escrever pela nova norma estabelecida. 7) Com essas considerações como premissas, passa-se a responder, de modo objetivo, à indagação da leitora: a) até 31/12/08, somente era correto escrever pelas normas anteriormente vigentes; b) entre 1/1/09 e 31/12/15, era correto escrever tanto pelas normas antigas como pelas novas determinações; c) a contar de 1/1/16, contudo, somente passou a ser correto escrever pelas regras ditadas pelo Acordo Ortográfico. 8) Em síntese e reiteração o Acordo Ortográfico: a) foi aprovado entre os países lusófonos por acordo firmado em 16/10/90, b) ingressou no ordenamento jurídico pátrio em 29/9/08, c) teve vigência concomitante com o sistema antigo entre 1/1/09 e 31/12/15 e d) passou a viger com exclusividade a contar de 1/1/16.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A teor de - Existe?

1) Não registram os gramáticos e dicionaristas a possibilidade de emprego vernáculo da expressão a teor de com o significado de conjunção conformativa. 2) Deve ela ser substituída, em tais casos, por como, conforme, consoante, nos termos de, de conformidade com... 3) Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, com a indicação de sua correção ou erronia: a) "A extinção do processo sem julgamento do mérito é a solução adequada para o caso, a teor do art. 267 do Código de Processo Civil" (errado); b) "A extinção do processo sem julgamento do mérito é a solução adequada para o caso, de conformidade com o art. 267 do Código de Processo Civil" (correto). 4) Geraldo Amaral Arruda assevera não conhecer justificativa alguma para essa locução, que não lhe parece vernácula, nem é encontrada em nenhum bom escritor, devendo ter sido criada, segundo ele, "à maneira da condenada expressão a nível de, fora da língua portuguesa". 5) Em anotações pessoais, fotocopiadas e entregues a novos juízes, quando de uma de suas palestras, o mesmo desembargador e gramático refere que "com frequência tem aparecido a locução a teor de, com força de conjunção conformativa. Melhor substituí-la por como, conforme, consoante, nos termos de, de conformidade com, etc." 6) Reitera tal autor que "essa locução se assemelha à também reprovada locução a nível de, que também não se ajusta à sintaxe portuguesa. Nunca encontrei a locução a teor de em texto de bom autor vernáculo, mas li em textos espanhóis a tenor de". 7) Não foi encontrado exemplo algum de seu emprego quando consultados os dez mais importantes códigos e compêndios da legislação pátria.
quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sob o fundamento

1) Trata-se de expressão defeituosa, porquanto, como lembra Vitório Bergo, "qualquer cousa se levanta sobre o fundamento",1 e não sob o fundamento. 2) Nesse cochilo, entretanto, incidem usuários de vulto do idioma, como Laudelino Freire, o qual assevera que "a locução conjuntiva enquanto que (enquanto, ao passo que, se bem que) é hoje de uso na linguagem de grandes escritores, cuja autoridade afasta o que contra ela alguns gramáticos sentenciam, sob o fundamento, meramente aparente, de ser ou parecer tradução da expressão francesa tandis que".2 3) Em verdade, ante o próprio significado da expressão, cujo conteúdo semântico não quer realçar a idéia de sujeição, mas de alicerce sobre o qual alguma coisa se ergue, é que não parece assistir razão ao ensino de Napoleão Mendes de Almeida, quando assevera que "essa idéia de sujeição é que explica 'sob palavra', 'sob o fundamento de'".3 4) Quando se diz sob condição, sob pena de morte ou mesmo sob palavra, reside claramente em tais expressões a idéia de sujeição ou mesmo de subordinação. Quando se fala em fundamento, todavia, não há idéia alguma de sujeição ou de subordinação, mas de base, sobre a qual (e não sob a qual) se erige um pensamento ou raciocínio. __________ 1Cf. BERGO, Vitório. Erros e Dúvidas de Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1944. vol. II, p. 218.2Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 3. ed., sem data. p. 42-44.3Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981, p. 301.
quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Negro - é pejorativo e racista?

1) Um leitor quer saber alguns aspectos centrados na palavra negro: a) sua gênese; b) se, na origem, é referência à cor das pessoas ou à ausência de luz; c) se denegrir tem conotação racista e se é referência, já há mais de 2.000 anos, aos negros. 2) Observe-se, num primeiro aspecto, que, nos idiomas em geral, os nomes ou apelidos pelos quais as pessoas passam a ser conhecidas originam-se às vezes de suas características físicas, e isso não necessariamente com intento de zombaria ou depreciação, mas como facilitação para seu reconhecimento e identificação. Assim, Laura significa loura, Flávio também quer dizer loiro, e Nívea é aquela da cor da neve. Cláudio, em latim, quer dizer manco (daí o verbo claudicar na etimologia, hoje com o significado de tropeçar), e esse não era o nome do imperador romano, que assim ficou conhecido, porque tinha um defeito na perna. De igual modo, Paulo não era nome, mas significava, apenas e tão somente, pequeno. O apóstolo, de nome Saulo, bem possivelmente, recebeu esse apelido em razão de sua estatura. E Cícero também não era o nome nem o sobrenome de Marco Túlio, mas significa grão-de-bico e tinha sido dado como apelido a um antepassado seu, em razão de uma verruga no nariz, semelhante ao mencionado vegetal. Ao entrar na vida pública, sugeriram a Marco Túlio que se abstivesse de usá-lo. Ele se negou, e foi com ele que se celebrizou para a posteridade. 3) Feita essa observação, acrescenta-se, quanto ao vocábulo negro, de existência multissecular no latim e nas línguas dele oriundas, que sempre serviu, desde a origem, para indicar a coloração escura dos objetos e sempre possuiu diversos cognatos, ou seja, palavras do mesmo radical: niger (adjetivo que significa negro, preto ou escuro), nigrescere e nigrare (verbos que têm o sentido de tornar negro ou escurecer), nigricolor, nigritia e nigritudo (de cor preta, negror e negritude). 4) E, das coisas, a aplicação de seu sentido passou também para as pessoas, a fim de que, por meio de nomes próprios, estas pudessem ter neles a caracterização desse aspecto físico da tez de sua pele mais escura ou mesmo negra: Nigel, nome muito usado em inglês, significa negro ou escuro; Nigella, nome de chef famosa, como diminutivo feminino que é, quer dizer negrinha ou escurinha; Nigro, sobrenome de tantas famílias italianas, tem o mesmo significado; e o livro de Atos dos Apóstolos menciona que, na igreja de Antioquia, havia uma pessoa chamada "Simeão cognominado Níger" (At 13:1). Será difícil, em qualquer critério de hermenêutica, entender que a Bíblia quisesse dar conotação racista à referência do apelido aqui mencionado. 5) Ainda como real apelido, nas décadas de sessenta e setenta do século passado, falava-se que, na noite anterior, o Santos ganhara mais um jogo, e o Negrão havia feito dois gols. Todos sabiam que o termo se referia ao maior jogador de futebol de todos os tempos. E todos também sabiam que o termo era falado com orgulho e como sinal de distinção entre todos os demais, mesmo pelos torcedores dos times adversários, sem conotação de xingamento, depreciação ou racismo. E também não parece haver alguém que veja alguma conotação de xingamento, ironia ou diminuição, quando se fala em Dia da Consciência Negra. 6) Por outro lado, pela observação da natureza, verifica-se que a um dia claro, de sol brilhante, contrapõe-se uma noite escura, ou nuvens carregadas, ou um mar tempestuoso e plúmbeo. E todas essas são situações de características físicas advenientes da coloração, que fazem com que se diga noite negra, ou nuvens negras, ou mar negro. Ou seja: mera oposição de circunstâncias físicas, e só há de ver racismo nesse modo de falar quem esteja predisposto a tanto. 7) Além disso, no sentido figurado, a uma situação límpida e clara, em que os elementos de raciocínio podem ser entrevistos de modo bastante preciso e cristalino, contrapõe-se um outro quadro de confusão, em que não se podem distinguir as ideias, nem direcionar o modo de pensar. Na primeira situação, diz-se que o raciocínio é claro, enquanto na segunda, que tudo está escuro. Tão difícil como encontrar um outro modo de expressar com tanta felicidade o que se quer dizer numa situação como essa é acreditar que essa última forma de concluir seja depreciativa e racista. 8) Mas não é só. Se alguém difama outrem, costuma-se dizer que denegriu sua honra. É que uma mancha ou nódoa traz ínsita em si a ideia de parte que indevidamente se põe em coloração diferente do restante. Nessa acepção é que se diz mancha de sangue, mancha da pele, ou mesmo mancha branca em superfície escura. E, assim, em sentido figurado, quando se diz que alguém denigre a honra de outrem, o que se quer significar é que a limpidez da honra de alguém recebeu uma mácula, uma nódoa, uma mancha, decorrente da ação do ofensor. E, para que a coloração dessa mancha tenha sentido no contexto de uma honra límpida, clara e cristalina, deve trazer em si a ideia de algo escuro em relação à cor original. Por isso se emprega o verbo denegrir. Querer, todavia, mais uma vez, entrever conotação racista ou pejorativa no emprego desse verbo, na situação referida, é ir longe demais nesse assunto. 9) Diante dessas considerações, parece importante anotar que o racismo e a depreciação não residem necessariamente nas palavras, mas na mente e no coração das pessoas. Existe até mesmo uma figura de linguagem denominada ironia, segundo a qual o usuário do idioma diz em suas palavras uma coisa, mas o sentido que lhes quer conferir é exatamente o contrário, com intenção depreciativa ou sarcástica. É isso o que ocorre, por exemplo, quando se diz "Que alunos preparados!", quando se quer significar exatamente que não sabem nem somar. 10) Ora, é conhecido o provérbio que diz que o mesmo sol que amolece a cera endurece o barro. Aplicado ao caso vertente, isso quer significar que as mesmas palavras, se na boca de quem quer a paz e a concórdia ou se na de quem busca a desarmonia e a desavença, geram efeitos opostos. Para os primeiros, de um modo geral, não há grande necessidade de escolha dos vocábulos a serem ditos ou escritos, porque o que disserem virá regado com o azeite da verdade e da boa-fé. Para os últimos, de nada servirá determinar-lhes o que deva ser dito ou escrito, nem haverá politicamente correto que solucione ou remedeie a situação, pois o fel da má-fé e da mentira sempre há de se fazer presente em suas falas. E, por último, mas não menos importante, explicita-se que, infelizmente, há pessoas de ambas as modalidades referidas tanto entre os falantes como entre os ouvintes do idioma. 11) Respondendo, em síntese, ao leitor: a) na origem, o vocábulo negro e seus cognatos, nos diversos idiomas, sempre serviram para designar a coloração das coisas e das pessoas; b) da cor dos objetos e da pele das pessoas, passaram a integrar seus próprios nomes ou cognomes; c) as situações climáticas também passaram a sofrer os efeitos dessa maneira de ver, como, por exemplo, a contraposição entre a clareza do dia ensolarado e o negror da noite, das nuvens carregadas e do mar tempestuoso; d) do aspecto físico, passou-se, ao depois, também, ao aspecto figurado, vindo a ocorrer, então, algo como um raciocínio claro ou um raciocínio obscuro; e) ainda no plano figurado, em raciocínio até mais apurado, pela similitude com a existência de uma mancha, passou-se a empregar expressões indicativas dessa contraposição em aspectos morais, como em denegrir a honra de alguém; f) em qualquer desses empregos, contudo, não se pode ver, na origem e na maneira objetiva de falar ou escrever, a existência de uma necessária conotação de natureza irônica, depreciativa, pejorativa ou racista, que está, muitas vezes, mais na subjetividade do usuário do idioma ou do ouvinte, do que na objetividade dos vocábulos; g) vedar o emprego de termos como negro ou preto, para designar a raça ou a coloração das pessoas, ou mesmo fixar que algo é o politicamente correto ou incorreto não resolve nem remedeia a situação, até porque, na boca ou no ouvido do maldoso, os melhores termos podem ser distorcidos.
quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Coisíssima - Está correto?

1) É comum ouvir-se tal palavra, sobretudo na expressão coisíssima nenhuma; mas tal emprego é tecnicamente equivocado. 2) O superlativo absoluto sintético, em realidade, é grau privativo de adjetivos (que encerram a ideia de qualidade), jamais de substantivos (palavras que dão nomes aos seres); e coisa é sabidamente um substantivo, não podendo, por conseguinte, sofrer tal variação em grau (não se diz, por exemplo, sapatíssimo, camisíssima ou calcíssima). 3) Nessa esteira, lembrando que "só os adjetivos qualificativos, em rigor, admitem graus de significação" - e mesmo assim nem todos - Eduardo Carlos Pereira observa que "no estilo familiar comunica-se muitas vezes a energia à expressão, dando-se esta forma superlativa a certos adjetivos determinativos e, até, a certos substantivos: muitíssimo, mesmíssimo, pouquíssimo, coisíssima nenhuma".4) Apesar da concessão do ilustre gramático, todavia, é de se ver que ela, mesmo assim, dá-se apenas no estilo familiar, de modo que prevalece a regra inicial para a norma culta, que é o veículo normal de comunicação a ser observado nos meios jurídicos e forenses. 5) Apesar dessas considerações técnicas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que é órgão oficial para definir quais vocábulos integram nosso léxico, fez constar tal vocábulo em seus registros.6) E, em termos oficiais, legem habemus, razão pela qual está autorizado o uso do mencionado vocábulo, sobretudo na expressão coisíssima nenhuma: tal autorização legal, todavia, não significa que o mencionado vocábulo deva ser usado na linguagem formal.    
quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Interpretação literal - Tem importância?

1) Um leitor traz para apreciação e adequada compreensão o art. 5º da Lei 8.032, de 1990: "O regime aduaneiro especial de que trata o inciso II do art. 78 do Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, com recursos captados no exterior". 2) E centraliza o teor de sua dúvida: o trecho "contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional" refere-se à "importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes" ou à "fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional"? 3) E observa, por fim, que "a distinção é relevantíssima, pois a norma só admite o benefício se houver financiamento internacional, e o financiamento da importação é bem menor do que o financiamento da fabricação para fornecimento no mercado interno". 4) Ora, verificada a circunstância de que o legislador aqui, mais uma vez, seguindo a tradição de redigir mal, escolheu um modo longo e confuso para elaborar um dispositivo de lei, anota-se que um importante segredo para a compreensão de textos extensos é ater-se o leitor, num primeiro momento, aos núcleos das funções sintáticas, com a consequente eliminação, numa análise inicial, de tudo o que não é estritamente essencial. 5) Com essa postura, a primeira oração fica com a seguinte redação: "O regime aduaneiro especial ... poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes..." 6) Seguindo esse critério, simplifica-se a segunda oração: "... destinados [entendendo-se 'que se destinem', ou mesmo 'desde que se destinem'] à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos..." 7) E se identifica a terceira oração, a indicar a finalidade do que anteriormente se afirmou: "... a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional..." 8) Nesse quadro, fixa-se a análise na terceira oração, a qual, pelo encadeamento de sentido e de sintaxe, como um todo, deve ser entendida em referência a seu antecedente mais próximo, "máquinas e equipamentos" (que vierem a ser fabricados no País): "... a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional..." 9) Sobre essa terceira oração, podem-se especificar as seguintes observações: a) essa oração inteira se refere a seu antecedente "máquinas e equipamentos" (que vierem a ser fabricados no País); b) erige-se ela como uma oração subordinada adverbial final, indicando, desse modo, uma finalidade para o que se afirmou na oração imediatamente anterior; c) seus diversos segmentos sintáticos, assim, devem ser entendidos, de modo prioritário, como referentes aos elementos mais próximos e internamente à oração de que fazem parte, e não a outras orações do período; d) isso quer significar que a prioridade de compreensão da referência deve dar-se para o antecedente "máquinas e equipamentos" (que vierem a ser fabricados no País); e) com essas considerações como premissas, pode-se afirmar, num primeiro momento, que, nessa oração, fala-se de uma finalidade para as máquinas e equipamentos fabricados no País; f) em continuação, quer-se dizer que tais máquinas e equipamentos fabricados no País devem ser fornecidos no mercado interno; g) ao depois, está-se tratando das máquinas e equipamentos fabricados no País, que venham a ser fornecidos no mercado interno, mas que tal fornecimento decorra de licitação internacional; h) e, ainda, nessa lista de requisitos e circunstâncias, acrescenta-se que essas máquinas e equipamentos que vierem a ser fabricados no País, devem ser fornecidos no mercado interno, mas em decorrência de licitação internacional; i) além disso, essa fabricação e esse fornecimento de máquinas e equipamentos devem provir de financiamento concedido por instituição financeira internacional; j) por fim, para aplicação do quanto previsto na lei, deve haver a previsão de pagamento em moeda conversível. 10) Com essas considerações e atentando, então, ao caso da indagação do leitor, o mais adequado parece ser concluir que o trecho "contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional" refere-se à "fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional", e não ao distante circunlóquio "importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes". 11) Importa acrescentar que essas ilações se harmonizam na íntegra com a determinação constante no art. 111 do Código Tributário Nacional, o qual determina que se deve conferir interpretação literal às normas de isenção. 12) Acresce concluir que é frequente, nos meios jurídicos, o menosprezo pela interpretação literal, a pretexto de ser ela mesquinha ou meramente gramatical. Em realidade, o que se tem a dizer é que os demais métodos de interpretação é que não têm como prescindir da letra da lei e de sua análise. Não há como interpretar uma lei sem a compreensão em minúcias de seu texto. E, partindo desse princípio, tange às raias do absurdo a postura de algumas correntes jurídicas de exegese, as quais afirmam que, em si, o texto normativo não tem sentido algum, e, assim, para elas, interpretar seria conferir ou atribuir um sentido à letra. Ora, considerada em profundidade a assertiva de não haver sentido algum na letra da lei em si, perfeitamente possível seria concluir pela inexistência de diferença entre um texto normativo e uma receita de bolo ou bula de remédio.
quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Privilégio ou Previlégio?

1) Comumente, privilégio significa a vantagem que se concede a alguém em detrimento de outros. Ex.: "Por força do art. 100, I, do Código de Processo Civil, a mulher goza do privilégio de ser autora ou ré no foro de sua residência quanto às ações de separação judicial, divórcio e anulação de casamento". 2) Observe-se que se deve escrever com i a sílaba inicial, sendo errônea a forma previlégio ou mesmo o verbo previlegiar, tudo como registra o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, entidade oficialmente incumbida de listar os vocábulos existentes em nosso idioma, bem como sua correta grafia. 3) A frequência do erro fez Arnaldo Niskier anotá-lo em obra de profundo senso prático, acompanhado pela devida correção. 4) Veja-se seu emprego em alguns dispositivos de lei: a) "A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores" (CC, art. 349); b) "O crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de privilégio geral, no caso de falência ou insolvência do comitente" (CC, art. 707); c) "Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais" (CC, art. 958); d) "O privilégio especial só compreende os bens sujeitos, por expressa disposição de lei, ao pagamento do crédito que ele favorece; e o geral, todos os bens não sujeitos a crédito real nem a privilégio especial" (CC, art. 963).    
quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Há - havia

1) Existem, em português, normas de correlação, de correspondência temporal ou, ainda, de consecução dos tempos verbais (em latim, com regras mais rígidas, "consecutio temporum"), determinadoras de harmonização quanto ao uso das formas dos verbos. 2) Por essas normas é que, na prática, assim se redigem os seguintes exemplos: a) "Se é clara, a lei dispensa interpretação"; b) "Se for clara, a lei dispensará interpretação"; c) "Se fosse clara, a lei dispensaria interpretação". 3) Com o verbo haver, a situação não é diferente, de modo que, se, com o verbo fazer, se diz "A lei vigorava fazia anos" (e não "A lei vigorava faz anos"), o correto, com o verbo haver, também é "A lei vigorava havia anos" (e não "A lei vigorava há anos"). 4) Precisa, nesse ponto, é a lição de Vasco Botelho do Amaral: "Modernamente, contra a índole da língua dos melhores escritores, com frequência se perde de vista o paralelismo das formas verbais, e redige-se: "Há dias que se trabalhava". Evite-se essa construção".1 5) Júlio Nogueira também lembra que, com o verbo haver, "se a relação de tempo é no passado, o verbo deve ir também para tempo passado: 'Ele chegara havia dez minutos' (e não: 'há dez minutos')".2 6) Vê-se, assim, que equivocado é o emprego do verbo haver na frase "morava há 40 anos", a qual deve ser corrigida para "morava havia 40 anos".___________ 1 Apud ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 133. 2 Cf. NOGUEIRA, Júlio. Programa de Português. 3. série secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p. 190.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Alerta - Existe no plural?

1) Tradicionalmente se tem considerado alerta apenas um advérbio e, assim, tem-se preconizado seu emprego invariável. Ex.: "Estamos todos alerta". 2) Reforçando esse ensino, observa Evanildo Bechara que "há uma tendência para se usar deste vocábulo como adjetivo, mas a língua padrão recomenda se evite tal prática". 3) Assim também é a lição de Luiz Antônio Sacconi: "fica invariável, porque não é adjetivo, mas advérbio", muito embora anote tal autor, na língua popular, "uma forte inclinação para a flexão da palavra". 4) E Luís A. P. Vitória: "Quando alerta for advérbio, manter-se-á invariável: 'As sentinelas mantinham-se alerta' (e não alertas)". 5) Reiterando a lição de que "não tem cabimento a flexão alertas", apenas excepcionando tal possibilidade quanto se trata de substantivo - "soaram dois alertas" - Sousa e Silva colheu exemplo de erronia em um vespertino: "Os observatórios de todo o mundo estão alertas, e os canhões telescópicos, apontados contra o infinito, aguardam a noite". 6) Repetindo esse ensino tradicional da Gramática, observam José de Nicola e Ernani Terra , por um lado, que "alerta é advérbio, portanto não deve variar"; por outro lado, atestando o que vem ocorrendo na linguagem coloquial, com os efeitos sendo espraiados para a própria linguagem literária, acrescentam que é "comum, no entanto, mesmo em bons autores, encontrar o emprego dessa palavra como adjetivo, variando, portanto". 7) E Domingos Paschoal Cegalla anota que "na língua de hoje é mais empregado como adjetivo, portanto variável, no sentido de vigilante, atento". Exs.: a) "Temos de estar alertas..." (Oto Lara Resende); b) "Fingia-se absorvida, porém seus ouvidos estavam alertas" (Menotti Del Picchia); c) "Todos os seus sentidos estão alertas" (Adonias Filho). 8) Ora, apesar de considerado um advérbio pelo ensino tradicional, o certo é que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão incumbido oficialmente de determinar a natureza dos vocábulos em nosso idioma, a par de advérbio, também permite, de modo expresso, seu emprego como adjetivo. 9) Disso resulta a obrigatoriedade de também ser aceita sua flexão como tal. Exs.: a) "Estamos todos alerta" (correto); b) "Estamos todos alertas" (correto); c) "As sentinelas mantinham-se alerta" (correto); d) "As sentinelas mantinham-se alertas" (correto); e) "Os observatórios de todo o mundo estão alerta" (correto); f) "Os observatórios de todo o mundo estão alertas" (correto); g) "Temos de estar alerta" (correto); h) "Temos de estar alertas" (correto); i) "Fingia-se absorvida, porém seus ouvidos estavam alerta" (correto); j) "Fingia-se absorvida, porém seus ouvidos estavam alertas". 10) No plano da regência, Celso Pedro Luft vê a possibilidade de construção com uma de três preposições, a saber, a, contra e para: a) "Sensibilidade muito alerta ao sofrimento humano"; b) "Pessoa alerta contra imprevistos"; c) "No olhar a expressão de quem está alerta para aquele chamamento".
quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Doutor Saulo Ramos ou doutor Saulo Ramos?

1) Uma leitora pergunta se é grafada com maiúscula ou com minúscula a inicial do tratamento que se dá às pessoas em expressões como as que seguem: Doutor Saulo Ramos ou doutor Saulo Ramos, Professor Evanildo Bechara ou professor Evanildo Bechara, Ministro Sidnei Beneti ou ministro Sidnei Beneti? 2) A esse respeito, diz o Acordo Ortográfico de 2008 que á facultativo o uso da inicial maiúscula ou minúscula nos axiônimos ou hagiônimos. 3) Ora, axiônimo é a forma cortês de tratamento, ou a palavra, ou locução com que se presta reverência a determinada pessoa, exatamente como no caso da consulta. Por outro lado, hagiônimo é um nome sagrado, como Deus, Jeová, Alá, Ressurreição, etc. 4) Sendo facultativo o emprego da maiúscula ou da minúscula em tais casos, estão corretos todos os seguintes exemplos: senhor doutor Joaquim da Silva ou Senhor Doutor Joaquim da Silva, santa Filomena ou Santa Filomena. 5) De modo específico para o caso da consulta, estão corretas todas as formas alinhadas pela leitora: Doutor Saulo Ramos ou doutor Saulo Ramos, Professor Evanildo Bechara ou professor Evanildo Bechara, Ministro Sidnei Beneti ou ministro Sidnei Beneti. 6) Não se esqueça, todavia, um lembrete final do próprio Acordo Ortográfico: "As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas (terminologia antropológica, geológica, bibliológica, botânica, zoológica, etc.), promanadas de entidades científicas ou normalizadoras, reconhecidas internacionalmente". Nessa lista de entidades, inclui-se, obviamente, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (A.B.N.T.).