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Gramatigalhas

Esclarecendo dúvidas da Língua Portuguesa.

José Maria da Costa
quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Versus - Como concorda o verbo?

1) Uma leitora parte do seguinte exemplo, que não sabe se está certo quanto à concordância verbal: "Esta situação 'versus' aquela situação resulta em..." E indaga se termos unidos pela palavra versus tipificam sujeito composto ou não. Ou seja: em tais circunstâncias, o verbo vai para o plural, ou fica no singular? 2) Ora, a uma simples observação do exemplo trazido pela leitora, começa-se por tecer os seguintes comentários quanto à palavra versus considerada isoladamente: a) versus é uma preposição e não uma conjunção (contrariamente a outras palavras que unem núcleos de um sujeito composto, como ou e nem); b) é vocábulo latino, ainda não integrado ao vernáculo, como é fácil concluir a uma simples consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, que tem a delegação legal para listar as palavras pertencentes ao nosso idioma; c) como vocábulo estrangeiro, ainda não incorporado ao nosso idioma, deve ser escrito em itálico, ou negrito, ou entre aspas, ou sublinhado, ou de algum outro modo que indique ser alienígena a palavra empregada; d) seu sentido normal é de contrariedade entre as palavras por ele ligadas. 3) No plano da concordância verbal, o mais adequado parece ser partir de alguns exemplos: a) "Flamengo 'versus' Fluminense não entusiasmou a torcida"; b) "Éder Jofre 'versus' Harada foi simplesmente empolgante"; c) "Davi 'versus' Golias sempre traz lições importantes"; d) "Escola particular 'versus' escola pública pode causar polarizações indevidas"; e) "Marido 'versus' mulher quase nunca redunda em benefícios". 4) E desses exemplos, então, parece lícito concluir do seguinte modo: a) embora o vocábulo considerado não pertença ao idioma, parece adequado, com as cautelas já indicadas, empregá-lo em tais circunstâncias, com o escopo de unir elementos contrapostos; b) a ideia de contraposição e/ou contrariedade entre os elementos por ele unidos conduz instintivamente o usuário a concordar o verbo no singular; c) como é de fácil percepção nas frases já modificadas do item a seguir, é inevitável, diante de um exemplo desses, pensar em um termo inicial, que seja a referência para tal contraposição; d) e é com a ideia desse termo inicial pressuposto que, nessas situações, se faz a concordância verbal por silepse (concordância ideológica); e) importa adicionar, como se pode perceber pelo exemplo acrescido por último no próximo item, que o verbo fica no singular, mesmo que ambos os termos contrapostos estejam no plural. 5) Vejam-se os exemplos já modificados com o acréscimo de um termo inicial instintivamente pensado: a) "(O jogo) Flamengo 'versus' Fluminense não entusiasmou a torcida"; b) "(O combate de) Éder Jofre 'versus' Harada foi simplesmente empolgante"; c) "(O duelo de) Davi 'versus' Golias sempre traz lições importantes"; d) "(A contraposição de) Escola particular 'versus' escola pública pode causar polarizações indevidas"; e) "(A disputa de) Marido 'versus' mulher quase nunca redunda em benefícios"; f) "(A briga de) Corinthianos 'versus' palmeirenses resultou em mortes".
quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Prorrogar - Até, para, por ou para até?

1) Um leitor indaga qual das seguintes formas é correta: a) "Prorrogou para até o dia 30"; b) "Prorrogou até o dia 30"; c) "Prorrogou para o dia 30"? Acrescente-se: "Prorrogou por uma semana"? 2) Ora, quando se busca saber qual preposição deve ser empregada após um verbo, o assunto reside na esfera da regência verbal. 3) E, de modo específico para o caso, uma pesquisa nos principais gramáticos e linguistas que estudaram a matéria revela que eles não solucionaram a questão para o verbo prorrogar, quando se trata de um complemento preposicionado nos termos pretendidos pela dúvida do leitor. Apenas Celso Pedro Luft defende a construção com a preposição por, quando se leva em consideração o lapso temporal que medeia entre o início e o fim de tal prazo. Ex.: "Prorrogar as inscrições por uma semana". 4) Mas uma análise mais aprofundada das estruturas de alguns exemplos do dia a dia revela, num primeiro aspecto, que o verbo prorrogar admite ser construído com a preposição para, quando tem o sentido de adiar para uma nova data a realização de um certo evento; nesse caso, tem-se em vista sobretudo a data final fixada pela prorrogação. Ex.: "O presidente prorrogou para a sessão do dia 30 a votação do projeto". 5) Num segundo aspecto, permite construção com a preposição até, quando a acepção é de prolongar em continuidade uma determinada situação ou atuação; nesse caso, leva-se em conta o lapso que medeia entre o início e o fim do novo prazo fixado. Ex.: "O presidente prorrogou até o dia 30 o prazo para a inscrição". 6) Respondendo mais especificamente ao leitor: a) o verbo prorrogar admite ser construído com a preposição para, com a preposição até e com a preposição por; b) com cada preposição, tal verbo tem peculiaridades próprias de significado; c) não há, entretanto, justificativa gramatical que respalde a locução prepositiva para até.
quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Para o lembrar ou Para lembrá-lo?

1) Um leitor indaga, em síntese, qual das construções é a correta: a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)"; b) "Escrevo para o lembrar de que (...)". 2) Para não haver dúvidas, é oportuno reafirmar que, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: a) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); b) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); c) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa"). 3) No caso trazido para análise, uma primeira observação: não se há de falar em mesóclise, já que esta só pode existir com o verbo em um de dois tempos: futuro do presente e futuro do pretérito. E uma segunda observação: o verbo dos dois exemplos sob apreciação está no infinitivo. 4) E uma análise técnica revela que o leitor quer saber, em última análise, como se coloca o pronome, quando uma preposição (no caso para) precede um verbo no infinitivo (no caso lembrar): em próclise ou em ênclise? 5) Ora, para os verbos no infinitivo, existe, por um lado, a lição de Cândido de Figueiredo, segundo a qual "as preposições pertencem à categoria das partículas que influem geralmente na colocação dos pronomes pessoais atônicos, atraindo-os". 6) Exemplos colhidos pelo mencionado autor em autorizados escritores de nosso idioma, entretanto, revelam que, quando se tem um infinitivo precedido de preposição, a colocação do pronome átono, em última análise, não se faz em próclise necessária, mas constitui caso de colocação facultativa, a saber, antes do verbo (em próclise) ou depois dele (em ênclise). Exs.: a) "Até chegou a me dar casa..." (Machado de Assis); b) "... obriga o procurador a respeitar-lhe as cláusulas" (Rui Barbosa); c) "... era bastante para sacudir-me da Tijuca" (Machado de Assis); d) "Chamou-me um escravo para me servir o doce" (Machado de Assis); e) "Ficou Maria Henriqueta livre por se ver livre do suborno da mãe" (Camilo Castelo Branco); f) "Senhor, morro por unir-me convosco" (Padre Manuel Bernardes); g) "... não faltaria Deus em lhe dar um bom dia" (Padre Antônio Vieira). 7) Fixada, assim, a regra de que o infinitivo precedido de preposição permite a colocação facultativa do pronome átono em próclise ou em ênclise, pode-se dizer, quanto à específica indagação que motivou estas considerações, que estão corretas ambas as formas trazidas pelo leitor: a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)"; b) "Escrevo para o lembrar de que (...)".
quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Meios de provas - Admitidos ou admitidas?

1) Um leitor indaga qual é a forma correta de dizer e escrever: a) "Provará o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos"; b) "Provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitidas"; c) "Provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitido"? 2) Ora, quando se põe uma questão como essa, em que se quer saber qual a forma de uma palavra de valor adjetivo (no caso, admitido), deve-se procurar, em síntese, a que outro vocábulo ela se refere: o que, enfim, é admitido? 3) E, embora, em tese, o direito possa ser admitido, embora as provas possam ser admitidas, o que, efetivamente, se quer qualificar, no caso, é o vocábulo meios. 4) E, quando se identifica a palavra modificada, fica fácil a concordância: admitidos. Ou seja: "Provará o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos". 5) É assim, aliás, que registram alguns dispositivos da legislação pátria: a) "Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos..." (CPC-1973, art. 332); b) "A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito" (CPC-1973, art. 370, caput); c) "... É lícito ao comerciante, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos" (CPC, art. 378, caput); d) "Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários" (CPC-1973, art. 429, caput); e) "... com meios considerados idôneos pelo juiz..." (CPC-1973, art. 582, caput).
quarta-feira, 21 de junho de 2017

Delistar - Existe?

1) Um leitor indaga se existe em nosso idioma o vocábulo delistar e observa que ele é de uso comum no ambiente empresarial, quando se quer indicar o sentido de excluir, como em "O fornecedor foi delistado do cadastro", "O chefe foi delistado do sorteio" e "A empresa foi delistada da Bolsa de Valores". 2) Ora, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras. 3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4) Uma simples consulta ao VOLP, contudo, mostra que nele não se registra o verbo delistar, de modo que a forçosa conclusão é que essa palavra não existe em nosso léxico e seu emprego não encontra guarida nas regras que norteiam o uso da norma culta. 5) Em tais circunstâncias, se se quer usar um verbo com esse significado, a solução é escolher um sinônimo entre as diversas palavras com essa acepção em português: eliminar, expulsar, retirar. Ou, ainda, lançar mão de um circunlóquio com o mesmo sentido, como excluir da lista, por exemplo. 6) Empregar, porém, vocábulo inexistente, a pretexto de neologismo, não constitui alternativa válida, que esteja ao alcance do usuário do idioma. 7) Parece oportuno observar, a esta altura, que, sobretudo nos meios jurídicos e forenses, há uma equivocada tendência de alguns, com pretensão de uma jamais alcançada erudição, para empregar vocábulos arrevesados e barrocos, mas inexistentes, como esse que agora é trazido para análise. 8) O máximo que conseguem, todavia, é um texto de difícil leitura e compreensão, muito distante do ideal que só a simplicidade objetiva consegue alcançar.
1) Um leitor indaga se, no momento da qualificação das partes, em uma petição inicial, é necessário o uso da expressão "residente e domiciliado", mesmo que respeitadas suas distintas definições para os fins jurídicos. Acredita-se que ele quer saber se há necessidade ou mesmo correção em escrever os dois vocábulos, ou se o correto e necessário seria explicitar apenas um deles. 2) Ora, por um lado, o art. 70 do Código Civil registra que "o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo". 3) Por outro lado, o art. 71 do mesmo Código complementa que, "se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas". 4) Sem pretensão de aprofundar os conceitos ou de exaurir a matéria, o certo é que se podem fazer as seguintes afirmações: a) os conceitos de residência e de domicílio não se confundem; b) uma pessoa pode ter várias residências e apenas um domicílio; c) pode-se, num certo sentido, afirmar que residência tem uma conotação mais física, enquanto em domicílio reside mais uma acepção de cunho jurídico. 5) Apenas com esses conceitos, podem-se extrair as seguintes ilações quanto à expressão "residente e domiciliado", trazida pelo leitor: a) os termos de tal expressão não se confundem, já que residente tem um significado próprio, específico e apartado de domiciliado; b) até por seu conteúdo semântico diverso, não é incorreto empregar, numa petição inicial, contestação ou peça de processo, ou mesmo contrato ou declaração, a expressão residente e domiciliado; c) por ela, o que se quer dizer, enfim, é que a pessoa sob qualificação tem apenas uma residência e um domicílio, que coincidem no endereço que há de vir especificado logo a seguir, na peça processual em que constam tais dados. 6) Por fim, quanto à necessidade ou não de fazer constar essa dupla possibilidade de localização de alguém envolvido num processo, fazem-se as seguintes ponderações: a) em termos gramaticais, três e distintas são as realidades afirmadas, quando se diz residente, ou domiciliado, ou residente e domiciliado; b) ainda em termos gramaticais, são corretas as três formas de expressão, muito embora cada qual delas afirme uma realidade distinta; c) em termos jurídicos, entretanto, o art. 282, II, do Código de Processo Civil de 1973 (em regra repetida pelo CPC-2015, art 319, II) determina que "a petição inicial indicará: ... II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu..."; d) isso quer significar que o roteiro da lei de processo para a redação de uma petição inicial determina a obrigatoriedade de especificação tanto da residência quanto do domicílio em uma inicial; e) todavia, dentre os motivos para indeferimento de uma petição inicial, constantes do art. 295 do CPC, não se autoriza tal desfecho para a desobediência ao registro anteriormente determinado; f) o autor deste verbete também jamais teve conhecimento de uma ocorrência dessa natureza; g) talvez se deva computar essa irregularidade no rol daquelas desobediências às determinações da lei para as quais não se prevê sanção alguma e das quais não resulta consequência danosa alguma a seu autor.
quarta-feira, 7 de junho de 2017

Empossando - Existe?

1) Um leitor, partindo do princípio de que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, registra outros vocábulos de mesma terminação, como doutorando e vestibulando, indaga se existe empossando, que o VOLP não registra. 2) Ora, no que tange a esse e a outros vocábulos de estrutura similar, pode-se dizer que alguns entraram em nosso léxico - quer na língua culta, quer no linguajar jurídico - por influência erudita: colendo (de collere = cultuar), despiciendo (de despicere = desprezar), dividendo, educando, exequendo, interditando, multiplicando e vitando (de vitare = evitar). 3) Já outros se formaram por analogia, como bacharelando (de bacharel, do francês bachelier, ou bacheler) e vestibulando (sem correspondência em latim). 4) Luciano Correia da Silva (1991, p. 77) - que lembra a criação e a existência de outras palavras "à imagem dos gerundivos latinos", como "intransigendas roupas" de Castilho, "brancos véus das confessandas" de Alphonsus de Guimaraens e "não murchandas flores" de Machado de Assis - transcreve a lição de Gladstone Chaves de Melo, o qual "censura a criação abusiva de gerundivos como farmacolando, engenheirando, etc." 5) Também se posicionando contrariamente à vernaculidade e à possibilidade de uso de vocábulos assim formados, diz Domingos Paschoal Cegalla, com referência a odontolando, tratar-se de um "brasileirismo forjado para designar a pessoa que vai se graduar em odontologia", e acrescenta ser "palavra formada por analogia com doutorando e bacharelando, que se justificam por terem base verbal (doutorar-se, bacharelar-se)". Mas conclui tal autor: "Odontolando não deriva de verbo algum, pois não existe odontolar-se. É, portanto, vocábulo mal formado, como também o são farmacolando, agronomando, vestibulando, etc. (1999, p. 293)" 6) Apesar da oposição de tal autor e de outros quanto à existência de diversas dessas palavras e à própria possibilidade de seu uso no vernáculo, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (2009, p. 31, 40, 296, 316, 364, 544, 592 e 839), que é o veículo oficial indicador das palavras existentes em nosso idioma, registra normalmente palavras como agronomando (aquele que cursa Agronomia, ou está para nela graduar-se), alimentando (aquele que é credor de alimentos), doutorando (aquele que cumpre créditos e escreve tese para obter o título de doutor), engenheirando (aquele que cursa Engenharia, ou está para nela graduar-se), farmacolando (aquele que cursa Farmácia, ou está para nela graduar-se), mestrando (aquele que cumpre créditos e escreve dissertação com vistas à obtenção do título de mestre), odontolando (aquele que cursa Odontologia, ou está para nela graduar-se) e vestibulando (aquele que presta exames vestibulares para ingresso em cursos universitários). 7) Dessas lições, parece que se podem extrair duas importantes conclusões: a) apesar da objeção de alguns, a autoridade oficial da ABL, por via da edição do VOLP, permite o normal emprego de todos esses vocábulos acima listados; b) mais do que isso, a própria premissa lançada por quem tem a delegação oficial para listar as palavras existentes em nosso idioma estabelece uma norma segundo a qual, respeitadas as regras da respectiva formação, se podem criar validamente outros vocábulos em idênticas circunstâncias.8) Reitere-se, agora com especificidade para o caso da consulta: a) costuma-se dizer - e com total verdade - que a ABL tem autoridade para listar oficialmente as palavras existentes em nosso idioma; b) e ela o faz por via da edição do VOLP; c) se um determinado vocábulo está nele registrado, não há o que discutir quanto a sua existência em nossa língua; d) ocorre, entretanto, que, para vocábulos formados à imagem dos gerundivos latinos, o VOLP, por um lado, recepcionou aqueles que entraram em nosso léxico por via erudita (como colendo, despiciendo, educando, exequendo, interditando, etc.); e) por outro lado, o VOLP aceitou, mesmo sem origem em gerundivos latinos, a formação de outros vocábulos já em nosso idioma (como agronomando, farmacolando, odontolando e vestibulando); f) mais do que avalizar a existência de tais vocábulos, o que fez o VOLP foi fixar a regra da possibilidade de formação de outros com mesma estrutura, desde que respeitadas as regras da respectiva formação; g) nessa última permissão linguística, reside exatamente a possibilidade de emprego de empossando, significando aquele que toma posse.
quarta-feira, 31 de maio de 2017

Senado Federal ou apenas Senado?

1) Um leitor, a partir do fato de que não existe hoje um Senado Estadual em nosso sistema, indaga se não é pleonasmo chamar o Senado de Senado Federal. 2) Ora, a primeira Constituição republicana, de 24/2/1891, deu liberdade aos Estados para se organizarem, incluindo a permissão para elaborar cada qual deles sua própria Constituição, obedecidos, obviamente, os princípios maiores e a forma republicana. Alguns Estados optaram pela organização bicameral (Câmara e Senado estaduais). A maioria deles, contudo, preferiu o modelo unicameral (apenas Câmara Estadual). Mesmo para os Estados que adotaram o modelo bicameral, todavia, foi ele de curta duração, e o Estado de São Paulo foi o que por último o extinguiu, e isso já em 1930. 3) Assim, na estrutura atual de nosso País, por um lado, há os Deputados Estaduais, que atuam nas Assembleias Legislativas dos Estados, e também os Deputados Federais, que atuam na Câmara dos Deputados, portanto na órbita federal. 4) Já, por outro lado, os Senadores existem apenas no âmbito federal. Vale dizer: não existem, na atualidade, em nosso País, Senadores Estaduais. 5) Embora não faça parte da indagação, parece importante anotar, ademais, que os Deputados Federais são representantes do povo, razão pela qual são eleitos proporcionalmente à população de cada Estado, Território ou Distrito Federal para um mandato de quatro anos (CF, art. 45); já os Senadores são representantes dos Estados e do Distrito Federal, e, assim, cada Estado e o Distrito Federal elegem um número fixo de três Senadores para um mandato de oito anos (CF, art. 46). 6) Ante essas ponderações - e agora passando a responder ao leitor - não haveria realmente necessidade de empregar a expressão Senado Federal, a qual constitui, sim, um pleonasmo. Isso quer significar que bastaria dizer Senado. 7) Ocorrem, todavia, dois aspectos: a) a tradição faz com que muitos, embora passadas tantas décadas da extinção dos Senados Estaduais, continuem usando a expressão integral; b) os pleonasmos se bipartem em pleonasmos de estilo e pleonasmos viciosos, e apenas os segundos são condenáveis; c) e se tem considerado, ao longo do tempo, que Senado Federal não constitui pleonasmo vicioso. 8) Para atestar essa circunstância, basta observar que, na Constituição Federal de 1988, emprega-se a expressão Senado Federal 58 vezes; já a palavra Senado, solitariamente, apenas duas vezes (art. 66), uma na expressão Presidente do Senado e outra no circunlóquio Vice-Presidente do Senado.
quarta-feira, 24 de maio de 2017

Pronome relativo - Cujo ou De cujo?

1) Uma leitora estudou bastante a questão do pronome relativo preposicionado, mas não conseguiu distinguir por que, nos dois seguintes exemplos, ambos extraídos de concurso público, o segundo está correto, enquanto o primeiro está errado: a) "As propostas, 'de cuja' falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes"; b) "Os impulsos missionários, 'de que' o autor não se mostra carente, poderiam levá-lo a combater a fome do mundo". 2) Fixem-se, de início, duas premissas importantes: a) se funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga; b) se vai haver ou não preposição antes de tal pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado por ele. Exs.: i) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (acreditar em, simpatizar com e lutar por); ii) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos e em que nos comprazemos" (aspirar a e comprazer-se em). 3) Com essas premissas, passa-se à análise do segundo exemplo ("Os impulsos missionários, de que o autor não se mostra carente, poderiam levá-lo a combater a fome do mundo"): a) um pronome relativo começa uma segunda oração; b) essa oração, no caso, é "de que o autor não se mostra carente"; c) a ordem direta dessa segunda oração é "o autor não se mostra carente de que" (isto é, não se mostra carente dos quais impulsos missionários); d) como não é difícil perceber, o que substitui a expressão impulsos missionários, referida na oração anterior; e) em outros dizeres, tal pronome substitui um substantivo anteriormente referido, com o qual se relaciona; f) porque substitui um nome, chama-se pronome; g) porque representa esse nome em outra oração e a ele está relacionado, chama-se pronome relativo; h) muito embora substitua um nome referido na oração anterior, sua função sintática fica na total dependência daquilo que tal pronome significa para a oração em que ele se situa; i) ora, quem se mostra carente, mostra-se carente "de" alguma coisa, ou, mais especificamente, mostra-se carente dos quais impulsos missionários; j) por isso é que a forma correta é exatamente aquela trazida pelo exemplo, a saber, "de que o autor não se mostra carente". 4) Em continuação, estabeleçam-se três premissas adicionais para a compreensão do pronome relativo cujo: a) no português atual, esse pronome sempre acompanha um substantivo, de modo que não serve para substituí-lo; b) esse pronome relativo traz embutida em si a ideia da preposição de, que não vem escrita (no exemplo "Esta é uma lei cujos dispositivos são claros", o sentido é "Esta é uma lei da qual os dispositivos são claros", embora esse último exemplo não esteja correto quanto à Gramática); c) o pronome relativo cujo até pode ter preposição antes de si, mas tal preposição vai reger o termo que vem depois do pronome (como no exemplo "Esta é uma lei em cujas disposições não acreditamos, com cuja finalidade não simpatizamos e de cujos dizeres discordamos, mas a cujas determinações obedecemos para a manutenção do estado de direito"). 5) Com essas premissas, segue-se a análise do primeiro exemplo ("As propostas, 'de cuja' falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes"): a) como pronome relativo, cuja também começa uma segunda oração; b) no caso, a segunda oração é "de cuja falta sentiu Mário Campana"; c) a ordem direta dessa oração é "Mário Campana sentiu de cuja falta"; d) ora, quem sente, sente alguma coisa; e) no caso, sente falta (um complemento sem preposição); f) o substantivo falta é que pede um complemento regido pela preposição de; g) ocorre, porém, que o pronome relativo cujo já tem embutida em si a ideia da preposição de; h) então, no caso, a preposição está sobrando; i) o exemplo correto, portanto, é "As propostas, cuja falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes".
quarta-feira, 17 de maio de 2017

Árbitro ou Juiz?

1) Uma leitora indaga se quem apita uma partida de qualquer modalidade esportiva é juiz ou árbitro. 2) Ora, para começo, importa observar que, num sentido genérico, as palavras árbitro e juiz costumam ser sinônimas e intercambiáveis, significando aquele que se põe ou é posto para dirimir questões, como se pode ver em boas traduções da Bíblia. Exs.: a) "Pecando o homem contra o próximo, Deus lhe será o árbitro" (1 Samuel 2:25); b) "Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós?" (Êxodo 2:14). 3) Mesmo com essa ambivalência, porém, o certo é que, normalmente, árbitro costuma ser um vocábulo mais empregado para as hipóteses em que sua escolha se faz por vontade das partes para resolver uma questão, enquanto juiz se reserva para designar aquele que tem o poder de julgar por determinação da lei. 4) Já para a indagação da leitora, contudo, o certo é que, quando se faz referência à pessoa que, em uma modalidade esportiva, é encarregada de verificar a ocorrência de faltas e aplicar o regulamento, pode-se empregar qualquer dos dois vocábulos, indistintamente, e essas duas possibilidades podem ser verificadas em dois dos nossos mais importantes dicionaristas da atualidade. 5) Assim, Antônio Houaiss, num primeiro aspecto, vê o árbitro como "aquele que faz cumprir, numa competição ou disputa, as regras estabelecidas para a modalidade de esporte que está sendo praticada". Já num segundo aspecto, quando trata do juiz, aplica exatamente as mesmas palavras para designar encarregado de cumprir as regras em uma modalidade esportiva (2001, p. 276 e 1.690). 6) E Aurélio Buarque de Holanda Ferreira também vê o árbitro como "aquele que dirige um jogo ou prova esportiva, com direito de decisão quanto ao seu desenvolvimento ou aos fatos disciplinares". E, num segundo aspecto, ao tratar do vocábulo juiz, fala, até mesmo, de maneira específica do juiz de linha, para significar o bandeirinha de um jogo de futebol (2010, p. 191 e 1.216). 7) Com essas ponderações, e agora respondendo diretamente à leitora, pode-se dizer, em suma, que aquele que apita uma partida de qualquer modalidade esportiva tanto pode ser árbitro como juiz.
quarta-feira, 10 de maio de 2017

Pois - Vírgula antes e/ou depois?

1) Um leitor quer saber se, com a conjunção pois, a vírgula vem antes, depois, ou antes e depois. 2) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Esconda-se, pois alguém se aproxima"; b) "Era um aluno de caráter; foi, pois, um professor exemplar". 3) Em ambas as orações, pois é uma conjunção, porque une duas orações: no primeiro caso, por ter o significado de porque, é uma conjunção coordenativa explicativa; no segundo caso, tendo como sinônimas logo, portanto, por conseguinte, é uma conjunção coordenativa conclusiva. 4) Ora, fixe-se, em tese, uma regra geral, com dois aspectos importantes (embora comporte ela diversas observações e exceções): a) o lugar normal de uma conjunção é o início de uma segunda oração; b) como as orações normalmente se separam por vírgulas, é comum que haja vírgula antes da conjunção. 5) Fixada essa ponderação como premissa e voltando a raciocinar com os exemplos acima citados, pode-se dizer que, quando o pois é uma conjunção coordenativa explicativa ("Esconda-se, pois alguém se aproxima"), podem-se extrair as seguintes ilações: a) nesse caso, a conjunção começa a segunda oração; b) como a regra é que as orações sejam separadas por sinal de pontuação, normalmente há uma vírgula ou ponto e vírgula antes do pois; c) como, em continuação, por via de regra, o texto segue em ordem direta - e não há vírgula na ordem direta - usualmente não se põe vírgula após o pois. Exs.: i) "Espere um pouco, pois ele não demora"; ii) "Não tenha medo, pois eu não mordo"; iii) "Fale mais alto, pois eu também quero ouvir". 6) Já quando o pois é uma conjunção coordenativa conclusiva ("Era um aluno de caráter; foi, pois, um professor exemplar"), observações diversas podem ser feitas: a) nesses casos, a regra é que o pois não começa a segunda oração, mas vem posposto a um outro termo dela; b) normalmente já haveria um sinal de pontuação antes desse outro termo, porquanto ele inicia a oração; c) além disso, especificamente quanto ao pois, o certo é que ele se intercala entre outros termos da oração, e, como se dá com as intercalações de um modo geral, deve essa do caso concreto ser marcada por vírgulas antes e depois. Exs.: i) "Tinha dois anos; era, pois, muito pequeno"; ii) "Você foi injusto com o amigo; deve, pois, desculpar-se"; iii) "É um bom filho; será, pois, um bom pai".
quarta-feira, 3 de maio de 2017

Em nome de - É correto?

1) Um leitor indaga se é correto, por exemplo numa coluna de jornal, saudar todos os aniversariantes de um determinado dia em nome de alguém conhecido e ilustre. E, nesse caso, a pessoa especificamente nomeada seria homenageante ou homenageada? 2) A dúvida do leitor deve ter surgido por haver ele atentado, apenas e tão somente, ao fato de que a expressão em nome de pode significar, por um lado, em lugar de, mas com a específica acepção de como se fosse (alguém). Ex.: "Apresentou-se à delegacia em nome do irmão" (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 2.024). 3) O certo, contudo, é que, a par dessa possibilidade de sentido, também é frequente e correto o emprego do referido vocábulo para indicar uma representatividade de diversas outras pessoas em uma que é mais conhecida, para simbolizar nesta a homenagem feita aos demais. 4) É o que se dá, por exemplo, num discurso, em que o orador saúda todos os presentes no nome (ou na pessoa) do presidente da sessão. É também o que se dá com a extensão dos cumprimentos a todos os aniversariantes do dia, quando feitos expressamente no nome ou na pessoa de um aniversariante mais conhecido. 5) Assim, de modo específico para as indagações do leitor, podem-se fazer as seguintes considerações: a) por um lado, é correto o emprego da expressão em nome de para significar em lugar de, com a específica acepção de como se fosse alguém ("Apresentou-se ao delegado em nome do irmão"); b) por outro lado, também é correto usar tal circunlóquio para saudar ou homenagear diversas pessoas, tendo-as por representadas em uma mais conhecida ("Saúdo os presentes no nome do Presidente desta sessão solene"); c) nesse último caso, a expressão em nome de também pode ser substituída pelo circunlóquio na pessoa de ("Saúdo os presentes na pessoa do Presidente desta sessão solene"); d) uma homenagem assim feita não se resume apenas à pessoa especificamente mencionada, mas também se estende a todas as demais subentendidas na referência.
quarta-feira, 26 de abril de 2017

Se + se - Existe?

1) Um leitor diz não conseguir identificar o que significa o emprego, duas vezes seguidas, do se em frases como a seguinte: "Há satisfação dobrada se se oferece espontaneamente o que está faltando". 2) Ora, uma primeira observação que se faz é que, numa sequência como essa, o emprego seguido da palavra se está perfeitamente de acordo com a norma culta e com as regras do uso do vernáculo. Não há erro algum nessa repetição. 3) Uma segunda observação é que cada se tem sua própria função na estrutura da frase, e sua identificação emerge da análise sintática que se faz do exemplo. 4) No caso, como normalmente ocorre em tais situações, o primeiro se está a indicar uma condição para a oração que introduz, a qual, então, é uma oração subordinada adverbial condicional. 5) O segundo se pertence à oração "se oferece espontaneamente o", e a respeito dela se podem fazer as seguintes ponderações: a) o pronome o pode ser substituído, para facilidade de análise, por aquilo; b) essa oração pode ser posta em ordem direta, também para facilitar a análise ("aquilo se oferece espontaneamente"); c) essa frase que tem tal se é reversível, isto é, pode ser dita de outro modo, fazendo-se desaparecer o se ("aquilo é oferecido espontaneamente"); d) em uma frase como essa original, o exemplo está na voz passiva sintética; e) já o exemplo transformado está na voz passiva analítica; f) em casos assim, o segundo se é partícula apassivadora ou pronome apassivador.      
quarta-feira, 19 de abril de 2017

Repercutir - Qual seu uso correto?

1) Um leitor indaga se está correto o uso do verbo repercutir na frase "O Senador ... 'repercutiu' ... a opinião do prefeito fulano de tal". 2) Ora, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2010, p. 1.819) atribui ao verbo repercutir os significados de reproduzir e fazer ecoar. E exemplifica: "As montanhas repercutem o som das cornetas". 3) E Antônio Houaiss (2001, p. 2.430) lhe confere os sentidos de reproduzir, ecoar e ressoar, assim exemplificando: "O salão vazio repercute o som dos atabaques". 4) Com referência a ambos os exemplos registrados pelos dicionaristas, podem-se fazer as seguintes afirmações: a) o verbo é transitivo direto; b) no primeiro exemplo, as montanhas reproduzem, ressoam ou fazem ecoar o som das cornetas; c) no segundo exemplo, o salão vazio reproduz, ressoa ou faz ecoar o som dos atabaques. 5) Com as premissas lançadas pela análise dos exemplos dados pelos dicionaristas, podem-se extrair também as seguintes ilações para o exemplo trazido pelo leitor: a) o verbo repercutir é, de igual modo, transitivo direto; b) o senador, tal como a questão se apresenta nos exemplos dados, nada mais faz do que reproduzir, ressoar ou fazer ecoar a opinião do prefeito; c) a forçosa conclusão é a de que não há incorreção alguma que se possa entrever no exemplo trazido para análise. 6) Vale a pena observar que a desconfiança quanto ao acerto do verbo assim empregado advém do fato de que seu uso mais tradicional (e também correto) é como intransitivo, isto é, sem objeto direto ou objeto indireto. Exs.: a) "A notícia do falecimento do candidato repercutiu muito"; b) "Os últimos acontecimentos repercutiram em todo o país". Mas, como se verificou, essa desconfiança não tem fundamento para condenar o exemplo trazido para consulta pelo leitor.
1) Uma leitora indaga se o correto é dizer cartas de intimação ou cartas de intimações, ou, ainda, termos de substabelecimento ou termos de substabelecimentos. 2) Ora, quando se está diante de uma expressão como cartas de intimação, podem-se fazer as seguintes considerações: a) por um lado, há mais de um documento ou carta; b) por outro lado, entretanto, sua destinação é para uma só e mesma finalidade (o ato de intimar); c) ou seja, em síntese, busca-se a intimação de mais de uma pessoa; d) então o correto é deixar o último termo no singular, não importando se diversas são as pessoas a serem intimadas (sempre cartas de intimação); e) quando se estende um pouco mais a expressão, tem-se a confirmação dessa realidade: cartas para a intimação de diversas pessoas. 3) Outras expressões de estruturação similar se submetem a essas mesmas considerações, quer venha a especificação antes, quer depois: a) termos de substabelecimento; b) mandados de citação; c) intimação dos interessados. 4) Vejam-se alguns exemplos em nosso Código de Processo Civil de 1973, que estão a confirmar essas conclusões: a) "O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários" (art. 47, parágrafo único); b) "Salvo nos casos expressos em lei, é essencial a citação dos interessados" (art. 862, caput); c) "... o autor requererá [...] a citação dos que disputam..." (art. 895); d) "Recebida a petição inicial, ordenará o juiz a citação dos requeridos para contestar a ação..." (art. 1.057, caput); e) "O interessado, ao requerer a abertura da sucessão provisória, pedirá a citação pessoal dos herdeiros presentes..." (art. 1.164, caput).  
quarta-feira, 29 de março de 2017

Ingressar com ou Ingressar em?

1) Uma leitora indaga, em suma, qual é o correto emprego do verbo ingressar: tendo seu complemento regido pela preposição com, pela preposição em, ou tendo os dois complementos regidos cada qual por uma delas?2) Ora, em linhas gerais para o que aqui interessa, costuma-se dizer que um verbo, em português, pode ser intransitivo (quando não tem complemento), transitivo direto (quando o complemento não vem precedido por preposição), transitivo indireto (quando o complemento tem preposição) ou bitransitivo (quando admite os dois objetos).3) Num primeiro aspecto, porém, importa observar que a transitividade não é rígida nem imutável, mas deve ser observada no contexto, pois um mesmo verbo pode apresentar diferentes modos de construção, dependendo do tipo de complementação que se queira atribuir-lhe na frase. Exs.: a) "O réu falava muito" (intransitivo); b) "O réu falava palavras desconexas" (transitivo direto); c) "O réu falava a seus companheiros de cela" (transitivo indireto); d) "O réu falava palavras desconexas a seus companheiros de cela" (transitivo direto e indireto).4) Num segundo aspecto, deve-se enfatizar que, embora resolva grande número de questões, essa lição sobre transitividade não contempla casos importantes, embora menos comuns, como aquilo que os gramáticos denominam verbos tritransitivos, de que traduzir é exemplo típico: "João Ferreira de Almeida traduziu a bíblia do grego para o português" (no caso, a bíblia é o objeto direto, do grego é um objeto indireto, e para o português é outro objeto indireto).5) Num terceiro aspecto, é de se dizer que essa regra geral também não soluciona os casos de uns poucos verbos que os gramáticos chamam de bitransitivos indiretos (que têm dois objetos indiretos), como é o caso de discordar de alguém em alguma coisa, ou queixar-se de alguém a outrem.6) E, no caso desses dois últimos verbos, também se reitera o conceito de que a transitividade deve ser analisada no caso concreto: a) "O aluno discordou do professor" (transitivo indireto para um primeiro tipo complemento); b) "O aluno discordou na questão da constitucionalidade" (transitivo indireto para um segundo tipo complemento); c) "O aluno discordou do professor na questão da constitucionalidade" (bitransitivo indireto).7) O mesmo molde do último exemplo serve para vestir a frase trazida pela leitora quanto ao verbo ingressar, aqui trazido em diversas variações, todas corretas: a) "Os autores ingressaram em juízo" (transitivo indireto para um primeiro tipo de complemento); b) "Os autores ingressaram com a ação de obrigação de fazer" (transitivo indireto para um segundo tipo de complemento); c) "Os autores ingressaram em juízo com a ação de obrigação de fazer" (bitransitivo indireto).
quarta-feira, 22 de março de 2017

França - Estive em ou na?

1) Um leitor indaga por que, quando nos referimos ao país França, dizemos em França, assim apenas com a preposição, diferentemente de outros, em que notamos a presença de um artigo.2) Para não alongar a observação, vamos atentar ao modo de falar de duas cidades brasileiras: a) "Estive em Curitiba"; b) "Estive no Rio de Janeiro".3) Também observemos dois estados brasileiros: a) "Estive em São Paulo"; b) "Estive no Paraná".4) Por fim, vejamos dois países: a) "Estive em Israel"; b) "Estive na Turquia".5) Ora, no primeiro de cada dupla desses exemplos, nota-se a presença de em, que é apenas uma preposição; já na segunda dupla, constata-se a existência de no ou na, que é a junção da preposição em mais o artigo definido (o ou a).6) Sem necessidade de formulação de grandes teorias, isso demonstra que, enquanto alguns nomes próprios de lugares (cidades, estados, países, continentes) admitem artigos antes de si, outros não admitem.7) E, para atender à indagação do leitor, assim se deve observar de modo específico para os países: a) alguns vêm sempre sem artigo (como, por exemplo, rei de Portugal); b) outros vêm sempre com artigo (presidente do Brasil, povo do Canadá, importações dos Estados Unidos); c) e há os que admitem ser usados, facultativamente, sem artigo ou com artigo, embora a preferência atual e popular seja por essa última forma (reis de França ou reis da França, grandes de Espanha ou grandes da Espanha, flores de Holanda ou flores da Holanda, cartas de Inglaterra ou cartas da Inglaterra...).8) Para definir a extensão dessa lista e o enquadramento dos países nas respectivas modalidades, é importante atentar ao ensino de Silveira Bueno: "não há regra para este uso e só a observação diária de cada um poderá remediar a dificuldade" (1968, p. 114).
quarta-feira, 15 de março de 2017

Visto ou Vista?

1) Um leitor observa ter lido, no serviço público, avisos nos quais, junto à assinatura do chefe, consta "Chefe - Visto" ou "Chefe - Vista". E, opinando pela primeira forma, por entender que, no caso, o que ocorre é um visto da autoridade, indaga qual a forma correta. 2) Ora, juridicamente falando, vista é a entrega dos autos às partes ou intervenientes de um processo judicial ou procedimento administrativo, para que, após adequada análise, possam pronunciar-se como lhes competir. Ex.: "Os autos foram com vista ao representante do Ministério Público". 3) Já visto quer dizer a declaração de uma autoridade ou funcionário num documento, para validá-lo, significando que foi examinado, verificado e achado conforme. Ex.: "Após adequada análise e verificação, a autoridade apôs seu visto no documento". 4) Importa observar que é erro frequentíssimo, na linguagem do foro, o emprego de vistas em lugar de vista, razão pela qual é oportuna a seguinte especificação: a) "O advogado requereu vista dos autos" (correto); b) "O advogado requereu vistas dos autos" (errado); c) "Os autos estão com vista ao Ministério Público" (correto); d) "Os autos estão com vistas ao Ministério Público" (errado). 5) Voltando ao caso da consulta, tudo vai depender do sentido em que está empregado o indigitado vocábulo: se o significado for de entrega dos autos para que alguém neles se manifeste, será vista; se a acepção for de atestado de correção de um documento após análise, então será visto. 6) As circunstâncias do caso trazido para análise e a própria observação do leitor parecem indicar tratar-se de um visto. 7) Também aqui, por fim, parece importante acrescentar que não importa se a autoridade é alguém do masculino ou do feminino, porque, além de constituir um substantivo masculino, o visto se refere ao documento, e não à autoridade.
quarta-feira, 1 de março de 2017

Agora há pouco - Existe?

1) Uma leitora observa que vê e ouve, com frequência, na televisão, o emprego da expressão agora há pouco. Parece-lhe que, se é agora (presente), não pode ser há pouco (passado). E indaga qual a forma correta. 2) Esclareça-se, de início, que agora vem do latim, hac hora, com o sentido etimológico de nesta hora. 3) Por isso, seu significado mais comum é nesta ocasião, atualmente, presentemente. Exs.: a) "Agora não posso sair"; b) "A moda agora é corpo tatuado"1. 4) Ocorre, todavia, que também se confere a essa palavra o conteúdo semântico de há pouco tempo, há poucos instantes. Exs.: a) "Ele chegou agora mesmo"; b) "Não posso sair, porque vim agora do trabalho"2. 5) E, nessa acepção de passado recente, vem com frequência nas formas ainda agora, ou agora mesmo, ou agorinha, ou mesmo ainda agorinha. Exs.: a) "Ainda agora usava calças curtas; hoje faz defesas no tribunal"; b) "Fez o café agora mesmo"; c) "Voltou da rua agorinha"; d) "Chegou do trabalho ainda agorinha". 6) Com essas observações como premissas e procurando responder à indagação da leitora, é de se dizer que, do mesmo modo que há outras formas reforçativas para agora no sentido de passado recente - ainda agora, agora mesmo, agorinha e ainda agorinha - nada impede que se adicione a essa lista a expressão agora há pouco, também no mesmo sentido de passado próximo. 7) Em outros dizeres, para sintetizar: a) agora não tem apenas o sentido de presentemente, mas pode também significar um passado recente; b) nada impede, assim, que, nesse último sentido, a palavra agora venha reforçada pela expressão há pouco; c) nesse sentido, pode-se até mesmo dizer que agora há pouco é uma expressão pleonástica; d) mas não se pode tê-la como errônea ou equivocada, até porque o pleonasmo nem sempre é vicioso, exatamente como se dá no caso vertente. ________________ 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 75. 2 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 118.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Mato Grosso - Sou "de" ou Sou "do"?

1) Um leitor indaga, em suma, se o correto é usar ou não o artigo definido o antes de Mato Grosso. Em outras palavras, na prática, quer confirmar se o correto é dizer "Sou de Mato Grosso" ou "Sou do Mato Grosso".2) Ora, em termos gerais, pode-se dizer que o artigo definido "se junta ao substantivo para indicar que se trata de um ser claramente determinado entre outros da mesma espécie", como em "O Governador foi muito aplaudido durante a convenção"; já o artigo indefinido "se emprega para mencionar um ser qualquer entre outros da mesma espécie", como em "Um Governador foi muito aplaudido durante a convenção". 3) O emprego do artigo definido antes de nomes próprios de pessoas denota intimidade, enquanto sua ausência indica formalidade: a) "Conversei com o José" (intimidade); b) "Conversei com José" (formalidade).4) No que tange aos estados brasileiros, embora sua presença ou ausência seja uma questão de uso, o certo é que os gramáticos são unânimes quanto à questão aqui trazida pelo leitor. 5) Desse modo, Celso Cunha lembra que "a maioria [dos estados] leva artigo", mas Mato Grosso está entre aqueles com os quais não se usa, juntamente com Alagoas, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Pernambuco, Santa Catarina e Sergipe. 6) Rocha Lima, por seu lado, de modo prático, aponta o modo como se deve dizer: "ao Pará, a Pernambuco, a Mato Grosso, ao Paraná". 7) E Evanildo Bechara resume a questão, incluindo a solução para a dúvida aqui analisada: "dispensam artigo os nomes dos seguintes estados: Alagoas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Sergipe".8) Diga-se, portanto, "Sou de Mato Grosso" e "Estive em Mato Grosso", e não "Sou do Mato Grosso", ou "Estive no Mato Grosso".9) Tem integral procedência, desse modo, como não é difícil perceber, a citação do advogado e poeta Gentil Bussik, trazida pelo leitor: "Quem diz que é do Mato Grosso, não é de Mato Grosso".
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Vou ir - É correto?

1) Um leitor pergunta se são corretas expressões como vou ir, ou vou indo. 2) Embora alguns teimem em tachar de errônea uma construção dessa natureza, o certo é que, no plano da Gramática, não há nela erro algum. 3) E é importante perceber que não se trata de pleonasmo, nem muito menos de pleonasmo vicioso, até porque os verbos não se repetem em função, mas o primeiro deles é auxiliar, enquanto o outro é o principal da locução. 4) O que pode parecer estranho para alguns é o fato de que o verbo ir, que é auxiliar em diversas outras expressões representativas da ideia de futuro mediante locução verbal - como vou trabalhar, vou fazer, vou pensar - está sendo empregado, no caso, como auxiliar de si mesmo (ir [auxiliar] + ir [principal]). 5) E uma atenta análise mostra que situação idêntica se dá com outros verbos, que também acabam sendo empregados como auxiliares de si próprios em locuções verbais de mesma estrutura: há de haver, tinha tido, vinha vindo. E, ao que se sabe, ninguém pensa em condenar tais expressões, ou ver nelas algum sinal de equívoco gramatical. 6) Como sinal de seu emprego por poetas e cultores de nosso idioma, é interessante verificar que Paulinho da Viola, na canção Sinal Fechado, assim diz em um certo verso: "Eu vou indo, correndo, pegar meu lugar no futuro". 7) E Vinícius de Moraes, na canção Você e Eu, que fez em parceria com Carlos Lyra, também assim pôs seus versos: "Podem preparar / Milhões de festas ao luar, / Que eu não vou ir. / Melhor nem pedir, / Que eu não vou ir, não quero ir".
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Protagonismo - Existe?

1) Um leitor indaga se existe em nosso idioma o vocábulo protagonismo, que ele tem ouvido com frequência nos meios de comunicação. E indaga, em caso positivo, qual é o seu significado.2) Ora, em raciocínio que se deve repetir sempre, até para criar no leitor o hábito salutar de pensar de modo metódico sobre o assunto, quando se quer saber se uma palavra existe ou não em português, deve-se tomar por premissa o fato de que a autoridade para listar oficialmente os vocábulos pertencentes ao nosso idioma é a Academia Brasileira de Letras.3) E essa autoridade, a ABL a exerce por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.4) Ora, uma simples consulta ao VOLP mostra que nele se registra, sim, o vocábulo protagonismo, de modo que a forçosa conclusão é que ele efetivamente existe em nosso léxico, e seu emprego está integralmente autorizado ao usuário do idioma.5) O significado desse vocábulo é de atuação como protagonista, vale dizer, como ator ou personagem principal. Ex.: "Enfim, o Ministro da Justiça assumiu o protagonismo naquele caso, como, aliás, deveria ter feito desde o início".6) Dada a resposta específica ao leitor, acrescenta-se uma primeira observação: é certo que nem Aurélio Buarque de Holanda Ferreira nem Antônio Houaiss registram tal palavra em seus conhecidos dicionários. Ante esse fato, importa anotar que não se põe em dúvida o elevado valor da contribuição dos dicionaristas para o apuro da língua portuguesa; mas, com todo o respeito devido, o certo é que eles não são a autoridade no assunto. Isso significa que, em caso de divergência entre eles e o VOLP quanto à existência ou algum outro aspecto de um vocábulo, deve-se ficar com este último, que é a palavra da autoridade oficial na matéria.7) E se ultima com uma segunda ponderação: o fato de se constatar, atualmente, um real abuso no emprego do vocábulo ora comentado, capaz de aconselhar moderação em seu uso, não é motivo para sua condenação, como se fosse um equívoco. Já os latinos diziam que o abuso não pode impedir o uso ("abusus non tollit usum"), e o provérbio se aplica ao caso com perfeição.