Nos anos 80, houve uma reorganização, em nível mundial, exigindo dos países um processo de reestruturação política, social e econômica, o qual foi apoiado pela Terceira Revolução Industrial, repercutindo, diretamente, sobre todas as nações mundiais.
O Brasil, por suas dimensões continentais, também vem intensificando a busca pela melhoria de sua gestão pública e privada. Os avanços tecnológicos e a complexidade dos tempos atuais de nosso mundo globalizado têm exigido do governo brasileiro um aprimoramento de sua estrutura e de sua forma de atuação. Muitas são as tendências atuais, incluindo a "hiperautomação" e a inteligência artificial, o que reforça a necessidade de uma administração voltada para a atualidade. Os desafios são colossais!
Assim, a gestão pública brasileira, por exemplo, tem inovado, com base na aplicação de mecanismos de liderança, estratégia e controle, os quais precisam e devem ser colocados em prática para avaliar, direcionar e monitorar a administração, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.
A governança, aliada a uma estrutura decisória adequada, faculta maior eficiência, eficácia e efetividade para um compartilhamento social de valor, mitigando fraudes, conflitos de interesses, corrupção e desvios.
Por conseguinte, através de uma sólida convicção sobre a implementação da Governança Corporativa e da Governança Pública nos municípios, nos Estados e na União, conseguiremos estímulos oportunos e congruentes para fortalecer o direcionamento constitucional em prol do desenvolvimento de nosso país e de nossa sociedade.
Governança: Muito além da gestão
A concepção de Governança surgiu no início dos anos 50. Porém, somente na década de 80, após fraudes no sistema financeiro de grandes empresas, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estimularam a implementação de sistemas de gestão baseados em Governança para permitir maior credibilidade sobre a saúde das organizações.
Com a evolução do universo gerencial, o comando dos entes públicos e privados começou a ser realizado por terceiros. Dessa maneira, com a finalidade de incrementar o desempenho organizacional, reduzindo conflitos e alinhando ações, foram desenvolvidas estruturas de Governança.
A Governança Corporativa e a Governança Pública estão relacionadas a estruturas e processos que são projetados para garantir estado de direito, transparência, estabilidade, responsabilidade, capacidade de resposta, equidade, diversidade, inclusão, empoderamento e ampla participação. Elas (Governança Corporativa e Pública) representam as orientações, as normas, os princípios, os valores e as regras por meio das quais as ações e atividades são administradas, de maneira transparente, participativa, inclusiva e responsiva.
A Governança refere-se à cultura e ao ambiente institucional em que as pessoas (cidadãos) e as partes interessadas interagem com vistas a um resultado positivo que gere prosperidade a todos os envolvidos. Por isso, ela está muito além do planejamento, da execução, do controle e da ação, pois franqueia aos administradores, aparatos de avaliação, monitoramento e direcionamento.
A Boa Governança tem impactos significativos na estratégia, sendo desenvolvida para alavancar entidades e diferentes estruturas de responsabilidade. Trata-se do exercício de autoridade para administrar os assuntos econômicos, políticos, sociais e administrativos de um país, de um órgão público, de um ente privado, de empresas e de empreendedores.
Para uma Boa Governança no setor público e no setor privado, é consentâneo que engrenagens pertinentes sejam alocadas para apoio à tomada de decisões. Torna-se crucial, procurar compreender e implementar, de maneira racional, lógica e coerente, o ato de decidir.
O processo decisório como ferramenta para automatizar, racionalizar e ganhar efetividade na governança
Após anos de estudo, a humanidade, desejando melhorar a Governança, a Gestão de Riscos e os aspectos de atendimento legal na prestação de serviços públicos e privados e na comercialização de produtos, divagou sobre o processo decisório.
A tomada de decisão é algo realizado por todas as pessoas, todos os dias. Desde o momento que acordamos, refletimos se iremos tomar café ou não; se iremos colocar uma roupa mais leve ou não; se levaremos um guarda-chuva ou não; e assim por diante.
Diariamente, todos nós analisamos, fazemos juízos, ponderamos aspectos diversos e tomamos decisões que podem ser simples e cotidianas, até as mais complexas que modificam a nossa realidade como um todo, mudando situações e tendo repercussões em nossas vidas privadas, públicas, pessoais, profissionais e, até, na vida de terceiros.
Algumas vezes podemos nos perguntar, por exemplo:
Que roupa devo usar hoje?
Qual suco vou tomar no almoço?
O que irei preparar para o jantar? Frango, carne, peixe e/ou legumes?
Qual será minha profissão?
Devo focar meus estudos em humanas ou exatas?
Com quem vou me casar?
Devo me casar ou permanecer solteiro(a)?
Ou seja, desde o questionamento mais comum até o mais intrincado, as pessoas escolhem alternativas e possibilidades para resolver problemas ou aproveitar oportunidades.
Em 1970, o polímata Herbert Simon trouxe a Teoria das Decisões como uma maneira de clarificar o comportamento humano dentro das instituições públicas e privadas. Esse economista norte-americano acreditava que a gestão era fundamentada, também, por um sistema de julgamentos, dessa forma, cada indivíduo teria um papel racional e conscientemente, tomando decisões sobre alternativas racionais de comportamento, moldando ações.
Em organizações privadas, conselhos; superintendentes; diretores e outros membros da Alta Administração precisam deliberar e assentar prontas respostas para demandas sobre investimentos, compras de insumos, aquisições, modernização, abertura de capital, obtenção de maquinário, posicionamento de mercado, análise de fornecedores, captação de recursos humanos, qualidade de seus produtos e serviços e etc.
Na Gestão Pública, por exemplo, a Alta Administração deve considerar perguntas e proposições sobre os mais variados temas, tais como: saúde, educação, nutrição dos cidadãos, relações exteriores, infraestrutura, cidadania, minas e energia, defesa, segurança pública, economia, agricultura, pecuária, abastecimento, tecnologia da informação, comunicação, inovações, ciências, meio ambiente, turismo e desenvolvimento regional, entre outros.
Muitas decisões podem conter variáveis conhecidas ou desconhecidas, possibilitando decisões programadas, não programadas, sob certeza, sob risco, sob incerteza e assim por diante.
Assim como cada cidadão deve realizar suas escolhas cotidianas, os gestores precisam fazê-lo de maneira incansável, utilizando informações de qualidade e dispositivos vigorosos para a mais acertada tomada de decisão. Entretanto, na direção de uma solução efetiva, há sequências e etapas para que esse processo de decisão resulte em benefício à toda a sociedade, sendo fundamental, a Governança, para que isso aconteça.
Colocar em prática as ações para que tenhamos resultados favoráveis e positivos diante de uma dada escolha, na gestão pública e privada, tornou-se uma condição sine qua non para a Boa Administração.
De acordo com Maximiniano, no livro "Introdução à Administração" (2009), o processo de tomada de decisões é um ingrediente substancial e inseparável das atividades de planejamento, organização, direção e controle mas, como mencionado, muito além da gestão, há a Governança para assegurar que o processo de ações seja baseado em considerações de eficiência, tornando o ato de decidir, reflexivo e sólido.
Quando bem definido, o processo decisório favorece práticas positivas de transparência, de prestação de contas, de equidade e de responsabilidade, que são vitais para efetivar as melhores ações, objetivando o bem comum e a vida em comunidade e em sociedade.
O pai da Administração Moderna, Peter Drucker, menciona que as decisões em uma organização podem ser táticas e estratégicas. Quando uma decisão é tática, ela se concentra em um âmbito mais simples, pois ela está a critério da capacidade intuitiva do decisor para tomar a decisão acertada. Já as decisões estratégicas são mais trabalhosas e possuem certo grau de dificuldade, pois o dilema, o impasse e a própria solução são desconhecidos, o que resulta em uma tomada de decisão obtida por meio de processos, visando a resolução do dilema.
Assim, o processo de decisões nos permite agir para alcançarmos nossos melhores propósitos, seja no setor público, seja no setor privado.
Importante relembrarmos que toda decisão possui alguns elementos: tomador da decisão (a pessoa que deverá escolher/ definir, entre as alternativas); objetivos (o que consta registrado como escopo de alcance mediante as ações); preferências (os critérios elencados para se fazer a escolha); estratégias (o desenho do curso de ação); situação (o contexto, fatores e possibilidades que envolvem o ambiente, dentro e fora do controle); resultados (consequências da estratégia escolhida).
Em instituições públicas e privadas, a tomada de decisão importa em enorme responsabilidade e é essencial para uma primorosa Governança.
Quando a Alta Administração delibera e realiza escolhas, não o faz por um único indivíduo. O arbítrio estabelecido poderá afetar a vida de muitas pessoas; por isso, decisões planificadas, planejadas e estruturadas são preciosas para a expansão, o crescimento e o sucesso das atividades de gestão. Ou seja, uma decisão tomada por um empreendedor ou por um agente público pode modificar a vida de uma única pessoa, de vários cidadãos, de milhares de brasileiros, quiçá, da população mundial. De outro modo, caso esse processo venha a apresentar alguma falha, pode gerar graves consequências e prejuízos incalculáveis.
Fato é que, se houver correta adequação no processo decisório, este trará, mesmo em empreendimentos privados, grande desenvolvimento ao setor público, pois há a seleção de um curso de ações entre duas ou mais alternativas possíveis, a fim de se chegar a uma solução para um dado problema.
Diante de deliberações de uma organização, há produtos e resultados gerados, que podem ser preservados ou ser entregues como respostas efetivas e úteis às exigências, às necessidades e/ou às demandas de interesse de cada indivíduo, tendo o condão de modificar aspectos do conjunto da sociedade ou de alguns grupos específicos reconhecidos como destinatários legítimos de produtos e serviços ofertados.
Nesse enquadramento, é imprescindível que haja uma sinergia entre o ente público e privado, pois somente a atuação cooperativa poderá oportunizar valor público.
Uma vez que as ferramentas da Governança estiverem efetivamente implementadas, o gestor terá maior percepção dos obstáculos a serem superados. Haverá maior compreensão do status presente com prospecção de atuação futura, o que possibilitará uma melhor análise e identificação das possibilidades existentes para a solução da problemáticas instauradas. Isso facilitará, sobremaneira, a definição dos objetivos e alternativas de curso de ação. Como consequência, o gestor conseguirá executar a alternativa escolhida com segurança, reduzindo riscos de insucesso.
Importante salientar que, quando o processo decisório é adequado, não há, mais, a necessidade de rígidas abordagens tradicionais de "controle e comando", favorecendo a flexibilidade, a orientação, a comunicação e a persuasão, propiciando maior participação social e transparência. Dessarte, a governança faculta a implementação de mecanismos inovadores para monitorar e avaliar a gestão pública, com vistas a ampliar e a melhorar a transparência e a construir credibilidade, o que é uma determinante importante nos dias atuais, diante do mundo globalizado.
As boas práticas de Governança Pública e Corporativa só alcançarão seu resultado, se o processo decisório estiver bem estruturado e se ele for rotineiramente observado, o qual tende a alentar o desempenho de todos os entes envolvidos.
A Governança: expectativa otimista para a entrega de valor público
Com destaque, a Governança Pública está relacionada ao desenvolvimento e requer estímulos apropriados para encorajar entes públicos e privados a adotarem políticas de responsabilidade social, corporativa e de sustentabilidade. Dentre os mais variados desafios, ressalta-se a manutenção do equilíbrio fiscal; a busca pela estabilidade monetária; a racionalização dos gastos públicos; o investimento em setores chave, como educação, inovação tecnológica e infraestrutura (transporte, energia, telecomunicações, etc.).
Todos os processos de administração, direção, monitoramento e incentivo, conjugados com o processo de tomada de decisão, permitem a fundamentação de resoluções oportunas e seguras, resultando em entrega de valor público.
Nesse diapasão, a Governança Pública é notável para se construir confiança e fornecer regras e estabilidade necessárias para o planejamento a curto, a médio e a longo prazo, viabilizando a interação harmoniosa e profícua entre o Estado e o público em geral. A Governança Pública permite que o Poder não seja, apenas, de controle do povo mas sim, fator de progresso da nação brasileira.
Embora Governança tenha sentido relativamente hodierno, em longa data, o senso comum mundial vislumbrou sua aplicação face aos atos de seus governantes, resultando no entendimento de que só poderá haver desenvolvimento com a valoração da relação entre "governantes" e "governados", Estados e Cidadãos, administradores e administrados.
Independentemente de qualquer fator, a humanidade compreendeu que a Governança envolve um conjunto de relacionamentos entre a administração de uma entidade, sua alta gestão, conselheiros e outras partes interessadas, fornecendo a estrutura pela qual os objetivos serão definidos, alcançados e monitorados. Por isso, tanto a gestão pública, quanto a privada, precisa usar mínimos recursos para maximinizar resultados. Trata-se do famoso fazer mais com menos.
Somente, por meio da Governança, conseguiremos construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação.
Ante todo o exposto, o processo de tomada de decisões correto, ético, integro e transparente pode direcionar e redirecionar estratégias para o sucesso da gestão e viabilizar a entrega de valor público.
Referências
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NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luis Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2014
SIMON, Herbert Alexander. Comportamento administrativo: estudo dos processos decisorios nas organizações administrativas. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1979.
*João Augusto Ribeiro Nardes é ministro do TCU e embaixador da Rede Governança Brasil - RGB. Graduado em Administração de Empresas pela Fundames (atual Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões), em Santo Ângelo, pós-graduado em política do desenvolvimento e mestre em estudos de desenvolvimento, pelo Institut Université d'Études, em Genebra, na Suíça. É egresso do Parlamento e traz consigo o gosto pelo ideário de servir à coletividade, desde sua primeira eleição, em 1972. Renunciou ao mandato de deputado federal para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União. - TCU. Imbuído das responsabilidades da magistratura de contas, presidiu a Casa no biênio 2013-2014, oportunidade em que pode implantar, entre outros conceitos, a especialização das unidades técnicas e as auditorias coordenadas. Também esteve à frente da Olacefs na primeira vez em que o Brasil exerceu a presidência da Organização, criada há mais de 50 anos para congregar as entidades de fiscalização superior da América Latina e do Caribe. Atuou em um órgão de jurisdição nacional e de estatura constitucional como o Tribunal de Contas da União. É autor de várias publicações, incluindo o livro: "Da Governança à Esperança".
**Elise Eleonore de Brites é professora, advogada, administradora. Formação em Auditoria Líder (ISO 37001 e 37301). Mestre em Educação. Pós-graduada em Direito Processual e Material de Família, Português Jurídico, bem como em Direito Público com ênfase em Compliance. Estudou no Tarsus American College. Diretora de Relações Institucionais e Coordenadora do Comitê de Educação e Mulheres da Governança da Rede Governança Brasil - RGB. Foi presidente da Associação Nacional de Compliance - ANACO (biênio 2018-2020). Foi membro da Comissão de Combate à Corrupção e da Comissão de Compliance da OAB/DF. Foi vice-presidente da Comissão de Legislação, Governança e Compliance da Subseção da OAB de Taguatinga. Possui formação em Investigação pela Academia Paulista de Investigação. Criteriosa Civilista e Criminalista com vigoroso trabalho na área da Conformidade. É analista superior de uma grande Estatal requisitada como Analista de Cooperação Jurídica Internacional em um órgão público. Profissional com vários anos de experiência no assessoramento jurídico, incluindo as políticas anticorrupção e a implementação do Programa de Integridade. Com forte atuação nas áreas de Governança, Gestão de Riscos e Compliance, tanto no setor público quanto no privado. Conferencista, Debatedora e Palestrante nos mais variados temas. É Coach Ético, Instrutora do Procedimento de Apuração de Responsabilidade - PAR; Gestão do Programa de Integridade; Código de Conduta e Integridade. Trabalhou com a aplicação de penalidades, realiza treinamentos e cursos internos e externos, entre inúmeras outras atividades atreladas ao cumprimento normativo nacional.