Emerson Ademir Borges de Oliveira
Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga
As universidades, historicamente, traduzem um conjunto de itens de conhecimento - universitas - voltados para a educação. Eram as "essências universais" do conhecimento, isto é, aquilo ao qual alguns poucos privilegiados, que pudessem pagar, teriam acesso ao contratar determinados experts em temas profundos e complexos.
Como conhecemos na atualidade, a Universidade de Bolonha, na Itália, é considerada a mais antiga, criada em 1088. Bolonha também detém a origem do curso universitário de Direito, ainda no século XX, com disciplinas como lógica e retórica. No Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro detém a origem, em 1920.
Não se deve olvidar, no entanto, que, antes deste modelo, já existiam instituições conglobantes vocacionadas à disseminação do conhecimento em alto nível, como os mosteiros. Há até mesmo quem entenda desta forma o famoso bosque de Academos, próximo a Atenas, fundado por Platão em 387 antes de Cristo e que originou o termo "academia". Embrionariamente, e próximo ao modelo como conhecemos, também se costuma mencionar a Universidade de Nalanda, na Índia, fundada no século V.
De qualquer forma, vê-se assim, nitidamente, como o Brasil ainda engatinha no tocante às suas universidades. E não se trata de um problema do novo mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, as Universidades antecederam em muito suas homônimas brasileiras: Harvard (1636), Yale (1701), Stanford (1885), Texas (1881), Notre Dame (1842), Nova Iorque (1831), Columbia (1754), Princeton (1746) e o Massachusetts Institute of Technology (1861).
Na Constituição de 1988, as universidades ganharam atenção no artigo 207, segundo o qual as universidades "gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".
Em termos bem simples, o ensino volta-se para a atividade teórica, ao passo que a pesquisa busca implementar, na prática, os conhecimentos adquiridos. A extensão, por sua vez, busca estreitar os laços entre a Universidade e a comunidade por meio de atividades em que sejam exteriorizados o conhecimento e a prática adquiridos. Eis o tripé que deve guiar o ensino superior brasileiro.
Há um vínculo intrínseco entre o desenvolvimento do país e o nível de suas universidades. A pesquisa, o ensino e a extensão são elementos essenciais para o incremento do parque tecnológico e das relações sociais de uma pátria. O nosso atraso universitário, com reflexos inequívocos no desenvolvimento do país, pode ser anualmente medido no ranking elaborado pela QS Top Universities. Em 2018, a Universidade de São Paulo, brasileira mais bem posicionada no ranking, ocupa apenas a 121ª posição, perdendo, inclusive, para a vizinha Argentina. Não por acaso, das dez melhores instituições, cinco se encontram nos Estados Unidos, quatro na Inglaterra e uma na Suíça1.
As Universidades Públicas possuem um custo demasiadamente alto e, nos termos do entendimento do STF, consubstanciado em parte na Súmula Vinculante 12, não podem, pela Constituição, cobrar nenhum tipo de taxa ou mensalidade dos alunos, exceto por cursos lato sensu, pois, de "acordo com a Universidade, esses cursos não se confundiriam com a atividade de ensino primordialmente por ela desempenhada e matéria da Súmula Vinculante 12"2. Logo, o papel das Universidades públicas as obrigaria ao fornecimento gratuito de cursos de ensino superior e pós-graduação stricto sensu. Ademais, ressalte-se a tese fixada no RE-RG 5978954, rel. Min. Edson Fachin: "a garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização".
Isso, contudo, não basta. Os números são consideráveis. Em 2018, as despesas previstas da Universidade Federal do Rio de Janeiro são de R$ 3,74 bilhões; na Universidade Federal de Minas Gerais, R$ 2,21 bilhões; na Universidade de São Paulo, R$ 5,1 bilhões; da Universidade Estadual Paulista, R$ 2,6 bilhões.
A bem da verdade, existem dois custeios universitários: os próprios alunos, no caso das universidades privadas, e os contribuintes, no caso das públicas. Eis a necessidade de se criar uma terceira via, justa e inclusiva, mas decisiva no nosso processo de desenvolvimento econômico e social.
É preciso salientar que a promoção da educação em nível superior nos últimos anos tem se voltado, acertadamente, para a "inclusão de camadas menos favorecidas e historicamente alijadas da tutela estatal no sistema educacional"3. Nesse sentido, programas como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e sistemas de cotas em universidades públicas.
Evidente que a extensão do ensino superior não desobriga à melhoria qualitativa do ensino básico, até mesmo como forma de promover um melhor desenvolvimento do aluno na esfera universitária e resultados mais eficazes na esfera profissional e, consequentemente, maior desenvolvimento ao país. Vale dizer, o investimento na educação básica provoca, por consequência, a melhoria do próprio ensino superior.
Mas não se deve olvidar que, em questão de Justiça social, é natural que o ensino público seja custeado, ainda que por valores módicos, por aqueles que não sejam considerados carentes. Aos demais, a concessão de bolsas que, aos necessitados, pode chegar a 100%, além de outros auxílios materiais.
Para que se tenha uma noção, em Portugal, as universidades públicas cobram anuidades que chegam a 7000 euros ao ano, como em Coimbra, incluindo o curso de medicina. Estudar Direito em Harvard não sai por menos de 50 mil dólares ao ano.
O artigo 76, 2 da Constituição Portuguesa possui uma redação muito próxima da Constituição brasileira, afirmando que as "universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino". O artigo 76, 1, ainda, assegura a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino. Diante disso, entendem Canotilho e Vital Moreira que o sistema deve criar meios de isenção ou apoio financeiro àqueles que não possuem meios materiais para alcançar o nível superior4. Contudo, isso não impede, como ocorre, em especial a partir da autonomia financeira, que as universidades possam arrecadar receitas próprias, "contando-se entre aquelas as taxas cobradas aos utentes (propinas) e o pagamento dos seus serviços ao exterior"5.
Há, assim, um nítido jogo de equilíbrio, em prol dos interesses do país. De um lado, a necessidade de manutenção e de incremento qualitativo do círculo universitário, possibilitando mais vagas, maior acesso, melhor qualidade de ensino e remuneração condigna dos docentes, para que estes, de fato, dediquem-se integralmente à academia. De outro, a oferta de um ambiente acadêmico de alto nível para pessoas de baixa renda. Nos dois lados, o desenvolvimento tecnológico, cultural, financeiro e social do país.
Como ressalta Marcos Augusto Maliska, a "autonomia de gestão financeira e patrimonial consiste, para as Universidades Públicas, na competência para gerir os recursos públicos disponíveis. A autonomia exige o estabelecimento de prioridades e o desenvolvimento de planos a médio e longo prazo, de modo a fazer com que a instituição utilize os recursos de forma racional e criteriosa, evitando o desperdício e a ineficiência"6.
Em contraposição, por lógica, a possibilidade de cobrança nas universidades públicas deve gerar uma diminuição da carga tributária, bem como da receita vinculada de impostos destinada à promoção da educação, eis que tais instituições passam a ter, pelo menos em parte no que toca a seus gastos, receitas próprias.
Por evidente, a proposta jamais deve ser onerar ainda mais o estigmatizado contribuinte brasileiro, mas proporcionar-lhe, em termos de ajustes econômicos, contraprestações mais relativas ao seu próprio uso. Não se olvide, ademais, que, em um Estado de tamanha desigualdade aos carentes será oferecido o ensino superior de qualidade, proporcionando-lhes a libertação das amarras tentadoras de um Estado eminentemente assistencialista.
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1 Disponível em: . Acesso em: 9 out. 2018.
2 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.712.
3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.709.
4 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. v.I. p.911.
5 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. v.I. p.915.
6 MALISKA, Marcos Augusto. Comentários ao artigo 207. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et ali. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p.1969-1970.