COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Elas no Processo

Temas atuais e relevantes de Direito Processual.

Flávia Pereira Hill, Cristiane Rodrigues Iwakura, Flávia Pereira Ribeiro, Renata Cortez e Fernanda Gomes e Souza Borges
Desde 2018, com o desenvolvimento do Projeto Victor, a discussão sobre aplicação da inteligência artificial ao Direito vem ganhando espaço no cenário brasileiro. Argumentos contrários e favoráveis permeiam os debates de juristas que se debruçam em examinar as consequências da introdução de novas ferramentas no sistema de justiça brasileiro. O processo jurisdicional passa a conter novos elementos que buscam otimizar o trabalho dos servidores diminuindo ou acabando com o tempo morto do processo, assim como agregando novas unidades de trabalho. Nesse sentido, não é suficiente pensar o processo jurisdicional com a visão conservadora e privatista que sempre existiu. Ao lado da introdução de novas tecnologias, o processo e o judiciário ganharam outra roupagem com o CPC/15. Hoje, o ideal é que uma decisão proferida pelas altas Cortes brasileiras seja replicada pelos demais órgãos judiciais e administrativos, formando uma cadeia argumentativa convergente capaz de trazer mais isonomia e previsibilidade aos jurisdicionados. Essa cadeia argumentativa deve possuir um tempo razoável e, para tanto, o judiciário vem investindo em tecnologia para aperfeiçoar e apoiar a prestação da tutela jurisdicional.  Ao lado dessa visão aberta é preciso incorporar, em seus conceitos, definições e natureza jurídica, elementos como vulnerabilidade digital, acesso às Cortes e atuação universalizável da decisão. A inteligência artificial vem contribuindo muito para a aproximação da tecnologia ao Direito. E as mudanças são surpreendentes! O que dizer sobre a exponencial exposição que tem-se sobre informações (dados) que podem significar encaminhamentos estratégicos em atividades profissionais. Uma pesquisa em desenvolvimento, no MIT-CSAIL, mostra um inovador sistema de ativação de cores e atualização de imagens em superfícies de objetos pode revolucionar todo um sistema "estável" de designs de objetos de nosso dia-a-dia, com potencial para torná-los - assim como nossas telas de computador, smartphones - objetos fornecedores de informações permanentemente atualizáveis (como uma caneca de chá ou café), que pode apresentar em sua superfície nossa agenda de compromissos, notícias profissionais relevantes, processos de notificações ou redes profissionais/sociais. E o ChromoUpdate é apenas um exemplo do que indica que a era da inteligência artificial propõe em relação a novos paradigmas e desafios. Este processo de ressignificação de estruturas tradicionais de recebimento de dados, associado à fluidez nos tempos atuais, apresenta novas demandas de velocidade. A construção, comunicação e ajuste da decisão ao tempo em determinada sociedade é um destes processos impactados e fator de profundo estresse e desafios. Neste contexto, há um papel muito interessante da tecnologia, no sentido de incrementar as capacidades humanas, ampliando sua percepção, atenção ao detalhamento, robustez, coerência, agilidade, entre outras. A reflexão aqui exposta pretende apresentar alguns elementos para contribuir para este debate, pois a ideia de volatilidade, incerteza e especialmente insegurança e instabilidade estão na base das maiores preocupações sobre a inter-relação do Direito com a tecnologia. Por outro lado, a tecnologia também se perfila como instrumento de apoio, de racionalidade sistêmica e de estabilidade coerente. Nesses último anos, as pesquisas e o desenvolvimento de ferramentas de IA para o Judiciário realizados por diferentes patrocinadores confirma a necessidade de revisão de conceitos clássicos ao processo e traduz concretamente o apoio ao desenvolvimento comportamental. Entre os projetos que demonstram essa necessidade de revisão destacam-se: a) Projeto Victor (STF), b) Projeto Mandamus (TJ/RR), c) Projeto COnFIA (certificação ética em IA), d) Projeto JuLIA-IA  na logística jurisdicional, e) Projeto PNUD/CNJ/UnB (IA aplicada a precedentes), f) Projeto PG/DF ( IA aplicada à execução fiscal), g) Projeto JF/DF (IA aplicada a precedentes para JF do DF), h) Projeto Sabiá  (IA aplicada a precedentes para TST) , i) FAP/DF - Projeto Centro de Inteligência Artificial do DF. Todos esses projetos foram ou estão ocorrendo em parceria com o laboratório DR.IA da Universidade de Brasília. Especificamente, o projeto de pesquisa e desenvolvimento denominado Mandamus busca aplicação de machine learning em dataset formado por dados de processo judicial, constituindo apoio à prestação jurisdicional.1 No Mandamus, a aplicação de machine learning foi utilizada para aprimorar a comunicação dos atos processuais via mandados, atuando diretamente nas varas e na central de mandados do TJRR. O projeto buscou fazer um apoio na identificação de mandados, estruturação de formatos considerados adequados pelo Tribunal e a distribuição das intimações mais recorrentes dos processos para o cumprimento da diligência prevista no mandado, com ganho de eficiência e em associação a um sistema de localização do agente e da pessoa que vai receber o mandado. Esse projeto surgiu da identificação do tempo consumido nos fluxos de processamento do processo judicial, que dificulta a concretização de compromissos na administração da prestação jurisdicional. Mandados sem cumprimento, mandados com cumprimento equivocado, muito trabalho para a produção do mandado e muito tempo consumido nestes procedimentos acabavam por dificultar a rotina e a gestão das varas e do Tribunal no cumprimento de suas respectivas metas e compromissos. O Mandamus foi desenvolvido para processamento e classificação de textos processuais e informações, podendo ser enquadrado como um classificador complexo para apoiar a execução do mandado e, com isso, contribui para a estruturação de dados2 judiciais, a identificação de padrões, a otimização do tempo de cumprimento (agilidade), a eficiência no cumprimento (qualidade de documentos/certidões) e aprimoramento dos recursos humanos envolvidos (estratégia para recursos humanos). O projeto Mandamus, a partir do tagueamento de decisões e mandados do banco de dados disponibilizado pelo TJRR, permite associar tipos de decisão geradora de mandado a documentos construídos a partir de templates e referenciais estabelecidos e validados pelo próprio tribunal. Desta forma, o robô de geração de mandado atua sobre dados textuais de decisões jurisdicionais, identificando e associando as classes prioritárias definidas por critério de frequência e oportunidade. Os mandados gerados integram a central e o robô de distribuição, que a partir de outros referenciais estabelecidos ao corpo de oficiais e respectiva geolocalização, otimizam e auxiliam o cumprimento. Na busca de um equilíbrio entre o potencial de velocidade de ações dado pela inteligência artificial com a estabilidade, coerência e compromissos axiológicos do sistema de justiça, o foco de interesse das investigações e desenvolvimento realizados pelo Laboratório de pesquisa DR.IA da UnB, foi a perspectiva de otimização e apoio impactada pelo contexto de aperfeiçoamento da compreensão de racionalidade sistêmica e pelas possibilidades de enfrentamento de grandes desafios sistêmicos postos. Esta é a linha de pensamento que se desenvolve no DR.IA, um laboratório de aplicação, a partir do grupo de pesquisa e constitui um ambiente de investigações e aplicações de inteligência artificial voltada ao Direito. Inspirado nas redes neurais concebidas por McCullock e Pitts (1943) e reconcebidas por Fukushima (1975) ao estabelecer com a ideia de pesquisas, projetos, produtos e cursos em redes e interconexões, agrupando conhecimentos em formatos de multicamadas com a proposta de melhorar continuamente. _____ 1 Para maiores informações sobre o projeto consultar aqui e aqui. 2 Uma ideia da complexidade do sistema de governança de dados e das possibilidades especialmente em face da LGPD foi abordado no artigo Governança de dados aplicada a Big Data analytics (CARVALHO, et al., 2020). 3 ACKERMAN, Dan. With a zap light, system switche object's colors and patterns. Reportagem CSAIL-MIT. Disponível aqui. 4 BONAT, Debora; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano. Inteligência Artificial e Precedentes Coleção Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial. 1 ed. v. 3. Curitiba: ed. Alteridade, 2020. ISBN 978-65-991155-0-9. 5 DEZAN, Matheus Lopes; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano. Soluções de inteligência artificial como forma de ampliar a segurança jurídica das decisões jurídicas. Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, v. 1, n. 18, 2019. Disponível aqui. 6 HARTMANN PEIXOTO, Fabiano. Inteligência Artificial e Direito: convergência ética e estratégica. Coleção Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial. 1.ed. v. 5. 2020. Curitiba: ed. Alteridade. ISBN 978-65-990587-2-1. 7 LAGE, Fernanda de Carvalho; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano. A Inteligência Artificial nos Tribunais brasileiros: princípios éticos para o uso de IA nos sistemas judiciais. In: GUEDES, Jefferson Carús; PINTO, Henrique Alves; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira. Inteligência artificial aplicada ao processo de tomada de decisões. 1.ed. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D'Plácido, 2020. ISBN 9786555890945 8 MOZETIC, Vinícius Almada. Os sistemas jurídicos inteligentes e o caminho perigoso até a teoria da argumentação de Robert Alexy. Revista Brasileira de Direito, IMED, v. 3, n. 3, 2017. Disponível aqui. 9 SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho; CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano. A inteligência artificial aplicada à criação de uma central de jurisprudência administrativa: o uso das novas tecnologias no âmbito da gestão de informações sobre precedentes em matéria administrativa. Revista do Direito UNISC, v. 3, n. 50, 2020. Disponível aqui. 10 ZHONG, Haoxi et al. How Does NLP Benefit Legal System: A Summary of Legal Artificial Intelligence. Disponível aqui.
 A Corte Especial do STJ retoma o julgamento do tema 1.076, no qual se analisa a obrigatoriedade da observância dos percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC. O tema repetitivo 1.0761 do STJ envolve o debate sobre a possibilidade de fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou proveito econômico for elevado. A discussão em si tem origem na interpretação elástica - pelos magistrados - da norma prevista no inciso 8º do art. 85 do CPC, que estipula que os honorários devem ser arbitrados utilizando-se a apreciação equitativa nas hipóteses de valor inestimável ou irrisório do proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. Tal elasticidade ocorre diante da enorme preocupação do Poder Judiciário com a fixação de honorários elevados nos casos em que a Fazenda Pública é derrotada. A matéria já havia sido pacificada na 2ª seção do STJ2, para quem os honorários devem ser fixados no patamar de 10 a 20%, "concorde-se ou não", conforme o art. 85, parágrafo 2º, CPC, independentemente da parte sucumbente, mas agora o tema será decidido sob a forma dos repetitivos e formação de precedente vinculante, nos termos do disposto 927, III do CPC, em razão da verificação de inúmeros casos de afastamento da norma legal. Há de se observar que a CF/88 estabelece que o advogado é essencial à administração da justiça e que as verbas arbitradas a título de honorários de sucumbência possuem natureza alimentar, o que demonstra a necessidade de que sejam fixadas de modo justo e compatível com a importância que reveste a causa. Além disso, o atual diploma processual alterou substancialmente a disciplina dos honorários sucumbenciais no ordenamento jurídico pátrio, certamente com vistas a coibir a prática tão recorrente de se fixar honorários sucumbenciais em valores módicos, sem critérios e parâmetros. Dentre as modificações e inovações, destaca-se o fato de que agora, sem qualquer margem para interpretação diversa, os honorários somente podem ser fixados por equidade de forma subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa. Sobre o tema, leciona Rogerio Licastro Torres de Mello: "Há, de vez por todas, e concorde-se ou não com tal orientação, a tomada de posição acerca da regra elementar de fixação da honorária sucumbencial: os honorários de sucumbência devem ser fixados em percentuais (10% a 20%) sobre determinada expressão econômica da causa, sendo expressamente subsidiária a estipulação por equidade"3. Como bem registra Ronaldo Cramer4, os dezenoves parágrafos do artigo 85 do CPC apresentam respostas para grande parte dos problemas envolvendo honorários de sucumbência, definindo-se como regra a fixação de honorários sobre o valor da condenação principal, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa. Com isso, o arbitramento por equidade passou a ser exceção, sendo permitido apenas quando for "inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo" (art. 85, §8º do CPC). Diante da clareza da norma processual, não remanesce qualquer dúvida de que, em havendo valor de condenação, proveito econômico imediatamente auferível, que não se mostre irrisório ou que o valor da causa não seja muito baixo, os honorários sucumbenciais devem necessariamente ser fixados entre 10% e 20%, nos exatos termos do disposto nos artigos 85, §2º, do CPC. Sendo referida norma categórica e o rol para arbitramento de honorários por equidade taxativo, o esforço em defender aplicação diversa é evidentemente contrária a mens legis, negando reconhecimento, valorização e proporcional remuneração ao advogado da parte que se logrou vencedora na ação judicial. Não se pode tolerar o aviltamento dos honorários em nenhuma hipótese, merecendo ainda mais repúdio o arbitramento por equidade em valores módicos quando os honorários, em consonância com texto expresso de lei, obrigatoriamente deveriam ser calculados sobre a condenação, o proveito econômico ou o valor da causa - que resultaria, ao final, em quantia muito superior ao fixado por equidade. Em que pese a redação clara da norma e a interpretação dada pela doutrina, ainda há vozes dissonantes dentro do Poder Judiciário, razão pela qual surgiu a necessidade de unificação de entendimento. Na última semana do ano judiciário de 2021 foi iniciado o julgamento do tema 1076. O ministro relator Og Fernandes fez registrar em seu voto que a questão interessa a um milhão de advogados. Em seu voto, o Ministro registrou que não é "facultado" ao julgador aplicar o parágrafo 3º ou 8º do art. 85 do CPC. Além disso, o Relator fez importante apontamento sobre a alteração do novo CPC quanto ao ponto em discussão, que superou a jurisprudência do STJ quanto à possibilidade de arbitramento por equidade nas causas em que a Fazenda Pública fosse vencida: "o fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte". Nesse passo, acertadamente, o ministro Og Fernandes, em seu voto - que se espera seja acompanhando pelos demais ministros que compõem a Corte Especial -, propõe as seguintes teses: "1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."5  Os ministros Jorge Mussi e Mauro Campbell Marques acompanharam o relator, tendo sido o julgamento suspenso por pedido de vista da Ministra Nancy Andrighi. Espera-se assim que a Corte Especial ratifique o entendimento já assentado até então, e agora nos exatos temos do voto do ministro Og Fernandes, vindo a reconhecer a evidente vontade legislativa no sentido que, via de regra, os honorários sucumbências devem ser fixados na proporção de 10% a 20% da condenação ou proveito econômico, em respeito à norma processual e segurança jurídica. _____ 1 Resp 1.850.512, Resp 1.877.883, Resp 1.906.623 e Resp 1.906.618. 2 STJ. Resp 1.746.072/PR. Segunda seção. min. rel. do voto vencedor RAU ARAÚJO. j. 13/2/19. 3 MELLO, Licastro Torres de. Honorários advocatícios: sucumbenciais e por arbitramento. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. 4 CRAMER, Ronaldo. Comentários ao CPC - volume 1 (arts. 1º a 317). Cassio Scarpinella Bueno [coordenador]. São Paulo: Saraiva, 2017. 5 Disponível aqui.
No dia 28/12/21, foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória 1.085, que tem sido apontada como a MP da modernização dos registros públicos, por ter implementado uma série de modificações na legislação registral e notarial, inclusive na LRP - Lei de Registros Públicos, 6.015/73. Por ter força de lei, a MP 1.085/21 se encontra em pleno vigor, até que eventualmente venha a perder a sua eficácia, nos termos do art. 62, §3º, da CF/88, de modo que suas disposições devem ser interpretadas para que sejam adequadamente cumpridas por seus destinatários, notadamente os delegatários dos serviços notariais e de registros. No presente texto, serão abordadas as alterações promovidas no art. 9º da LRP, com a inserção de três parágrafos que versam sobre a contagem dos prazos nos registros públicos, dada a sua relação com o direito processual civil. Prefacialmente, cumpre destacar que, antes da vigência do atual CPC, não havia qualquer dúvida acerca da contagem dos prazos nas serventias extrajudiciais em dias corridos, exceto se a legislação expressamente estabelecesse forma diversa. Não havia qualquer disposição sobre o tema na LRP e era pacífica a aplicação subsidiária ao procedimento notarial e registral das regras contidas no CPC anterior (CPC/73), no qual a contagem dos prazos se dava de forma contínua. O art. 219 do CPC, no entanto, passou a dispor que, na contagem dos prazos em dias, fixados pela lei ou pelo juiz, devem ser computados apenas os úteis, ressaltando-se, no parágrafo único, que essa regra se aplica exclusivamente aos prazos de natureza processual. A partir da premissa de que as normas do CPC se aplicam supletiva e subsidiariamente aos processos1 que tramitam nas serventias notariais e de registros, por força do seu art. 152, bem como diante da lacuna normativa sobre a matéria na LRP, passou-se a discutir se o art. 219 do CPC tem ou não incidência no tocante aos prazos prescritos na legislação notarial e registral. Para Vitor Frederico Kümpel e Rodrigo Pontes Raldi, com a vigência do CPC/15, os prazos notariais e registrais, relativos aos processos que tramitam nas serventias extrajudiciais, devem ser contados em dias úteis, dada a aplicação subsidiária prevista no art. 15. Como exemplo, mencionam o prazo para afixação do edital de proclamas para fins de habilitação para o casamento (15 dias), que, segundo os autores, tem natureza de processo administrativo3. João Pedro Lamana Paiva sugere que, tendo em vista a aplicação subsidiária do CPC ao Registro de Imóveis, a contagem em dias úteis deveria incidir nos seguintes procedimentos: retificações administrativas (arts. 212 e 213 da LRP), usucapião extrajudicial, procedimento de dúvida, registro de loteamento (art. 167, I, 19, da LRP), instituição de bem de família (art. 260 e seguintes da LRP), intimação para consolidação de propriedade na garantia de alienação fiduciária (lei 9.514/97)4. A questão foi submetida à apreciação de algumas Corregedorias Gerais de Justiça estaduais, órgãos responsáveis pela fiscalização e normatização dos serviços notarias e de registros, e ensejaram, inclusive, a alteração das respectivas consolidações normativas. Em São Paulo/SP, no ano de 2017, a ARISP - Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo formulou consulta à Corregedoria a respeito da forma de contagem dos prazos relacionados à prática de atos registrais, considerando a vigência do CPC5. Caso a resposta fosse afirmativa quanto à contagem em dias úteis, questionou-se também se o art. 219 incidiria sobre todos os prazos previstos na LRP incluindo prenotações, ou apenas em relação aos prazos fixados para a prática de ato em típicos procedimentos administrativos. No parecer exarado pelos juízes assessores da Corregedoria, inicialmente, entendeu-se que o debate deveria girar apenas em torno dos prazos concernentes aos procedimentos administrativos, não havendo que se falar na aplicação do art. 219 do CPC aos prazos registrais e notariais de natureza material. Em seguida, destacou-se a existência de divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da distinção entre prazos de direito material e de direito processual, tendo em vista a dificuldade de fixar conceitos que segreguem uns de outros de forma segura. Também se argumentou que os prazos contidos na legislação notarial e registral foram fixados a partir do pressuposto da sua contagem de forma contínua e que a contagem em dias úteis resultaria numa ampliação desnecessária desses prazos. Além disso, a regulamentação do processo eletrônico facilitou toda a sistemática relativa aos atos processuais, com a consequente redução do tempo a ser dispendido para a sua prática. Destarte, seria um contrassenso o prolongamento dos prazos da legislação notarial e registral a partir da sua contagem em dias úteis. Com isso, concluiu-se pela necessidade de normatização do tema, tendo-se promovido a modificação das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais de São Paulo, que, em seu item 19.16 passou a dispor que "Contam-se em dias corridos todos os prazos relativos à prática de atos registrários e notariais, quer de direito material, quer de direito processual, aí incluídas, exemplificativamente, as retificações em geral, a intimação de devedores fiduciantes, o registro de bem de família, a usucapião extrajudicial, as dúvidas e os procedimentos verificatórios"7. Outras consolidações normativas extrajudiciais, no entanto, não contêm qualquer regra geral relativa à contagem dos prazos, mantendo uma espécie de regramento misto, com algumas disposições prevendo contagem em dias úteis, outras em dias corridos e outras fazendo menção apenas ao termo "dias", cabendo ao delegatário interpretar a norma e definir se a contagem se dará em dias corridos ou úteis8, o que, indiscutivelmente, enseja orientações divergentes e põe em risco a segurança jurídica. Revela-se, pois, salutar, a fixação de regras na própria legislação notarial e registral que versem sobre a forma da contagem dos prazos. É o que se propôs a fazer a MP 1.085/21, ao alterar o art. 9º da LRP. Segue a redação atual do referido dispositivo: "Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade. § 1º Serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos. § 2º Para fins do disposto no § 1º, consideram-se:       I - dias úteis - aqueles em que houver expediente; e   II - horas úteis - as horas regulamentares do expediente.      § 3º A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil." De proêmio, deve-se registrar que a MP 1.085/21, nesse ponto, revela-se inconstitucional. Nos termos do art. 62, §1º, inciso I, alínea "b", da CF/88, é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito processual civil, que fica reservada à lei federal ordinária (art. 22, inciso I, da CF/88). Não é a primeira medida provisória, entrementes, que promove alterações na legislação processual civil e algumas delas foram convertidas em lei, hipótese que não deve ser descartada no caso da MP 1.085/21. Ademais, como já dito, suas disposições já se encontram em vigor, devendo ser implementadas de imediato, de modo que devem ser objeto de análise pela doutrina especializada. Ultrapassada, pois, essa advertência, e passando-se à análise dos parágrafos do art. 9º da LRP, vê-se que houve, em seu §1º, expressa menção à contagem em dias úteis do prazo de vigência da prenotação - critério diverso daquele até então empregado habitualmente nas serventias, qual seja, em dias corridos. Nos termos do art. 205 da LRP, também alterado pela MP 1.085/21, "cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos vinte dias da data do seu lançamento no protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais". Assim, o prazo foi reduzido de 30 para 20 dias, considerando-se agora apenas os úteis. Tratando-se de procedimentos de regularização fundiária de interesse social, o prazo será de 40 dias úteis (art. 205, parágrafo único, da LRP). Ainda de acordo com o parágrafo primeiro, no tocante aos atos praticados pelos oficiais de registros de imóveis, de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas, todos os prazos serão contados em dias e horas úteis, considerando-se como dias úteis aqueles em que houver expediente e como horas úteis, aquelas regulamentares do expediente (art. 9º, §2º, da LRP). Note-se que não houve distinção, no art. 9º, §1º, da LRP, entre prazos materiais e processuais9. A exceção fica para os prazos contados em meses e anos e para aqueles com previsão diversa na lei. Entende-se que o termo "lei" deve ser interpretado de forma ampla, a fim de designar toda a legislação registral, inclusive atos normativos expedidos pelas Corregedorias Gerais de Justiça estaduais, geralmente contidas em suas respectivas consolidações normativas. Claro que tais consolidações deverão ser adaptadas ao texto da LRP, com as alterações decorrentes da MP 1.085/21, porém se espera que essa adaptação advenha somente após a sua conversão em lei, caso esta venha efetivamente ocorrer. Quanto aos prazos relativos aos atos praticados pelos usuários dos serviços, a regulamentação expressa restringiu-se ao pagamento dos emolumentos, cuja contagem deve se dar em dias úteis. No que pertine aos demais atos, deve ter incidência o §3º do art. 9º, da LRP, segundo o qual a contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil, os quais estão definidos no CPC de 2015 e os principais são os seguintes: a) na contagem de prazo processual em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis (art. 219); b) salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento (art. 224, caput); c) os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente da serventia for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica (art. 224, §1º10). De se ressaltar que o teor do art. 9º, §1º, da LRP, trazido pela MP, destoa, inclusive, do disposto no art. 219 do CPC, tendo em vista que o diploma processual prevê a contagem apenas dos dias úteis, conduzindo a doutrina a considerar que os prazos, mesmo os processuais, fixados em minutos, horas, meses ou anos devam ser contados continuamente11-12. Humberto Theodoro Junior esclarece que os prazos processuais fixados em meses ou anos serão contados na forma do artigo 132, §3º, do CC/02, expirando, portanto, no mesmo dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência13. Na realidade, o §3º do art. 9º da MP deverá servir como norte interpretativo para todas as situações não previstas no §1º do referido artigo, incluindo os atos praticados pelos oficiais do registro civil das pessoas naturais, os quais não foram mencionados no texto da MP 1.085/21. Terá havido esquecimento ou silêncio eloquente? Será mesmo que a ideia, em relação aos atos praticados pelos registradores civis das pessoas naturais, é a de deixar sempre ao crivo do delegatário decidir se os prazos devem ser contados em dias úteis ou corridos, a partir da interpretação da legislação processual civil? Entende-se - não sem lamentar - que, de acordo com a redação dada ao art. 9º, §1º, os prazos relativos ao registro civil de pessoas naturais mantêm-se inalterados, em razão da regra hermenêutica "ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit", ou seja, "quando a lei quis, determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio"14. Critica-se, contudo, o perigo de se perpetuarem as divergências, a indefinição e a insegurança jurídica, especialmente no tocante aos atos cujos prazos ensejem dúvidas quanto ao seu enquadramento em materiais ou processuais, a exemplo dos prazos para fornecimento de certidões e para promover averbações, a pedido do usuário. Ademais, a contagem em dias úteis pode ensejar um aumento considerável dos prazos, o que demanda adequação normativa, como ocorreu em relação à prenotação dos títulos no registro de imóveis. Considera-se, por exemplo, que a habilitação para o casamento se caracteriza como processo extrajudicial, de modo que seus prazos devem ser contados em dias úteis. Em sendo assim, afigura-se imprescindível a revisão dos prazos previstos na LRP e no CC15, com a redução de alguns deles, para que não haja um prolongamento desnecessário, como decorrência da contagem em dias úteis. Não se pode também olvidar que no RCPN - registro civil das pessoas naturais tramitam diversos outros processos, cujos prazos devem ser contados em dias úteis: retificações, restaurações, reconhecimento de filiação socioafetiva, registro tardio, alteração de prenome e gênero, averiguação oficiosa de paternidade etc. Não há, pois, qualquer motivação razoável para a não inclusão do RCPN no §1º do art. 9º. Espera-se que o problema seja corrigido em caso de conversão da MP 1.085/21 em lei16, com a definição de critérios objetivos para a contagem dos prazos dos atos praticados pelos oficiais dos RCPN ou a sua inclusão no §1º do art. 9º da LRP. Por fim, deve-se dizer que, embora a LRP verse sobre registros públicos, as regras contidas nos parágrafos do art. 9º devem incidir, no que couber, à prática dos atos notariais pelos tabeliães de notas e de protestos, dada a falta de lei específica regulamentando a atividade, no primeiro caso, e a lacuna sobre o tema na lei 9.492/97, no segundo. _____ 1 Chamados usualmente de procedimentos administrativos. As autoras, porém, consideram tratar-se de processos extrajudiciais. 2 Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. 3 A contagem dos prazos no novo CPC e sua repercussão para a atividade de registro. Disponível aqui. 4 O novo CPC e as repercussões nas atividades notariais e registrais. Disponível aqui. 5 Processo 2017/49880, Parecer 137/2017-E. Disponível aqui. 6 Trata-se do item 13.1, na verdade. 7 Norma de igual teor pode ser encontrada também no Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Mato Grosso do Sul (art.  765). O Código de Normas da Bahia também prevê a contagem dos prazos em dias corridos, mas contém várias disposições determinando a contagem em dias úteis, a exemplo do procedimento da usucapião extrajudicial (art. 27, §11 e art. 1.429-O). 8 É o caso, por exemplo, das consolidações normativas extrajudiciais do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e de Pernambuco. 9 Segundo Wambier e Talamini, prazo processual é o período máximo de tempo dentro do qual se admite a realização do ato processual. Para os autores, ato processual, por sua vez, consiste em "toda manifestação da vontade humana que tem por fim criar, modificar, conservar ou extinguir posições jurídicas (direitos, deveres, ônus, poderes etc) integrantes de uma relação jurídica processual presente ou futura". WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Volume 1. 16. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. pp. 578 e 483, respectivamente. Para Marco Aurélio Ventura Peixoto, "prazo processual é o intervalo temporal de que se dispõe para a prática de um ato processual ou que acarreta consequências de ordem processual, distinguindo-se assim do prazo material, que é o lapso que se tem para a prática de um ato não qualificado como processual, mesmo que previsto no Código de Processo Civil". PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. A advocacia pública e a prerrogativa da contagem em dobro para os prazos fixados pelo juiz. In: Publicações da Escola da AGU: O Código de Processo Civil de 2015 e a Advocacia Pública Federal. Questões Práticas e Controvertidas. Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal - volume 9, n. 4 (out/dez 2017), p. 166. Para Teresa Arruda Alvim e Arthur Mendes Lobo, a interpretação mais adequada e condizente com a segurança jurídica é a que considera prazos processuais aqueles "fixados em lei ou em decisão judicial que determinam "quando" e "como" devem ocorrer situações jurídicas que geram efeitos processuais. São atos que marcam as fases do processo e impulsionam o feito para a fase seguinte". ALVIM, Teresa Arruda e LOBO, Arthur Mendes. Prazos processuais devem ser contados em dias úteis com novo CPC. Disponível aqui. A dificuldade concreta na classificação do prazo como processual ou material pode ser identificada, por exemplo, no que tange à contagem do lapso temporal para que a parte cumpra com obrigação fixada pelo juiz. Enquanto, em sede doutrinária, Daniel Neves entende que o prazo deva ser contado continuamente, a 2ª Turma do STJ entendeu, em julgado recente, que se trata de prazo processual, razão pela qual a sua contagem deve se dar em dias úteis, na forma do artigo 219 do CPC/2015. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 8. Ed. Salvador JusPodivm. 2016. p. 359. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1778885-Df. Rel. Min. Og Fernandes. Decisão unânime. Julgado em 15/06/2021. 10 Os parágrafos segundo e terceiro não têm incidência quanto aos atos notariais e registrais, porquanto não há, como regra, sua publicação no Diário de Justiça eletrônico. 11 "Observe que o art. 219 se refere aos prazos processuais contados em dias". PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 2019. P. 455. 12 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. Cit. P. 359. 13 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 58. Ed. Rio de Janeiro: GEN Forense. 2017. P. 529. 14 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. P. 198. 15 Prazo de publicação do edital de proclamas, prazos para manifestação do Ministério Público do Juiz e das partes em caso de arguição de causas impeditivas ou suspensivas, prazo de vigência da habilitação etc. 16 O presente artigo não se propõe a analisar outros pontos sensíveis contemplados na referida MP, tais como o controverso modelo de criação e manutenção do SERP - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos previsto na referida norma, frente ao paradigma constitucional da prestação, em caráter privado, dos serviços extrajudiciais, por delegação (art. 236, CF/88), a consequente autonomia gerencial e a independência dos delegatários das serventias extrajudiciais (art. 28, da lei Federal 8.935/94) e, ainda, a potencial fragilização da observância da LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados diante da detenção dos dados atinentes aos serviços públicos delegados por pessoa jurídica de direito privado que não os delegatários das serventias extrajudiciais previstos na CF/88.
A noção de acesso à justiça precisa transpor os muros do Poder Judiciário, de modo que o jurisdicionado brasileiro, no século XXI, não seja compelido a acionar os tribunais para que consiga ter os seus litígios solucionados1. Essa frase é entoada, quase que como em uníssono, nos dias atuais. Não obstante, verifica-se desconfortável discrepância entre teoria e prática2. O Relatório Justiça em Números de 2021, elaborado pelo CNJ, noticia o abarrotamento do Poder Judiciário, que ostenta taxa de congestionamento bruta na ordem de 75%3. Os índices relativos à solução consensual tampouco despertam otimismo. Havia, na justiça estadual, ao final de 2020, 1.382 CEJUSCs - Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania4 - responsáveis pela promoção da justiça coexistencial junto aos tribunais brasileiros -, número efetivamente maior do que o apurado no ano anterior, mas flagrantemente insuficiente para abarcar todo o país, que é atualmente composto por 5.568 municípios, segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística5. Em 2020, apenas 9,9% das sentenças judiciais foram homologatórias de acordo, seja na fase de conhecimento ou de cumprimento/execução6. Trata-se de indicador extremamente tímido para fazer jus à afirmação de abertura do presente trabalho, mais ainda para concretizar o paradigma traçado pelo legislador no art.3º do CPC, ao privilegiar a solução consensual (negociação, conciliação e mediação) em detrimento da solução adjudicada (processo judicial ou arbitral). Por outro lado, se, até alguns anos atrás, seria possível - ao menos em tese - que o operador do direito creditasse o problema à ausência de regulamentação legal, hoje isso não é mais viável, diante do advento da lei Federal 13.140/15, que regulamentou a mediação, e do CPC, que previu a mediação e a conciliação em diversas passagens. A análise conjugada de tais dados permite concluir que não basta a existência de um marco legal da mediação no Brasil, nem tampouco que o legislador reconheça expressamente a importância das soluções consensuais de resolução de conflitos para que automaticamente a realidade de nosso sistema de justiça seja alterada. A concretização da Justiça Multiportas em nosso país depende de múltiplos esforços e iniciativas que, somados, tenham o condão de reverter a tradição secular de relegar a solução dos conflitos indistintamente ao Poder Judiciário. Não se trata, pois, de uma solução mágica, mas da conjugação de esforços surgidos em diferentes frentes deste país continental. Nesse contexto, merece aplauso a precursora iniciativa do Conselho da Justiça Federal no sentido de promover, em 2021, a segunda edição da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de litígios, que, sob a Coordenação Científica dos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino, desenvolveu os seus trabalhos em quatro Comissões, a saber: arbitragem, mediação, desjudicialização e novas formas de solução de conflitos e novas tecnologias. Foram recebidas dezenas de propostas de enunciados vindas de todo o Brasil, as quais foram meticulosamente analisadas pelos membros da respectiva comissão temática. As propostas pré-aprovadas pela Comissão foram submetidas à reunião plenária, que congregou os membros de todas as quatro Comissões, bem como os autores das propostas pré-aprovadas. Na Reunião Plenária, foram debatidas, uma a uma, cada qual das propostas pré-aprovadas pelas Comissões e, após cada debate, a respectiva proposta foi submetida a votação eletrônica. Compuseram a reunião plenária dezenas de especialistas de diferentes partes do país e que atuam em diversas carreiras jurídicas, a saber, magistratura, advocacia pública e privada, MP, serventias extrajudiciais, etc. A abertura para o recebimento de propostas da comunidade jurídica em geral, a acuidade em seu exame pela comissão temática e o amplo debate na reunião plenária a que foram submetidas as propostas revelam o lastro acadêmico das Jornadas e, por conseguinte, a relevância dos Enunciados aprovados7. O engajamento de dezenas de profissionais e juristas em torno da pauta de efetivamente cunhar soluções factíveis para incrementar a prevenção e a solução extrajudicial de conflitos no Brasil, sem descurar da fundamental garantia insculpida no art. 5°, XXXV da CF/88, representa uma iniciativa séria, que merece estudo e análise, para que o seu conteúdo seja conhecido pela comunidade jurídica brasileira e, a partir de então, possa ser concretamente aplicada diuturnamente em todo o país. Os Enunciados aprovados na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de litígios do CJF consistem em um importante passo para tornar a Justiça Multiportas realidade, pois congregam não apenas a melhor base teórica, mas, acima de tudo, oferecem grande aptidão para a sua aplicabilidade prática. Compõem um ferramental indispensável para a confecção de um sistema de justiça plural, que abarque, mas não se esgote no Poder Judiciário, que coordene sadia e democraticamente as diferentes carreiras jurídicas previstas na Constituição Federal, de modo que cada qual delas se enxergue como protagonista de um novo paradigma de justiça coexistencial, plasmada no diálogo como eixo central. Os Enunciados da II Jornada do CJF emanaram de uma composição plural, o que lhes confere particular legitimidade, visto que a sua aplicabilidade se dará por uma composição diversificada de operadores do direito, com a finalidade precisamente de sedimentar um sistema de justiça cada vez mais atento à alteridade, em que o acesso à justiça seja possível por meio de diferentes mecanismos de solução de conflitos, diferentes entre si - e é desejável que assim seja, devendo-se nortear a escolha pelo princípio da adequação -, mas nem por isso hierarquizados ou com graus díspares de legitimidade democrática ou mesmo dissonantes da observância ao devido processo legal8. A imediata intervenção do Poder Judiciário deixa de ser uma condição sine qua non para o acesso à ordem jurídica justa e os Enunciados da II Jornada do CJF oferecem um precioso mapa para que se logre encontrar o caminho para a Justiça Multiportas. Inúmeros seriam os Enunciados aprovados que mereceriam destaque - e consigna-se aqui o convite para que o leitor acesse a íntegra do documento9 -, mas, a fim de não transpor os limites do presente trabalho, destacam-se alguns Enunciados oriundos da Comissão de Mediação e da Comissão de Desjudicialização, que honrosamente os autores compuseram. Quanto à Comissão de Desjudicialização, presidida pelos professores Humberto Theodoro Junior e Helena Lanna e que teve como relatores os professores Trícia Navarro e Heitor Sica, destacam-se, em primeiro lugar, os Enunciados 120 e 127, que reconhecem a admissibilidade da retomada ao nome de solteiro e a inclusão do sobrenome do cônjuge a qualquer tempo, na constância da sociedade conjugal ou depois de decretado o divórcio, por requerimento ao registro civil de pessoas naturais, independentemente de autorização judicial. Isso porque, conforme reconhecido pelo STJ10, o nome consiste em direito da personalidade, cabendo, pois, ao próprio sujeito manifestar, perante o registrador civil, a sua vontade de alterar o seu patronímico, sendo certo que essa informação será prestada, pelos cartórios extrajudiciais, aos órgãos públicos, como sói ocorrer nas alterações de nome realizadas no âmbito extrajudicial em geral. O Enunciado 125, por seu turno, sublinha a possibilidade de a cooperação interinstitucional ser realizada entre órgãos judiciais e serventias extrajudiciais, com vistas à prática dos mais diversos atos previstos no art. 6º da Resolução 350 do CNJ, dentre os quais atos de comunicação e atos de produção de provas. A cooperação interinstitucional entre o Poder Judiciário e as serventias extrajudiciais contribui para a economia processual, visto que promove a coordenação de esforços e o melhor aproveitamento de atos praticados na esfera extrajudicial. O Enunciado 128 reconhece a admissibilidade de formalização da união estável por meio de registro, no livro E do Registro Civil de Pessoas Naturais, de instrumento particular que preencha os requisitos do art. 1.723 do CC/02, tendo em vista que, em homenagem à autonomia da vontade e à liberdade das formas, podem os interessados, facultativamente, conferir publicidade e segurança jurídica à união estável diretamente perante o oficial registrador, cabendo-lhe promover o respectivo registro do ato no livro previsto em lei (art. 33, § único, da lei de Registros Públicos), dispensando-se, assim, a intervenção judicial. O Enunciado 130 contempla a admissibilidade do requerimento pelo interessado "de alteração de seu prenome, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, diretamente perante o registro civil de pessoas naturais, independentemente de decisão judicial, na forma do art. 56 da lei 6.015/73". Com efeito, o pouco conhecido, mas muito útil art. 56 da lei de Registros Públicos autoriza à pessoa natural, estritamente no primeiro ano após atingida a maioridade civil, requerer a alteração de seu nome, sendo desnecessário, segundo a lei, nesse lapso temporal, apresentar motivação. A norma em comento em momento algum exige a intervenção judicial para tanto, razão pela qual se mostra correto admitir que o interessado acesse diretamente o registro civil de Pessoas naturais que, uma vez reconhecendo a sua identidade e a sua livre manifestação de vontade, possa, no prazo previsto em lei, providenciar a averbação legalmente autorizada, prescindindo, nessa hipótese, da intervenção do Poder Judiciário, conforme, a propósito, já se encontra previsto em normas da Corregedoria de alguns entes federativos, como São Paulo. No que tange à Comissão de Mediação, presidida pelo ministro Marco Buzzi e pelos Professores Kazuo Watanabe e Flavio Tartuce, e que teve como Relatores os Professores Juliana Loss e Humberto Dalla, destaca-se, primeiramente, o Enunciado 161, ao chamar a atenção para que o conceito de acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, "não se esgota no acesso formal ao Poder Judiciário, compreendendo a existência de um sistema organizado e efetivo destinado à garanti de direitos, prevenção de conflitos e resolução pacífica das controvérsias", o que se coaduna, à perfeição, com a principal premissa do presente trabalho. Aferrar-se ao limitado conceito de acesso à justiça como sinônimo de acesso ao Poder Judiciário, gerando a equivocada percepção de que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional se esgota na jurisdição estatal enquanto prima ratio consiste no primeiro grande óbice à concretização da Justiça Multiportas que precisa ser superado. É, na verdade, uma questão cultural que passou a ostentar o status de política pública de tratamento adequado de conflitos, como bem anota o Prof. Kazuo Watanabe11. O Enunciado 163 traz proveitosa sugestão, no sentido de que seja celebrada convenção processual que preveja cláusulas escalonadas de produção antecipada de prova seguida de mediação ou negociação entre as partes. Isso porque os litigantes, devidamente esclarecidos a partir das provas produzidas, terão melhores condições para dialogar em bases sólidas com vistas a encetar um acordo que efetivamente lhes pareça justo e atenda a seus legítimos interesses. Não raro, as informações obtidas na produção de provas serão fulcrais para que os litigantes se sintam seguros e confortáveis para celebrar um acordo. O Enunciado 165, por seu turno, propala a salutar possibilidade do emprego de meios de autocomposição na fase de cumprimento de sentença, em caso de inadimplemento total ou parcial da obrigação prevista no título executivo judicial. Sabendo-se que a taxa de congestionamento na execução alcança patamares ainda mais dramáticos do que na fase de conhecimento, afigura-se de todo benfazeja a iniciativa de conclamar os operadores do Direito a se valer dos métodos autocompositivos inclusive e especialmente na fase de cumprimento/execução, desmistificando a ideia de que o acordo seria adequado para promover o acertamento da relação jurídica e não para regular a forma de cumprimento da obrigação em caso de inadimplemento. O Enunciado 167, com propriedade, destaca a adequação da mediação extrajudicial para fins de planejamento sucessório sobre conteúdo patrimonial e extrapatrimonial, tendo em vista o seu potencial de prevenção dos conflitos entre herdeiros. Com efeito, a relação entre os herdeiros é de trato sucessivo, sendo, no mais das vezes, parentes, e envolvendo grande carga emocional. Sendo assim, a mediação, mais do que qualquer outro método, se predispõe a lidar com todas as variáveis, de modo a perfazer um planejamento sucessório que efetivamente condiga com os interesses e as peculiaridades de cada herdeiro. A II Jornada promovida pelo CJF representa a corajosa iniciativa de demonstrar ser possível adotar medidas concretas que, paulatinamente, construam um sistema de justiça mais plural, amplo, coordenado e democrático, que não se limite ao Poder Judiciário ou tenha nele o seu protagonista, mas que efetivamente disponibilize ao jurisdicionado mecanismos extrajudiciais adequados para solucionar os seus litígios e exercer a cidadania. Trata-se de um importante aceno a uma Justiça Multiportas sólida, concreta e acessível. Oxalá as ideias debatidas na Jornada se espraiem e se multipliquem. E que venha a III Jornada! _____ 1 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. "A releitura do princípio do acesso à justiça e o necessário redimensionamento da intervenção judicial na resolução dos conflitos na contemporaneidade". In Revista Jurídica Luso-brasileira. Ano 5. Número 3. 2019. pp. 791- 830. 2 HILL, Flávia Pereira. "Utopia e realidade: o CPC/2015 e o novo perfil de atuação dos operadores do Direito". Empório do Direito. Disponível aqui.  3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2021. P. 57. 4 Idem, p. 191. 5 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Áreas Territoriais. Disponível aqui.  6 CNJ. Relatório Justiça em Números 2021. P. 192. 7 Como bem anotou o Min. Luis Felipe Salomão, no prefácio da publicação oficial, "os enunciados são fórmulas que sintetizam e apresentam a` comunidade jurídica o entendimento de determinada fonte: um tribunal, um fórum de discussão, uma classe de operadores do Direito. No caso das Jornadas, os enunciados têm natureza doutrinária - servindo de orientação para advogados e juízes sobre temas controvertidos - e são fruto dos intensos debates realizados ao longo de meses nas reuniões prévias e na Plenária, com a participação dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Buzzi, Ricardo Villas Bôas Cueva e doutrinadores de renome nacional e internacional". CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciados aprovados na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios. Disponível aqui.  8 HILL, Flávia Pereira. "Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial". Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 22, número 1. Jan-abril 2021. Pp. 379-408. 9 Íntegra da publicação referida na nota vii 10 STJ. 3ª Turma. Resp 1648858/SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 20/08/2019. DjE 28/08/2019. 11 WATANABE, Kazuo. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses - Utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsias. In SILVEIRA, João José Custodio da e NEVES AMORIM, Jose Roberto. A Nova ordem das soluções alternativas de conflitos e o Conselho Nacional de Justiça/Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. 1 ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 227.
No Código de Processo Civil (CPC) de 2015 foi inserido, nos procedimentos especiais, um capítulo próprio referente às ações de famíliai. Percebe-se, pela leitura dos dispositivos, que o legislador se preocupou em solucionar os conflitos da área de família de forma consensual. O procedimento especial das ações de família, previsto nos arts. 693 e ss. do CPC, aplica-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, de reconhecimento e de extinção de união estável, de guarda, visitação e filiação. Já no caso da ação de alimentos, o procedimento especial é regulado pela lei 5.478/68. Nesse sentido, a recomendação legislativa é a de que sejam dispostos, pelo juiz, mecanismos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a conciliação, ou até mesmo as próprias partes podem requerer ao juiz a suspensão do processo para buscar a mediação extrajudicial, por exemplo. A questão a ser refletida é se há a possibilidade de um acordo extrajudicial após sentença homologatória nas relações do direito de família. De acordo com o CPC, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execuçãoii. No entanto, nos casos de acordo extrajudicial, o encerramento de um processo em curso é realizado por meio de uma sentença homologatória da transação com resolução do méritoiii. Nas ações de família, em especial nas de alimentos, as relações jurídicas são continuativas. Como explica Câmara, "São [...] de natureza obrigacional que se protraem no tempo de um modo tal que o pagamento das prestações não é capaz de extinguir a relação obrigacional. Uma vez efetuado o pagamento, nova prestação surge para ser paga, e assim sucessivamente"iv. Assim, em ações de alimentos com acordo entre as partes e posteriormente homologado pelo juiz, em que pese tratar-se de sentença de mérito e, portanto, sujeita à coisa julgada, é possível readequar a qualquer tempo, as prestações alimentaresv. Diante disso, as partes em comum acordo e desde que não haja dano para nenhuma delas, podem buscar nova autocomposição para ajustar os valores das prestações alimentícias, por exemplo. O STJ confirma o incentivo à autocomposição, pois já reconheceu acordo extrajudicial que foi homologado pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), embora houvesse ação de alimentos decidida em sentença homologatória de acordovi. Nesse caso, o STJ, no REsp 1531131/AC, entendeu que não há nulidade do ato conciliatório posterior à sentença homologatória proferida pelo juiz do processo de família e estimulou outras formas de acesso à justiça.  É certo que o procedimento não deve seguir o formalismo exacerbado, assim, atos que não seguiram o que estava previsto em lei, mas alcançaram a finalidade, sem causar prejuízo a ninguém, não têm o condão de gerar nulidade. Cássio Scarpinella Bueno entende que tanto a doutrina como a jurisprudência "são assentes no sentido de que a forma não pode querer se sobrepor ao conteúdo do ato processual quando, ainda que de outra forma, sua finalidade foi atingida"vii.. Destaque-se que a superação do formalismo processual está presente no STJ desde o CPC/73, pois a referida Corte tem entendimento sedimentado de que a nulidade do ato ocorre desde que haja prejuízo para as partes, como demonstrado no Recurso Especial em comentoviii. No referido REsp 1531131/AC, restou clara a ausência de nulidade da conciliação realizada pelo CEJUSC mesmo que houvesse sentença proferida na ação de alimentos homologada pelo juiz da vara de família. Importante esclarecer que o CEJUSC é a unidade responsável pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão"ix. Assim, em cada CEJUSC haverá um juiz-coordenador com competência para homologar os acordos entabulados pelas partes e conduzidos pelo conciliador ou mediadorx. Portanto, caso as partes busquem o Centro Judiciário de Solução de Conflitos, mesmo que haja processos tramitando ou já finalizados em vara de família, não haverá violação à prevenção do juízo de família. Nesse sentido, o STJ no REsp 1531131/AC entendeu que (...) "O papel desempenhado pelo juiz-coordenador do CEJUSC tão-somente favoreceu a materialização do direito dos pais de decidirem, em comum acordo, sobre a guarda de seus filhos e a necessidade ou não do pagamento de pensão, razão pela qual, passados mais de três anos da homologação da convenção extrajudicial entre os genitores no âmbito do CEJUSC, sem a notícia nos autos de qualquer problema dela decorrente, revela-se inapropriada a cogitação de nulidade do ato conciliatório em face de eventual reconhecimento de desrespeito à prevenção pelo juízo de família". Dessa maneira, não há nulidade quando as partes buscam acordo extrajudicial mesmo que já tenha uma sentença, visto que os envolvidos, de forma espontânea e em comum acordo, alcançaram a finalidade pretendida, sem sofrerem qualquer prejuízo. Outra passagem importante do julgado é sobre o acesso à justiça, o qual deve ser compreendido de forma ampla, isto é, não se restringir o acesso à solução de conflitos somente pela via do Judiciário. Em seus estudos, Cappelletti e Garth já observavam que o Judiciário nem sempre é a melhor opção para resolver conflitosxi. Nesse sentido, surge o chamado Fórum Multiportas que é uma política pública que surgiu nos EUA como instrumento de tratamento de conflitos fora do âmbito do Judiciário. Esse modelo de Fórum foi proposto pelo Emérito Professor Frank Sander da Universidade de Havard, que abordou o tema pela primeira vez na Pound Conferencexii. Segundo Frank Sander, o conceito de Fórum Multiportas parte da ideia inicial de examinar as diferentes formas de resolução de conflitos, quais sejam: a mediação, a conciliação, a arbitragem e a negociaçãoxiii. No Brasil, o modelo do sistema multiportas previsto na justiça norte americana foi fonte de inspiração para a Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça, que impulsionou a autocomposição. Dessa maneira, fica à disposição da sociedade civil a escolha de um dos métodos consensuais de solução de conflitos como, por exemplo, a conciliação e a mediação, como formas adequadas de resolver conflitos de interesses. Observa-se que o STJ, ao admitir o acordo extrajudicial após sentença homologatória, destacou que a sentença judicial não pode ser a única forma de resolver conflitos de interesses e alertou para a necessidade de verificar a política pública do judiciário prevista na Resolução 125/10 do CNJ: "É inadiável a mudança de mentalidade por parte da nossa sociedade, quanto à busca da sentença judicial, como única forma de se resolver controvérsias, uma vez que a Resolução CNJ 125/10 deflagrou uma política pública nacional a ser seguida por todos os juízes e tribunais da federação, confirmada pelo atual Código de Processo Civil, consistente na promoção e efetivação dos meios mais adequados de resolução de litígios, dentre eles a conciliação, por representar a solução mais adequada aos conflitos de interesses, em razão da participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça sobejamente os seus anseios". Ademais, o REsp 1531131/AC demonstra que, mesmo antes de o CPC de 2015 entrar em vigor, o STJ já incentivava a utilização de métodos consensuais de solução de conflitos, com base na Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos marcos regulatórios da autocomposição. O STJ reconheceu o protagonismo das partes na busca de solução para os próprios conflitos de interesses. Portanto, a nova era do processo civil permite e estimula, sempre que possível, os procedimentos da conciliação e da mediação, uma vez que a utilização desses instrumentos traz celeridade e economia processual, além do sentido de pacificação entre as partes.  __________________ i Capítulo X, Art. 693 e seguintes do CPC/15. Disponível aqui. Acesso em: 28 de nov. 2021. ii CPC.  Art. 203, § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Disponível aqui. Acesso em: 30 de nov. 21. iii CPC. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: III - homologar b) a transação [...]. iv CAMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 333. v Maria Berenice Dias explica que nas ações de alimentos cabem qualquer tempo revisão de alimentos desde que observe o princípio da proporcionalidade (...) "Assim, ainda que ocorra coisa julgada em sede de alimentos, prevalece o princípio da proporcionalidade. Estipulado o valor do encargo alimentar, quer por acordo, quer por decisão judicial, possível é a revisão do valor quando houver o desatendimento do parâmetro possibilidade-necessidade. Mesmo que não tenha ocorrido alteração, quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentado, possível a adequação a qualquer tempo." (Coisa julgada no processo de família. Disponível em: http://www.berenicedias.com.br/manager/ arq/(cod2_569)13__coisa_julgada_ no_processo_de_familia.pdf. Acesso em: 30 nov 2021). vi REsp 1531131/AC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 15/12/2017. vii BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. viii "O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, à luz do princípio constitucional da prestação jurisdicional justa e tempestiva (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/1988), que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas (art. 244 do CPC/1973), somente se reconhece eventual nulidade de atos processuais caso haja a demonstração efetiva de prejuízo pelas partes envolvidas". ix Resolução 125/2010 - Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. x Resolução 125/2010 - Art. 9º Os Centros contarão com um juiz coordenador e, se necessário, com um adjunto, aos quais caberá: I - administrar o Centro; II - homologar os acordos entabulados; III - supervisionar o serviço de conciliadores e mediadores. xi "[...] certas áreas ou espécies de litígios, a solução normal - o tradicional processo litigioso em juízo - pode não ser o melhor caminho para entender a vindicação efetiva dos direitos". CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 83. xii Em 1976, lançou o documento de sua autoria denominado Varieties of dispute processing (Variedades do processamento de conflitos), na Pound Conference. Nele o professor Sander lançou o conceito do Tribunal Multiportas - modelo multifacetado de resolução de conflitos em uso atualmente em vários setores dos Estados Unidos e outros países. CRESPO, Mariana Hernandez.Diálogo entre os professores Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução do Tribunal Multiportas. In Tribunal Multiportas: Investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. (orgs) ALMEIDA, Rafael Alves de, ALMEIDA,Tânia e CRESPO, Mariana Hernandez. Rio de Janeiro: FGV, p. 27. xiii Idem, p. 32.
Na gestão de conflitos, a substituição gradual da mentalidade contenciosa por olhares que contemplam meios consensuais passa, decididamente, pela vivência de experiências proveitosas. Oportunidades não faltam: diversas iniciativas vêm sendo engendradas no país para que desenlaces produtivos tenham lugar a partir da construção de consensos. Dado o incremento nas estruturas disponíveis para viabilizar meios negociais, é possível conceber a existência de efetivo interesse de agir em juízo apenas quando a parte tiver comprovado tentativas de findar a disputa consensualmente? A resposta positiva é defendida por alguns estudiosos para quem, antes de procurar o Poder Judiciário, a parte deve demonstrar a efetiva impossibilidade de obter, por si própria, a situação almejada. Um argumento técnico invocado para justificar essa visão é a exigência de interesse processual, condição da ação essencial para que o feito avance rumo à solução de mérito. O interesse de agir é tradicionalmente compreendido sob duplo aspecto: pela imprescindibilidade de invocar a tutela jurisdicional ("interesse-necessidade") e por ser a via eleita apropriada para a obtenção da medida, que deve ser útil no caso concreto ("interesse-adequação")I. Apesar de compreensível o posicionamento embasado na falta de interesse de agir, sua prevalência não se consolidou no cenário brasileiro. A tentativa prévia de estabelecer consenso entre as partes, porquanto atrelada à demonstração do interesse de ir a juízo, já esteve presente em alguns dispositivos normativosII. Com a Proclamação da República, veio a lume em 1890 o Decreto 359, que revogou normas até então existentes sobre a obrigatoriedade da conciliação como procedimento prévio/ essencial na condução das causas comerciais e cíveis; entendeu-se que tal exigência não se harmonizava com a liberdade inerente aos direitos individuais e a experiência teria demonstrado a inutilidade da tentativa conciliatória - além disso, as despesas, as dificuldades e a procrastinação resultantes da iniciativa teriam levantado o clamor geral e levado vários países a modificar ou abolir tal institutoIII. Como destaca Marco Lorencini, o instituto "interesse de agir", sob o aspecto da necessidade de demandar, perdeu-se no tempo: o Estado-Juiz deixou de exigir "demonstração concreta de que se tentou resolver o conflito de forma diferente da solução adjudicada proposta pelo ente estatal"IV. Estaríamos voltando agora à visão de outrora? O prestígio à autocomposição decididamente prevaleceu nas recentes mudanças legislativas: a realização de uma sessão consensual inicial está prevista tanto no Código de Processo Civil como na Lei de Mediação, mas o legislador não chegou a condicionar o ingresso no Poder Judiciário à demonstração de prévia tentativa consensual. O sistema engendrado por ambas as leis prevê que, proposta a ação, o juiz, ao verificar a presença dos "requisitos essenciais" e não constatando ser caso de improcedência liminar do pedido, mande citar o réu para comparecer à sessão consensualV. A tentativa de autocomposição não foi eleita como elemento essencial do "interesse de agir"; seu fomento se dará a partir do estabelecimento da sessão consensual como etapa prioritária do processo. Além disso, o CPC contempla exceções à designação da audiência, destacando que ela não ocorrerá (i) se ambas as partes manifestarem expressamente seu desinteresseVI ou (ii) se não for admissível a autocomposiçãoVII. Outra indicação de que as alterações legislativas não vincularam a tentativa de autocomposição como parte do interesse de agir é o fato de que a ausência do autor à sessão consensual não gera a extinção do processo sem resolução de mérito. A falta injustificada à audiência conciliatória é considerada ato atentatório à dignidade da justiça e gera como sanção, tanto para o autor como para o réu, a incidência de multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causaVIII. Vale também destacar que providenciar a adequada filtragem das disputas para encaminhá-las à composição por meios consensuais é muito importante. A ponderação sobre a efetiva possibilidade negocial em cada caso concreto é primordial para a proveitosa adoção de meios consensuais. Se na petição inicial houver resistência à autocomposição, por exemplo, embasada no descumprimento de acordos anteriores, não poderá ser apropriado afastar desde logo a designação da sessão consensual? A falta de intenção negocial e a concreta sinalização de má-fé indicam que sim; afinal, a autonomia da vontade e a boa-fé são princípios inerentes à conciliação e à mediaçãoIX. Como se nota, fatores diversificados podem levar à conclusão sobre não ser adequado concentrar esforços nos meios consensuais em certo momento. Se uma parte, por exemplo, atuou reiteradamente de má-fé e violou pactos anteriores, a outra reputará essencial contar com uma decisão impositiva da autoridade estatal. Revela-se crucial que os meios consensuais sejam usados de modo adequado na administração das controvérsias, sob pena de passarem a ser vistos como geradores de uma fase inútil que apenas prejudica a duração razoável do processoX. Esse entendimento, porém, pode ser questionado nos tempos atuais. Diante de tamanho fomento à adoção de meios extrajudiciais de composição de conflitos, será que a obrigatoriedade de tentativas consensuais prévias à provocação da jurisdição não se revela a melhor iniciativa? A pergunta evoca outra, já que é comum questionar a maneira apropriada de inserir a mediação no contexto geral de tratamento de conflitos: deve a legislação exigir que as pessoas se submetam a um procedimento consensual prévio ou compete ao juiz, caso a caso, incentivar sua utilização, respeitando a liberdade das partesXI? A obrigatoriedade se revela consentânea com a autodeterminação das partes? Certamente não. Além disso, há dúvidas quanto à eficácia da mediação compulsória: havendo obrigatoriedade, as partes não têm motivação suficiente para chegar a uma solução negociada, sendo a fase consensual apenas mais uma etapa a ser superada; a partir do momento em que há voluntariedade, as partes consideram a mediação atraente por fatores como o fato de poderem controlar o procedimento e assumir a responsabilidade de resolver os próprios problemasXII. A voluntariedade é nota essencial da mediação porque negociações não podem prescindir da aceitação expressa dos participantes: eles devem escolher o caminho negocial e se engajar na conversação durante o procedimentoXIII. Vale ressaltar que, mesmo nos ordenamentos jurídicos em que se exige a realização de sessão consensual como requisito à apreciação da demanda, a obrigatoriedade não ultrapassa o primeiro encontro: neste, as partes podem manifestar sua negativa em participar das negociações facilitadas pelo terceiro imparcial, optando por interrompê-las quando desejaremXIV. E não poderia ser mesmo diferente: como a disposição de participar é crucial para que haja tratativas eficientes, a imposição é incompatível com a mediação. Para que as sessões consensuais sejam proveitosas, sua ocorrência deve se verificar de maneira não impositiva, sob pena de comprometimento da livre manifestação de vontade e da obtenção de consensos reaisXV. Além disso, impor a adoção de meios consensuais é medida que tende a gerar antipatia quanto às iniciativas negociais e enseja efeito contrário ao pretendido. Não há como impor a vontade de conversar e negociar: o engajamento precisa ser genuíno para que o diálogo possa avançar de forma proveitosa. Quando a autocomposição é imposta ela perde sua legitimidade, já que as partes não são propriamente estimuladas a compor seus conflitos, mas coagidas a tanto; essa situação, que pode ser denominada "pseudoautocomposiçãoXVI" - ou, em um neologismo, "coerciliação" - é altamente criticável. Como bem destaca Fabiana Spengler, "o risco de introduzir a mediação no sistema jurisdicional é reduzi-la à condição de um mero instrumento a serviço de um Sistema Judiciário em crise, mais do que da paz social"XVII. Por fim, exigir a demonstração da tentativa negocial ensejará um obstáculo para as pessoas necessitadas de acesso à justiça: a falta de colaboração da pessoa resistente ao meio consensual terá como recorrente efeito a recusa em deixar registrada sua negativa. Como alguém poderá provar que tentou negociar se o outro lado não disponibilizar instrumentos aptos a atestar a rejeição? O caminho mais condizente com os meios consensuais é providenciar e divulgar, ao máximo, iniciativas profícuas, além de incentivar partes e advogados/defensores a conhecê-losXVIII. Para que a mediação e outros meios consensuais sejam prestigiados, é preciso investir em iniciativas de conscientização, informação e disponibilização de oportunidadesXIX com pleno respeito aos princípios inerentes aos meios consensuais. Quanto mais iniciativas proveitosas e respeitosas forem vivenciadas, mais as pessoas escolherão a mediação como trilha a ser percorrida na construção de valiosos consensos.  _____________ I TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6ª ed. São Paulo: Método, 2021, p. 116. II TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6ª ed. São Paulo: Método, 2021, p. 118. III BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 70. IV LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes. "Sistema multiportas: opções para tratamento de conflitos de forma adequada". In SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (coords.). Negociação, mediação e arbitragem: curso de métodos adequados de solução de controvérsias. v. 1, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 43. v CPC, art. 334; Lei n. 13.140/2015, art. 27. VI CPC, art. 334, §2º, I, e §5º. VII CPC, art. 334, §4º, II. VIII CPC, art. 334, §8º. IX TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6ª ed. São Paulo: Método, 2021, p. 127. X TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6ª ed. São Paulo: Método, 2021, p. 127-128. XI TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 326. XII LOPES, Dulce; PATRÃO, Afonso. Lei da Mediação comentada. Coimbra: Almedina, 2014 (edição eletrônica - comentário ao art. 4.º). XIII TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 328. XIV TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 329. XV TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 330. XVI TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 6ª ed. São Paulo: Método, 2021, p. 90. XVII SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos: da teoria à prática. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021, p. 27. XVIII TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 330. XIX TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 336.
O atual retrato do processo civil brasileiro conduz a uma reflexão acerca do sistema processual que, na busca da efetividade alçada a nível constitucional, introduziu modificações pontuais e, muitas vezes, despreocupadas com a unidade do contexto legal, mesmo após a edição do novo Codex. Nesse cenário, avulta a importância do papel do intérprete, de modo a evitar que a aplicação incoerente das novas regras possa afastar esse elo entre o processo na sua moderna versão instrumental, a justa composição e satisfação do litígio, bem como a preservação dos princípios processuais constitucionais. Adapta-se ao tema a lição de Luiz Gonzaga Modesto de Paula, ao afirmar que "em razão da proibição da denegação da justiça, a antinomia no sistema acaba sendo resolvida pelo órgão judicante, muito embora seja mantida no mesmo sistema, já que somente pode ser eliminada pela ação legislativa"1. Há que se buscar, portanto, a unidade sistemática vinculada à teleologia do quadro em que se insere a norma. Sistema, na lição de Maria Helena Diniz2 significa nexo. A respeito, conclui a Autora que "o direito não é um sistema jurídico, mas uma realidade que pode ser estudada de modo sistemático pela ciência do direito. É indubitável que a tarefa mais importante do jurista consiste em apresentar o direito sob uma forma sistemática, para facilitar seu conteúdo e manejo pelos que o aplicam". Os elementos do sistema interligam-se nesse liame, no conjunto normativo, revelando o princípio da unidade, de modo a representar um quadro coerente e atento à segurança jurídica. Constata-se uma evolução das formas instrumentais que eram antes concebidas nos campos de cognição e de execução, moldados em compartimentos estanques, nominados em função da classificação das ações em declaratórias, constitutivas e condenatórias. Pontes de Miranda3, e com inspiração no direito alemão, trouxe ainda um novo enfoque, mediante inclusão de duas novas categorias de ações: a mandamental e a executiva. Na sequência desta abordagem, o que se verifica na tese de Ovídio Baptista é que acaba por localizar o conceito de ação unicamente na execução, não obstante, de fato, essa fase configure o exercício efetivo da jurisdição. Mas aí teremos as técnicas de satisfação material do ius imperium que resulta da atividade cognitiva. O tema, todavia, tem sido equivocadamente reduzido ao terreno das classificações. Já quando sua abordagem leva em conta a carga da sentença, haverá de ser a eficácia do provimento judicial o vetor das observações que se seguirem. Ou seja, na medida em que o direito processual seja tomado em seu aspecto teleológico instrumental, não se pode deixar à margem que o mesmo existe para a realização do direito material. Barbosa Moreira, com costumeira lucidez, aborda o tema da autonomia da ação executiva prevenindo: "(..) De quem a proclame, todavia, cabe esperar que proponha conceito nítido de sentença executiva, a cuja luz, segundo critério invariável (por exemplo, de acordo com o conteúdo ou então de acordo com os efeitos), seja possível distinguí-la com precisão, de cada uma das outras espécies de sentenças. Só com essa condição é que se legitimará a proposta. Fora daí, corre-se o risco de falar (e discutir) acerca de algo que não se sabe bem o que é - aventura das mais temerárias.4" Na classificação processual, o critério distintivo normalmente aceito pela doutrina é o provimento jurisdicional invocado, isto é, o pedido imediato.5 Isso porque o pedido mediato - o bem da vida - diz respeito à classificação material e com esta o processo mantém ponto de contato, não por classificação, mas por seu caráter instrumental, capaz de gerar técnicas (rectius meios executórios) suficientes à satisfação do direito. Justifica-se a instrumentalidade do processo na medida em que se verificam peculiaridades da situação litigiosa, à qual equivalem os meios a que terá a seu dispor. E esses meios haverão de guardar dependência - (rectius, adequação) - com o tipo de direito envolvido, ou serão ineficazes, revelando-se aí o ponto de contato entre o direito processual e o material. Há tipicidade nas tutelas, não nas técnicas (meios). Claro está que o processo de conhecimento, porque visa à definição do direito, requer atos e rito distintos daqueles exigidos para a execução, onde se cuida da realização coativa do direito declarado, assim como em relação ao processo cautelar, que busca a segurança do interesse em lide. Há adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes em cada caso. Afirma Marinoni6, a respeito, muito embora diversamente do que aqui se defende, localize ele na cognição o que, na verdade, reside na execução, que: "não há dúvida que, se um direito não pode ser tutelado por meio de cognição plena, a ele deve ser deferido um procedimento especial7".  Portanto, o grau de eficácia das sentenças - que é o modo como vamos agora adequar o tema, diz respeito diretamente ao caráter instrumental das decisões. Há a respeito, argumento inafastável: Suponha-se, para tanto, determinada sentença, dita mandamental (por classificação), em que não seja eficiente o meio executório, de modo a propiciar a sua alteração posterior. Colhe tal situação o preceito do art. 809 do CPC, ao dispor sobre "frustração do meio executório", capaz de transformar a execução, nas hipóteses: de a coisa (a) não ser encontrada; (b) não ser entregue; (c) ter se deteriorado; (d) não for reclamada do terceiro adquirente, caso em que permite ao credor desistir de reclamar o bem na posse de terceiro. Segundo doutrina e jurisprudência prevalentes, a modificação do pleito é admissível em qualquer fase, desde que comprovada a impossibilidade superveniente. Trata-se das denominadas "providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento", que permitem ao juiz alterar o modus procedendi da sentença, pois os meios executórios não fazem coisa julgada. De fato, atinente às ações executivas, conquanto a sentença possa desde logo fixar as medidas coercitivas a serem tomadas em caso de descumprimento, a respeito não se opera a coisa julgada, podendo o juiz alterar, de ofício e a qualquer tempo, acrescendo ou substituindo tais imposições por outras, capazes e suficientes à efetividade perseguida.  Medina8 bem demonstra o acerto dessa conclusão ao afirmar: "A condenação, funcionalmente, existe para possibilitar o acesso do demandante ao processo de execução, sendo que esta função não decorre, necessariamente, de uma exigência do direito material, mas do sistema processual. Assim considerada, a função desempenhada pela condenação pode ser encampada por outros instrumentos processuais que possibilitem acesso às vias executivas."  Tome-se como exemplo ainda a ação de alimentos, cuja prestação se dá por meio de desconto em folha, sem necessidade do processo de execução subsequente, portanto. Se o réu deixar de trabalhar com vínculo empregatício, e sendo necessário o emprego da execução para o recebimento da pensão alimentícia, considera-se modificado o provimento que deu origem à execução?  Como afirmar então, desde logo, seja a sentença mandamental, condenatória ou executiva, se ao depois, os meios executórios revelarem natureza diversa? Ou seja, como considerar mandamental uma sentença que, em seguida, revela-se executiva, por antecipada frustração dos meios executórios? Tudo conduz a considerar que a situação se resolve no âmbito da efetivação da sentença e não no da cognição. Calamandrei censura também esse critério porque busca identificar a condenação não no que ela é, mas no que prepara. Ou seja, baseia a definição num elemento situado fora da situação a definir.  Resulta daí a impropriedade de apressadamente situar no terreno das classificações o que, de fato, diz respeito à eficácia mutável das sentenças, tendo em conta o caráter teleologicamente instrumental do processo, apto a dar atendimento ao direito material. Ajusta-se ao tema o sincretismo adotado pela reforma processual e seguido pelo novo diploma, tendente a abolir a autonomia da execução, que suscitou calorosos debates doutrinários, todos partindo da célebre doutrina de Liebman9, segundo o qual, por razões históricas, mais precisamente a actio iudicati romana, a efetivação da sentença sempre teve como regra o destaque em relação à cognição. Em nosso direito, conquanto detectada a doutrina de uma classificação quinaria das ações, trazida do direito alemão pela obra clássica de Pontes de Miranda10, o tema ganhou relevo a partir do incremento da atividade executiva inaugurado pela lei 8.952/94, que deu nova redação aos art. 273 e 461 do CPC,  hoje art. 300 e 497 do CPC/15, sendo que até esse momento a execução, em relação à cognição, situava-se em compartimento estanque, em regra. Antes, embora já consagradas as tutelas relativas a obrigações de dar, fazer ou não fazer, eram elas despidas de meios executivos eficientes, de modo que, na prática, acabavam por resultar inoperantes, dada a adoção da incoercibilidade, resultado de histórica doutrina inspiradora do direito processual pátrio. E essa dicotomia entre a cognição e a execução foi muito difundida no direito alemão, nas lições de Rosenberg e Schwab11. As principais objeções à unificação, na teoria encampada por Liebman, têm por fundamento o fato de a execução ter seus próprios pressupostos processuais, partes, objeto, o juiz competente poder ser pessoa diferente da que processou e julgou a causa, as partes poderem ser outras que não as do processo de cognição (..)12. Mais modernamente, com o advento do reconhecimento da unidade procedimental, essa autonomia tão brilhantemente defendida pelo Mestre peninsular ganhou nova fisionomia na busca da efetividade, de modo a garantir a eficiente e célere prestação jurisdicional, que, na linguagem das reformas, adotou o sincretismo entre a cognição e a execução. Não fere a preservada autonomia admitir que, em casos tais, a atividade executiva seja exercida sem a instauração do processo de execução, porque inexiste essa incindibilidade que, na verdade, tem natureza circunstancial, concebida nas legislações europeias em outro momento histórico, inconciliável com a modernidade estampada na busca da efetividade instrumental, tratando-se, portanto, de questão de política legislativa. Aqui cabe a lição de Marinoni13: "A importância da distinção entre coerção e sub-rogação está na necessidade de se inserir no sistema dos arts. 461, 461-A do CPC e 84 do CDC a diferença entre sentenças que são executivas em razão do que existe no plano de direito material e sentenças que dispensam a ação de execução por uma questão de política processual, relacionada apenas com a necessidade de se dar maior poder de execução ao juiz." Ou isso, ou restaria sem explicação a opção do legislador, de subtrair à incidência da norma, a execução de sentença judicial contra a Fazenda Pública. Supõe-se que considerou a existência de regras constitucionais a respeito do sistema de pagamento da dívida pública e ainda ser o erário suficiente e apto a responder à satisfação do crédito, de modo que sendo a reforma teleologicamente voltada à maior efetividade da execução, no sentido de evitar a final insatisfação, dispensável a incidência de regras tais que visem a assegurar, de algum modo, o pagamento do débito. E deveria ser, por isso, de diferente classificação (por natureza) aquela sentença condenatória proferida contra a Fazenda Pública em relação às emitidas contra os demais contemplados na norma? Por certo que não.  A figura do executado, ou seja, o fato de não se tratar de pessoa jurídica de direito público, por exemplo, terá o condão de dispensar a instauração do processo de execução autônomo para as hipóteses previstas na norma. A inovação processual trazida pela reforma na lei 11.232, de 22/12/05 e encampada pelo CPC/15, nada mais representa, portanto, do que a confirmação desse argumento, uma vez que introduziu em nosso ordenamento a figura do "cumprimento de sentença", a extirpar a necessidade de processo para a execução da sentença ali contemplada.  A nova reforma teve por objetivo atender os anseios de efetividade e, em especial, prestigiar o caráter de instrumentalidade do processo e o princípio de acesso à Justiça, tão prejudicados com a morosidade do Judiciário, capaz de reduzir direitos a meras aspirações intangíveis. Muritiba14, oportunamente, anota que a "sociedade pós-moderna exige resultados rápidos. O próprio direito subjetivo é um fenômeno efêmero, capaz de perder a sua significância se a tutela jurisdicional for postergada."  Não há, partindo das premissas examinadas, como admitir a conclusão de parte da doutrina15, que afasta a natureza executiva da eficácia do provimento, uma vez que o juiz não poderá determinar a realização de atos executivos na sentença, senão a requerimento do credor. O que não poderá o juiz é inaugurar a fase executiva da demanda, como de resto já não lhe era lícito fazer nas ações ditas "executivas".  A lição de Teresa Wambier e Medina16 responde com perfeição a esse argumento, ao mencionar que "distingue-se, no entanto, daquelas ações pelo fato de determinar, na própria sentença, a realização de atos executivos. A concretização de tais atos executivos, no entanto, não ocorrem na própria sentença, mas no mesmo processo em que ela foi proferida". Isso porque essa distinção pragmática inexiste: nas ações ditas "mandamentais" e nas "executivas" (que nada mais são do que condenatórias, com eficácias diferenciadas), a instauração dos meios executivos também depende de iniciativa da parte; não será de modo próprio que irá o juiz, que decretou o despejo, ordenar e fornecer meios para que se expeça o competente mandado e concretizar a sentença, se não houver requerimento do autor da demanda, direito disponível. Adequada a inovação a esse tipo de provimento, do qual não guarda distância, uma vez que, aqui e lá, sempre serão necessárias medidas executivas para a efetivação do direito17. O que ocorre, no caso do cumprimento de sentença, é a adequação dessas medidas executivas à natureza do provimento, capaz de atingir indiscriminadamente o patrimônio do devedor. Recorde-se que mesmo nas execuções específicas pode haver conversão de procedimento, se frustrados os meios de execução, pelo equivalente obrigacional ou pecuniário, como antes mencionado. Araken de Assis não admite esse entendimento, considerando que "qualquer que seja o tratamento legislativo, variando os pendores legislativos ao sabor de múltiplas circunstâncias, algumas pouco científicas, a diferença funcional sempre se fará presente18". Prossegue afirmando que, a despeito de ter sido dispensada a citação do executado, há novo processo. Argumenta que a citação sequer se anuncia como pressuposto de existência, de modo que não obsta o desenvolvimento do processo, já instaurado na fase de cognição, concluindo tratar-se do que denomina "cumulação sucessiva" de ações em simultaneo processu, com função processual diferente e autônoma. Essa afirmação decorre do posicionamento adotado pelo mesmo autor em outra obra19, para quem a natureza de executividade decorre das sentenças têm em mira valor identificado, com força executiva imediata. Seria "diferida" a execução, quando atinge a esfera patrimonial do devedor, de modo que se torna necessário o controle pleno do meio executório. Conclui então:  "O efeito executivo caracterizado pela execução diferida a outro processo, cria o título e preside o nascimento da ação executiva regulada no Livro II do vigente CPC, argumentando a respeito que a satisfação do autor vitorioso não decorre do juízo positivo acerca de sua razão, e conseqüentemente procedência da demanda ajuizada. Ela depende da prática de atos materiais tendentes a outorgar ao vitorioso o bem da vida, ação na qual preponderam os atos satisfativos e executivos." A lição segue clássica doutrina representada por Ovídio Baptista da Silva20 que defendeu a divisão em categorias real e pessoal, para designar afetas às ações executivas apenas aquelas que contivessem pretensões materiais de natureza real, dando relevo ao liame existente entre o titular do direito real e a coisa, possibilitando que da sentença possa vingar imediatamente a prática de atos materiais tendentes ao apossamento.  Tal entendimento não resiste, todavia, a exemplos de pretensões obrigacionais, capazes de igualmente serem albergadas por demandas executivas, ou seja, tanto nas ações obrigacionais, como nas reais, de obtenção ou entrega do bem, estará a demanda provida dessa executividade, nos moldes do atual ordenamento processual21.            Concluindo, a classificação ternária melhor se amolda aos conceitos aqui defendidos, mantendo na esfera da cognição a categorização das ações, sem desbordar inadequadamente para o campo moldável da execução. _________ 1 Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP; Professora da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado. Procuradora do Estado aposentada. Advogada em São Paulo. Luiz Gonzaga Modesto de Paula . A Lacuna e a Antinomia no Direito Tributário, RT 539:25-33. A lição tem inspiração em Kelsen, ao mencionar que "o que órgão aplicador do Direito, na hipótese de um conflito entre duas normas jurídicas gerais, pode, porém, fazer, é apenas: decidir-se, num ato de vontade, pela aplicação de uma ou outra das duas normas, pelo que permanece, porém, a existir o conflito entre ambas as normas jurídicas gerais" (KELSEN, Hans, Teoria Geral das Normas, SP:Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 284). 2 DINIZ, Maria Helena, Conflito de Normas, São Paulo:Saraiva 2003, p. 8 3 Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas:Bookseller, 1999, p. 131. 4 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença Executiva? Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo: Editora DPJ, 2005, p.626, Coord: YARSHELL, Flavio Luiz e ZANOIDE DE MORAES, Mauricio , p. 626. 5 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional, São Paulo: Editora DPJ, 2006, p. 59. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, São Paulo: RT, 2006, p. 196. Araken de Assis (Manual do Processo de Execução, São Paulo: RT, 11ª edição, p. 111) considera a respeito que o livro do "processo de execução" do CPC contém itinerários exteriores que revelam princípios "evidentemente calibrados à natureza da respectiva prestação jurisdicional" Sérgio Muritiba (Ação Executiva Lato Sensu e Ação Mandamental, SP:RT 2006., p. 106) ressalta que "nesse contexto, mais uma vez exaltamos que as técnicas executivas "lato sensu" e mandamental ajustam-se à sociedade pós-moderna, pois dispensam o litigante vitorioso da árdua tarefa da instauração do processo de execução e possibilitam a entrega da tutela jurisdicional de forma mais ágil e eficiente. Basta, por hora, mencionar que, além da dispensa de formação de nova relação processual de natureza executiva, tais técnicas rejeitam a propositura dos chamados embargos do devedor, que, como sabemos, têm sua justificativa arrimada nesses ultrapassados ideais utópicos de segurança e certeza." 7 Técnica, Ob.cit.,  p. 225. 8 MEDINA, José Miguel Garcia.  Execução civil, São Paulo: RT, 2004, p. 397. (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia, O Dogma da Coisa Julgada, São Paulo: RT,2003, p. 148 e p. 158 e ss)  abordam o tema, referindo-se à "atipicidade" que encerra o artigo 461 parágrafo 5º do CPC, que dispõe ao juiz as "medidas necessárias" para a realização da tutela específica, de modo que inexiste a respeito a predeterminação. 9 LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de Execução - São Paulo: Bestbook Editora, 2003, p. 65. 10 Essa ideia se materializou com a evolução das formas instrumentais que eram antes concebidas nos campos de cognição e de execução, moldados em compartimentos estanques, nominados em função da classificação das ações em declaratórias, constitutivas e condenatórias. Pontes de Miranda, e com inspiração no direito alemão, trouxe ainda um novo enfoque, mediante inclusão de duas novas categorias de ações: a mandamental e a executiva. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 1999, p. 131. Para o Autor, as classificações usuais das ações e sentenças feitas pela doutrina são classificações das respectivas ações de direito material que constituem a substância dos respectivos processos onde elas se encontrem. A classificação das ações não diz respeito à relação processual e sim à lide, nada tem a ver com a forma de processo, e sim com o seu conteúdo. Quando se diz que as ações - e as respectivas sentenças de procedência - podem ser declaratórias, constitutivas ou condenatórias, está-se a indicar a ação de direito material afirmada existente pelo autor, em sua petição inicial, e que na perspectiva da relação processual concreta em que elas se apresentam, não serão mais simples hipóteses de trabalho com que o magistrado se depara", concluindo que há uma duplicação de ações: uma dirigida contra o obrigado, outra endereçada contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu. 11 Trazidos à colação por Medina (Execução Civil, ob.cit.,, p. 273): "o processo de execução e o de conhecimento são, no direito moderno, dois processos autônomos, independentes um do outro." 12 Enrico Túlio Liebman (Ob.cit., Processo de Execução,  ps. 70/1" 13 Técnica Processual e Tutela dos Direitos, ob.cit., p. 134." 14 Ob.cit., p. 106. 15 Luiz Rodrigues Wambier - Sentença civil - liquidação e cumprimento, São Paulo: RT, 2006, p. 40. 16 Dogma, Ob. Cit., p. 148. 17 Interessante a abordagem de Barbosa Moreira. Afirma o Autor que "decretado simplesmente o despejo, que valor desloca-se ipso facto, do patrimônio do réu para o do autor? Nem sequer se há supor que o objeto da locação passa, como um passe de mágica, das mãos do locatário para as mãos do locador. Isto virá apenas a acontecer, de modo bastante prosaico e nada espetacular, no momento em que o locatário, voluntariamente, entregar a coisa ao locador, ou naquele em que se cumprir o mandado de evacuando: antes não..." (ob.cit., p. 627) Acrescenta a seguir que: "é por meio dessa atividade jurisdicional complementar que se modifica o estado de fato - algo que à sentença, insista-se à exaustão - de maneira alguma é dado operar ex marte proprio". (Sentença Executiva? Ob. Cit., p. 131). Evaristo Aragão dos Santos com propriedade afirma que "nenhuma relação é capaz, por si própria, de produzir efeitos fora do mundo jurídico" (ob.cit., p. 129),  com o que sempre exigirá atividade complementar, a ser realizada pelo Judiciário. 18 ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença - Rio de Janeiro: Forense 2006, p. 173. 19 ASSIS, Araken de. Manual, ob.cit., p. 93. 20  SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, São Paulo: RT, 2000, p. 19 e ss. 21 O artigo 461-A do CPC prevê a ação que parte da doutrina denomina como "executiva lato sensu" para as pretensões contendo obrigação de entrega de coisa certa, qualquer que seja o vínculo - real ou obrigacional. Marinoni bem destaca a respeito que "se é verdade que a pretensão fundada em violação de direito real deve abrir oportunidade à ação executiva, é também correto dizer que essa ação será igualmente bastante para os casos em que se exige a restituição de coisa em virtude de desconstituição da relação obrigacional que dava sustentação à posse". (Ob.cit., Técnica, p. 487) . Carnelutti bem destacou que "enquanto o direito de crédito tenha por objeto uma "species", não se apresenta nos atos executivos nenhuma diferença saliente entre o caso de simples execução (de um direito real) e o da expropriação (para um direito de crédito). A execução se efetua sempre tirando ao obrigado o bem que devia não tomar ou deixar tomar para consigná-lo ao titular do direito" Sistema de derecho procesal civil. Tradução de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Argentina, vol. I, p. 305.
Em sua clássica obra, Tim Brown1 desenvolve sua teoria sobre o Design Thinking: uma metodologia que se utiliza do design para desenvolver soluções inovadoras para todas as áreas do pensamento. Segundo Tim Brown, design possui um conceito muito mais amplo que estética: design é, sobretudo, desenvolver produtos inovadores atendendo às necessidades humanas com os recursos técnicos disponíveis, considerando as restrições práticas dos negócios, integrando o desejável do ponto de vista humano ao tecnológico e economicamente viável.2 Design Thinking, portanto, seria uma metodologia para se encontrar soluções inovadoras a uma variedade de problemas, explorando as capacidades intuitivas das pessoas, reconhecendo padrões e desenvolvendo ideias que tenham um significado emocional além do funcional.3 Focando-se em alguns dos seus conceitos fundamentais, tais como simplicidade, foco na pessoa, experiência do usuário e inovação, qualquer profissional pode encontrar melhores soluções aos problemas de seus clientes.4 A metodologia do Design Thinking passa por 5 etapas:5 a) empatia: entendendo melhor as necessidades do cliente a partir do processo de se olhar a situação pela  perspectiva dele; b) definição dos problemas: após se colocar no lugar do cliente, é possível definir de forma clara os problemas a serem solucionados; c) criação de ideias: por intermédio de uma equipe multidisciplinar será possível imaginar possíveis soluções inovadoras para o caso; d) prototipagem: concretiza-se as melhores ideias imaginadas na fase anterior; e) testagem: os protótipos são submetidos ao cliente para que sejam identificadas possíveis melhorias a serem incorporadas. Como o Design Thinking trouxe a possibilidade de se utilizar a metodologia do design a qualquer área, juristas desenvolveram o chamado Legal Design. A Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, foi quem primeiro associou o Design Thinking ao Direito, por intermédio de seu Legal Design Lab. O Legal Design Lab (Laboratório de Legal Design) foi fundado em 2013, reunindo designers, advogados e tecnólogos com o objetivo de promover inovação jurídica e o acesso à justiça.6 A missão do Legal Design Lab é, por meio do design exploratório e da pesquisa empírica centrada no ser humano, desenvolver soluções inovadoras para serviços jurídicos.7 Diversas soluções já foram desenvolvidas pelo laboratório de Stanford, como a Navocado8, uma plataforma virtual para criar e publicar melhores guias para processos judiciais, com triagem passo a passo visual e interativa e guias de processo. Legal Design é, portanto, o Design Thinking aplicado ao Direito, que considera as pessoas usuárias da lei (advogados, juízes, cidadãos, consumidores, gestores) como centro para o desenvolvimento de soluções jurídicas.9 Um método utilizado no Legal Design é o Visual Law (Direito Visual), que tem como objetivo a simplificação do jargão jurídico, facilitando a comunicação entre advogado e cliente e, também, entre advogado e julgador.10 Segundo Dierle Nunes e Larissa Holanda Andrade Rodrigues11, a técnica do Visual Law: [...] se altera diante do usuário do documento jurídico. Petições: possuem como destinatários juízes; contratos: partes que geralmente são leigas no assunto; pareceres: indivíduos interessados em obter uma opinião jurídica ou informação sobre o tema sem que para isso tenha que dominar termos técnicos, dentre inúmeras outras possibilidades. A técnica do design determina que para a utilização dos meios audiovisuais, antes de se pleitear a estética, é preciso atingir a efetividade da informação conforme o destinatário. A técnica do Visual Law é de suma importância na advocacia, pois: a) simplifica a linguagem jurídica para os clientes/jurisdicionados e; b) garante a efetivação do contraditório, já que a facilitação da linguagem por meio de recursos de áudio e vídeo permite que os advogados exerçam maior influência na decisão judicial.12 Em 23 de abril de 2021, Bernardo Azevedo e Ingrid Barbosa13 publicaram interessante pesquisa empírica em que se verificou qual a visão da magistratura federal acerca da utilização de elementos visuais nas petições dos advogados. Na pesquisa, foram entrevistados 147 magistrados e magistradas federais, que responderam ao questionário enviado pelos pesquisadores no período compreendido entre maio e novembro de 2020. Segundo a pesquisa, para 77,12% dos participantes, os elementos visuais facilitam a análise da petição, desde que utilizados com moderação. Embora estudiosos do Visual Law apontem a utilização dos QR Codes como forma de facilitação da comunicação com os magistrados14, 39,2% responderam que estes estão entre os recursos que os juízes federais menos apreciam em petições. Além deles, 34,6% dos participantes responderam não apreciar vídeos. Quando perguntados acerca da preferência de petição para a análise, 49% dos magistrados selecionaram o modelo tradicional de petição como sendo o mais agradável para leitura, na qual só havia texto. Segundo Cristiane Iwakura, o Visual Law é compreendido, muitas vezes, de forma reduzida e equivocada atribuindo-se tal fato a três principais fatores: 1) pouco aprofundamento sobre a técnica, seus conceitos e fundamentos; 2) conhecimento restrito sobre modelos de manifestações jurídicas com um inadequado uso da técnica do Visual Law: peças "carnavalescas", mal estruturadas, desarmônicas, e/ou com o uso excessivo de recursos visuais; 3) crenças limitantes que geram uma forte barreira cultural em relação à introdução das novas tecnologias. Considerações finais A técnica do Visual Law, embora seja considerada um elemento facilitador da comunicação entre advogados e magistrados, ainda não está sendo bem aceita pelos magistrados brasileiros. Tal fato se deve ao parco conhecimento dos advogados acerca da aplicação da técnica, aliado à resistência por parte dos magistrados em relação aos elementos visuais, bem como ao tempo adicional gasto na interpretação destes. A zona de conforto acerca da utilização de modelos tradicionais de petições prejudica a exploração da potencialidade dos elementos visuais no âmbito do Poder Judiciário brasileiro e representa um obstáculo a ser enfrentado pelos aplicadores do direito. O caminho para o alcance da plenitude da utilização de técnicas efetivas de Visual Law está na transformação da mentalidade dos operadores do direito por meio da capacitação dos sujeitos do processo para tanto. *Lucélia de Sena Alves é mestre em Direitos Fundamentais, da linha de Direito Processual Coletivo, pela Universidade de Itaúna (2014). Professora da Escola Superior da Advocacia de Minas Gerais. Professora do curso de Pós-graduação da PUC Minas. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Comissão de Processo Civil da OABMG. Advogada no escritório Sena & Alves Advocacia. __________ 1 BROWN. Tim. Design Thinking [recurso eletrônico]: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018. 2 BROWN. Tim. Design Thinking [recurso eletrônico]: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018, p. 19-20. 3 BROWN. Tim. Design Thinking [recurso eletrônico]: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018, p. 20. 4 PEREIRA, Filipe; MONTEIRO, Marisa. Legal Design: instrumento de inovação legal e de acesso à justiça. In MALDONADO, Viviane Nóbrega; FEIGELSON, Bruno. Advocacia 4.0. [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 2608. 5 PEREIRA, Filipe; MONTEIRO, Marisa. Legal Design: instrumento de inovação legal e de acesso à justiça. In MALDONADO, Viviane Nóbrega; FEIGELSON, Bruno. Advocacia 4.0. [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 2630-61. 6 GABEL, Kathleen. Law + Design- Summit. Disponível aqui. Acesso em 05 out. 2020. 7 LEGAL DESIGN LAB. Our Mission. Disponível aqui. Acesso em 05 out. 2020. 8 Disponível aqui. Acesso em 05 out. 2021. 9 PEREIRA, Filipe; MONTEIRO, Marisa. Legal Design: instrumento de inovação legal e de acesso à justiça. In MALDONADO, Viviane Nóbrega; FEIGELSON, Bruno. Advocacia 4.0. [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 2752. 10 NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. In. NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro. Inteligência Artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 239. 11 NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. In. NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro. Inteligência Artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 241. 12 NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. In. NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro. Inteligência Artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 257. 13 VISUAL LAW. Elementos visuais em petições na visão da magistratura federal. Disponível aqui. Acesso em 30 set 2021. 14 Ver: ROVER, Tadeu. Advogado usa QR Code em petição para facilitar comunicação com juiz. Acesso em 30 set 2021.
A desjudicialização é uma realidade, especialmente desde a entrada em vigor da lei 11.441/07, que prevê a possibilidade de inventário, divórcio e separações extrajudiciais consensuais nos cartórios extrajudiciais. A utilização dos meios extrajudiciais é uma forma de ampliar o acesso à justiça, prestigiando-se os meios adequados de solução de conflitos, conforme previsão trazida pelo Código de Processo Civil de 2015.1 Cumpre, contudo, destacar que a genuína implantação da Justiça Multiportas em nosso país precisa estar acompanhada por dois elementos de suma relevância, a saber: (i) observância do devido processo legal extrajudicial e das garantias fundamentais do processo; e (ii) mudança de cultura dos operadores do direito.2 O procedimento extrajudicial tende a ser mais rápido e menos burocrático para as partes, mas algumas formalidades são mantidas, inclusive a representação dos interessados por advogado. Tanto a separação e o divórcio, quanto o inventário extrajudicial independem de homologação judicial e apenas podem ser realizados em havendo a concordância de todos os interessados com relação a todos os termos. Sendo assim, se houver litígio, o único caminho é o judicial. A legislação vigente veda a realização de separação, divórcio e inventário extrajudicial quando houver incapazes interessados. Desse modo, a existência de crianças ou adolescentes - salvo se tiverem sido emancipados, conforme artigos 12 e 47 da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça - impede a realização de inventário, separação, dissolução de união estável ou divórcio pela via extrajudicial, o que faz com que as partes tenham que se sujeitar ao processo judicial. A Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta separação, divórcio e inventário extrajudiciais, faz previsão no art. 34 e seu parágrafo único de que as partes devem declarar ao escrivão não possuírem filhos comuns ou de que o cônjuge virago não se encontra em estado gravídico, ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição.3 Tal proibição tem como intuito proteger o interesse dos incapazes, pessoas vulneráveis e que demandam um maior cuidado e fiscalização para garantia de seus direitos. Todavia, será que tal proteção poderia ser relativizada na prática, desde que garantidos os direitos por meio da fiscalização pelo Ministério Público? Diante disso, inicia-se um movimento voltado à paulatina flexibilização desse requisito negativo, conforme a seguir. Em 2021, na Comarca de Leme, Estado de São Paulo, houve a concessão do primeiro alvará judicial do Brasil para a realização de inventário extrajudicial com interesse de incapazes, nos autos do Processo n. 1002882-02.2021.8.26.0318. No caso concreto, a escritura pública de inventário estava pronta para a assinatura quando um dos herdeiros faleceu de COVID, sendo necessário acrescentar ao ato seus filhos incapazes para representá-lo. O advogado do caso solicitou judicialmente alvará para que o inventário pudesse ser concluído na modalidade extrajudicial, o que foi deferido. O magistrado, nesse caso, autorizou a realização extrajudicial de inventário, apesar de haver interessados menores de idade, considerando-se que foi proposta a realização de "uma partilha ideal, de acordo com a lei", o que eliminaria os riscos de prejuízos aos interesses dos incapazes.4 No Tribunal de Justiça do Acre, o juiz de Direito Edinaldo Muniz, titular da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco editou a Portaria 5914-12, onde autoriza que, no âmbito da competência daquela Vara, possam os cartórios extrajudiciais lavrar escrituras públicas de inventário, mesmo havendo herdeiros incapazes. A portaria prevê a formalidade de que a minuta final da escritura seja previamente submetida à aprovação do juízo, que ocorrerá após a manifestação do Ministério Público.5 Na Portaria consta que o requerimento será feito por meio de pedido de providência, provocado por herdeiros interessados e/ou pelo próprio cartório do inventário extrajudicial e que não haverá cobrança de custas judiciais, apenas emolumentos extrajudiciais. Por fim, determina que a versão final da escritura de inventário deve fazer referência à manifestação e aprovação prévia do representante do Ministério Público e do juízo competente.6 Ainda no que tange ao inventário, José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves defendem a possibilidade da realização extrajudicial com herdeiros incapazes quando a partilha ocorrer por parte ideal e for igualitária.7 Na hipótese do divórcio extrajudicial, diante da Emenda Constitucional 66/10, que permite o divórcio direto sem qualquer cumprimento de prazos, formalidades ou requisitos, não há razão para proibir a realização do divórcio pela modalidade extrajudicial, remetendo-se ao Poder Judiciário apenas as questões relativas aos filhos, como guarda, alimentos, regime de convivência etc. A taxa de congestionamento em demandas de direito de família é de 69% segundo o relatório Justiça em Números de 2021.8 Diante de tal quadro, o abrandamento da proibição de separação, divórcio, dissolução de união estável e inventário extrajudiciais diante da existência de incapazes poderia trazer um impacto positivo para o desafogamento do Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça de Goiás editou o Provimento 42/19 com vistas a alterar o Código de Normas daquele Estado para autorizar a separação e o divórcio extrajudiciais em que haja filhos menores, desde que os interessados comprovem ao delegatário do cartório extrajudicial que já ajuizaram ação judicial para deliberar sobre os direitos dos filhos, cabendo ao cartório extrajudicial, por sua vez, comunicar ao juízo competente a lavratura da escritura, no prazo de 5 dias úteis.9 No âmbito da separação e do divórcio, Tomas Nosch Gonçalves propõe alteração da Resolução 35 do CNJ para que sejam permitidos na forma extrajudicial, inclusive com solução das questões relativas à guarda e alimentos, com concordância do Ministério Público.10 Necessário consignar já haver previsão de intervenção do Ministério Público nos casos em que há interesse de incapazes no Provimento 83/19 do CNJ, ao se referir ao procedimento de reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva (inclusão do §9º ao art. 11 do Provimento 63)11, a demonstrar a viabilidade de sua manifestação nos procedimentos extrajudiciais desenvolvidos em cartório. Constata-se, pois, um salutar aceno, tanto da doutrina quanto dos tribunais, no sentido de admitir a adoção da via extrajudicial para a realização de separações, divórcios e inventários em situações em que há interesse de incapazes. No entanto, considera-se que o ideal seria, a fim de evitar a necessidade de autorização judicial em cada caso concreto, extirpando-se instabilidade e insegurança jurídicas, a alteração da legislação em vigor, com vistas a autorizar a via extrajudicial, ainda que exista interesse de incapazes, desde que haja expressa concordância do Ministério Público. __________ 1 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; STANCATI, Maria Martins Silva. A ressignificação do princípio do acesso à justiça à luz do art.3.º do CPC/2015. Revista de Processo, v. 254, p. 17-44, abr. 2016. 2 HILL, Flávia Pereira Hill. Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, Rio de Janeiro, a. 15. v. 22. n. 1. jan. a abr. 2021. 3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução Nº 35 de 24/04/2007. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/179. Acesso em: 03 nov. 2021. 4 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. "Inventário pode ser realizado extrajudicialmente mesmo havendo filhos menores de idade, decide Justiça de São Paulo". Notícia veiculada em 12/08/2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/8794/invent%c3%a1rio+pode+ser+realizado+extrajudicialmente+mesmo+havendo+filhos+menores+de+idade%2c+decide+justi%c3%a7a+de+s%c3%a3o+paulo Consulta realizada em 05/11/2021. 5 ACRE. Tribunal de Justiça. Inventários com herdeiro incapaz podem ser realizados diretamente em tabelionato de notas. Disponível em: https://www.tjac.jus.br/2021/09/inventarios-com-herdeiro-incapaz-podem-ser-realizados-diretamente-em-tabelionato-de-notas/. Acesso em 02 nov. 2021. 6 ACRE. Tribunal de Justiça. Inventários com herdeiro incapaz podem ser realizados diretamente em tabelionato de notas. Disponível em: https://www.tjac.jus.br/2021/09/inventarios-com-herdeiro-incapaz-podem-ser-realizados-diretamente-em-tabelionato-de-notas/. Acesso em 02 nov. 2021. 7 GERMANDO, José Luiz; NALINI, José Renato; GONÇALVES, Thomas Nosch. Um passo adiante. CNBSP. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/?url_amigavel=1&url_source=noticias&id_noticia=21495&filtro=&Data=&lj=1366. Acesso em: 10 out. 2021. 8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em 03 nov. 2021, p. 224. 9 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. Provimento nº 42/2019. Art. 84-A Admite-se a lavratura de escritura pública de separação, divórcio, conversão da separação em divórcio ou extinção da união estável, consensuais, com ou sem partilha de bens, mesmo que o casal possua filhos incapazes, ou havendo nascituro, desde que comprovado o prévio ajuizamento de ação judicial tratando das questões referentes à guarda, visitação e alimentos, consignando-se no ato notarial respectivo o juízo onde tramita o processo e o número de protocolo correspondente. Parágrafo único: Lavrada a escritura, o Tabelião responsável deverá comunicar o ato ao juízo da causa mencionado no caput, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, sem ônus para as partes. Disponível em: https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Provimento%20n%C2%BA%2042-2019.pdf Consulta realizada em 05/11/2021. 10 GONÇALVES, Thomas Nosch. Divórcio ou dissolução da união estável com filhos incapazes, um novo paradigma após provimento 83 do CNJ. CNBSP. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/?url_amigavel=1&url_source=noticias&id_noticia=18668&lj=1366#. Acesso em: 10 out. 2021. 11 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 83 de 14/08/2019. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2975. Acesso em: 03 nov. 2021.
O atual ordenamento jurídico processual - que emerge da Lei 13.105/15 - demonstra claramente a intenção do legislador de se tornar imprescindível que o Poder Judiciário oferte ao jurisdicionado uma prestação com observância do dever de autorreferência, presente no teor do artigo 926 do CPC, fazendo imperar a necessária construção e manutenção de uma jurisprudência íntegra, coerente e estável - garantindo, assim, o tratamento isonômico, a segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança. Nesse passo, dois pontos são de suma importância para a fundamental reflexão sobre a admissibilidade de embargos de declaração contra decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal que inadmite o Recurso Especial: o dever de fundamentação específica (art. 489, §1º) e o combate à jurisprudência defensiva (art. 4º, 6º, 139, IX, 317, 932, parágrafo único, 938, §§ 1º e 2º), como forma de possibilitar o alcance do mérito recursal. A fundamentação das decisões judiciais já contava com previsão constitucional no artigo 93, IX, com o reforço no ambiente normativo processual (art.165). Todavia, esse dever de atuação jurisdicional pautado na motivação das decisões foi lapidado no CPC de 2015, impondo ao julgador uma fundamentação aprimorada, zelosa e específica. Portanto, qualquer decisão judicial precisa trazer em seu bojo a clareza, a completude e a coerência, sob pena de uma atuação estatal falha, frágil, descortinada de legitimação e validade, posto que decisão sem fundamentação é considerada nula (art. 11, CPC).  A clareza está na redação compreensível da decisão, explicitando de forma inequívoca as razões de decidir. Além disso, a decisão precisa ter termos acessíveis para o leitor, sendo considerado um ato de prestação de contas do Poder Judiciário. A coerência refere-se à necessidade de ter lógica e coesão, com harmonia entre o dispositivo e a conclusão. E a completude pauta-se no dever do julgador de tratar e motivar todas as questões relevantes do processo.1 Em normas pretéritas, já havia remédio jurídico para afastar a contradição, a omissão e a obscuridade de um comando judicial. A redação do artigo 535, I do CPC/73 previa o recurso de embargos de declaração contra sentença e acórdãos. A previsão legal trazia expressamente o cabimento para esses dois tipos de pronunciamentos, gerando controvérsia na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade desse recurso contra outros tipos de decisões judiciais. Boa parte dos processualistas fazia uma interpretação ampla do dispositivo legal, firmando a permissibilidade do uso desse recurso para todas as espécies de decisão, inclusive contra decisão expressamente irrecorrível. Todavia o STJ vinha posicionando-se de forma restritiva, excluindo a possibilidade de apresentação dos embargos declaratórios contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial prolatada pelo presidente ou vice do tribunal de origem - sopesando, de modo velado, tratar-se de ato protelatório, que apenas sobrecarregava o Judiciário.2 Diante de tal construção jurisprudencial da Corte Especial do STJ, os embargos declaratórios interpostos nessa hipótese passaram a ser considerados inadmissíveis, de modo a não provocar o efeito interruptivo do prazo do recurso posterior.  Este precedente provocou verdadeira barreira de acesso à justiça e cerceamento da ampla defesa, pois muitos recursos foram considerados intempestivos pela ausência da interrupção do prazo pela interposição dos embargos de declaração.3 Diante da contrariedade manifestada pela comunidade jurídica quanto ao precedente judicial bloqueador da interposição dos embargos declaratórios contra decisões de inadmissibilidade do Recurso Especial, o STJ foi reconstruindo seu posicionamento para minorar os males processuais decorrentes dessa interpretação equivocada. Para tanto, apresentou uma situação excepcional de admissibilidade dos embargos declaratórios, tornando possível o seu cabimento quando a decisão de inadmissibilidade fosse genérica de tal forma que impossibilitasse a parte de apresentar fundamentos argumentativos dentro do agravo do art. 545, CPC/73.4 Todavia, essa excepcionalidade cai no vazio, diante do critério subjetivo da avaliação do julgador sobre o conteúdo da sua própria decisão, de modo que a solução jurisprudencial é verdadeiro placebo! O legislador do CPC/15 trouxe uma importante mudança redacional quanto ao cabimento dos embargos declaratórios. Seu artigo 1022 prevê a possibilidade de interposição de embargos de declaração contra qualquer tipo de decisão judicial, sem apresentar qualquer restrição do seu cabimento para determinados tipos de pronunciamentos judiciais.  Ao interpretar o referido dispositivo legal, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal elaborou o enunciado 75 no seguinte sentido: "Cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal". Tal enunciado está em perfeita harmonia com os artigos 1.022 e 1.026 do CPC vigente. Na doutrina, afirma-se que se torna vazia qualquer discussão sobre a possibilidade ou não de interposição de embargos de declaração contra decisão interlocutória, decisão de relator ou até mesmo decisão de presidente ou vice-presidente de Tribunal5, não importando se de mérito ou não.6 Diante dessa importante mudança redacional, passou-se a questionar se o posicionamento do STJ sobre o não cabimento dos embargos de declaração contra decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de origem seria mantido na contemporaneidade, já que estaria flagrantemente desconexo com a legislação processual. Infelizmente, os Ministros da Colenda Corte mantêm a venda nos olhos, ignoram a clareza do texto legal presente no caput do artigo 1.022 e, por sua conveniência, deixam vivo seu precedente retrógrado para os dias atuais7, insistindo que o único recurso cabível para impugnar a decisão de inadmissibilidade do recurso especial é o agravo, seja agravo interno ou o agravo do art. 1.042, CPC. Também reforçam a tese de que, excepcionalmente, os embargos declaratórios podem ser considerados cabíveis se a decisão de admissibilidade for genérica, a ponto de obstaculizar a interposição do agravo.8 A obviedade que emerge do artigo 1.022, no sentido de ser cabível embargos de declaração contra qualquer decisão judicial, deve ser respeitada! Não se deve olvidar que uma decisão de inadmissibilidade de recurso especial poderá decorrer da falta de pressupostos recursais; ou do fato do acórdão recorrido estar em consonância com tese jurídica firmada em repercussão geral e em recursos repetitivos (art. 1030, I, a e b), hipóteses em que caberá, respectivamente, a interposição de agravo do artigo 1042 e o agravo interno (art. 1030, §2º). Se tal decisão for omissa em sua fundamentação, ou obscura, ou contraditória, como poderá a parte apresentar a dialeticidade do seu agravo? De que maneira ela poderá influenciar o órgão julgador do agravo de que a decisão monocrática precisa ser anulada ou reformada? Não há como negar a possibilidade de utilização dos aclaratórios em qualquer tipo de decisão.  A resistência do STJ em manter seu precedente judicial, desprezando a vontade expressa do legislador, configura verdadeira decisão contra legem9, que macula escancaradamente o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional previsto no artigo 5º, XXXV, da CF e no artigo 3º, caput, do CPC. A Corte não pode impedir que uma decisão incompleta, omissa e contraditória seja completada, aclarada ou tornada coerente, sob pena de obstaculizar o acesso à justiça.   Segundo Marcelo Barbi, "a academia detém dois papéis fundamentais: reavaliação do velho e construção do novo"10 e, nessa linha, como arremate ao tema, deixa-se uma singela contribuição: propõe-se uma solução interpretativa enquanto não houver a superação do precedente do STJ. Se o STJ entende que os embargos de declaração não são cabíveis contra decisão de inadmissibilidade do Recurso Especial e, por isso, não interrompem o prazo para o agravo interno e para o agravo do artigo 1.042, o presidente do tribunal, em nome do princípio da primazia do mérito, deveria aplicar a fungibilidade prevista no artigo 1.024, §3º, do CPC. Ou seja, se o presidente do Tribunal não entender pelo cabimento dos embargos, deverá intimar o embargante para aditar suas razões recursais e adaptá-las para o agravo interno ou para o agravo do art. 1.042, conforme o caso. A interpretação desse dispositivo legal não deve ser restritiva, pois o dever de proporcionar a regularização do recurso por meio da fungibilidade não se refere apenas ao relator, mas também ao presidente ou vice-presidente do tribunal para, dessa forma, evitar um grave prejuízo ao embargante. Não há espaço para a jurisprudência defensiva no ordenamento jurídico. Seja superando o precedente do STJ de inadmissibilidade dos embargos de declaração; seja interpretando amplamente o artigo 1.024, §3º, do CPC, o que deve ser sempre garantido é o efetivo acesso à justiça, através do devido processo legal.   ____________ 1 LUCCA, Rodrigo Ramina. O dever de motivação das decisões judiciais. Estado de Direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. Salvador, Editora Juspodvm, 2019, p. 215 ao 221. 2 AgInt no AgRg nos EDcl no AREsp 671.167/DF. 3 Inclusive, por óbvio, contra decisões monocráticas proferidas pelos Tribunais Superiores e contra a decisão de admissibilidade proferida nos tribunais de origem. Com relação especificamente a este último aspecto, a ressalva ganha importância, na medida em que há jurisprudência, surgida no CPC/73, e que infelizmente vem se reproduzindo no CPC/15, dando conta da não interrupção do prazo, caso a parte interponha embargos de declaração da decisão do tribunal de origem, que inadmite recurso especial ou extraordinário, pois os embargos de declaração seriam incabíveis. Teresa Arruda Alvim... [et. al.], coordenadores. Primeiros comentários ao código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1.576/1.577. 4 PROCESSO CIVIL. DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL. PRAZO RECURSAL INTERROMPIDO PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Salvo melhor juízo, todas as decisões judiciais podem ser objeto de embargos de declaração, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sem explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que os embargos de declaração opostos contra a decisão que, no tribunal a quo, nega seguimento a recurso especial não interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil. Excepcionalmente, atribui-se esse efeito interruptivo quando, como evidenciado na espécie, a decisão é tão genérica que sequer permite a interposição do agravo. Embargos de divergência conhecidos e providos. EAREsp 275.615/SP; Rel. Min. Ari Pargender; DJe: 24/03/2014; STJ 5 DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3. Editora JusPodvum, Salvador, 2021, p. 334. 6 FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de Declaração. 5ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais.2020, p. 41. 7 Não cabem embargos de declaração contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso extraordinário. STF. 1ª Turma. ARE 688776 ED/RS e ARE 685997 ED/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 28/11/2017 (Info 886). 1. A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o agravo em recurso especial é o único recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso especial. Assim, a oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para a interposição de ARESP. 2. Excepcionalmente, nos casos em que a decisão for proferida de forma bem genérica, que não permita sequer a interposição do agravo, caberá embargos. (...) STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1143127/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017. 8 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. LAPSO TEMPORAL QUE NÃO SOFRE INTERRUPÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO INTEMPESTIVO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS. ENUNCIADO 16 DO ENFAM. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (STJ - AgInt no AREsp: 980304 MS 2016/0237949-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2017) 9 De fato, o entendimento jurisprudencial não pode ficar alheio às mudanças empreendidas no âmbito legislativo. A existência de nova regra jurídica estabelecida pelo Poder Legislativo impõe ao Poder Judiciário que a considere e a aplique, salvo o caso de inconstitucionalidade. A falta de observância de preceitos legislativos legitimamente criados e válidos desequilibra a harmonia entre os Poderes, outorgando ao Poder Judiciário elevada dose de autoritarismo. BARIONI, Rodrigo; CARVALHO, Fabiano. Embargos de declaração e a decisão de inadmissibilidade do recurso especial: uma discussão necessária. In: O CPC de 2015 visto pelo STJ. Teresa Arruda Alvim... [et. al.], coordenadores. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. P. 910 10 GONÇALVES, Marcelo Barbi. Execução fiscal: um retrato da inoperância, o (bom) exemplo português e as alternativas viáveis. Revista de Processo. v. 247. ano 40. p. 451-471. São Paulo: Ed. RT, setembro 2015. p. 469-470.
Aspectos gerais sobre a audiência de tentativa de mediação e conciliação (art. 334 do CPC) A audiência1 de conciliação ou de mediação tem previsão no artigo 334 do CPC e representa instituto apto a instrumentalizar a disposição da norma fundamental prevista no art. 3º, §§2º e 3º do referido diploma processual2, que determina o comprometimento do Estado em promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. A mesma norma consagra o dever de incentivo às práticas de conciliação e mediação por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Isso significa que todos os sujeitos do processo devem estar atentos e empenhados em buscar meios e viabilizar condições para a construção do consenso, visando à efetividade e à celeridade do processo, bem como à pacificação social e ao descongestionamento do Poder Judiciário. Assim, o CPC, através de seu art. 3º, incentiva o desenvolvimento e a utilização de meios "alternativos"3 ou adequados para a solução de conflitos, tais como as técnicas da mediação e conciliação, seja na via judicial ou extrajudicial, a negociação e a arbitragem.4 Tal norma fundamental está intrinsecamente ligada à ideia de cooperação no processo, que configura outra importante diretriz normativa da lei processual civil, estampada no art. 6º.5 Quanto ao procedimento, determina o CPC, em seu artigo 334, que se a petição inicial atender a todos os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 332), o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (conforme matéria envolvida na lide apresentada), com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência. A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado. A não ocorrência da audiência deve ser exceção, nas hipóteses do § 4º do art. 3346, o qual deve ser interpretado em conjunto com o art. 166, caput do CPC, no que diz respeito, sobretudo, à autonomia da vontade das partes.7 A solenidade pode realizar-se por meios eletrônicos, nos termos da lei, seguindo-se inclusive a lógica de priorizar atos eletrônicos quando possível, prestigiando-se a celeridade (art. 334, § 7º). Se não houver comparecimento nem justificativa plausível para a ausência do autor e/ou do réu na audiência, configurado estará o ato atentatório à dignidade da justiça e haverá imposição de sanção: multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado8. A falta da audiência, portanto, é compensada pela cominação de pena pecuniária significativa, por meio da qual o legislador imaginou pressionar os litigantes a participarem da tentativa de autocomposição.9 Não há que se falar em revelia caso o réu não compareça à audiência. A revelia decorre da não apresentação de contestação (art. 344 CPC). As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos, segundo o §9º do art. 334. A interpretação do referido dispositivo deve ser no sentido de que a ausência do advogado impede o ato? Entende-se que não, como forma de incentivar a solução consensual e considerando a presença de conciliador/mediador. Há doutrina em sentido contrário, no entanto.10 Conforme o §10 do mesmo dispositivo, a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. Sobre tal regra, o STJ já decidiu que o representante legal da parte pode ser o seu advogado, desde que munido de procuração com poderes para transigir11. A audiência de mediação e conciliação no procedimento executivo É certo que a obrigatoriedade da audiência de tentativa de conciliação e mediação está prevista no CPC apenas para a fase de conhecimento, no art. 334. O art. 740 do CPC/73 até previa a possibilidade de, após o recebimento dos embargos e a oitiva do exequente, ser designada audiência de mediação ou conciliação, mas o CPC/2015 não inseriu tal audiência no procedimento executivo, pelo menos não de forma típica. O art. 920, que trata do procedimento dos embargos, faz referência apenas à audiência de instrução e julgamento. O art. 916 contempla a possiblidade de pagamento parcelado do valor da execução, mas o dispositivo não pode nem ser considerado propriamente como hipótese de solução consensual, pois está mais para direito potestativo do executado, visto que a sua incidência não depende da concordância do exequente, que será ouvido apenas para se manifestar sobre o preenchimento dos pressupostos legais do requerimento. De qualquer modo, não há óbice à designação de audiência de mediação ou conciliação no processo de execução: primeiro, em razão do disposto no art. 139, V, do CPC, segundo o qual o juiz poderá promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; segundo, levando em conta o art. 772, inciso I, que permite ao juiz, em qualquer momento do processo, ordenar o comparecimento das partes, o que pode ter por escopo a tentativa de conciliação. A doutrina também considera possível a aplicação da técnica do art. 334 ao processo de execução. Isso porque, embora se trate de regra pertinente à fase de conhecimento, o art. 318, parágrafo único, estabelece a aplicação subsidiária do procedimento comum ao processo de execução. Para Trícia Navarro, o juiz pode utilizar a técnica do art. 334 no procedimento executivo, inclusive com a possibilidade de aplicação de multa pelo não comparecimento injustificado, sem prejuízo da prática dos demais atos executivos, porquanto a audiência não teria o condão de suspendê-los12. De modo geral, no entanto, considera-se que o art. 334 deve incidir nos embargos à execução e não na fase inicial da execução, a exemplo do que ocorria na vigência do CPC/73. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves sustenta que os embargos, apesar de não seguirem o procedimento comum, comportam a audiência do art. 334, mas a regra não seria vinculativa, de modo que a sua designação seria apenas uma opção do juiz, não sendo, em consequência, cabível a imposição da sanção prevista no art. 8º13. Para Araken de Assis, "[...] a aplicação subsidiária do procedimento comum aos embargos [...] indica claramente a possibilidade de o órgão judicial designar a audiência do art. 334, apesar do art. 920 aparentemente dispensá-la". Nesse caso, haveria influência sobre a contagem do prazo da contestação do embargado, que passaria a fluir: a) da data de audiência; b) do protocolo da manifestação do desinteresse do embargado na realização da audiência; c) ou nos termos do art. 231, nas demais hipóteses14. Em suma, parece não haver dúvidas sobre a possibilidade da designação da audiência de mediação ou conciliação no processo de execução, com fundamento no 139, V ou no art. 334 do CPC, a requerimento das partes, ou de ofício pelo juiz. Quanto à audiência do art. 334, porém, a doutrina faz referência à sua designação apenas nos embargos à execução. A questão é saber se é possível a designação da audiência de tentativa de mediação ou conciliação com base no art. 334 na fase inicial da execução e se, nesse caso, haveria alteração na contagem do prazo para a apresentação dos embargos, que se iniciaria a partir da referida audiência. Não se vislumbra qualquer obstáculo à incidência do art. 334 no processo de execução, em sua fase inicial, antes da propositura dos embargos, em razão do já referido art. 318, parágrafo único. Não obstante, entende-se que a aplicação do dispositivo não tem o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento dos embargos. Segundo o art. 915, o prazo para a apresentação dos embargos à execução é de 15 dias, contado, conforme o caso, na forma do art. 231. Como não há previsão de audiência de mediação ou conciliação, não há evidentemente qualquer regra sobre eventual alteração da contagem do prazo dos embargos caso seja designada a audiência do 334 antes da sua propositura. A matéria foi levada ao STJ, através do RESp 1.919.295 - DF, de Relatoria da Min. Nancy Andrighi, julgado em maio de 2021, que decidiu no sentido da impossibilidade dessa alteração. Segundo a Relatora, modificar o prazo dos embargos nessa hipótese "(...) daria o poder à parte executada, que eventualmente perde o prazo para a realização do ato, requerer - sob o auspicioso argumento de que o espírito da lei incentiva a autocomposição entre as partes - a solicitação de audiência de conciliação para, só após a sua ocorrência, manifestar sua resistência à execução". Além disso, tem-se que seria também uma forma de postergar o desfecho do processo executivo, com a apresentação dos embargos em prazo muito superior ao legalmente previsto. Em outras palavras, seria uma forma de o executado ganhar tempo, inclusive de forma ilegítima, caso não tivesse qualquer intenção de conciliar. Solicitaria a designação da audiência apenas para procrastinar a execução. No recurso especial levado ao STJ, por exemplo, o executado foi citado em 07/03/2019 e o mandado de citação foi juntado aos autos em 18/03/2019. A Defensoria Pública habilitou-se nos autos no dia 14/03 e foi solicitada a designação de audiência de conciliação. Instada a manifestar-se sobre o pedido, a recorrida concordou com o pleito, em 23/07/2019; a audiência de conciliação foi designada para o dia 24/09/2019, tendo restado infrutífera. Os embargos à execução foram opostos pelo recorrente em 26/11/2019. Um prazo que se encerraria em maio teria sido, nessa hipótese, postergado 6 meses, o que não é razoável. Isso não significa que o executado não possa pleitear a realização da audiência de mediação ou conciliação. Pode fazê-lo com base no art. 139, V ou com esteio no 334, antes ou após a oposição dos embargos. Se formulado após a oposição dos embargos, com base no art. 334, tendo em vista a sua natureza de demanda de conhecimento, o prazo para a contestação do embargado começará a correr após a audiência, se ela ocorrer. Porém, se requerida a audiência do art. 334 antes da oposição dos embargos, o deferimento da sua realização não terá o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento da defesa do executado, que deverá ocorrer na forma do art. 915, não podendo ser postergada para depois da realização da audiência. Como alternativa, entrementes, pode o executado tentar realizar com o exequente negócio jurídico processual, tanto para realização da audiência do art. 334, como para a modificação da contagem do prazo da oposição dos embargos. Se o exequente concordar, nada impediria, a priori, a sua efetivação. Deve-se dizer que, uma vez aplicada a técnica do art. 334 à execução, devem incidir as regras contidas em seus parágrafos, desde que compatíveis com o procedimento executivo, inclusive a multa pelo não comparecimento injustificado das partes, desde que a imposição respectiva não advenha de decisão-surpresa, em respeito ao contraditório efetivo (art. 10 do CPC). Finalmente, considerando a norma fundamental prevista no art. 3º do CPC, de estímulo à solução consensual dos conflitos, atrelada ao disposto do art. 139, V, entende-se que devem os juízes da execução designar, tanto quanto possível e quando vislumbrarem a possibilidade de solução consensual, audiência de conciliação no processo executivo. Registre-se que a campanha da XVI Semana da Conciliação deste ano de 2021 do CNJ terá como ação prioritária a tentativa de acordo nas execuções em geral, independentemente do estágio ou fase em que se encontrem15, com o objetivo de reduzir as taxas de congestionamento do Poder Judiciário. De lege ferenda, é de se pensar em uma proposta de alteração legislativa do CPC para que seja prevista expressamente a incidência o art. 334 nos embargos à execução, ressalvado o desinteresse do exequente na solução autocompositiva, já que a execução se realiza em seu interesse.  Referências bibliográficas ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021. ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016. TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30/10/2021. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. WELSCH, Gisele Mazzoni. "Audiência de mediação e conciliação". In: Primeiras linhas de direito processual civil: volume 2 - Processo I/ Felipe Camilo Dall'Alba, João Paulo Kulczynski Forster, coordenadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. *Renata Cortez é registradora civil e tabeliã no Estado de Pernambuco. Doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito e Especialista em Direito Processual pela UNICAP. Membro do IBDP e da ANNEP. Coordenadora e professora de cursos de pós-graduação "lato sensu". **Gisele Mazzoni Welsch é pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Doutora e Mestre em Teoria da Jurisdição e Processo pela PUC-RS. Especialista em Direito Público pela PUC-RS. Professora de cursos de pós-graduação "lato sensu" em Processo Civil. Advogada e parecerista. __________ 1 Há autores que criticam a utilização do termo "audiência" e que deveria ser empregado o termo "sessão", porquanto o primeiro estaria afastado da ideia de diálogo que deve nortear a tentativa de acordo entre as partes. Fernanda Tartuce (In: Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30.10.2021), por exemplo, utiliza a expressão "sessão consensual". 2 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. 3 A nomenclatura empregada por grande parte da doutrina de técnicas ou meios alternativos para a solução consensual de conflitos deve ser questionada, uma vez que, frente às dificuldades e problemas impostos pela prestação jurisdicional, muitas vezes tais meios não se mostram como mera alternativa de obtenção de justiça no caso concreto, mas sim como veículo mais adequado e eficaz para a tutela do direito material pretendido ou envolvido. 4 A arbitragem tem regulação legislativa própria em nosso sistema jurídico, originariamente pela Lei nº 9.307/96 e, mais recentemente, revigorada e ampliada pela lei 13.129/15, a qual amplia o âmbito de aplicação da arbitragem e dispõe sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. 5 Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 6 § 4o A audiência não será realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição. 7 MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 89. 8 A natureza dessa multa é punitiva, apesar de ter caráter pedagógico preventivo, no sentido de evitar o descomprometimento das partes com a tentativa de solução consensual do conflito. 9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P.796. 10 Nesse sentido: Athos Gusmão Carneiro. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 70. 11 AgInt no RMS 56.422/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 16/06/2021 12 ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021. 13 Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1262/1263. 14 Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.612-1.613. 15 Disponível aqui.
As audiências virtuais ganharam destaque abruptamente com o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, já com certo atraso, considerando-se a existência da lei 11.419/2006 e a previsão expressa no texto do Código de Processo Civil de 2015 autorizando a prática de atos processuais por meio eletrônico (arts. 193 a 199), mais especificamente por videoconferência (art. 236, §3º), inclusive audiências de mediação e conciliação (art. 334, §7º), sustentações orais (art. 937, §4º), colheita de depoimentos (art. 385, §3º) e oitivas de testemunhas (art. 453, §1º). Em que pese todas as benesses que a tecnologia nos proporciona, alguns fatos indesejáveis têm ocorrido nas audiências virtuais, impulsionando a elaboração deste pequeno ensaio, pois tais fatos podem ser considerados como verdadeiras violações ao devido processo legal constitucional, ao suprimir direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Ora, as audiências são atos processuais complexos, integrados por uma sucessão de atos coordenados, interdependentes entre si, e sujeitos ao preenchimento de requisitos formais próprios e assim devem ser fiscalizados a fim de que cumpram sua função no processo, sobretudo no devido processo legal constitucional. Fato é que estamos vivenciando uma revolução tecnológica em todos os aspectos, sobretudo na função jurisdicional estatal, e os preceitos do Estado Democrático de Direito não devem ser negligenciados. Os desafios são inegáveis e deve-se enfrentá-los com o devido processo legal constitucional. Tomando-se o processo como um espaço democrático, cognitivo e argumentativo, que tem como objetivo se obter do Estado um pronunciamento decisório que contenha a solução jurídica adequada ao caso concreto1, deve ser prospectado por meio da garantia fundamental de uma estrutura normativa metodológica (devido processo legal), a fim de que os pronunciamentos estatais sejam construídos com os argumentos desenvolvidos em contraditório por aqueles que suportarão seus efeitos, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais controvertem no processo.2 Audiência (do latim audientia), em sentido lato, é toda sessão processual (ato complexo) do qual participam as partes em razão de convocação feita pelo juiz, para que compareçam à sede do juízo, com a finalidade de, nela, serem praticados atos processuais.3 A audiência é atividade preparatória do provimento e, como tal, deve ser regulada por uma estrutura normativa, composta de uma sequência de normas, de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma dinâmica bastante específica, na preparação de um provimento. Assim, para que a sentença possa ser considerada válida e eficaz, deverá ser precedida da regular e legítima atividade preparatória4 , conforme determina o ordenamento jurídico.5 Assim, audiência é ato processual complexo, integrado por uma sucessão de atos coordenados, interdependentes entre si, e sujeitos ao preenchimento de requisitos formais próprios.6 Em suma, as audiências podem ser de conciliação (art. 334, art. 695), instrução e julgamento (art. 358), de saneamento e organização do processo (art. 337,§ 3º) e de justificação prévia (art. 562, 677,§1º, 703,§1º). Até em razão de seu objeto (colheita da prova oral e oitiva das partes e de seus procuradores, esclarecimentos por parte dos peritos e assistentes técnicos), as audiências de instrução e julgamento recebem destaque e, no procedimento oral, são consideradas o ponto alto, já que concentram os atos culminantes da disputa judicial. É, ainda, na audiência de instrução e julgamento que o juiz entra em contato direto com as provas, ouve os argumentos debatidos pelas partes e profere a sentença pondo termo ao litígio. Por meio dela, colocam-se em prática os princípios da oralidade e da concentração do processo moderno.7 Ademais, a audiência de instrução e julgamento só será necessária quando houver necessidade de produção de prova oral.8 Já nas audiências virtuais, ao contrário das audiências tradicionais, ocorridas presencialmente, há um recurso tecnológico a mais à disposição, qual seja, a gravação das sessões de audiência e de julgamento. Mas, a questão que surge é: tem havido uma estabilização discursiva nas audiências virtuais, apesar da existência das gravações? As partes têm tido seus direitos e garantias fundamentais preservados em tais procedimentos virtuais? Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil a utilização das chamadas audiências virtuais teve um aumento significativo, impulsionado pelas circunstâncias das medidas de isolamento social, a partir de março de 2020. Inicialmente, as audiências tradicionais e os atos processuais foram suspensos, aguardando-se o retorno das atividades presenciais para nova designação destes atos. Posteriormente, com a continuidade da quarentena, os prazos voltaram a fluir e muitos tribunais, uns apenas com a concordância das partes e em caso de risco de perecimento do direito e, ainda outros, sem se atentar para a manifestação das partes e sem a verificação de urgência, decidiram adotar as audiências virtuais. Mas a prática de atos processuais por meio eletrônico no Brasil não é novidade, e sua previsão normativa intensificou-se a partir de 2006, com a entrada em vigor da lei 11.419/2006, mantida pelo CPC vigente. Aliás, o CPC poderia ter ido além, deixando de regular o processo em papel e suas práticas e costumes tão enraizados na cultura e na prática do foro.9 Fato é que, com a chegada da pandemia, essa indiferença tecnológica do CPC/2015 foi realçada, sendo necessária intervenção do CNJ, que editou as Resoluções n. 314/2020 e n. 354/2020, com o objetivo de elevar a eficiência administrativa e operacional do Poder Judiciário e alcançar maior efetividade com a menor duração dos trâmites processuais.10 Assim como já vinha ocorrendo com as reformas legislativas que deram origem ao CPC/2015, a celeridade e a eficiência têm pautado as iniciativas no que tange às audiências virtuais. Contudo, em algumas situações, a busca incansável por celeridade e eficiência tem suprimido os preceitos do devido processo legal constitucional. Isso porque têm ocorrido situações no âmbito procedimental das audiências virtuais11 que violam a oralidade12, a ampla defesa, o contraditório e a isonomia. Tais situações de violação manifestam-se como: ausência de publicidade, dificuldade de manutenção de incomunicabilidade no depoimento pessoal, dificuldade de identificação de testemunhas, dificuldade na intimação, incomunicabilidade e inquirição de testemunhas, valoração das provas orais pelo magistrado e instabilidade de tráfego de dados de internet,13 em patente violação ao disposto no texto do art. 194 do CPC/2015. Ressalta-se, ainda, a ocorrência de outros obstáculos técnicos na participação em audiências virtuais, como por exemplo, um certo delay, ou atraso na entrega do conteúdo audiovisual, sobretudo na colheita de prova oral, já que a imagem não acompanha a fala, prejudicando o andamento da audiência e o raciocínio dos presentes, no momento de formular e responder perguntas.14 Considerações Finais É o devido processo legal que deve orientar o procedimento das audiências, para que se possa, de fato, concretizar os direitos e garantias fundamentais, dentro de uma estrutura técnica normativa em contraditório, permitindo a cognição dos fatos narrados ou enunciados pelas partes e a valoração das provas por elas apresentadas na comprovação de suas narrativas, visando a obter um pronunciamento estatal decisório favorável às suas pretensões.15 Por isso, toda e qualquer audiência, assim como os atos processuais, devem ser realizados sob o manto do devido processo legal constitucional, a fim de que nenhum direito ou garantia fundamental possam ser violados. *Fernanda Gomes e Souza Borges é doutora e mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas). Docente adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Lavras - MG (UFLA). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional (GEPPROC/UFLA), cadastrado no CNPq. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC). Membro da Comissão Processo Civil da OAB/MG. Perfil no Instagram: @fernandagomes_borges. Referências Bibliográficas ALVES, Lucélia de Sena; SOARES, Carlos Henrique. Audiências telepresenciais na justiça cível e sua compatibilidade com o devido processo constitucional. Disponível aqui. Acesso em: 14. Jun. 2021. ARAÚJO, Valter Shuenquener de; GABRIEL, Anderson de Paiva; PORTO, Fábio Ribeiro. Os Núcleos de Justiça 4.0: inovação disruptiva no Poder Judiciário brasileiro. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. 15. Abr. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 20. Jun. 2021. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo. In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. 4. série. São Paulo: Saraiva, 1989. BORGES, Fernanda Gomes e Souza; ALVES, Lucélia de Sena. As audiências de instrução e julgamento por videoconferência e o devido processo constitucional: uma análise empírica. In: 4 anos de vigência do Código de Processo Civil de 2015. Belo Horizonte: D'Plácido, 2020. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Noções de teoria e técnica do procedimento da prova. In: Técnica processual. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2015. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ detalha regras para realização de sessões e audiências em meio digital. 13 de janeiro de 2021. Disponível aqui. Acesso em 25. Jun. 2021. DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. v. 2. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 33. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 8. ed. Padova: CEDAM, 1996. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. IWAKURA, Cristiane Rodrigues; GUEIROS, Pedro; BECKER, Daniel. Código QR: a transformação digital do princípio da oralidade. Jota. 08. Mai. 2021. Acesso em: 10. Jun. 2021. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Gen - Forense, 2010. MADEIRA, Dhenis Cruz. Princípios processuais da oralidade e escrituração: ensaio sobre os fundamentos do confronto. In: JUS: Revista da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, v. 42, n. 25, jul./dez. 2011. Disponível aqui. Acesso em: 01 jul. 2021. SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Advogados enfrentam problemas técnicos em audiências virtuais. 11. Jun. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 1º. Jul. 2021. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. v. 1. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 1ª REGIÃO. TRT-1. 8ª Turma do TRT/RJ torna nula sentença de arquivamento por não comparecimento do autor em audiência telepresencial. Disponível aqui. Acesso em: 17. Jul. 2021. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 2. __________ 1 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Noções de teoria e técnica do procedimento da prova. In: Técnica processual. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 185. 2 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 171. 3 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.v. 2. p. 401. 4 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 87-88. 5 BORGES, Fernanda Gomes e Souza; ALVES, Lucélia de Sena. As audiências de instrução e julgamento por videoconferência e o devido processo constitucional: uma análise empírica. In: 4 anos de vigência do Código de Processo Civil de 2015. Belo Horizonte: D'Plácido, 2020. p. 12-13. 6 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, v. 2, 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 33. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, v. 1, 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 445. 8 SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 402. 9 SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 241. 10 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ detalha regras para realização de sessões e audiências em meio digital. 13 de janeiro de 2021. Disponível aqui. Acesso em 25. Jun. 2021. 11 Pelo que recomenda-se a leitura de: BORGES, Fernanda Gomes e Souza; ALVES, Lucélia de Sena. As audiências de instrução e julgamento por videoconferência e o devido processo constitucional: uma análise empírica. In: 4 anos de vigência do CPC/2015. Belo Horizonte: D'Plácido, 2020. p. 11-26. 12 Ressalte-se que atualmente já se discute da utilização de tecnologia para concretizar o princípio da oralidade por códigos, como é o caso do chamado QR Code, acerca do qual recomenda-se a leitura de: IWAKURA, Cristiane Rodrigues; GUEIROS, Pedro; BECKER, Daniel. Código QR: a transformação digital do princípio da oralidade. Jota. 08. Mai. 2021. Acesso em: 10. Jun.2021. 13 ALVES, Lucélia de Sena; SOARES, Carlos Henrique. Audiências telepresenciais na justiça cível e sua compatibilidade com o devido processo constitucional. Disponível aqui. Acesso em: 14. Jun. 2021. 14 SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Advogados enfrentam problemas técnicos em audiências virtuais. 11. Jun. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 1º. Jul. 2021. 15 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Noções de teoria e técnica do procedimento da prova. In: Técnica processual. BRÊTAS, Ronaldo de carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 203.
sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Visual Law é modismo?

Já se foi a fase de descoberta do Visual Law. Chega-se à tão esperada fase de propagação do uso desta técnica que vem rendendo, desde já, diversas discussões acaloradas no meio jurídico. O surgimento de "algo novo" desperta nos seres humanos dois tipos de comportamentos esperados em posições diametralmente opostas: alguns se encantam e querem conhecer mais; outros, em um rápido olhar, se sentem incomodados com a presença daquela novidade e se fecham em seu tradicional mundo. Aqui se fala especificamente na adoção da técnica Visual Law, mas a afirmação em questão reflete uma realidade que se conecta a diversas outras práticas que almejam trazer uma inovação sobre padrões preestabelecidos. Portanto, leitor, antes de avançar na avaliação do Visual Law como um eventual modismo, deve-se ter a compreensão de que a inovação é passageira em sua essência.  A inovação que se consolida, deixa de sê-la. Como dizia Carlos Drummond de Andrade, a maior ambição do inovador é que sua inovação se torne tradicional. A inovação por si só, naturalmente, será alvo de críticas. Até porque, nas palavras de Nolan Bushnelll, "se você contar sua ideia para 10 pessoas e 9 delas disserem que você está maluco, provavelmente você está fazendo algo inovador!". Dizer que algo novo é moda, equivale a dizer que aquela inovação não irá se perpetuar no tempo. Portanto, para que se afirme a técnica do Visual Law como um modismo, deve-se avaliar empiricamente se realmente a sua utilização não terá a capacidade de ser incorporada em caráter definitivo nas rotinas dos operadores do direito. Vejamos. Em primeiro lugar, o Visual Law não foi algo descoberto na atualidade. Há muito tempo esta técnica vem sendo empregada sem qualquer tipo de rotulação. Isto se deve ao fato de o Visual Law ser uma das vertentes do Legal Design, cujo objetivo é, precipuamente, simplificar e clarificar a comunicação, tornando a troca de informações muito mais objetiva e eficiente. Deste modo, se um advogado prefere fazer uma petição com poucas laudas, utilizando termos de compreensão universal, dando ênfase aos pontos controvertidos e, eventualmente, utilizando alguns recursos visuais para melhorar a compreensão do destinatário sobre algo - ele está sim, utilizando as técnicas de Visual Law. O emprego da técnica do Visual Law, como muitos erroneamente pensam, traria um necessário abandono da forma tradicional mediante o uso indiscriminado de diferentes estruturas, formas, fontes e cores exuberantes em todas as manifestações jurídicas. Outro equívoco comum em relação ao Visual Law é pensar que o seu emprego consiste em uma simplificação excessiva acerca do teor das manifestações jurídicas, fazendo "gráficos e setinhas num programa de computador". Esta compreensão reduzida e equivocada do Visual Law pode ser atribuída a três fatores: 1) pouco aprofundamento sobre a técnica, seus conceitos e fundamentos; 2) conhecimento restrito sobre modelos de manifestações jurídicas com um inadequado uso da técnica do Visual Law: peças "carnavalescas", mal estruturadas, desarmônicas, e/ou com o uso excessivo de recursos visuais; 3) crenças limitantes que geram uma forte barreira cultural em relação à introdução das novas tecnologias. Isto explica a resistência de alguns magistrados à técnica do Visual Law, ainda mais aqueles que ainda não tenham vivenciado alguma experiência positiva com a sua utilização. Em compensação, mesmo nos moldes tradicionais, há registro por parte de membros do Poder Judiciário acerca de diversos problemas encontrados nas manifestações jurídicas: argumentação excessiva, redação prolixa, número excessivo de páginas, transcrição excessiva de jurisprudência, má formação da peça e uso excessivo de destaque no texto. Há que se contextualizar devidamente os diversos posicionamentos encontrados a respeito do Visual Law. Isto vai variar de acordo com a experiência de cada usuário, o nível de compreensão e de conhecimento da técnica do Visual Law, e principalmente as suas habilidades e necessidades dentro de um sistema jurídico. Pode ser que um operador do direito que lide com demandas excessivas e padronizadas tenha maior inclinação para o uso das técnicas do Visual Law do que um operador que lide com um número bem reduzido de causas jurídicas, e que tenha uma atuação maior em ambientes nos quais ainda predomine a cultura da liturgia e da formalidade. Logo, qualquer generalização acerca do Visual Law é indevida. E para o seu uso, é preciso ter cuidado, pois nem sempre os recursos visuais serão necessários e adequados, devendo em certas situações manter a forma tradicional. Tal constatação ressalta a importância de se intensificarem as iniciativas voltadas para a capacitação de profissionais na área de Visual Law, antes que se chegue a qualquer conclusão peremptória acerca da sua vida útil. Muitas peças neste exato momento, não serão ideais, ou seja, não conseguirão captar em sua integralidade uma aplicação precisa de todas as técnicas do Visual Law. Por isso mesmo, convenciona-se por intermédio do Design Thinking que a técnica seja constantemente avaliada e revista, até que se chegue a um resultado satisfatório, trazendo consigo uma "estratégia de comunicação que insere o usuário no trâmite processual em que ele figurará como parte, promovendo o seu empoderamento". Toda inovação passa por esta fase de teste e de aprimoramento, há que se ter resiliência e paciência, pois certamente ao final, será obtido algum ganho em termos de qualidade e eficiência. Contudo, fulminar uma técnica pelo seu mau emprego definitivamente não é o melhor caminho. O próprio tempo irá demonstrar como os usuários se comportarão acerca da utilização desta técnica. E, diante de melhores resultados a partir do uso do Visual Law nas manifestações jurídicas, naturalmente, por questões de concorrência e de sobrevivência, haverá um nivelamento da atuação jurídica - no sentido de consolidá-lo, ou repeli-lo do mundo jurídico. Fato é que o design já está presente e consolidado no mundo jurídico. O desenho das plataformas e dos sistemas operacionais refletem o uso de diversos princípios do Visual Law. A ideia da arquitetura de escolha com foco no usuário está intrinsecamente relacionada à prestação de qualquer serviço público essencial, veja-se neste sentido o rol de diretrizes previsto no art. 3º da lei 14.129/2021 - a Lei de Governo Digital. Logo, o melhor que se deve fazer neste momento, é "dar uma chance ao Visual Law", pois os estudos em torno do emprego desta técnica demonstram que efetivamente há um expressivo ganho na melhoria da comunicação, na eliminação de ruídos no processo decisório dos magistrados, e em um substancial aumento da acessibilidade às informações veiculadas no processo judicial. Importante neste ensejo comentar brevemente despacho judicial que circulou nas redes sociais, proferida pelo juízo da 9ª Vara Cível de Goiânia. No caso em questão, o magistrado se valeu do comando do art. 321 do CPC para que a parte autora emendasse a inicial, fazendo constar de forma clara, os fatos e suas pretensões, utilizando preferencialmente a formatação exigida pelas normas da ABNT, uma vez que a exordial teria ficado muito carregada e de difícil leitura e compreensão. Observando-se a petição inicial em questão, nota-se que ali se pretendeu utilizar a técnica do Visual Law, dando-lhe uma feição completamente diferente do padrão visual tradicional.  Destaque-se inicialmente que não existe em qualquer norma processual previsão expressa para que se exija o respeito às normas da ABNT, assim como não há qualquer norma processual que desautorize o uso da técnica do Visual Law. Há inclusive, um movimento do Poder Judiciário para a regulamentação do Visual Law, como forma de incentivo para a propagação desta técnica. No plano formal, os requisitos da petição inicial estão expressamente enunciados no CPC, por intermédio dos arts. 319 a 321, além de outras exigências, a depender do procedimento, como nos casos de incidência dos arts. 303 e 305. As causas de indeferimento da petição inicial estão expressamente previstas no art. 330 do CPC, quais sejam: a inépcia, assim compreendida, nos termos do §1º, como a ausência de pedido ou de causa de pedir; a indeterminação do pedido, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; a não correspondência dos fatos à conclusão, e, por fim, a previsão de pedidos incompatíveis entre si.  Nos termos do art. 321 do CPC, o juiz, verificando a ausência dos requisitos da petição inicial, determinará ao autor que faça a emenda, no prazo de 15 dias, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. A manifestação judicial em apreço reflete a resposta do magistrado, como usuário e destinatário da informação com o emprego do Visual Law, e serve como um grande alerta para todos que desejam utilizar a técnica em suas peças jurídicas.  O Legal Design deve sempre ter como foco o usuário. Neste ensejo, ao se empregar o Visual Law, deve-se ter o maior cuidado com os padrões escolhidos fazendo-se uma análise preditiva sobre a potencial resposta do usuário, pois a ideia é facilitar a comunicação, e não o contrário. A inadequada utilização dos recursos visuais, pode realmente dificultar a legibilidade do documento e a compreensão da narrativa. O excesso de cores e destaques acaba ocasionando uma poluição visual, e isto pode dificultar seriamente a identificação dos pontos controvertidos. Por esta razão, a técnica do Visual Law é algo que precisa ser constantemente objeto de estudo e experimentação. Existem diversos princípios de hierarquia linguística e visual que precisam ser observados. Até para o emprego das cores, há uma teoria que explica exatamente como harmonizá-las, evitando-se com isto um incômodo sensorial para o destinatário da informação.  Não é algo tão simples como parece ser. Uma segunda opinião sobre os modelos de peças com o uso de Visual Law é sempre bem-vinda. Havendo possibilidade, a formação de uma equipe multidisciplinar composta por designers, juristas e outros especialistas favorece a obtenção de manifestações jurídicas visualmente agradáveis, e ao mesmo tempo funcionais.  Por todo o exposto, resta evidente que as críticas em torno do Visual Law são bem-vindas, desde que construtivas. A resposta do usuário é elemento essencial para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Visual Law. Mas isto não pode servir como uma barreira ou um desincentivo para o avanço desta técnica, pelo contrário. Tudo faz parte de um processo dialógico. Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. In: O Avesso das Coisas - 6ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Legal Design no Poder Judiciário. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021. FRAGA, Sarah Élen Rodrigues. Visual Law: Uma inovação capaz de agregar valor ao serviço jurídico. In: Visual Law: como os elementos visuais podem transformar o direito. SOUZA, Bernardo de Azevedo e; OLIVEIRA, Ingrid Barbosa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. LEONEL, Guilherme; LIMA, Juliana. A importância do usuário. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 45. MAIA, Ana Carolina; NYBØ, Erik Fontenele; CUNHA, Mayara. Legal Design: criando documentos que fazem sentido para os usuários. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. O design como auxiliar da efetividade processual no Juízo 100% Digital. Consultor Jurídico. Acesso em: 14 mai. 2021. SOUZA, Bernardo de Azevedo e. 6 atos normativos de Visual Law que você precisa conhecer. Disponível aqui. Acesso em: 20 set. 2021. SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Eles, os elementos visuais, vistos por ela, a magistratura federal. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021. STRECK, Lenio Luiz. E o Dr. Legal Design explica sentença judicial e "facilita"tudo...! Consultor jurídico. Acesso em: 23 jun. 2021. WOLKART, Erik Navarro; LAUX, Francisco de Mesquita. O ruído: uma nova abordagem das falhas do julgamento humano. JOTA. Acesso em: 12 ago. 2021.
A Constituição Federal de 1988 prevê que todos são iguais perante a lei e referido tratamento isonômico deve existir entre homens e mulheres. Mas será que essa igualdade está refletida na nossa realidade social? Não há como negar diferenças biológicas e situações que afetam mais as mulheres do que os homens, como a gestação e a amamentação. Mas há de se considerar a existência de uma construção cultural que gera disparidade de gênero na prática, como o cuidado com familiares, especialmente dos filhos, e o trabalho doméstico, que são exercidos de forma majoritária pelas mulheres. Deve-se ter em conta a enorme diferença salarial e do nível de hierarquia dentro dos cargos profissionais, entre outros. Assim, para se chegar em uma igualdade substancial é preciso pensar em questões pontuais de gênero, visando uma efetiva transformação sociocultural. No final da década de setenta, foi criado o conceito de gênero pelo movimento feminista - por meio da produção acadêmica das mulheres daquela época - e, desde então, o termo tem sofrido diversas interpretações, porém mais usualmente relacionadas ao conceito de gênero que tem como base o "feminismo das diferenças", conforme destaca Marta Ferreira Santos Farah1. De acordo com tal concepção de gênero2, as distinções entre homens e mulheres são acentuadas, estabelecendo-se polaridades. Se historicamente é consabido que essas distinções acabam por ensejar uma disparidade de tratamento entre homens e mulheres nos mais diversos ambientes, que ainda subsiste nos dias atuais, maior esforço se requer para a implementação de transformações em prol da igualdade. É necessário romper tradições, mitos e mentalidades conservadoras. A participação das mulheres na área jurídica, por exemplo, ainda é pautada pela desigualdade material. Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Concluiu o bacharelado em direito em 1898, mas só em 1906 conseguiu ser aceita na instituição de classe3. A primeira magistrada, Thereza Grisólia Tang, tomou posse em Santa Catarina em 1954. No STF, a Ministra Ellen Gracie assumiu a presidência do STF de 2006 a 20084 e além dela, as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber também representam o gênero feminino no Supremo. A ministra Laurita Vaz foi a primeira mulher à frente da presidência do STJ e dirigiu a referida Corte durante o biênio 2016 a 20185. Apesar de as mulheres constituírem a maior parcela da população brasileira, tal fato não se reflete nos cargos mais altos em cada um dos Poderes da República. No Executivo, a proporção é de uma única Presidente mulher para 37 Presidentes homens e nunca houve uma vice-presidente mulher. Dentre os Ministros de Estado, a proporção é de 1.025 homens para 40 mulheres. No Poder Legislativo, até 2016, sequer havia banheiros femininos nas respectivas Casas e nunca houve uma mulher na presidência da Câmara ou do Senado Federal. No Poder Judiciário, entre os ministros, no STF, a proporção é de 3 mulheres para 166 homens - historicamente. No STJ, há 91,84% de homens e 8,16% de mulheres. A situação é similar nos demais tribunais superiores: 91,21% de homens e 8,79% de mulheres no TSE; 90,24% de homens e 9,76% de mulheres no TST e, por fim, 97,73% de homens e 2,27% de mulheres no STM. A maior porcentagem de mulheres como Ministras dos Tribunais Superiores verifica-se no TST - que, ressalte-se, atualmente é Presidido pela Ministra Maria Cristina Peduzzi -,  mas, ainda assim, com irrelevante proporção. O Censo do Poder Judiciário divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2014 mostrou que apenas 35,9% dos membros da magistratura são mulheres6. Fato é que essa desproporção e essa desigualdade de gênero na cúpula dos três  Poderes acabam dificultando a inserção na ordem do dia de pautas relevantes aos direitos das mulheres, tais como a violência doméstica, a equiparação salarial, os tratamentos reprodutivos, incentivos de ordem tributária, o incremento de número e qualidade de creches, o respeito à amamentação em local público, entre outros7. A paridade institucional, portanto, é fundamental para que se dê visibilidade aos assuntos de interesse direto das mulheres, mas que, em seu âmago, dizem respeito à sociedade em que se pretende viver. Algo está sendo feito? Em 2015, foi pactuada a agenda 2030 da Organização das Nações Unidas e, dentre os seus objetivos, está a promoção da igualdade de gênero, mais especificamente no item 5 - "Igualdade de Gênero"8; em 2020, a OAB instituiu cota de participação mínima de 30% de mulheres em eventos organizados pelo Conselho Federal9. A partir de 2021, as eleições da OAB devem contar com 50% de mulheres nas respectivas chapas10. Apesar desses esforços da OAB, vale registrar que em abril de 2021 as advogadas superaram em número absolutos os advogados, mas ainda não conseguiram a igualdade nos cargos mais altos dentro das empresas e instituições, por exemplo. Nesse cenário, acredita-se que os movimentos feministas, através de mobilizações, têm contribuído para a garantia de alguns direitos e para uma sensível melhoria na igualdade de gênero.   No que concerne ao direito processual, mais precisamente no ambiente acadêmico, a desigualdade de gênero sempre foi perceptível, tanto no que diz respeito ao maior quantitativo de professores em relação ao de professoras integrantes das carreiras nas instituições públicas e privadas, quanto no que se refere às publicações e às participações em eventos, nos quais a representação feminina era mínima ou inexistente - não se fala de um passado remoto, mas de situações contemporâneas.  Nos últimos anos, no entanto, essa realidade tem sido paulatinamente modificada. O incremento da participação feminina nos eventos e publicações relativos ao direito processual é evidente. E muito disso se deve, sem dúvidas, ao trabalho desempenhado por diversos coletivos femininos, que têm, entre seus objetivos, o escopo de promover a igualdade de gênero no ambiente acadêmico do direito processual. Daí a relevância e o orgulho em dizer que o "Elas no Processo" tem cumprido um significativo papel nessa caminhada. O "Elas no Processo" tratava-se, no início, de um grupo de WhatsApp, criado no dia 29 de abril de 2015 com a finalidade de congregar mulheres que participariam, então, do V Fórum Permanente de Processualistas Civis - Vitória/ES. Rapidamente, esse grupo - que passou a ter como principal objetivo o fomento à participação feminina nos eventos e nas publicações científicas - transformou-se em um ambiente de parcerias acadêmicas, divulgação de trabalhos recíprocos, promoção de debates jurídicos atuais através de lives, diálogo e muita sororidade.  Em 16 de agosto de 2016, o primeiro projeto do grupo saiu do papel: foi lançada a obra "Temas Relevantes de Direito Processual Civil: Elas Escrevem", coordenado por Renata Cortez, Rosalina Freitas e Sabrina Dourado e escrito por vinte e quatro processualistas de todo o Brasil. A obra foi publicada pela Editora Armador, posteriormente adquirida pela Editora Juspodivm. Sem dúvidas, essa foi uma obra pioneira, visto que escrita exclusivamente por mulheres processualistas. De lá para cá, o grupo cresceu e amadureceu: foi criada, em maio de 2020, a marca "Elas no Processo"; foram também criados um canal no youtube e um perfil no Instagram. O coletivo realizou e apoiou diversos eventos acadêmicos, muitas vezes em parceria com outros coletivos, como o "Elas Pedem Vista", o "Instituto de Juristas Brasileiras", o "Mulheres no Processo" do Instituto Brasileiro de Direito Processual, o "Processualistas", o "Abayomi Juristas Negras", o "Advogadas do Brasil", o "LiderA" e o "Elas Discutem". As integrantes do "Elas no Processo" interagem diariamente através do grupo do WhatsApp, que conta hoje com 140 participantes de todas as regiões do País. Existe uma especial atenção em publicar e realizar eventos em parceria umas com as outras; citar umas às outras; tirar dúvidas entre si; além de um efetivo compartilhamento de dores e amores. Em agosto de 2021, cinco integrantes do "Elas no Processo" - que também assinam esta coluna -, lançaram a obra coletiva "Acesso à Justiça: um novo olhar a partir do Código de Processo Civil de 2015", pela Editora Thoth: Benigna Teixeira, Fernanda Gomes, Flávia Hill, Flávia Ribeiro e Renata Cortez. O livro conta com artigos escritos por homens e mulheres e duas delas foram vencedoras de um concurso realizado entre as integrantes do "Elas no Processo": Cecília Hildebrand e Paula Ferreira Bovo. A obra conta com o prefácio do ilustre professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. O coletivo "Elas no Processo" manteve por aproximadamente um ano uma parceria com o Professor Gilberto Bruschi - a quem se expressa o agradecimento - para a publicação de artigos escritos pelas integrantes do "Elas no Processo" em sua coluna eletrônica: "O Novo Processo Civil Brasileiro". Foram 35 textos publicados! Chegou a hora, no entanto, do voo solo. A coluna do "Elas no Processo" está no Migalhas! O coletivo publicará quinzenalmente, a partir de hoje, reflexões das integrantes e de convidadas (os) sobre o direito processual. Compõem o Conselho Editorial da coluna as processualistas Cristiane Rodrigues Iwakura, Fernanda Gomes e Souza Borges, Flávia Pereira Hill, Flávia Pereira Ribeiro e Renata Cortez Vieira Peixoto. Para garantir a máxima qualidade técnica dos artigos, foi criada uma Comissão Revisora, formada pelas processualistas América Nejaim, Benigna Teixeira, Cecília Hildebrand, Gisele Welsch e Lucélia Sena. O "Elas no Processo" agradece imensamente à Diretoria do Migalhas pelo pronto acolhimento e pela confiança, sendo certo que também o maior e o mais importante veículo jurídico, em formato de portal eletrônico, está contribuindo imensamente para a igualdade de gênero.  Trata-se, portanto, de uma coluna inclusiva por excelência, que almeja divulgar conhecimento jurídico de qualidade na área do direito processual para além de rótulos ou divisões artificiais, que não condizem com o ambiente científico nem com a sociedade que almejamos para já.  Aos leitores e leitoras que comungam esses mesmos ideais e acreditam no avanço do direito processual por obra e com a contribuição de todos e, especialmente, de todas, sejam muito bem-vindos! __________ 1 FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e Políticas Públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(1): 360, janeiro-abril/2004, p. 48. 2 SCOTT, Joan. "Gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo, já que nada no corpo [...] determina univocamente como a divisão social será estabelecida". Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021. 3 HIGÍDIO, José. Primeira advogada brasileira, Myrthes superou obstáculos para trabalhar. Conjur, 8 mar. 2021. 4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Veredicto.  Boletim informativo. 40 ed., 28 jan. 2009. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021. 5 MULHERES no Direito e igualdade de gênero são tema de debate. Migalhas, 21 nov. 2017. Disponível aqui. Acesso em 06 out. 2021. 6 VENTURINI, Anna Carolina; FERES JUNIOR,  João. A Desigualdade de Gênero na Justiça Brasileira. GEMAA. 2015. Disponível aqui. Acesso em 07 out. 2021. 7 Vale destacar aqui importantes iniciativas legislativa em tramitação: 1) PL 1740/2021, 3414/2019, e 1741/2021: a dedução de percentuais do imposto de renda às empresas que contratarem, respectivamente, vítimas de violência doméstica financeiramente dependentes e mulheres chefes de família de baixa renda; 2) PL 5548/2019: a reserva de vagas em empresas terceirizadas para mulheres vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social; 3) PL 128/2021: Zera as alíquotas de PIS e Cofins sobre absorventes menstruais. Registre-se que também existem iniciativas no sentido de se propor a inclusão destes produtos na cesta básica. Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021. Ainda a respeito da pobreza menstrual, termo adotado pela Unicef para se referir à situação vivenciada por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos para que cuidem de seu ciclo menstrual, observa-se que no início do mês de outubro, o Poder Executivo Federal sancionou a Lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual - lei 14.214/2021, mas vetou os pontos do projeto de origem (PL 4868/2019) que contemplavam a oferta gratuita de absorventes com fundamentação de ordem técnica, qual seja, a ausência de indicação para a fonte de custeio ou medida compensatória, em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, à Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, e à Lei Complementar 173/2020. Neste momento, os vetos seguem para análise pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados. Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021. 8 ONU. Planeta 50-50 em 2030. Disponível aqui. Acesso em 07 out. 2021. 9 Proposição n. 49.0000.2019.013134-1 do Conselho Pleno. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021. 10 OAB aprova paridade de gênero e cotas raciais para as próximas eleições da classe. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021.