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Direito trabalhista nos negócios

Artigos sobre o Direito Empresarial do Trabalho.

Antonio Galvão Peres e Luiz Carlos Amorim Robortella
As implicações do "grupo econômico" para o direito do trabalho sempre foram objeto de acirrada polêmica. Admitido o grupo, há responsabilidade solidária de qualquer empresa em relação ao passivo trabalhista de todas as demais integrantes. Para muitos, essa solidariedade é também ativa, permitindo o compartilhamento de mão-de-obra sem configurar mais de um contrato, o que foi afinal cristalizado na Súmula n. 129 do TST1. Há até quem reconheça o grupo como "empregador único"2, o que desperta novos debates, como, por exemplo, a viabilidade de equiparação salarial entre empregados de empresas distintas. Contudo, a maior celeuma reside na caracterização do grupo e sua responsabilidade passiva. Diante da redação original do artigo 2º, § 2º, da CLT, duas correntes se formaram: uma baseada no critério da dominação e outra no da coordenação. Vale a pena transcrever esses preceitos: "§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas." Nessa antiga redação, a responsabilidade solidária dependia da hierarquia ou subordinação de uma sociedade a outra, o que a doutrina francesa chama "critério da dominação", conforme PAUL-HENRI ANTONMATTEI3: "Lorsque le législateur fonde la présence d'un groupe sur le critère de domination, la jurisprudence veille scrupuleusement au respect de ce critère. Ainsi, une filiale commune dont le capital est partagé entre deux sociétés ou groupe de sociétés qui la gèrent sur un plan de stricte égalité n'appartient à aucun groupe au sens de l'article L. 439-1 du Code du travail."  No Brasil, muitos entendiam suficiente a mera coordenação entre empresas, conceito tão amplo que levou a uma exagerada flexibilidade na aplicação da solidariedade na doutrina e na jurisprudência4. Aliás, esse critério da coordenação acabou por ser  expressamente consagrado no artigo 3º, § 2º, do Estatuto do Trabalhador Rural5.  Depois de longo debate, a SBDI I do C. TST, por maioria de votos, após adiamentos e sucessivas vistas regimentais (o julgamento se iniciou em 2011 e findou em 2014), confirmou a necessidade de efetiva dominação como pressuposto da responsabilidade solidária.  Veja-se o leading case:  "RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. ART. 2º, § 2º, DA CLT. EXISTÊNCIA DE SÓCIOS EM COMUM. A interpretação do art. 2º, § 2º, da CLT conduz à conclusão de que, para a configuração de grupo econômico, não basta a mera situação de coordenação entre as empresas. É necessária a presença de relação hierárquica entre elas, de efetivo controle de uma empresa sobre as outras. O simples fato de haver sócios em comum não implica por si só o reconhecimento do grupo econômico. No caso, não há elementos fáticos que comprovem a existência de hierarquia ou de laços de direção entre as reclamadas que autorize a responsabilidade solidária. Recurso de Embargos conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido." (TST, SDI-I, Embargos em Recurso de Revista, 214940-39.2006.5.02.0472, Ministro Relator Horácio Raymundo de Senna Pires, Publicação: 15/08/14)".  Cabe destacar de sua fundamentação:  "Entendimento contrário atenta contra o princípio da livre iniciativa prevista no art. 170, caput, da Constituição, pois, se assim se entendesse, nenhuma pessoa física que participa de alguma sociedade poderia participar de uma empresa diversa ou mesmo criar uma diferente atividade ante o receio de vir a ser responsabilizada por atos de terceiros, independente de outros fatores quaisquer, mas apenas em face de haver algum tipo de relacionamento entre elas, o que não ocorreu, in casu. Nesse contexto, diante da ausência de elementos fáticos que comprovem a configuração do grupo econômico, tais como coordenação ou laços de direção, e considerando que o simples fato de haver sócios em comum não implica por si só o reconhecimento do grupo econômico, concluo por negar provimento ao recurso de embargos."  Esse acórdão é de 2014 e seu entendimento continua a valer nos julgamentos  do TST envolvendo a antiga redação do artigo 2º da CLT. A discussão, todavia, tomou novos contornos após a Reforma Trabalhista de 2017, que alterou o § 2º e acrescentou um parágrafo ao artigo 2º da CLT:  § 2º  Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.  Agora temos na lei o grupo econômico por coordenação, que não se caracteriza meramente pela identidade de sócios, mas principalmente por três fatores : "a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes".  Se por um lado essas alterações trazem maior segurança jurídica para as empresas ao criarem requisitos objetivos de solidariedade, não se há de esquecer, do outro lado, que podem aumentar o risco de formação de grupo quando há subcontratação ou terceirização de atividade-fim, onde esses três requisitos frequentemente são encontrados. Tal matéria não é ainda muito discutida, mas poderá vir a sê-lo. Mas a insegurança não se esgota no direito material.  Do ponto de vista processual há muito se discute o procedimento adequado para acionar a responsabilidade solidária das outras empresas do grupo.  Caso, embora não conste da sentença condenatória, seja a empresa  declarada devedora apenas na execução, a pedido do credor, costuma-se alegar ofensa ao direito de defesa porque, ausente do processo de conhecimento, foi impedida de participar do processo e apresentar os argumentos e recursos cabíveis.    Afinal, há sérias restrições ao devedor em matéria de defesa, prova e recursos. O recurso de revista só cabe na ofensa direta à Constituição Federal, o que compromete a saudável função uniformizadora do TST na interpretação da lei.  Esse tema ganhou grande repercussão nas décadas de 70 e 80, tendo nosso escritório atuado em centenas de casos envolvendo dívidas da extinta TV TUPI, nos quais se tentava direcioná-las, na execução, a outras empresas dos DIÁRIOS ASSOCIADOS, assim como em muitos outros.  À época, firmou o TST seu entendimento através da Súmula n. 205 :  "GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução."  Lamentavelmente, esse verbete foi cancelado em 2003, quando então se reacendeu a polêmica.  Na prática, as execuções contra empresas agrupadas, sócios e ex-sócios se multiplicaram e sem os devidos cuidados, muitos deles  surpreendidos com sua inclusão no polo passivo. Não raro tinham seus bens penhorados sem conhecer o processo do qual provinha a ordem, situação que tresanda a puro Kafka.  O desejo em satisfazer o crédito do trabalhador atropelava os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.  Entretanto, o  Código de Processo Civil de 2015 regulou de forma diversa ao exigir expressamente que o devedor solidário seja assim declarado no título executivo, além de instituir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (reforçado pela Lei 13.467/17), o qual também pode ser aplicado de forma inversa.  Para alguns esses preceitos são inaplicáveis na Justiça do Trabalho. Ilustre desembargador, em evento realizado na sede de um TRT, afirmou seis vezes durante palestra que o incidente de desconsideração é inaplicável, pois a finalidade do processo do trabalho é «por a carne na panela do trabalhador». Tal argumento ressoa à teoria revolucionária clássica de ALBERTO TRUEBA URBINA6, que, muito além do caráter protetivo, reconhecia no direito processual do trabalho um instrumento da luta de classes, destinado inclusive a "reivindicar os direitos do proletariado".  Felizmente alguns tribunais regionais aplicam o artigo 513, § 5º, do CPC, sendo exemplo os seguintes acórdãos das 8ª e 1ª Regiões:  "A penhora não pode subsistir. Primeiro, porque não se pode em embargos de terceiro reconhecer a existência de grupo econômico. Só é admissível tal reconhecimento na fase de conhecimento do processo em face da obrigatoriedade de se conceder ao devedor solidário o direito ao devido processo legal, que implica amplo direito de defesa com os meios e recursos a este inerente para defesa de seu patrimônio, o que não se realiza na fase executória pois a defesa do devedor nesta fase é restrita a determinadas matérias, como se sabe. Segundo, porque incluir o terceiro no título executivo implica literal violação do art. 513, parágrafo quinto do novo CPC, o qual dispõe que o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra o fiador, o coobrigado ou corresponsável que não integrou a lide na fase de conhecimento. Terceiro, porque, ainda que se admita, por evidente equivoco, que pode-se decretar o reconhecimento do grupo econômico na fase de execução ainda assim a decisão merece reforma, porque isso deve ocorrer antes da penhora e não após os atos de constrição do patrimônio do terceiro como ocorreu no caso concreto. Por estas razões, provejo o apelo e determino a liberação do bem penhorado. (...)" [AGRAVO DE PETIÇÃO - GRUPO ECONÔMICO DE FATO - IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - Não se pode reconhecer a existência de grupo econômico em sede de embargos de terceiro, consoante determina o artigo 513, § 5º, do CPC. Agravo provido.  (TRT 08ª R. - AP 0000459-54.2016.5.08.0111 - Relª Maria Valquiria Norat Coelho - DJe 24.01.2017 - p. 204)] (g.n.)  "CASA & VÍDEO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GRUPO ECONÔMICO. RECONHECIMENTO NA FASE EXECUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. NOVO CPC. APLICAÇÃO DO ART. 513, § 5º. Como é possível extrair dos autos, a CASA & VÍDEO não foi chamada a integrar o pólo passivo na fase de conhecimento da demanda, motivo pelo qual não consta no respectivo título executivo oriundo da ação. Dessa forma, aplica-se ao presente caso o art. 513, § 5º, do NCPC, tendo em vista a ausência de norma específica sobre a matéria na ordem processual laboral, impedindo a responsabilização solidária da parte que não integrou a relação jurídica processual. (TRT-1 - AP: 00404008220095010262 RJ, Relator: Volia Bomfim Cassar, Data de Julgamento: 07/08/2018, Nona Turma, Data de Publicação: 15/08/2018.  Outros passaram a aplicar de forma inversa a desconsideração da personalidade jurídica:  "AGRAVO REGIMENTAL - DEFERIMENTO DA LIMINAR PRETENDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA - PENHORA ON LINE - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE EMPRESA SUPOSTAMENTE PERTECENTE AO GRUPO ECONÔMICO QUE NÃO PARTICIPOU DO PROCESSO - VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - EVIDENTE O PREJUÍZO DA IMPETRANTE, ANTE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO - PESSOAL OU POR ADVOGADO - Para a fase executiva do feito principal, impedindo-se, assim, o pleno exercício da defesa que lhes faculta o processo de execução, sem observância do devido processo legal. Ainda que a citação seja para pagar ou para a garantia do Juízo com dinheiro, há de se observar a regra processual. Não se pode admitir que a realização da penhora on line supra a finalidade da norma, mormente diante da ausência de decisão sobre o alegado grupo econômico ou sobre a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o devedor pode nomear bens que garantam a execução, como a apresentação, por exemplo, de carta de fiança bancária. Para além, não vindo aos autos, por meio de agravo regimental, nenhuma situação apta a alterar os fundamentos para o deferimento da liminar, mantém-se a decisão agravada. (TRT 18ª R. - MS 0010997-26.2017.5.18.0000 - Rel. Eugenio Jose Cesario Rosa - DJe 09.03.2018 - p. 157)  "MANDADO DE SEGURANÇA - DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM DESFAVOR DE PESSOA JURÍDICA - SUPOSTA FORMAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO - SÓCIO OCULTO - Ausência de instalação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Violação ao arts. 855-A. Direcionamento ex officio da execução a pessoa jurídica diversa. Afronta ao art. 878 da CLT. Efeitos. 1- A decisão da autoridade coatora, ao direcionar a execução em desfavor de suposto sócio da executada, sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto expressamente no novo CPC (aplicável ao processo do trabalho, por força do art. 6º da IN nº 39/TST) e no art. 855-A da CLT - Alterado pela lei 13.467/2017), incorreu em ilegalidade ao não observar o devido processo legal e os princípios do contraditório e a ampla defesa que seriam possibilitados pelo incidente. Além do que, o direcionamento ex officio da execução a pessoa jurídica diversa, quando a parte exeqüente encontra-se assistida por advogado, traduz afronta ao art. 878 da CLT. 2- Segurança parcialmente concedida, de forma a cassar o ato coator quanto ao aspecto do direcionamento, ex officio, da execução em desfavor da impetrante e sem a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. (TRT 21ª R. - MS 0000193-44.2019.5.21.0000 - Rel. Ronaldo Medeiros de Souza - DJe 25.11.2019 - p. 279).  Mas certo é que jurisprudência majoritária vem desprezando as inovações legislativas. O TST afasta até mesmo o  incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ceifando, na prática, qualquer real oportunidade de defesa ao devedor responsabilizado por dívida alheia.  Mas os tempos estão mudando. Há poucos dias foi proferida decisão monocrática pelo Ministro GILMAR MENDES, do Supremo Tribunal Federal, que deve acabar com a polêmica:  «DECISÃO: Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário formalizado em face de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, ementado nos seguintes termos: (...) No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, aponta-se violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional. Sustenta-se que o acórdão afronta os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, diz-se que a execução direcionada à recorrente, sem que tenha participado da formação do título executivo, é ilegal e inconstitucional. (eDOC 66) (....) (....) a jurisprudência desta Corte é no sentido de ser possível a inclusão de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico no polo passivo da execução (...) As discussões levadas a efeito pela parte revelam inconformismo com o título executivo transitado em julgado, não implicando violação direta de preceito constitucional." (eDOC 56, p. 10-11) Na verdade, observo que há uma situação complexa e delicada na perspectiva do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa no que toca aos processos trabalhistas desde o cancelamento da Súmula 205 do TST, em 2003, (....) (...) A esse respeito, sob o pretexto de melhor reflexão do TST sobre a matéria, as motivações e os efeitos do cancelamento de referido enunciado sumular tornaram-se objeto de vívida polêmica doutrinária, conforme se extrai de Sérgio Pinto Martins em sentido oposto ao que se tornou comum na Justiça Trabalhista: "O responsável solidário, para ser executado, deve ser parte no processo desde a fase de conhecimento. Não é possível executar uma das empresas do grupo econômico que não foi parte na fase processual de cognição, incluindo-a no polo passivo da ação apenas a partir da fase da execução, quando já há coisa julgada." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 188) No entanto, a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, merece revisitação a orientação jurisprudencial do Juízo a quo no sentido da viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais. Isso porque o §5º do art. 513 do CPC assim preconiza: "Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código. § 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento." (grifos nossos) Nesse sentido, ao desconsiderar o comando normativo inferido do §5º do art. 513 do CPC, lido em conjunto com o art. 15 do mesmo diploma legal, que, por sua vez, dispõe sobre a aplicabilidade da legislação processual na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, o Tribunal de origem afrontou a Súmula Vinculante 10 do STF e, por consequência, a cláusula de reserva de plenário, do art. 97 da Constituição Federal. (...) Por essa razão, o Tribunal a quo incorreu em erro de procedimento. Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, pelo Juízo competente, antes da apreciação, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário, da suposta violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional. (...) Ante o exposto, dou provimento o recurso extraordinário, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, com a finalidade de cassar a decisão recorrida e determinar que outra seja proferida com observância da Súmula Vinculante 10 do STF e do art. 97 da Constituição Federal, prejudicado o pedido de tutela provisória incidental...." (STF, Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática no RE 1.160.361-SP, publicada em 14/09/2021).  Em verdade, a decisão não adentra o mérito da questão, mas determina que o Tribunal Superior do Trabalho, observando o rito da Súmula Vinculante 10, se pronuncie sobre a constitucionalidade ou não do preceito.    Esse julgado é importantíssimo por exigir manifestação expressa do TST em composição plenária sobre a constitucionalidade da norma processual que a decisão cassada se recusou a aplicar.  Novos rumos parecem estar sendo traçados para essa terrível e antiga controvérsia, que tem provocado verdadeiras tragédias empresariais e até familiares em face das decisões da Justiça do Trabalho. __________ 1 Contrato de trabalho. Grupo econômico A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário. 2 Cabe lembrar ARNALDO LOPES SÜSSEKIND: "O conceito de grupo de empresas e a natureza da solidariedade entre elas, no campo do Direito do Trabalho, decorrem do estatuído no § 2º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os partidários da solidariedade ativa jamais afirmaram a heresia de que o grupo adquire personalidade jurídica em detrimento da que concerne a cada uma das sociedades agrupadas. A solidariedade das empresas no Direito do Trabalho - isto é evidente e indiscutível - parte do pressuposto necessário de que cada uma delas, isto é, cada uma das sociedades empregadoras, conserva sua personalidade jurídica. Se assim não fora, haveria uma só pessoa jurídica e não um grupo de empresas, estabelecimentos e não empresas agrupadas. Por isso mesmo, quando os adeptos da solidariedade ativa acentuam que se trata de empregador único, significa que o grupo pode atuar como se fora um só empregador. Por exemplo: pode transferir empregados de uma empresa para outra, desde que observe as limitações a respeito previstas em lei. O grupo procede com referência aos empregados das empresas agrupadas tal como uma empresa em relação aos empregados dos seus estabelecimentos." (SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Grupo empresarial. In: ______. Pareceres de direito do trabalho e previdência social. São Paulo: LTr, 1992. v. 7, p. 64). 3 ANTONMATTEI, Paul-Henri. Le concepte de groupe en droit du travail. In : TEYSSIÉ, Bernard (directeur). Les goupes de sociétés et le droit du travail. Paris : Editions Panthéon Assas, 1999. p. 18. 4 "GRUPO ECONÔMICO - RELAÇÃO DE COORDENAÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - Atualmente, a existência de grupo econômico independe do controle e fiscalização pela chamada empresa líder. A doutrina e jurisprudência evoluíram de uma interpretação meramente literal do artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT, para o reconhecimento do grupo econômico, ainda que não haja subordinação a uma empresa controladora principal. É o denominado "grupo composto por coordenação" em que as empresas atuam horizontalmente, no mesmo plano, participando todas do mesmo empreendimento." (TRT 5ª R. - RO 00545-2005-039-05-00-0 - (000572/2008) - 2ª T. - Relª Juíza Conv. Heliana Neves da Rocha - DJ 28.02.2008). 5 § 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.   6 TRUEBA URBINA, Alberto. Nuevo derecho procesal del trabajo: teoria integral. Mexico DF: Mexico, 1975. p. 38-41.
Introdução Em primeiro de setembro de 2021 o Senado Federal, depois de conturbada votação, rejeitou a conversão em lei da MP 1045. Com a extinção do (Novo) Programa Emergencial de Manutenção do Emprego, se esvaneceu o modelo específico de suspensão de contratos de trabalho, assim como de redução da jornada e salário, com garantia provisória de emprego. Desgraçadamente, um tema de transcendental importância foi contaminado por discursos e ideias extremistas que turvam o diálogo no país. Deve-se reconhecer o grave equívoco de inserir no texto original matérias estranhas ao programa, um atalho legislativo conhecido por "jabuti". Alguns temas, com certa boa vontade interpretativa, até revelariam  pertinência temática e relevância na manutenção e geração de empregos, mas outros são insustentáveis. Pertinente ou não a matéria,  esse artifício é reconhecidamente inconstitucional, como decidiu o STF na ADIn 51271, além de afrontar o artigo 7º da lei complementar 95/982. Para piorar, o indispensável programa, mesmo após a decisão do STF na ADI 6363, continuou a ser atacado com argumentos que, frequentemente, demonstram inacreditável insensibilidade e desconhecimento da dura realidade que vivemos. A tempestade é perfeita: falta de diálogo, crise política, crise econômica, desinvestimento, aumento da inflação, desemprego, desalento, milhões de pessoas sem trabalho e renda, somada a empresas lutando para manter sua atividade e seus empregados e, para complicar, com menor suporte legal para ajustar e flexibilizar custos com pessoal. Soluções devem ser buscadas para atender sobretudo os setores que ainda sofrem pela queda de demanda na pandemia e os trabalhadores que integram o chamado grupo de risco e não estão plenamente vacinados. Vamos aqui analisar as alternativas que empresas e trabalhadores podem adotar para atravessar a  tormenta. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Íntegra do acórdão disponível aqui. 2 Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva; IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.
A antecipação de tutela, como todos sabem, pode ser concedida em decisão interlocutória ou terminativa, mas há discussão sobre os remédios cabíveis pela parte prejudicada. Quando for decisão interlocutória, que é irrecorrível no processo do trabalho, a solução óbvia e tranquila é o mandado de segurança. Se for sentença terminativa, a parte deve interpor o recurso apropriado (vg. ordinário ou de revista) e pedir efeito suspensivo perante o tribunal competente. No passado o efeito suspensivo era obtido mediante ação cautelar incidental, mas atualmente basta simples requerimento nos termos do artigo 1029, § 5º, do CPC. O tema é objeto da Súmula 414 do TST, com redação ajustada em 2017: "MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA I - A tutela provisória concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. É admissível a obtenção de efeito suspensivo ao recurso ordinário mediante requerimento dirigido ao tribunal, ao relator ou ao presidente ou ao vice-presidente dotribunal recorrido, por aplicação subsidiária ao processo do trabalho do artigo 1.029, § 5º, do CPC de 2015. II - No caso de a tutela provisória haver sido concedida ou indeferida antes da sentença, cabe mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio. III - A superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do mandado de segurança que impugnava a concessão ou o indeferimento da tutela provisória." Assim, por exemplo, se por decisão interlocutória o juiz determina a imediata reintegração de empregado, qualquer que seja o fundamento, a reclamada, além da contestação, pode impetrar mandado de segurança perante o Tribunal Regional do Trabalho. Se tal ocorrer em sentença, após o recurso ordinário a empresa deve pedir efeito suspensivo ao tribunal que vai julgar o recurso. Há várias opções para esse requerimento, as quais dependem das peculiaridades do caso concreto, ou seja, aguardar ou não o despacho de admissibilidade, formular ou não nos próprios autos. Devem ser consideradas as muitas variáveis, tais como natureza da obrigação, prazo para cumprimento, valor das astreintes e outras. Todavia, a Súmula n. 414 do TST não contempla solução específica para uma especial situação processual: sentença terminativa que concede tutela antecipada e contra a qual há embargos declaratórios. Surge um dilema: se pendem embargos declaratórios, a parte não pode interpor o recurso principal e, por óbvio, não pode requerer efeito suspensivo de recurso ainda não apresentado. Como solucionar esse problema? Afinal, há fundada dúvida sobre os efeitos dos embargos de declaração diante da antecipação de tutela, ou seja, se suspendem ou não a exigibilidade da obrigação. Para alguns, a interrupção do prazo para cumprimento da obrigação é consequência natural dos embargos, na medida em que visam a aclarar a decisão embargada e interrompem o prazo para o recurso principal. Para outros, os embargos não obstam o imediato cumprimento da tutela, sujeitando a parte às sanções cabíveis (PESSOA, Maurício. Tem os embargos declaratórios efeito suspensivo?. In: BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti (org. et alli). O direito material e processual do trabalho dos novos tempos: estudos em homenagem ao professor Estêvão Mallet. S. Paulo: LTr, 2009). Em face dessas dúvidas, o mandado de segurança vem sendo manejado para adiar os efeitos das sentenças ou acórdãos que antecipam tutela, havendo, em tese, três soluções possíveis: a) O Relator, por atribuir efeito interruptivo aos declaratórios, extingue o mandado liminarmente por falta de interesse de agir e inadequação. b) Concede liminar por reconhecer lacuna na Súmula n. 414 quanto aos efeitos imediatos da tutela antecipada em face de embargos declaratórios. c) Embora reconhecendo a lacuna da Súmula n. 414 quanto aos efeitos imediatos da decisão embargada, nega a liminar por falta de algum pressuposto. Para ilustrar a primeira corrente, destaca-se a seguinte decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: "Afirma  a  impetrante  que a Súmula n. 414 não contempla solução para a hipótese de sentença antecipatória de tutela que é objeto de  embargos  de  declaração, como ocorre no caso em exame. Ora, não  era  mesmo  necessário  que  o entendimento jurisprudencial_digredisse  a  respeito,  pois  como  é  sabido  e    consabido, a oposição de embargos de declaração INTERROMPE a fruição do prazo recursal,  lição  comezinha  de direito processual, deitando por terra  a  estranha  alegação  em  sentido  vários:  (....) Assim, o prazo de 120  dias para o cumprimento das obrigações dispostas no decisum está   absolutamente   estancado   pela   oposição  de  embargos declaratórios  pela  própria  impetrante.  Após  a  prolação  da sentença  declarativa,  aí  sim  inicia-se  a  contagem do prazo recursal  para  interposição  de  recurso.  Vale  dizer: além de inadequação,  não  se  vislumbra  sequer  interesse  na presente_impetração.  Não  seria  totalmente  desarrazoado  supor  que  a impetrante  ataca  várias  frentes para obter o mesmo_provimento_(brecar  o  andamento  do  processo). Sim,  porque não há muito sentido  em  tentar se obter a suspensão de algo que não está em fluxo".  (TRT 2ª R., SDI, Proc. 10411005320115020000, D. 24.03.2011). Agora uma decisão em sentido oposto do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região: "Cabimento do Mandado de Segurança A impetração do presente mandamus neste caso concreto é especialíssima e afigura-se cabível. Isto porque, conforme a própria impetrante esclarece, os embargos de declaração por ela aviados em 10/02/2012 e pendentes de julgamento até a presente data não têm o condão de suspender os efeitos da antecipação de tutela concedida pela sentença, ou seja, o prazo de sessenta dias para o cumprimento da obrigação de não fazer fixado em sede de tutela antecipada escoará já no dia 05/04/2012. A oposição dos embargos de declaração também obsta a interposição do recurso ordinário, por interromper o prazo recursal, consoante disposição expressa do art. 538 do CPC. De outra sorte, é questionável pretender que a providência aqui almejada pela impetrante seja perseguida mediante ação cautelar incidental. É que, a rigor, o seu cabimento na esfera jurídica trabalhista dependeria da existência de recurso ordinário já antecipadamente formalizado, consoante entendimento contido na Súmula 414, inciso I, do C. TST (....). No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. No presente caso, portanto, resta a esta Magistrada a análise do presente mandamus de acordo com o que determina o art. 8º da CLT, bem ainda o subsidiário art. 126 acima, ou seja, mediante a aplicação da analogia e princípios gerais de direito, notadamente destes últimos. Neste sentido, o presente Mandado de Segurança é cabível diante da ausência de qualquer outro instrumento jurídico que venha amparar o pedido da impetrante, fato este que não se pode admitir diante da principiologia constitucional que define o direito processual brasileiro. (....)." (TRT 15ª T., 2ª SDI, Proc. 0000453-36.2012.5.15.0000, j. 22 de março de 2012, Desembargadora Relatora ANTONIA REGINA TANCINI PESTANA, D. 27/03/2012). Esse conflito jurisprudencial não mais existe. Em recentíssima decisão unânime da SBDI II do Tribunal Superior do Trabalho, foi declarada cabível, havendo embargos declaratórios contra a sentença (naquele caso, acórdão) que antecipa a tutela, a ação cautelar direta ao tribunal ad quem, independentemente do recurso específico. Destaca-se da ementa e do voto do Ministro ALEXANDRE AGRA BELMONTE, atual Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho: "(...) 4. Diante desse cenário, a pretensão de ver conferido efeito suspensivo à decisão que determina a reintegração deve ser solucionada, em regra, mediante requerimento ao relator ou ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, por meio das medidas acautelatórias previstas no Código de Processo Civil. 5. Assim, ainda que opostos embargos de declaração, poderia a parte interessada atrelar o pedido de tutela de urgência antes mesmo da interposição do recurso de revista. 6. Dessa forma, estabelecido no sistema processual recurso apropriado para infirmar a suposta ilegalidade cometida pela autoridade apontada como coatora, resta afastada a pertinência do mandado de segurança." "(...) a pretensão de ver conferido efeito suspensivo à decisão que determina a reintegração deve ser solucionada, em regra, mediante requerimento ao relator ou ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, por meio das medidas acautelatórias previstas no Código de Processo Civil. Uma vez opostos embargos de declaração antes da interposição do recurso de revista, era possível, sim, nos moldes do art. 300 do CPC, o pedido de tutela de urgência, uma vez que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo (art. 1.026 do CPC). (...)." (TST, SBDI II, Proc. ROT-10923-81.2020.5.03.0000, D. 20.08.2021).  Como se trata de decisão unânime da seção especializada do TST,  esse entendimento tende a prevalecer, embora, é claro, para maior  segurança jurídica seja recomendável sua incorporação ao texto da Súmula n. 414. As empresas, portanto, dispõem com mais segurança de um instrumento processual para suspender os efeitos de tutela antecipada concedida na sentença condenatória.
O avanço da vacinação para prevenção da Covid-19 é alvissareiro porque renova a esperança de normalidade nas relações sociais e de trabalho. Muitos já retornaram às fábricas e escritórios; hotéis, restaurantes, templos religiosos e companhias aéreas estão retomando sua atividade. Ao lado disso, é visível maior consenso sobre a prevenção da Covid-19 através do distanciamento social, protocolos sanitários e  vacinação. Nesse quadro de retorno gradativo, a exigência pelo empregador ou tomador de que todos os trabalhadores sejam vacinados tem sido objeto de acesa discussão. A polêmica se concentra na licitude ou ilicitude da recusa à vacina sob alegações respeitáveis, de caráter religioso, ideológico, sanitário e cultural, sempre em nome da liberdade individual. Certos grupos da sociedade não aceitam docilmente a vacinação, sendo certo que a Organização Mundial de Saúde1 prioriza o esforço de  informação e convencimento, como se depreende de relatório específico: "Vaccines are effective for protecting people from COVID-19. Governments and/or institutional policy-makers should use arguments to encourage voluntary vaccination against COVID-19 before contemplating mandatory vaccination. Efforts should be made to demonstrate the benefit and safety of vaccines for the greatest possible acceptance of vaccination. Stricter regulatory measures should be considered only if these means are not successful. A number of ethical considerations and caveats should be explicitly discussed and addressed through ethical analysis when considering whether mandatory COVID-19 vaccination is an ethically justifiable policy option. Similar to other public health policies, decisions about mandatory vaccination should be supported by the best available evidence and should be made by legitimate public health authorities in a manner that is transparent, fair, nondiscriminatory, and involves the input of affected parties."  Esse relatório, entretanto, voltado às políticas estatais, parece não mais corresponder à dimensão da pandemia, que levou muitos países a restringir a mobilidade dos não vacinados mediante proibição de viagens e acesso a determinados locais. Os atos de resistência a essas medidas vêm adquirindo enorme proporção, merecendo destaque o absurdo caso dos chamados "judeus da vacina" na França, grupo de fanáticos que, para protestar contra as medidas restritivas, passaram a exibir em suas roupas a estrela de David com os dizeres "sans vaccin", parafraseando o método nazista para identificar e estimatizar os judeus2, o que causou repulsa mundial. Como resultado desse radicalismo da sociedade francesa, mais medidas restritivas serão anunciadas pelo governo, conforme noticia a Deutsche Welle3. O crescimento de mecanismos para incentivar a vacinação decorre também das novas variantes (cepas) do vírus que se espalham com maior facilidade. Em consequência, para conter a propagação da doença são necessárias vacinas mais eficazes e maior percentual de pessoas imunizadas. O biológo FERNANDO REINACH4 apresenta a dificuldade para solucionar o impasse diante dos 15% renitentes: "Para conseguir vacinar os radicalmente contra, muitos governos estão tomando medidas que tornam a vida dessas pessoas mais difícil. Isso inclui a exigência de atestados de vacina para entrar no trabalho, em restaurantes ou em ambientes onde existam aglomerações. Como essas medidas são consideradas uma ingerência exagerada do Estado na vida individual, em muitos lugares a pessoa tem uma opção: ou apresenta certificado de vacinação ou um resultado de PCR negativo feito nos dois dias anteriores. O incômodo de repetir o teste a cada dois dias tem levado muitas pessoas a se vacinarem. Nessa linha mais agressiva, estão regras que exigem a vacinação de certos grupos caso desejem continuar no emprego. O fato é que é impossível para um governo imobilizar um cidadão à força e vaciná-lo. A necessidade de vacinar os últimos 15% da população tem trazido à tona a questão da liberdade individual frente ao bem comum." No Brasil esse movimento é menos evidente, mas há notícias de trabalhadores que recusam a vacina, tendo sido bastante noticiado recente julgamento do TRT da 2ª região mantendo uma demissão por justa causa. A questão é polêmica, mas já nos manifestamos neste Migalhas a favor da legalidade da exigência de vacinação dos empregados5. Há vários interesses em jogo: interesse individual dos trabalhadores e empresas, interesse coletivo no normal desenvolvimento da atividade empresarial, na geração e manutenção de empregos; interesse público na retomada econômica como condição de desenvolvimento do país; interesse de consumidores que manterão contato com trabalhadores em razão da natureza da atividade (vg. clientes de restaurantes e hotéis). Certamente o ideal seria uma lei expressa, mas ainda não a temos, cabendo encontrar no ordenamento jurídico as melhores soluções. É do interesse comum de empresas e sindicatos profissionais que a imunização se estenda ao maior número de trabalhadores. Com a negociação coletiva se pode instituir regra específica sobre exigibilidade geral da vacina ou, no mínimo, para atividades de maior exposição ao contágio. Não sendo viável essa alternativa, cabe examinar as normas existentes e ajustar o leme da interpretação. 4. A saúde é garantia do trabalhador prevista no artigo 7º, XXII, que estabelece "redução dos ricos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança". O artigo 198 da CF diz que o sistema único de saúde tem como diretriz a participação da comunidade e, no artigo 199, estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. O meio ambiente saudável constitui direito humano fundamental, conforme assentado pela moderna teoria geral do direito. O que se pretende preservar é o acesso à qualidade de vida, para que a saúde física e mental não seja comprometida por agressões ambientais de todo tipo, desde a tecnologia até os vírus que atacam o organismo humano. Há uma ordem pública ambiental específica com regras imperativas para tutela do trabalhador que se aplica também a doenças que não têm relação necessária com o trabalho, como é o caso da Covid-19. O direito ambiental do trabalho, em sentido amplo, é o conjunto de normas, princípios e instituições voltados a preservar a vida, saúde e o equilíbrio entre a natureza e o homem. A Covid-19 não é, em princípio, doença do trabalho porque, afinal, se trata de uma pandemia.  Mas os cuidados sanitários -"compliance" sanitário - devem abranger todos os que trabalham na empresa. No direito internacional, a Convenção 148 da Organização Internacional do Trabalho, que cuida dos riscos profissionais da contaminação do ar, do ruído e das vibrações no local de trabalho, tem como princípio fundamental a eliminação do atentado à saúde, independentemente de sua origem. Caminhamos para a noção de "habitat laboral", ou seja, o ambiente de trabalho como fator de qualidade de vida, a partir de uma concepção ampla e atrativa de tudo que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local onde o ser humano busca realização profissional, pessoal e financeira. Esses interesses, já sabemos, por vezes confrontam a liberdade individual e o direito constitucional à privacidade. Ninguém pode ser obrigado a oferecer o braço para vacinação porque, além de tal conduta violenta tipificar crime contra a pessoa, se estaria a violar outro direito humano fundamental. Para solucionar o impasse a hermenêutica constitucional contempla o princípio da concordância prática. Há casos em que a contradição não está no conjunto normativo da Constituição, mas se revela apenas perante um caso concreto, no qual mais de um bem constitucionalmente protegido deve ser ponderado, reclamando uma harmonização de valores. Ao intérprete, em tal hipótese, cabe coordenar e combinar os bens jurídicos "em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros". Vale aqui a lição de CANOTILHO6: "Este princípio não deve divorciar-se de outros princípios de interpretação já referidos (princípio da unidade, princípio do efeito integrador. Reduzido ao seu núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens." Nas palavras de FRIEDRICH MÜLLER7, o princípio "não formula apenas no caso da existência de contradições normativas, mas também nos casos de concorrências e colisões e.g. de várias normas de direitos fundamentais no sentido de uma sobreposição parcial dos seus âmbitos de vigência, a tarefa de traçar aos dois ou a todos os "bens jurídicos" (de direitos fundamentais) envolvidos as linhas de fronteira de modo tão 'proporcional' que eles co-fundamentem também no resultado a decisão sobre o caso". Esse foi o rumo escolhido pelo STF ao julgar as ADIs 6586 e 6587, fazendo distinção entre vacinação compulsória e vacinação forçada. O indivíduo não pode ser forçado à vacinação, mas, na hipótese de vacinação por interesse público, a recusa gera licitamente consequências como a restrição de acesso a ambientes e ao exercício de determinadas atividades. Mutatis mutandis, a recusa à vacinação pode implicar medidas restritivas de toda ordem e até mesmo à dispensa por justa causa, se empregado, ou rescisão contratual, se outra for a qualificação. O tema não é de interesse individual, O interesse coletivo e o interesse público impõem imunização ampla para neutralização do vírus. A liberdade e a privacidade individual não podem se sobrepor a outros interesses constitucionalmente relevantes. Assim também se expressa GISELA FREIRE8: "E se o Poder Público pode adotar a vacinação compulsória contra o Covid-19, mediante a adoção de medidas restritivas, é razoável concluir que o empregador também pode fazê-lo, uma vez que  tem a obrigação legal de garantir a proteção de seus empregados, no âmbito individual e coletivo, contra riscos profissionais, incluindo riscos relacionados à contaminação do ar e riscos biológicos. Nesse sentido dispõem as Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário. Vale lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece de forma clara que o empregador deve instruir os empregados, através de ordens de serviço, sobre as precauções relacionadas a acidentes e doenças ocupacionais. Determina, também, que o descumprimento injustificado de referidas ordens de serviço, por parte dos empregados, constitui ato faltoso." O Ministério Público do Trabalho defende a exigibilidade em seu "Guia técnico interno do MPT sobre vacinação da COVID - 19" (Brasília, janeiro de 2021)9: "Diante da eficácia horizontal que se reconhece ao direito à saúde, portanto, há duas conclusões inarredáveis: a) as empresas são obrigadas a colaborar com o plano nacional de vacinação; b) os trabalhadores também são obrigados a colaborar com as medidas de saúde e segurança do trabalho preconizadas pelas empresas, que devem incluir a vacinação como estratégia do enfrentamento da COVID - 19 no ambiente de trabalho. Assim, a eficácia horizontal, dessumida do direito à saúde, impõe a ponderação dos valores individuais com o valor social de mais alta envergadura (como é o controle epidemiológico da pandemia COVID - 19 e a salvaguarda da vida e da saúde humanas) e possibilita que se conclua que, salvo situações excepcionais e plenamente justificadas (v.g., alergia aos componentes da vacina, contraindicação médica), não há direito individual do trabalhador a se opor à vacinação prevista como uma das ações de controle no PCMSO da empresa, desde que a vacina esteja aprovada pelo órgão competente e esteja prevista no plano nacional de vacinação. A estratégia de vacinação é uma ferramenta de ação coletiva, mas cuja efetividade só será alcançada com a adesão individual. A vontade individual, por sua vez, não pode se sobrepor ao interesse coletivo, sob pena de se colocar em risco não apenas o grupo de trabalhadores em contato direto com pessoas infectadas no meio ambiente do trabalho, mas toda a sociedade. Acrescente-se que o art. 8º da CLT determina, ipsis litteris, que: "que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público". Portanto, nenhuma posição particular, convicção religiosa, filosófica ou política ou temor subjetivo do empregado pode prevalecer sobre o direito da coletividade de obter a imunização conferida pela vacina, prevista em programa nacional de vacinação e, portanto, aprovada pela Anvisa, e inserida nas ações do PCMSO. Diante de uma pandemia, como a de Covid-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante." Há quem discorde, como OTÁVIO CALVET10: "Soma-se a isso a ideia de que a vacinação deve ser vista como de interesse coletivo, o que justificaria até a dispensa por justa causa do empregado que se recusasse a vacinar imotivadamente. A premissa é de que o empregado não vacinado estaria colocando em risco a saúde dos demais trabalhadores e, portanto, seria mais que um direito, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho. O argumento é forte e seduz, mas esquece alguns elementos imprescindíveis para o debate: o direito ao trabalho e o princípio da legalidade, ambos reconhecidos como direitos fundamentais pela nossa Constituição (artigo 6º e artigo 5º, I respectivamente). E a conclusão pela justa causa demonstra o risco de adotarmos uma interpretação do Direito com lastro apenas em valores, pois, para se afirmar um deles, rapidamente sacrificamos o outro, e tudo de acordo com a subjetividade do intérprete." Com todo o respeito ao ilustre magistrado, essa contraposição de interesses reclama justamente solução que reduza o sacrifício de um em relação aos outros. Não se pode obrigar a vacinação, mas também não se pode sujeitar os demais ao risco da convivência com o não-vacinado, o que justifica as repercussões contratuais. Evidentemente a recusa deve ser aceita quando, por exemplo, o trabalhador exibir laudo médico vetando a vacinação. Nessa hipótese, cabe à empresa encontrar outras soluções, como o teletrabalho, o afastamento remunerado ou outra saída negociada, as quais valem tanto para empregados como para prestadores de serviço. Em verdade, quanto aos empregados, uma antiga regra, embora questionável sob o aspecto formal, assegura à empresa o poder de exigir a "apresentação do comprovante de vacinação" contra as doenças especificadas na Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde11. Se assim é, com maior razão será em face desta pandemia. As opiniões divergentes revelam os riscos a que se expõe a empresa. Para alguns a omissão significa submeter trabalhadores a ambiente nocivo. Para outros, a exigência de vacinação é ilícita, não podendo implicar sanções que, no limite, causam dano moral. Enquanto não houver lei e, ademais, não se produzir norma coletiva,  algumas cautelas devem ser observadas para reduzir o risco. Eis algumas sugestões para a vacinação: a) limitar ao trabalho presencial, ou seja, não exigir no teletrabalho; b) especialista médico deve recomendar esse protocolo sanitário na empresa, reforçando o alicerce técnico da medida; c) eventualmente restringir a atividades com maior risco de contágio entre colegas ou com o público em geral, se assim entender o médico responsável pelo protocolo sanitário; d) divulgar amplamente o protocolo sanitário e, se viável, obter o "de acordo" dos sindicatos; e) ressalvar sempre a possibilidade de "recusa justificada" e regulamentar o procedimento de comprovação da justificativa (atestado médico, por exemplo); f) incluir no protocolo sanitário explicações sobre a importância da vacinação e para desfazer informações falsas (fake news) ou imprecisas. A norma clara e precisa no "protocolo sanitário" será importantíssimo instrumento de defesa. A propósito, o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região acima mencionado, da lavra do Desembargador ROBERTO BARROS  DA SILVA, invoca em diversas passagens o protocolo sanitário da empresa: "A reclamada logrou êxito em comprovar, pela extensa prova documental acostada à sua peça defensiva, a adoção de um Protocolo Interno focado no combate e enfrentamento à pandemia gerada pelo novo Coronavírus, que se revelou extremamente contagioso, e até presente data, somente no Brasil, já havia contaminado oficialmente mais de dezessete milhões de pessoas, e levado a óbito mais de quatrocentos e oitenta e oito mil brasileiros, conforme se infere dos dados oficiais obtidos na página eletrônica oficial do Ministério da Saúde do Governo Federal (número atual de contaminados em 14/06/2021 - 17.452,612, número de óbitos em 14/06/2021 - 488.228 - https://covid.saude.gov.br). Convém ressaltar que segundo os dados e boletins epidemiológicos constantes da referida página oficial, a Região Sudeste, na qual a reclamante trabalhava, apresenta maior número de contágios e de óbitos quando comparado às demais regiões do Brasil, sendo que quase metade dos óbitos está concentrado nessa Região. Consigne-se que os principais objetivos do Protocolo adotado pela reclamada eram justamente promover e disseminar as diretrizes adotadas para conter o contágio entre os clientes e colaboradores em geral, fornecer orientações aos colaboradores da empresa sobre a prevenção e a necessidade de adoção de cuidados diante da pandemia, bem como consolidar as ações e as medidas práticas adotadas pela empresa para a mitigação dos riscos. Prosseguindo, verifico que a reclamada comprovou ter disponibilizado diversos informativos, bem como adotou diversas medidas relevantes, tais como a antecipação das férias dos colaboradores com mais de sessenta anos ou com comorbidades, transferência dos postos de trabalho das gestantes evitando que elas prestassem assistência direta aos pacientes, realização de treinamentos inclusive por meio de vídeo-aulas, e distribuição de máscaras de proteção, álcool em gel, luvas, toucas e aventais para os colaboradores da área da saúde, escalonamento dos horários de saída de algumas equipes, e adoção de outras medidas de orientação para a higiene das superfícies, das mãos, entre outras providências que estão minuciosamente descritas no documento Id. 4d2050c." (TRT 2ª Região, 13ª Turma, Proc. 1000122-24.2021.5.02.0472, Rel. Des. Roberto Barros da Silva, publicado em 23.07.2021). Merece referência trecho que alude ao entendimento do STF: "A despeito das alegações da reclamante no sentido de que não poderia ser obrigada a tomar a vacina, porque não existe lei que a obrigue, é preciso consignar que em 07/02/2020 foi pulicada a lei 13.979/2020, que dispõe justamente sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública mundial deflagrada do novo coronavírus. Veja-se que o referido regramento, previu, em seu artigo 3º, inciso III, a possiblidade de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas baseadas em evidências científicas. (...) Ademais, convém destacar que o C. STF já se manifestou no sentido de que a vacinação obrigatória se afigura como conduta legítima, desde que as medidas profiláticas observem os critérios constantes do regramento supracitado, em especial o direito à informação, ao tratamento gratuito, entre outros, conforme se infere da decisão transcrita pelo magistrado de origem na fundamentação da sentença prolatada no primeiro grau." Por fim, não se afigura recomendável aplicar puniçóes gradativas - como advertência e suspensão - antes da dispensa por justa causa porque pode sugerir "bis in idem" repressivo. Em conclusão, diante da gravíssima pandemia que assola o mundo,  a liberdade e privacidade individuais não podem prevalecer sobre o direito à vida e à saúde. __________ 1 WHO. COVID-19 and mandatory vaccination: Ethical considerations and caveats. Policy brief. 13 April 2021. 2 Signal d'alarme. Etoile jaune et anti-vaccins : les larmes indignées d'un rescapé du Vel d'Hiv. Libération. 18.07.2021. 3 França vai obrigar profissionais da saúde a se vacinarem. 4 REINACH, Fernando. Como lidar com os 15% que resistem a tomar vacina contra covid? O Estado de S. Paulo. 31.07.2021. 5 Covid-19 - Vacinação dos trabalhadores - Direito/Dever de todos. 6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1188. 7 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 86. 8 FREIRE, Gisela. Exigência de vacinação e poder diretivo do empregador. 9 Disponível aqui. 10 Poder diretivo, vacinação obrigatória e justa causa. 11 Art. 5º  Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada. § 1º  Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 2º  Para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental ,ensino médio e universidade o comprovante de vacinação deverá ser obrigatório, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 3º  Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória apresentação de comprovante de vacinação atualizado. § 4º  Para efeito de recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 5º  Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.
1. A Coordenadora-Geral de Relações do Trabalho do Ministério da Economia expediu no final de junho o Ofício Circular 2339/2021 ME. O documento resolve impasse que empresas e trabalhadores enfrentam no registro de acordos coletivos sem participação sindical, especialmente porque essa modalidade não é prevista no sistema Mediador e as soluções dependiam da opinião de cada agente público1. O problema se agravou após a pandemia da COVID-19 pela dificuldade de atendimento físico nas Superintendências Regionais do Trabalho. Doravante, o registro poderá ser requerido pelo sistema SEI2, mecanismo de comunicação eletrônica com diversos órgãos do governo. 2. Em face de regra constitucional, é dever do sindicato participar da negociação coletiva mediante os procedimentos e limites aprovados em assembleia. A recusa à negociação configura conduta antissindical, pois não lhe é dado negar-se a representar os trabalhadores interessados ou da categoria profissional. A CLT trata expressamente dessa recusa, permitindo a empresas e empregados a negociação direta, como se extrai do artigo 617, § 1º: "Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. § 1º. Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final. § 2º. Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocará assembléia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos termos do artigo 612." 3. Discute-se se essa regra foi - ou não - recepcionada pela Constituição, tendo em conta o artigo 8º, VI (...é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho...). LUIZ EDUARDO GUNTHER e CRISTINA MARIA NAVARRO ZORNIG3 entre diversas correntes, citam SÉRGIO PINTO MARTINS, para quem, "apesar de a participação do sindicato dos empregados ser obrigatória nas negociações coletivas de trabalho (art. 8º, VI, da CF), (...) os dispositivos anteriormente elencados não foram revogados pela Constituição, pois se o sindicato tem interesse na negociação, os interessados não poderão ficar esperando indefinidamente, daí porque podem promover diretamente as negociações"4. 4. Infelizmente, em muitos casos a falta de ânimo para negociar se deve a motivos menos nobres, nem sempre ajustados à vontade coletiva dos representados. Outras vezes são razões puramente ideológicas que perturbam a negociação coletiva. É comum ver dirigentes sindicais condicionando a negociação a contribuições sem autorização individual do trabalhador,   em clara afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal  (ADI 5.794), mas  com aprovação de alguns tribunais trabalhistas. Soma-se a isto a dificuldade de negociar em tempos de isolamento social, apesar da tendência à negociação virtual, inclusive prevista em recentes medidas provisórias,  havendo exemplos bem sucedidos de ampla participação. 5. O Tribunal Superior do Trabalho admite frequentemente a constitucionaliddade do artigo 617 da CLT, dando plena validade a acordos coletivos diretos com os empregados, se provada a recusa do sindicato. Mas é bom lembrar que há decisões de tribunais regionais em sentido contrário5. A nosso ver, o artigo 617, § 1º, da CLT é plenamente constitucional na medida em que protege direitos individuais e coletivos contra sindicatos que se recusam a respeitar a vontade do grupo de interessados. Incidem aqui as técnicas de hermenêutica, como a teoria da lacuna oculta6, o princípio da concordância prática7 (conciliando a regra do artigo 8º, VI, com a liberdade de associação prevista no artigo 5º da CF), a lógica do razoável8 e a hemenêutica dos princípios9. Trata-se de regra excepcional, exigindo prova inequívoca de recusa. O procedimento previsto no Ofício Circular 2339/2021 ME disciplina o registro do acordo coletivo mediante as seguintes providências: a) documento escrito que comprove a resolução e iniciativa dos empregados de uma ou mais empresas em celebrar Acordo Coletivo de Trabalho, dirigido ao respectivo sindicato representante da categoria; b) documento que comprove a inequívoca ciência da entidade sindical acerca da resolução dos empregados, e sua posterior inércia ou efetiva e injustificada recusa em assumir as negociações; c) documento que comprove a inequívoca ciência da Federação a que estiver vinculado o Sindicato acerca da resolução supramencionada e, em falta dessa, da correspondente Confederação, e sua posterior inércia ou efetiva e injustificada recusa em assumir as negociações, conforme o caso; d) requerimento de registro do Instrumento Coletivo de Trabalho, onde deve ser descrito todo o histórico de tratativas envolvendo as entidades sindicais às quais as partes estiverem vinculadas; e) ato constitutivo da empresa e/ou procuração ou carta de preposto de quem a represente; f) cópia do Acordo Coletivo de Trabalho cujo registro se pleiteia; e g) cópia da ata da assembleia dos trabalhadores que aprovou o referido instrumento. 5. Em alguns países, a negociação coletiva sem participação sindical é admitida até com mais largueza, como ocorre na Espanha10, Alemanha11 e França12. Nesses países a negociação direta convive com a efetiva liberdade sindical.  A origem de nosso déficit de representatividade (os sindicatos têm o monopólio da representação, mas não são representativos) está no modelo de unicidade, contrário à liberdade sindical prevista na Convenção 87 da OIT, que constitui direito fundamental do trabalho (Declaração de 1998 da OIT13). Na doutrina do direito internacional do trabalho, a CV 87 tem vigência em todos os países-membros da OIT, independentemente de ratificação. Por isto é urgente a reforma sindical. Empresas e trabalhadores devem ser livres para criar suas autênticas representações coletivas, sem limitações territoriais ou de categoria. Enquanto isto não ocorre, é de lamentar que, mesmo após a Reforma de 2017, a criação de sindicatos continue a ser um bom negócio no Brasil. __________ 1 Sistema eletrônico de registro de instrumentos coletivos no Ministério da Economia. 2 A utilização do SEI no âmbito do Ministério da Economia decorre da Portaria ME 294, de 04.08.2020. 3 GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. Negociação coletiva sem sindicato - O problema da recepção do § 1º do art. 617 da CLT, Jornal Trabalhista, nº 997, Brasília: Consulex, 22 de dezembro de 2003. pp. 4-5. 4 Apud op. cit., p. 4. 5 "ARTIGO 617 DA CLT - RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - Não foi recepcionado o artigo 617 da CLT, ante a disposição constitucional impondo a participação obrigatória do sindicatos nas negociações coletivas não prevendo exceção ao monopólio da legitimidade sindical." (TRT 4ª R. - RO 00359.761/00-3 - 1ª T. - Relª Juíza Maria Guilhermina Miranda - J. 12.09.2002). 6 LARENZ, Karl. Metodologia e ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 525. 7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1188. 8 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 57-75. 9 LIMA, Francisco Gerson Marques de. Interpretação axiológica da Constituição sob o signo da Justiça. In: SOARES, José Ronald Cavalcante (org). Estudos de Direito Constitucional - Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: LTr, 2001, p. 56-58. 10 Veja-se NÉSTOR DE BUEN ao questionar se a negociação coletiva é "derecho de los trabajadores o derecho de los sindicatos": "Un tema preocupante del contrato colectivo de trabajo es si debe ser celebrado por los trabajadores o por sus organizaciones sindicales. Hay, por supuesto, muestras de sobra de cada una de las soluciones. En el Estatuto de los Trabajadores de España, por ejemplo, cuando se trata de empresas o establecimientos los convenios los celebran los delegados de personal o los comités de empresa. Estos pueden esta integrados, de manera total o parcial, por representantes sindicales aunque es más frecuente que lo integren fundamentalmente trabajadores sin afiliación sindical junto com otros, muchas veces en minoría, que forman parte de alguna confederación de sindicatos. En el caso de convenios de rama, sin embargo, se requiere la intervención de una central sindical. Por el contrário, en la LFT los contratos colectivos de trabajo tienen que celebrarse, necesariamente, por sindicatos debidamente registrados ante las autoridades y com reconocimiento de sus mesas directivas, los trabajadores, por sí mismos, no están legitimados para hacerlo." (DE BUEN, Néstor. Evolución del pensamiento Iuslaboralista - Descripción de la regulación colectiva de las relaciones de trabajo y construcción de una teoria de los convenios colectivos y de la autonomia colectiva. In ACKERMAN, Mario E. et allii. Evolución del pensamiento juslaboralista - Estudios en homaje al Prof. Héctor-Hugo Barbagelata. Montevideo: FCU, 1997. p. 147). 11 O direito alemão, como revela OCTAVIO BUENO MAGANO, também admite acordos coletivos sem participação sindical: "(...) o acordo coletivo brasileiro não se confunde com o acordo de empresa, previsto na legislação alemã, mormente porque o último exclui a participação do Sindicato, implicando a atuação dos conselhos de empresa, inexistentes entre nós. Esse seu aspecto, contudo, o aproxima do acordo coletivo direto, entre empregados e empresa, regulado no art. 617 da CLT. Em tal tipo de acordo, não há participação do Sindicato, senão para o efeito de assistir a empregados que desejem celebrar acordo coletivo. Deixando a entidade sindical de assumir a direção dos entendimentos em nome dos empregados, os últimos podem prosseguir diretamente nos entendimentos, até o final. Marca-se, assim, esse acordo de característica eminentemente empresarial. Diferencia-se, no entanto, do acordo de empresa alemão, porque no último, o conselho de empresa atua em nome próprio. O acordo resultante dos entendimentos será ajuste entre a empresa e o conselho respectivo, enquanto o nosso será ajuste entre empresa e seus empregados, podendo estes estar assistidos de entidade sindical." (MAGANO, Octavio Bueno. Convenção coletiva do trabalho. São Paulo: LTr, 1972. p. 132). 12 GIORGIO ROMANO SCHUTTE, MARIA SÍLVIA PORTELLA DE CASTRO e KJELD AAGAARD JACOBSEN informam que em 1996 entrou em vigor na França "uma nova lei que quebrou o monopólio dos sindicatos na negociação coletiva. Essa nova lei é fruto de um acordo firmado pela CFDT, mas rejeitada pela CGT e a FO. Nas empresas onde não houver delegados sindicais, e sempre que o contrato nacional do setor o permitir, pode-se negociar com uma comissão eleita pelos trabalhadores". Ponderam que "isso deve permitir maior espaço de negociação nas pequenas e médias empresas". (O sindicalismo na Europa, Mercosul e Nafta. S. Paulo: LTr, 2000. p. 68). 13 Disponível aqui.