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Direito trabalhista nos negócios

Artigos sobre o Direito Empresarial do Trabalho.

Antonio Galvão Peres e Luiz Carlos Amorim Robortella
I. Introdução. Os debates na sessão da 1ª turma do STF da última semana, no julgamento de uma reclamação constitucional (Rcl 67348), repercutiram neste Migalhas, na mídia, em redes sociais e grupos de advogados. De um lado ressoou a ponderação do min. Flávio Dino quanto ao Brasil se tornar "uma nação de pejotizados" desprotegidos. De outro, a advertência do min. Alexandre de Moraes de que as ações trabalhistas e as decisões judiciais passam ao largo de uma exigência ética e jurídica decorrente do reconhecimento do vínculo de emprego na terceirização: O ressarcimento dos cofres públicos - por parte do reclamante - pelos tributos e contribuições que, em virtude do tratamento fiscal dado à pessoa jurídica por ele constituída, deixou de recolher. Como se diz na França, on ne peut avoir le beurre et l'argent du beurre. Muitos não aceitam que os precedentes do STF sobre terceirização (vg. ADPJ 324) possam viabilizar o manejo de reclamações constitucionais contra decisões das cortes trabalhistas que declaram nulos contratos entre pessoas jurídicas e, como consequência, reconhecem o contrato de emprego. O objetivo da coluna de hoje é analisar os mecanismos e lançar luzes sobre o que está em jogo nesse crescente confronto entre decisões da Justiça do Trabalho e do STF. II. Para além do emprego. A linha divisória entre trabalho independente e subordinado é cada vez menos identificável por conta das práticas gerenciais e das novas tecnologias, que atenuam ou fazem desaparecer qualquer traço de submissão. Quando se valoriza o acervo intelectual do trabalhador, ele passa a deter parcela decisiva dos meios de produção, comprometendo a visão dicotômica tradicional. Acirra-se por isto a distinção entre subordinação técnica e jurídica. O acervo intelectual do trabalhador moderno não permite mais mensurar capacidade produtiva em horas de trabalho ou peças produzidas. Quanto maior o nível de profissionalização e qualificação, mais larga a autonomia no trabalho, tornando muitas vezes obscura a diferença entre subordinado e independente. O problema é reconhecido nos mais diversos modelos jurídicos, como revelou na década de 90 o relatório Boissonat1. Com a rarefação ou desaparecimento da subordinação em várias tarefas, é natural e cada vez mais frequente a escolha de outros tipos contratuais. Novas formas de prestação de serviços, muito vivas e pujantes no processo econômico, chocam-se com a proteção baseada na subordinação, que se lastreia em suposta homogeneidade da classe trabalhadora e na técnica coletivista. O moderno conceito de proteção, que reconhece as diferenças e as várias formas de inserção no mercado de trabalho, repele teorias que estendem tratamento homogêneo aos trabalhadores. O emprego não tem o mesmo protagonismo. Ampliaram-se as formas de trabalho, com a revalorização dos contratos civis e a retomada do diálogo entre o direito do trabalho e o direito civil. Há várias décadas o notável professor Adrián Goldin2, ao cuidar do futuro do direito do trabalho, identificou um processo de deslaboralização dos prestadores de trabalho, especialmente na atividade intelectual. O conhecido relatório da Comissão das Comunidades Europeias a respeito das transformações do direito do trabalho, coordenado por Alain Supiot, confirmou o desaparecimento ou no mínimo transformação da subordinação fordista3. Reconhece a tendência à redução do campo de aplicação do direito do trabalho que, embora não se afaste totalmente do conceito estrito de subordinação jurídica, não pode ignorar a grande desenvoltura do trabalho autônomo ou independente. Textualmente , «cette tendance est le corollaire des politiques législatives et jurisprudencialles conduites pour ouvrir un espace plus large au travail indépendant »4. O mesmo se vê no direito espanhol, conforme Antonio Baylos5. Profissionais de extrema especialização e conhecimento não estão submetidos à homogeneidade da legislação trabalhista, como se empregados fossem, quando, no livre exercício da liberdade contratual, trabalham em regime de autonomia ou constituem empresas prestadoras de serviços. Sua atividade normalmente não se desenvolve com subordinação; ao contrário, eles próprios determinam o conteúdo e as linhas centrais de suas tarefas. Potencial ou efetivamente, aparecem também como empregadores ou tomadores de serviço, contratando e remunerando profissionais para a concretização de sua atividade empresarial. Trata-se de fenômeno mundial e, em diversos países, a solução encontrada está na redistribuição da proteção legal com a regulamentação de novos tipos contratuais (parassubordinado, autônomo economicamente independente, microempresário, por projeto etc). Lamentavelmente, em nosso país, fortes correntes de pensamento se recusam a enxergar a conveniência e oportunidade da proteção fora dos lindes do emprego. Exemplo recente é a dificuldade de avanço de importante projeto de lei para regulamentação dos aplicativos de transporte de passageiros. Apesar de originado em consensos e concessões de representantes dos trabalhadores e setores envolvidos, permanece travado no Congresso Nacional. Essa inércia do legislador faz com que, na prática, havendo conflito sobre a qualificação jurídica da relação de trabalho, seja o juiz constrangido a escolher entre a proteção total (inclusão na CLT) ou a desproteção (exclusão da CLT). Definitivamente, a realidade não é dicotômica como a apresentada pelo min. Flávio Dino: proteção ou desproteção. Temos que nos empenhar em implantar uma verdadeira redistribuição dessas normas tutelares abundantes para os empregados e escassas para outros vulneráveis no mercado de trabalho, inclusive como forma de reduzir os níveis absurdos de informalidade.  III. Reclamação constitucional. Tese e ratio decidendi. O STF, em reclamações constitucionais, cassa decisões da Justiça do Trabalho que proclamam a ilegalidade de outros tipos contratuais e só admitem a relação empregado-empregador. A reclamação constitucional, como se sabe, visa assegurar a autoridade das decisões do STF em face de qualquer sentença e de qualquer grau de jurisdição. Nas hipóteses de afronta a entendimento do STF consagrado em ADI, ADC (art. 102 da CF), ADPF (art. 102 da CF e lei 9882/99) ou súmula Vinculante (art. 103-A da CF), independentemente dos recursos cabíveis no caso concreto, pode-se desde logo apresentar reclamação constitucional. A medida também cabe quando há desrespeito a tese fixada em tema de repercussão geral (art. 987 do CPC), mas nesse caso é preciso aguardar o esgotamento dos recursos cabíveis nas instâncias ordinárias (art. 988, § 5º, II, do CPC). A lógica é preservar a segurança jurídica e enraizar a cultura de precedentes, embora seja inegável a resistência de parte da magistratura trabalhista. Bom exemplo está em três sucessivas reclamações constitucionais que ajuizamos em face de sentenças de um mesmo juiz que se recusava a acatar a decisão vinculante do STF acerca dos critérios de atualização dos créditos trabalhistas. Ora, a independência do magistrado tem limites. O desafio à autoridade do STF configura indisciplina judiciária que compromete a estabilidade e credibilidade do ordenamento.   A reclamação constitucional tem como pressuposto a estrita aderência, ou seja, diante de premissa idêntica, a decisão reclamada contrariou o STF. Com amparo nos precedentes acerca da licitude da terceirização em atividade-fim e em outros acerca da liberdade contratual6, muitas decisões de Varas, Tribunais Regionais ou do TST têm sido diretamente desconstituídas pelo STF. O seguinte aresto - caso em que atuamos e noticiado neste Migalhas (Rcl 57.255)7 - trata da hipótese clássica ao cassar reconhecimento de vínculo de emprego na terceirização de atividade-fim: "(...) Percebe-se, portanto, que o Tribunal reclamado, ao condenar a empresa reclamante (....) a abster-se de contratar mão de obra por meio de empresa interposta para realização de serviços relacionados a suas atividades, intenta, por via transversa, descumprir orientação desta Corte. Acrescento que não se desconhece a existência de jurisprudência do STF que afirma não se aplicar o teor do julgamento da ADPF 324 e do tema 725 da repercussão geral nos casos de contratação fraudulenta. Ocorre que, no caso em análise, há uma distinção fundamental com tais precedentes, qual seja, de que a fraude indicada não remonta a um subterfúgio para a contratação em violação à lei, mas à interpretação conferida pelo Tribunal reclamado de que a contratação de serviço cuja atividade se confunda com a atividade-fim da empresa é, em si, irregular. Nesse ponto, há patente a ofensa aos precedentes desta Corte." Há muitos exemplos proclamando a legalidade da contratação por intermédio de pessoas jurídicas, rejeitando a presunção de existência de liame empregatício. O seguinte acórdão - outro caso em que atuamos - é bastante recente: "Nesse contexto, notam-se, a partir da leitura dos autos, irresignações da reclamante relativas à decisão que reconheceu o vínculo empregatício entre o agente autônomo de investimentos, ora beneficiário, e a empresa reclamante, por entender ilícita a terceirização na forma de "pejotização", conforme se observa do seguinte excerto do acórdão regional: (doc. 347, p. 16-22): (...) Nesse cenário, o cotejo analítico entre a decisão reclamada e o paradigma invocado revela ter havido a inobservância da autoridade da decisão deste STF, uma vez que o juízo reclamado declarou a existência de vínculo empregatício entre a empresa reclamante e ora beneficiária, desconsiderando entendimento fixado pela Corte que contempla, a partir dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, a constitucionalidade de diversos modelos de prestação de serviço no mercado de trabalho. contempla, a partir dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, a constitucionalidade de diversos modelos de prestação de serviço no mercado de trabalho. Com efeito, o Plenário do STF já decidiu em inúmeros precedentes o reconhecimento de modalidades de relação de trabalho diversas das relações de emprego dispostas na CLT. Neste sentido, por exemplo, se deu o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, rel. min. Roberto Barroso, DJe de 19/05/20. Na ocasião, o Plenário desta Corte, ao julgar procedente o pedido formulado na ação, reconheceu a constitucionalidade da lei 11.442/07, que dispõe sobre o transporte rodoviário autônomo de cargas, assentando ser legítima a terceirização desse tipo de atividade pelas empresas transportadoras, não se configurando vínculo de emprego entre as partes nessa hipótese." (AG.REG. NA RECLAMAÇÃO 68.308 SÃO PAULO, rel. min. Luiz Fux. DJ 30.08.2024). Os precedentes tratam da distinção entre atividade-fim e meio, o que os conecta diretamente ao debate sobre vínculo de emprego. Muitos perguntam: o que tem a ver terceirização de atividade-fim com licitude de contratos celebrados entre PJs? A pergunta está equivocada. O confronto não é necessariamente entre a tese vinculante e a decisão reclamada porque pode também envolver a ratio decidendi, ou seja, a razão de decidir do precedente. Veja-se este voto do min. Gilmar Mendes: "Sobre o tema, cumpre registrar que, por ocasião do julgamento da ADPF 324, apontei que o órgão máximo da justiça especializada (TST) tem colocado sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria. Dessa forma, os únicos produtos da aplicação da então questionada súmula 331/TST, no contexto da distinção entre atividade-meio e atividade-fim, mostrou-se ser a insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior e o poder político, ambos resultados que não contribuem em nada para os avanços econômicos e sociais de que temos precisado. Registrei, ainda, que o que se observa no contexto global é uma ênfase na flexibilização das normas trabalhistas. Com efeito, se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização. Não foi outro o entendimento assentado no voto condutor do tema 725, rel. min. Luiz Fux, segundo o qual os valores constitucionais do trabalho e da livre iniciativa são intrinsecamente conectados, em uma relação dialógica que impede seja rotulada determinada providência como maximizadora de apenas um desses princípios, porquanto é essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, entendida essa como balizamento do poder regulatório para evitar intervenções na dinâmica da economia incompatíveis com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. No mesmo sentido, cito o julgamento da ADI 5.625, no qual esta Suprema Corte, por maioria, julgou improcedente o pedido, reconhecendo a validade dos contratos de parceria formalizados entre trabalhador do ramo de beleza (profissional-parceiro) e o estabelecimento (salão-parceiro). Confira-se a ementa do julgado: No mesmo sentido, cito o julgamento da ADI 5.625, no qual esta Suprema Corte, por maioria, julgou improcedente o pedido, reconhecendo a validade dos contratos de parceria formalizados entre trabalhador do ramo de beleza (profissional-parceiro) e o estabelecimento (salão-parceiro). Confira-se a ementa do julgado: (...) Pois bem. No caso dos autos, a autoridade reclamada, por sua vez, descaracterizando a relação contratual autônoma, reconheceu vínculo de emprego entre as partes, não obstante a avença firmada entre elas." A ratio decidendi dos precedentes usualmente invocados valoriza outras formas de inserção do trabalho e de autonomia da vontade das partes, como explica Diego Petacci8: "À primeira vista, o uso de precedentes díspares pelos ministros para analisar temas que tratam da configuração da relação de emprego pode parecer um equívoco, quase uma katchanga jurídica, mas um olhar mais atento deixa clara a intenção do STF em suas mais recentes decisões: destacar a prevalência do acordo de vontades, o animus contrahendi. Na medida em que outras modalidades de trabalho, que não observem os parâmetros da CLT, seriam válidas, conforme trecho já destacado da decisão do ministro Barroso, não seria cabível cogitar uma fraude sem a presença de um elemento inequívoco de simulação (CC, art. 167), atrelado a um claro vício na manifestação de vontade (erro, dolo ou coação - CC, art. 171, II)." Por tudo isso, o número de reclamações constitucionais em matéria trabalhista cresceu exponencialmente, como revela estudo da Fundação Getúlio Vargas9. São tantas que as entidades de classe e associações de magistrados trabalhistas criticam abertamente a postura do STF. IV. À guisa de conclusão. O problema está nos extremos praticados dos dois lados e não no adequado uso das reclamações. De um lado, é esperada a tradicional resistência conservadora de parte da magistratura trabalhista, diminuída e cerceada em sua competência constitucional. De outro, cabe reconhecer que certas decisões do STF ampliam excessivamente o conceito de estrita aderência à tese e a ratio decidendi, desprezando por vezes fraudes comprovadas envolvendo trabalhadores hipossuficientes reconhecidas pela Justiça do Trabalho.   A mitigação desses extremos contribuiria para maior equilíbrio e coerência nos julgamentos a fim de que, escoimados excessos voluntaristas, seja respeitada a autonomia da vontade em determinadas atividades e classes de trabalhador, muitos hipersuficientes. Posturas judiciais preconceituosas e antiempresariais entram em choque com novas e modernas formas de inserção no mercado de trabalho. Só se deve reprimir fraudes que mascaram abertamente a relação do emprego, sem preconceitos ou presunções, protegendo especialmente o trabalhador vulnerável e com clara fragilidade contratual. Para isto nem sempre se mostra suficiente o critério da subordinação jurídica como alicerce da tutela. Na verdade, o conceito de subordinação jurídica está em crise existencial em face do novo mundo da tecnologia e do trabalho virtual. A subordinação estrutural, por sua vez, é ainda mais inadequada e difusa e, ademais, incompatível com a terceirização lícita proclamada pelo STF. Por fim, cabe registrar a necessidade de atualização da legislação pelo Congresso Nacional, com regulamentação de outros tipos contratuais au delà de l'emploi, o que pode reduzir a atual insegurança jurídica e conflito dentre tribunais superiores. ________ 1 BOISSONAT, Jean. 2015 - Horizontes do Trabalho e do Emprego. São Paulo: LTr, 1998. p. 76. 2 GOLDIN, Adrián. Ensayos sobre el futuro del Derecho del Trabajo. Buenos Aires: Zavalía, 1997. p. 76-77. 3 SUPIOT, Alain. Au-delà de l'emploi. Paris: Flammarion, 1999. p. 36-37. 4 SUPIOT, A. op. cit., p. 41. 5 BAYLOS, Antonio. Derecho del trabajo: modelo para armar. Madrid: Trotta, 1991. p. 70. 6 Vg. ADPF 324, da ADC 48, das ADI 5.835 e do RE 958.252 (tema 725 RG) e RE 688.223 (tema 590). 7 Disponível aqui. 8STF e a prevalência do animus contrahendi nas relações de trabalho 9 Pasqualeto, Olívia de Quintana Figueiredo; Barbosa, Ana Laura Pereira; Fiorotto, Laura Arruda. Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais. Disponível aqui.
Há mais de dez anos foi inserido na lei 10.101/2000 o parágrafo 4º do artigo 2º, vedando a fixação de metas de saúde e segurança do trabalho em programas de participação dos empregados nos lucros e resultados.  O tema persiste ensejando dificuldades e polêmicas.  A alteração da lei, proibindo metas de saúde e segurança em programas de PLR, é explicada de duas formas.  À época da Medida Provisória 597/12, posteriormente convertida na lei 12.832/13, sustentou-se que a responsabilidade quanto ao meio ambiente de trabalho era do empregador e apenas dele, não podendo ser compartilhada com os empregados.  Esse argumento é questionável diante do moderno conceito de ampla participação de todos os interessados na geração de um trabalho saudável e seguro.  Tal aspecto foi recentemente realçado na nova redação da Norma Regulamentar 31, aplicável ao empregado rural, como se depreende de vários itens1.  Vale também lembrar o disposto no artigo 158 da CLT, em redação de 1977:  "Art. 158 - Cabe aos empregados: I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:                   a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;                  b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa."   Mas há outro argumento contrário à previsão de tais metas, ou seja, o provável estímulo à subnotificação de acidentes e afastamentos pelos empregados, a fim de evitar prejuízo na sua distribuição da PLR.  Essa tese pressupõe que as metas sempre estão atreladas ao resultado concreto da redução de acidentes ou afastamentos, esquecendo-se de outras muito importantes relacionadas à prevenção.  A propósito, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 3946/20192 propondo nova redação ao artigo 2º, § 4º, II, da lei 10.101/00:  "Art. 2º ...................................................................................  §4º ......................................................................................... II - aplicam-se metas referentes à saúde e segurança no trabalho vinculadas ao desempenho de ações em prevenção de acidentes". (NR)  Destaca-se de sua justificativa:  "A Participação nos Lucros e Resultados (PLR) tem o objetivo de integrar empresas e empregados por meio da remuneração dos esforços dispendidos para o alcance de objetivos comuns. As metas de melhorias de resultados em segurança e saúde do trabalho (SST) para fins de PLR demonstraram ser eficientes para a disseminação e observância de programas e ações em prol da prevenção de acidentes e doenças ocupacionais em todos os níveis hierárquicos. Isso porque a conscientização, tanto de empregados quanto de empregadores, gera um sentimento de maior zelo e atenção com saúde e higidez, reduzindo-se, assim, a probabilidade de ocorrência de acidentes e de doenças ocupacionais. Além disso, tais metas fomentam o amadurecimento e possibilitam com que os empregados se portem como verdadeiros colaboradores do negócio do qual fazem parte, contribuindo para o aumento da produtividade, da sustentabilidade das empresas e dos seus próprios empregos. A incidência de acidentes de trabalho gera danos sociais imediatos não só pelo comprometimento da saúde e integridade física do trabalhador e do sustento familiar, como também pelos altos custos gerados à Saúde, à Previdência Social e às empresas. Assim sendo, o estabelecimento de metas em SST, notadamente referentes às políticas de prevenção de acidentes, traz benefícios diretos: (i) aos trabalhadores, que passam a ter mais cuidado com sua própria saúde e segurança; (ii) às empresas, por meio da redução de acidentes; e (iii) ao Estado, pela diminuição na quantidade de acesso às proteções previdenciárias. Dito isso, a vedação à utilização de metas referentes à saúde e segurança no trabalho no cálculo do PLR - por meio da inclusão do inciso II do § 4º do artigo 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000 -, é incompatível aos esforços promovidos pelas políticas que incentivam ambientes de trabalho mais saudáveis e seguros. Com efeito, essa supressão implica em um retrocesso ao setor empresarial e aos trabalhadores, pois retiram a possibilidade de obtenção de bônus caso mantenham os padrões de saúde e segurança dentro do combinado, gerando, a longo prazo, um ganho bem maior. (...) Ademais, a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (Lei da Modernização Trabalhista), introduziu o artigo 611-A, inciso XV, à CLT, estabelecendo expressamente a prevalência do negociado sobre o legislado no que se refere à participação nos lucros e resultados. Dessa forma, não há sentido de que permaneça, na Lei da PLR, a vedação contida no inciso II do § 4º do artigo 2º. Mais do que a simples revogação do citado inciso, a alteração ao texto da legislação é importante para que se inclua expressamente a possibilidade de estabelecimento de metas de SST para fins de PLR vinculadas ao desempenho de ações em prevenção de acidentes. Isso porque, o termo "desempenho de ações em prevenção de acidentes" abrange as mais diversas medidas que tenham por objetivo primordial a promoção de um ambiente de trabalho mais seguro. Por essas razões, é necessária a alteração do inciso II do § 4º do artigo 2º da lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, para se permitir a instituição de metas de PLR atreladas ao desempenho de ações em prevenção de acidentes."  Conforme o site do Senado, desde fevereiro de 2024 o projeto está pronto para pauta na Comissão de Assuntos Sociais, com relatório favorável da Senadora Ana Paula Lobato.  Todavia, esse relatório inclui parágrafos que podem desestimular a negociação, prejudicando a intenção do texto original.  Eis o texto que será submetido a votação:  "Art. 2º .........................................................................  § 4º ................................................................................... ...................................................................................  II - aplicam-se metas referentes à saúde e segurança no trabalho vinculadas ao desempenho de ações em prevenção de acidentes, observadas as normas previstas nos §§s 11, 12, 13 e 14 deste artigo. ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, § 11. As negociações coletivas não poderão prever metas referentes à saúde e segurança no trabalho inferiores a um índice de acidentes definido pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, por setor ou atividade econômica. § 12.  É vedada a concessão, às empresas que não atingirem o índice previsto no parágrafo anterior, de créditos oficiais de fomento, sendo-lhes vedada também a participação em Programas de Recuperação Fiscal (PRF), renegociações fiscais (REFIS), bem como o recebimento de outros benefícios tributários da União. § 13. Nas negociações que incluírem metas referentes à saúde e segurança no trabalho, para prevenção de acidentes de trabalho, deverá haver previsão expressa de encaminhamento de relatório anual da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes aos órgãos de fiscalização do trabalho, informando, inclusive, as Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT encaminhadas à Previdência Social. § 14. As metas referentes à saúde e segurança no trabalho, relativas a acidentes de trabalho, somente poderão ser ajustadas em negociação coletiva, em se tratando de empresas nas quais esteja em efetivo funcionamento a CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes." (NR)"  Apesar dos questionáveis acréscimos ao projeto, ambos os textos confirmam a conveniência de permitir metas atreladas à prevenção, mas, infelizmente, o do relatório faz nítida confusão entre metas de prevenção e metas de resultado, como se depreende do § 11 proposto.  As metas de prevenção têm proteção constitucional.  Afinal, assegura a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (artigo 7º, XXII).  Ainda dispõe o artigo 196 que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".  Portanto, há aparente incoerência entre o atual artigo 2º, § 4º, II, da lei 10.101/00 e a Constituição Federal em relação à possibilidade de metas de prevenção.  Trata-se de tema que, em princípio, poderia ser inclusive objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade para invalidar a norma ou dar a ela interpretação conforme a Constituição pelo STF, de modo a autorizar metas de estrita prevenção.  As empresas podem também utilizar esse argumento em ações anulatórias, defesas em reclamações trabalhistas etc.  O artigo 7°, inciso XI, da Constituição de 1988 prevê participação nos lucros ou resultados desvinculada da remuneração.  Essa participação, conforme o artigo 1º da lei 10.101/00, promove a "integração entre o capital e o trabalho, como incentivo à produtividade".  Além desta louvável inspiração, oferece vantagens porque, ainda que habitual, não se sujeita a qualquer encargo trabalhista (artigo 3º da lei 10.101).  A PLR instituída nos termos da lei jamais se integra à remuneração e, portanto, inexistem reflexos sobre títulos do contrato de trabalho.  Contudo, quando um pressuposto legal é desrespeitado, há risco de descaracterização como PLR, passando a integrar o salário com reflexos pesados no plano trabalhista, tributário e previdenciário.  Aliás, mais que a integração ao salário, potencialmente podem os empregados até postular a PLR sem atingimento de metas quando estas são declaradas ilegais.  Cumpre também alertar que a PLR por vezes é válida para fim exclusivamente trabalhista e, no entanto, assim não se qualificar nos efeitos fiscais (especialmente previdenciários), hipótese bastante comum.  Certa montadora de automóveis, em momento de crise, negociou com o sindicato redução salarial e, em contrapartida, parcelou a PLR em 12 vezes para reduzir o impacto financeiro, o que é proibido na lei.  A Justiça do Trabalho julgou lícita a conduta em face da circunstância crítica e da validade da autonomia privada coletiva. A tese foi inclusive pacificada na Orientação Jurisprudencial Transitória n. 73 da SBDI I do TST3, resultado de reiterados julgamentos.  Contudo, a decisão do Tribunal Superior do Trabalho não afetou os interesses da União e persistiu o debate sobre as incidências fiscais.  A PLR pode ser ajustada mediante acordo ou convenção coletiva, ou mesmo comissão paritária escolhida por empregados e empregadores, integrada por representante sindical da categoria profissional (artigo 2º, I, da lei 10.101, alterado pela lei 12.832, de 2013).  Para as metas de maior polêmica é conveniente a negociação com o sindicato.  Com efeito, o Supremo Tribunal Federal firmou no tema 1046 de repercussão geral a tese de prevalência do negociado sobre o legislado:  "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis."  Veja-se também o artigo 611-A, XV, da CLT:  "Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:  (...) XV - participação nos lucros ou resultados da empresa."  Contudo, considerando a parte final da tese do Tema 1046 e o risco de uma interpretação subjetiva, bem como o disposto no artigo 611-B, XVII, da CLT4, o acordo coletivo deve vincular as metas a mecanismos de prevenção e não ao resultado (vg. redução de acidentes e afastamentos), reduzindo questionamentos.  O acordo coletivo assegura razoável segurança jurídica diante dos riscos trabalhistas, embora tenda a ser desprezado pelas autoridades fiscais.  A jurisprudência tem analisado estratégias empresariais de metas de segurança e saúde sem inclusão no programa de PLR.  Este julgado trata de uma chamada "gratificação de segurança"5:  "GRATIFICAÇÃO DE SEGURANÇA". NATUREZA JURÍDICA DE PRÊMIO. ART. 457, §§ 2º E 4º, DA CLT. Dispõe o § 4º do art. 457 da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, que se consideram prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma valor em dinheiro ao empregado em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. Tratando-se a parcela intitulada "gratificação de segurança" ou "prêmio de segurança" de uma premiação por desempenho ante critérios previamente estabelecidos em política interna de pagamento anual. A atual redação do § 2º do referido artigo celetista, é manifesta ao versar que o prêmio não integra a remuneração do empregado. (TRT-3 - ROT: 0010464-95.2023.5.03.0090, Relator: Juíza Convocada Renata Lopes Vale, Segunda Turma)  Em suma, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região validou a estratégia de retirar as metas de saúde e segurança do Programa de PLR e utilizá-las para pagamento de prêmio não-salarial.  Em outro caso interessante, a 1ª Região examinou estratégia de uma grande empresa petrolífera:  a) As metas de saúde e segurança eram previstas apenas no "Programa de Remuneração Variável dos Empregados (PRVE)"; b) O Programa de Participação nos Lucros e Resultados - PLR não contém metas atreladas a saúde e segurança; c) Os valores pagos a título de PRVE são descontados do valor devido a título de PLR.  O TRT6 decidiu que esses critérios violam o artigo 2º, § 4º, II, da Lei 10.101/00, como se transcreve.  "PARCELA PRVE. TAXA DE ACIDENTES REGISTRÁVEIS. NULIDADE DA PREVISÃO. A parcela em questão se amolda à distribuição de resultados, como incontroversamente admitido pela reclamada, de modo a atrair a incidência do art. 2º, § 4º, II, da Lei nº 10.101/2000. Aliás, essa conclusão é corroborada pela previsão de que os valores pagos a título de PRVE seriam devidamente deduzidos quando do pagamento da PLR, tal como autoriza o art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.101/2000. Ocorre que, como já bem ressaltado pelo MPT e pelo Juízo de origem, a norma interna (item 1.3 do documento "Condições para o pagamento do Prêmio por Desempenho -Exercício 2018) estatuiu a métrica da taxa de acidentes registráveis (TAR) como um dos gatilhos para a ativação do benefício em questão. Não se pode admitir incentivo financeiro da empresa para que, forçosa e simuladamente, haja o decréscimo de notificações de acidentes de trabalho, negando a imperatividade de normas de natureza cogente de proteção da vida e da saúde dos empregados, como a notificação dos infortúnios. Tem-se, pois, que a norma interna em questão padece de nulidade, na forma do art. 9º da CLT, por afronta ao disposto no art. 169 da CLT, no art. 2º, § 4º, II, da Lei nº 10.101/2000 e no art. 7º, XXII, da CRFB, além de violar o instrumento coletivo da categoria. Nego provimento." (TRT 1ª R., 4ª Turma, Proc. 0100854-47.2019.5.01.0207 , Relatora: HELOISA JUNCKEN RODRIGUES).  O Tribunal decretou a nulidade "da norma interna que previu o pagamento da parcela PRVE, sem, no entanto, implicar a devolução dos valores recebidos de boa-fé por parte dos empregados (Súmula nº 249 do TCU)".  Neste e em outros acórdãos foi rejeitado o argumento de "metas de topo"7 desatreladas de empregados específicos.  O pagamento de prêmios vinculados a metas de segurança e saúde é juridicamente aceitável, mas comporta riscos, ainda que seja contrapartida a "desempenho superior ao ordinariamente esperado", eis que esse conceito gera alguma controvérsia.    De todo modo, apenas como prêmio por superior performance do empregado é que podem ser pagos sem "incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário" (artigo 457, §§ 2º e 4º, da CLT).  Por isto, é recomendável instituir o prêmio por acordo coletivo afastando a natureza salarial (Tema 1046 de Repercussão Geral do STF) e vinculando-o de forma clara ao desempenho excepcional do empregado especificamente na prevenção de acidentes e riscos à saúde.  Em conclusão:  a) a instituição de metas de saúde ou segurança do trabalho em Programas de PLR comporta riscos à luz da lei, ainda que vinculada a critérios de prevenção (e não de resultados); b) os riscos são trabalhistas, fiscais e previdenciários; c) no plano trabalhista, o risco pode ser reduzido através da negociação coletiva, mas sempre pode persistir o questionamento fiscal e previdenciário; d) a aparente inconstitucionalidade na vedação a metas de segurança e saúde voltadas à prevenção pode ser objeto de ADI pelas entidades legitimadas, tese de defesa ou de ações anulatórias das empresas; e) no Senado Federal está tramitando Projeto de Lei que autoriza metas de prevenção; f) há como cogitar de prêmio por performance superior na prevenção de acidentes e males à saúde, de preferência por negociação coletiva. __________ 1 31.2.4 Cabe ao trabalhador: a) cumprir as determinações sobre as formas seguras de desenvolver suas atividades, especialmente quanto às ordens de serviço emitidas para esse fim; b) adotar as medidas de prevenção determinadas pelo empregador, em conformidade com esta Norma Regulamentadora, sob pena de constituir ato faltoso a recusa injustificada; c) submeter-se aos exames médicos previstos nesta Norma Regulamentadora; d) colaborar com a empresa na aplicação desta Norma Regulamentadora;  e) não danificar as áreas de vivência, de modo a preservar as condições oferecidas;  f) cumprir todas as orientações relativas aos procedimentos seguros de operação, alimentação, abastecimento, limpeza, manutenção, inspeção, transporte, desativação, desmonte e descarte das ferramentas, máquinas e equipamentos; g) não realizar qualquer tipo de alteração nas ferramentas e nas proteções mecânicas ou dispositivos de segurança de máquinas e equipamentos, de maneira que possa colocar em risco a sua saúde e integridade física ou de terceiros;  h) comunicar seu superior imediato se alguma ferramenta, máquina ou equipamento for danificado ou perder sua função.  31.5.12 Cabe aos trabalhadores indicar à CIPATR e ao SESTR, quando existentes, situações de risco e apresentar sugestões para a melhoria das condições de trabalho.  31.6.6 Cabe ao empregado quanto ao EPI e aos dispositivos de proteção pessoal: a) utilizá-los apenas para a finalidade a que se destina; b) responsabilizar-se pela guarda e conservação; c) comunicar ao empregador qualquer alteração que os tornem impróprios para uso;  d) cumprir as determinações do empregador sobre o uso adequado.  2 Disponível aqui. 3 "73. VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PAGAMENTO MENSAL EM DECORRÊNCIA DE NORMA COLETIVA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010). A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano cível, disposta no art. 3º, § 2º, da Lei n.º 10.101, de 19.12.2000, o parcelamento mensal da verba participação nos lucros e resultados de janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado no acordo coletivo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba (art. 7º, XI, da CF), devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI, da CF)".  4 "Art. 611-B.  Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:  (...) XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; (...)." 5 Destaca-se da fundamentação: "Na realidade, a alteração da nomenclatura ajustada de gratificação de segurança para prêmio de segurança não altera seu objetivo de gratificar o grupo de trabalhadores pelo alcance de metas individuais relativamente a afastamentos ocupacionais, inclusive com meta zero para acidentes fatais, o que, ao contrário do entendimento do sindicato, mostra-se salutar e vai ao encontro das normas de higiene, saúde e segurança do trabalho, cabendo também aos empregados e não só apenas ao empregador a sua observância. Assim, não vislumbro vício na imposição de metas a serem alcançadas para pagamento do prêmio segurança. Como já julgado por esta Turma, inclusive em processo entre as mesmas partes, "tal parcela, por ser intrinsecamente condicional e sujeita ao cumprimento das metas, não está definitivamente incorporada à remuneração dos empregados, sendo que desde 11/11/2017, por expressa disposição legal e ausência de norma em contrário, a parcela, ainda que salarial, não integra a remuneração para fins de cálculo do 13º salário. Diante da literalidade expressa da norma introduzida pela reforma trabalhista, não paira qualquer dúvida a respeito." (Processo 0010039-39.2021.5.03.0090 (ROT); 2a Turma; Relator Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira). Nos termos do § 4o do art. 457 da CLT, "Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.". Ora, além do desempenho ordinário para evitar afastamentos do trabalho por doenças ocupacionais e acidentes típicos do trabalho, mostra-se louvável a previsão de prêmio por esforço extraordinário para a redução de lesões e, especialmente, a taxa de fatalidade zero. Assim, não vislumbro vício quanto aos regulamentos empresário no particular. Por outro lado, especificamente quanto ao pagamento do prêmio em 2022, a prova documental demonstra que teve por escopo reconhecer o esforço dos empregados para o alcance das metas em 2021 diante do cenário desafiador da Covid 19, alcançando aqueles que laboraram no referido ano e que estavam com o contrato ativo em março/2022, mês do pagamento, com incidência apenas do imposto de renda, ainda que não alcançadas as metas de segurança do ano de 2021, conforme a prova testemunhal e o que consta do documento de f. 6291/6294. Embora as metas de segurança no exercício de 2021 tenham ficado abaixo dos índices previstos, o pagamento levou em conta o esforço conjunto e extraordinário dos empregados em relação aos desafios da COVID 19 no ano anterior, fato notório, tendo aplicação o disposto nos §§ 2o e 4o do art. 457 da CLT. Nego provimento." Esse mesmo acórdão examinou a validade da PLR à luz da vedação das metas de saúde e segurança, explicando que naquele caso concreto as metas diziam respeito ao meio ambiente: "O cerne do inconformismo requer o exame da Lei nº 10.101/2000 estabelece em seu art. 2º, § 4º, II que: "Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: I - comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria; II - convenção ou acordo coletivo. § 1o Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições: I - índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; II - programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente. (...) § 4o Quando forem considerados os critérios e condições definidos nos incisos I e II do § 1o deste artigo: I - a empresa deverá prestar aos representantes dos trabalhadores na comissão paritária informações que colaborem para a negociação; II - não se  aplicam as metas referentes à saúde e segurança no trabalho; Compulsando os autos, verifico que no Acordo Coletivo específico sobre a PLR de 2019 prevê como um de seus objetivos a "Prevenção de Incidentes Ambientais classes 3 a 5", sendo descrito logo abaixo que a meta é evitar incidentes que causem danos ao meio ambiente e que coloquem em risco os ecossistemas, biodiversidade e recursos hídricos. Por sua vez, os Acordos Coletivos Específicos sobre a PLR de 2020 e 2021 também contêm o mesmo objetivo, isto é, o cuidado com o meio ambiente. No mesmo sentido, o programa de 2022. Já no ano de 2023, houve uma alteração na meta envolvendo o meio ambiente, que passou a prever a "Performance Ambiental - % de aderência nas inspeções ambientais" que tem como objetivo a conscientização e aplicação de ações preventivas relacionadas à impactos no meio ambiente. Assim, diante da análise documental, é possível inferir que, conforme apontado pelo d. Juízo de origem, as metas e objetivos da PLR da reclamada não se relacionam com a saúde e segurança do trabalhador, não se confundindo com os objetivos do "prêmio de segurança" abordado no tópico anterior. No caso da PLR, os objetivos ambientais se relacionam ao meio ambiente natural, conforme apontado no programa, sendo aquele que envolve os ecossistemas, a biodiversidade e os recursos hídricos. Ademais, apesar da alteração do objetivo ambiental na PLR de 2023, observa-se que a meta ainda não se relaciona à saúde e segurança do trabalhador. Portanto, no caso em epígrafe, não há violação ao disposto no art. 2º, § 4º, II, da Lei nº 10.101/2000. Registro que eventuais decisões em sentido contrário não vinculam este Colegiado. Nego provimento."  6 Colhe-se da fundamentação: "Ocorre que, como já bem ressaltado pelo MPT e pelo Juízo de origem, a norma interna (item 1.3 do documento "Condições para o pagamento do Prêmio por Desempenho - Exercício 2018) estatuiu a métrica da taxa de acidentes registráveis (TAR) como um dos gatilhos para a ativação do benefício em questão. Não se pode admitir incentivo financeiro da empresa para que, forçosa e simuladamente, haja o decréscimo de notificações de acidentes de trabalho, negando a imperatividade de normas de natureza cogente de proteção da vida e da saúde dos empregados, como a notificação dos infortúnios. Tem-se, pois, que a norma interna em questão padece de nulidade, na forma do art. 9º da CLT, por afronta ao disposto no art. 169 da CLT, no art. 2º, § 4º, II, da Lei nº 10.101/2000 e no art. 7º, XXII, da CRFB, além de violar o instrumento coletivo da categoria."  7 "A demandada, em defesa, assim como em razões recursais, sustenta que a redução de registros de acidentes não é métrica de desempenho dos empregados para fins de percepção da RVE 2018 (prêmio), mas métrica de topo da Petrobras como um todo, servindo para direcionar seu planejamento e suas ações. Entretanto, embora tal métrica, estabelecida como objetivo de topo da empresa, corresponda a direito subjetivo e fundamental dos trabalhadores a um meio ambiente laboral sadio, além da redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, como assegura a Carta Magna, a sua utilização como pré-requisito para percepção de "prêmio" pode resultar na frustração desses mesmos direitos, em face da possibilidade de subnotificações quanto aos acidentes de trabalho ocorridos. Em igual sentido, cumpre transcrever trecho da sentença, ao abordar tal situação: O PRVE, é insofismável, vincula o pagamento do prêmio desempenho à redução da ocorrência de acidentes e, assim, a par de ser utilizado como incentivo para o incremento de todos os esforços necessários para a precaução contra acidentes, pode, ao contrário, bem servir como estímulo ao mascaramento dos acidentes efetivamente ocorridos. Ademais, o fato de a meta adotada estar associada ao perigo de nefasta subnotificação de doenças e acidentes de trabalho, é premissa adotada pela própria empresa, que acordou coletivamente o compromisso de não vincular concessão de vantagens à redução de acidentes, bem como a de não incluir meta de acidentes no GD dos empregados", razão pela qual não se pode querer emprestar interpretação diversa no caso. De outra sorte, verifico, ainda, que, embora negado pela recorrente, a parcela em exame se mostra relacionada à PLR, como esclareceu a magistrada de origem, in verbis: Com efeito, a fórmula aritmética invocada em defesa como elucidativa das diretrizes fixadas para o pagamento do prêmio desempenho ("VALOR TOTAL DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL 2018 (PRVE 2018) = VALOR DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS 2018 (PLR 2018) + VALOR DO PRÊMIO POR DESEMPENHO 2018 (RVE 2018)", revela que o valor total da remuneração variável 2018 (Programa de Remuneração Variável dos Empregados 2018), é igual ao valor da participação nos lucros e resultados 2018 (Participação nos Lucros e Resultados 2018), acrescido do valor do prêmio por desempenho 2018 (Remuneração Variável dos Empregados 2018). Já o item 1.10.5 do PRVE descreve que "O valor bruto referente ao Prêmio por Desempenho será deduzido do valor bruto recebido de PLR" e, ainda, que "Caso o valor pago de PLR seja superior ao valor do Prêmio por Desempenho, não haverá o pagamento de qualquer valor relativo ao programa". Assim, diante do entendimento de que o prêmio instituído pelo PRVE e a PLR se constituem em verbas variáveis de igual natureza, considero pertinente a referência relativa à aplicação, por analogia, da Lei nº 10.101/2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, a qual, em seu artigo 2º, § 4º, inciso II, assim estabelece: Art. 2o A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: [...] § 4o Quando forem considerados os critérios e condições definidos nos incisos I e II do § 1o deste artigo: [...] II - não se aplicam as metas referentes à saúde e segurança no trabalho. Cumpre destacar, por pertinente, que o parecer do Ministério Público do Trabalho (ID 39defac) restou em igual sentido." (Trechos de acórdão do TRT da 4ª Região no Proc. 0020669-53.2019.5.04.0202 (ROT), Relatora ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER)
"A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em qualquer lugar"  Martin Luther King "O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis" Platão "No Brasil, até o passado é imprevisível" Pedro Malan Está em debate no TST incidente de recursos repetitivos1 sobre a eficácia temporal da Reforma Trabalhista/17, provocado por decisão da SBDI I que, contrariando a posição majoritária nas Turmas, restringe sua aplicação exclusivamente aos contratos posteriores. Esta última corrente, se vitoriosa, com absoluta certeza gerará verdadeira catástrofe no panorama social, político e econômico brasileiro. A inacreditável defesa da petrificação e fossilização dos contratos anteriores, como se fossem imunes à aplicação da lei 13.467/17, agride princípios básicos de direito intertemporal sempre observados na evolução histórica da legislação brasileira, assim como do direito comparado. O ministro IVES GANDRA DA SILVA MARTINS2, em entrevista à imprensa, afirmou não existir direito adquirido a um regime jurídico e que, admitida a tese da aplicação restrita, haverá despedida em massa de antigos empregados e substituição por novos contratos3. Além de contrariar a doutrina clássica e a posição amplamente majoritária nos tribunais, a inaplicabilidade aos contratos anteriores entra em testilhas com a posição oficial do Poder Executivo. O ministro do Trabalho aprovou em 2018 o Parecer 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU acerca do direito intertemporal aplicável às inovações da lei 13.467/174. O parecer declara que esse diploma é aplicável de forma geral, abrangente e imediata a todos os regidos pela CLT, independentemente da data de admissão. Merecem destaque estas passagens: Com o início da vigência da modernização trabalhista, três situações distintas em relação a sua aplicabilidade podem ser suscitadas: aplicação em relação aos contratos que se iniciam com a lei já vigente, portanto novos contratos de trabalho celebrados a partir do dia 11/11/17; aplicação em relação aos contratos encerrados antes de sua vigência, portanto, antes de 11/11/17; e aplicação aos contratos celebrados antes de sua vigência e que continuaram ativos após 11/11/17. ...., não restam dúvidas de que os atos jurídicos, decorrentes de obrigações de trato sucessivo fundadas em normas cogentes, como os estabelecidos pelas leis trabalhistas de forma geral, devem ser realizados segundo as condições da nova lei, não havendo o que se falar, nesse caso, em retroatividade legal, mas, simplesmente, de aplicação de lei. Confira aqui a íntegra da coluna. __________ 1 IncJulgRREmbRep - 528-80.2018.5.14.0004 2 Disponível aqui. 3 A mesma ponderação é feita em artigo do estudioso VINICIUS SOARES ROCHA: "Entender que haveria direito adquirido poderia servir de estímulo para que os contratos de trabalho em curso fossem finalizados para que novas admissões fossem feitas na regência da nova norma, o que contrariaria toda lógica do razoável, em violação ao princípio constitucional do pleno emprego". (ROCHA, Vinicius Soares. Aqui jazem as horas in itinere. In: SOUZA, Lucas Monteiro de; RODRIGUES, Rafael Molinari (coord.). Direito do agronegócio. Teoria e prática. S. Paulo: LTr, 2019. p. 294.). 4 Disponível aqui.
I. Introdução O debate sobre a integração das horas in itinere ao trabalho rural parece não acabar. Nele se misturam correntes interpretativas, inovações legislativas, avanços (para alguns) e retrocessos (para outros). II. Origem do debate. Conceito de tempo à disposição A definição do tempo à disposição do empregador tem nuances, sendo constante fonte de conflitos. Bastam alguns exemplos: a) em regra, a remuneração é paga como contrapartida ao tempo, ressalvadas as hipóteses de remuneração por empreitada, tarefa ou produção; b) o salário mínimo é proporcional ao tempo; c) as horas extras são pagas quando excedida a jornada contratual ou legal; d) a lei prevê intervalos intra e interjornadas. Portanto, identificar com precisão o tempo integrante da jornada tem grandes repercussões econômicas e sociais. O campo semântico é realmente aberto, admitindo muitas interpretações. A própria OIT, em relatório do Comitê de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações1, diz que suas convenções não definem hora de trabalho e nem tempo à disposição para cômputo na jornada, e, embora com variedade de critérios, prevalece na "maioria dos países" a ideia de que a "exigência de estar à disposição do empregador é complementada ou substituída pela necessidade de desempenhar efetivo trabalho"2. Por isto, o intervalo para refeição e descanso não é computado, sendo irrelevante a permanência no estabelecimento (vg. no refeitório da empresa). Sua escolha é livre. São comuns ações postulando a inclusão do intervalo na jornada quando se exige permanência em local específico (vg. atividades de segurança). Mas o artigo 4º da CLT considera "serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada". Para reduzir o campo de interpretação, a lei 13.467/17 acrescentou que a permanência na empresa, "por escolha própria", para "buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas", bem como "para exercer atividades particulares", não configura tempo à disposição. O acidente de trajeto é equiparado ao do trabalho, nos termos da lei previdenciária (artigo 21, IV, "d", da lei 8213/91), ainda que em veículo próprio do empregado ou transporte público, trazendo repercussões trabalhistas como a garantia de emprego do artigo 118 da mesma lei. O Estatuto do Trabalhador Rural prevê a aplicação subsidiária da CLT. Seu artigo 1º dispõe sobre os intervalos inter e intrajornada, prestigiando os "usos e costumes da região" (artigo 5º), e disciplina o tempo de trabalho nos serviços "caracteristicamente intermitentes" (artigo 6º). Nesse contexto é que surge o debate sobre o cômputo das horas in itinere na jornada, especialmente relevante no trabalho rural. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 Disponível aqui. Na mesma página há links para acesso às versões em espanhol e francês. 2 "33. Although Convention No. 1 does not include a definition of "hours of work", Convention No. 30 provides in Article 2 that the term hours of work does not include rest periods during which the persons employed are not at the disposal of the employer. The legislation in the majority of countries contains a definition of hours of work which, in a substantial number of cases, reflects the definition in Convention No. 30. However, in the majority of countries, the requirement of being at the disposal of the employer is supplemented or replaced by the need to perform actual work. For example, in Ethiopia, the Labour Proclamation defines normal hours of work as the time during which a worker actually performs work or is available for work in accordance with the law, collective agreement or work rules. In Denmark, working time is the period during which workers are working and are at the employer's disposal and carrying out their activity or duties. (.) 36. Neither Convention No. 1 nor Convention No. 30 contain explicit provisions on periods of "stand-by" or "on-call" work. In most countries, the national legislation does not contain specific provisions on this subject. However, in a few cases, national law or practice provide that time spent "on-call" is included in working time. For example, the Government of Cyprus reports that on-call hours are only considered working time if the employee is at the employer's premises and at the disposal of the employer. 37. In other cases, the law is silent on this subject, or specifically indicates that on-call time is not included in working hours. For example, in Poland, 26 the Labour Code provides that on-call time is not included in working time if the employee has not carried out any work. The Independent and Self-Governing Trade Union "Solidarnosc" considers that this provision is not in accordance with Article 2 of Convention No. 30, as employees on stand-by certainly remain at the disposal of the employer, even if they do not perform any actual work. In Portugal, the legislation does not specify whether on-call time is included in hours of work. In this regard, the General Confederation of Portuguese Workers - National Trade Unions (CGTP-IN) indicates that, when employees are on call, they are not free to use their time and that this period should therefore be considered as working time."
Cotas raciais O recente feriado celebrando a consciência negra sugere reflexões sobre a discriminação e as ações afirmativas.  Em 1826 foi proibido o tráfico de escravos; em 1871 tivemos a Lei do Ventre Livre; em 1885 a Lei do Sexagenário e, em 1888, a Lei Áurea aboliu a escravidão, verdadeira mancha em nossa história que ainda hoje cria preconceito e conflitos.  No Brasil a discriminação racial, após a abolição da escravidão negra, foi proibida pelo ordenamento jurídico, ao contrário do que se viu nos EUA, Africa do Sul, Índia e outros países.  O princípio da igualdade e a proibição do racismo figuram em todas as Constituições desde 1891, assim como na legislação ordinária, combatendo o preconceito, a diferença de salários e de critério de admissão por motivos raciais, dentre outros.  É bem verdade que o Código Penal da República, de 1890, qualificava a capoeira como contravenção penal, uma forma de discriminação indireta contra os afrodescendentes.  A Lei Afonso Arinos, de 1951, foi pioneira no plano infraconstitucional, tipificando a contravenção penal de recusar, negar ou obstar a entrada de pessoas em hotéis, restaurantes, bares e escolas por preconceito de raça ou cor.  O Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 proibiu a difusão de campanhas que promovessem discriminação de classe, cor, raça ou religião.  O decreto-lei 314/1967 (segurança nacional) qualificou como crime a incitação pública ao ódio ou à discriminação racial prevendo pena de detenção de 1 a 3 anos.   Em 1968 o Brasil ratificou a Convenção Internacional para Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial.  A lei 5.250/67 reprimiu a difusão do preconceito de raça e a lei n. 6.620/78 puniu a incitação ao ódio ou discriminação racial.  A lei 7170/83 declarou crime a propaganda de discriminação racial, com detenção de 1 a 4 anos.  Muitos textos posteriores trataram do tema, completando o acervo de normas repressoras do racismo.  Mas não basta a legislação punitiva.  É indispensável um esforço de promoção das pessoas discriminadas em razão da cor ou etnia para terem acesso a condições dignas de vida, de estudo e trabalho.  Para atingir esse objetivo se fazem necessárias ações afirmativas que criem novas desigualdades para compensar a não-equivalência de oportunidades.  Desde 2022 está em vigor no Brasil a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Dec. 10932/22).  Em seu artigo 1º, 5, dispõe que "as medidas especiais ou de ação afirmativa adotadas com a finalidade de assegurar o gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais de grupos que requeiram essa proteção não constituirão discriminação racial, desde que essas medidas não levem à manutenção de direitos separados para grupos diferentes e não se perpetuem uma vez alcançados seus objetivos".  É indispensável a correção de desigualdades de tratamento decorrentes da raça ou etnia, devendo ser implantada gradual e proporcionalmente.  A propósito, na última sexta-feira (24.11.23) foi publicado acordão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região confirmando a improcedência da ação civil pública que investia contra o conhecido programa de trainees da Magazine Luiza endereçado exclusivamente a pessoas negras[1]. Outras empresas também tem iniciativas semelhantes, como a NATURA.  A fixação de cotas raciais implementa a igualdade e a diversidade, mas é preciso evitar excessos que podem estimular novas desigualdades e preconceitos. Por exemplo, deveriam as equipes de basquete ou futebol ter equivalência de brancos e negros ? Os cursos de letras deveriam ter mais asiáticos (que tendem a ciências exatas) ? Deveria haver mais espaço para homens nos cursos de enfermagem?  Outro problema é tratar a desigualdade onde, a rigor, ela não existe dolosamente. Pode haver critérios objetivos de contratação absolutamente legítimos mas que na prática dificultem a contratação de pessoas negras, como, por exemplo, a existência de vagas restritas a egressos de determinadas universidades. Por isso é preciso examinar a questão racial de forma ampla, inclusive com campanhas para redução de estigmas e programas para fomentar o acesso ao ensino. A igualdade não é um estado de fato, mas um ideal a ser perseguido com sabedoria e clarividência.  Princípio da Igualdade O princípio da igualdade se consolidou no curso da história, apesar de trágicas rupturas no século XX e o genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Estes não tinham direito à vida e nem à morte porque simplesmente desapareciam nos campos de extermínio, como lembrou HANNA ARENDT.  Após as brutais violações entre 1939/1945, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, foi uma reação natural e indispensável para a reafirmação dos direitos humanos em escala universal.  A partir dos anos setenta do século passado os direitos humanos foram assumindo uma dimensão política de contestação e de protesto contra o "status quo".  Sabe-se que direitos humanos são axiologicamente  mutantes por abrigar valores contraditórios, que se tensionam reciprocamente. Estão em permanente processo de construção, como uma obra inacabada.  É aparentemente paradoxal que os direitos humanos proclamem a igualdade de todos e, ao mesmo tempo, o direito à diferença.  Mas o que se poderia chamar "direito à indiferença" significa tratamento justo, compatível com as identidades e diferenças, no confronto com os demais.  No famoso Hooters Case, a Suprema Corte americana  considerou discriminatória a conduta de um restaurante ao  somente contratar jovens garçonetes, com roupas provocantes.  O proprietário alegou que vendia "sex appeal" feminino e seus clientes não procuravam apenas hamburgers, mas também eram atraídos ao ambiente criado pelas jovens.  Em sua decisão, a Corte decidiu que, podendo o restaurante vender igualmente "sex appeal" masculino, era injustificável e discriminatório o critério de seleção, inclusive em razão do objeto da empresa.  Aqui surge questão delicada. Um restaurante japonês ou africano que não contrata brancos está a praticar discriminação ? À luz da jurisprudência norteamericana, seria discriminatória essa conduta.  Na verdade, por vezes a preocupação com a igualdade de oportunidades se choca com dois valores fundamentais: liberdade e igualdade.  Fórmulas muito rígidas de impor igualdade se arriscam a assumir feição stalinista,  de péssima lembrança.  A discriminação se configura quando há diferenças para o exercício de direitos com base em critérios injustificados como raça, sexo, idade, religião, opção sexual e outros.  É uma forma de preconceito contrário à ordem jurídica. Equivale a racismo, xenofobia, intolerância com as diferenças.  A exteriorização do preconceito configura frequentemente ato discriminatório, pior ainda quando o critério é injusto e arbitrário, gerando exclusão, eis que igualdade e discriminação se articulam dialeticamente.   Discriminação equivale a exclusão.  A relação de emprego enseja práticas discriminatórias. Segundo a OIT, o ambiente é ponto de partida estratégico na luta pelo trabalho decente e o combate à exclusão.  Há discriminação quando se impede a contratação ou a continuidade do trabalho por motivo arbitrário: raça, cor, etnia, sexo, deficiência física ou mental, orientação sexual, religião, estado civil, vício, desemprego, ideologia política, nacionalidade, ação trabalhista, participação sindical,  aparência física e outros.  Fala-se também na discriminação genética quando se obsta a contratação em virtude de certas comorbidades ou predisposições.  Algumas práticas não se consideram discriminatórias quando afinadas com a tradição e a cultura. A OIT aceita a filiação política como critério para a escolha de dirigentes de entidades estatais, assim como a prática de determinada religião para exercer o magistério em escolas religiosas.  Reconhecer méritos do empregado não constitui medida discriminatória. Coisa diversa é a prática - vigente em algumas multinacionais - de reservar cargos superiores para estrangeiros.  Várias convenções da OIT tratam da matéria (27, 87, 98, 100, 105, 111, 138 e 190). A Convenção 111, que define as formas de discriminação no emprego, é aplicada de forma extensiva para alcançar qualquer trabalhador.  Há duas técnicas de combate à discriminação: normas de repressão e ações afirmativas ou positivas que. segundo a doutrina da OIT, devem ser previstas na lei ou na negociação coletiva.  A discriminação inversa está em nossa Constituição, sendo uma escolha política do legislador constitucional, e leis ordinárias contemplam a ação afirmativa no âmbito das relações de emprego, como a lei 8.213/91 (cotas para trabalhadores reabilitados e portadores de deficiência) e os artigos  373A e 390 da CLT (incentivo ao trabalho da mulher).  As ações afirmativas criam tratamento desigual e diferenciado para promover a igualdade.  Não protegem o indivíduo e sim o grupo a que pertence, favorecendo a inclusão.  Certos regimes de cotas são absolutamente necessários para compensação de um passado de injustiças.  A situação de desequilíbrio, mesmo que cesse a conduta discriminatória, tende a se perpetuar quando não se inverte o processo, beneficiando a quem antes foi discriminado.  Devem coexistir a proibição da discriminação e, paralelamente, as ações afirmativas. Estas últimas são medidas compensatórias que tem como pressuposto inverso os mesmos fatores que geraram a discriminação. As ações afirmativas são de dois tipos:  a) moderadas b) discriminação inversa  As moderadas não afetam o direito de terceiros, ao passo que a discriminação inversa pode causar lesão de direitos. Para a Suprema Corte norteamericana deve haver adequação constitucional e proporcionalidade ("narrowly taylored").  Deficientes físicos Em se tratando de deficiência física, as medidas de proteção não se conceituam, tecnicamente, como ações afirmativas, mas sim como igualação positiva.  Isto porque a desigualdade material que se visa a corrigir é puramente individual, não tendo relação direta com grupos.  São exemplos de igualação positiva as bolsas de estudos e o imposto de renda progressivo. Busca-se reduzir diferenças individuais, objetivas, atemporais e incontestáveis.  Na discriminação positiva, diferentemente, as medidas sempre se destinam a uma coletividade ou grupo com afinidade étnica, linguística, cultural etc.  Não há dúvida de que os deficientes podem ter alta qualidade e produtividade no trabalho. Uma distribuidora de materiais de escritório contratou dezenas de deficientes auditivos para  seleção e embalagem de produtos.  Uma agência dos correios reduziu erros na distribuição das correspondências ao contratar deficientes auditivos, que têm grande capacidade de concentração.  Um laboratório admitiu deficientes visuais para trabalho na câmara escura de raio-x.  Uma fábrica reservou posições na linha de produção para trabalhadores cadeirantes.  Essas esperiências são reveladoras da importância de oferecer dignidade e oportunidade ao deficiente.  No Brasil os órgãos públicos não costumam fazer sua  parte: cidades não tem rampas, rebaixamento de calçadas, transporte coletivo adaptado e outros equipamentos urbanos, sendo omisso o Estatuto das Cidades (lei 10257/2001).  Grande número de deficientes é vítima da má distribuição de renda, miséria, desnutrição e má qualidade do serviço de saúde pública.  De todo modo, cabe às empresas adequarem as instalações aos portadores de deficiência. A legislação criou para o deficiente um novo paradigma ergonômico envolvendo processos produtivos, métodos, sistemas, instalações e equipamentos.  Alguma crítica se pode fazer à rigidez e inflexibilidade das regras. Atividades aparentemente incompatíveis devem cumprir cotas de deficientes, tais como vigilância, trabalho em minas, subsolo e atividades de alto grau de insalubridade.  A lei fixa uma base de cálculo (número total de empregados), sem margem a flexibilidades, mas a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem afastado as condenações em indenizações e multas quando as empresas demonstram o não-atingimento apesar de efetivos esforços2.  Há também quem proponha a desterceirização de atividades acessórias, como conservação, limpeza, telemarketing, informática etc., para abrigar deficientes.  Várias empresas cogitam reavaliar as condições físicas dos empregados para inclusão na cota.  Enfim, são algumas reflexões sobre igualdade, não-discriminação, ações afirmativas e igualação positiva que nos parecem atuais e pertinentes. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Direito do Trabalho e meio ambiente

1 - DIREITO À SAÚDE Em 2022 a Conferência Internacional do Trabalho acrescentou a segurança e saúde aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Essa histórica decisão obriga todos os Estados membros da OIT a respeitar e promover um ambiente de trabalho seguro e saudável, independentemente da ratificação das Convenções que tratam desse tema. A Convenção 148 cuida dos riscos profissionais no local de trabalho decorrentes de contaminação do ar, do ruído e vibrações, tendo como princípio fundamental a eliminação do atentado à saúde e não apenas sua neutralização. Merece realce, por envolver a proteção à saúde física e mental, a Convenção 190 da OIT, de 2019, que entrou em vigor em junho de 2021, ratificada apenas por Uruguai e Fiji. Aplica-se a todos os trabalhadores, públicos e privados, independentemente da situação contratual, bem como a estagiários, voluntários e até quem está em busca de emprego. 2 - DIREITO AMBIENTAL Viver rodeado por um meio ambiente saudável constitui direito humano fundamental de terceira geração, conforme assentado na moderna teoria geral do direito. Os direitos de terceira geração protegem a cidadania e criam um processo coletivo de satisfação diferente de outros interesses plurais. São de titularidade coletiva e interessam a todos e a cada um em particular, podendo ser citados, além do meio ambiente, o direito à paz, ao desenvolvimento econômico e social etc. No caso do meio ambiente, o que se preserva é o acesso de todos à qualidade de vida, a fim de que a saúde corporal e mental não seja atingida por agressões decorrentes de desvios de comportamento, novas tecnologias, processos e necessidades produtivas, além da explosão urbana. Mas não se deve pensar a proteção da natureza e do meio ambiente em benefício exclusivo do ser humano, mas sim como um pressuposto inerente a todas as formas de vida animal, vegetal ou mineral. Já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. O ambiente saudável exige relação ecologicamente equilibrada entre as várias espécies animais, plantas, flores, assim como a preservação dos rios, dos oceanos e da atmosfera. O direito ambiental é ramo novo do direito, formado a partir de conteúdos diversos, multidisciplinares, recolhidos em vários outros, a partir de uma identificação dogmática e afinidade teleológica. Conforme a doutrina, quando se trata de qualidade de vida, há que pensar no meio ambiente que não traga danos à saúde, ao bem estar e à segurança. O objeto do direito ambiental é a própria vida e não apenas humana, mas em todas as suas formas, como se vê na Constituição Brasileira. Portanto, há uma ordem pública tecnológica ou ambiental que atrai a tutela através do poder do Estado, abrangendo todos os cidadãos e, consequentemente, os trabalhadores. Como vivemos, segundo BOBBIO, em plena "era dos direitos", cada vez mais se valoriza o direito ambiental, conceituado como o conjunto de normas, princípios e instituições voltados a preservar a qualidade de vida, a saúde humana e o equilíbrio entre a natureza e o homem.  3. DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO  O direito ambiental do trabalho pode ser definido como "o conjunto das condições, leis, influências e integrações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida das pessoas nas relações de trabalho". A segurança e medicina do trabalho são ciências voltadas à proteção física e mental do homem, principalmente para evitar doenças profissionais e acidentes do trabalho.  Em visão mais expansiva, devem ser incluídos fatores comportamentais que atuam sobre o trabalho humano em todas as suas formas, provocando estresse, "burn out", exaustão física e mental, ampliando assim a proteção objetiva do trabalhador. A moderna abordagem do tema se afasta dos conceitos estreitos de insalubridade, periculosidade ou mesmo penosidade para alcançar uma dimensão axiologicamente mais vasta e densa: a saúde. Mas há também uma expansão subjetiva para incluir todas as espécies de trabalhador e não apenas o empregado, já perceptível em alguns ordenamentos jurídicos nacionais e no próprio Direito Internacional do Trabalho.  Realmente, limitar aos empregados é desarrazoado, incompatível com o trato amplo, expansivo, multidisciplinar, que a matéria exige. Estamos muito longe das circunstâncias em que evoluiu historicamente o direito do trabalho com a intervenção estatal e a negociação coletiva. O que interessa é proteger o ambiente onde o trabalho é prestado, qualquer que seja a condição do seu exercício. Merecem proteção os trabalhadores autônomos, avulsos, eventuais, temporários, à distância etc. 4 - ALTERAÇÕES NO PERFIL DO TRABALHADOR As modificações nos processos produtivos, as inovações tecnológicas, o teletrabalho e o trabalho em domicílio, que levam à desconcentração da mão-de-obra, modificaram o conceito de ambiente laboral, cada vez menos restrito ao espaço interno da fábrica ou da empresa para se estender à moradia e outros ambientes urbanos. A nova tecnologia transtorna a ideia de estabelecimento, horário e subordinação. Os empregados são mais autônomos e os autônomos mais subordinados. Por outro lado, há intensa telessubordinação e controle de descansos e horários, gerando o chamado direito à desconexão. O paradoxo autônomo/subordinado e subordinado/autônomo cria um dilema dogmático para o direito do trabalho. Há figuras ambíguas: autônomo exclusivo, autônomo dependente, microempresário, teletrabalhador, trabalhador eventual, precário, temporário, intermitente etc. A economia digital oferece maior autonomia no trabalho mas, por outro lado, tem pontos negativos como, dentre outros: a) isolamento social e profissional; b) hiperindividualismo; e) promiscuidade entre trabalho e família; g) jornadas extenuantes e burn-out; Nas atividades terceirizadas exige-se para os trabalhadores da fornecedora proteção idêntica aos da tomadora, no que concerne aos riscos ambientais. Esta é uma das manifestações perversas da terceirização descuidada: trabalhadores que atuam lado a lado, exercendo funções semelhantes ou mesmo idênticas, não gozarem da mesma proteção contra os riscos ambientais. A legislação brasileira assegura que todos tenham o mesmo tratamento no plano ambiental. A disparidade é realmente inaceitável. A preservação da saúde não depende de vínculos jurídicos formais ou indiretos porque o meio ambiente nocivo agride igualmente a todos. Entretanto, no Brasil a segurança e medicina do trabalho ainda se voltam quase exclusivamente à proteção da saúde no estabelecimento do empregador, conforme normas elaboradas pelo Ministério do Trabalho. Não alcança os informais, que criaram uma nova classe social: o "precariado". O direito do trabalho só recuperará funcionalidade, racionalidade e eficiência quando se voltar à proteção dos trabalhadores excluídos. Deve ser um instrumento de política social e econômica mediante um equilíbrio entre "hard law" e "soft law". São fórmulas de "soft law" a negociação coletiva e a  responsabilidade social da empresa. 5. RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA A economia social de mercado contemporânea agrega dois valores essenciais: saúde e meio ambiente.  O capitalismo precisa estar em harmonia com a natureza e a sociedade humana. A verdadeira riqueza das nações é medida pelo respeito à natureza, aos direitos humanos e à ética nos negócios. Não se pode admitir o lucro que prejudica a saúde do trabalhador.  No capitalismo colaborativo a empresa deve gerar valor para investidores, trabalhadores, fornecedores, consumidores e a comunidade. É um capitalismo de stakeholders, com valores sociais e políticos que vão além do mero interesse do investidor (shareholder).  O chamado padrão ESG está sendo adotado como critério para investimento no mercado de capitais. O Brasil figura na lista dos 25 países mais dedicados a esse tema nos últimos anos. O padrão ESG constitui o núcleo do capitalismo colaborativo. Aumenta o padrão de socialização da empresa para atender aos vários interesses nela concentrados, inclusive dos consumidores. Torna visível a faceta institucional ao expandir obrigações com a sociedade. Vai além da mera governança corporativa. Propõe uma postura cívica que influi no próprio conceito jurídico de empresa. Segundo consultorias internacionais, até 2025 cerca de 60% dos fundos de investimento observarão o critério ESG, ou seja, U$$ 8,9 trilhões, assim como cerca de 80% dos investidores institucionais em suas operações. Definitivamente, empresas que sacrificam os direitos humanos e atacam a natureza serão proscritas pelos investidores. A ONU exige das instituições financeiras e de seguros o padrão ESG na análise de risco, crédito e investimento. A OIT editou em 2006 a "Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Justa", que avalia vantagens comparativas entre os países nos níveis de proteção ao Trabalho. A certificação ISO 26000, criada em 2010, mede a responsabilidade social corporativa, inclusive com base nas convenções da OIT. O próprio consumidor está a exigir produtos social e ambientalmente sustentáveis. Portanto, não basta a empresa cumprir as leis. Ela deve se autolimitar mediante códigos internos que são verdadeiro compromisso, complementando o direito estatal. É inegável a eficácia normativa desses códigos em temas como proteção ao meio ambiente de trabalho, assédio sexual, assédio moral etc.   6. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E MEIOS JUDICIAIS DE PROTEÇÃO A participação das entidades sindicais na prevenção e reparação dos danos causados pelo ambiente de trabalho deve assumir maior relevância. Afinal, os interesses coletivos dos trabalhadores estão na essência da atividade dos sindicatos. No Brasil estão legitimados para a propositura de ação pública ambiental e mandado de segurança para proteção da saúde. Além disto, pode o trabalhador acidentado postular individualmente a indenização nos casos de dolo ou culpa do empregador na geração de riscos ambientais. 7 - CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA A Constituição de 1988 assegura ao trabalhador tratamento nunca antes visto nos textos constitucionais, havendo capítulo específico sobre o meio ambiente e diversas referências em outros tópicos. Exige redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; estabelece jornada de seis horas para os turnos ininterruptos de revezamento; estipula adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas.  Mas todas essas normas se destinam exclusivamente a empregados. O texto constitucional criou um formidável SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, que atende a todos os brasileiros e tem, entre suas atribuições, colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Outro preceito proclama que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Competem ao SUS atividades de proteção à saúde do trabalhador através de Comissões Intersetoriais, com adoção de políticas de controle das agressões ao meio ambiente de trabalho É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular. As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, além da reparação do dano. Como se vê, há obrigações da empresa para com a coletividade, inconfundíveis com aquelas dirigidas aos seus trabalhadores.  8 - ELIMINAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS É necessária uma revisão dos conceitos legais das atividades que causam dano físico ao trabalhador. Mais que uma indenização pelo trabalho em condições ambientais danosas, devemos eliminar ou neutralizar os agentes nocivos. É necessária maior atenção aos aspectos ergonômicos. A ergonomia tem por fim o estudo de sistemas para que as máquinas possam funcionar no ambiente de trabalho em harmonia com o homem. Segundo alguns estudos, a valorização excessiva do uso de Equipamentos de Proteção Individual como medida de proteção à saúde é um equívoco, pois sua utilização não corrige as deficiências ambientais e tampouco elimina a ação dos agentes insalubres no organismo do trabalhador. As novas tecnologias talvez venham a extinguir completamente o trabalho insalubre, perigoso e penoso. 9 - CONCLUSÃO Caminhamos para uma noção de "habitat laboral", ou seja, o ambiente de trabalho como fator de qualidade de vida do trabalhador "lato sensu" e em harmonia com os ecossistemas. A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 traz obrigações para todos os Estados-Parte, independentemente da ratificação das convenções da OIT. Quase 25 anos após foi acrescentado o quinto princípio, que trata do ambiente de trabalho seguro e saudável, à Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho Este quinto princípio se aplica a todos os trabalhadores do mundo, formais ou informais, eis que protege o direito à vida saudável no trabalho, com redução de enfermidades e mortes. Cabe lembrar que novos riscos ocupacionais e sociais podem ser criados pela tecnologia, o que exige constante evolução e atualização das medidas de proteção.
segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Fake news, clickbait e o custeio sindical

Confundir, desinformar, tergiversar. Lamentavelmente essa prática tem contaminado muitos debates importantes da atualidade, especialmente os mais caros à democracia. O tema do custeio sindical imbrica com a sobrevivência dos sindicatos, com o equilíbrio nas relações entre capital e trabalho. Conecta-se também, na outra ponta, com a chamada liberdade sindical individual. Todos assistimos a grande profusão de notícias sobre a reviravolta no STF no tema das contribuições assistenciais (Tema 935 de repercussão geral1). Muitas delas denunciam o retorno do imposto sindical, extinto pela Reforma de 20172. Na verdade, o que houve foi uma inversão na ordem de fatores. A lei exige autorização individual prévia para qualquer desconto em folha de contribuição sindical. O Supremo Tribunal Federal, nessa reviravolta, admitiu a previsão de contribuições assistenciais, desde que assegurado, prévio ou posterior, o direito de oposição. Ao assim decidir, além de contrariar jurisprudência acerca das contribuições assistenciais, entrou também em testilhas com o recentemente decidido na ADIn 5794 (outras apensadas) e em incontáveis reclamações trabalhistas dela decorrentes3. Outro detalhe importante e omitido ou distorcido em muitas notícias: salvo melhor juízo, em nenhum momento o Supremo Tribunal Federal afirmou que tal contribuição pode ser exigida mediante desconto em folha para repasse aos sindicatos. A propósito, bem ao revés, o artigo 611-B, XXVI, da CLT diz serem ilícitas cláusulas que violem a "liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho". A rigor, portanto, independentemente da comprovação de eventual oposição, os empregadores podem invocar essa norma legal e recusar desconto em folha previsto em norma coletiva, pois se trataria de cláusula com objeto ilícito. Muitos, entretanto, não têm esse interesse pelas razões que apresentaremos mais adiante. Os exageros logo afloraram. Antes mesmo da publicação do novo acórdão do STF, muitos sindicatos se arvoraram o direito de exigir contribuições retroativas. Alguns repetiram o passado: criaram mecanismos para dificultar ou impedir a oposição formalmente prevista, inclusive mediante violência. As próprias centrais sindicais tentaram frear tais abusos, subscrevendo em 28 de setembro de 2023 um "Termo de Autorregulação"4. Em paralelo, houve a criação pela Presidência da República de grupo de trabalho integrado por representantes do governo e de entidades sindicais para "elaborar proposta legislativa de reestruturação das relações de trabalho e valorização da negociação coletiva" (decreto 11.477/23). Esse grupo está construindo anteprojeto de lei que admitirá a imposição de uma contribuição - agora chamada negocial-, desde que aprovada em assembleia sindical e sem direito de oposição individual. Com todo o respeito a seus integrantes, há um vício de origem no grupo, pois composto por representantes das partes diretamente interessadas no custeio. Em resposta a tudo isso tramita de forma embrionária no Congresso Nacional projeto de lei que cria mecanismos para evitar abusos e entraves à oposição individual (PL n. 2099 de 20235). A sociedade assiste a esses embates, às idas e vindas e às fake news sem entender o que está realmente em jogo. Em primeiro lugar, é preciso dizer que soluções para o custeio sindical interessam também ao setor patronal. O estrangulamento das receitas teve consequências práticas indesejáveis para todos. Muitas negociações de convenções ou acordos coletivos simplesmente foram entravadas pela recusa a cláusulas proibidas na lei. Tendo o STF - até então - confirmado o fim da contribuição compulsória, assim como a exigência de autorização individual prévia e expressa para outras contribuições, os sindicatos incluíam o tema na pauta de negociação e as empresas tinham o justo receio de aceitar e depois serem obrigadas a ressarcir o trabalhador. Nesse contexto surgiram estranhas soluções, elegantemente chamadas heterodoxas (custeio direito pelo empregador, custeio de benefícios fake ou que geram comissões ao sindicato, aditivos que não eram registrados no Mediador etc) e também uma saída construída pelos próprios tribunais: "homologação" ou "referendo" judicial das cláusulas que invertem a ordem dos fatores para assegurar apenas o direito de oposição, que recebeu entre os negociadores a alcunha de "cláusula Vale"6. Na prática, esse "referendo" judicial com participação do Ministério Público do Trabalho não significava uma blindagem contra a decisão do STF, mas dificultava sobremaneira o questionamento em ações anulatórias e reclamações trabalhistas. Eram formas - algumas éticas, outras nem tanto - de resolver o impasse na negociação. Afinal, as normas coletivas não preveem apenas benefícios para os trabalhadores, eis que são essenciais para regular com segurança diversas condições de trabalho (turnos, escalas, banco de horas, PLR etc), de grande interesse dos empregadores. Tudo isso revela a necessidade de solução equilibrada e racional, mas aparentemente não conseguimos escapar da atração para os extremos. Outra dificuldade está na ocultação das premissas comparativas. A contribuição negocial extensível a todos, independentemente de autorização, é admitida em alguns países e se justifica em razão de o sindicato representar a todos nesse modelo de negociação. Busca-se, dessa forma, evitar o que os americanos chamam de free rider7, o empregado "caronista" que nada contribui, mas se aproveita das conquistas financiadas por outros. Esse argumento não é aceito por outros países8 ou o é com limites para coibir abusos, como a legislação argentina, que aceita a chamada cuota de solidaridad a cargo dos não-associados, com a condição de que não exceda 50% da cota sindical devida pelos associados. Essas experiências, entretanto, jamais poderiam ser transportadas para nosso modelo sindical atual, em que ainda prevalecem os traços do corporativismo criado na Era Vargas para cooptação dos sindicatos e controle dos conflitos sociais. Os sindicatos ainda hoje dispõem do monopólio de representação, que se faz por categoria profissional e econômica com base municipal mínima.  Não podem ser criados, ou pelo menos é muito difícil, novos sindicatos, salvo em caso de desmembramento de categoria. Ora, acrescentar a esse arco uma contribuição para o sindicato, obrigatória para não-associados e sem direito de oposição, é realmente reforçar o corporativismo. Quando a OIT admite o modelo (argumento das Centrais), pressupõe liberdade inexistente no Brasil, que não ratificou a Convenção 87. Obviamente os atuais dirigentes sindicais - aqueles chamados pelo governo para formular a modernização do sistema - tendem a não aceitar patamares internacionais de liberdade que coloquem em risco seu status atual. A liberdade sindical simplesmente não está em pauta, muito embora devesse ser o ponto de partida de qualquer mudança. Outro equívoco é desprezar que países de efetiva liberdade sindical ora têm a figura do sindicato mais representativo (um único com poderes para negociar em nome de todos, definido a partir de critérios objetivos, subjetivos ou mistos), ora admitem a negociação por múltiplos sindicatos, cada qual custeado por seus associados. Também pouco se fala de modelos em que os sindicatos recebem aportes diretamente do governo (inclusive a França) ou em que excepcionalmente se admite o custeio direto pelo empregador para viabilizar a negociação coletiva. Por fim, o termo contribuição negocial soa melhor que contribuição assistencial, muito genérica e que se presta a custear outras atividades e não precisamente a negociação coletiva. Admitindo-se a pretendida compulsoriedade para todos, suas premissas devem ser a efetiva liberdade sindical e a segurança de que se destinará exclusivamente ao custeio da negociação coletiva, o que pressupõe algo que muitos abominam: prestar contas. Há muito o que construir e o debate técnico, amparado em pressupostos verdadeiros e dirigido ao bem comum é indispensável. Infelizmente, nossa sociedade parece ainda estar longe desse importante valor social e político. Aproveitamos a coluna de hoje para convidar os leitores a seminário sob os auspícios deste Migalhas e coordenação de um dos subscritores no dia 23 de novembro de 20239, com a participação de renomados especialistas com visões distintas sobre esse instigante debate. __________ 1 Destaca-se da certidão de julgamento: "O Tribunal, por maioria, acolheu o recurso com efeitos infringentes, para admitir a cobrança da contribuição assistencial prevista no art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive aos não filiados ao sistema sindical, assegurando ao trabalhador o direito de oposição, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que votara em assentada anterior, acompanhando a primeira versão do voto do Relator. Foi alterada, por fim, a tese fixada no julgamento de mérito, nos seguintes termos (tema 935 da repercussão geral): "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição". Não votou o Ministro André Mendonça, sucessor do Ministro Marco Aurélio. Plenário, Sessão Virtual de 1.9.2023 a 11.9.2023." 2 A alteração foi assim justificada no parecer do Senador Ricardo Ferraço sobre o então projeto de lei: "Em nossa avaliação, estamos concedendo não só maior protagonismo aos sindicatos, como, ao rumar para maior liberdade sindical, estamos também os fortalecendo. Isso porque o novo formato de financiamento estimula justamente uma participação ativa dos sindicatos: sem dúvida, serão mais fortes os sindicatos que mais entregarem resultados para os trabalhadores de sua categoria, não havendo recompensa à inércia. Por isso, somos favoráveis à contribuição sindical facultativa, isto é, previamente autorizada pelos trabalhadores, nos termos dos arts. 545, 578, 579, 582, 587, 602 e do inciso XXVI do art. 611-B da CLT, na forma do texto do PLC. Entendemos que a mudança é oportuna, potencialmente configurando o início de uma reforma sindical que possa aperfeiçoar outros dispositivos relativos a esta matéria. Assim, rejeitamos as seguintes Emendas apresentadas a esta Comissão: nos 16; 25; 77; 83; e 135." 3 Eis um exemplo: "DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. AUTORIZAÇÃO DO EMPREGADO. 1. Aparentemente, viola a autoridade da decisão do STF na ADI 5.794, red. p/acórdão Min. Luiz Fux, decisão que afirma que a autorização prévia e expressa de empregado para cobrança de contribuição sindical pode ser substituída por aprovação de assembleia geral de sindicato. 2. Medida cautelar deferida." (...) "2. Na origem, o referido sindicato pleiteou fosse a Claro Sociedade Anônima condenada a efetuar desconto em folha de pagamento para recolhimento de contribuição sindical de seus empregados, com fundamento inconstitucionalidade das alterações realizadas pela Lei federal nº 13.467/2017 nos arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis do Trabalho e na afirmação de que a exigência de autorização prévia e expressa do empregado para cobrança não incluiu o requisito de individualidade, de modo que a manifestação de vontade individual poderia ser suprida por assembleia geral. (....) É o relatório. Decido o pedido liminar. 6. Em 29.06.2018, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI nº 5.794, red. p./ acórdão Min. Luiz Fux, ajuizada por entidades sindicais, em que se alegou a inconstitucionalidade da redação dada pela Lei federal nº 13.467/2017 aos arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Afirmou-se, assim, a validade do novo regime voluntário de cobrança de contribuição sindical. (...) O órgão reclamado, por sua vez, afirmou que a aprovação da cobrança da contribuição em assembleia geral de entidade sindical supre a exigência de prévia e expressa autorização individual do empregado. Nesses termos, delegou a assembleia geral sindical o poder para decidir acerca da cobrança de todos os membros da categoria, presentes ou não na respectiva reunião - é dizer, afirmou a validade de aprovação tácita da cobrança. Tal interpretação, aparentemente, esvazia o conteúdo das alterações legais declaradas constitucionais pelo STF, no julgamento da ADI nº 5.794, red. p./ acórdão Min. Luiz Fux, o que implica afronta à autoridade desta Corte. Nesse sentido, confira-se: Rcl 34.889-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia." (MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 35.540 RIO DE JANEIRO). 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Nos Estados Unidos da América, o entendimento da Suprema Corte foi recentemente alterado quanto ao tema. A jurisprudência anterior se preocupava em evitar os "free riders", "caronistas" da norma coletiva, ou seja, empregados que dela se beneficiariam sem ser associados. Admitia a cobrança de "agency fees" desses não associados para custear a negociação, mas o valor não poderia ser utilizado para  programas políticos ou ideológicos do sindicato. No setor público esses critérios estavam consagrados em Abood v. Detroit Bd. of Ed., 431 U. S. 209, 235-236. Em 2018, o tema voltou à Suprema Corte com o caso JANUS v. AMERICAN FEDERATION OF STATE, COUNTY, AND MUNICIPAL EMPLOYEES, COUNCIL 31, ET AL.. Em julgamento de 27 de junho de 2018, o entendimento foi revisto para impedir a extensão de contribuições a trabalhadores não associados ao sindicato, inclusive a "agency fee". À luz da Primeira Emenda, a Corte concluiu que a obrigação de custeio para não associados viola o direito de expressão. Além de outros argumentos, destaca a imprecisão dos critérios fixados em Abood e o fato de a negociação coletiva poder abranger temas controversos, como alteração climática, estrutura confederativa, orientação sexual, igualdade de gêneros, evolucionismo e religiões minoritárias, temas considerados sensíveis do ponto de vista político. A decisão foi por maioria de votos e não altera os critérios para o setor privado, no qual ainda se admite a extensão das "agency fees" a todos, associados ou não (vg. Workers of America v. Beck, 487 U.S. 735 - 1988).  8 Na Espanha, em razão da baixa filiação, decidiram os sindicatos majoritários criar o "canon de negociação coletiva" para aumentar suas receitas, devido por todos os trabalhadores beneficiados pela negociação. Os sindicatos minoritários desafiaram essa compulsoriedade no Judiciário. Hoje o canon tem amparo na Lei Orgânica de Liberdade Sindical (LOLS) de 1985, mas depende do consentimento dos trabalhadores. O Tribunal Constitucional firmou o entendimento de que o valor deve corresponder estritamente aos custos da negociação (gastos efetivos) e de que a autorização deve ser expressa (vedando a autorização tácita por ausência de oposição). Na prática, segundo VALDÉS DAL-RÉ, as normas coletivas deixaram de prever o canon. Os sindicatos majoritários, entretanto, assim como em muitos outros países, recebem importâncias destinadas pelo Estado pelo fato de representarem os trabalhadores em órgãos públicos (participação institucional) e também verbas vinculadas a determinadas finalidades (vg. formação profissional) (VALDÉS DAL-RÉ, Fernando. O direito coletivo do trabalho na Espanha. In: PORTO, Lorena Vasconcelos; PEREIRA, Ricardo José Macêdo de. (org.). Temas de direito sindical: homenagem a José Cláudio Monteiro de Brito Filho. S. Paulo: LTr, 2011. p. 77-78). 9 Disponível aqui.
Introdução A CF/88 consagra, no artigo 5º, caput, o princípio da não-discriminação (isonomia). Essa regra se repete, com especificidades, no artigo 7º, XXX, inserido nos direitos sociais. O artigo 5º da CLT dispõe que "a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual". Na prática, diante desses princípios genéricos, cabe explorar os critérios objetivos que tornam justo o tratamento desigual para trabalho idêntico. O "problema é reconhecer a identidade juridicamente relevante ou, a contrario sensu, apontar os fatores que, no caso concreto, possam justificar a diferença de tratamento"1. Cabe lembrar inexcedível página de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO2: "O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexos de obrigações e direitos. (...) a correta indagação a ser formulada para conhecimento do princípio sub examine pode ser traduzida nos termos que seguem: Quando é vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função de discriminar?" A doutrina, à luz da CF/88, destaca dois pontos: a) correlação lógica entre desigualdade real e disparidade de tratamento; b) relevância jurídica do ponto de desigualdade. Exemplo usual é o limite de idade para admissão em concursos públicos. Cabe investigar se a exigência constitui razão objetiva juridicamente relevante. Para a contratação de um bombeiro ou vigilante pode ser necessária jovialidade, mas não para um professor3. Quando se trata de igualdade salarial, o legislador optou por critérios específicos, mas, ainda assim, alguns guardam amplo grau de subjetivismo (vg. mesma perfeição técnica). Tais pressupostos estão no artigo 461 da CLT, com alterações importantes da Reforma de 2017, que trouxe mais clareza, além de novos critérios para se aceitar a disparidade salarial. Na jurisprudência, as divergências de interpretação produziram a extensa Súmula n. 6 do Tribunal Superior do Trabalho, ainda não atualizada para o texto legal em vigor. Recente e importante alteração decorre da lei 14.611/23, a qual, apesar de manter os critérios do artigo 461 da CLT - ou seja, não afeta os critérios objetivos para equiparação salarial -, amplia o espectro de proteção. Essa nova lei olha para além dos critérios objetivos, remoçando a tradição legislativa e da jurisprudência. De forma expressa diz que, "independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho", cabe corrigir a desigualdade salarial entre homens e mulheres.  Nela se vê um aparente paradoxo: Se respeitados os critérios do artigo 461 da CLT, como vislumbrar desigualdade injusta, ilegal ou inconstitucional? A solução está na distinção entre: A - análise sob a perspectiva individual a partir de critérios objetivos juridicamente relevantes: B - aferição coletiva da discriminação. Como no ditado popular, cabe agora olhar a floresta e não apenas as árvores. Nos tópicos subsequentes trataremos dos critérios objetivos para o confronto individual e, ao cabo, da recente inovação legislativa. Clique aqui e confira a coluna na íntegra. __________ 1 PERES, Antonio Galvão. Contrato internacional de trabalho: novas perspectivas. S. Paulo: LTr, 2004. p. 124. 2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros Ed., 2003. p. 12-13. 3 PERES, op. cit., p. 124.
segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A bomba atômica do processo do trabalho

Assunto recorrente nos últimos dias é a sentença de juiz do trabalho que determinou a contratação como empregados de todos os motoristas que utilizam aplicativo de uma conhecida empresa de tecnologia (Proc. 1001379-33.2021.5.02.0004). Também impôs indenização por danos morais no valor surpreendente de um bilhão de reais. A questão de mérito é interessantíssima. Em país onde a proteção trabalhista está centrada na figura do emprego, há evidente estímulo para o reconhecimento do vínculo com o meritório objetivo de oferecer mais garantias sociais. Daí surgem ideias criativas como a teoria da subordinação estrutural, a subordinação algorítimica etc. São facetas do chamado ativismo judicial tentando preencher a lacuna legal. Frequentemente o juiz se depara com o dilema de assegurar a proteção com o reconhecimento do vínculo ou se conformar com o vazio normativo para as hipóteses de trabalho não-subordinado (em outros países há proteção a parassubordinados e trabalhadores autônomos economicamente dependentes).  Muito já escrevemos sobre esse tema e não é disso que desejamos tratar na coluna de hoje. Essa recente sentença de quase cem páginas revela um paradoxo: Havendo decisões individuais heterogêneas, que ora negam, ora aceitam o vínculo de emprego em ações individuais, como pode a ação civil pública pleitear o mesmo para uma coletividade? A ação civil pública se transformou na bomba atômica do processo do trabalho. O procurador e o juiz apertam o botão vermelho e a tudo implodem. Há inúmeros exemplos. Há alguns anos, a 3ª Turma do TST (Proc. TST-RR-130300-89.2003.5.02.0058), com amparo na Súmula n. 331, na presunção de submissão direta e na teoria da subordinação estrutural, reformou acórdão regional para condenar um fabricante de elevadores a montar e instalar diretamente os equipamentos em todo o país, vedando a contratação de empresas especializadas. A condenação, em ação civil pública, obviamente impôs obrigações apenas a essa empresa e não a seus então felizes concorrentes. Esse quadro foi revertido apenas em 2023 após vitória em reclamação perante o STF. A petição inicial da conhecida Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 324) também demonstra, com inúmeros exemplos colhidos da jurisprudência trabalhista, que a imprecisão do critério previsto na Súmula n. 331 ensejava decisões contraditórias perante concorrentes, afrontando a liberdade e o princípio constitucional da igualdade. Em ações civis públicas, uma usina pode ser condenada a transportar diretamente a cana-de-açúcar com amparo na inconstitucional Súmula 331, enquanto outras são isentas ou sequer enfrentam ações do gênero. Outro aspecto é o Ministério Público do Trabalho ora concentrar o debate em face da mesma empresa, ora pulverizá-lo em ações contra suas diversas unidades por razões claramente estratégicas. A propósito, nesse tema da terceirização do transporte de cana-de-açúcar, empresas foram condenadas em ações civis públicas restritas a algumas unidades. As demais não foram alcançadas. Também há casos em que o MPT claramente busca o Estado da Federação onde há jurisprudência favorável e, com amparo na OJ 130 da SBDI II do TST e no Tema 1075 de Repercussão Geral, nele ajuíza ação com pedido nacional ou suprarregional, reduzindo os riscos de decisão contrária. Em direito internacional privado isso é jocosamente chamado de forum shopping, sendo um dos remédios o instituto do forum non conveniens dos países de common law1. A isso se somam as limitações do processo do trabalho. Em tese, mesmo em ação civil pública com abrangência nacional, pode a prova se restringir a três testemunhas. Há ainda o risco de a empresa ser compelida a apresentar, em poucos dias, defesa contra inicial durante meses elaborada pelo procurador. Tudo isso vale e é cegamente aceito a pretexto de fazer justiça. Para quem considera admissível reconhecer no atacado o vínculo de emprego, sem examinar circunstâncias individuais, pouco importam as dezenas de decisões que o rejeitam em ações individuais. Com todo o respeito a quem, de uma penada, afirma serem todos empregados, essa postura revela no mínimo prepotência diante das dezenas de magistrados que, caso a caso, chegaram a conclusões opostas. Ações do gênero investem contra um princípio fundamental: a primazia da realidade. Não há como presumir igualdade a partir de um modelo formal. As nuances podem ser - e geralmente são - decisivas. A igualdade abstrata diante de situações heterogêneas provoca uma desigualdade concreta. A teor do artigo 129, III, da Constituição de 1988, a ação civil pública se volta à defesa de interesses difusos e coletivos. Os interesses difusos pertencem a pessoas indeterminadas, unidas por certo vínculo jurídico e têm por objeto bem coletivo insuscetível de divisão, de forma que a satisfação de um implica a de todos. Em outras palavras, ofendem o direito da coletividade. São supraindividuais, indivisíveis e indeterminados; não têm dono certo. O CDC (Lei 8078/90) criou uma terceira figura, a dos direitos individuais homogêneos, em seu artigo 81, III, concebendo-os como "decorrentes de origem comum". O debate de vínculo de emprego no atacado envolve interesses individuais heterogêneos. Não há como resolver a matéria de forma coletiva e uniforme. Nem mesmo o direito norte-americano, onde tem amplo espaço a class action, admite a amplitude que se tem conferido às ações civis públicas. Naquele sistema, a primeira regulamentação no âmbito federal ocorreu em 1912, através da Federal Equity Rule 38, e ganhou relevância com a Regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure de 1938. O sistema atual decorreu de uma ampla reforma em 1966, pela qual a "nova regra das Federal Rules of Civil Procedure (...) foi dividida em cinco subseções, cada uma lidando com diferentes tipos de procedimentos"2. O modelo, segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER3, "tem caráter pragmático e funcional", contendo "quatro considerações prévias (pré-requisitos)" e estabelecendo "três categorias de class actions, sendo duas obrigatórias (mandatory) e uma não obrigatória (not mandatory), cada uma com seus próprios requisitos". Esta espécie de ação civil pública remeteria à Rule 23 (B) 3. Esta é a hipótese em que são tutelados o que a doutrina brasileira chama  direitos individuais homogêneos. Sua inserção dentre as hipóteses de cabimento das class action foi consolidada com a reforma de 1966. Diz a lei que esta hipótese é not-mandatory, permitindo-se aos membros da classe desinteressados no provimento coletivo requerer não sejam atingidos pelo efeito da sentença. O cabimento da ação está subordinado também a dois rigorosos requisitos, a chamada prevalência das questões coletivas sobre as individuais e a superioridade do provimento coletivo, "aferindo-se a vantagem, no caso concreto, de não se fragmentarem as decisões"4. Esse critério está assentado na jurisprudência norte-americana: havendo diversidade de situação fática e jurídica entre os vários interesses a defender, não se admite a ação de classe5. O elevado número de sentenças de improcedência em ações individuais envolvendo aplicativos escancara se tratar de interesses claramente heterogêneos. Aliás, contrariando o que alguns presumem, tais sentenças não se restringem a examinar o direito aplicável, mas também as circunstâncias individuais. Algo se torna claro diante dessas decisões: nossa lei necessita revisão. Não há mais como conviver com a dicotomia emprego vs não-emprego. Urgem novas camadas de proteção. __________ 1 A teoria foi assim sintetizada no caso Piper: "[...] a escolha do foro pelo autor raramente deve ser confrontada. Contudo, quando um foro alternativo tiver jurisdição para julgar o caso e o processo no foro escolhido puder 'ser opressivo e vexatório para o réu [...] de forma desproporcional à conveniência do autor' ou quando 'o foro escolhido seja inapropriado por conta de problemas administrativos ou jurídicos próprios do Juízo', este poderá, no exercício de sua discricionariedade, rejeitar a ação. Para nortear a discricionariedade do Juízo, a Suprema Corte [em Gilbert] estabeleceu uma lista de 'fatores de interesse privado' que afetam a conveniência dos litigantes e uma lista dos 'fatores de interesse público' que afetam a conveniência do foro." (REETZ, C. Ryan; MARTINEZ-FRAGA, Pedro J. Forum non conveniens and the foreign forum: a defense perspective, Forum non conveniens and the foreign forum: a defense perspective. The University of Miami Inter-American Law Review, Miami, v. 35, n. 1, p. 2, 2003-2004, p. 4). Alguns ordenamentos de países de civil law recepcionaram a teoria, como se vê, exemplificativamente, do artigo 3135 do Código Civil de Quebec: "Ainda que competente para conhecer do litígio, a autoridade de Quebec pode, excepcionalmente e por iniciativa de alguma das partes, declinar tal competência se verificar que as autoridades de outro Estado podem dar melhor solução ao litígio" (CODE CIVIL. Titre III Compétence Internationale. Lexinter.net. Disponível aqui). Ouça-se MIGUEL CHECA MARTINEZ: "A extensão da doutrina do forum non conveniens tem sido apresentada como um dos métodos que permite corrigir no âmbito angloamericano situações injustas criadas pelo forum shopping. Se o tribunal provocado pelo demandante possuir uma escassa vinculação com o objeto, mas suas regras lhe atribuírem competência judicial, somente será possível evitar o resultado pretendido pelo demandante quando se recorre a esta doutrina. É um artifício (escape device) que flexibiliza as normas sobre competência judicial internacional, permitindo ao juiz verificar a conveniência de serem competentes outros tribunais mais conectados com o objeto. Sua razão de ser se deve à existência de um sistema de competência judicial internacional deficiente e que, portanto, permitia certos excessos (quasi in rem jurisdiction, transient jurisdiction) frente ao demandado, que era colocado em uma situação em que os custos processuais (comparecia em um foro inesperado e alheio às circunstâncias da controvérsia) eram fundamentalmente injustos e precisavam encontrar algum mecanismo de correção." (CHECA MARTINEZ, Miguel. Fundamentos y límites del forum shopping: modelos europeo y angloamericano. Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processuale, Padova, v. 34, n. 3, p. 537, lug./sett. 1998.) 2 DINAMARCO, Pedro. Ação Civil Pública. S. Paulo: Saraiva, 2001.p. 124/125. 3 Da Class Action for Damages à Ação de Classe Brasileira. In: MILARÉ, Édis, (coord.). Ação Civil Pública - Lei 7.347/1985 - 15 anos.  S. Paulo, RT, 2000, p. 21/22. 4 GRINOVER, op. cit., p. 24. 5 GRINOVER, op. cit., pp. 27/28.
Introdução A breve vigência da Convenção n. 158 da OIT em nosso país é por todos conhecida. Ratificada em 5 de janeiro de 1995, ensejou grande controvérsia sobre suas repercussões após promulgação pelo Decreto 1.855, de 10 de abril de 1996, quando então passou a produzir efeitos internos. Nosso modelo constitucional prevê proteção contra dispensa arbitrária (artigo 7º, I, da CF1), regulamentada de forma transitória pelo artigo 10 do ADCT. Outra característica é a garantia de "indenização compensatória", e não de reintegração ou permanência no emprego. A controvérsia decorria do confronto desses critérios constitucionais com o artigo 4º da Convenção n. 158 da OIT: "Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço". À época muitos julgados e autores passaram a sustentar a superação das regras da CF e do ADCT e, em consequência, do direito de rescisão mediante indenização, o que, na prática, significava a reintegração ao emprego. Diante desse cenário de incertezas, o então presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO optou por denunciar a convenção em 20 de novembro de 1996 (decreto 2.100/1996). Os efeitos da denúncia somente se perfazem após um ano (artigo 17.1 da Convenção 158 da OIT). Portanto, nesse interregno manteve-se a insegurança jurídica, mas a interpretação obstativa da dispensa foi barrada pela liminar cautelar na ADI 1480-3 DF (04.09.1997), a qual perdeu objeto poucos meses depois, quando ultimada a denúncia. Contudo, nesse mesmo ano foi ajuizada outra ação perante o STF: a ADI 1625, na qual se discute a validade da denúncia sem deliberação do Congresso Nacional (afronta ao artigo 49, I, da CF) e por outros argumentos. Nessa ADI prevalecem até o momento votos contrários à regularidade da denúncia, mas o julgamento se estende há mais de vinte e cinco anos. Quando há reinclusão da ADI 1625 em pauta, surgem notícias atemorizando as empresas com o risco de insegurança2. A penúltima reinclusão - depois cancelada - ocorreu em 17.03.2021. A última ocorreu na pauta virtual que se iniciou em 21.10.2022 e se encerrará em 28.10.2022. À luz dos precedentes do STF o temor se justifica? É o que pretendemos responder. A Convenção n. 158 da OIT não é auto-aplicável A ideia de um Direito Uniforme aplicável a muitos Estados é antiga, sendo estudada tanto em direito internacional público quando em direito internacional privado. Afinal, sua existência é a antítese do conflito de leis3. Além das diferenças regionais que dificultam a adoção de um Direito Uniforme, há dois fatores específicos da legislação trabalhista: a pluralidade de fontes e o princípio da norma mais favorável. Ainda que se consigam uniformizar, por exemplo, as legislações internas quanto à duração e forma de concessão das férias por intermédio de uma convenção internacional, seus dispositivos constituirão apenas uma garantia mínima, que poderá sempre ser implementada - sem derrogação - por leis específicas e, como é mais usual, por normas coletivas. Hoje a internacionalização não almeja a unidade dos diversos ordenamentos, mas sim sua harmonia, sobretudo nos processos de integração regional e comunitária. Surge, nessa esteira, um Direito Harmônico, diferente do Direito Uniforme. Essa noção tem especial relevância em direito do trabalho. A OIT sempre trilhou o caminho do Direito Harmônico. Propugna a internacionalização de standards de proteção trabalhista, mas muitas vezes sem ditar normas específicas diretamente aplicáveis às relações de trabalho. ARNALDO LOPES SÜSSEKIND4, ao oferecer uma classificação das convenções da OIT conforme a natureza de suas normas, as reparte em convenções auto-aplicáveis, de princípios e promocionais. Apenas as auto-aplicáveis prescindem de regulamentação complementar pelos Estados que as ratificaram, integrando imediatamente seu ordenamento interno. As convenções de princípio dependem da adoção de leis ou outros atos regulamentares pelos Estados e em geral são aprovadas simultaneamente com recomendações complementares, contendo proposições para que se alcance, de forma efetiva, o disposto na convenção. As convenções promocionais fixam determinados objetivos e parâmetros para sua consecução, que deve ser levada a cabo pelos Estados mediante providências sucessivas, a médio e longo prazo. Bem se vê, nesta classificação, que apenas a primeira categoria comporta normas que eventualmente poderiam gerar a uniformidade legislativa entre os Estados; as demais visam assumidamente a harmonia dos ordenamentos. A Convenção n. 158 da OIT não é auto-aplicável, como facilmente se constata de seu artigo 10: "Se os organismos mencionados no artigo 8º da presente Convenção considerarem o despedimento injustificado e se, de acordo com a legislação e a prática nacionais, não puderem ou não considerarem viável anular o despedimento e ou ordenar ou propor a reintegração do trabalhador, ficarão habilitados a ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou qualquer outra forma de reparação que se considere apropriada." Cabe, portanto, ao ordenamento de cada país a regulamentação da proteção contra a despedida arbitrária, não havendo solução única (uniforme) na Convenção n. 158 da OIT. Em 1996, quando ratificada a convenção, muitos autores se manifestaram nesse sentido, como AMAURI MASCARO NASCIMENTO5, ARNALDO LOPES SÜSSEKIND6 e PAULO EMÍLIO RIBEIRO VILHENA7. Esse entendimento também prevaleceu no julgamento da medida cautelar na ADI 1480 MC/DF8. Dito de outro modo, essa foi a posição do próprio Supremo Tribunal Federal à época, ou seja, ainda que em decisão cautelar, acolheu a tese de que a Convenção n. 158 da OIT não é auto-aplicável, mas não houve decisão terminativa por perda de objeto9 em razão da denúncia. Resta saber se as teses da ADI 1480 renascerão em nova ação na hipótese de procedência da ADI 1625. Portanto, a eventual vigência da Convenção n. 158 da OIT, em razão de sua natureza não auto-aplicável, nada interfere nas regras já em vigor, as quais, inclusive, são compatíveis com o teor de seu artigo 10. É claro que a regra transitória do ADCT comporta críticas, mas suas deficiências não serão resolvidas pela vigência da Convenção n. 158 da OIT. A nosso ver não faz sentido a tarifação de indenização única (40% dos depósitos do FGTS, conforme artigo 10, I, do ADCT) qualquer que seja o fundamento da rescisão por iniciativa do empregador. Melhor seria gradação conforme a existência de motivação (vg. técnica ou econômica) ou sua ausência. Assim já escrevemos nesta coluna em co-autoria com LUIZ CARLOS AMORIM ROBORTELLA10. Talvez o retorno da Convenção n. 158 a nosso ordenamento reacenda esse debate para que o artigo 7º, I, da CF seja finalmente regulamentado. Status das convenções ratificadas pelo Brasil Admitindo a premissa de que a Convenção n. 158 da OIT não é auto-aplicável, o debate acerca de seu status perante o direito interno ganha menos importância, mas persiste relevante. Com efeito, uma das teses vencedoras na medida cautelar da ADI 1480 - talvez a mais noticiada11 - é a de que a regulamentação do artigo 7º, I, da CF dependeria de lei complementar, sendo a convenção recebida pelo ordenamento com status de lei ordinária. Esse não foi o único argumento, mas deve ser mencionado pois superado por diversas decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal, inclusive em exame de repercussão geral. Em tese, haveria quatro caminhos possíveis para incorporação da Convenção n. 158 da OIT ao direito interno: a) com status de norma constitucional em interpretação do artigo 5º, § 2º, da CF antes da EC 45/2004 (tese defendida por muitos autores12, mas hoje rejeitada pelo STF); b) com status de norma constitucional em decorrência do artigo 5º, § 3º, da CF[13] (EC 45/2004) se observado o rito específico (a ratificação ocorreu em data anterior à inovação constitucional e sem observar o iter); c) com status de lei ordinária (tese prevalecente no julgamento da medida cautelar na ADI 1480); d) com status supralegal mas infraconstitucional, conforme entendimento hoje prevalecente no STF. A Emenda Constitucional n. 45/2004 superou muitas das discussões ao incluir o § 3º no artigo 5º da Constituição Federal, mas persiste o debate acerca das convenções ratificadas antes da alteração (muito embora o argumento tenha perdido força) e das convenções posteriores quando não observado o iter análogo ao de emenda constitucional. A solução foi construída a partir de muitos precedentes, estando hoje pacificada no Tema 60 de repercussão geral, do qual se extraem os seguintes fundamentos14: "(...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da CF/1988 sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada (...), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH - Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CF/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel." (RE 466.343, rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, P, j. 3-12-2008, DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60.) O STF há muito firmou o entendimento de que os tratados de direitos humanos ratificados sem observância do rito previsto no artigo 5º, § 3º, da CF (inovação de 2004) tem status supralegal, mas não constitucional. Dito de outro modo, fosse a Convenção n. 158 da OIT auto-aplicável (não é) e estivesse em confronto com a regra de rescisão com "indenização compensatória" (não está) ainda assim não se sobreporia ao texto constitucional. Em consequência, mesmo para quem examina o artigo 4º da Convenção n. 158 da OIT de forma apartada de seu conjunto (vg. Artigo 10) e defendendo suposta auto-aplicabilidade, a regra de rescisão mediante indenização compensatória prevaleceria nesse confronto; afinal, estaria em testilha com diploma de status supralegal, mas não constitucional. Conclusões Ainda que a ADI 1625 venha a ser julgada procedente, a retomada da vigência da Convenção n. 158 da OIT, se observados os precedentes do STF, deverá ter poucas repercussões práticas. A convenção não é auto-aplicável e seria incorporada com status supralegal, mas não constitucional, não se sobrepondo, portanto, à possibilidade de rescisão por iniciativa do empregador mediante indenização compensatória (artigo 7º, I, da CF). Em verdade, a Convenção n. 158 da OIT sequer é incompatível com nosso modelo constitucional atual, pois seu artigo 10 não afasta a possibilidade de tutela da dispensa arbitrária mediante indenização, a critério do Estado-membro que a ratifique. O tema já ensejou muitas polêmicas. Dessa forma, na hipótese de eventual procedência da ADI 1625, ainda que extrapolando o objeto daquele processo, ideal seria a confirmação dessa jurisprudência para evitar novos transtornos. Por fim, aproveitamos esta oportunidade para convidar os leitores desta coluna ao seminário on line "Cinco anos da Reforma Trabalhista - Passado, presente e futuro", a ser realizado em 09.11.2022 pelo Migalhas, sob minha coordenação e do Prof. José Pastore. As inscrições estão abertas no site15. __________ 1 "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (...)." 2 Eg. PINTO, Almir Pazzianotto. Convenção n. 158 e insegurança jurídica. O Estado de S. Paulo. Opinião. 30 de junho de 2021. Disponível aqui. 3 "A uniformização do direito substancial pressupõe a elaboração, por exemplo, de normas iguais de direito privado por parte dos diferentes Estados. É evidente que, de ser isto possível, desapareceriam os conflitos espaciais de leis, pois a pesquisa da lei aplicável perderia, praticamente, sua importância, já que as diversas regras passíveis de aplicação a um mesmo caso seriam iguais. Tal solução é, evidentemente, direta, pois resolve, imediatamente, o problema. Mais ainda: evita, mesmo, que ele venha a ser formulado." (RUSSOMANO, Gilda Corrêa Meyer. Direito internacional privado do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 43). 4 SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 1987. p. 182. 5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. As dispensas coletivas e a convenção n. 158 da OIT. Revista LTr - Legislação do Trabalho e Previdência Social. Junho de 1996, p. 470-475. 6 SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. A compatibilidade entre a Convenção OIT-158 e a Constituição Brasileira. Revista LTr - Legislação do Trabalho e Previdência Social. Março de 1996, p. 332/333. 7 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. A Convenção n. 158 da OIT - Vigência e Aplicabilidade. Revista LTr - Legislação do Trabalho e Previdência Social. Março de 1996, p. 751-755. 8 Disponível aqui. 9 Destaca-se da decisão de extinção sem julgamento do mérito: "(...) vê-se, portanto, que a Convenção n. 158/OIT não mais se acha incorporada ao sistema de direito positivo interno brasileiro, eis que, com a denúncia, deixou de existir o próprio objeto sobre o qual incidiram os atos estatais - Dec. Legisl. 68/92 e 1855/96 - questionados nesta sede de controle concentrado de constitucionalidade, não mais se justificando, por isso mesmo, a subsistência deste processo de fiscalização abstrata, independentemente da existência, ou não, no caso, de efeitos residuais concretos gerados por aquelas espécies normativas. (...) Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, julgo extinto este processo de controle abstrato de constitucionalidade, em virtude da perda superveniente de seu objeto." (Disponível aqui). 10 PERES, Antonio Galvão; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Dispensa coletiva na pauta do STF. Polêmicas. Coluna Direito Trabalhista nos Negócios. Migalhas. Disponível aqui.  11 Assim noticiou a FOLHA DE SÃO PAULO: "O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou ontem a aplicação, no Brasil, de normas da Convenção 158, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que exigiriam a reintegração compulsória dos trabalhadores nos casos de demissão arbitrária. Esses dispositivos da convenção vinham fundamentando decisões da primeira instância da Justiça do Trabalho favoráveis aos empregados, segundo ministros do STF. Por sete votos a quatro, o plenário concedeu parcialmente liminar à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pela CNI contra os decretos legislativo, de 92, e presidencial, de 96, que deram eficácia à convenção no país. Para a maioria dos ministros, só se aplicam ao direito brasileiro as normas da convenção que coincidam com os dispositivos da Constituição e da legislação trabalhista brasileira. Pela Constituição, a demissão sem justa causa será compensada com indenização de 40% sobre o valor dos depósitos no FGTS. A decisão do STF, embora em caráter provisório (liminar), deverá influenciar as novas decisões da Justiça trabalhista nessa questão. A polêmica sobre a aplicação desse tratado no Brasil levou o governo a pedir revisão da adesão, segundo um dos ministros do STF. Ele afirmou que as regras da convenção só devem valer no país até novembro deste ano. Os ministros Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Marco Aurélio de Mello e Sepúlveda Pertence foram vencidos no entendimento de que a convenção era auto-aplicável ao direito brasileiro. A maioria entendeu que ela corresponderia a uma lei ordinária. A Constituição prevê a edição de lei complementar para regulamentar a "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa" (artigo 7º, inciso 1º). Até hoje, a lei complementar ainda não foi aprovada." (STF invalida regras da Convenção 158 no país. Folha de S. Paulo. 5 de setembro de 1997. Caderno Mercado. Disponível aqui). 12 Eg. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. S. Paulo: Max Limonad, 1996. P. 82-83. e TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 631. 13 § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.   14 Merece também referência precedente da lavra da Min. ELLEN GRACIE: "A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do PIDCP (art. 11) e da CADH - Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da CF/1988, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.(HC 95.967, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª T, j. 11-11-2008, DJE 227 de 28-11-2008.) O entendimento é reprisado em julgados mais recentes, como neste voto da lavra do Min. LUIZ FUX: "Esse caráter supralegal do tratado devidamente ratificado e internalizado na ordem jurídica brasileira - porém não submetido ao processo legislativo estipulado pelo art. 5º, § 3º, da CF/1988 - foi reafirmado pela edição da Súmula Vinculante 25, segundo a qual "é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito". Tal verbete sumular consolidou o entendimento deste Tribunal de que o art. 7º, item 7, da CADH teria ingressado no sistema jurídico nacional com status supralegal, inferior à CF/1988, mas superior à legislação interna, a qual não mais produziria qualquer efeito naquilo que conflitasse com a sua disposição de vedar a prisão civil do depositário infiel. Tratados e convenções internacionais com conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação." [ADI 5.240, voto do rel. Min. Luiz Fux, P, j. 20-8-2015, DJE 18 de 1º-2-2016.]  15 Disponível aqui.
Em 04 de maio de 2022 a MP 1.116 e o Decreto 11.061 introduziram profundas mudanças no modelo de aprendizagem no Brasil. As inovações são criticadas por alguns e festejadas por outros, gerando incerteza sobre o resultado da tramitação no Congresso Nacional. Essas polêmicas serão examinadas no webinar "MP 1.116/2022 e Decreto 11.061/2022. Perspectivas para a aprendizagem no Brasil" que organizamos com o Migalhas para o próximo dia 30.06.2022. As inscrições estão abertas1. O escopo do webinar é apresentar visões diversas sobre as mudanças, sendo exemplo as divergências entre o CIEE e o SENAI. MONICA BATISTA V. DE CASTRO - especialista do CIEE que estará presente no webinar - criticou as inovações no jornal O Povo de 14.05.20222: "(...) todo o programa aprendiz está ameaçado. A publicação da Medida Provisória 1116 e do Decreto 11.061 no último dia 4/5/2022 visa mudar de forma drástica e irresponsável todas as diretrizes deste programa, observando-se a desestabilização de práticas que estavam mudando e ressignificando a vida de muitos jovens. As publicações alteram muitos princípios da aprendizagem, como a suspensão de multa para empresas que não estão cumprindo a cota, a condição especial para setores com baixa contratação de aprendizes, a contabilização do aprendiz mesmo após a sua efetivação, a contabilização do dobro de aprendizes caso o jovem ou adolescente seja vulnerável, entre outros. Essas medidas geram uma série de reflexões. Podemos chamar de "incentivo" ao emprego propostas que fazem o jovem vulnerável ou com deficiência, se contratado, "valha" por dois? Ou mesmo, ao efetivar um aprendiz, uma empresa ficar desobrigada de abrir uma nova vaga por um ano? Quantos jovens deixarão de ter acesso ao mundo do trabalho devido a esses tais "incentivos"? Na concepção do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE - e de tantas outras instituições que trabalham há anos com a aprendizagem -, o novo regramento é danoso aos jovens, pois reduz o acesso ao mundo do trabalho e precariza a aprendizagem." No outro extremo, EDUARDO RODRIGUES, da Agência Estado, destaca que "ao contrário de outras entidades da aprendizagem, SENAI apoia MP que altera jovem aprendiz"3. Destaca o SENAI o baixo índice de cumprimento da cota no modelo atual, o pequeno percentual de aprendizes "efetivados" nas empresas e a alta concentração em atividades administrativas, embora outras não sejam preenchidas. A partir dessas premissas, o gerente executivo de Educação Profissional e Tecnológica da CNI, Felipe Esteves Pinto Morgado, pondera: "Não adianta formar 500 mil aprendizes por ano, sendo que eles não conseguem entrar no mercado de trabalho. A MP permite que o aprendiz dê continuidade aos seus estudos. Não estamos falando de estagiários de luxo, não é um aprendiz tecnólogo na largada. Mas a indústria é mais complexa e exige formação mais diferenciada." Várias questões surgem em face desses novos critérios: a) A ação afirmativa para estimular a contratação de jovens vulneráveis (agora contados em dobro na cota) é válida ou compromete o instituto por potencialmente reduzir o número total de aprendizes? b) Manter o aprendiz "efetivado" por mais doze meses na contagem da cota é estímulo razoável para a "efetivação" ou censurável por reduzir a cota para novos aprendizes? c) As mudanças nos prazos máximos, o tratamento especial ao deficiente e a ampliação de cursos e entidades qualificadas são adequados ou podem precarizar o instituto? Em um país que há décadas sofre com a baixa qualificação profissional e péssimos índices na educação em geral4, o tema é de grande relevância e deve ser enfrentado com seriedade. Algo precisa ser feito, mas estaríamos no caminho certo? É o que se pretende esclarecer com as lições de renomados especialistas nesse webinar. Nesta coluna de hoje não faremos spoiler das teses e argumentos. Preferimos destacar aspecto já tratado em outras oportunidades: a base de cálculo da cota, objeto de sutil alteração. Como se sabe, nos termos do artigo 428 da CLT, "o empregador se compromete a assegurar" ao aprendiz "formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação". Muitas atividades são obviamente incompatíveis com a aprendizagem, tais como corte de cana, carga e descarga de caminhões, limpeza de calçadas e outras, eis que não exigem formação profissional sistemática e metódica. Coerentemente, a base de cálculo da cota prevista no artigo 429 é o "número de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional". Funções que dispensam formação profissional metódica não podem ser consideradas para cota de aprendizes, mas, na prática, empresas são autuadas em razão de interpretação ampliativa dos critérios. O artigo 429 da CLT, ao restringir a base de cálculo às funções que "demandem formação profissional", é absolutamente coerente com as finalidades da aprendizagem. Lamentavelmente sua aplicação vem sendo deformada pela equivocada interpretação do sistema legal, até mesmo cristalizada em normas de hierarquia inferior como decretos e regulamentos. O artigo 10 do Decreto n. 5598 de 2005 inovou ao dispor que a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO deve ser considerada "para a definição das funções que demandem formação profissional", posteriormente mantida pelo artigo 52 do Decreto 9.579 de 2018. Todavia, esse critério se indispõe claramente com letra e finalidade do artigo 429 da CLT acima reproduzido, em razão da enorme amplitude da CBO, alcançando atividades incompatíveis com o conceito legal de aprendizagem tais como "embaladores a mão", "trabalhadores de carga e descarga" e "garis". Para piorar, há contradições intoleráveis na CBO, como "trabalhadores de carga e descarga" (código 78325): "Para o exercício dessas ocupações não se requer nenhuma escolaridade e cursos de qualificação. O tempo de experiência exigido para o desempenho pleno da função é de menos de um ano. A(s) ocupação(ões) elencada(s) nesta família ocupacional, demandam formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos, nos termos do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, exceto os casos previstos no art. 10 do decreto 5.598/2005." É visível o paradoxo. A CBO reconhece desnecessárias escolaridade e qualificação nessa atividade e, ao mesmo tempo, afirma necessária a formação profissional e a inclui na base de cálculo da aprendizagem. Sempre sustentamos6 que a CBO não deve ser tomada em termos absolutos, por se tratar de mero indicativo. Em face da lei, estão excluídas da base de cálculo da cota funções que exijam cursos de nível técnico ou superior, cargos de confiança e as que dispensam formação profissional metódica. A CBO deve ser aplicada com adequação ao texto legal e, portanto, apenas atividades compatíveis com o artigo 428 da CLT valem para o número mínimo e máximo de aprendizes. Os tribunais frequentemente adotam esta posição moderada, que respeita os objetivos da legislação: "MANDADO DE SEGURANÇA - MENOR APRENDIZ - FIXAÇÃO DA COTA - FUNÇÕES QUE EXIJAM FORMAÇÃO PROFISSIONAL - Nos termos dos artigos 428 e 429 da CLT, para a quantificação do número de aprendizes a serem contratados, considera-se apenas as funções que dependam de formação técnico-profissional metódica, caracterizada por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressivas, desenvolvidas no ambiente de trabalho. Assim, mantém a segurança deferida em primeiro grau, a autoridade coatora não observou o referido requisito, fixando o numero de aprendizes com base apenas no fato de as funções estarem catalogadas na Classificação Brasileira de Ocupações, elaborada pelo Ministério do Trabalho em Emprego." (TRT 03ª R. - RO 1490/2009-019-03-00.6 - Rel. Juiz Conv. Fernando Luiz G. Rios Neto - DJe 06.12.2010 - p. 142).  "CONTRATAÇÃO DE MENORES APRENDIZES, RESTRIÇÕES - Ainda que o artigo 10 do Decreto 5.598/05 indique que a Classificação Brasileira de Ocupações deva ser considerada para definição das funções que demandam formação profissional, como quer a União Federal, essa conceituação não pode ser dissociada dos critérios maior de que a contratação para aprendizagem, deve visar sempre e principalmente a formação educacional dos aprendizes." (TRT 03ª R. - RO 613/2010-105-03-00.0 - Rel. Juiz Conv. Milton V. Thibau de Almeida - DJe 27.04.2011 - p. 81). "CONTRATO DE APRENDIZAGEM - FIXAÇÃO DA COTA - FUNÇÕES QUE DEMANDAM FORMAÇÃO TÉCNICO PROFISSIONAL - Nos termos do que se afere do artigo 428 da CLT, a formação técnico profissional ofertada pelo empregador no contrato de aprendizagem deve contribuir para o aprimoramento físico, moral e psicológico do aprendiz, viabilizando, com o trabalho, a vivência prática dos ensinamentos teóricos que lhe foram repassados no ensino fundamental ou nos cursos de formação profissional. A indicação pela Classificação Brasileira de Ocupações não é, por si só, fator suficiente para autorizar a contratação para aprendizagem se as funções ali enquadradas como de formação técnico profissional não demandam aprimoramento intelectual." (TRT 03ª R. - RO 674/2010-107-03-00.0 - Rel. Des. Emerson Jose Alves Lage - DJe 07.03.2011 - p. 119).  Há julgados contrários, levando ao absurdo de, interpretando elasticamente a CBO, incluir o trabalhador da cultura de cana-de-açúcar na base de cálculo da cota:  "FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO - APRENDIZES - TRABALHADOR DA CULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR - INCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO - De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, o trabalhador da cultura de cana-de-açúcar integra a base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos, nos termos do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho." (TRT 17ª R. - RO 43100-33.2008.5.17.0161 - Relª Desª Claudia Cardoso de Souza - DJe 24.02.2011 - p. 66).  É um grave equívoco. Quando se aplica de forma simplista a CBO, aumenta-se ilegal e artificialmente a cota de aprendizes, com desastrosas repercussões sociais e econômicas. 7. O Decreto 11.061/22, ao alterar o artigo 52 do Decreto 9.579 de 2018, enfrentou novamente esse tema com critérios mais objetivos para o manuseio da CBO, mas não resolveu o impasse. Eis a nova redação: "Art. 52.  Para a definição das funções que demandem formação profissional, será considerada a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Previdência. § 1º Ficam excluídas da definição de que trata o caput: I - as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível superior, exceto as funções que demandem habilitação profissional de tecnólogo; ou II -  as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do disposto no inciso II do caput e no parágrafo único do art. 62 e no § 2º do art. 224 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. § 2º Deverão ser incluídas na base de cálculo: I - as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos de idade; II - as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de técnico de nível médio; e III - as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de tecnólogo." A referência à "formação profissional" como indicativo para a CBO, mesmo constando das normas regulamentares anteriores, não impedia desvios. Agora há novo detalhamento nos acréscimos dos incisos II e III do artigo 52, § 2º, mas no caput e no inciso I a redação é muito aberta. Para afastar dúvidas melhor seria, no caput do artigo 52, a mesma redação do artigo 428 da CLT, ou seja, "formação técnico-profissional metódica". A rigor, toda e qualquer profissão, simples que seja, exige alguma formação. Mas o contrato de aprendizagem está atrelado à "formação técnico-profissional metódica". Isso é que deveria prever o decreto e, mais especificamente, os exemplos concretos da CBO, privilegiando a interpretação teleológica. Resta saber se a CBO corrigirá as inconsistências que carrega há muitos anos. Convidamos o leitor a um desafio: encontrar na CBO atividade incompatível com a aprendizagem que não esteja prevista no artigo 52, § 1º, acima citado: são raríssimas. Não vale, é claro, a referência à profissão mais antiga do mundo7. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 11.05.2022. 4 Em reportagem de 17.06.2021, a CNN destaca estudo elaborado pelo IMD World Competitiveness Center envolvendo 64 países indicando que a "educação brasileira está em último lugar em ranking de competitividade". Segundo esse estudo, as perspectivas são ainda piores: "A perspectiva é que os próximos indicadores apontem para um agravamento na qualidade da educação brasileira, devido às implicações da pandemia de Covid-19 na aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades dos estudantes. Para se ter uma ideia, o período de fechamento das escolas no Brasil é maior do que nos países da OCDE, em média. Até o fim de junho deste ano, a média da OCDE era de 14 semanas, enquanto que no Brasil as escolas permaneciam fechadas há 16 semanas. O baixo desempenho do Brasil na educação implica ainda em uma baixa qualificação dos profissionais no mercado de trabalho. No estudo do IMD World Competitiveness Center, o país é o 63º colocado em relação à relevância da educação primária e secundária para as exigências do sistema produtivo." 5 Disponível aqui. Essa contradição se repete em muitos outros exemplos (na mesma família, veja-se o caso dos estivadores - 7832-20). Na família 6220 diz a CBO que "o exercício das ocupações requer ensino fundamental (jardineiro e trabalhador na produ ção de mudas e sementes) e até a quarta série do mesmo nível (caseiro e trabalhador volante da agricultura).a qualificação é obtida na prática, exceto o trabalhador na produção de mudas e sementes, que demanda curso básico profissionalizante de até duzentas horas/aula. o pleno desempenho das atividades ocorre após alguns meses de prática (caseiro e trabalhador volante) e de um a dois anos para os demais. A(s)ocupação(ões)elencada(s) nesta família ocupacional demanda formação profissional para efeitos do (...)." 6 Capítulo "Contratos de aprendizagem. Critérios para aferição da cota em face da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)", da obra coletiva "Novos dilemas do trabalho, do emprego e do processo do trabalho: homenagem ao professor Ari Possidonio Beltran", coordenada por Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Carlos Francisco Berardo. S. Paulo: LTr, 2012. "Aspectos jurídicos da aprendizagem: problemas e soluções". Revista de direito do trabalho. v. 40. n. 157. S. Paulo.  maio/jun. 2014. p. 47-62.  "Contratos de aprendizagem e a polêmica CBO". Revista Justiça e Cidadania. n. 138. Rio de Janeiro. Fevereiro de 2012. p. 36-39. 7 Disponível aqui.
"...escrever sobre escrever é o futuro do escrever..." Haroldo de Campos (Galáxias) O tema 1046 de repercussão geral no STF foi objeto de nossa coluna neste Migalhas no dia 16/5/20221. O julgamento somente ocorreu em 02.06.2022, prevalecendo por ampla maioria de votos a tese favorável à "prevalência do negociado sobre o legislado". Para rememorar, eis o tema original: "Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente." Ao cabo, a tese firmada conforme certidão de julgamento: "O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.046 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Em seguida, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux (Presidente), impedido neste julgamento, e o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber, Vice-Presidente. Plenário, 2.6.2022." Nesta sociedade onde tudo é instantâneo, estão borbotando críticas, dúvidas e interpretações divergentes acerca da expressão "absolutamente indisponíveis". Já surgem interpretações elásticas e ampliativas do conceito de  direitos absolutamente indisponíveis com a finalidade óbvia de  reduzir o alcance da histórica decisão do STF. Para essa doutrina são absolutamente indisponíveis os direitos sociais dos trabalhadores referidos na Constituição Federal, além de outros previstos em tratados e convenções internacionais. São conhecidas as "fórmulas gerais" para defesa radical da indisponibilidade. Além da interpretação tópica a partir da constitucionalização de direitos do 7º da CF, são frequentemente invocados os princípios do "não retrocesso social" e da "dignidade da pessoa humana", que trazem conceitos muito abertos, polissêmicos, válidos para qualquer norma jurídica. Merecem até crítica de magistrados como OTAVIO CALVET2: "Acostumamo-nos a nos sentir os paladinos da justiça social, como o próprio Tribunal Superior do Trabalho se identifica em buscas do site Google. Arvoramo-nos na soberba de acharmos que sabemos melhor as necessidades do trabalhador, como deveria ser a legislação e nos orgulhamos da atuação que efetiva uma verdadeira distribuição de riquezas. Se o Poder Legislativo cria uma lei que entendemos precarizante, ou simplesmente ruim, ignora-se a produção legislativa. Basta encontrar algum fundamento constitucional para justificar uma solução conforme a vontade do julgador. Na pior das hipóteses, basta dizer que há lesão ao valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana e, a pérola do momento: retrocesso social. Se os próprios trabalhadores negociam, como garante a Constituição e a lei em vigor, condições de trabalho que entendemos ruins, simples, basta anular o negócio jurídico por lesivo às conquistas sociais, vedação ao retrocesso e, adivinhem, lesão ao valor social do trabalho e à dignidade da pessoa humana." Cabe indagar: qual o alcance pretendido pelo STF? Qual o sentido da ressalva aos direitos "absolutamente indisponíveis"? Embora possa haver distância entre o autor, as palavras e o leitor, o direito tem princípios e normas de interpretação que permitem extrair o conteúdo lógico, axiológico e teleológico das normas jurídicas e decisões judiciais. A função precípua dos signos - dentre os quais as palavras - é indicar determinados objetos-referentes que se supõem conhecidos pelos interlocutores3. Essa suposição decorre de convenções. Trata-se de constatação nada nova, como demonstra PLATÃO4 ao revelar a perseguição pela dita palavra justa, pretensamente semelhante ao objeto-referente: "... a mim também me agrada que o quanto possível os nomes sejam semelhantes às coisas; mas temo que na verdade, segundo a expressão de Hermógenes, seja forçado a puxar assim pela semelhança, e que seja necessário lançar mão deste grosseiro recurso, a convenção, para a justeza dos nomes. Pois talvez do mais belo modo possível falaria quem falasse com todas ou com a maior parte de palavras semelhantes, isto é, apropriadas, e do mais feio em caso contrário." Realmente, a interpretação puramente textual é terreno propício para divergências. Essa interpretação é sempre circular, ou seja, deve-se analisar cada palavra (signo) à luz das que a precedem e sucedem. O sentido isolado de cada palavra é lançado de uma a outra, se entrelaçando. Daí a lição de KARL LARENZ5: "O processo do compreender tem o seu curso, deste modo, não apenas em uma direção, 'linearmente', como uma demonstração matemática ou uma cadeia lógica de conclusões, mas em passos alternados, que têm por objetivo o esclarecimento recíproco de um mediante o outro (e, por este meio, uma abordagem com o objetivo de uma ampla segurança). Este modo de pensamento, que é estranho às ciências 'exatas' e que é descurado pela maioria dos lógicos, é na Jurisprudência de um grande alcance." Essas idéias - tão elementares na interpretação jurídica - são aplicáveis não apenas aos conjuntos de palavras, mas também ao encadeamento de textos. Portanto, um valor essencial na interpretação de decisões judiciais assenta na correlação entre o dispositivo e a fundamentação e, de maneira mais ampla, nos precedentes dos mesmos magistrados ou tribunais. A interpretação também possui critérios públicos6, que decorrem da própria natureza convencional (arbitrária) dos signos. Nessa esteira, o direito não aponta simplesmente as interpretações equivocadas. Pressupõe, em nome da segurança jurídica, uma só  interpretação correta ou, ao menos, mais correta que as demais. Como disse FERRARA, a interpretação "é a atividade central que se desenvolve na aplicação do direito"7. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR8 estuda a tensão entre dogma e liberdade: "....para a tradição da ciência jurídica, esta tensão significa que não apenas estamos obrigados a interpretar, como também que deve haver uma interpretação (e, pois, um sentido) que prepondere e ponha um fim (prático) às múltiplas possibilidades interpretativas. Eis aí o problema hermenêutico da decidibilidade, isto é, da criação das condições para uma decisão com o mínimo de perturbação social possível." Aqui reaparece o fenômeno circular: a decisão judicial interpreta a norma à luz do caso concreto, estando ela, por sua vez, sujeita a interpretação quanto ao seu exato conteúdo concreto.  Esse problema aflora na interpretação das súmulas dos tribunais, das orientações jurisprudenciais e das teses de repercussão geral. A tais verbetes caberia pacificar determinado pensamento após ampla celeuma na jurisprudência. Sua função é definir a melhor interpretação. Mas surge um paradoxo: não raro criam eles próprios divergências de interpretação, o que nos faz voltar à origem do problema. No caso concreto, do ponto de vista circular da interpretação, não há como ignorar que o advérbio "absolutamente" demonstra haver gradação de indisponibilidade. Segundo o STF, o limite da negociação coletiva é muito amplo: só não pode roçar no direito "absolutamente" indisponível. Mas há um outro problema ligado à coerência do Judiciário. Como dito na coluna de 18.05.2022, os três graus da Justiça do Trabalho vêm recusando o sobrestamento de processos relacionados ao tema 1046 quando o tema concreto está expressamente referido na Constituição Federal. Diante do extenso rol do artigo 7º, tal interpretação reduz sensivelmente o alcance do sobrestamento amparado no artigo 1035 do CPC, o que levou ao acolhimento no STF de várias reclamações constitucionais. Houve certa distinção entre direitos "regulamentados" na Constituição Federal e os apenas nela "referidos" ou "previstos". Como no exemplo dado naquela coluna, a CF prevê descansos preferencialmente aos domingos, mas assim mesmo era inafastável o  sobrestamento com base no tema 1046 quando a norma coletiva estabelecia a quantidade de dias de  repouso dominical9. Há outros exemplos. Na Rcl. 42.440-AgR assentou-se a potencial incidência do tema à definição de atividades insalubres, pois nada impede "a possibilidade de negociação coletiva do trabalho alcançar os indicadores legais concernentes ao adicional de insalubridade prescrito no art. 7º, XXIII, da CF/88". Ao que parece, a substituição de "constitucionalmente assegurados" por "absolutamente indisponíveis" não ocorreu por acaso, mas sim com objetivo de evitar visões hermenêuticas que comprometam o sentido buscado pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive ratificando precedentes colhidos em reclamações constitucionais e na jurisprudência já então "dominante" (adjetivo utilizado no acórdão que admitiu a repercussão geral). Em resumo, além do advérbio "absolutamente", outra bússola para  interpretação são os próprios precedentes do STF, especialmente nas reclamações constitucionais em que se discutiu, para fins de sobrestamento, a incidência do tema 1046. Há que atentar também para os demais critérios definidos pelo próprio legislador, nem sempre cumpridos nos tribunais. Os novos artigos 8º, § 3º, 611-A e 611-B da CLT consagram os limites da negociação e o "princípio de intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva". No direito comparado há debate sobre o sentido de "normas imperativas" resguardadas nos contratos internacionais de trabalho, que se desenvolvem em diferentes países, mesmo com a crescente liberdade de negociação. Por exemplo, se o contrato escolhe a lei norte-americana, e o trabalho é executado de forma habitual em solo espanhol, as "normas imperativas" espanholas são aplicáveis. A definição genérica do conteúdo das "normas imperativas" consta da Diretiva n. 96/71/CE da União Europeia10. São critérios semelhantes aos do artigo 611-B da CLT, com exceção da referência aos "períodos máximos de trabalho e períodos mínimos de descanso" (vale lembrar que ali se cuida de negociação individual). Outro vetor interpretativo, considerando a ratificação pelo Brasil da Convenção n. 98 da OIT, se extrai das decisões do Comitê de Liberdade Sindical, compiladas em forma de ementas11. Há uma importante questão prática.  Havendo desrespeito à tese fixada para o tema 1046 são, em regra, incabíveis reclamações constitucionais de imediato, como se lê no artigo 988, § 5º, II, do CPC12. Isto cria verdadeiro paradoxo: mais de 60.000 processos sobrestados na Justiça do Trabalho aguardando a definição do tema 1046 pelo STF. Agora, firmada a tese, o Juiz do Trabalho pode desrespeitá-la e a parte prejudicada terá que esgotar todos os recursos cabíveis nas instâncias ordinárias antes do STF. Alcançado o STF, a tese é vinculante. É claro que a regra se justifica porque o Supremo efetivamente não é instância ordinária, mas nesse tormentoso percurso muito se perderá. Situação análoga ocorreu com o tema 1075 de repercussão geral. Mesmo após a definição da aplicabilidade do artigo 93, II, do Código de Defesa do Consumidor (competência de capital do Estado ou do DF) para ações civis públicas de efeitos nacionais ou regionais, certos  magistrados do trabalho continuaram desprezando o critério. Infelizmente, há razões para se prever (e temer) certa indisciplina judiciária em relação ao tema 1046. A despeito do rigor do artigo 988, § 5º, II, do CPC, parece cabível reclamação constitucional imediata em situações excepcionais, como, por exemplo, antecipação de tutela que contraria teses de repercussão geral. Afinal, por seus efeitos imediatos, não podem se submeter ao esgotamento das instâncias ordinárias. A coerência do sistema deve ser preservada, privilegiando-se a instrumentalidade das formas. Estes são apontamentos iniciais sobre a aplicação prática da tese firmada no tema 1046 de repercussão geral. __________ 1 Disponível aqui. 2 CALVET, Otavio Torres. Negociado x legislado ou STF x Justiça do Trabalho. 3 PERES, Antonio Galvão. Vividez constitucional - Ensaio sobre a interpretação das normas constitucionais. In: FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues de (coord.). Direitos humanos e direito do trabalho. S. Paulo: Editora BH, 2006. 4 PLATÃO. Crátilo, apud BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. S. Paulo: Cultrix, 1997. p. 39. 5 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 286-287. 6 O processo autor-texto-leitor pressupõe parâmetros consensuais, como se depreende desta interessante passagem de UMBERTO ECO: "Algumas teorias da crítica contemporânea afirmam que a única leitura confiável de um texto é uma leitura equivocada, que a existência de um texto só é dada pela cadeia de respostas que evoca e que, como Todorov sugeriu maliciosamente (citando Lichtenberg a propósito de Boehme), um texto é apenas um piquenique onde o autor entra com as palavras e os leitores com o sentido. Mesmo que isso fosse verdade, as palavras trazidas pelo autor são um conjunto um tanto embaraçoso de evidências materiais que o leitor não pode deixar passar em silêncio, nem em barulho. Se bem me lembro, foi aqui na Inglaterra que alguém sugeriu, anos atrás, que é possível fazer coisas com palavras. Interpretar um texto significa explicar porque essas palavras podem fazer várias coisas (e não outras) através do modo pelo qual são interpretadas. Mas se Jack, o Estripador, nos dissesse que fez o que fez baseado em sua interpretação do Evangelho segundo São Lucas, suspeito que muitos críticos voltados para o leitor se inclinariam a pensar que ele havia lido São Lucas de uma forma despropositada. Os críticos não voltados para o leitor diriam que Jack, o Estripador, estava completamente louco - e confesso que, mesmo sentindo muita simpatia pelo paradigma voltado para o leitor, e mesmo tendo lido Cooper, Laing e Guattari, muito a contragosto eu concordaria com que Jack, o Estripador, precisava de cuidados médicos. Entendo que meu exemplo é um tanto forçado e que mesmo o desconstrucionista mais radical concordaria comigo (assim espero, mas quem é que pode saber?). Mesmo assim, penso que até um argumento paradoxal como esse deve ser levado a sério. Ele prova que existe pelo menos um caso em que é possível dizer que uma determinada interpretação é ruim. Segundo os termos da teoria de pesquisa científica de Popper, isso é o suficiente para refutar a hipótese de que a interpretação não tem critérios públicos (ao menos em termos estatísticos)." (ECO, Umberto. Interpretação e História, in ECO, Umberto (org.) Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 28-29). 7 Apud VIDAL NETO, op. cit.. p. 43. 8 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1995. p. 264. 9 O acórdão em agravo regimental está disponível aqui. 10 Disponível aqui. 11 Disponível aqui. 12 § 5º É inadmissível a reclamação:             (...) II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.             
O acórdão ainda não foi publicado, mas os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 323 confirmam a prevalência do entendimento refratário à ultratividade das normas coletivas então contemplada na Súmula 277 do C. TST1. Como se sabe, esse verbete teve a redação radicalmente alterada após a Emenda Constitucional n. 45 e passou a consagrar a ultratividade, ou seja, a incorporação das cláusulas coletivas aos contratos individuais, após o prazo do acordo ou convenção, mesmo que as partes não as tenham renovado. O voto do Exmo. Min. GILMAR MENDES assim explica a mudança:  "O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho objeto desta ADPF tem como fundamento a alteração redacional feita pela EC 45/2004 no § 2º do art. 114 da Constituição Federal, que passou a prever que, na recusa de " qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente ". A Corte trabalhista passou a interpretar a introdução do vocábulo "anteriormente" à expressão "convencionadas" como suposta reinserção do princípio da ultratividade condicionada da norma coletiva ao ordenamento jurídico brasileiro, revogada, como já dito, no ano de 2001 pela Lei n. 10.192 /01. (...) Entretanto, o TST valeu-se de alteração meramente semântica, que não pretendeu modificar a essência do dispositivo constitucional e, consequentemente, aumentar o âmbito de competências da Justiça do Trabalho."  Como bem explica esse voto com amparo na doutrina do Min. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, a palavra "anteriormente" não guarda relação com a ultratividade. Bem ao revés, foi inserida como novo limite ao anômalo "Poder Normativo" da Justiça do Trabalho (inclusive condicionado ao comum acordo das partes). Esse transtorno para a livre negociação coletiva - "um 'quiproquó jurídico' que espanca a segurança jurídica", segundo ANTONIO CARLOS AGUIAR2 - já havia sido superado com a suspensão, em 2016, da eficácia da súmula pelo STF3, confirmada no Plenário. Agora houve julgamento do mérito da ação, com oito votos contrários à ultratividade. Vale transcrever o texto impugnado no STF:  "As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho".   Na verdade, desde 2017 esse verbete se tornara incompatível com o novo artigo 614, parágrafo 3º, da CLT:  "Não será permitido estipular duração de convenção ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade".  A rigor, também era incompatível com as modificações da lei 10.192/01. Em nossa opinião, a Súmula 277 consagrava verdadeiro retrocesso em face das tendências do direito coletivo nos sistemas jurídicos modernos. Incorporava a norma aos contratos individuais de trabalho, independentemente do prazo estabelecido no instrumento coletivo, enquanto não houvesse nova negociação. Promovia a sacralização dos direitos individuais advindos da negociação coletiva. Tão sólida integração aos contratos individuais, depois de expirado o prazo do convênio coletivo, desestimula a concessão de direitos nas futuras tratativas entre capital e trabalho. Tal rigidez é incompatível com a natureza da norma coletiva. A negociação deve ter flexibilidade para modificar condições contratuais ou mesmo derrogar cláusulas, como ocorre em vários sistemas jurídicos, sendo tradicional no direito alemão.4 É claro que há sistemas distintos no direito comparado, como inclusive destaca o voto do Min. GILMAR MENDES, mas, para o bem da negociação, as normas coletivas não têm e não podem ter a vocação da eternidade. Afinal, vantagens negociadas que geram ou reduzem benefícios individuais não perdem sua natureza de normas coletivas autônomas, com prazo determinado. Expirado o prazo sem renovação, não há como garantir direitos individuais que não mais correspondem à vontade das partes no plano coletivo. A norma negociada não tem a natureza alterada pelo fato de incidir sobre relações individuais. Sempre será expressão da autonomia coletiva. A liberdade de negociar para melhor - mas também para pior - é prerrogativa que enriquece a ação sindical.5 Manter a norma anterior para afastar o chamado vazio normativo - vazio esse inexistente diante da aparatosa legislação, como bem anota o voto condutor na ADPF - significa obrigar as empresas a manter benefícios que possam ter se tornado insustentáveis em uma situação de crise econômica ou obrigar os empregados a aceitar a manutenção de cláusulas in pejus outrora negociadas e hoje sem mais razão de ser. Nesse cenário, bastaria a uma das partes travar a negociação para submeter a outra a seus desígnios. SANTIAGO PÉREZ DEL CASTILLO faz analogia da expiração do prazo da norma coletiva com a revogação da lei que, a partir desse momento, não mais incide sobre a relação jurídica.6 Na doutrina espanhola, o direito adquirido deriva de condições mais benéficas negociadas individualmente, não se podendo adotar o mesmo critério quando se trata de normas coletivas. Para MONTOYA MELGAR, citando o Estatuto dos Trabalhadores, a convenção posterior revoga a anterior (art. 86.4), podendo suprimir benefícios assegurados anteriormente, como se vê na jurisprudência (TS/SOC 30.3 y 16.11.2006)7. A manutenção de condições mais benéficas contidas em normas coletivas, como se direitos adquiridos fossem, bloqueia a regulação convencional e até mesmo estatal, das condições de trabalho. Ademais, em certos casos pode criar dois tipos de trabalhadores, com regimes distintos, inviabilizando o planejamento empresarial.8 Na Espanha, desde 2012, após a reforma laboral, o artigo 86, 3, do Estatuto dos Trabalhadores dispõe que, "transcurrido un año desde la denuncia del convenio colectivo sin que se haya acordado un nuevo convenio o dictado un laudo arbitral, aquel perderá, salvo pacto en contrario, vigencia y se aplicará, si lo hubiere, el convenio colectivo de ámbito superior que fuera de aplicación". Essa regulamentação teve reviravolta com o polêmico Real Decreto-Ley 03/2021, de 28 de dezembro de 2021. Alguns sistemas admitem a ultratividade, como o argentino. O artigo 6º. da Lei 14.250, de 1988, estabelece a ultratividade da convenção até que outra a substitua, salvo se assim não estabelecerem as partes. Para o professor CESAR ARESE, "la supervivencia ope legis y por tempo indeterminado de un CCT ciertamente no se ajusta a los principios y naturaleza de la institución, es decir, la temporalidad, adaptabilidad, reflejo de las relaciones de poder y de equilibrio entre las partes". Pondera, por outro lado, que preserva a segurança jurídica normativa, suprime possíveis vazios, evita a dispersão convencional, protege a aplicabilidade, conserva o nível normativo alcançado, iguala custos laborais e competição empresarial.9 Em sentido contrário, dizia KROTOSCHIN que, se a lei não se incorpora ao contrato individual de trabalho, o mesmo se dá com a norma coletiva. Somente condições individualmente negociadas não mais podem ser retiradas ou alteradas para pior.10 A norma coletiva, por pertencer à classe das normas jurídicas autônomas, ao lado das heterônomas, não se confunde com a cláusula contratual e, assim, deve ter validade restrita ao período de vigência. Apenas cláusulas contratuais ajustadas individualmente aderem definitivamente à relação jurídica individual. No direito francês, lembra RENATO RUA DE ALMEIDA que não há incorporação definitiva da norma coletiva ao contrato individual, salvo, excepcionalmente, em se tratando de vantagem adquirida pelo empregado na esfera individual, não-dependente de evento futuro e incerto. Assim, por exemplo, se, na vigência da norma que assegura estabilidade em face de acidente do trabalho, vem a sofrer o infortúnio, a terá automaticamente incorporada ao seu patrimônio individual, mesmo após a expiração do prazo da convenção coletiva.11 Em suma, as normas coletivas não devem se integrar automaticamente aos contratos individuais, com exceção de vantagens individualmente adquiridas em face do preenchimento de condições na vigência da norma, servindo de exemplo a garantia de emprego pré-aposentadoria. Na prática, a prevalência do entendimento contrário à Súmula n. 277 do Tribunal Superior do Trabalho significa importante estímulo à negociação coletiva, reforçando a importância do dificílimo diálogo social, especialmente em ambiente em que não há plena liberdade sindical. __________ 1 O texto desta coluna é publicado quinzenalmente às segundas-feiras, mas enviado para publicação na semana anterior. 2 AGUIAR, Antonio Carlos de. A negociação coletiva de trabalho (uma crítica à Súmula n. 277, do TST). Revista Ltr , vol. 77, nº 09, setembro de 2013. 3 Colhe-se da liminar do Min. GILMAR MENDES na ADPF 323 (j. 14.10.2016): Segurança jurídica. Verifica-se que, sem legislação específica sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho ora nega, ora admite a ultratividade, gerando insegurança jurídica. Sem precedentes ou jurisprudência consolidada, o TST resolveu de forma repentina - em um encontro do Tribunal para modernizar sua jurisprudência! - alterar dispositivo constitucional do qual flagrantemente não se poderia extrair o princípio da ultratividade das normas coletivas. Da noite para o dia, a Súmula 277 passou de uma redação que ditava serem as normas coletivas válidas apenas no período de vigência do acordo para o entendimento contrário, de que seriam válidas até que novo acordo as alterasse ou confirmasse. A alteração de entendimento sumular sem a existência de precedentes que a justifiquem é proeza digna de figurar no livro do Guinness, tamanho o grau de ineditismo da decisão que a Justiça Trabalhista pretendeu criar. Em tentativa de conferir aparente proteção à segurança jurídica, algumas turmas do TST chegaram a determinar que a nova redação da Súmula 277, ou seja, que admite a ultratividade, seria válida apenas para convenções e acordos coletivos posteriores a sua publicação. Isso tudo, ressalte-se, de forma arbitrária, sem nenhuma base legal ou constitucional que a autorizasse a tanto. Aplicação casuística. Como se vê, a mudança de posicionamento da Corte trabalhista consubstanciada na nova Súmula 277, em sentido diametralmente oposto ao anteriormente entendido, ocorreu sem nenhuma base sólida, mas fundamentada apenas em suposta autorização advinda de mera alteração redacional de dispositivo constitucional. Se já não bastasse a interpretação arbitrária da norma da Constituição Federal, igualmente grave é a peculiar forma de aplicação da Súmula 277 do TST pela Justiça Trabalhista. Não são raros os exemplos da jurisprudência a indicar que a própria súmula - que objetiva interpretar dispositivo constitucional - é igualmente interpretada no sentido de ser aplicável apenas a hipóteses que beneficiem um lado da relação trabalhista. Em outras palavras, decanta-se casuisticamente um dispositivo constitucional até o ponto que dele consiga ser extraído entendimento que se pretende utilizar em favor de determinada categoria. (...) Vê-se, pois, que, ao mesmo tempo que a própria doutrina exalta o princípio da ultratividade da norma coletiva como instrumento de manutenção de uma certa ordem para o suposto vácuo existente entre o antigo e o novo instrumento negocial, trata-se de lógica voltada para beneficiar apenas os trabalhadores. Da jurisprudência trabalhista, constata-se que empregadores precisam seguir honrando benefícios acordados, sem muitas vezes, contudo, obter o devido contrabalanceamento. Ora, se acordos e convenções coletivas são firmados após amplas negociações e mútuas concessões, parece evidente que as vantagens que a Justiça Trabalhista pretende ver incorporadas ao contrato individual de trabalho certamente têm como base prestações sinalagmáticas acordadas com o empregador. Essa é, afinal, a essência da negociação trabalhista. Parece estranho, desse modo, que apenas um lado da relação continue a ser responsável pelos compromissos antes assumidos - ressalte-se, em processo negocial de concessões mútuas. Conclusão. Desse modo, em análise mais apurada do que se está aqui a discutir, em especial com o recebimento de informações do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª e da 2ª Região, bem como por verificar, em consulta à jurisprudência atual, que a Justiça Trabalhista segue reiteradamente aplicando a alteração jurisprudencial consolidada na nova redação da Súmula 277, claramente firmada sem base legal ou constitucional que a suporte, entendo, em análise preliminar, estarem presentes os requisitos necessários ao deferimento do pleito de urgência. Reconsidero, por esses motivos, a aplicação do art. 12 da Lei 9.868/1999 (eDOC 10). Em relação ao pedido liminar, ressalto que não tenho dúvidas de que a suspensão do andamento de processos é medida extrema que deve ser adotada apenas em circunstâncias especiais. Em juízo inicial, todavia, as razões declinadas pela requerente, bem como a reiterada aplicação do entendimento judicial consolidado na atual redação da Súmula 277 do TST, são questões que aparentam possuir relevância jurídica suficiente a ensejar o acolhimento do pedido. Da análise do caso extrai-se indubitavelmente que se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional. Ante o exposto, defiro o pedido formulado e determino, desde já, ad referendum do Pleno (art. 5º, §1º, Lei 9.882, de 1999) a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas. Dê-se ciência ao Tribunal Superior do Trabalho, aos Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª e da 2ª Região e ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, para as necessárias providências (art. 5º, § 3º, Lei 9.882, de 1999)". 4 DAUBLER, Wolfgang. Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. S. Paulo: LTr, 1997, p. 150. 5 GOLDIN, Adrián. Autonomía colectiva, autonomía individual e irrenunciabilidad de derechos. Cuadernos de Investigación del Instituto de Investigaciones Jurídicas y Sociales de la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, n. 22, 1991. P. 14. 6 PÉREZ DEL CASTILLO, Santiago. Estudos sobre as fontes do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. P. 59. 7 MONTOYA MELGAR, Alfredo. Derecho del Trabajo, 31ª. Ed.. Madrid: Tecnos, 2010. P. 179. 8 id. ib. 9 ARESE, Cesar. La negociación colectiva. In: ARESE et alli. Evolución y Revolución de los Derechos Laborales Colectivos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2017. p. 197. 10 "Apud" PÉREZ DEL CASTILLO, op. cit. P. 59.   11 ALMEIDA, Renato Rua de. Das cláusulas normativas das convenções coletivas de trabalho: conceito, eficácia e incorporação nos contratos individuais de trabalho. Revista LTr 60-12/1604, dezembro de 1996.
Todos conhecem os recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal, em matérias diversas, privilegiando a negociação coletiva. Muitos deles se contrapõem a precedentes históricos do Tribunal Superior do Trabalho, sendo sempre citadas as repercussões dos planos de demissão voluntária e a negociação de horas in itinere, mas o debate é muito mais amplo. Vale começar por um dos exemplos clássicos. Como se sabe, os planos de demissão voluntária foram bastante utilizados por montadoras de automóveis na década de 1990 e depois se espraiaram em diversos setores. Naquele momento as indenizações eram vultosas e, em acordos individuais, se exigia como contrapartida a quitação do empregado aderente ao extinto contrato de trabalho (o empregado participava da iniciativa da terminação do contrato, mas recebia as verbas rescisórias como se a iniciativa fosse unicamente da empresa, além da indenização extraordinária). No início muitas decisões privilegiaram essa forma de solução de litígios, valorizando o ato volitivo (adesão ao PDV). Isso inclusive ensejou a censurável prática de desistência da ação (ou arquivamento) quando distribuída a uma Vara em que se sabia do acolhimento da quitação pelo magistrado; problema depois solucionado pelo aperfeiçoamento das regras de prevenção1. Essa jurisprudência que privilegiava a boa-fé sucumbiu diante dos argumentos de sempre (vg. presunção de fraude, hipossuficiência, irrenunciabilidade)2. Como corolário da anulação da quitação geral, alguns magistrados passaram a determinar a restituição da indenização em reconvenções das empresas ou a admitir a compensação de créditos (muitas vezes o valor da indenização extraordinária era superior ao crédito obtido na reclamação trabalhista). Esse ajuste também não foi aceito pelo TST3. Na prática, os sindicatos sempre estiveram de alguma forma envolvidos na instituição dos Planos de Demissão Voluntária e à época participavam da homologação das rescisões4, mas, diante da jurisprudência refratária, muitas empresas passaram a cautelosamente negociar a inserção das regras em acordos coletivos de trabalho, o que foi aceito por parte da jurisprudência5. Novamente houve pelo TST recusa da quitação mesmo se prevista em norma coletiva. Esse é o panorama jurídico, mas a consequência prática foi a drástica diminuição do valor oferecido a título de indenização nos PDVs e o estímulo a reclamações trabalhistas, enraizando ainda mais a presunção de que apenas o Judiciário seria idôneo para a solução de conflitos. Esse quadro muda com o acórdão do STF da lavra do Min. LUÍS ROBERTO BARROSO no RE nº 590.415/SC, admitindo a quitação geral quando prevista em norma coletiva. Outros arestos do STF, como dito, também valorizaram a negociação coletiva, reformando decisões da Justiça do Trabalho. Na prática, os pronunciamentos do Supremo contribuem para maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações de trabalho, sobretudo pela valorização da boa-fé e do diálogo. Vedam exagerada intromissão dos juízes no conteúdo das normas coletivas, agindo como se, após sua celebração e aplicação, possível fosse voltar no tempo, recriar as circunstâncias fáticas, sentar à mesa para reavaliá-las e, desrespeitando a vontade coletiva dos sindicatos e empresas, anular cláusulas. Estavam sendo sistematicamente invalidadas, anuladas ou simplesmente desprezadas diversas espécies de cláusulas coletivas, como as que reduziam intervalos intrajornada mediante contrapartidas, estabeleciam controles de ponto por exceção, criavam critérios para contratação de aprendizes ou portadores de deficiência, alteravam os dias de descanso semanal remunerado etc. Muitos desses preconceitos já foram superados por julgamentos mais recentes do TST, especialmente após a Reforma de 2017 (vg. a validade do controle de ponto por exceção), mas persistem divergências que ensejam insegurança jurídica. Havia, assim, (e ainda há em grande parte) um óbvio desestímulo à negociação, reduzindo a importância do papel constitucionalmente atribuído aos sindicatos (artigos 7º, VI, XIII, XIV, XXVI e 8º da CF). No STF, além do já referido aresto da lavra do Min. BARROSO, são paradigmáticos o acórdão de relatoria do Ministro Teori Zavascki, provendo o RE no 895.759/PE, e o despacho do Ministro GILMAR MENDES no ARE 1121633.  Este último processo nos transporta para o título da coluna: redundou no tema 1.046 de repercussão geral, o que, concretamente, implicou a suspensão da tramitação de milhares de processos na Justiça do Trabalho. Eis o tema: "Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente." A despeito dos precedentes mencionados ("jurisprudência dominante", como admite o v. acórdão que reconheceu a repercussão geral), no dia 18/5/2022 deve ser fixada tese para o Tema 1046, discutindo-se novamente os lindes da negociação coletiva e, especificamente, a possibilidade de sua prevalência diante da lei. Eis a tese originalmente proposta pelo insigne Relator: "Os acordos e convenções coletivos devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias ao direito flexibilizado na negociação coletiva, resguardados, em qualquer caso, os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados." Esse julgamento reavivará a oposição entre o tratamento homogêneo da lei e as nuances que ensejam negociação de condições de trabalho específicas. É urgente o pronunciamento quanto ao tema. Como mencionado, milhares de processos foram sobrestados por liminar concedida pelo Min. GILMAR MENDES no ARE 1121.6336, mas muitos juízes se recusaram a fazê-lo, o que ensejou inúmeras reclamações constitucionais. Há caso em que atuamos divulgado há poucos dias pelo Migalhas7. Lá se discutia, dentre outras questões, a validade do controle de ponto por exceção previsto em norma coletiva. O Min. ANDRÉ MENDONÇA, em decisão liminar, reconheceu a aparência de afronta ao decidido pelo STF e determinou a suspensão. A notícia parece trivial. No entanto, há um detalhe que não mostra a reportagem: o juiz de primeiro grau aplicou à empresa multa por litigância de má-fé por ter requerido obediência à decisão do Min. GILMAR MENDES. O desrespeito é mais sutil quando amparado em recortes hermenêuticos. Como a discussão diz respeito à possibilidade de prevalência do negociado sobre lei ordinária, alguns julgados passaram a afastar a ordem de sobrestamento com o argumento de que basta a matéria estar referida na Constituição para a inaplicabilidade. Em outro caso em que atuamos (também objeto de notícia no Migalhas8), entendeu o TST inaplicável o sobrestamento na discussão de validade do regime 5X1, pois faz coincidir o descanso com o domingo uma vez a cada sete semanas. A decisão era paradoxal. Afirmava se tratar matéria constitucional (descanso preferencialmente aos domingos, nos termos do artigo 7º, XV, da CF), mas concluía aplicável por analogia lei ordinária voltada ao comércio varejista (artigo 6º da Lei 10.101/00). A Constituição não traz o sentido do advérbio "preferencialmente". Tal regulamentação é feita por lei ordinária ou por normativa do MTP. Na reclamação então ajuizada foi concedida liminar favorável à empresa pela Min. CARMEN LÚCIA (Rcl. 44.605), posteriormente confirmada pelo Colegiado. Outros juízes afastam o sobrestamento invocando a regra do artigo 988, § 5º, II, do CPC, desprezando o fato de que aqui a determinação não decorre da mera repercussão geral, mas de decisão específica com amparo no artigo 1035, § 5º, do CPC. Erro palmar e recorrente. Tudo está a revelar a importância de pacificação quanto à matéria, o que também terá repercussões na aplicação dos critérios trazidos pelos artigos 611-A e 611-B da CLT. Como se sabe, antes da Reforma de 2017 houve ensaios de regulamentação dos limites de negociação, como em projeto de alteração do artigo 618 da CLT de 2001. Quando finalmente se aprova lei a respeito, persiste a resistência em sua aplicação. É de se esperar decisão do Supremo confirmando a ratio dos precedentes acima citados. Se assim ocorrer, haverá não apenas o reconhecimento da importância atribuída à negociação coletiva pela Constituição e por diversos tratados ratificados pelo país, mas também o respeito às escolhas democraticamente feitas pelo Congresso Nacional. Em suma, o que está em jogo são facetas da própria democracia. __________ 1 A propósito: PERES, Antonio Galvão. Extinção sem julgamento de mérito. Efeitos da sentença. Breves apontamentos sobre os limites éticos e objetivos para novo ajuizamento. Revista de Direito do Trabalho. n.128. S. Paulo: RT, outubro-dezembro de 2007. p. 11-18. 2 OJ 270 da SBDI I do TST. Programa de Incentivo à Demissão Voluntária. Transação extrajudicial. Parcelas oriundas do extinto contrato de trabalho. Efeitos. A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo. (27.09.2002) 3 OJ 356 da SBDI I do TST. Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV). Créditos Trabalhistas Reconhecidos em Juízo. Compensação. Impossibilidade. Os créditos tipicamente trabalhistas reconhecidos em juízo não são suscetíveis de compensação com a indenização paga em decorrência de adesão do trabalhador a Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV). 4 Eis um julgado da lavra da Desembargadora Beatriz de Lima Pereira: "Vejamos. Os documentos 232/236 do volume apartado noticiam que o trabalhador, com a assistência do Sindicato dos Metalúrgicos, ainda da Representação Interna dos Empregados (documento 232-verso), em 16.10.02, celebrou acordo com a recorrente para pôr fim ao contrato de trabalho, recebendo, por isso, indenização correspondente a R$ 15.186,96 (quinze mil, cento e oitenta e seis reais e noventa e seis centavos), conforme documento 235. Além disso, o empregado firmou declaração expressa dizendo que "...ante o acordo ora celebrado, ao receber os direitos trabalhistas que lhe serão creditados em sua conta-salário no 10° dia subsequente à data constante na cláusula 1 do presente acordo junto com o valor aventado na cláusula '2', dará a mais plena, total e irrevogável quitação de todo e qualquer direito decorrente da relação empregatícia havida entre as partes para nada mais reclamar, seja a que título for, exonerando e desobrigando a EMPREGADORA..." (documento 232-verso). Nesse contexto, não obstante a previsão insculpida na Orientação Jurisprudencial n. 270 da SDI-1, cuja aplicação não pode mesmo ser genérica e indistintamente observada, merece acolhida o inconformismo da recorrente. (...) Assim sendo, evidente a presença dos elementos indispensáveis à celebração de transação válida. O empregado, mediante o recebimento de indenização especial, abriu mão da continuidade do contrato de trabalho e da postulação de direitos dele decorrentes, e a empresa, para atender suas necessidades de redução de pessoal e evitar a ocorrência de reclamação trabalhista futura sobre direitos decorrentes do contrato de trabalho, efetuou o pagamento de indenização especial, a que não estaria obrigada se a rescisão fosse operada por despedimento imotivado. Observo que o recorrido não demonstrou a ocorrência de vício de vontade, o que reafirma a plena validade e eficácia da transação operada. Não é demais lembrar que tal avença recebeu a chancela do órgão representativo da categoria do reclamante, na medida em que a rescisão contratual foi celebrada com a sua assistência, sendo certo que nessa ocasião, quando da outorga da quitação, o empregado teve a oportunidade, se fosse o caso, de registrar a ressalva quanto a eventuais direitos que pretendesse excluir da referida quitação" (TRT 2ª R., Proc. 00153200446502006, Ac. n. 20060596290, Rel. Beatriz de Lima Pereira, j. 10.08.06, DOESP 29.08.06). 5 Aresto da lavra do Desembargador Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva: "CONTRATO DE TRABALHO. QUITAÇÃO. TRANSAÇÃO. ACORDO EXTRAJUDICIAL. ASSISTÊNCIA DA ENTIDADE SINDICAL. VALIDADE. Impera o reconhecimento da validade da quitação ampla das verbas decorrentes do contrato de trabalho, bem como do próprio contrato, fruto de uma transação, corporificada num acordo extrajudicial assistido pela entidade sindical. Agiganta-se ainda mais a validade dessa quitação, quando os termos do acordo foi originário da assembléia dos trabalhadores, extraordinariamente convocada para deliberar sobre a questão. Assim, por expressa determinação constitucional, o prestígio dado aos acordos coletivos suplanta contrariedade menor individual, porquanto o que deve prevalecer, são os interesses coletivos" (TRT 15ª R., 5ª Turma, RO 015422/1998, Rel. Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, DOESP 01.12.1999).  6 "O processo de origem trata de reclamação trabalhista que resultou no deferimento do pagamento de horas extras decorrentes de horas in itinere. A questão central foca-se na validade de cláusula de acordo coletivo que, ao tempo que prevê a faculdade de a empresa fornecer o transporte aos empregados, suprime o pagamento do respectivo tempo de percurso. O acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) reformou a sentença de primeiro grau e afirmou, não obstante a previsão no acordo coletivo, que a empresa se encontra em local de difícil acesso e que o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho, o que confere ao empregado o direito ao pagamento dos minutos como horas in itinere. Inconformada, a recorrente (Mineração Serra Grande S.A.) interpôs recurso de revista, que teve seu seguimento negado. Ao agravo de instrumento interposto em seguida também foi negado seguimento. Após, foi interposto agravo interno, que teve seu provimento negado e cujo acórdão foi objeto então de embargos à subseção especializada (SBDI1), que foram, por sua vez, indeferidos. A recorrente interpôs recurso extraordinário, que teve seu seguimento negado, ocasião em que foi interposto agravo (artigo 1042 do Código de Processo Civil), que igualmente teve seu seguimento negado, ao que a recorrente interpôs agravo interno perante o Supremo Tribunal Federal, o que então ensejou a reconsideração da decisão anterior e a respectiva apreciação do recurso extraordinário no Plenário Virtual. Em 3.5.2019, o STF, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada e, no mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento no Plenário físico (tema 1.046). A Confederação Nacional da Indústria (CNI) requer sua admissão no feito na qualidade de amicus curiae (§4º do artigo 1035 do CPC c/c §3º do artigo 323 do Regimento Interno do STF), bem como a suspensão das ações que versam sobre o tema. A intervenção do amicus curiae cabe quando houver "relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia" (art. 138, caput, do CPC/2015). Não resta dúvida acerca da importância da causa, cujo tema (validade de cláusula de acordo coletivo) vai além do interesse das partes, apresentando, pois, repercussão transindividual ou institucional. Ademais, até o reconhecimento da presente repercussão geral, muitas dessas ações tinham sua improcedência determinada pela aplicação dos fundamentos determinantes do paradigma (RE-RG 590.415, Min. Roberto Barroso), que consignou a possibilidade de redução de direitos por meio de negociação coletiva e a inaplicabilidade do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas ao direito coletivo do trabalho. Uma vez recortada nova temática constitucional (semelhante à anterior) para julgamento, e não aplicado o precedente no Plenário Virtual desta Suprema Corte, existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas. Posto isso, admito a Confederação Nacional da Indústria (CNI) como amicus curiae (art. 138, caput, do CPC/2015). Determino, ainda, a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1035, §5º, do CPC, uma vez que o plenário virtual do STF reconheceu a repercussão geral do tema.  7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui.
A segurança é sobretudo uma superstição.Helen Keller A Reforma de 2017 trouxe dispositivos que claramente reduzem o custo do trabalho, como a exclusão da natureza salarial de determinadas parcelas. Todavia, mesmo com as amarras ao ativismo judicial, há o risco de interpretações judiciais alterarem ou subverterem suas regras que, como se sabe, encontram forte resistência no Ministério Público do Trabalho e na Justiça do Trabalho. Esse risco, quando se trata de remuneração, pode ter consequências financeiras vultosas pela repercussão em outras parcelas, contribuições previdenciárias e tributos. O debate reacenderá com a aprovação unânime, em 27/4/22, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, do Projeto de Lei (PL) 581/2019, que isenta de imposto de renda recebimentos a título de PLR. Caso se converta em lei, vai dar grande impulso aos programas de participação dos empregados nos lucros e resultados. Com a perspectiva de mudança ressurge o antigo debate sobre a conveniência do prêmio ou PLR como estratégia de retribuição e dos riscos no caso de desvirtuamento dos sistemas. Na coluna de hoje trazemos breve comparação entre os prêmios -  antes e depois da Reforma de 2017 - e a PLR regulamentada por lei específica. Discute-se com frequência a natureza salarial de pagamentos para efeito de repercussão em outros títulos, além da imutabilidade unilateral, sendo inegável uma tendência à "desassalarialização".  Modernamente, para aflição dos puristas, fala-se até em remuneração salarial e remuneração não-salarial. Isto porque são enormes os impactos de verbas salariais sobre FGTS, férias, 13º, horas extras, contribuições sociais, encargos tributários etc. O prêmio, classicamente, é forma de retribuição condicionada a "evento ou circunstância tida como relevante pelo empregador e vinculada à conduta individual do obreiro ou coletiva dos trabalhadores da empresa"1. Na acepção original da CLT, os prêmios são verdadeiros salários condicionais, dependentes de objetivos e metas, produzindo todos os reflexos e não podendo ser suprimidos. Nesse sistema, segundo parte da doutrina e jurisprudência, só não eram salariais quando condicionados a programas sazonais e esparsos, com eventos certos, independentes entre si, de curta duração e afetação específica. Em outras palavras, para essa corrente o prêmio não-salarial era efêmero e vinculado a evento ou programa determinado: "SUPRESSÃO DO PRÊMIO - O empregador, pelo seu poder diretivo, possui os amplos poderes de fixação de metas e dos respectivos prêmios. Em determinadas épocas, de acordo com os interesses do empregador, o mesmo pode e deve alterar a sistemática dos prêmios. O prêmio "top premium", quando fixado e pago pelo empregador, não se transforma em uma cláusula perene do contrato de trabalho. Se assim o fosse, qualquer sistemática de prêmio, a qual é, pela natureza desse título, um incentivo para as vendas, transformar-se-ia em um ônus para o empregador, representando, assim, uma verdadeira ingerência ao seu poder diretivo. Não há nos autos de que a reclamada teria assumido o compromisso de pagar esse prêmio para toda a vigência do contrato de trabalho. O prêmio, de fato, possui natureza salarial, quando se tem o seu pagamento de forma habitual, contudo, o seu implemento não é fator integrativo ao salário, como se fosse um direito adquirido do trabalhador. Rejeito o apelo da reclamante." (TRT 2ª R. - RO 00336 - (20030645250) - 4ª T. - Rel. Juiz Francisco Ferreira Jorge Neto - DOESP 28.11.2003). Em verdade, doutrina e jurisprudência levavam em conta duas diferentes integrações: a) ao salário para fins de repercussão nas demais verbas; b) ao contrato, impedindo futuras variações. Segundo a jurisprudência majoritária, embora com divergências muito respeitáveis2, sempre assumiam natureza salarial com todas as repercussões.  A diferença era a impossibilidade de supressão dos prêmios habituais, ditada pela Súmula 209 do Supremo Tribunal Federal3. Diante dessas controvérsias, a Participação os Lucros e Resultados (PLR), que por norma constitucional expressa não se vincula ao salário, passou a ter intensa utilização e o será ainda mais se aprovado o PL 581/2019. Mas a disciplina dos prêmios foi alterada pela lei13.467/2017, com nova redação ao artigo 457 da CLT:  "Art. 457.  ...........................................................  § 1o  Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.  § 2o  As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. .............................................................................................  § 4º  Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades." Há sugestivas passagens dos relatórios dos Senadores RICARDO FERRAÇO e ROMERO JUCÁ no PLC 38/2017: RICARDO FERRAÇO "Outras inovações importantes tratadas pelo PLC são aquelas que ampliam a liberdade sobre a estrutura remuneratória pelas empresas. No art. 457 da CLT, como proposto pelo PLC, define-se que não integram a remuneração fixa do trabalhador parcelas eventuais como prêmios e diárias de viagem, com o intuito de estimular o seu uso, evitando que incidam sobre elas tributos ou que sejam incorporadas de maneira permanente ao contrato de trabalho - com evidentes efeitos positivos também sobre a produtividade."  ROMERO JUCÁ "Com a alteração do art. 457 da CLT, explicita-se que as importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. Definem-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades." Como se vê, após a Reforma de 2017 os prêmios de que trata o artigo 457, §§ 1º e 4º perdem a natureza salarial e não se incorporam ao contrato de trabalho. Há que atentar, entretanto, ao novo parágrafo quarto:  § 4º.  Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades".  Esse parágrafo veda a banalização dos prêmios não-salariais. Para que se enquadrem na nova regra é indispensável instituição individual ou para grupo de empregados, bem como vinculação a desempenho superior ao ordinário. O professor HOMERO BATISTA MATEUS DA SILVA explica:  "2. A principal novidade está na nova redação do art. 457, § 2º, pois ele pretende efetivamente retirar a natureza salarial de algumas parcelas que, de outra maneira, seriam salariais. A fim de tentar diminuir as hipóteses de fraude, o legislador apresenta uma definição de prêmio, realçando que ele tem de ser destinado a fatos ou situações acima do que ordinariamente se espera dos empregados. Do contrário, se todos recebem prêmios todos os meses, com ou sem metas e cronogramas, então a parcela nada mais é do que o salário sob a falsa roupagem de prêmio. O prêmio não pode ser razoavelmente esperado nem pode ser destinado à generalidade dos empregados, como um complemento salarial. Neste particular, o legislador andou bem ao dizer que o prêmio se destina a um empregado ou a um grupo de empregados e depende de fatos extraordinários." (SILVA, Homero Batista Mateus. Comentários à reforma trabalhista: análise da Lei 13.467/2017 - artigo por artigo. S. Paulo: RT, 2017. p. 81). Portanto, há que fazer a avaliação individual ou coletiva dos que serão premiados para afastar natureza salarial, inclusive no que toca à contribuição previdenciária. É o que deflui do novo artigo 28 da lei 8212/91:  "Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (...) § 9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (...) z) os prêmios e os abonos." Os riscos de incorporação ao contrato e ao salário podem ser ainda mais reduzidos mediante negociação coletiva com base no artigo 611-A, XIV, da CLT: "Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:  (...) XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;  (...)." Até por negociação individual se pode estabelecer a natureza não-salarial do prêmio, conforme o artigo 444, § único, da CLT: "Art. 444. (...) Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social." A constitucionalidade desse preceito vem sendo questionada por possível ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da flexibilidade por negociação coletiva. Entendemos que uma das acepções da igualdade é exatamente  tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Em face do salário médio brasileiro, a liberdade de negociação individual para hipersuficientes  não parece inconstitucional. A PLR tem outra moldura legal. Não configura salário, nos termos do artigo 7°, inciso XI, da Constituição e artigo 3º da lei 10.101, mas sua fixação exige procedimento cuidadoso porque, embora juridicamente distinta, pode estar submetida aos mesmos pressupostos do prêmio, ou seja,  metas setoriais e, eventualmente, individuais. Sua inspiração é, conforme o artigo 1º da lei 10.101/00, promover a "integração entre o capital e o trabalho, como incentivo à produtividade". A PLR jamais se integra à remuneração como direito adquirido. As partes dispõem de liberdade para estabelecer, a cada negociação, novas condições, reproduzindo ou não os ajustes anteriores, sendo irrelevante a habitualidade. Podem instituir livremente metas e objetivos: lucros, resultados, rentabilidade do setor da empresa, produtividade ou assiduidade individual etc. Leia-se o Professor SÓLON DE ALMEIDA CUNHA: "A avaliação dos resultados pode basear-se no desempenho da empresa como um todo, no desempenho de uma equipe ou de uma área de trabalho, no desempenho individual do profissional, ou na combinação desses diversos critérios." (CUNHA, Sólon de Almeida. Da Participação dos Trabalhadores nos Lucros ou Resultados da Empresa. S. Paulo: Saraiva, 1997. p. 131). O novo Ministro do TST, mestre SÉRGIO PINTO MARTINS, se reporta ao desempenho individual: "Assim, seria possível que a participação nos resultados fosse realizada quando atingisse o empregado certa produtividade, como, por exemplo, um número de peças mensais, anuais etc. O mesmo poder-se-ia falar se o empregado atingisse a qualidade do produto desejada pelo empregador, em que este estabelecesse um certo padrão de qualidade de peça ou peças que não fossem rejeitadas no controle de qualidade." (MARTINS, Sergio Pinto. Participação dos empregados nos lucros das empresas. S. Paulo: Malheiros, 1996. p. 111). A participação pode ser ajustada mediante acordo ou convenção coletiva, ou comissão paritária, nos termos do artigo 2º da lei 10.101/00. Apesar da liberdade, há que criar regras claras e objetivas, sem margem a subjetivismo e arbítrio. Cláusulas imprecisas, obscuras ou potestativas desfiguram a PLR e geram riscos, como se vê neste acórdão do Tribunal Superior do Trabalho: "RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA INTERPOSTA POR MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. TRABALHADORES AQUAVIÁRIOS. 1) CLÁUSULA 4ª - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. NATUREZA DA PARCELA. A participação nos lucros e resultados, de que trata a Lei nº 10.101/2000, e sobre a qual não podem incidir encargos tributários, é aquela auferida com base nos resultados globais da empresa, e cuja instituição deve apresentar regras claras quanto à fixação dos direitos de participação e normas procedimentais e valores a serem pagos a tal título. A dificuldade de se manter, no caso concreto, o teor da cláusula 4ª negociada, que dispõe acerca da Participação nos Lucros e Resultados, se deve ao fato de que os termos nela propostos consideram, como requisito para a distribuição dos lucros, o número de operações comerciais de todo o setor econômico, o que não constitui parâmetro claro e objetivo a definir a conjuntura da empresa acordante, quanto aos seus índices de produtividade, qualidade ou lucratividade. Assim, por considerar que o benefício previsto na cláusula 4ª não configura a Participação nos Lucros e Resultados à qual se referem a Lei nº 10.101/2000 e o art. 7º, XI, da Constituição Federal, não há como se considerar a natureza indenizatória da parcela." (TST - RO: 500002520115170000, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 11/05/2015,  Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 15/05/2015)  Além disso, para reprimir a fraude, a lei 10.101/00 veda a "antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em mais de 2 (duas) vezes no mesmo ano civil e em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil". No entanto, diante da nova redação do artigo 611-A da CLT, essas limitações podem ser flexibilizadas através de negociação coletiva. A lei 10.101/00 determina a periodicidade mínima, sendo silente quanto ao prazo máximo. Além de não vedar prazos superiores a um ano, implicitamente os admite quando prevê acumulação de pagamentos nos parágrafos do artigo 3º:  Parágrafo 8º. Os rendimentos pagos acumuladamente a título de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa serão tributados exclusivamente na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos, sujeitando-se, também de forma acumulada, ao imposto sobre a renda com base na tabela progressiva constante do Anexo.  Parágrafo 9º. Considera-se pagamento acumulado, para fins do parágrafo 8º o pagamento da participação nos lucros relativa a mais de um ano-calendário. Portanto, é admissível o pagamento de longo prazo, mesmo superior a um ano. Em suma, a inclusão da PLR dentre as matérias passíveis de negociação coletiva (e individual para hipersuficientes) aumentou o poder das partes para fixar prazo, periodicidade e mecanismos de aferição, desde que observados os demais parâmetros da lei 10.101/00. Aliás, a periodicidade inferior é objeto da OJ Transitória n. 73 da SBDI I do TST:  "73. VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PAGAMENTO MENSAL EM DECORRÊNCIA DE NORMA COLETIVA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano cível, disposta no art. 3º, § 2º, da lei 10.101, de 19.12.2000, o parcelamento em prestações mensais da participação nos lucros e resultados de janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado no acordo coletivo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba (art. 7º, XI, da CF), devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI, da CF)." Esse exemplo é auspicioso, mas revela o embate na jurisprudência do TST, além de questionamentos na Justiça Federal quanto à incidência das contribuições previdenciárias. Prêmios e PLR são instrumentos úteis para aproximar capital e trabalho e fomentar o engajamento de todos na produtividade lucratividade. A vantagem comparativa da PLR, pela segurança jurídica que oferece, tende a aumentar com a isenção do imposto de renda prevista no PL 581/2019. __________ 1 DELGADO, Maurício Godinho, Salário - Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p.180. 2 Como no acórdão anteriormente citado, já havia quem admitisse que os prêmios, quando não-habituais, não integram o salário para nenhum efeito, como neste acórdão: "Integração dos Prêmios. O demandado pretende eximir-se da imposição ao pagamento da integração dos prêmios auferidos pelo autor durante o contrato, em férias, gratificações natalinas, repousos e aviso prévio. Sustenta que a vantagem foi concedida eventualmente, em ocasiões especiais e em decorrência de eventos extraordinários, condicionada à obtenção de metas previamente estabelecidas. Aduz que a premiação nem sempre era em dinheiro, podendo ocorrer a entrega de brindes, viagens ou outros. Razão assiste ao recorrente. Os prêmios não tipificam o conceito salarial legalmente definido nos termos dos artigos 457 e 458 da CLT. Trata-se de incentivos com o intuito de incrementar os negócios da empresa, tanto que condicionados à obtenção de metas pré-estabelecidas. A alegação da inicial alusiva à habitualidade da vantagem em questão, na base de quatro premiações ao ano, não restou demonstrada, prevalecendo a assertiva do recorrente segundo a qual os prêmios eram concedidos eventualmente. Acolho o recurso, para exonerar o demandado do pagamento de integração dos prêmios em férias, 13º salário, repousos e aviso prévio." (TRT 4ª Região, 2ª Turma, Proc. RO 00787.030/95-3, Juiz Mauro Augusto Breton Viola, DO 11.01.99). 3 "209 - O salário-produção como outras modalidades de salário-prêmio, é devido, desde que verificada a condição a que estiver subordinado, e não pode ser suprimido, unilateralmente, pelo empregador quando pago com habitualidade."
A extinção de empresa implica a extinção de todos os contratos individuais de trabalho. Entretanto, há o risco de ser tratada como dispensa coletiva, cujos procedimentos são bastante controvertidos1. A lei 13.467/17 reduziu a insegurança jurídica com a nova e bastante criticada redação do art. 477-A: "Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação." Ainda não há pronunciamento definitivo do STF sobre a constitucionalidade dessa norma, mas a repercussão geral foi reconhecida no RE 999.435, tema 638. Segundo a súmula 173 do TST2, a extinção da empresa provoca a extinção automática dos contratos de trabalho. Juridicamente há diferenças sensíveis entre a extinção da empresa e a mera dispensa coletiva sem justa causa porque, a rigor, os empregados não estão sendo despedidos. A rescisão é consequência necessária e direta da extinção da unidade empresarial, não se tratando de dispensa coletiva. A lei 8.036/90 trata de forma separada as duas hipóteses de terminação do contrato, prevendo no art. 20 levantamento do FGTS quando há falecimento, aposentadoria, "extinção da empresa" e "fechamento de 'quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências'". Nos termos dessa lei (art. 18) e de seu regulamento (decreto 99.684/90), só cabe indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS na dispensa sem justa causa ou na rescisão indireta, o que exclui a extinção da empresa. A instrução normativa 144/018, da MTE - Secretaria de Inspeção do Trabalho, ao cuidar da fiscalização do trabalho, alude à indenização de 40% nos casos de despedida sem justa causa, rescisão indireta, rescisão pelo empregador de contrato a termo, culpa recíproca, acordo ou força maior (art. 13, caput e § 2º). Em suma, por interpretação literal e sistemática do nosso ordenamento jurídico não há confundir dispensa coletiva com extinção da empresa ou estabelecimento. A matéria é pouco versada em doutrina, mas autores respeitáveis não fazem essa distinção3, o mesmo ocorrendo na jurisprudência: À vista do princípio da alteridade, não pode o trabalhador ser prejudicado pelo encerramento da atividade empresarial. Dessa forma, a terminação do vínculo empregatício em virtude da extinção da empresa tem o mesmo tratamento jurídico da dispensa sem justa causa. Aplicação do art. 2º, caput, da CLT. Inteligência da Súmula 44 do TST. Recurso obreiro parcialmente provido. (TRT 06ª R. - RO 0001761-39.2015.5.06.0005 - Relª Gisane Barbosa de Araujo - DJe 10.08.2018 - p. 1500) EXTINÇÃO DA EMPRESA - RESCISÃO DO CONTRATO SEM JUSTA CAUSA - VERBAS RESCISÓRIAS DEVIDAS - A extinção da empresa, com a consequente cessação da prestação de serviços, equivale à dispensa sem justa causa, conferindo ao empregado direito às verbas rescisórias decorrentes da dispensa imotivada. Recurso da reclamante a que se dá provimento, no particular. (TRT 09ª R. - RO 123-73.2013.5.09.0872 - Rel. Benedito Xavier da Silva - DJe 11.10.2013 - p. 406) Outro tema é o desaparecimento, quando há extinção da empresa, das garantias de emprego e estabilidades de representantes da CIPA e dirigentes sindicais. Quanto aos dirigentes sindicais, a jurisprudência assegura a manutenção da estabilidade somente se houver outro estabelecimento na mesma base territorial do sindicato a que estiver vinculado, hipótese em que tem direito à transferência, como se extrai das súmulas do TST. "Nº 339 - CIPA. SUPLENTE. GARANTIA DE EMPREGO. CF/1988.(...)II - A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário." "Nº 369 - DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.(...)IV - Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade." Entretanto, quando a garantia de emprego configura vantagem individual ou social (gestante, acidentado, contratual etc.), prevalece na jurisprudência a conversão em indenização, por aplicação analógica dos arts. 118 da lei 8213/91, 498 da CLT e OJ 230 da SDI-1. Em qualquer caso é sempre devido o aviso prévio, nos termos da súmula 44 do TST4. Nos contratos suspensos não há viabilidade de despedir sem justa causa, como se dá no acidente ou doença profissional, mas acórdãos recentes tratam diferentemente a extinção da empresa: "PLANO DE SAÚDE - AUXÍLIO DOENÇA - EXTINÇÃO DA EMPRESA - Com efeito, havendo a total extinção da empresa, os contratos de trabalho suspensos em razão da percepção de auxílio-doença também são extintos; Em face da impossibilidade da continuidade do vínculo de emprego. Desta forma, não se mantém a continuidade do plano de saúde." (TRT 01ª R. - RO 0102120-09.2019.5.01.0421 - 9ª T. - Rel. Celio Juacaba Cavalcante - J. 04.03.2021) "EXTINÇÃO DA EMPRESA - IMPOSSIBILIDADE DE MANUNTENÇÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO - A extinção das atividades da empresa afeta todos os contratos vigentes, inclusive aqueles suspensos. Portanto, estando o contrato de trabalho do obreiro nesta situação ele sofre a mesma sorte." (TRT 03ª R. - RO 0010579-72.2019.5.03.0150 - 7ª T. - Rel. Paulo Roberto de Castro - J. 12.11.2020) "SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - DISPENSA DE EMPREGADO DOENTE - NULIDADE DA RUPTURA CONTRATUAL - Pela inteligência do art. 476 da CLT, tem-se por suspenso o contrato de trabalho no período em que o empregado estiver doente, recebendo auxílio-doença ou auxílio-doença acidentário, sendo nula a dispensa nesse interregno, salvo nos casos de pedido de demissão, justa causa, fraude e extinção da empresa." (TRT 18ª R. - RO 0010801-34.2014.5.18.0009 - Rel. Eugenio Jose Cesario Rosa - DJe 08.12.2016 - p. 398) Como deflui destas considerações, há riscos na extinção da empresa que aconselham, quando possível, a negociação coletiva de um programa social para disciplinar o desligamento em massa, acertando com o sindicato os vários aspectos jurídicos, econômicos e sociais. Na hipótese de recusa à negociação pela entidade sindical, cabe a alternativa do art. 617, § 1º, da CLT, ou seja, negociação direta com os empregados. O acordo coletivo sempre reduz o risco de questionamento judicial. A depender das contrapartidas, a empresa extinta pode negociar quitações individuais, instituindo uma transação dúplice, ou seja, coletivamente com o sindicato e individualmente com os trabalhadores. Em tempos de crise e fechamento de empresas este assunto é atual e palpitante. _____ 1 A propósito do tema, nossa coluna de 24.01.2022. Disponível aqui. 2 173 - SALÁRIO. EMPRESA. CESSAÇÃO DE ATIVIDADESExtinto, automaticamente, o vínculo empregatício com a cessação das atividades da empresa, os salários só são devidos até a data da extinção. Ex-prejulgado 53. 3 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. S. Paulo: Atlas, 2010. p. 400. 4 44 - AVISO PRÉVIOA cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio.
O governo Federal publicou na última segunda-feira, 28/3, duas medidas provisórias que tratam do teletrabalho. Uma delas (MP 1.109) torna perene o conjunto de medidas que podem ser utilizadas pelo governo, empregados e empresas para enfrentamento de calamidades públicas. São mecanismos que se mostraram eficazes durante a pandemia do COVID-19, agora incorporados ao ordenamento. Bastará novo reconhecimento de calamidade pelo Poder Executivo Federal (artigo 2º) para colocar em prática os institutos: teletrabalho por decisão unilateral da empresa, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas e suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS. Grande realce merece a manutenção do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, programa que literalmente salvou milhões de empregos com o aporte do BEm nas hipóteses de suspensão dos contratos ou redução da jornada com redução proporcional do salário. Estamos alinhados a outros países, servindo de exemplo a Alemanha, que mantém programas análogos (Kurzarbeit) há mais de um século. A consagração desses mecanismos, com a conversão dessa MP em lei, parece bem adequada. A outra medida provisória (MP 1.108) traz inovações nas regras gerais do teletrabalho. Muitas questões não estavam bem resolvidas com o tratamento dado pela lei 13.467/17. As regras da Reforma Trabalhista de 2017 foram importantíssimas para o teletrabalho durante a pandemia, com a manutenção de empregos e da produção, embora alguns pretendam sua revogação. Mas é certo que há problemas práticos. Empresas, empregados e sindicatos os enfrentaram com as ferramentas de que dispunham, mas sempre se sujeitarão ao crivo do Judiciário. Por muitos anos haverá ações discutindo se foram certas ou erradas. Essa nova legislação reduz algumas incertezas, mas cria outras. A redação do artigo 62, III, da CLT, nos termos da lei 13.467/17, retirava os empregados em teletrabalho da proteção do Capítulo Duração do Trabalho. Naquele momento provavelmente se teve em conta total liberdade horários, não se justificando controle, horas extras, intervalos etc. Entretanto, ficou claro na pandemia que tal liberdade não vale para todas as atividades. Há empregados de quem se espera apenas o resultado, pouco importando o tempo. Muitos outros, entretanto, atuam em horários pré-definidos em razão da natureza da atividade ou por estarem engajados no trabalho em equipe. No jargão dos profissionais de recursos humanos, atividade remota sem jornada definida é "teletrabalho" e, quando definida, é "home office". Em "home office", segundo essa classificação, os empregados devem respeitar os horários fixados e têm direito a hora extra, mas assim não estava escrito na lei. A MP propõe, como solução, excluir do Capítulo Duração do Trabalho apenas "os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa". A iniciativa é louvável, mas a redação enseja novos embates. A rigor, a contratação por produção ou tarefa não afasta, por si só, as regras acerca de duração do trabalho. Os comissionistas puros têm jornada definida quando não enquadrados nas exceções do artigo 62 e, assim, fazem jus a hora extra, conforme a Súmula 340 do TST. A MP utiliza termos imprecisos. Sua intenção fica mais clara na leitura do artigo 75-B, § 2º (...O empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa...). Melhor seria distinguir "com jornada definida" e "sem jornada definida". Desse modo se excluiriam os empregados "em regime de teletrabalho com plena liberdade de jornada e horários, não descaracterizando esta exceção o eventual comparecimento ao estabelecimento do empregador ou a reuniões". Por oportuno, cabe recordar que o controle, quando necessário, não precisa ser o tradicional. São admissíveis o "controle por exceção" e também "meios alternativos" negociados com os sindicatos. Outra importante mudança está na definição do caput do artigo 75-B da CLT. A redação anterior considerava "teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador". Agora, alude à "prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não". O parágrafo primeiro diz que "o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto". Essas alterações são endereçadas ao chamado trabalho híbrido, muito desejado por empresas e empregados. Há forte tendência, após a pandemia, a uma alternância entre trabalho dentro e fora do estabelecimento. A norma prevê regime híbrido, mas persiste o problema da jornada e seu controle. Ressalvada a regulamentação específica por negociação coletiva, certamente haverá controvérsia sobre o cabimento da exceção do artigo 62, III, da CLT nessas situações. Caberia perguntar sobre a possibilidade de escolha entre trabalho com e sem jornada definida de forma alternada, ou seja, dentro ou fora da empresa. Através de negociação evidentemente será possível, mas por aplicação pura e simples da MP há vários riscos. No teletrabalho o local perdeu relevância apenas em parte, pois ainda é dado importante para outros direitos previstos na lei. O último texto desta coluna tratou especificamente desse tema, mas há duas inovações trazidas pela MP. Como se sabe, o sindicato representa a categoria na base territorial, a qual muitas vezes é inferior aos limites da atuação do teletrabalhador, causando dúvida sobre a representação sindical.  O artigo 75-B, § 7º, da CLT passa dispor que ""aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado". No § 8º é resolvido em parte o problema do trabalho transnacional, ao afirmar que "ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na lei 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes". A regra nada diz sobre o trabalho prestado a partir do Brasil em proveito de tomador no exterior. Também não ressalva a incidência das normas imperativas, como tradicionalmente se faz em direito internacional privado. Lamentavelmente a MP não inovou na questão dos equipamentos e despesas em teletrabalho, mantendo no artigo 75-D ampla liberdade para a negociação individual, sem qualquer parâmetro. Isso pode ensejar desequilíbrios e já há ações em que se postula o ressarcimento de gastos. O texto poderia trazer critérios para evitar abusos, além de permitir o reembolso em valores pré-fixados, sem correspondência exata com os custos muito variáveis, reduzindo inclusive o risco de incorporação ao salário ou inclusão na base de cálculo de imposto de renda e contribuições previdenciárias. A única inovação é a regra de que "o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes". Diante desse quadro, persiste de grande relevância a negociação coletiva para ajuste dos modelos à realidade das empresas e para reduzir o risco de conflitos. Estes são apenas alguns apontamentos sobre as inovações, havendo outras nuances e preocupações. Em conjunto com o Migalhas estamos organizando evento para tratar do tema sob diversas perspectivas. Em breve será divulgado. Todos os leitores estão convidados. 
Lembro malTempo em que aAldeia era local. Millôr Fernandes1 O local de execução de serviços sempre teve grande importância na definição das leis e normas coletivas aplicáveis ao trabalhador, parâmetro hoje desafiado pelo crescimento do trabalho virtual. Em direito internacional privado, o critério clássico para a definição da lei de regência de um contrato internacional era o elemento de conexão lex loci executionis, ou seja, lei do local em que o serviço é executado. Como já demonstramos em outros estudos2, esse critério, amparado em um único elemento do contrato (território)3, foi superado nos tratados e leis mais modernos, em que se contemplam outros mais flexíveis, chamados de funcionais pela doutrina. Aceita-se certo subjetivismo para privilegiar o melhor resultado. Surgem assim novos conceitos como o de "lei de vínculos mais estreitos", a admissão do fracionamento da lei de regência (a regência de partes do contrato por leis distintas passa a ser regra em determinadas situações), a valorização da autonomia da vontade (escolha da lei de regência pelas partes com certos limites) e a referência ao local habitual de prestação de serviços (em oposição ao mero local de prestação de serviços). Com essa evolução, a lei aplicável ao contrato internacional de trabalho - assim entendido aquele com elementos de estraneidade, que potencialmente o conectam a mais de um país4 - não necessariamente será a do local da execução dos serviços, havendo muitas variantes. Contudo, o local ainda é relevante critério, especialmente para impor limites à eventual escolha da lei de regência pelas partes. O Brasil pouco evoluiu nessa matéria. Abandonou o critério clássico com o cancelamento do Enunciado 207 do Tribunal Superior do Trabalho (2012) e ampliou a aplicação da Lei 7.064/82 a qualquer atividade, não apenas engenharia (2009). Essa lei, criada no contexto de transferência em massa de brasileiros ao exterior para obras de engenharia civil (por isso conhecida como Lei Mendes Junior), faz distinção entre aqueles contratados no Brasil e transferidos (Capítulo II) e aqueles diretamente contratados por empresa no exterior (Capítulo III). Na primeira hipótese privilegia a aplicação da lei mais favorável em relação a cada matéria, impondo dificílimo fracionamento das leis de regência5. Na segunda hipótese tem a arrogância de impor obrigações a empresas que sequer operam no país6. É uma lei sistematicamente desrespeitada em razão de seu anacronismo e inúmeras deficiências. No ambiente doméstico, apesar de incumbir à União Federal legislar sobre direito do trabalho, o local de prestação de serviços é essencial para  definição do sindicato representativo e das normas coletivas aplicáveis (há monopólio de representação em determinada "base territorial"). São frequentes reclamações trabalhistas em que se discute a aplicação desta ou daquela norma coletiva quando o empregado transita por mais de uma localidade. Na atualidade digital, essa preocupação com o território perdeu completamente o sentido. O trabalho se realiza virtualmente, em vários locais espalhados pelo país e até mesmo no exterior.  Há  mais de vinte anos o World Employment Report 2001 da OIT examinou os efeitos das ICT (information and communication tecnologies) no mundo do trabalho. Das conclusões destacadas pelo relatório, sobressai que as ICT poderiam fragilizar o vínculo entre localização física e performance, o que teria implicações no modo como a duração do trabalho é tradicionalmente regulada, na forma como o contrato de emprego é administrado e no modo como as negociações coletivas estão estruturadas e administradas7. Isso deixou de ser um prenúncio e se consolidou em diversos setores, aflorando com ainda maior intensidade após o início da pandemia do COVID-19. Outrora as dificuldades estavam nos grupos de empregados em atividades móveis8, como os aeronautas e marinheiros, que perpassam diversos territórios no exercício da atividade, e os vinculados a atividades dispersas como jornalistas correspondentes, determinados artistas (vg. circenses), propagandistas e vendedores viajantes que se deslocam frequentemente. Conforme o critério europeu, essas hipóteses não revelam um local habitual, sendo, em princípio, aplicável a lei do local em que está o estabelecimento que contratou o trabalhador. Por sua vez, a Lei 7064/82 nada diz a respeito. Esse dilema também surgia na transferência provisória9 e hoje, de forma muito contundente, desponta no teletrabalho, quando pouco importa o local da prestação de serviços. Agora não mais se discute se o local de prestação de serviços é - ou não - o habitual. O conceito de local simplesmente perdeu importância diante do teletrabalho. Afinal, o local é virtual, etéreo, inefável. O direito ainda não tem respostas claras para esses novos impasses, muito embora diversos fatores paralelamente estimulem o crescimento do fenômeno. Países criaram vistos de trabalho específicos para quem deseja neles residir e trabalhar virtualmente em proveito de empresas estabelecidas no exterior (Antígua e Barbuda, Barbados, Bermudas, Costa Rica, Emirados Arabes Unidos, Estônia, Geórgia, Ilhas Cayman, Ilhas Maurício, Islândia etc).  Redes hoteleiras desenvolveram o conceito de workation (work and vacation), em que trabalho se mistura com descanso em locais paradisíacos como Aruba, em estadias de longo prazo. Um executivo brasileiro pode se hospedar por meses em um resort no Caribe e prestar serviços remotamente a seu empregador em S. Paulo. Isso não ocorre apenas na iniciativa privada. O Conselho Nacional de Justiça, com a Resolução n. 298, de 22.10.2019, reconheceu "expressamente autorizado o teletrabalho para os servidores do Poder Judiciário no exterior desde que no interesse da Administração". Essa é a face hipster do teletrabalho transnacional. Na outra ponta, FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA JUNIOR10 destaca o maior desequilíbrio na equação capital versus trabalho: "A demanda por metamorfose do direito laboral atinge direta­mente os teletrabalhadores, notadamente transnacionais. Com a ausência de regulamentação clara e abrangente, este mercado ten­de a autorregular-se, impondo sérios riscos à segurança dos traba­lhadores vias meios telemáticos internacionais, os quais passarão a suportar os riscos da atividade econômica das empresas, ficando à mercê dos ditames do mercado, apenas laborando e gozando de algum direito quando este for favorável ao contratante patronal. Por outro lado, o tamanho do mercado internacional de teletra­balhadores atinge um nível jamais constatado na história humana, pois abarca obreiros de todo o globo, em face da possibilidade de se mourejar praticamente em qualquer lugar. Destarte, a assimetria das relações jurídicas travadas entre empregados e empregadores apresenta-se ainda mais gritante neste caso, onde a abundância de mão-de-obra é quase infinita, o que desequilibra demasiadamente a relação jurídica em favor das empresas." Além da mera redução de custos com mão-de-obra, há outros interesses atrelados unicamente ao processo produtivo, como bem aponta MANUEL MARTÍN PINO ESTRADA11: "As razões para explicar a ida ao teletrabalho transfronteiriço são diversas, desde a procura de um perfil determinado, até a possibilidade de entrar em outros mercados sem a necessidade de criar filiais nem de deslocar trabalhadores. Mas a principal causa é obter vantagens competitivas, obtendo um benefício das diferenças salariais e da carga social que existem nos diferentes países. Em outros casos, o empresário procura uma maior operatividade da empresa, aproveitando-se dos fusos horarios, fazendo que se acesse aos terminais da empresa enquanto o pessoal interno estiver descansando, desta forma, os computadores centrais ficariam funcionando dia e noite, ou seja, as 24 horas do dia. Este tipo de deslocamento permite que as empresas ofereçam mais emprego, tendo um maior número de empregados a serem incorporados e com a possibilidade de que, trabalhadores com dificuldade de acesso por motivos geográficos e despesas no transporte possam conseguir ofertas de trabalho, provocando uma "exportação de emprego" a países em desenvolvimento, colocando um freio na pressão migratória nos países desenvolvidos e colaborando com a melhoria dos métodos tecnológicos, da produção e do trabalho, e claro está, estaria melhorando-se a formação profissional dos trabalhadores." Há setores da economia brasileira em que mão-de-obra qualificada ou altamente qualificada - muitas vezes escassa - passa a ser contratada por empresas estrangeiras que aqui não estão. Além dos problemas relacionados à eventual desproteção do trabalhador, essa mão-de-obra barata para a empresa estrangeira em razão da vantagem cambial pode fazer falta aos tomadores locais. Surgem também notícias de contratação sem reconhecimento de vínculo empregatício ou qualquer proteção trabalhista, por intermédio de falsas pessoas jurídicas, como se se tratasse de mera relação comercial. Tudo está a revelar a urgência de enfrentamento do tema por normas domésticas e especialmente internacionais. As peças simplesmente não se encaixam no modelo atual de solução de conflito de leis no espaço. Bastam alguns exemplos. A rigor, para os fins do Capítulo II da Lei 7.064/82, esse teletrabalhador não foi transferido ao exterior. Também não foi contratado por empresa estrangeira para trabalhar no exterior, conforme regras do Capítulo III. A empresa estrangeira, por outro lado, se aqui também não estiver sediada ou não dispor de representante legal, simplesmente não conseguirá cumprir com as obrigações trabalhistas brasileiras mesmo se assim desejar. No modelo da União Européia12 também existe dificuldade de aplicação dos critérios tradicionais, mas há sempre a válvula de escape da "lei dos vínculos mais estreitos", muito embora com grande subjetivismo13. Evidentemente, ao lado da regulamentação estatal, as empresas também podem contribuir para a evolução desse modelo em compliance com questões sociais e tributárias, reforçando a relevância do chamado padrão ESG. Essa ressalva se conecta com outro texto desta coluna14 e permite concluir: a crescente consciência de responsabilidade social não se concilia com a exploração de lacunas normativas em benefício único das empresas. __________ 1 FERNANDES, Millôr. Hai-Kais. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1997. p. 30. 2 Exemplificativamente: PERES, Antonio Galvão. Contrato internacional de trabalho: novas perspectivas. S. Paulo: LTr, 2004. PERES, Antonio Galvão. Contrato internacional de trabalho: acesso à justiça. Conflitos de jurisdição e outras questões processuais. Rio de Janeiro: Elsevier/Campos Jurídico, 2009. PERES, Antonio Galvão. Trabalho em navios. O método funcionalista e a superação dos elementos de conexão para definição da lei aplicável a contratos internacionais. Revisitando a 'lei do pavilhão'. Revista LTr. v. 83. nº 5. S. Paulo: LTr, maio de 2019, p. 563-577. 3 No modelo clássico, são identificados os elementos do contrato e apenas um é escolhido para indicar a lei aplicável. É o chamado elemento de conexão. A escolha de um único elemento e o desprezo aos demais frequentemente enseja soluções injustas, o que tem fomentado a revisão desse modelo clássico, como se constata no direito norte-americano, nas normas da CE - Comunidade Europeia e em convenções mais recentes da OEA - Organização dos Estados Americanos. 4 Serve de exemplo esta passagem de outro estudo: "A internacionalização do contrato de emprego reclama diálogo do direito do trabalho com o direito internacional privado (DIP), ramo ao qual incumbe solucionar os conflitos de leis no espaço. Há diversas situações contratuais vinculadas a mais de um país e, em consequência, a mais de um sistema jurídico. Eis exemplo didático: contrato de trabalho (natureza jurídica) celebrado entre brasileiro e empresa norueguesa (nacionalidades distintas), em solo norte-americano (local da celebração), para execução na Argentina (local da execução) e com eleição da lei canadense (autonomia da vontade). Nesse exemplo, o contrato está potencialmente conectado a diversos países, exigindo critérios técnicos para definição da lei aplicável." (PERES, Antonio Galvão. Trabalho em navios. O método funcionalista e a superação dos elementos de conexão para definição da lei aplicável a contratos internacionais. Revisitando a 'lei do pavilhão'. Revista LTr. v. 83. nº 5. S. Paulo: LTr, maio de 2019, p. 563.) 5 Art. 3º - A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços: I - os direitos previstos nesta Lei; II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria. Parágrafo único. Respeitadas as disposições especiais desta Lei, aplicar-se-á a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e Programa de Integração Social - PIS/PASEP. 6 Art. 12 - A contratação de trabalhador, por empresa estrangeira, para trabalhar no exterior está condicionada à prévia autorização do Ministério do Trabalho.(Regulamento) Art. 13 - A autorização a que se refere o art. 12 somente poderá ser dada à empresa de cujo capital participe, em pelo menos 5% (cinco por cento) pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Art. 14 - Sem prejuízo da aplicação das leis do país da prestação dos serviços, no que respeita a direitos, vantagens e garantias trabalhistas e previdenciárias, a empresa estrangeira assegurará ao trabalhador os direitos a ele conferidos neste Capítulo. 7 International Labour Organization. (ILO), ILO Activities on the social dimension of globalization: Synthesis report. Geneva: 12 July 2002. Disponível em: . 8 Essa terminologia (activité mobile et activité éparse) é empregada por COURSIER, Philippe. Le conflit de lois en matière de contrat de travail: étude en droit international privé français. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1993. P. 106-111. 9 RONALDO LIMA DOS SANTOS distingue os efeitos das transferências provisória e definitiva para o direito coletivo. Na primeira hipótese, o empregado "continuará vinculado ao sindicato profissional de origem e às normas coletivas por ele pactuadas". Na segunda, "a aplicação da norma coletiva do novo local de prestação de serviços opera-se pelo simples fato de o empregado passar a laborar em localidade sujeita à representação de outro sindicato", inclusive se mantiver o mesmo domicílio (SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. S. Paulo: LTr, 2007. P. 210-211). 10 BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. O direito do trabalho líquido e o teletrabalho transnacional: demanda por regulamentação efetiva. In: BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis; NASCIMENTO, Fábio Severino (org.). Diálogos do direito hodierno: estudos em homenagem ao I Congresso Internacional Europeu Brasileiro de Direito do Trabalho em Campina Grande. Campina Grande: UEPB, 2019. p. 86. 11 ESTRADA, Manuel Martín Pino. O teletrabalho transfronteiriço no Direito brasileiro e a globalização.  12 Acerca da realidade portuguesa, ensinam Suzana Fernandes da Costa e Conceição Soares: "No que respeita à lei aplicável à relação laboral em que a entidade empregadora se localiza em Portugal e o trabalhador trabalha remotamente a partir do estrangeiro, o Código do Trabalho é omisso. No entanto, a Convenção de Roma relativa à lei aplicável às obrigações contratuais, estabelece no seu artigo 3.º que o contrato se rege pela lei escolhida pelas partes e que essa escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 2 da Convenção de Roma, prevê que na falta de escolha pelas partes da lei aplicável, o contrato de trabalho é regulado: a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou b) Se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país. Há, no entanto, que ter em conta que a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do nº 2 mesmo artigo e a que nos referimos atrás." (COSTA, Suzana Fernandes da; SOARES, Conceição. Teletrabalho a partir do estrangeiro - algumas questões em torno da fiscalidade, segurança social e legislação laboral. RED - Revista Eletrónica de Direito. Fevereiro de 2021. N. 1 (vol. 24). Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Porto). 13 Em verdade, os critérios da Convenção de Roma de 1980 foram posteriormente incorporados ao Regulamento CE 593/2008. Conforme modelo europeu, a regra geral é a autonomia da vontade, mas, independentemente da escolha das partes, se houver um local habitual de prestação de serviços, incidem as normas imperativas desse local; não havendo local habitual, aplicam-se as do local em que está o estabelecimento que contratou o trabalhador. A norma ressalva ao final, genericamente, a teoria da lei dos vínculos mais estreitos, caso não coincida com a indicada pelos critérios objetivos. Trata-se de uma válvula de escape para assegurar justiça ao caso concreto. A prática revela que sequer os critérios objetivos são precisos. De qualquer forma, o grande mérito dos critérios é preservar a unidade do contrato e a prevalência das normas do chamado "local habitual". 14 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão. Economia digital e padrão ESG: O capitalismo colaborativo. Coluna quinzenal O Direito do Trabalho nos Negócios.
O constituinte de 1988 estabeleceu no art. 7º, XIV, jornada diferenciada de seis horas para os turnos ininterruptos de revezamento, salvo ajuste diverso em norma coletiva. A jornada reduzida visa atenuar os impactos negativos da alteração de turno no organismo do trabalhador, mais precisamente no chamado ritmo circadiano, espécie de "relógio biológico" responsável por várias funções e variações de temperatura, hormônios, digestão, sono etc. A palavra circadiano tem origem no latim (circa diem) e, literalmente, significa "em torno do dia". É corrente a ideia de que diversas funções do organismo humano estão naturalmente estruturadas em torno de um dia, escalonadas em períodos relativamente precisos. Merece referência, acerca das diversas espécies de "relógio biológico", interessante pesquisa patrocinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)1:  "Houve uma época em que, durante quatro meses seguidos - nem pensar em descansar nos finais de semana ou feriados -, um grupo de biólogos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) acompanhou dia a dia o crescimento e a reprodução de colêmbolos, insetos primitivos sem olhos nem pigmentação, que têm menos de um milímetro de comprimento e habitam regiões profundas das cavernas.(...). As centenas de páginas de anotações atestam que se deve considerar a existência de uma complexa organização temporal para compreender o funcionamento das atividades cotidianas dos seres vivos, como alimentação, sono, descanso e o trabalho de modo geral. (...) essa organização temporal envolve não só um relógio biológico, como se pensava, mas pelo menos dois outros tipos. De todos, o mais conhecido é o circadiano - com uma duração aproximada de 24 horas, é regido pela alternância entre claro e escuro e coordena, por exemplo, o sono dos seres humanos (...). Um estudo publicado em fevereiro na Biological Rhythm Research, que contou com a colaboração da equipe da USP, comprova a manifestação do circadiano em bebês prematuros: ao contrário do que se imaginava, já que bebês ainda não se relacionam com o claro e o escuro, a pesquisa exibiu uma variação da temperatura dos recém-nascidos que se repete a cada ciclo de aproximadamente 24 horas - indício evidente de registro do circadiano (...) além dos relógios biológicos dos seres vivos, é a natureza que apresenta um ritmo de funcionamento (...). O ciclo claro e escuro é uma referência importante para promover essa harmonia, por indicar o momento de comer, acordar e dormir." A proteção constitucional tem o objetivo, com base em experiências médicas, de assegurar o equilíbrio dessas funções ou, ao menos, reduzir os efeitos prejudiciais dos turnos ininterruptos de revezamento. A finalidade precípua da norma é tutelar o empregado que trabalha "periodicamente obrigado à mudança de hábitos (horário de sono, refeição etc.)"2. Os prejuízos do revezamento vão além da saúde do trabalhador, eis que atingem também o convívio familiar e a vida social. Não bastasse isto, praticamente inviabilizam a qualificação - ou requalificação - profissional, pois impedem o trabalhador de frequentar cursos de longa e média duração, o que pode levar à sua estagnação na organização produtiva. As notas principais do turno ininterrupto de revezamento obviamente não estão no texto constitucional; a doutrina e jurisprudência é que as vêm delineando. Já está assentado que o intervalo não descaracteriza o turno ininterrupto, como se vê na Súmula nº 360 do TST3. Por outro lado, a jornada reduzida só se justifica quando o empregado trabalha em turnos diferenciados, como diz acertadamente o saudoso PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS: "Em síntese, para que a jornada seja reduzida a seis horas diárias, é preciso que o empregado trabalhe normalmente em turnos (diurno e noturno), alternadamente, em regime de revezamento" (Direito do Trabalho na Nova Constituição. S. Paulo: Atlas, 1989, p. 32). A jurisprudência também exige alternância em intervalos pequenos. Assim, por exemplo, a alternância de turnos acompanhando períodos de safra e entressafra não configura a hipótese constitucional. Nesse sentido, o seguinte julgado: "TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - INTERVALOS DE ALTERNÂNCIA A CADA 4 MESES - DESCARACTERIZAÇÃO - Para que se verifique prejuízo à saúde obreira, justificando a adoção da jornada de 6 horas diárias, a alternância de turnos deve se dar em intervalos semanais ou quinzenais, de forma a afetar o ciclo circadiano, a rotina diária de repouso/vigília do trabalhador, situação que não se verifica no caso em questão. Recurso ordinário do autor ao qual se nega provimento." (TRT 02ª R. - RO 1000738-68.2017.5.02.0074 - Relª Sonia Maria Forster do Amaral - DJe 23.10.2018 - p. 12943) O trabalho em turno ininterrupto de revezamento é considerado prejudicial à saúde do trabalhador e, por essa razão, a jurisprudência majoritária4 consolidou o entendimento de que a alteração para turnos fixos se insere no chamado jus variandi, ou seja, pode ser determinada unilateralmente pelo empregador. Dito de outro modo, ainda que a alteração implique, para quem trabalhar durante o dia, a perda do adicional noturno, o aumento da jornada (vg. de seis para oito horas, mas com a remuneração correspondente) e outros eventuais benefícios previstos em lei ou norma coletiva, a hipótese não se submete ao artigo 468 da CLT. Por fim, vale lembrar que a Carta de 1988 admite jornada superior a seis horas, no turno ininterrupto, mediante negociação coletiva. Isto significa a viabilidade, com base no artigo 7º, XIII e XXVI, de pactuar coletivamente jornada de oito horas ou mesmo superior, respeitando-se os limites semanais e mensais. Também é viável jornada de oito horas com o acréscimo de eventuais horas extras, mas há muitos julgados em sentido contrário. A Súmula n. 423 do C. TST dispõe que, "estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras". Na prática, é corrente a interpretação a contrario sensu desse verbete no sentido de que horas habituais acima da oitava hora descaracterizam o elastecimento negociado. Nesse sentido: "RECURSO DE REVISTA - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - EXTRAPOLAÇÃO HABITUAL DA JORNADA DE OITO HORAS PACTUADA EM NORMA COLETIVA - DESCARACTERIZAÇÃO - HORAS EXTRAS - A jurisprudência desta Corte entende que, em se tratando de jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, ampliada por norma coletiva, não se admite a sua extrapolação além da oitava hora. No caso, o Tribunal Regional, ao entender pela validade do regime adotado em turnos ininterruptos de revezamento, mediante negociação coletiva, mesmo quando elastecida habitualmente a jornada além da oitava hora, não observou o preconizado na Súmula 423 do TST, a qual, interpretando o art. 7º, XIV, da Constituição Federal, assegura o elastecimento, por negociação coletiva, desde que não ultrapassada a jornada de oito horas. Recurso de revista conhecido e provido." (TST - RR 217-27.2011.5.04.0291 - Rel. Des. Conv. Fábio Túlio Correia Ribeiro - DJe 19.10.2018) Essa presunção de abuso não pode ser aplicada como regra geral. Aliás, muitas vezes a própria norma coletiva disciplina a possibilidade de horas extras e, em alguns casos, com adicional diferenciado ou outras contrapartidas. Merece referência o seguinte aresto: "RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. HORAS EXTRAS. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. ELASTECIMENTO POR NORMA COLETIVA SUPERIOR A OITO HORAS DIÁRIAS. DURAÇÃO MENSAL DO TRABALHO INFERIOR A 180 HORAS. O entendimento desta Corte Superior, consubstanciado na Súmula n.º 423, é no sentido de que, "estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7.ª e 8.ª horas como extras". Na hipótese, embora a norma coletiva tenha estabelecido jornada de 10h45, constata-se que mensalmente a duração não ultrapassava as 180 horas previstas para os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento. Desse modo, tem-se que a negociação coletiva é mais benéfica ao autor, pois a totalidade do labor mensal era inferior e a remuneração era paga considerando a duração mensal de 220 horas, superior à que efetivamente laborava no mês. Logo, deve-se prestigiar a norma coletiva, conforme assegura o art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal. Diante de tais circunstâncias, o presente caso não se amolda ao entendimento constante da Súmula n.º 423 desta Corte, por se tratar de jornada de trabalho diferenciada. Merece reforma decisão regional. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (Processo: RR -10429-36.2015.5.03.0149, Relator: Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, 7.ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/10/2017). A restrição da autonomia privada coletiva, além de afrontar a Carta Magna, não se concilia com os artigos 611-A e 611-B da CLT. O tema é sensível em razão da teleologia da norma, mas há que privilegiar a autonomia negocial dos representantes das partes diretamente envolvidas. __________ 1 BICUDO, Francisco. Sob o jugo de Cronos. Revista Pesquisa, nº 77. S. Paulo: FAPESP, julho de 2002. p. 44-46. 2 TST-RR-197.850/95.7 (Ac. 2ª T-0358/97) - 3º Reg. - Rel. Min. Moacyr Roberto Tesch Auersvald. DJU 4.4.97, pág. 10.861, In: FERRARI, Irany. Julgados Trabalhistas Selecionados. v. 5. S. Paulo: LTr, 1998.  p. 409, ementa 990. 3 "Súmula nº 360 do TST. Turnos ininterruptos de revezamento. Intervalos intrajornada e semanal A interrupção do trabalho destinada a repouso e alimentação, dentro de cada turno, ou o intervalo para repouso semanal, não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 (seis) horas previsto no art. 7º, XIV, da CF/1988." 4 Há muitos julgados nesse sentido: RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA MUDANÇA DE TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO PARA TURNO FIXO - LICITUDE ALTERAÇÃO DO DIVISOR DE 180 PARA 200 - SÚMULA Nº 431 - PROVIMENTO - O artigo 468 da CLT dispõe que "Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia". No caso, houve a alteração contratual com mudança do labor em turno ininterrupto de revezamento para turno fixo e adoção do divisor 200 em detrimento do divisor 180. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no entendimento de que o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento constitui um regime com alto grau de desgaste físico, mental e psíquico, prejudicial ao convívio social e à saúde do trabalhador, resultante das contínuas mudanças de turnos, razão por que o legislador condicionou sua validade a uma jornada reduzida de seis horas (artigo 7º, XIV, da Constituição Federal). Em consequência, firmou-se decisão de que não há óbice no artigo 468 da CLT tampouco ilicitude na alteração da jornada em turnos ininterruptos de revezamento para o turno fixo, por este proporcionar condição mais benéfica ao trabalhador, situando-se no campo do jus variandi do empregador. Sendo lícita a mudança da jornada em turno ininterrupto de revezamento para turno fixo, com jornada de 40 horas semanais, a aplicação do divisor 200 está em consonância com a Súmula nº 431. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (....) (TST - RR 278-87.2013.5.04.0008 - Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos - DJe 11.10.2018)  ALTERAÇÃO DE TURNO INTERRUPTO [SIC] DE REVEZAMENTO PARA TRABALHO E HORÁRIO FIXO - A alteração do turno ininterrupto de revezamento para o trabalho em horário fixo, por ser, de regra, mais benéfica ao trabalhador, não se insere nas vedações do artigo 468, da CLT, pois se situa no campo do jus variandi do empregador, tendo sido observada a regra do artigo 71, da CLT, com relação à duração do trabalho contínuo que exceda de seis horas, razão pela qual conclui-se como válida a alteração. Recurso não provido. (TST - RR 181.447/95.4-15ª R - 1ª T. - Rel. Min.Conv. João Cardoso - DJU 1 09.08.1996)  I- RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMADO - ALTERAÇÃO CONTRATUAL - MUDANÇA DO REGIME DE TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO PARA TURNO FIXO - ALTERAÇÃO LÍCITA - O trabalho em turnos ininterruptos de revezamento constitui regime que acarreta alto grau de desgaste físico, psicológico e social do trabalhador, prejudicial ao convívio social e à saúde do empregado, razão pela qual o legislador constituinte condicionou sua validade a uma jornada reduzida de seis horas (artigo 7º, XIV, da Lei Maior). Por corolário, assim como por proporcionar condição bem mais benéfica ao trabalhador, a alteração do regime de jornada em turnos de revezamento para a jornada fixa não encontra óbice no artigo 468 do Diploma Consolidado, estando inserida no campo do jus variandi do empregador. Precedentes da Corte Superior Trabalhista. Recurso a que se dá provimento. (...) (TRT 02ª R. - ROT 1000773-48.2018.5.02.0444 - Relª Jane Granzoto Torres da Silva - DJe 06.09.2019 - p. 15791)
"o maior pecado depois do pecado é a publicação do pecado" MACHADO DE ASSIS (Quincas Borba) No passado a conexão com o trabalho terminava ao fim da jornada anotada no relógio de ponto. O empregador tinha pouca ou nenhuma ciência do comportamento e da vida pessoal do empregado. Tudo isso mudou. As redes sociais possibilitam conhecer o que o empregado verdadeiramente é, pensa e faz em suas relações familiares e pessoais, "hobbies", casos amorosos, preferências sexuais, estilo de vida e até ideologia política. Um exemplo é bem conhecido. Antes da saudável liberação sexual e dos costumes a que assistimos hoje, empregados frequentemente se sentiam obrigados a esconder do ambiente de trabalho relações homoafetivas que à época geravam sofrimento, preconceito e até discriminação. Essa injusta realidade impunha dissociar vida privada e carreira  profissional. Com a mudança dos tempos,  a comunicação entre essas vidas paralelas suscita atualmente fundadas dúvidas sobre os limites de interferência no direito fundamental de expressão individual. "Cabe perguntar: quem se revela publicamente intolerante estaria apto a conviver e respeitar diferentes orientações sexuais ou outras identidades de gênero no ambiente de trabalho? Com os intoleráveis episódios recentes de racismo no Brasil e no mundo, simpatizantes do nazismo ou antissemitas respeitariam colegas de origem judaica? Quem "viraliza" em vídeo insinuações sexistas conseguiria ser respeitoso com mulheres? Vale aqui relembrar o obsceno comportamento de torcedores brasileiros na Copa do Mundo de Futebol da Russia de 2018 que, para nossa vergonha, constrangeram uma jovem com canções e gestos." A exposição de condutas e ideias abomináveis na vida privada não se restringe a gestores ou colegas de trabalho. Pode também atingir ou provir de fornecedores e clientes do empregador. A verdade é que o uso das redes sociais se disseminou nas duas últimas décadas, vem crescendo em progressão geométrica e, na mesma medida, se metamorfoseando para o bem e para o mal. Após tantos anos, ainda pouco se sabe sobre a etiqueta social que rege o procedimento de adicionar ou "cancelar" nas redes particulares pessoas do círculo profissional. A legislação trabalhista não trata de forma específica do uso de redes sociais nas  relações de trabalho, mas o que se faz e se diz virtualmente cada vez mais repercute no ambiente laboral. Isso deve se acentuar com a difusão do metaverso. Em regra, em face da lei atual, somente os atos praticados pelo empregado durante a jornada produzem reflexos no contrato de trabalho. As hipóteses de justa causa previstas no art. 482 da CLT normalmente se restringem a atos praticados "no serviço" ou "contra o empregador ou seus superiores hierárquicos". Mas há exceções. Certa doutrina e jurisprudência admite, por exemplo, que atos graves fora do ambiente de trabalho, especialmente quando arriscam a preservação de valores materiais e morais, configuram justa causa por incontinência de conduta e/ou mau procedimento (art. 482, b, da CLT). O problema é que a mensuração da gravidade do ato e sua conexão com o ambiente de trabalho se prestam a algum subjetivismo ao sabor dos valores morais próprios de cada época. É interessante notar que a evolução ou involução dos costumes pode levar a conceitos diametralmente opostos. A falta grave por embriaguez habitual é hoje tratada como doença segundo os critérios da OMS. As dívidas contumazes não mais constituem justa causa para dispensa do bancário. É crescente o repúdio a discursos de ódio, racistas, homofóbicos, sexistas etc. No campo do trabalho, a publicidade desses atos certamente vai repercutir no ambiente laboral e na imagem do empregador. Eis o dilema: o poder diretivo não pode negar os direitos fundamentais da personalidade, dentre eles intimidade, privacidade e liberdade de expressão. "Então,  como reagir a comportamentos abusivos em redes sociais,   incompatíveis com a permanência no ambiente de trabalho?" A gradação das medidas pode ser: (i) rigorosa - rescisão por justa causa admitida por parte da doutrina e jurisprudência (vg. incontinência de conduta ou mau procedimento); (ii) intermediária -  rescisão sem justa causa; (iii) leve - advertência ou suspensão disciplinar. Entretanto, há risco mesmo na rescisão sem justa causa ou punição disciplinar, com o agressor se apresentando como vítima de discriminação e ofensa à liberdade de expressão. Como a avaliação é subjetiva, pode até ganhar a reintegração ou indenização da severíssima lei 9.029/95 (repressão à discriminação no trabalho), além de  indenização por dano moral. Sucede que, mesmo em tal cenário pantanoso,  as empresas são cada vez mais  cobradas a assumir sua responsabilidade social (padrão ESG). Devem encontrar soluções criativas e adotar normas que induzam o bom comportamento, cabendo aqui abordagem jurídica e metajurídica de sua responsabilidade. Responsabilidade social significa o compromisso de investimento em uma sociedade mais equilibrada mediante a adoção de governança responsável e ética. Pressupõe uma economia comportamental que aumenta o padrão de socialização da empresa e deve se espelhar - e espalhar - nos atos de ínvestidores, empregados, prestadores de serviços, fornecedores e consumidores. É razoável exigir que a postura individual de gestores e empregados interna e externa seja compatível com os valores abraçados pelo empregador. É cada vez mais visível a faceta institucional da empresa, o que expande suas obrigações com a sociedade. Isto vai além da mera governança corporativa e está valorativamente acima do mero interesse de investidores e trabalhadores. O atual desafio da área de recursos humanos e do departamento jurídico é manejar com sabedoria instrumentos que protejam o empregador da condenação pública e dos prejuízos  financeiros e de reputação. Afinal, podem ser irremediáveis, ainda que sobrevenham decisões judiciais favoráveis. Os danos à imagem representam grave crise corporativa. É importante que as decisões empresariais sejam guiadas por uma estratégia ampla e abrangente do fenômeno, até ultrapassando as meras obrigações legais. É também um trabalho de conscientização. Conforme a gravidade do ato a postura pode ser repressiva ou apenas educativa, mediante normas éticas que realcem os valores acalentados. Formar e instruir  devem ser medidas prévias à penalização, prevenindo más condutas futuras e facilitando a defesa em ações judiciais. Em síntese, o empregador deve investir primordialmente na informação, reciclagem e treinamento dos empregados com vistas à preservação de seu código de conduta e, ao cabo, proteção da imagem perante a sociedade.
Representar é atuar em nome e no interesse dos representados como núcleo do direito de associação. São consideradas ilícitas quaisquer condutas contrárias ou estranhas aos objetivos sociais autodefinidos por qualquer ente coletivo, o que inclui os sindicatos. A conduta contrária a esse dever de representação configura abuso de direito, a teor do art. 187 do CC/02. Afinal, o associativismo sindical está calcado na solidariedade de interesses prevista no art. 511, parágrafo 1º. da CLT: "A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica." Isto ainda mais se realça no nosso modelo de unicidade sindical que, de resto, viola compromissos internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica e os Pactos de 1966 da ONU sobre direitos políticos, econômicos sociais e culturais. No Brasil, a unicidade sindical obrigatória e o sistema de categorias vêm suscitando há muitos anos propostas de reforma para que, finalmente, ingressemos no regime de liberdade sindical preconizado na doutrina da OIT. O art. 511 da CLT traz a noção corporativista de categoria desde 1943 que, para não haver dúvida, ainda foi incorporada à CF/88, tornando mais difícil sua abolição. O sindicato, em nosso modelo, é a categoria juridicamente organizada e assim se estrutura para a defesa de interesses individuais e coletivos dos representados1. A categoria econômica tem como premissas a solidariedade e o vínculo estreito entre empresas do mesmo setor. O parágrafo 4º do art. 511 da CLT confirma que "os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural". Sindicatos, federações e confederações, todos parte da pirâmide, concentram a representação das categorias profissional ou econômica. A criação de novas entidades é quase impossível e se condiciona ao desmembramento territorial ou criação de uma nova categoria pelo critério da maior especificidade. Em decorrência, cabe à entidade patronal oferecer a todos os representados absoluta igualdade, sem qualquer tratamento discriminatório, como adverte, tratando das associações civis em geral, Paulo Lobo2: "As associações são regidas, portanto, pelo princípio da igualdade de tratamento nas relações com seus associados, no sentido de proibição da arbitrariedade, o que não exclui diferenciações de acordo com a realidade, desde que previstas no estatuto." Não pode o sindicato patronal tratar desigualmente seus associados e representados. Está obrigado a manter absoluta neutralidade na hipótese de conflitos internos, até mesmo em razão de questões concorrenciais. Afinal, só assim se justifica sua existência na medida em que, por definição, congrega empresas concorrentes e, é claro, com seus próprios interesses individuais. O sindicato não pode patrocinar conflitos entre membros da categoria porque a representação tem como requisito material inafastável a comunhão dos interesses. O sistema brasileiro repudia a defesa pelo sindicato do interesse de um em detrimento de outro ou, ao contrário, o ataque a um em benefício de outro. Quando se fala em defesa de interesses individuais como prerrogativa do sindicato, está-se a tratar da substituição processual e rigorosamente em benefício dos representados. Como diz Celso Ribeiro Bastos, "os interesses defendidos hão de figurar entre aqueles perseguidos pela própria organização sindical."3 Daí resulta que a atuação da entidade patronal deve necessariamente estar em harmonia com os interesses comuns à coletividade representada, afastando-se, por imperativo ético e jurídico, dos conflitos individuais entre seus membros. O tema também deve ser examinado sob a perspectiva do conflito de interesses na doutrina societária4: '..... Entendemos que a disciplina do conflito de interesses das sociedades anônimas deve ser aplicada não só para os administradores, como também para os associados dessas entidades. Sendo assim, quando o membro não for independente em relação à matéria discutida na assembleia podendo influenciar nas decisões ou toma-las motivado por interesses distintos daqueles da associação não deverá participar da deliberação. (...) Portanto, as deliberações tomadas em conflito de interesses, dos associados ou dos administradores, serão anuláveis." Isto se torna ainda mais importante no sistema brasileiro, no qual o sindicato tem o monopólio de representação da categoria econômica. Ora, sua administração deve estar voltada para o interesse comum e não o individual de associados. Não pode abrigar a cizânia, a tentativa de destruição recíproca de representados. A doutrina, ao tratar dos contornos da liberdade sindical, cuida mais diretamente da discriminação contra trabalhadores, hipótese usual e atrelada à concepção original. Como se sabe, a ideia de sindicato patronal, no modelo corporativista, é uma apropriação indébita do conceito de sindicato. Gino Giugni5 explica essa apropriação: "Um problema particularmente debatido é o da liberdade sindical dos empresários. A raiz da questão consiste no reconhecimento ou não da qualificação sindical à atividade por eles realizada para a satisfação dos interesses ligados - direta ou indiretamente - às relações de trabalho. O problema surge porque, enquanto a atividade sindical dos trabalhadores é sempre direcionada a um fim coletivo (e por isso é atividade organizada), o empresário pode agir individualmente, por exemplo, na contratação da empresa, ou com o lock-out, ou com qualquer outro comportamento individual que seja relevante diante da coletividade contraposta. De outro lado, o chamado sindicalismo empresarial é, na realidade, um sindicalismo de "resposta", que se forma em função da resistência nos confrontos das organizações dos trabalhadores. (...). A atividade destas organizações, então, (atenção, atividade, não existência) poderia ser submetida aos limites que, em geral, pertencem à iniciativa econômica." Lamentavelmente somos prisioneiros dessa concepção simétrica monopolista, muito distante dos efetivos valores do direito sindical. Tanto isto é verdade que o sindicato único representa os integrantes da categoria mesmo contra sua vontade. Definitivamente, tomar partido no conflito entre dois membros da categoria é trair o dever de representação, tipificando conduta discriminatória que não resiste ao art. 2º da Convenção 87 da OIT: "Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas." Segundo Laís Corrêa de Melo6, a liberdade de filiação é o aspecto positivo da liberdade de associação, significando o direito de ingresso na entidade patronal e de ser representado sem qualquer espécie de discriminação. Proteger um contra outro enquadra a entidade patronal nas figuras do desvio de finalidade e abuso de direito (art. 187 do CC/02), violação dos deveres de representação da categoria e atentado à liberdade de filiação sindical (art. 8º. da CF/88 e art. 511 da consolidação das leis do trabalho). Esse desvio enseja ações judiciais para a devida correção e afirmação das garantias constitucionais, contendo abusos da entidade sindical, como se extrai deste julgado, a contrario sensu: "SINDICATO - DECISÕES - INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE - "Ação cautelar. Autonomia sindical. Relação entre sindicato e federação. Limites de intervenção do Poder Judiciário. O inciso I do art. 8º da Constituição Federal, com as restrições ainda impostas pelos incisos II (alcance da base territorial e manutenção do princípio da unicidade) e IV (conservação do sistema confederativo), consagrou a liberdade sindical como primado. Assim, é vedado ao Poder Público, em quaisquer de suas esferas, interferir meritoriamente nas decisões emanadas de tais entidades, salvo se consistirem em atos discriminatórios ou de afronta a outros princípios constitucionais, de flagrante ilegalidade ou de ofensa às normas estatutárias das próprias organizações sindicais, circunstâncias que legitimam a atuação do Poder Judiciário. Não tendo a requerente obtido êxito em comprovar que o ato praticado pela requerida tenha se enquadrado nas hipóteses de exceção acima apontadas, impossível se mostra a interferência judicial postulada na ação cautelar, que é julgada improcedente." (TRT 02ª R. - MC 00130200700002006 - (20070894137) - 10ª T. - relatora juíza Rilma Aparecida Hemetério - DJSP 30/10/07) A competência é da Justiça do Trabalho, conforme o art. 114, III, da CF/88, com a redação da EC 45/04: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;(...)." Estas são algumas reflexões preliminares sobre tema muito pouco tratado em doutrina e na jurisprudência. Sua importância reside no fato de alguns sindicatos e federações patronais, dominados por certos grupos de empresas, se voltarem contra integrantes da própria categoria, desequilibrando a livre concorrência. _____ 1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2005. p.724. 2 LOBO, Paulo. Direitos dos Membros das Associações Civis. Disponível aqui. 3 BASTOS. Celso Ribeiro; SILVA MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo.  Editora Saraiva. 1988 e 1989. P. 518. 4 MAIELLO, Anna Luiza. Aspectos fundamentais do negócio jurídico associativo. Tese apresentada perante a FADUSP para obtenção do título de doutora. S. Paulo, 2012. P. 163-164. 5 GIUGNI, Gino. Direito sindical. S. Paulo: LTr, 1991. p. 56. 6 MELO, Laís Correa de. Liberdade Sindical na Constituição Brasileira. São Paulo: LTr, 2005. p. 77.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Dispensa coletiva na pauta do STF. Polêmicas.

Já estamos em 2022. Desde 1988 vemos acesa discussão sobre a disposição transitória que, remetendo ao art. 7º, I, da CF/88, regulamentou a vedação de dispensa arbitrária, aumentando em quatro vezes a multa do FGTS e trazendo proteção específica para a gestante e o membro da CIPA. A multa-indenização do FGTS é de 40% em qualquer tipo de dispensa individual sem justa causa e também na dispensa coletiva por motivos tecnológicos ou econômicos. A regulamentação por lei complementar exigida no art. 7º causa receio a todos;  sindicatos profissionais não aceitam redução da indenização e entidades patronais temem maiores restrições à dispensa imotivada e indenizações vultosas. Há apenas uma certeza: o modelo constitucional não assegura estabilidade, mas indenizações compensatórias1. A insegurança está nos valores. Ao longo dos anos surgiram novas proteções específicas, como, por exemplo, a rigorosa lei 9.029/95 (combate à discriminação), mas nada mudou quanto à regra geral. O vazio normativo foi pretexto para certo ativismo judicial, sendo criadas pelos tribunais trabalhistas presunções de discriminação,  novas garantias de emprego e proibições de dispensa coletiva sem negociação prévia. Um dos escopos da reforma de 2017 foi reforçar a autoridade do legislador e, em consequência, restringir o ativismo. Isso está muito claro no novo art. 8º da CLT2. A dispensa coletiva se insere nesse debate: mesmo sem definição de seu conceito, passaram os tribunais a exigir a negociação prévia3. À falta de negociação, declaram nula a dispensa coletiva e determinam reintegração com direito a salários do período de afastamento, como decorrência natural. Os países que regulamentam essa matéria normalmente definem os contornos do instituto: número ou percentual de dispensas, lapso temporal,  fatores determinantes,  procedimentos administrativos, tipos de negociação etc. Além disso, o próprio conceito de dispensa coletiva pode variar bastante. No âmbito da União Européia há Diretiva4 sobre o tema, ou seja, observados seus pressupostos os países são livres na definição das regras internas5, o que confirma a diversidade de critérios. No Brasil não há regulamentação específica da dispensa coletiva. A exigência de negociação coletiva prévia surgiu da mais pura construção doutrinária e jurisprudencial. Não temos nem mesmo um conceito unívoco, o que traz insegurança jurídica. Muitos tribunais tratam como coletiva a soma de várias dispensas individuais imotivadas em diferentes espaços de tempo, qualquer que seja a razão6. Diante da ausência de critérios, debate frequente passou a ser a distinção ente dispensas plúrimas e coletivas7. Também não há respostas para os impasses. Afinal, a obrigação é de tentar negociar ou é indispensável a formalização do acordo coletivo? Mesmo diante desse confuso quadro, o Congresso Nacional, ao invés de regulamentar a matéria, optou por equiparar a dispensa coletiva à individual8, ou seja, a ela se aplicam apenas as regras gerais do ADCT e a normativa do FGTS. Muitos setores da sociedade, inclusive magistrados, não se conformaram com a inovação e o assunto está na pauta do STF. Trata-se do tema de repercussão geral 638, sendo o RE 999.435 representativo da controvérsia. A votação está dividida e o julgamento será retomado na sessão de 2/2/22. Essa aguardada decisão do Excelso Tribunal, com efeito erga omnes, é essencial para a segurança jurídica. Basta lembrar a profusão de liminares da corregedoria-geral da Justiça do Trabalho ao final de 2017 e início de 2018 para cessar os efeitos de antecipações de tutela em ações civis públicas que atacavam dispensas plúrimas ou coletivas. Tais reclamações9, em verdade, eram apresentadas contra o indeferimento de liminares em mandados de segurança porque  vários tribunais do trabalho recusavam - e ainda recusam - a aplicação do novo critério legal. A redação do art. 477-A da CLT não é a ideal, mas se afigura plenamente compatível com a regulamentação transitória do art. 7º, I, da CF/88, pelo ADCT. Essa a escolha do legislador enquanto nosso processo histórico não produzir a lei complementar. O ativismo judicial apenas esconde essa lacuna e contribui para adiar a solução e aumentar a insegurança das empresas. _____ 1 "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (...)." 2 "Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. § 1º  O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.§ 2º  Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. § 3o  No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico", respeitado o disposto no art. 104 do CC/02, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. 3 Como enfatizado, diversos pontos da reforma de 2017 estavam endereçados ao ativismo judicial, pretendendo cerceá-lo, como se depreende das seguintes passagens do parecer do Senador RICARDO FERRAÇO: "Em um terceiro momento, esgotados os demais esforços para manutenção do posto de trabalho, resta a demissão coletiva, sem a obrigatoriedade de participação do sindicato, mas, evidentemente, com todos os custos para o empregador e benefícios para o trabalhador decorrentes desta decisão. É esta a previsão do art. 477-A, que explicita que em caso de demissão coletiva não há obrigatoriedade de negociação com sindicato, ao contrário do que a Justiça do Trabalho vem decidindo." (...) "2. C. 4 Populismo judicial Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, já falamos diversas vezes neste relatório sobre o problema do populismo, do ativismo judicial. Ele se caracteriza pela infame invasão das competências do Congresso Nacional; pela insegurança jurídica que inibe a criação de empregos; e por decisões impensadas que em seu conjunto acabam por prejudicar o trabalhador. (...). Esta reforma trabalhista é bem vinda também por mitigar essa questão. Ao longo da tramitação deste projeto, nos certificamos que as inovações propostas não subtraem direitos constitucionais sagrados, como o acesso à Justiça, e é sobre questões como essa que nos debruçaremos agora. Na preliminar de constitucionalidade, salientamos como insistentemente a Justiça Trabalhista, liderada pelo TST, adentra em nossas competências e afronta princípios constitucionais como o da legalidade, previsto no próprio caput do art. 5º da Carta Magna, o da separação dos Poderes, previsto nos arts. 2º e 60 da Constituição, e o da conformidade funcional. (....) Nesse sentido, constam do PLC normas para ampliar a segurança jurídica no que diz respeito às relações do trabalho, conferindo-lhes maior clareza e precisão e assim reduzindo a possibilidade de interpretações divergentes. A proposta pretende também suprir lacunas no caso de temas acerca dos quais a jurisprudência vem criando direitos e obrigações sem fundamento legal e muitas vezes contra aquilo que é negociado coletivamente." 4 Merece referência a Diretiva 98/59/CE:"SECÇÃO I - Definições e âmbito de aplicação. Art. 1º - 1. Para efeitos da aplicação da presente directiva: a) Entende-se por «despedimentos colectivos» os despedimentos efectuados por um empregador, por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, quando o número de despedimentos abranger, segundo a escolha efectuada pelos Estados-membros: i) ou, num período de 30 dias: - no mínimo 10 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente mais de 20 e menos de 100, - no mínimo 10 % do número dos trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 100 e menos de 300 trabalhadores, - no mínimo 30 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 300; ii) ou, num período de 90 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão; b) Entende-se por «representantes dos trabalhadores» os representantes dos trabalhadores previstos pela legislação ou pela prática dos Estados-membros. Para o cálculo do número de despedimentos previsto no primeiro parágrafo, alínea a), são equiparadas a despedimentos as cessações do contrato de trabalho por iniciativa do empregador por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, desde que o número de despedimentos seja, pelo menos, de cinco." 5 Como se sabe, a diretiva na União Europeia, diferentemente dos regulamentos, é norma comunitária que estabelece patamar de proteção a ser desenvolvido pelo direito interno dos Estados, no prazo estipulado. Trata-se de norma tipicamente programática. 6  "A despedida de quatrocentos trabalhadores no interregno de nove meses, menos de um ano, sem qualquer prova de rotatividade de mão de obra, ou intenção de substituição do pessoal, por certo considera-se dispensa coletiva porque extrapola os parâmetros habituais da rotatividade de mão-de-obra da empresa. Resta, pois, configurado o nítido propósito de redução do quadro de empregados, apresentando-se as dispensas espaçadas durante o ano como mero meio de burlar a caracterização da demissão em massa (....). A consequência lógico-jurídica é a nulidade da dispensa seguida da reintegração do trabalhador". (TRT da 2ª Região, 4ª turma, processo 02737007920085020061, Rel. Ivani Contini Bramante, pub. DOEletrônico: 27/04/12) 7 São exemplos: "PROFESSOR. DISPENSA COLETIVA X DISPENSA PLÚRIMA. VALIDADE. Evidenciado nos autos que a dispensa de professores, embora em número considerável, não teve a intenção de reduzir definitivamente seu quadro de pessoal, conclui-se que não foi dispensa coletiva mas, sim, uma dispensa plúrima. Assim, excluídas as situações específicas que ensejam a estabilidade no emprego e afastada a necessidade da negociação coletiva, ainda prevalece o poder potestativo do empregador, malgrado a previsão constitucional dependente de lei complementar jamais editada de limitações desse poder. Daí porque há de prevalecer como válida e eficaz a dispensa de professor de instituição privada de ensino superior decidida e efetivada por quem de direito." (....) "O caso destes autos não se amolda ao conceito de demissão em massa ou coletiva. Ao contrário, estamos diante da modalidade de dispensa plúrima.   Embora as dispensas não tenham ocorrido por motivos ligados à conduta dos professores, parece-me bem claro que a reclamada não tinha a intenção de reduzir definitivamente seu quadro de pessoal. Aliás, constou expressamente em sua defesa que " a demissão da reclamante ocorreu única e exclusivamente da vontade diretiva da empregadora, tendo ocorrido a substituição do quadro de professores em diversos momentos, tanto antes quanto após a sua demissão. Importa anotar que as demissões ocorridas no período tratou-se de rotatividade normal da mão de obra utilizada na reclamada". (sic, fls. 833).   Acrescentou, ainda, que "Houvera também contratações em substituição às demissões ocorridas no período ." (sic, fls. 838).   Esses dados evidenciam que a dispensa dos trabalhadores, embora em número considerável, não foi coletiva mas, sim, uma dispensa plúrima, porque, repito, a intenção da empresa não era reduzir definitivamente seu quadro de pessoal.   Esclareço, por oportuno, que a redação do novo art. 477-A da CLT, acrescentado pela lei 13.467/17, o qual prevê expressamente que, na dispensa coletiva, não há mais necessidade de " autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação ", não se aplica ao presente caso. Isto porque, conforme já dito anteriormente, não estamos diante de uma dispensa coletiva.   Ainda que assim não fosse, o fato ocorreu e foi consumado antes da vigência da nova lei, aplicando-se, portanto, a legislação anterior, que exigia a negociação coletiva.   Para corroborar o entendimento exposto acima, este Regional consolidou entendimento por meio da Súmula 69 no sentido de que "A dispensa sem justa causa de professor no início de período letivo, por si só, não enseja o pagamento de indenização por danos morais e/ou materiais". Portanto, excluídas as situações específicas que ensejam a estabilidade no emprego e afastada a necessidade da negociação coletiva, prevalece o poder potestativo do empregador, malgrado a previsão constitucional dependente de lei complementar jamais editada de limitações desse poder. Daí porque há de prevalecer como válida e eficaz a dispensa de professor de instituição privada de ensino superior decidida e efetivada por quem de direito.   Como bem analisado pelo d. Juízo de primeiro grau: "não restou comprovado dano de ordem coletiva, uma vez que não houve alteração significativa da base produtiva da sociedade, já que foi pequena a redução na quantidade de postos de trabalho ... não era imprescindível a prévia negociação com o sindicato da categoria, não havendo que se falar, portanto, em nulidade da dispensa" (sic, fls. 111). Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, é de se concluir pela improcedência dos pleitos indenizatórios. Nesse sentido o Exmo. Desembargador Aldon do Vale Alves Taglialegna decidiu em caso semelhante, contra a mesma empregadora, por ocasião do julgamento do RO-0011792-12.2016.5.18.0018. Mantenho, assim, a sentença quanto à improcedência do "pedido de reconhecimento da nulidade da dispensa, bem como o de pagamento de indenização por danos morais e materiais". (sic, fls. 111). Nego provimento. (TRT18, ROT - 0011972-46.2016.5.18.0012, Rel. ISRAEL BRASIL ADOURIAN, 1ª TURMA, 6/12/19) "PROFESSOR. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA NO INÍCIO DE PERÍODO LETIVO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INOCORRÊNCIA. A dispensa sem justa causa de professor no início de período letivo, por si só, não enseja o pagamento de indenização por danos morais e/ou materiais" (Súmula 69 do TRT18). (...) "Diante do exposto, a dispensa de 44 empregados em dezembro/2015, incluindo o reclamante, não configurou dispensa coletiva, tampouco houve qualquer prova nos autos de ilicitude desse ato ou de dano à honra, imagem e intimidade do(a) reclamante comprovado nos autos em razão de sua dispensa. Indefiro os pedidos de nulidade de dispensa e indenização por danos morais e materiais, tendo em vista a dispensa imotivada licitamente operada"., ID. 68d86e4 - páginas 23-26.   Em reforço, saliento que se entende como dispensa coletiva a extinção, por iniciativa do empregador, de vários contratos de trabalho em virtude de um mesmo motivo, não havendo, até o advento da lei 13.467/17, nenhuma regulamentação a seu respeito no ordenamento jurídico juslaboral.   Saliento que embora a jurisprudência deste Regional e do TST tenha se inclinado a exigir prévia negociação para dispensa coletiva, esse entendimento restou superado.   Nesse contexto, não vislumbro nenhuma ilicitude na dispensa do reclamante, razão pela qual mantenho a sentença que indeferiu as reparações pecuniárias pretendidas. Nego provimento (TRT18, ROT - 0011788-2.2016.5.18.0009, Rel. IARA TEIXEIRA RIOS, TRIBUNAL PLENO, 4/10/18) 8 Eis o Art. 477-A da CLT: "As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação". 9 Merece referência: "Quanto à situação excepcional de abuso, este se encontra no impedimento ao exercício do direito potestativo de dispensa, desde que pagas as verbas rescisórias devidas, invocando, para se exigir a negociação coletiva prévia com o sindicato em face do número de empregados dispensados, decisão judicial superada tanto pela lei quanto pela própria jurisprudência pacificada do TST, causando gravame substancial à Requerente, dada a limitação temporal para dispensa de professores, na "janela" dos meses de julho e dezembro. A hipótese é de nítido ativismo judiciário, contrário ao pilar básico de uma democracia, da separação entre os Poderes do Estado. Com efeito, em que pese por décadas, desde que a Constituição Federal de 1988 foi editada, demissões plúrimas se darem, apenas em 2009, em precedente da SDC, calcado em princípios gerais constitucionais, é que se passou a exigir, mesmo sem lei específica, a negociação coletiva prévia às demissões plúrimas. Ou seja, por mais de 20 anos teríamos convivido com essa inconstitucionalidade de conduta patronal. E mais. Em nítido reconhecimento do ativismo judiciário que se praticava, o precedente da SDC registrou que a orientação apenas se adotaria nos próximos dissídios coletivos de natureza jurídica ajuizados com esse objeto, como se lei fosse. (...) Justamente para fazer frente a tal precedente é que o legislador ordinário deixou expresso, na reforma trabalhista veiculada pela Lei 13. 467/17, no art. 477-A da CLT, que as demissões plúrimas prescindem de negociação coletiva prévia, "verbis": "Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação". Não bastasse tanto, a própria jurisprudência da SDC foi revista pelo Pleno do TST, sendo superada em precedente que não admite dissídio coletivo de natureza jurídica para discutir demissões plúrimas, nos quais se firmara a tese da exigência de negociação coletiva, em interpretação de nosso ordenamento jurídico trabalhista (cfr. TST-RO-10782-38.2015.5.03.0000, Red. Min. Maria Cristina Peduzzi, julgado em 18/12/17, com acórdão ainda não publicado). Convém registrar que a própria tese de fundo não deixou de ser levantada no julgamento plenário, ainda que "obiter dictum", ou seja, sem fixação de entendimento da Corte, com os ministros que acompanharam a divergência da redatora designada para o acórdão se perfilando, "en passant", pela aplicação da lei nova ao caso, lembrando que agora "legem habemus". "Assim, impedir instituição de ensino de realizar demissões nas janelas de julho e dezembro ao arrepio da lei e do princípio da legalidade, recomenda a intervenção excepcional da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, ocasionalmente exercida pela Presidência do TST, para restabelecer o império da lei e impedir o dano irreparável que sofrerá a entidade de ensino, cerceada no gerenciamento de seus recursos humanos, financeiros e orçamentários, comprometendo planejamento de aulas, programas pedagógicos e sua situação econômica". (Reclamação correicional 1000011-60.2018.56.00.0000).
O processo do trabalho não dispõe de regra específica de competência para ações civis públicas, o que remete ao artigo 769 da CLT e, em consequência, ao artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, com sua redação dúbia:  "Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente."  Sobre a aplicação subsidiária do processo comum cabe citar NELSON NERY JUNIOR1:  "Ao dizermos que essas ações seguem as regras da ação coletiva do sistema normativo do processo civil coletivo, queremos significar que a elas se pode opor a sistemática específica da CLT para os dissídios coletivos e ações de cumprimento, de aplicação restrita a essas duas situações. Ao contrário, o sistema normativo do processo civil coletivo tem incidência e aplicabilidade muito mais ampla do que as normas da CLT, merecendo, por isso, a atenção do jus laboralista na interpretação de seus institutos."  Merece destaque também YONE FREDIANI2:  "Se considerarmos que a Ação Civil Pública tem por objetivo a defesa de direitos ou interesses coletivos, vinculados às relações de emprego, dúvidas não devem pairar quanto à competência da Justiça Especializada para apreciação da Ação Civil Pública, que deverá ser proposta perante a Vara do Trabalho, levando-se em consideração a extensão do dano causado ou a ser reparado; se de âmbito supra-regional ou nacional, o foro será o do Distrito Federal, na conformidade do entendimento cristalizado na OJ nº 130 da SDI II".  CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE3 diz:  "No âmbito do processo laboral, portanto, à míngua de legislação específica, a ação civil pública deve ser proposta perante os órgãos de primeira instância, ou seja, as Varas do Trabalho do local onde ocorreu ou deva ocorrer a lesão aos interesses metaindividuais defendidos na demanda coletiva. Nesse sentido, a SDI-1 do TST firmou o entendimento (TST-ACP 154.931/94.8, REl. Min. Ronaldo Leal) de que a regra de competência fixada no art. 93 do CDC é aplicável à ACP no âmbito trabalhista, ou seja, se o dano for de âmbito local, a competência será da Vara do Trabalho territorialmente competente; se de âmbito regional, de uma das Varas do Trabalho da Capital; finalmente, se de âmbito supra-regional ou nacional, de uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal. No mesmo sentido é a OJ n. 130 da SDI-2".  RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO4, defendendo a competência das Varas do Trabalho para ações de âmbito nacional, invoca ADRIANA MARIA DE FREITAS TAPETY, para quem incide a "regra de competência contida no art. 93, II, da Lei n. 8.078/90 (...), o qual prevê ser competente a justiça local, no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional".   A jurisprudência trabalhista era pacífica, como revelam inúmeros julgados, especialmente do TST (vg. TST - CC 170061/2006-000-00-00.0-18ª R. - SBDI-2 - Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva - DJU 09.03.2007; TST - ACP 92867 - SDC - Rel. Min. João Oreste Dalazen - DJU 22.11.2002; TST - ROACP 553159 - SBDI 2 - Rel. Min. Francisco Fausto - DJU 10.11.2000 - p. 545; TST - ACP 652115 - SBDI 2 - Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal - DJU 19.04.2002).  Os reiterados pronunciamentos levaram à edição da OJ nº 130 da SBDI II do TST:  "130. Ação civil pública. Competência territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal."  Embora sem precedentes expressivos contrários, essa orientação foi revista pelo TST por uma provável razão de política judiciária: evitar excesso de ACPs nas varas do Distrito Federal.  Eis a redação atual:  "130. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.  I - A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano. II - Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos. III - Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho. IV - Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída."  Com todo o respeito ao novo entendimento, a nosso ver não se deveria desprezar o critério legal em proveito de conveniências judiciárias.  Mais importante, entretanto, é a tese fixada pelo STF quando do julgamento do Tema 1075 de repercussão geral, no qual, ao definir a eficácia territorial da sentença superando a estranhíssima redação do artigo 16 da LACP, avançou na definição da competência reafirmando a aplicação do artigo 93 do CDC.  Destaca-se do julgamento do RE 1.101.937:  "1. A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua pela efetividade. 2. O sistema processual coletivo brasileiro, direcionado à pacificação social no tocante a litígios meta individuais, atingiu status constitucional em 1988, quando houve importante fortalecimento na defesa dos interesses difusos e coletivos, decorrente de uma natural necessidade de efetiva proteção a uma nova gama de direitos resultante do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração ou dimensão, também conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade. 3. Necessidade de absoluto respeito e observância aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional. 4. Inconstitucionalidade do artigo 16 da LACP, com a redação da Lei 9.494/1997, cuja finalidade foi ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência, acarretando grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, bem como à total incidência do Princípio da Eficiência na prestação da atividade jurisdicional. 5. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: "I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas". Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão do Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro LUIZ FUX, em conformidade com a certidão de julgamento, por maioria, apreciando o tema 1.075 da repercussão geral, acordam em negar provimento aos recursos extraordinários e fixou a seguinte tese: "I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e, fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas", nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro MARCO AURÉLIO. O Ministro EDSON FACHIN acompanhou o Relator com ressalvas. Impedido o Ministro DIAS TOFFOLI. Afirmou suspeição o Ministro ROBERTO BARROSO."  Para maior clareza, veja-se do voto prevalecente no STF: "Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal. Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida."  Como se vê, a redação atual e a antiga da OJ 130 da SBDI II do TST é incompatível com decisão da Suprema Corte, que projeta efeitos erga omnes.  Se há incompetência de Vara do Trabalho do interior para dano de abrangência regional ou nacional, eis que extrapola sua jurisdição, é indispensável que a OJ 130 seja alterada em linha com a orientação do STF.  Infelizmente ajustes dessa espécie demoram a ocorrer, o que provoca insegurança jurídica.  Há muitos exemplos dessa relutância, o maior deles na ultrapassada Súmula 331 do TST.  Por outro lado, a solução do STF não resolve todos os problemas práticos.  É comum em ações civis públicas trabalhistas a apresentação de dano local como causa de pedir, a partir de autos de infração em face de um só estabelecimento, para embasar pedido com abrangência nacional.  Isso se torna mais grave quando não há clareza nos limites do pedido, pois se pretende genericamente condenação em obrigações de fazer ou não-fazer, sem especificar a abrangência.  Em tais situações, não há solução razoável senão a adstrição da sentença aos limites da causa de pedir, ainda que o pedido seja territorialmente mais amplo.  Assim já decidiu o TST:  "RECURSO DE REVISTA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COISA JULGADA - EFEITOS - DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - DANO LOCAL - LIMITAÇÃO DA COISA JULGADA EM RAZÃO DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR, INDEPENDENTEMENTE DA INCIDÊNCIA DO ART. 16 DA LEI N º 7.347/85. A competência representa a parcela da jurisdição atribuída ao órgão julgador. Divide-se de acordo com três critérios: material, territorial e funcional. O critério territorial relaciona-se à extensão geográfica dentro da qual ao magistrado é possibilitado o exercício de sua função jurisdicional, e não se confunde com a abrangência subjetiva da coisa julgada, que depende dos sujeitos envolvidos no litígio (art. 472 do CPC). Em se tratando de demanda coletiva, que visa à defesa de direitos individuais homogêneos, cujos titulares são pessoas determinadas que titularizam direitos divisíveis, mas de origem comum (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), os efeitos da coisa julgada serão erga omnes (art. 103, III, do mencionado diploma legal), sob pena de não se conferir a tutela adequada à situação trazida a exame do Poder Judiciário, em patente afronta à finalidade do sistema legal instituído pelas Leis nºs 7.347/85 e 8.078/90, qual seja a defesa molecular de interesses que suplantem a esfera juridicamente protegida de determinado indivíduo, por importarem, também, ao corpo social. Nessa senda, o art. 16 da Lei nº 7.347/85 (com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 9.494/97), ao limitar os efeitos da decisão proferida em ação civil pública à competência territorial do órgão prolator da sentença, confunde o mencionado instituto com os efeitos subjetivos da coisa julgada, por condicioná-los a contornos que não lhes dizem respeito. Entretanto, no caso concreto, a decisão regional, ao reconhecer que, subjetivamente, a coisa julgada produzida na demanda alcançaria todos os empregados do banco-reclamado do país, distancia-se dos termos do pedido e da causa de pedir da demanda. Proposta a ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho perante a Vara do Trabalho de Bauru, postulando a defesa de interesses individuais homogêneos dos empregados do banco-reclamado que se ativavam na agência bancária de Bauru, tendo como causa de pedir o auto de infração lavrado pela fiscalização do trabalho estritamente naquela localidade, tem-se que a demanda visa à reparação de dano local, não sendo possível, em razão dos limites do pedido e da causa de pedir, estendê-la aos empregados do reclamado em todo o país. Irrelevante, no caso, a aplicação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, visto que a limitação pretendida pela ré não decorre desse dispositivo, mas dos próprios termos do pedido da ação civil pública. Por isso, reconhece-se no caso que a coisa julgada, a qual produz efeitos em todo o território nacional, como manifestação da soberania do Estado que é, alcança subjetivamente apenas dos empregados do banco-reclamado de Bauru, por observância aos limites da lide." (RR - 155485-67.2003.5.15.0091, Relator Ministro: Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 08/02/2012, 1ª Turma, Data da Publicação: 24/02/2012).  Outras decisões defendem a lógica pragmática da condenação preventiva: se há violação da lei em determinado estabelecimento, cabível condenação estendida para desestimular condutas análogas em outras unidades, mesmo sem debate e prova nos autos.  Essa lógica atropela as regras de competência territorial e os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.  3. Outro tema pouco estudado é o risco do chamado forum shopping, que pode ter consequências muito graves, especialmente em ações civis públicas.  Em determinado caso concreto, a jurisprudência nas ações individuais era favorável à tese de nosso cliente em quase todos os Estados da federação, sendo vacilante em alguns e maciçamente desfavorável em apenas um Tribunal Regional do Trabalho.  O MPT mapeou o cenário e escolheu comarca inserida exatamente nos limites daquele TRT para ajuizar ação civil pública com pedido de abrangência nacional, confiante na jurisprudência ali predominante. Ao fim e ao cabo houve acordo e a questão não chegou a ser decidida.  Outro caso espantoso envolve insalubridade. Varas diferentes, com base nas perícias, afastavam o adicional, com exceção de uma delas que, inconformada, expediu ofício ao MPT. Este prontamente ajuizou ação civil pública perante esse mesmo juiz com pedido de abrangência Estadual. A ação foi julgada procedente, é claro, sendo rejeitada inclusive a suspeição alegada pela empresa.  Os diversos sistemas processuais organizaram-se para repudiar esse tipo de forum shopping,  ou seja, a parte escolhe o juízo onde propor a ação quando pode prever o resultado ou impor à parte adversa ônus excessivo (dificuldade de defesa,  prova etc).  Exemplo dessa cautela está no artigo 286 do CPC:  Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada; II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda; III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento. Parágrafo único. Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.  Esse preceito remete ao artigo 253 do CPC/73, que combate o forum shopping ao impedir que o autor, descontente com distribuição a juiz contrário à sua tese, dela desista (ou simplesmente a faça arquivar, nos termos do artigo 844 da CLT) para buscar outro com precedentes  favoráveis ao seu interesse.  A respeito da primeira alteração desse artigo, ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO5 que "a prevenção de que cuidava o art. 253 era somente aquela relativa a outras causas, desde que conexas à primeira, e não à própria primeira causa, quando reproposta. Ainda assim, certos setores da jurisprudência evoluíram no sentido de considerar prevento o juízo da primeira propositura não somente para o processo que lhe foi distribuído e para as causas conexas, mas também para a própria causa primeira, quando o demandante desistisse e depois voltasse a propô-la. (...) Essa tendência foi assimilada pelo direito positivo (...)."  O mestre adverte que a "a desistência e ulterior repropositura da demanda é um expediente (abusivo e inescrupuloso - José Rogério Cruz e Tucci) de que às vezes lançam mão os demandantes, em busca de melhor sorte"6.  Atualmente, a prevenção não se restringe ao caso de desistência, abrangendo também as demais hipóteses de extinção sem julgamento do mérito. Evitam-se assim os artifícios para burlar o princípio do juiz natural7 e o sistema recursal.  Merece referência decisão do TRT da 2ª região8:  "CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - ARQUIVAMENTO POR DESISTÊNCIA - REPRODUÇÃO DE AÇÃO IDÊNTICA - PREVENÇÃO - Arts. 253, II, e 87, do CPC. Prevenção saneadora implícita. Reprodução de causas. Desistência que acarretaria a redução do novo inciso II do art. 253 do CPC à completa ineficácia, tornando inútil o objetivo precípuo da alteração feita pela Lei nº 10.358/2001, que é o de impedir a escolha do juiz pelas partes e coibir a ciranda da distribuição de feitos idênticos. Incidência, ademais, do art. 87 do CPC. Conflito negativo de competência improcedente." (TRT 2ª R. - CC 10994-2005-000-02-00 - (2006021077) - SDI - Relª Juíza Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva - DOESP 09.01.2007).  Não só a jurisprudência, mas também a doutrina, aceita a aplicação destas inovações ao processo do trabalho. Pondera ESTÊVÃO MALLET9 que "as novas hipóteses de prevenção, em caso de reiteração do pedido ou de identidade de ações, procuram impedir a escolha, pelo autor, do órgão judiciário de sua conveniência (...). A preocupação não é exclusividade do processo civil. (...) Assim, é aplicável, também no processo do trabalho, o art. 253, do CPC, como já concluía a doutrina, antes da reforma legislativa".  Quando há competência concorrente de juízos diversos se agrava o risco de violação à ética judiciária porque o autor escolhe o que oferece maior possibilidade de êxito e/ou dificuldade para a defesa.  Em direito comparado e internacional o forum shopping é pejorativamente qualificado - e repudiado -,  tendo contribuído para o desenvolvimento da teoria do forum non conveniens como forma de proteção aos consumidores da prestação jurisdicional nos sistemas de common law.  Para explicar a teoria do forum non conveniens no direito norte-americano, C. Ryan Reetz e Pedro J. Martinez-Fraga10 reportam-se à doutrina do realismo jurídico, segundo a qual o juiz, antes de examinar o direito aplicável à espécie, firma sua convicção a partir do simples sentimento de justiça.  Veja-se o seguinte excerto:  "A doutrina do forum non conveniens nos tribunais americanos ilustra a preocupação realista. Ao aplicar a doutrina, os tribunais são compelidos a uma análise subjetiva sobre a importância (deference) a ser atribuída à escolha do foro pelo autor e confrontá-la (engage in balancing) com o conceito semi-aberto (only partially-articulated array) dos 'interesses públicos e privados' (public and private interest factors). A extrema generalidade desses conceitos e a ampla discricionariedade conferida pelas cortes de apelação aos juízes de primeiro grau (trial judges) não deixa aos juízes outra alternativa senão a de decidir o que lhes parece justo diante das circunstâncias."  A teoria do forum non conveniens, segundo estes autores, se cristalizou no âmbito federal americano inicialmente com as decisões da Suprema Corte nos casos Gulf Oil Corp. v. Gilbert e Koster v. Lumbermen's Mutual Casualty Co., cujos conceitos foram aperfeiçoados no julgamento Piper Aircraft Co. v. Reyno. Essas decisões fixaram os parâmetros utilizados até hoje, muito embora os tribunais inferiores tenham de enfrentar detalhes especiais11.  A teoria foi assim sintetizada no caso Piper12:  "[...] a escolha do foro pelo autor raramente deve ser confrontada. Contudo, quando um foro alternativo tiver jurisdição para julgar o caso e o processo no foro escolhido puder 'ser opressivo e vexatório para o réu [...] de forma desproporcional à conveniência do autor' ou quando 'o foro escolhido seja inapropriado por conta de problemas administrativos ou jurídicos próprios do Juízo', este poderá, no exercício de sua discricionariedade, rejeitar a ação. Para nortear a discricionariedade do Juízo, a Suprema Corte [em Gilbert] estabeleceu uma lista de 'fatores de interesse privado' que afetam a conveniência dos litigantes e uma lista dos 'fatores de interesse público' que afetam a conveniência do foro."  Alguns ordenamentos de civil law recepcionaram a teoria, como se vê, exemplificativamente, do artigo 3135 do Código Civil de Quebec:  "Ainda que competente para conhecer do litígio, a autoridade de Quebec pode, excepcionalmente e por iniciativa de alguma das partes, declinar tal competência se verificar que as autoridades de outro Estado podem dar melhor solução ao litígio" (CODE CIVIL. Titre III Compétence Internationale. Lexinter.net. Disponível aqui).  A teoria do forum non conveniens pretende, mais que tudo, reforçar o combate ao forum shopping, ou, em palavras simples, a escolha do julgador pela parte.  Com base nessa rigorosa base ética, o juiz pode declinar sua competência ainda que, em tese, seja aceita em relação à matéria.  Ouça-se MIGUEL CHECA MARTINEZ13:  "A extensão da doutrina do forum non conveniens tem sido apresentada como um dos métodos que permite corrigir no âmbito angloamericano situações injustas criadas pelo forum shopping. Se o tribunal provocado pelo demandante possuir uma escassa vinculação com o objeto, mas suas regras lhe atribuírem competência judicial, somente será possível evitar o resultado pretendido pelo demandante quando se recorre a esta doutrina. É um artifício (escape device) que flexibiliza as normas sobre competência judicial internacional, permitindo ao juiz verificar a conveniência de serem competentes outros tribunais mais conectados com o objeto. Sua razão de ser se deve à existência de um sistema de competência judicial internacional deficiente e que, portanto, permitia certos excessos (quasi in rem jurisdiction, transient jurisdiction) frente ao demandado, que era colocado em uma situação em que os custos processuais (comparecia em um foro inesperado e alheio às circunstâncias da controvérsia) eram fundamentalmente injustos e precisavam encontrar algum mecanismo de correção."  No plano internacional, destaque na mídia é a ação ajuizada por Katherine Smith e cinco colegas em face do banco Dresdner Kleinwort Wasserstein.  Katherine - empregada norte-americana lotada em Londres - alega ter sofrido discriminação sexual, assim como suas colegas de Wall Street. A justiça inglesa reconheceria sua competência para julgar o litígio, na medida em que Londres era o local habitual de trabalho. Contudo, preferiu participar da ação nos EUA, pleiteando uma indenização bilionária (US$ 1,4 bilhões) supostamente por saber que a média das indenizações em casos análogos no Reino Unido é da ordem de apenas £6,23514.  Condutas dessa espécie têm ocorrido em nosso país, mas a elas não se dá a devida atenção.  A decisão do STF, reafirmando a competência concorrente para ações civis públicas que envolvem danos de abrangência regional ou nacional, reaviva a importância ética e jurídica do tema. __________ 1 NERY JUNIOR, Nelson. O processo do trabalho e os direitos individuais homogêneos - um estudo sobre a ação civil pública trabalhista. Revista LTr, v. 64, nº 2. São Paulo: LTr, fevereiro de 2000. p. 154 2 FREDIANI, Yone. Direito processual do trabalho: execução e procedimentos especiais. t. II. Rio de Janeiro: 2007. p. 124. 3 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. S. Paulo: LTr, 2007. p. 155. 4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos. Revista LTr. v. 60. nº 09. São Paulo: LTr, setembro de 1996. p. 1193. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. S. Paulo: Malheiros, 2002. p. 73-74. 6 Op. cit., p. 74. 7 Destaca-se, a propósito da violação do princípio do juiz natural, o seguinte acórdão do TRF da 2ª Região: "PROCESSO CIVIL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - ART. 44 DO PROVIMENTO Nº 01/2001 DA CORREGEDORIA - PRESCINDÍVEL APLICAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA - PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro em face do Juízo da 30ª Vara Federal desta mesma Seção Judiciária que declinou de ofício de sua competência ante o entendimento de inexistir prevenção em relação ao processo nº 2006.51.01.003450-0 o qual fora julgado extinto sem Resolução do mérito, na forma do artigo 267, I c/c artigo 295, V, ambos do Código de Processo Civil. Com efeito, da leitura do art. 44 do Provimento nº 01, da Corregedoria-Geral desta Corte fica evidente que a extinção do processo, sem análise de mérito, torna prevento o juízo prolator da referida decisão. O ato normativo em tela representa a concretização do princípio do juiz natural, impedindo que a parte escolha o julgador de sua demanda. Precedentes desta Corte citados. Conflito conhecido para declarar competente o juízo suscitado." (TRF 2ª R. - CC 2006.02.01.005121-0 - RJ - Relª Juíza Vera Lúcia Lima - DJU 04.10.2006 - p. 130). 8 Da fundamentação deste acórdão, colhe-se esta passagem: "Além do mais, a se prescindir da prevenção, na inovação criada pela alteração legal, estar-se-á caracterizando o efeito sem causa, até mesmo porque a ação extinta por desistência existiu apenas e tão-somente no juízo que a extinguiu e em nenhum outro. Logo, não poderia justificar a etiologia com uma ação subseqüente que, distribuída a juízo diverso, reiterasse o pedido da ação extinta, só que no formato de uma (nova) primeira exibição. Essa facilidade, como é sabido, produziu um grande caldo de cultura para os insatisfeitos com a distribuição de seus processos a determinados juízes dos quais receavam, por antecipação, receber tratamento rigoroso ou até mesmo a previsão de insucesso na causa. Enfim, negar a imanência da prevenção em uma dependência tão claramente definida em lei acarretaria a redução do novo inciso II do art. 253 do CPC à completa ineficácia, pois tornaria inócuo o objetivo precípuo da alteração feita pela citada lei 10.358/2001, que é o de impedir a escolha do juiz pelas partes e coibir a ciranda da distribuição de feitos idênticos." 9 MALLET, Estevão. O processo do trabalho e as recentes modificações do Código de processo Civil. Revista de Processo. n. 139. S. Paulo: setembro de 2006, p. 117. 10 REETZ, C. Ryan; MARTINEZ-FRAGA, Pedro J. Forum non conveniens and the foreign forum: a defense perspective. The University of Miami Inter-American Law Review, Miami, v. 35, n. 1, p. 2, 2003-2004. 11 REETZ, C. Ryan; MARTINEZ-FRAGA, Pedro J. Forum non conveniens and the foreign forum: a defense perspective, cit., p. 4. 12 Apud REETZ, C. Ryan; MARTINEZ-FRAGA, Pedro J. Forum non conveniens and the foreign forum: a defense perspective, cit., p. 4. 13 CHECA MARTINEZ, Miguel. Fundamentos y límites del forum shopping: modelos europeo y angloamericano. Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processuale, Padova, v. 34, n. 3, p. 537, lug./sett. 1998. 14 Vejam-se as seguintes notícias: Does shopping around really benefit the employee? Forum shopping - bringing discrimination cases in countries where the payout will be bigger - gives staff unrealistic expectations, says Keith Potter. Employer's Law, March 8, 2006. p. 8; e CHONG, Liz. DKW vows to fight women bankers' $1.4bn discrimination case. The Times. January 11, 2006. Disponível aqui. Acesso em: 05 nov. 2007.
A chamada "cláusula de permanência mínima" está se tornando frequente para retenção de talentos. É estipulada para o fim de garantir período de tempo mínimo em que o empregado se obrigará a não rescindir o contrato como contraprestação por "luvas" ou investimentos em qualificação profissional custeados pelo empregador. Exemplo da primeira hipótese é a atração de executivos bem sucedidos em outras empresas mediante oferta de valores elevados como hiring bonus, incentivo financeiro para contratação e abertura de novos horizontes de carreira.  Nesses casos, normalmente pretende o novo empregador não apenas a contratação, mas também a retenção do talento, objetivos aos quais serve a cláusula. Hipótese mais comum é o custeio pelo empregador de cursos de   formação, reciclagem ou mesmo pós-graduação no Brasil ou no exterior, com obrigação contratual de permanência mínima após o retorno. É uma legítima aspiração patronal se beneficiar, após o retorno, dos conhecimentos adquiridos pelo profissional. O Código Civil de 2002, em seu artigo 473, parágrafo único, inaugurou o tratamento desse tema no direito brasileiro ao dispor que, quando uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a execução do contrato, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Na doutrina trabalhista há poucos escritos. Em antigo estudo, JOÃO BATISTA DOS SANTOS e JUARY C. DA SILVA consideram a "cláusula de permanência mínima" uma forma de restrição à liberdade de trabalho e, por isso mesmo, só admitida em situações especialíssimas.1 Recomendam rigorosa limitação nos contratos de trabalho porque "o ajuste sobre a permanência mínima do empregado no serviço dará ao pacto laboral, indisfarçavelmente, o caráter de contrato por prazo determinado, porque de outro modo haveria ofensa a esse dispositivo da CLT [artigo 443], com a conseqüência da nulidade do ajuste, em vista do que dispõe o art. 9º da mesma"2. Afirmam que a cláusula cria para o empregado obrigações semelhantes às do contrato por prazo determinado, sem que ao empregador se atribuam os deveres correspondentes. Por fim, essa corrente doutrinária sustenta que a cláusula só é válida quando presentes as hipóteses que justifiquem a celebração de contrato por prazo determinado. Outros autores discordam, admitindo a cláusula com maior amplitude, como FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA3: "Dentro dessa visão de direito e deveres entre as partes, levando-se em conta o investimento que a empresa poderá ter feito no preparo do empregado, haverá a possibilidade de pactuar-se a necessidade do empregado permanecer na empresa durante um determinado tempo para que se opere o retorno. Evidente, em tais casos, que a avença se promova antes de o empregado ser submetido a cursos etc". No mesmo texto enfatiza: "Como vimos anteriormente, o preparo de um empregado para o exercício de cargos chaves no programa empresarial se traduz em investimento, por vezes, vultoso. Assim, dissemos da possibilidade de exigir-se, contratualmente, que o empregado devidamente qualificado através de cursos etc. permaneça determinado lapso de tempo, tendo em conta o retorno esperado em termos de "custo benefício"4. SERGIO PINTO MARTINS lembra a importância da qualificação profissional nos termos da Convenção n. 144 da OIT e do artigo 390-C da CLT e conclui que "não existe previsão legal impedindo as partes de inserir no contrato de trabalho a cláusula de permanência." Pondera que "o empregador não pode fazer um investimento no empregado e depois este, com melhor capacitação, pedir demissão e ir para a concorrência.5" EDILTON MEIRELES admite a licitude da cláusula, mas seu prazo deve "guardar uma certa proporção com o benefício concedido"6. Sob a perspectiva da cláusula como contrapartida às luvas, a seguinte página de ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS7: "A cláusula de permanência no emprego por certo lapso temporal passou também a ser oferecida a trabalhadores especializados que detêm uma carteira razoável de clientes, e que ao mudar de emprego e aceitar ofertas vantajosas de outros empregadores carregam consigo o portfólio de sua clientela, que representa uma vantagem competitiva ao novo empreendimento, ensejando, pois, o correspondente pagamento de luvas ou outros "fringe benefits" aos empregados qualificados que detém tal "expertise"." O Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou sobre o tema, admitindo a licitude da cláusula, como se vê das seguintes ementas: "CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO - OBRIGATORIEDADE DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO OU DE REEMBOLSAR AS DESPESAS - É harmônica com a legislação vigente e com os princípios de direito do trabalho - da realidade e da boa fé - a cláusula consubstanciando a obrigação de o empregado permanecer na empresa, por período limitado de tempo, após a feitura de curso custeado por esta, ou de reembolsá-la das despesas realizadas, caso, em retornando à prestação de serviços, venha a decidir pela resilição do contrato de trabalho. O ato é jurídico e perfeito, valendo notar que interpretação diversa implica em desestímulo aos avanços patronais no campo social." (TST - RR 103.913/94.3 - Ac. 6.194/94 - 1ª T. - Rel. Min. Ursulino Santos - DJU 10.02.95). "CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO - OBRIGATORIEDADE DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO OU DE REEMBOLSAR AS DESPESAS. 1. "As relações  contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos (atualmente convenções coletivas) que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes" - artigo 444, da Consolidação das Leis do Trabalho. 2. Inexiste no ordenamento jurídico a execução específica da obrigação de fazer - artigo 638, do Código de Processo Civil. 3. É harmônica com a legislação vigente e com os princípios de direito do trabalho - da realidade e da boa fé - a cláusula consubstanciando a obrigação de o empregado permanecer na empresa, por período limitado de tempo, após feitura de curso custeado por esta, ou de reembolsá-la das despesas realizadas, caso, em retornando à prestação de serviços, venha a decidir pela resilição do contrato de trabalho. O ato é jurídico e perfeito, valendo notar que interpretação diversa implica verdadeiro desestímulo aos avanços patronais no campo social." Revista parcialmente conhecida e provida" (TST, 1ª Turma, Ac. 6194/94, Proc. RR 103913/94, Rel. Ursulino Santos, DJU 10.02.95, p. 02083). "CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO - OBRIGATORIEDADE DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO OU DE REEMBOLSAR AS DESPESAS - 1. "As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos (atualmente convenções coletivas) que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes" - artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho. (parentesis nossos). Notar que interpretação diversa implica verdadeiro desestímulo aos avanços patronais no campo social. (...)" (TST, Pleno, Ac. 1859/85, Proc. ERR 2268/80, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 31.10.85). No mesmo sentido precedentes dos Regionais: "PETROBRÁS. MESTRADO NO EXTERIOR. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA. VALIDADE. É válida cláusula de permanência no emprego, conforme Termo de Compromisso assinado pelo empregado participante de Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos no Exterior, por cumpridos os requisitos de proporcionalidade entre o tempo do curso e o período mínimo de permanência exigido, comprovação da perfeita ciência do empregado das regras avençadas e não imposição patronal, mas ajuste que atendeu à expectativa de ambas as partes." (TRT-1 - RO - 00100048720155010044, Relatora Angela Fiorencio Soares da Cunha, 4ª Turma, Data de Julgamento 01/12/2018, Data de Publicação 27/11/2018 DJE). "CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO. VALIDADE. É válida a cláusula contratual que estabelece o dever de o trabalhador permanecer no emprego por determinado lapso de tempo ou a reembolsar as despesas com a realização de cursos de aperfeiçoamento ou treinamento realizado às custas do empregador, porquanto o ajuste está em plena harmonia com o nosso ordenamento jurídico e com princípio da boa-fé, que inspira o Direito do Trabalho." (TRT-3 - RO - 01435007120085030023, Relator Convocado Márcio José Zebende, 3ª Turma, Data de Julgamento 24/11/2010, Data de Publicação DEJT 15/12/2010). "CURSO CUSTEADO PELO EMPREGADOR. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO OU DEVOLUÇÃO DO VALOR DO CURSO. INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO. VALIDADE. Não há ilegalidade na cláusula contratual que prevê o reembolso do valor do curso de pós-graduação custeado pelo empregador, no caso de o empregado pedir demissão antes de doze meses após o término do caso. O ônus de provar a existência de coação na feitura do contrato é da empregada, do qual não se desincumbiu. Assim, é devido o reembolso do curso custeado pelo empregador, em razão do pedido de demissão antes de decorrido o prazo fixado no contrato." (TRT 10 - RO - 1079200801510006, Relatora Maria Piedade Bueno Teixeira, 2ª Turma, Data de Julgamento 28/04/2009, Data de Publicação 08/05/2009). "CLÁUSULA CONTRATUAL - Se o empregado após beneficiar-se do curso de pós-graduação financiado pela empregadora vem a romper o pactuado, deve responder pelo ressarcimento do investimento profissional efetuado." (TRT 3ª R., 3ª T., Proc. RO nº 3247/93, Rel. Juiz Alfio Amaury dos Santos, DOEMG 14.09.93). Quanto à validade da cláusula em contrapartida às luvas não há maiores disquisições. Em regra o que se discute é a natureza jurídica do pagamento, se salarial ou não8. Vale destacar a observação feita em dois dos arestos do Tribunal Superior do Trabalho mencionados, no sentido de que, caso se admita entendimento contrário, ou seja, a invalidade da cláusula, o prejuízo será do próprio trabalhador, pois haverá desestímulo ao aprimoramento profissional custeado pelas empresas. Esta posição favorável à cláusula parece mais adequada à realidade, sobretudo quando se tem em vista a modernização das relações do trabalho e a crescente necessidade de mão-de-obra qualificada ou especializada. Evidentemente, o ideal é a edição de norma específica9 para maior segurança jurídica, razão pela qual, quando da elaboração do anteprojeto de reforma da CLT capitaneado em 2008 pelo saudoso Prof. AMAURI MASCARO NASCIMENTO10 e para o qual tivemos a honra de contribuir, sugerimos a inclusão do seguinte preceito: "Cláusula de Permanência Mínima. Art. 28. As partes podem, a qualquer tempo, estipular, por escrito, cláusula de permanência mínima do empregado nas seguintes hipóteses: I - quando a contratação tenha sido vinculada ao pagamento de luvas ao empregado; II - quando o empregador tenha investido na qualificação profissional do empregado. § 1º A obrigação de permanência mínima deverá ser proporcional ao período de qualificação e não pode exceder dois anos, ressalvada, na hipótese do inciso II, a qualificação concomitante ao trabalho, que não poderá exceder de um ano. § 2º A cláusula de permanência mínima, nas hipóteses em que a qualificação é concomitante ao trabalho, só é admissível quando as despesas destas excederem, mensalmente, o equivalente à metade do salário-base. § 3º O desrespeito à cláusula de permanência mínima, sem prejuízo das demais repercussões rescisórias previstas nesta lei, assegura ao empregador o direito ao ressarcimento, mediante uma indenização, de todas as despesas com a qualificação ou das luvas pagas, proporcionalmente ao período remanescente." De qualquer forma, à falta de norma específica, o novo Código Civil, a jurisprudência e doutrina majoritárias dão validade à cláusula de permanência mínima, desde que se observem a razoabilidade e proporcionalidade11. __________ 1 SANTOS, João Batista dos; SILVA, Juary C. da. Cláusulas Restritivas à Liberdade de Trabalho. Revista LTr, v. 41-I, S. Paulo: LTr, 1977. p. 593. 2 Op. cit., p. 597. 3 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Direito do Trabalho em Sintonia Com a Nova Constituição. S. Paulo: RT, 1993. p. 255.  4 Op. cit., p. 255. 5 MARTINS, Sérgio Pinto. Cláusula de permanência no emprego. LTR: Legislação do Trabalho. Suplemento Trabalhista. São Paulo. v.49. n.111. p.607. 2013 6 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego: limites à negociação. Tese de doutorado apresentada à PUC-SP. 2004. p. 171. 7 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Cláusula de permanência no emprego. LTR: Legislação do Trabalho. Suplemento Trabalhista. São Paulo. v.48. n.121. p.617. 2012. 8 "Valor pago a título de incentivo à contratação e à permanência no emprego. Natureza jurídica. Em conformidade com a interativa jurisprudência do col. TST, o valor pago a título de incentivo à contratação e à permanência no emprego oferecido pelo empregador com o objetivo de facilitar e tornar mais atraente a aceitação aos seus quadros, por ser parcela equiparada às 'luvas' do atleta profissional, devem integrar o salário para todos os efeitos legais, ante sua nítida natureza salarial, não importando se recebido de uma única vez ou em parcelas." (TRT 18ª R. - RO 0011006-73.2013.5.18.0017 - Relª Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque - DJe 07.04.2014 - p. 110). "2- VALOR PAGO A TÍTULO DE INCENTIVO À CONTRATAÇÃO E À PERMANÊNCIA NO EMPREGO - LUVAS - NATUREZA JURÍDICA - O valor pago a título de incentivo à contratação e à permanência no emprego oferecido pelo empregador com o objetivo de facilitar e tornar mais atraente a aceitação aos seus quadros, por ser parcela equiparada às luvas do atleta profissional, deve integrar o salário obreiro para todos os efeitos legais, tendo em vista sua nítida natureza salarial. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido." (TST - RR 155400-11.2009.5.04.0404 - Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira - DJe 24.02.2012 - p. 1357). 9 Na Espanha, há regra no Estatuto del Trabajador: "Artículo 21. Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa.-- (...) 4. Cuando el trabajador haya recibido una especialización profesional con cargo al empresario para poner en marcha proyectos determinados o realizar un trabajo específico, podrá pactarse entre ambos la permanencia en dicha empresa durante cierto tiempo. El acuerdo no será de duración superior a dos años y se formalizará siempre por escrito. Si el trabajador abandona el trabajo antes del plazo, el empresario tendrá derecho a una indemnización de daños y perjuicios." Outro exemplo colhe-se do Código do Trabalho português: "Artigo 137.º Pacto de permanência 1 - As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional. 2 - O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas." 10 Disponível aqui. 11 O seguinte julgado do TST invalida a cláusula em razão da falta de proporcionalidade: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO EMPREGADOR. CONTRATO PARTICULAR DE INVESTIMENTO EM FORMAÇÃO PROFISSIONAL. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA. PEDIDO DE DEMISSÃO ANTES DO PRAZO DEFINIDO EM CONTRATO. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE O PERÍODO DO CURSO REALIZADO E O TEMPO MÍNIMO EXIGIDO DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO. OFENSA À LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, XIII, da CF/88. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO EMPREGADOR. CONTRATO PARTICULAR DE INVESTIMENTO EM FORMAÇÃO PROFISSIONAL. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA. PEDIDO DE DEMISSÃO ANTES DO PRAZO DEFINIDO EM CONTRATO. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE O PERÍODO DO CURSO REALIZADO E O TEMPO MÍNIMO EXIGIDO DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO. OFENSA À LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO. A presente controvérsia cinge-se em definir se é válida cláusula contratual que previu que o Empregador custearia para seu Empregado um curso de especialização profissional e este, em contrapartida, permaneceria prestando-lhe serviços por um período de 24 meses após o encerramento do curso, sob pena de restituição dos valores investidos na capacitação. Ora, em princípio, verifica-se a possibilidade de uma cláusula contratual estabelecer um período mínimo de prestação de serviços - após a realização de curso de capacitação pelo Empregado às custas do Empregador -, uma vez que se viabiliza, assim, que o conteúdo aprendido seja revertido em prol dos serviços desempenhados perante a empresa. Todavia, é necessário que haja proporcionalidade entre o tempo do curso realizado e o período mínimo de permanência pós-curso. Do contrário, será violado o direito fundamental de liberdade no exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, contido no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, pois o trabalhador, hipossuficiente que é - inclusive financeiramente -, terá cerceado seu direito de rescisão contratual por tempo desarrazoado, já que dificilmente poderá ressarcir seu empregador dos valores investidos em sua capacitação. Um exemplo de proporcionalidade nesse tipo de pactuação encontra-se na Lei 8.112/90, quando dispõe sobre o afastamento de servidor público civil federal para estudo ou missão no exterior. O art. 95, § 2º, da referida Lei estabelece que, ao servidor beneficiado por esse afastamento, não será concedida exoneração ou licença para tratar de interesse particular antes de decorrido período igual ao do afastamento, ressalvada a hipótese de ressarcimento da despesa havida com seu afastamento. No caso dos autos, mostrou-se incontroverso que o curso realizado pelo Réu foi de curta duração - inferior a sessenta dias -, o que evidencia, pois, a desproporcionalidade na cláusula de permanência de 24 meses após o término do curso. Ademais, o Réu somente pediu demissão após sete meses do término do curso. Ou seja, prestou serviços por período superior ao triplo da duração do curso. Portanto, é de se entender que o Réu já cumpriu sua obrigação de retribuir à Autora o conteúdo aprendido no curso de capacitação realizado, não sendo razoável exigir dele qualquer ressarcimento. Recurso de revista conhecido e provido." (TST-RR -982.59.2012.5.18.0004, Min. Relator Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Julgamento 16/03/2016, Data de Publicação 22/03/2016 DJE).
População ocupada - 93 mil Renda média mensal - R$ 2.459 mil Desemprego - 12,6% (13.500 mil) Informais - 40,6% (37.700 mil) Desalentados - 6% (6 mil) Sindicalização - 11,2% 1 - Esses números revelam que a questão social do nosso tempo é inclusão versus exclusão. Quanto mais protegemos os incluídos, menos atenção recebem os excluídos, que ficam na periferia do sistema e pagam a conta. É certo que, no Brasil, muitos trabalhadores, apesar da nossa aparatosa legislação, são vítimas do trabalho. Mas a maioria é vítima da falta de trabalho. São milhões de atípicos, precários e informais sem qualquer proteção no plano individual e coletivo. Isto se agravou com a pandemia, que impôs o crescimento do teletrabalho, o uso intensivo das plataformas e a uberização dos serviços. Todos esses problemas estão aí apesar do excesso de leis e de sindicatos. É o caso de perguntar: no modelo atual, a quem beneficiam as leis e os sindicatos?  Uma das maiores causas é a falta de liberdade sindical, princípio fundamental da doutrina da Organização Internacional do Trabalho, ao qual estamos submetidos1, mas nossa Constituição se recusa a cumprir. 2 - Temos uma grave contradição no Brasil. As centrais sindicais atuam com plena liberdade sindical, sem unicidade ou enquadramento por categoria, todas integrantes do sistema. Não há razão para que tais órgãos de cúpula sejam livres para se constituir e atuar, participando de instituições paritárias, enquanto sindicatos, federações e confederações sindicais ficam amarrados ao modelo de unicidade, categoria e território mínimo. É urgente e inadiável a reforma do sistema de relações de trabalho mediante algumas diretrizes básicas. 2.1 - Liberdade sindical plena, com sindicatos livremente criados, sem imposição de categoria, enquadramento e área geográfica mínima. Podem ser criados reunindo profissões diversas mediante outros critérios de agregação tais como região, bairro, empresa etc. Nesse espaço de liberdade, nada impede que se constituam por profissão, categoria ou setor econômico, mas sempre através da livre escolha dos interessados, trabalhadores e empresas. 2.2 - A lei não pode impor sindicato único, devendo este resultar exclusivamente da decisão dos interessados. Assim, a unicidade ou pluralidade são livremente escolhidas. 2.3 - Na pluralidade, o sindicato mais representativo, ou seja, com maior número de filiados no espaço designado como "unidade de negociação", terá o direito de representação, com participação facultativa e complementar dos demais. 2.4 - Proibição constitucional - a CF/88 não proíbe - de imposto sindical obrigatório, sendo admitida apenas contribuição voluntária. 2.5 - Contribuição obrigatória de não-associado apenas para custeio da negociação coletiva, com limite de valor. Trata-se de prática admitida em muitos países para evitar o chamado "caronismo", pois propomos modelo em que a norma coletiva se estende a todos, associados ou não. Há outros modelos de liberdade sindical em que o produto da negociação coletiva se aplica, em princípio, apenas aos associados, mas isso significaria ruptura ainda mais drástica com nosso modelo atual, gerando grande instabilidade. Em alguns países esse debate das contribuições dos não-associados é menos relevante pelo fato de o Estado também contribuir com as receitas dos sindicatos (vg. por participação em órgãos estatais e prestação de serviços públicos). 2.6 - Conceito novo de unidade de negociação: as partes livremente escolhem seu conteúdo, trabalhadores beneficiados, setor econômico, empresas e área geográfica de aplicação. 2.7 - Representação sindical e negociação coletiva de não-empregados, atípicos, trabalhadores em rede, de plataformas etc. 2.8 - Conceito de negociação coletiva plena facultativa, por deliberação das partes, para criação das normas e sua governança, assim como solução de conflitos individuais com segurança jurídica, sem prejuízo da atuação complementar de órgãos estatais e da justiça do Trabalho. Se as partes escolherem a negociação estrita, ficarão limitadas à criação de normas coletivas, como no modelo atual. 2.9 - Prevalência da negociação coletiva sobre a lei, mediante controle do próprio sindicato e órgãos estatais, para preservar sua aplicação efetiva. 2.10 - Negociação coletiva como processo de repartição de custos com racionalidade econômica, que deve incluir, além dos tradicionais sobre condições de trabalho, também temas como direitos humanos, tecnologia, produtividade, qualidade, reciclagem, custo, preço, mercado e competitividade. 2.11 - Extinção do poder normativo da justiça do Trabalho, que não deve impor normas econômicas e sociais nos conflitos coletivos. Exercerá apenas o poder jurisdicional para resolver conflitos coletivos jurídicos e, nas atividades essenciais, legalidade de movimentos grevistas ou fechamentos patronais. 2.12 - Extinção dos efeitos da convenção ou acordo coletivo não-renovados após determinado prazo. Em suma, liberdade sindical e de negociação coletiva, sem adjetivos, como componentes essenciais do conceito de democracia política, social e econômica. 3 - Nosso sistema atual está voltado apenas para os incluídos. Leis, sindicatos, negociação coletiva e justiça do Trabalho pouco ou nada se ocupam dos excluídos. Há noventa anos eles continuam sem proteção porque essa filosofia tutelar começou nos anos trinta. Em 1943 a CLT começou por afastar de forma expressa trabalhadores rurais - que eram a maioria - e domésticos. Nos tempos atuais, a CLT continua a excluir a maioria dos trabalhadores, como se extrai dos índices de desemprego, trabalho informal e atípico. A informalidade, aliás, é exatamente produto da enorme diferença de tratamento legal dado os empregados em comparação com os demais trabalhadores, que são invisíveis, exilados no próprio país. 4 - O protecionismo social exige o contraponto do protecionismo econômico, sob as bênçãos do Estado, envolvendo trabalhadores e empregadores. Com as novas tecnologias e internacionalização das plataformas, o protecionismo econômico se reduziu drasticamente, impactando no protecionismo social. Todos os países produzem ou adquirem tecnologia, reduzem o custo do trabalho e querem competitividade internacional. O progresso econômico depende do progresso tecnológico. 5 - A tecnologia nos mantém conectados. Somos todos consumidores das plataformas digitais no processo de produção, de geração de trabalho e de renda. Ao cabo, as novas tecnologias unem investidores, trabalhadores e consumidores. Por isto, temos que ressignificar o valor do trabalho com trabalhadores sem chefes, horários e escritórios. A realidade é definitivamente dura no Brasil: altíssima informalidade; baixíssima sindicalização; ineficiência das leis; surgimento do "precariado". 6 - Trabalhadores atípicos devem ser incluídos mediante a legalização da negociação coletiva para autônomos, trabalhadores em rede e outros não-empregados, estabelecendo condições de trabalho, benefícios, remuneração, critérios de qualidade e quantidade etc. 7 - A EC 45 extinguiu em 2004 o poder normativo da justiça do Trabalho ao criar a arbitragem facultativa, a pedido das partes, mas na prática continuou a intervenção nos conflitos coletivos, muitas vezes por caminhos tortuosos. O julgamento da legalidade de greves tem ensejado produção de normas que normalmente cabem à negociação coletiva. Deve ser abolido com toda a clareza esse poder normativo. No direito comparado não cabe a tribunais instituir normas coletivas aplicáveis a trabalhadores e empresas porque os grupos são melhores juízes de seus interesses. 8 - Para reduzir o campo de incertezas a CF/88 deveria instituir a negociação coletiva como processo prioritário de regulação das condições de trabalho. Veja-se que a reforma trabalhista de 2017 ampliou a negociação no novo artigo 611-A da CLT e, além disso, a jurisprudência do STF vem assegurando mais liberdade coletiva e individual. A negociação é sempre facultativa. Quem não a quer tem a proteção da CLT, com seu coletivismo elementar que não enxerga a heterogeneidade do mercado de trabalho, e sua visão fordista, abstrata, genérica e autoritária que desprestigia a negociação coletiva. No atual sistema, quase tudo é previsto em lei, as empresas não conseguem cumprir, os sindicatos pouco negociam, o Estado não logra fiscalizar e os conflitos desembocam em grande número na justiça do Trabalho. 9 - A norma produzida, administrada e interpretada coletivamente é um belo projeto, permitindo a efetiva participação sindical na regulação das relações de produção, em processo de cogestão. Os grupos organizados da sociedade podem e querem contribuir para a melhoria das condições de trabalho e o desenvolvimento das empresas, sem intervenção autoritária do Estado. 10 - A falta de trabalho é um problema de todos. Os trabalhadores (e não só os empregados) devem ser tratados como cidadãos do mercado de trabalho. Os sindicatos e órgãos de representação interna não devem atuar apenas no conflito, mas também em parceria com o capital. A empresa não é só um campo de batalha. O papel da empresa é gerar lucros aos investidores, trabalho e renda mediante compromissos perante a sociedade no padrão ESG (social, corporativo e ambiental). O protecionismo moderno é dinâmico, com participação do Estado, do sindicato, da empresa, do consumidor e da sociedade. 11 - O direito não é neutro. Evolui em compasso com a realidade para que as normas jurídicas sejam justas e eficazes. A lei trabalhista, sem negar o conflito entre capital e trabalho, deve estimular parcerias criativas na sociedade para enfrentar os maiores problemas contemporâneos: pobreza e exclusão social. 12 - Estas são algumas ideias contidas em obra coletiva que acabamos de publicar, com participação de reputados especialistas em direito sindical e economia do trabalho2. É preciso enfrentar estes desafios com desapego a preconceitos. A democracia, em todos os seus aspectos, inclusive sindical, é instrumento indispensável ao desenvolvimento econômico e social. ______ 1 A Declaração de 1998 da OIT estabeleceu 4 princípios a serem respeitados pelos Estados-membros, independentemente da ratificação das convenções respectivas, por envolverem direitos humanos: erradicação do trabalho forçado ou obrigatório, proibição do trabalho infantil, combate à discriminação e respeito à liberdade sindical. 3 ZYLBERSTAJN, Helio (coord). Liberdade sindical e negociação coletiva: uma proposta para o Brasil. S. Paulo: Mizuno, 2021.
A "cláusula de não-concorrência" protege a propriedade intelectual da empresa mediante obrigações exigíveis após a ruptura do contrato de emprego. Durante a vigência, embora não haja exclusividade1, a não-concorrência é condição essencial que, se violada, constitui falta gravíssima2. Sua essência e teleologia são bem definidas pelo Professor ARI POSSIDONIO BELTRAN3: "O ponto fulcral da questão ocorre, todavia, na segunda situação antes mencionada, ou seja, quando a cláusula de não-concorrência é pactuada com o escopo de impedir determinados atos do empregado, que possam acarretar desvantagem ao seu empregador, após extinto o contrato de trabalho. Em tal hipótese, entendemos ser mais técnica a conceituação que entende como de não concorrência a obrigação em virtude da qual o empregado se compromete, mediante remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, dentro de limites de objeto, tempo e espaço, ação que implique desvio de clientela de seu empregador, sob pena de responder por perdas e danos". A exclusão da concorrência é protegida em vários sistemas jurídicos, mediante direitos e obrigações recíprocos para empregado e empregador. No Brasil, à falta de lei específica, a matéria é disciplinada na jurisprudência4, com farto e bem assentado subsídio doutrinário5.   O Supremo Tribunal Federal, em composição plena, já reconheceu a validade da cláusula (Recurso extraordinário nº 67.653, RTJ 55, pp. 42/46). Essa licitude, evidentemente, depende do preenchimento de pressupostos que compatibilizem o pacto de não concorrência com o princípio constitucional da liberdade de trabalho6. Os pressupostos são estes: a) ajuste expresso por escrito; b) limite temporal da restrição imposta ao empregado, sendo razoável o prazo máximo de dois anos (analogia com o limite dos contratos por prazo determinado); c) especificação dos ramos de atividade aos quais se aplica a proibição (não se admite cláusula genérica); d) delimitação territorial (região, cidade, estado, município, país etc.) e) contraprestação geralmente sob a forma de indenização. Com essas premissas é lícita a pactuação da não-concorrência mesmo na celebração ou mediante aditamento ao contrato de trabalho. É o que ensinava o clássico DORVAL DE LACERDA7: "Nada há que obste a inserção da cláusula de não concorrência no próprio contrato de trabalho, operada tanto na celebração como na vigência do contrato. O que é essencial, mas isto é diferente, é que a cláusula só tenha eficácia depois de findo o contrato, mesmo porque, em sua vigência, ela existe em todos os contratos, como condição legal, chamada negociação habitual em concorrência." Por cautela, vale lembrar o artigo 468 da CLT: "nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia".  Por isto, quando ajustada em aditamento contratual, recomenda-se contraprestação que seja de patente interesse do empregado, a fim de reduzir os riscos de ação trabalhista questionando sua validade. Quando se trata do empregado hipersuficiente do artigo 444, § único, da CLT8, o campo de negociação é mais amplo e, em consequência, menores os riscos de questionamento. A indenização é normalmente paga no curso da não-concorrência, em parcelas, mas nada impede que o seja após cumprido o prazo, para incentivar integral adimplemento pelo empregado. Há empresas, no entanto, que preferem o pagamento ainda na vigência do contrato de trabalho e, nesses casos, por se tratar de indenização antecipada, deve ser paga em separado, destacada do salário. Isto porque os tribunais vedam o chamado salário complessivo. Nos termos da Súmula n. 91 do TST, "nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador". A indenização deve ser proporcional à limitação territorial e de atividades. Em outras palavras, quanto maior a restrição ao trabalho, maior o seu montante. Os tribunais rejeitam cláusulas abusivas9. A indenização deve ser condizente com os impactos na liberdade de trabalho do empregado. Além da cláusula de não-concorrência, sempre é recomendável a cláusula de confidencialidade na vigência e após a rescisão contratual. Como se sabe, o dever de confidencialidade é inerente ao contrato de trabalho e sua quebra enseja despedida por justa causa (artigo 482, "g", da CLT). Mas a obrigação de guardar os segredos persiste mesmo após a extinção do contrato, podendo seu descumprimento, em certos casos, configurar crime de concorrência desleal (artigo 195, XI, da lei 9.279/96 - Lei de Patentes) ou de violação do segredo profissional (artigo 154 do Código Penal). O direito do empregador à indenização pelos danos sofridos decorre do artigo 186 do Código Civil Brasileiro: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".  Por isto, o "termo de confidencialidade" a rigor não é necessário para viabilizar providências judiciais de responsabilização do empregado pela violação do segredo do negócio. De todo modo, a cláusula se justifica no plano ético e pode produzir efeitos jurídicos. Várias obrigações acessórias recomendam ajuste específico, como, por exemplo, a restituição de documentos e equipamentos relacionados ao trabalho. Outras condições, a depender da natureza do negócio, também podem ser ajustadas entre as partes. Para concluir, recomendamos muito rigor técnico na redação dos pactos acessórios entre empregado e empregador, tomando como base os breves apontamentos feitos nesta coluna. __________ 1 Nada impede que a exclusividade seja negociada. 2 "Artigo 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (...). c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; (...)." 3 BELTRAN, Ari Possidonio. A Cláusula de Não-concorrência no Direito do Trabalho. Revista do Advogado, nº 53. S. Paulo: AASP, dezembro de 1998. p. 66.  4 Veja-se a jurisprudência amplamente majoritária: "(...) CLÁSULA CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA. VALIDADE. No caso, a controvérsia cinge em saber se a cláusula contratual de não concorrência é abusiva. Segundo o Regional, constou do contrato de trabalho cláusula dispondo sobre a não concorrência do reclamante em relação à atividade exercida na empresa reclamada por alguns meses após a rescisão contratual, mediante o pagamento de indenização compensatória. Nos termos do acórdão regional a referida cláusula estabeleceu prazo de duração razoável, e o reclamante não ficou impedido de exercer a sua profissão de engenheiro químico, tendo inclusive iniciado o próprio negócio no mesmo nicho empresarial. Ressalta-se que para afastar estas premissas fáticas reconhecidas pela Corte Regional seria necessário rever a valoração do conjunto probatório, providência não permitida nesta instância recursal de natureza extraordinária, ante o óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. Assim, tendo em vista que o reclamante foi financeiramente compensado pela cláusula contratual de não concorrência, cujo prazo de duração era razoável, e teve o direito de exercício da sua profissão preservado, conforme asseverou o Regional, não se constata o caráter abusivo desta previsão contratual, o que afasta a alegação de ofensa ao artigo 444 da CLT. Agravo desprovido." (TRT 2ª Turma, Proc. 1002437-53.2015.5.02.0466, Rel. Min José Roberto Freire Pimenta, DJe 11.06.2021, v.u.) "CONTRATO DE TRABALHO - CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA E CONFIDENCIALIDADE - LICITUDE - "1. Cláusulas de não concorrência e confidencialidade. Aplicação do direito consuetudinário alienígena nas práticas adotadas pelas empresas nacionais. Compatibilidade com os princípios norteadores do direito trabalhista pátrio, à luz dos arts. 8º e 444 do diploma consolidado e dos arts. 112, 113, 122 e 422 do Código Civil. Nas sociedades primitivas, as metodologias de produção eram mais simplificadas e de conhecimento comum, o que já não ocorre nas sociedades industriais hodiernas, nas quais o conhecimento ganha relevo econômico, refletindo verdadeiro diferencial nas relações jurídicas, em todos os seus aspectos (econômico, comercial, trabalhista, etc.). Nesse contexto, sobretudo em momentos cruciais de crise econômica e leonina competitividade, a questão envolvendo o uso que o empregado faz do conhecimento - know how - e das informações empresariais sigilosas obtidas na vigência do contrato torna-se relevante no âmbito do direito do trabalho, pelo que, a despeito da omissão do legislador, já que a disciplina normativa restringe-se ao período de execução do contrato de trabalho (art. 482, alíneas c e g, da CLT), nada obsta, nos termos do art. 8º, consolidado, que a matéria seja examinada sob o pálio dos arts. 112, 113, 122 e 422 do Código Civil e do art. 444 do diploma consolidado. Assim, a par do fenômeno da globalização e da habitual inserção de institutos jurídicos alienígenas nas práticas adotadas pelas entidades empresariais nacionais, não restam dúvidas de que os dispositivos legais suso enfocados autorizam o uso dos pactos de não concorrência e confidencialidade (conhecidos no direito consuetudinário inglês como confidenciality and non-compete agreements) no direito trabalhista pátrio, até porque a celeuma alusiva à seguridade da informação - ainda que sob outros enfoques - não é novidade no cenário jurídico brasileiro, devendo ser lembrado, a título exemplificativo, o teor do art. 5º, incisos IV e XII, da Carta Magna, dos arts. 152 e 154 do Código Penal, e das Leis nºs 7.170/1983 e 9.279/1996. (...)." (TRT 02ª R. - Proc. 0153600-92.2009.5.02.0083 - (20120835180) - Relª Desª Jane Granzoto Torres da Silva - DJe 03.08.2012) "CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - POSSIBILIDADE - Sem prova de que tenha havido vício de vontade na celebração do contrato de trabalho, de se reputar válida cláusula de não-concorrência livremente estipulada pelas partes, quando da contratação da obreira. Recurso ordinário conhecido, mas não provido." (TRT 07ª R. - RO 146000-04.2009.5.07.0011 - 2ª T. - Rel. Manoel Arízio Eduardo de Castro - DJe 01.10.2010 - p. 12). "II- CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA - VIGÊNCIA APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO - VALIDADE - É válida a cláusula de não-concorrência que tenha vigência mesmo após a extinção do contrato de trabalho, embora tal modalidade não encontre disciplina jurídica no Direito do Trabalho. Assim, constatada a lacuna, possibilita-se, por força do art. 8º da CLT,a aplicação do art. 122 do Código Civil Brasileiro, que dispõe que "São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.". Desse modo, seria lícita, em tese, a pactuação de cláusula de não-concorrência após a cessação do contrato de trabalho." (TRT 09ª R. - RO 18154/2009-002-09-00.8 - 1ª T. - Rel. Edmilson Antonio de Lima - DJe 17.08.2010 - p. 147). "CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA - VALIDADE - É válida a inserção de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, desde que restrita a determinado segmento de mercado e estabelecida por tempo razoável, além de prever indenização compensatória. Não há que se falar em alteração contratual lesiva (CLT, art. 468) na medida em que as normas contratuais decorreram de mútuo consentimento e não acarretaram prejuízo ao Reclamante, observando os princípios e normas legais. Referida cláusula tem como justo objetivo proteger segredos industriais entre empresas concorrentes, procurando evitar a quebra de sigilo. Na verdade, tal dispositivo contratual visa preservar os princípios da lealdade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil), inexistindo mácula a respaldar a pretendida nulidade." (TRT 02ª R. - RO 01344-2002-078-02-00-7 - 4ª T. - Rel. Juiz Sergio Winnik - DOE/SP 14.12.2007). "Cláusula de não-concorrência. Validade. A cláusula de não-concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve pagamento de indenização. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. É, portanto, considerada válida. Não há dano moral a ser reparado. (TRT 2ª R., 3ª Turma, Ac. 20040281579, Proc. 02243-2000-381-02-00, Rel. Des. Sergio Pinto Martins, DOESP 08/06/2004). "CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA - PACTUAÇÃO APÓS A RESILIÇÃO CONTRATUAL - VALIDADE - A pactuação de cláusula prevendo a não concorrência após a extinção do contrato de trabalho não ofende o princípio do livre acesso ao trabalho previsto no inciso XIII do artigo 5º constitucional, porque inexiste direito absoluto. Ao lado do direito de o trabalhador dispor de sua força de trabalho como bem entender, o empregador tem o direito de resguardar sua propriedade, os seus produtos, os seus inventos. Entretanto, para que não se torne "condição leonina", vale dizer, a sua implementação não ser concentrada na vontade e poder de uma só das partes, ela deve corresponder à integral recomposição da subsistência profissional, diante dessa paralisação forçada. Se assim não é, não se pode exigir a completa observância. Além disso, a instalação de uma empresa própria no término da quarentena imposta, aliado ao fato do que comumente acontece e do que se entende por potencialidade de mercado jamais poderá traduzir em concorrente de uma multinacional." (TRT 15ª R. - RO 84200-32.2003.5.15.0085 - (18814/10) - 11ª C. - Relª Maria Cecília Fernandes Alvares Leite - DOE 08.04.2010 - p. 508). "Cláusula de não-concorrência. Possibilidade jurídica do pedido. Não vedando o nosso ordenamento jurídico o pedido, isto é, a cláusula penal estipulada no contrato como fruto da cláusula de não concorrência, máxime porque limitada no tempo e no espaço e atribuindo ao empregado, em contrapartida, certa indenização, não há como julgar extinto o processo sem o julgamento do mérito (carência de ação). Socorrendo-se o intérprete do direito comparado (art. 8º da CLT), sendo lícita a cláusula de não concorrência, com a plena viabilidade jurídica do pedido, deve a ação ser julgada pelo "meritum causae" (TRT - 2ª R., 2ª T., Proc. 19.917/80, Ac. nº 03193/82, Rel. Juiz Bento Pupo Pesce, j. 15.03.82). "(...) DIREITO AO TRABALHO, CERCEAMENTO. Inexiste nulidade e tampouco cerceamento de trabalho na cláusula contratual que impeça o empregado de, durante certo tempo após a rescisão, trabalhar para empresa concorrente, quando o pacto assegura a devida complementação na eventualidade de redução salarial em trabalho para empresa não concorrente" (TRT 2ª R., 7ª T., Proc. 9.445/87-5, Ac. 017711/88, Rel. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, j. 29.08.88). Há jurisprudência minoritária em sentido contrário: "CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA - CUMPRIMENTO APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL - ILEGALIDADE - A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso VIII, da Constituição. O art. 6º do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho." (TRT 02ª R. - RO 20010487101 - 8ª T. - Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca - DOSP 05.03.2002 - p. 108). 5 Dentre outros autores brasileiros que entendem pela licitude da cláusula, podemos destacar: CIBELE LINERO GOLDFARB (Cláusulas contratuais: confidencialidade e não concorrência nos contratos de trabalho. Curitiba: Juruá, 2015), ALEXANDRE DE ALMEIDA CARDOSO (Dos pactos de não concorrência nos contratos individuais de trabalho. Tese de doutorado apresentada à FADUSP. S. Paulo: USP. 2003), ORIS DE OLIVEIRA (A exclusão de concorrência no contrato de emprego. S. Paulo: LTr, 2005), Carvalho Mendonça (Tratado de Direito Comercial Brasileiro. vol. II, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934. p. 449), ARNOLD WALD (Pacto de Não Concorrência. Revista dos Tribunais, nº 552, S. Paulo: RT, 1981. p. 32/42) e CÉLIO GOYATÁ (O Contrato de estágio e a Cláusula Compromissória. Revista LTr, v. 41, S. Paulo: LTr, 1977, pp. 1405 a 1409). 6 Em sentido análogo, lição de TARA BRILL-VENTKATASAMY, tratando do direito inglês e francês: "Des manière générale, dans les deux systèmes est considérée illicite la clause de non-concurrence qui est excessive quant à sa durée et quant à son champ d'application géographique." (La clause de non-concurrence en droit du travail. Comparaison des droits anglais et français. Revue Internationale de Droit Comparé, nº 1, Paris, Janvier-Mars 1998, p. 148). 7 LACERDA, Dorval. A renúncia no Direito do Trabalho. S. Paulo: Max-Limonad, 1943, p. 171 e ss. 8 A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 9 "PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA - CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA NÃO COMPATÍVEL - NULIDADE - A compensação ajustada para que o obreiro não se ativasse no setor pelo período compromissado mostrou-se desproporcional à vedação imposta pelo pacto de não concorrência. Nulidade da cláusula mantida." (TRT 02ª R. - RO 00004447020105020432 - (20150621986) - 11ª T. - Relª Adriana Prado Lima - DJe 21.07.2015) "CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que impede exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula." (TRT 2ª R., 5ª Turma, Proc. 02570-2003-045-02-00, Rel. Des. Fernando Antonio Sampaio da Silva, DOESP 16/03/2007). "CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA - NULIDADE - NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO - Uma vez que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes, nada obsta a fixação de cláusulas de não concorrência, desde que não contravenham às disposições de proteção ao trabalho, às normas coletivas e decisões judiciais. Contudo, apesar de inexistir legislação específica, a doutrina e a jurisprudência fixaram alguns critérios que devem ser observados para a validade de referida cláusula. Tais critérios resumem-se em: a) necessidade de justificativa razoável para a imposição de restrição; B) limitação geográfica (não absoluta) c) limitação temporal e d) compensação pela não concorrência. In casu, percebe-se que houve o preenchimento de três requisitos acima citados, pois há justificativa para a imposição da cláusula de não concorrência, diante do trabalho de consultoria prestado pelo reclamante. A limitação espacial não é absoluta, eis que o empregado pode desenvolver o seu labor de forma global. E, por fim, existe a limitação em dois anos expressamente pactuada. No entanto, não há qualquer previsão compensatória pela não concorrência. Já que as reclamadas objetivavam impor ao empregado a restrição ao exercício de suas atividades, deveriam, no mínimo, compensar de forma proporcional e suficiente o período correspondente, a fim de justificar a limitação imposta, sob pena de inviabilizar o direito constitucional do livre exercício do trabalho." (TRT 02ª R. - Proc. 0003449-91.2013.5.02.0013 - (20170313446) - Rel. Valdir Florindo - DJe 22.05.2017) "CLÁUSULA CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA SEM RETRIBUIÇÃO - NULIDADE QUE SE DECLARA - Em princípio, a cláusula de não concorrência pode ser avençada pelas partes, exceto quando a restrição envolver verdadeira vedação a novo emprego por período indeterminado ou por termo certo, sem qualquer retribuição econômica, diante do caráter oneroso e sinalagmático do contrato de trabalho que sempre exige reciprocidade das partes. Os efeitos do contrato não podem se estender além da sua extinção, como mera restrição ao direito ao emprego. O direito ao trabalho é o da própria vida, como a forma mais honesta de sobrevivência. Não foi sem razão que a liberdade de trabalhar, "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer", foi elevada entre os direitos e as garantias fundamentais, como se deduz do inciso XIII do art. 5º da CFR. Inteligência dos arts. 3º, 9º e 444 da CLT combinados com o art. 5º, inciso XIII, da CFR." (TRT 2ª R. - RO 01186200735102005 - 7ª T. - Rel. Des. José Carlos Fogaça - J 19.06.2008).
I. Introdução. Os planos de opção de compra de ações - ou stock option plans - são engenhoso mecanismo de participação nos resultados da empresa. Sua natureza jurídica é, no direito do trabalho, a polêmica de maior relevância, mas diversos outros pontos suscitam debates. II. Terminologia. A locução stock option comporta vários significados, podendo se referir a um gênero amplo, com subdivisões específicas, ou a uma das suas espécies1. Há duas acepções: lato sensu, que engloba variações de natureza comercial e trabalhista, e stricto sensu, também chamada employee stock option. III. Características do programa. Em regra, é outorgado ao empregado o direito (ou opção) de adquirir certo número de ações, por preço pré-estabelecido, após um prazo (vesting). O direito de opção pode ser concedido na contratação e/ou na conclusão de períodos aquisitivos estabelecidos pelo programa (stock option plan). Nesta última hipótese, o número de opções crescerá, em consequência, proporcionalmente à permanência no emprego, fator que estimula fidelidade e integração. Conferida a opção, nasce, após um prazo, o denominado período de exercício, interregno no qual poderá o empregado exercer a opção, adquirindo o número total ou parcial de ações a que tem direito. O período de exercício pode sofrer limitação por termo certo. Assim,  exemplificando, o empregado terá "x" anos para adquirir as ações, perdendo o direito após o período. Mas pode também haver limitação condicional, como no caso em que deve exercer todas as opções em "x" dias ou "x" meses após a rescisão do contrato.   A efetiva aquisição, no entanto, só será interessante se à época do exercício da opção o valor das ações no mercado for superior ao estabelecido quando da outorga2. Por isto mesmo é opção; compulsória fosse, poderiam advir prejuízos ao empregado. Bom exemplo do mecanismo, embora se refira a outorga decorrente de contrato comercial, é dado pelo Barron's Dictionary of Legal Terms: "Art adquire o direito de comprar um número X de ações de uma sociedade em dois meses por US$ 20 a ação. O preço da stock option dependerá do preço das ações ao tempo em que a opção é exercida. Art espera que as ações valham mais do que US$ 20 em dois meses. Caso valham US$ 25 nessa data, ele pode decidir exercer sua opção e adquiri-las por US$ 20 e então decidir vendê-las imediatamente, com o lucro decorrente de seu preço de mercado de US$ 25. No entanto, caso as ações valham menos que US$ 20 em dois meses, Art provavelmente não exercerá a opção (...)" (op. cit., p. 473). Outro traço merece destaque: o empregado não recebe gratuitamente as ações após completado o prazo de exercício. Deve pagar, caso as queira, o valor atribuído na outorga. Alguns planos preveem aparente exceção à onerosidade: o chamado cashless exercise (exercício sem desembolso): o empregado pode valer-se de banco ou corretora vinculados ao empregador para intermediar a compra e venda das ações. O intermediário, em nome do empregado, adquire as ações da empresa e as revende no mercado, repassando-lhe, com a cobrança de taxa, o ganho da operação. A exceção é apenas aparente, pois o exercício sem desembolso somente se concretiza mediante a cobrança da taxa do intermediário, garantindo a onerosidade da opção. IV. Natureza jurídica. A outorga da opção de compra de ações inegavelmente engaja o empregado no desempenho da companhia.  Os bons resultados empresariais na vigência do contrato de trabalho, com reflexos no valor das ações, lhe dão a chance de valorizar suas opções. A conveniência e eficácia dos stock option plans é maior, para a empresa, quanto mais elevada a ingerência do trabalhador em seu progresso, tendendo a se restringir a pequena elite de altos empregados. Exatamente por isso, em sua concepção original não há garantia de ganhos patrimoniais na mera outorga de stock option, mas são justa e razoavelmente esperados, sob pena de inutilidade do instituto. Feitas essas considerações, cabe investigar se ganhos efetivos ou  expectativa de ganhos podem ser classificados como retribuição salarial. Quando mantida a concepção original acima apresentada, para a jurisprudência majoritária os programas não se estruturam em torno do contrato de trabalho e da remuneração dos empregados. Ao contrário, vinculam-se a fatos que escapam inteiramente ao âmbito da relação de emprego. Afinal, a efetiva aquisição só será interessante se, à época do exercício da opção, o valor das ações no mercado superar o estabelecido na outorga. O saudoso professor AMAURI MASCARO NASCIMENTO dizia que "uma obrigação não tem natureza salarial quando não é correlativa ao trabalho prestado, disponível ou, por imposição normativa, remunerável, sendo muitas aquelas que, embora constituindo-se em obrigação contratual, não têm características de obrigação salarial, com o que lhes é retirado o conjunto de efeitos próprios do salário. Nem toda retribuição do trabalhador na relação de emprego é salário"3. Nos planos que mantêm o padrão original, as seguintes características afastam a natureza salarial: a)       vantagem de cunho econômico contingente e aleatório, que depende da valorização das ações. Para isto concorrem diversas circunstâncias alheias ao contrato de trabalho, tais como política econômica estatal,  arranjos societários, aquisições, fusões e cisões que envolvam o empregador; b)      aquisição de ações puramente facultativa,; c)       caso o empregado retenha as ações, em vez de prontamente vendê-las, corre o risco de oscilação desfavorável no mercado que  vai causar prejuízo ao invés de ganho; d)      a opção de compra é onerosa, não havendo retribuição do  trabalho; e)      o ganho patrimonial não decorre da opção em si, mas da venda a terceiros, a preço de mercado; f)        admitir a natureza salarial das stock options gera um problema insanável: é imprevisível o momento do acréscimo ao patrimônio do empregado, que pode ocorrer, em tese, na outorga da opção, no seu exercício ou na venda das ações, dentre outras variáveis.      Os tribunais vêm adotando esse entendimento4 em recentes julgados: "STOCK OPTIONS - NATUREZA NÃO SALARIAL - Embora decorram do contrato de trabalho, as stock options constituem espécie de operação financeira no mercado de ações. Tratam-se de opção oferecida aos empregados para aquisição de ações da empresa por um custo abaixo do mercado. Ao exercer a opção de compra e assumir a titularidade das ações, o empregado também acolhe a álea da atividade e da volatilidade do mercado financeiro. Contexto em que eventual lucro obtido se dá em razão do negócio, e não dos serviços prestados pelo trabalhador, motivo pelo qual a parcela não possui natureza salarial, não fazendo jus o autor à integração vindicada." (TRT 04ª R. - ROT 0021745-77.2017.5.04.0010 - 3ª T. - Rel. Gilberto Souza dos Santos - J. 11.02.2021). "OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES PELO EMPREGADO. STOCK OPTIONS PLANS. NATUREZA JURÍDICA MERCANTIL. Os stock options plans - planos de opção de compra de ações pelo empregado - afastam-se da conceituação de salário, já que consubstanciam potencial benefício de conteúdo aleatório e não previamente determinável, inclusive porque o empregado, ao exercer tal opção, ainda que esta lhe seja dada em razão do contrato de trabalho, submete-se ao risco próprio do acionista, podendo, inclusive, submeter-se ao efeito negativo de flutuação própria das cotações em bolsa. A potencial vantagem correspondente aos stock options possui nítida natureza mercantil, pois o empregado, no caso, adquire ações da companhia em que trabalha, ainda que em valores inferiores aos daqueles negociados em Bolsa de Valores, mas desvinculados do salário, assumindo os riscos de sua valorização ou da sua desvalorização segundo a performance da companhia e das respectivas ações, ínsitos ao próprio mercado de capitais. Trata-se, pois, de operações no mercado de ações, não possuindo, os stock options plans, natureza salarial. (...)." (TRT-2- 10010237620175020069, Relator Rodrigo Garcia Schwarz, 2ª Turma, Data de Publicação 04/11/2020). "STOCK OPTIONS. NATUREZA COMERCIAL. Apesar das denominadas opções de ações serem pactuadas, tendo em vista a existência de um contrato de trabalho e com natureza de contraprestação, afastam-se da conceituação de salário e dos efeitos de tal enquadramento, porque o empregado livremente adquire as ações sujeitando-se aos riscos de sua valorização ou desvalorização no mercado financeiro, o que afasta, a toda evidência, o caráter salarial da referida parcela. Recurso Ordinário do reclamante a que se nega provimento." (TRT-2 - 10023059520165020066, Relator Nelson Nazar, 3ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação 04/12/2019). Esses acórdãos aparentemente examinam planos concebidos no padrão original do sistema, tendo como premissa a aleatoriedade dos ganhos. Algumas empresas passaram a adotar sistemas alternativos que podem comprometer essas premissas, como as denominadas restricted stock units (RSUs), em que o empregado recebe gratuitamente as ações. Há uma grande diversidade de modelos de RSUs, muitos deles com características que afastam a natureza salarial. De qualquer forma, o caráter gratuito exige maiores cautelas. HOMERO BATISTA MATEUS DA SILVA enxerga a possibilidade de natureza salarial5:  "Existem opções de compra de ação que representam, na realidade, formas de complemento salarial. Daí aos questionamentos jurídicos vai apenas um passo. O ponto central do debate pode ser resumido no grau de assunção de riscos pelo empregado. É certo que os planos de compra e venda de ações são de alta complexidade, inclusive para os profissionais versados na matéria, e se verifica ampla variedade de sistemas (...). No entanto, o direito do trabalho se esforça em localizar determinados pontos em comum entre os regimes acionários e, a partir desse delineamento, identifica quais são aqueles que sabidamente deixaram o empregado numa posição confortável, sem risco algum, e, ao revés, quais foram os planos que aproximam o empregado de um investidor como outro qualquer. Ausência de risco ou presença de risco extremamente baixo tendem a aproximar o plano acionário de uma simples parcela de natureza salarial para consumo imediato ou com efeito diferido." (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: livro da remuneração. Rio: Elsevier, 2009. p. 162). Essa abalizada opinião é oportuna advertência: para reduzir riscos, os planos devem o mais possível se aproximar do sistema padrão que consolidou a corrente dominante refratária à natureza salarial. VII. Natureza salarial como alternativa. É certo que algumas empresas introduzem a concepção original do stock option plan e mesmo assim lhe atribuem espontaneamente natureza salarial. Essa escolha pode estar amparada em estratégias tributárias ou simplesmente na intenção de reduzir riscos trabalhistas ou favorecer os beneficiários da liberalidade. Quando tal ocorre, usualmente é adotado o sistema de cashless exercise acima referido, tramitando o ganho na operação em folha de pagamento, com repercussões em férias, gratificações natalinas, FGTS etc, o que evidentemente aumenta o custo total. Se a escolha é feita ao início do programa, boa estratégia para reequilíbrio dos gastos é reduzir o número de ações - ou melhor, de opções de subscrição - proporcionalmente aos impactos financeiros da natureza salarial. Mas novos problemas decorrem desse procedimento. Por exemplo, a concessão periódica de novas opções pode atrair o princípio da habitualidade, havendo risco de reclamações trabalhistas postulando a renovação do programa, se eventualmente interrompido. VIII. Stock option e PLR. Algumas empresas migram o modelo de stock option plans para planos de participação nos lucros de longo prazo. Nesses casos, a outorga de opções ocorre apenas de forma fictícia (similar ao sistema de phantom shares), sendo a valorização um dos índices para cálculo da PLR. Sua vantagem está na maior segurança para afastar a natureza salarial. A principal cautela é o rigoroso respeito aos demais critérios da lei 10.101/00 para sua instituição. IX. Stock option e isonomia. Outro aspecto muito debatido envolve potencial discriminação entre empregados quando o programa não é oferecido a todos em funções idênticas ou semelhantes. Como se sabe, o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput) tem franca aplicação nas relações de trabalho, seja quando expressamente regulado em lei, como no caso da equiparação salarial, seja em qualquer outra de suas facetas6. A Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, considera discriminatória "toda distinção, exclusão ou preferência baseada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tem como efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão" (art. 1º, "a"). Para a Convenção n. 100 da OIT, que cuida da igualdade de remuneração, também ratificada, o termo remuneração compreende o salário e todas as outras vantagens, pagas diretas ou indiretamente, em espécie ou in natura, ao trabalhador pelo empregador (art. 1º, "a"). O princípio da isonomia exige igualdade de tratamento quando se está diante de situações idênticas. O problema é reconhecer a identidade juridicamente relevante ou, a contrario sensu, apontar os fatores que, no caso concreto, justificam a diferença de tratamento7. O artigo 461 da CLT assegura igualdade salarial para empregados que trabalham na mesma localidade com idêntica produtividade e perfeição técnica, mas, ainda assim, se não houver diferença de tempo de serviço superior a quatro anos ou, na função, superior a dois anos. Empregados que realizam trabalho idêntico têm, em princípio, direito ao mesmo salário, mas a lei elege razões objetivas que permitem a disparidade de tratamento. O mesmo entendimento é aplicável aos beneficiários do stock option plan. A empresa pode eleger determinadas funções para a outorga, excluindo outras. Mas não pode, na mesma função, tratar os empregados de forma diferenciada. A diferenciação se faz mediante critérios objetivos e juridicamente relevantes, como, por exemplo, metas de desempenho previamente estipuladas. A escolha não deve ser arbitrária8. Possível solução é eleger funções específicas e nelas enquadrar os beneficiários, inclusive com promoções, se for o caso. Outra solução é condicionar, nessas funções, a outorga da opção a metas objetivas previamente estipuladas. Somente os que cumprirem as metas farão jus às opções9. Haverá dupla condição: a)       cumprimento das metas como condição de outorga das opções; b)      respeito ao período de vesting para exercício das opções. X. Stock option e condição potestativa. Há casos em que o empregador obsta o exercício das opções rescindindo os contratos antes do período de vesting, ou seja, do prazo definido.   Nessas hipóteses há o risco de pedidos com base no artigo 129 do CCB10. Realmente, comprovada malícia do empregador, os tribunais asseguram o exercício no prazo estipulado ou indenização compensatória. Há um acórdão emblemático: "O plano de compra de ações não tem natureza salarial. Logo, não se pode considerá-lo dessa forma. Prevê o artigo 115 do Código Civil que são ilícitas as condições que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes. São as cláusulas puramente potestativas. É o que ocorre no caso dos autos, em que há arbítrio da empresa em deixar a reclamante exercer o direito de opção de compra de ações adquiridas no curso do contrato de trabalho. Dessa forma, é a hipótese de se aplicar o artigo 120 do Código Civil, pois a empresa obstou maliciosamente o direito de opção futura de compra de ações, mas cujo direito nasceu na vigência do contrato de trabalho para exercício futuro. A dispensa por parte da empresa obstou o referido direito. No mesmo sentido há acórdão do TST sobre o tema: A gratificação extraordinária instituída pela empresa, constitui autêntico salário, tendo em vista seu pagamento habitual e periódico, assim, a condição que subordina a recepção da citada gratificação, à permanência do empregado no emprego, a data de seu pagamento, é meramente potestativa, visto que o direito a aquisição é por ter o obreiro trabalhado durante o ano anterior. Portanto, nos termos do art. 115 do CPC é nula, vez que o empregador por seu arbítrio, pode impedir que o empregado implemente a condição de aquisição da gratificação despedindo-o injustamente, às vésperas do referido pagamento, como ocorreu no presente caso (TST, RR 12.584/90.8, Rel. Calixto Ramos, Ac. 3ª T 280/92, conforme Carrion, Valentin. Nova jurisprudência em Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 238, ementa n.º 1.752).  O artigo 1.090 do Código Civil não pode ser interpretado isoladamente, mas sistematicamente com os artigos 115 e 120 do mesmo diploma legal.  Não há fundamento legal para que a empresa subsidie a diferença existente em relação ao valor de mercado, como pretendido às fls. 15. Assim, tem direito a reclamante apenas à indenização, pois o prejuízo consiste em não poder ter exercido o direito de opção após o término do contrato de trabalho em relação a opções a vencer. A indenização é equivalente à diferença entre o valor preestabelecido para as ações de emissão da empresa e o seu valor de mercado por ocasião do efetivo pagamento de opções de compra de ações estabelecidas no curso do contrato de trabalho, considerando todos os Splits que vierem a ocorrer até o efetivo cumprimento da obrigação pela empresa. Sobre a referida indenização não há incidência de FGTS, por não ser salário (art. 15 da Lei n.º 8.036) ou repercussão em outras verbas, por falta de amparo legal. A apuração será feita em liquidação de sentença por cálculos, de acordo com os documentos existentes nos autos para efeito de garantir a opção da reclamante." (TRT SP, 3ª Turma, Rel. Sergio Pinto Martins, Proc. 20010255561, Ac. 20030155141, 18.03.03) O intuito obstativo precisa ser evidente, pois regra geral é a denúncia vazia. Por essa razão, muitos julgados confirmam a necessidade de respeito ao período de vesting11. Na prática, havendo alegação de dolus malus para obstar o exercício da opção, é recomendável ao empregador comprovar a motivação objetiva da dispensa (baixo desempenho, redução do quadro em razão de crise etc.). XI. Impactos da reforma de 2017. O maior impacto da Reforma de 2017 diz respeito aos chamados empregados hipersuficientes, conforme artigo 444, § único, da CLT12. Considerando o público alvo dos planos, em regra executivos com elevados salários e formação superior, regras claras nos programas e a adesão do beneficiário tendem a reduzir o risco de questionamento. Outro impacto indireto da Reforma está nos honorários de sucumbência, que, embora avivando muita controvérsia, podem gerar alto custo no caso de improcedência da ação do empregado. _____________ 1 O Barron's Dictionary of Legal Terms traz uma didática definição: "Stock Option - a outorga a um indivíduo do direito de comprar, em uma data futura determinada, ações de uma sociedade por um preço especificado ao tempo em que a opção lhe é conferida, e não ao tempo em que as ações são adquiridas. A opção pode ser comprada ou vendida, como numa call option, ou pode ser outorgada por um indivíduo pela empresa, como numa employee stock option. A opção sempre envolverá um número específico de ações, a estipulação de um período no qual poderá haver o exercício e a estipulação do preço a ser pago quando do exercício. Uma put option é o oposto de uma call option. Nela o acionista tem o direito de exigir que o outorgante da opção adquira suas ações por um preço fixo, num certo período, por um preço predeterminado" (Gifis, Steve H., "Barron's Dictionary of Legal Terms", N.Y., Barron's, 1998, p. 473, tradução livre). Depreende-se do verbete que a stock option pode decorrer de um contrato de natureza comercial (call option ou put option), quando um indivíduo adquire, mediante pagamento, o direito de opção; ou decorrer de um contrato de trabalho (employee stock option), quando a opção de compra é outorgada ao empregado pelo empregador. A expressão stock option, entretanto, pode também referir-se a um contrato de trabalho sem estar acompanhada do vocábulo employee (empregado), como se vê do Random House Webster's Dictionary of the Law: "Stock option. 1. O direito de adquirir ou vender no futuro um certo número de ações do conjunto de ações de uma determinada sociedade por um preço específico. 2. Também chamada de employee stock option. Sendo esta a opção de comprar ações de uma empresa por ela outorgada a seu empregado como forma de retribuição" (Clapp, James E., "Random House Webster's Dictionary of the Law", N.Y., Random House, 2000, p. 414, tradução livre). 2 Sobre este caráter contingente dos ganhos, merece referência lição de PAULO CÉZAR ARAGÃO: "(...) se o mercado não reconhecer o resultado da atuação de administradores e empregados, não se alterando as cotações das ações da companhia. Essas opções de compra terão nenhum significado econômico, nada sendo devido pela companhia a título de compensação por este fato. Trata-se, assim, de uma vantagem econômica de cunho absolutamente contingente, dependente das circunstâncias do mercado" ("Opções de Compra de Ações e Bônus de Subscrição", Revista dos Tribunais, nº 651, S. Paulo, RT, maio de 1988, p. 64).  3 Em seguida, pondera: "É correta a observação, na Itália, de Tiziano Treu quando adverte que são necessárias investigações sistemáticas da complicadíssima disciplina contratual; investigações que não foram feitas por parte dos juristas e dos juízes, com consequências, no mínimo, desastrosas para a compreensão do tema".............."a interpretação monística de que tudo é salário, sem qualquer aprofundamento da indagação para distinguir o que é e o que não é salário, está fazendo com que se repita a história do aprendiz do feiticeiro. A visão totalizante passou a atuar como uma força contrária ao salário e desestimulante da sua ampliação. Para a empresa, nem sempre é possível o desenvolvimento de uma política ampliativa de vantagens indiretas, não salariais, que poderiam beneficiar o trabalhador se corre o risco de vê-las atraídas, no direito do trabalho, para a órbita salarial. O empregado poderia contar com maiores vantagens não fosse o foco salarial que leva a interpretações  ampliativas e a todo tipo de subjetivismos às vezes exagerados. Há, mesmo, nesse ponto, um atrito entre um imperativo da administração  dos recurso humanos, como a motivação do trabalhador, e a forma jurídica de fazê-lo, diante da falta de visão de que nem toda retribuição do trabalhador é salário e que acaba por inviabilizar iniciativas que atenderiam não só esses objetivos mas, também, o ideal, de difícil consecução, da melhoria da condição social do trabalhador" ("Teoria Jurídica do Salário", São Paulo, LTr, 1994, pp. 68/70). 4 O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (S. Paulo) tem copiosa jurisprudência nesse sentido (8ª Turma, Juiz JOSÉ EDUARDO OLIVÉ MALHADAS, j. 09.12.04; 7ª Turma, RO 02980235908, Ac 02990207249, j. 3.5.1999, Rel. Juiz Ricardo Patah, DOESP 28.5.1999; 3ª Turma, RO 02980420020, Ac. 02990312301, j. 22.6.1999, Rel. Sergio Pinto Martins, DO 6.7.1999; 3ª Turma, RO 102990124955, Ac. 20000046188, j. 8.2.2000, Rel. Sergio Pinto Martins, DOE SP 22.2.2000; 3ª Turma, Proc. 20010255561, Ac. 20030145141, Rel. Sérgio Pinto Martins, DOESP 08.04.03; 7ª Turma, Proc. 42364-2002-902-02-00, Ac. 20030636234, Relª Juíza Anélia Li Chum, DOESP 05.12.03). Assim também já decidiu o E. TRT da 15ª Região (Campinas): "STOCK OPTIONS" - NATUREZA JURÍDICA - Não se tratando de parcela destinada a contraprestação pelos serviços prestados, os Planos de Opção de Compra de Ações (Stock Option Plan) não ostentam natureza salarial, não integrando a remuneração do empregado nos termos definidos pelos arts. 457 e 458 da CLT. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - Os planos de previdência privada instituídos pelo empregador não integram a remuneração do empregado- Art. 458, § 2º, VI, da CLT. (TRT 15ª R. - RO 2125-2007-109-15-00-2 - (80161/08) - 1ª C. - Rel. Luiz Antonio Lazarim - DOE 05.12.2008 - p. 54) Esse entendimento também prevaleceu em decisões do Tribunal Superior do Trabalho, sendo exemplo o seguinte acórdão: "(...) 4. STOCK OPTIONS. O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, n. 6404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contraprestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial. Recurso de revista não conhecido." (TST, 6ª Turma, Proc. RR - 217800-35.2007.5.02.0033 , Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, DJU 03.12.2010). 5 Em sentido análogo se manifesta MÁRCIO TÚLIO VIANA em consagrada obra coletiva: "A retribuição indireta. Às vezes, o empregador retribui de forma indireta, tão imperceptível, que o próprio empregado não nota que está recebendo salário. É o que ocorre com alguns dos chamados fringe benefits, "verdadeiras formas de mordomia" destinadas a atrair altos empregados, como assinala Floriano C. Vaz da Silva. "Grilhões dourados", na expressão de Putnam, os "benefícios marginais" aparecem sob as mais variadas formas, como, por exemplo, refeições a preços subsidiados, títulos de clubes campestres, opção de compra de ações a preços baixos, planos de seguro de vida, hospitalização, cobertura de medicamentos, uso do telefone da empresa e até parques de recreação. A rigor, todas essas prestações têm natureza salarial - embora, na prática, raramente apareçam nas folhas ( e nos cálculos ) de pagamento" ("Salário", in Barros, Alice Monteiro de (coord.), "Curso de Direito do Trabalho", São Paulo, LTr, 1993 p. 92/93). 6 Merece referência EVARISTO DE MORAES FILHO, citando Manfred Rehbinder: "É costume, entre nós, invocar-se o princípio da isonomia so­mente quando se trata de equiparação salarial, quando ele pode ser invocado e aplicado em qualquer condição de trabalho. Con­cordamos com estas poucas linhas do Prof. da Universidade de Zurich, Manfred Rehbinder: "O caráter eminentemente pessoal da relação de trabalho, com o dever de assistência que lhe é vin­culado, fundamenta também o princípio de igualdade de tratamen­to do Direito do Trabalho. Proíbe desfavorecer arbitrariamente cer­tos trabalhadores no seio da mesma empresa (art. 2º, al. 2, CC). É arbitrário o tratamento desigual em casos idênticos sem moti­vos objetivos, sendo este último ponto determinado segundo os costumes. O debate político-jurídico relativo ao postulado "para trabalho igual, salário igual" mostra claramente que não é neces­sário superestimar a amplitude do princípio de igualdade de trata­mento"." ("O Princípio da Isonomia", in Romita, Arion Sayão (coord.), "Curso de Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao Professor Amauri Mascaro Nascimento", S. Paulo, LTr, 1991, p. 117). 7 Veja-se, nesse sentido, a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: "O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexos de obrigações e direitos. (...) a correta indagação a ser formulada para conhecimento do princípio sub examine pode ser traduzida nos termos que seguem: Quando é vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função de discriminar?" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros Ed., 2003. p. 12-13). 8 Túlio Massoni, diante de situação análoga, diz que "por via do principio da igualdade, a ordem jurídica veda desequiparações fortuitas ou injustificadas e, consequentemente, a prática de atitudes discriminatórias, ressalvadas, porém, as diferenciações legítimas." Afirma "necessário analisar aquilo que é adotado como critério discriminatório, e de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada". (MASSONI, Túlio de Oliveira. Quais as controvérsias da participação nos lucros e resultados.  março 2012, disponível em: www. conjur.com.br. Acesso em: 27.01.2016). 9 O seguinte julgado agasalha o critério: "CONTRATO DE TRABALHO - PROGRAMA PERFORMANCE STOCK - PREMIAÇÕES EM AÇÕES - ALEGAÇÃO DE TRATAMENTO DESIGUAL - DESCABIMENTO - "Premiação em ações. Programa Performance Stock. Tendo a reclamada comprovado que a premiação em ações não era destinada a todos os empregados, mas apenas a algumas categorias específicas (critério objetivo), a depender de condições específicas, como o desempenho da empresa e o desempenho pessoal do empregado (critério subjetivo), não configura ofensa ao princípio da isonomia o procedimento adotado pela ré, pois consiste em dispensar tratamento desigual a pessoas que se encontram em situações desiguais. Igualmente não há ofensa ao art. 7º, XXXII, da CR/1988. Recurso desprovido." (TRT 03ª R. - RO 1436/2010-036-03-00.0 - Rel. Des. Heriberto de Castro - DJe 02.06.2011) 10 "Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento." 11 "STOCK OPTIONS. PRAZOS DE CARÊNCIA (VESTING). INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO NA RESCISÃO CONTRATUAL OCORRIDA ANTES DO CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA. Revestem-se de inteira validade as cláusulas contratuais que fixam carências (vesting) para as chamadas stock options (opção facilitada, com preços pré-fixados, para aquisição futura de ações da empresa), inclusive estabelecendo a insubsistência do benefício nos casos de rescisão do vínculo empregatício, antes do cumprimento da carência." (TRT-3 - RO - 00100460620195030024, Relator Marcio José Zebende, 7ª Turma, Data de Publicação DEJT 15/07/2020). "(...) Ocorre que o empregado para ter direito a stock options precisa continuar trabalhando durante um período na empresa (vesting). Se ele for demitido ou pedir demissão dentro desse período, perde o direito a stock options, conforme também previsto no Plano instituído pela ré. (...) Note-se que as parcelas cujo prazo de carência venceu ainda durante o contrato de trabalho foram devidamente pagas, mas as que venceriam em 2017, 2018 e 2019 não são devidas. Assim, não cumpridos os requisitos para o pagamento das stock options, improce o pedido.". (TRT-1- 01013365820175010047 - Juíza do Trabalho Maíra Automare, 47ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, Data de Julgamento 18/10/2018.). "CONTRATO DE TRABALHO - PLANO DE STOCK OPTION - CLÁUSULA DE CARÊNCIA - RESCISÃO CONTRATUAL ANTES DO CUMPRIMENTO DO PERÍODO - INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO - OCORRÊNCIA - "Stock options. Opção facilitada, com preços pré-fixados, para aquisição futura de ações da empresa. Prazos de carência (vesting). Insubsistência do benefício na rescisão contratual ocorrida antes do cumprimento da carência. Revestem-se de inteira validade as cláusulas contratuais que fixam carências (vesting) para as chamadas stock options (opção facilitada, com preços pré-fixados, para aquisição futura de ações da empresa), inclusive estabelecendo a insubsistência do benefício nos casos de rescisão do vínculo empregatício, antes do cumprimento da carência. Essas regulamentações não padecem de quaisquer vícios porquanto são estabelecidas em consonância com as disposições do art. 104 do CCB; as partes signatárias são capazes; o objeto é 'lícito, possível' e 'determinado'; e elegeu-se forma 'não defesa em lei'. Merece registro, também, que 'os negócios jurídicos benéficos [...] interpretam-se estritamente' (art. 114 do CCB). Ainda, segundo o art. 122 do CCB, 'são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes'. A carência traduz-se em condição suspensiva, que subordina a eficácia do negócio à sua ocorrência; 'enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa' (art. 125 do CCB). É da essência das stock options a fixação de prazos para a consolidação do direito de compra de ações. Durante o prazo da carência (vesting), o trabalhador tem apenas mera expectativa de se tornar acionista em condições facilitadas; não há direito adquirido. Stock options. Natureza não salarial. As stock options não possuem natureza salarial, pois caracterizam espécie do gênero participação do empregado no patrimônio empresarial, à semelhança da PLR, que, segundo disposição expressa do art. 7º, XI, da CF, é paga desvinculada da remuneração." (TRT 03ª R. - RO 1150/2009-023-03-00.4 - Relª Juíza Conv. Wilmeia da Costa Benevides - DJe 17.05.2011). 12 Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Neste artigo propomos uma abordagem ética e jurídica sobre o papel  do Estado e da empresa na regulação e funcionamento do mercado de trabalho, com impacto nos rumos do direito trabalhista e da gestão empresarial. O objetivo é destacar a verdadeira revolução cultural em andamento,  que atribui extraordinária importância à empresa na formulação das políticas sociais, econômicas e ambientais. Nossas categorias mentais estão se transformando. O direito do trabalho, em sua concepção moderna, é  instrumento de síntese dos interesses comuns ao capital, ao trabalho e à sociedade. Não se destina apenas a compensar a inferioridade econômica do trabalhador, mas também a organizar a produção. Ao lado da proteção e redistribuição da riqueza, é o direito que regula as relações de produção. Cabe-lhe atuar para diminuir a enorme distância, no plano normativo, social e econômico, entre empregados e desempregados, típicos e atípicos, permanentes e precários, formais e informais, que leva à grande questão do nosso tempo: inclusão versus exclusão. Diante do impacto da economia digital nas formas de produzir e de trabalhar, o direito do trabalho só sobreviverá na medida em que se tranforme em "direito do mercado de trabalho", não se concentrando apenas na figura do empregado clássico, hoje em decadência no mundo. Deve redistribuir essa proteção entre os demais trabalhadores, especialmente os vulneráveis,  a fim de que o sistema normativo seja efetivamente justo. A prática revela que as teorias orientadas a trazer para dentro do conceito de emprego toda e qualquer forma de trabalho, como a conhecida subordinação estrutural, criam enorme risco na  contratação de serviços de terceiros e nas plataformas digitais. No mundo contemporâneo a tecnologia é condição necessária para o acesso ao trabalho e ao progresso; sem ela teríamos  verdadeiro caos político, econômico, social e ambiental. Países que não a produzem ou não a adquirem estão condenados à exclusão. A tecnologia nos mantém conectados às plataformas digitais em nossos diversos egos sociológicos como investidores, trabalhadores e consumidores. No campo do trabalho não podemos ignorar e muito menos reprimir formas atípicas de prestação de serviços. A empresa moderna está cercada por dezenas, centenas ou milhares de fornecedores de bens e serviços. Usa intensamente trabalho autônomo, temporário, intermitente, avulso e precário. As  plataformas promovem inúmeros tipos de prestação de serviços. Essa realidade impõe uma regulação plurinormativa aplicável a todos os trabalhadores e não apenas aos empregados,  assentada em quatro pressupostos:  estrutura legal com normas básicas de proteção dos direitos humanos, negociação coletiva, práticas de governança corporativa e proteção do meio ambiente. Definitivamente, após a pandemia nunca mais seremos os mesmos. Está sendo atingido o cerne do sistema de produção, o que exige o desenvolvimento de um capitalismo colaborativo.  A proteção à saúde criou barreiras entre os países, exacerbando a xenofobia e a discriminação étnica, fomentando o trabalho digital no plano nacional e internacional. A concorrência cresceu entre trabalhadores nacionais e estrangeiros. Os níveis de desocupação e de pobreza são inquietantes. Há aumento significativo do intervencionismo estatal, com programas de renda mínima e investimento para combater a desigualdade. Borbotam políticas para enfrentamento da crise (vide o exitoso Kurzarbeit na Alemanha). Até nos países menos desenvolvidos programas de renda mínima universal deixaram de ser uma utopia. Os modelos políticos só sobreviverão se combinarem eficiência econômica, eficácia social e sustentabilidade. O conhecido conceito de economia social de mercado agregou dois valores que a realidade nos impõe: a saúde e o meio ambiente. A riqueza das nações é medida pelo respeito aos direitos humanos, à ecologia e à ética nos negócios. O capitalismo moderno não se preocupa apenas com o lucro, mas também com os meios pelos quais é alcançado, mediante instrumentos de compliance. A empresa deve gerar valor para todos que a compõem: investidores, trabalhadores, fornecedores, consumidores e a comunidade. É o capitalismo de stakeholders, que vai muito além do interesse do acionista (shareholder) porque se baseia em compromissos éticos com a sociedade e a força de trabalho. Desde o Fórum Econômico de Davos de 2020 o padrão ESG (environment, social and governance) vem dominando os debates ao impor respeito a regras ambientais, sociais e corporativas que constituem o núcleo do capitalismo colaborativo, com ressonância no Pacto Global da ONU1. Esse movimento é uma forma de resistência à primeira onda da globalização, na qual as empresas enxergavam na redução das barreiras estatais mera oportunidade de negócios, transferindo de país a país os chamados bancos de trabalho2, explorando a combinação de mão-de-obra barata com proteção jurídica incipiente. A estrutura piramidal3 do direito foi posta em xeque porque o Estado perdeu força diante das empresas. No final da década de 1990, em aparente exercício de futurologia, AMARTYA SEN4 defendia a necessidade de ultrapassar a concepção internacional para alcançar uma proteção mundial independente dos estados. Aos poucos se foi desenvolvendo o conceito de cidadania global5, ganhando força quando uma das principais gestoras mundiais de fundos de investimento passou a exigir rigorosos padrões de governança corporativa e social. São famosas, desde 2012, as cartas de seu Chairman aos CEOs das empresas controladas6. O padrão ESG institui uma economia comportamental que aumenta o padrão de socialização da empresa para atender aos interesses e valores nela envolvidos. Torna mais visível e indissociável sua faceta institucional ao expandir as obrigações com a sociedade.  Essa responsabilidade envolve integração voluntária dos interesses dos parceiros de cadeia produtiva e de consumo. Vai muito além da governança corporativa. É uma postura cívica que interfere no conceito jurídico de empresa e revaloriza seu caráter institucional. No mundo em que vivemos é inaceitável o sacrifício dos direitos humanos e da natureza. Os novos desafios ambientais, sociais e de governança exigem códigos de boas práticas corporativas. Em 2006 a OIT adotou a "Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Justa", que defende o equilíbrio entre os níveis de proteção do trabalho, avaliando as vantagens comparativas entre os países. No processo de institucionalização da empresa e de sua responsabilidade social não basta ser cumpridora das leis, devendo assumir compromissos éticos e de governança. A autorregulação, associada a um bom sistema de negociação com os sindicatos e grupos intermediários, cria um direito flexível ou "soft law" cujo descumprimento acarreta consequências nefastas para a imagem e reputação da empresa. A certificação ISO 26000 criada em 2010 com base na responsabilidade corporativa, exige respeito à natureza e aos direitos humanos no trabalho. A empresa e seus empregados, subcontratados, franqueados, fornecedores de bens e serviços, além dos consumidores, são componentes de um sistema de produção e consumo. O código de conduta vai orientar e coordenar o desempenho da atividade empresarial. O pluralismo na produção das normas, através da lei estatal, da negociação coletiva e dos códigos empresariais, estimula formas próprias e éticas de produzir riqueza e pavimenta o caminho para uma cogestão apta a gerar: a) políticas públicas de proteção ao trabalhador nas variáveis ??da vida profissional, com ou sem trabalho; b) reciclagem e qualificação profissional; c) proteção ao meio ambiente; d) redistribuição da proteção trabalhista dos empregados para oferecer direitos mínimos aos atípicos, a maioria com grande vulnerabilidade econômica; e) investimento produtivo. Essa parceria contribui para uma sociedade na qual, sem negar os conflitos a ela inerentes, Estado, empresas, trabalhadores e consumidores tenham papel efetivo e equilibrado na busca do progresso social e econômico de modo sustentável. __________ 1 Veja-se esta página de CARLO PEREIRA: "Em 2020, quando a Organização das Nações Unidas completou 75 anos, mais de 1300 CEOs espalhados por cerca de 100 países enviaram uma carta compromisso ao secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçando a necessidade de mobilização e cooperação global para lidar com os desafios do nosso tempo. Entre os compromissos, os CEOs manifestaram seu engajamento com: A promoção da liderança ética e da boa governança por meio de estratégias, políticas, operações e relacionamentos baseados em valores, envolvendo todas as partes interessadas. Abordar as desigualdades e injustiças sistêmicas por meio de tomadas de decisão inclusivas, participativas e representativas em todos os níveis do negócio. Parcerias com a ONU, governos e sociedade civil para fortalecer o acesso à justiça, garantir responsabilidade e transparência, proporcionar segurança jurídica, promover a igualdade e respeitar os direitos humanos. A ONU ouviu o setor empresarial e a carta gerou desdobramentos. O Pacto Global da ONU está lançando um framework para apoiar as empresas na implementação efetiva destes compromissos de governança e integridade e, portanto, com impactos diretos no ODS 16 - Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Segundo António Guterres, a iniciativa "visa inspirar as empresas a abraçar seu papel na governança transformacional, que inclui fortalecer o multilateralismo e reimaginar o contrato social. Só então poderemos reconstruir uma economia melhor, cumprir a Agenda 2030 e não deixar ninguém para trás". (PEREIRA, Carlo. Como promover empresas responsáveis, éticas, inclusivas e transparentes). Disponível aqui. 2 DÄUBLER, Wolfgang. Globalização econômica e direito do trabalho. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL RELAÇÕES DE TRABALHO, Anais... Brasília, MTb, 1998. p. 42-43. 3 Assinala DANIELA IKAWA, a partir da lição de GUNTHER TEUBNER, que o "direito empresarial globalizado teve (...) que se adaptar a uma flexibilização da estrutura normativa, que deixou seu desenho piramidal, isto é, hierárquico, para adotar outro, circular. O direito empresarial seguiu, portanto, o aumento de discricionariedade das empresas globalizadas, no tocante à escolha entre normas convencionais e governamentais, e entre normas de diferentes ordenamentos jurídicos nacionais". (IKAWA, Daniela. Implicações jurídicas da globalização econômica. In: PIOVESAN, Flávia (coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. S. Paulo: Max Limonad, 2002. p. 500). 4  "Un enfoque internacional es inevitablemente parasítico respecto a las relaciones entre naciones, ya que funciona entre distintos países y naciones. En cambio, un enfoque realmente global no tiene por qué considerar a los seres humanos sólo, o principalmente, como ciudadanos de determinados países, ni aceptar que la interacción entre ciudadanos de distintos países tenga que pasar inevitablemente por las relaciones entre las distintas naciones. Muchas instituciones globales, incluso las que son esenciales para nuestra vida laboral, deben ir mucho más allá de los límites de las relaciones internacionales. (...) La economía mundial, cada vez más globalizada, exige a su vez un enfoque cada vez más mundializado de las éticas básicas y de los procedimientos sociales e políticos. La economia de mercado en sí no constituye únicamente un sistema internacional, sino que sus conexiones mundiales transcienden las relaciones entre naciones, y a menudo entre las personas de diferentes países y entre las diversas partes de una transación comercial. La ética capitalista, con sus puntos fuertes y sus debilidades, es una cultura esencialmente mundial del siglo XX y no solamente una construcción internacional. Abordar las condiciones de la vida de trabajo, así como los intereses y los derechos de los trabajadores en general, exige igualmente transcender las limitaciones propias de las relaciones internacionales, más allá de las fronteras nacionales y de las relaciones mundiales." (Alocución del Sr. Amartya Sen, "Premio Nobel de Economía - 15 de junio de 1999", na Conferência Internacional do Trabalho, 87ª reunião, 1-17 de junho de 1999, [30.08.99]). 5 RICHARD OLIVER já vislumbrava a crescente consciência de uma "cidadania global", segundo a qual a censura a práticas de exploração de mão-de-obra estrangeira romperia fronteiras. Sustentava que a sociedade em geral, ao saber da degradante exploração de mão-de-obra, tem se recusado a adquirir os produtos respectivos. Essa atitude, segundo o autor, tem feito com que algumas empresas reavaliem suas operações no estrangeiro, assegurando a melhoria da proteção aos trabalhadores (Oliver, Richard. Como serão as coisas no futuro. São Paulo: Negócio Ed., 1999. p. 51-52). 6 Disponível aqui.
O debate sobre a licitude da terceirização de serviços é exemplo perfeito da insegurança jurídica causada pelas vacilações da jurisprudência. Tudo mudou, mas nada mudou. Quatro anos após as leis 13.429/17 e 13.467/17 ainda há forte resistência à aplicação de seus critérios e, surpreendentemente, também à decisão do STF nos ARE 791.932, RE 958.252 e na ADPF 324 (julgados em 30/8/2018). Como todos sabem, até então a terceirização não era regulamentada de forma específica. Sua disciplina resultava da combinação de normas esparsas da CLT, Código Civil e outras leis. O TST tentou preencher esse vazio com as súmulas 256 e 331. Este último verbete (surpreendentemente ainda não cancelado em razão das amarras do artigo 702 da CLT) permite a terceirização apenas em atividade-meio e, mesmo nessa hipótese, prevê a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços.  A distinção entre atividade-fim e atividade-meio sempre foi disfuncional e até enigmática em certos segmentos. A ADPF 324 levou ao STF exemplos dos paradoxos. Para alguns juízes o transporte de cana-de-açúcar é atividade-fim da indústria sucroalcooleira e, para outros, atividade-meio. Como a decisão só vale para a empresa condenada, não se estende às outras do mesmo setor, o que ofende o princípio da livre e justa concorrência. Também são comuns decisões frontalmente colidentes nas atividades de logística, call center, instalação e manutenção de equipamentos, venda direta etc. As novas leis reconhecem a licitude da terceirização em qualquer atividade, mas exigem cautelas dos tomadores e asseguram direitos específicos aos empregados dos fornecedores. Embora a inovação legislativa tenha superado a dicotomia atividade meio/fim criada pela Súmula n. 331 do TST, os tribunais do trabalho oscilaram em suas decisões. Houve julgados do TST admitindo aplicação das novas leis apenas a fatos futuros, sendo exemplo bastante conhecido um acórdão relatado pelo Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN1. Outros aplicaram o entendimento até a situações jurídicas passadas considerando que a Súmula n. 331 não constituía critério seguro de interpretação dos limites da terceirização2. Essa corrente ganha força quando atribui às novas leis, tecnicamente, o caráter de "normas interpretativas". Afinal, se a falta de critério adequado gerava controvérsia, essa lacuna foi preenchida porque o legislador assumiu seu papel e escolheu definitivamente uma das possibilidades de interpretação. O tema é bem controverso. Para alguns, o caráter interpretativo da norma precisa ser expresso, enquanto que, para outros, basta ser implícito, como concretamente ocorreu. Também se discute se se trata de aplicação retroativa (SAVIGNY) ou se cabe acolher a nova norma como "contemporânea da própria lei interpretada" (CAIO MÁRIO)3. Esse debate de direito intertemporal é rico no plano acadêmico e instigante para os advogados, mas em tese estaria superado pelas decisões do STF com efeitos ex tunc. Contudo, ainda persistem diferentes soluções na Justiça do Trabalho. Certas Turmas do TST aplicaram prontamente os novos critérios, respeitando o efeito erga omnes da posição do STF4. Outras preferem suspender os processos no aguardo da decisão dos embargos de declaração pendentes na Alta Corte5. Outro foco de conflito é a chamada teoria da subordinação estrutural, um perfeito paradoxo dogmático, que transforma o empregado do fornecedor, que o contrata, comanda e paga o salário, em empregado do tomador porque a ele estaria estruturalmente vinculado. É uma subversão do conceito de subordinação jurídica da CLT criar vínculo de emprego do tomador com trabalhadores alheios.  Para a teoria da subordinação estrutural, a dicotomia da Súmula 331 do TST sempre foi irrelevante, assim como as novas leis e a posição do STF, o que, com todo o respeito, é indefensável. Felizmente há precedentes afirmando que a aplicação dessa teoria esvazia o comando do STF, sendo bom exemplo recente acórdão relatado pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho6. Aspecto também preocupante é o discurso empresarial corrente de que, com as novas leis, agora tudo é possível. Basta examinar os textos para perceber o equívoco dessa presunção. O direito novo, além de exigir maiores cuidados na certificação da idoneidade dos fornecedores, contém um risco no novo parágrafo 3º do artigo 2º da CLT. Esse preceito pode ensejar a formação de grupo econômico entre tomador e fornecedor, a depender do grau de entrelaçamento e comunhão de interesses, o que, na prática, gera responsabilidade solidária. Por fim, vale o alerta de que se pode estar fechando a janela para ações rescisórias de sentenças amparadas no antigo critério, considerando o prazo decadencial de dois anos. É recomendável uma auditoria em todos os processos que versem a matéria. Nas ações com condenação prospectiva, como, por exemplo, ações civis públicas com sentenças impedindo a terceirização de determinadas atividades, é recomendável o estudo de ações revisionais, especialmente se ultrapassado o prazo decadencial da rescisória. __________ 1 "A entrada em vigor da lei 13.429/2017 (Lei da Terceirização), geradora de profundo impacto perante a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, no que alterou substancialmente a Lei nº 6.019/74, não se aplica às relações de emprego regidas e extintas sob a égide da lei velha, sob pena de afronta ao direito adquirido do empregado a condições de trabalho muito mais vantajosas." (TST, SBDI I, Proc. TST-ED-E-ED-RR-1144-53.2013.5.06.0004, publicado em 10.09.2017). 2 "Ressalte-se, por oportuno, que o entendimento ora adotado não confere, como poderia se pensar, aplicação retroativa à lei 13.429/2017. Na verdade, a referida disposição normativa apenas reforça o convencimento de que os entendimentos expostos na Súmula 331 do TST (e, por conseguinte, a Súmula 49 do TRT/MG) estavam absolutamente equivocados, no plano jurídico, no que se referem à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio, (...)" (1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, Proc. 0011609-17.2015.5.03.0043, Juiz Marco Aurélio Marsiglia Treviso, j. 05.04.2017). 3 LIMONGI FRANÇA, R. Direito intertemporal brasileiro: doutrina da irretroatividade das leis e do direito adquirido. S. Paulo: RT, 1968. p. 406-408. 4 São exemplos: acórdão em RR 67-98.2011.5.04.0015 da 4ª Turma e acórdão em RR 21072-95.2014.5.04.0202 da 5ª Turma. 5 Os embargos de declaração na ADPF 324 foram recentemente rejeitados (Sessão Virtual de 13.8.2021 a 20.8.2021, Disponível aqui), mas persistem pendentes de julgamento aqueles opostos no RE 958252. 6 "TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - LABOR EM ATIVIDADE-FIM - LICITUDE - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA - POSSIBILIDADE APENAS DE CONDENAÇÃO SUBSIDIÁRIA - DECISÃO DO STF NOS TEMAS 725 E 739 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL E ADPF 324, RE 958.252 E ARE 791.932 - REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS - O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e o Recurso Extraordinário (RE) nº 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu pela licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo. Naquele recurso, o STF firmou tese de repercussão geral, com efeito Vinculante, no sentido de que "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Assim, não havendo alusão no acórdão regional acerca da efetiva existência de pessoalidade e subordinação jurídica direta com a tomadora de serviços, não há como se reconhecer o vínculo direto com a empresa tomadora de serviços. Quanto a esse último aspecto, não se leva em conta a mera subordinação estrutural ou indireta, que, aliás, é inerente à terceirização da atividade fim - Tal implicaria esvaziar de sentido os já mencionados precedentes do STF - , sendo necessário estar comprovada nos autos a subordinação hierárquica direta, presencial ou por via telemática, do trabalhador aos prepostos da tomadora. Outrossim, afastada a ilicitude da terceirização de serviços, é possível manter a condenação subsidiária pelos créditos deferidos na ação, se existir pedido exordial para a condenação solidária ou subsidiária. No caso concreto, o Tribunal Regional nada consignou acerca da existência de pessoalidade e subordinação direta com a tomadora, o que inviabiliza o reconhecimento de vínculo de emprego pretendido. Ademais, não há pedido sucessivo autônomo de isonomia salarial, com fundamento no art. 12 da Lei 6.019/1974. Agravo de instrumento não provido." (TST - AIRR 20169-31.2018.5.04.0231 - Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho - DJe 26.02.2021).
Introdução Os critérios para definição da responsabilidade em casos de sucessão trabalhista estão há muito consolidados em doutrina e jurisprudência, mas é frequente seu desrespeito, especialmente em execuções onde o sucessor não tem patrimônio para garantir o pagamento das dívidas assumidas. Alguns juízes, no afã de satisfazer o credor, tentam soluções rápidas, ao arrepio da melhor técnica e mesmo contrárias ao nosso sistema jurídico. Tais arroubos pragmáticos são agravados pela dificuldade de defesa no processo de execução, no qual é limitada a produção de prova e a interposição de recursos. O propósito da coluna de hoje é recuperar conceitos fundamentais que podem reforçar a defesa do executado e atenuar os riscos. Sucessão e responsabilidade trabalhista No caso de sucessão, a responsabilidade sempre cabe à empresa, independentemente de quem sejam seus controladores, como se vê nos artigos 10 e 448 da CLT. Pelo princípio da continuidade, o empregado se vincula à empresa, assim considerado o centro de imputação de direitos e obrigações que desenvolve atividade econômica. O artigo 2º da CLT, com surpreendente clarividência, considera empregador a empresa que dirige e assalaria a prestação pessoal de serviços, assumindo os riscos do empreendimento. Os efeitos da sucessão ocorrem até mesmo quando há transferência ou venda de um só estabelecimento, como frisa MAURÍCIO GODINHO DELGADO1: "há sucessão de empregadores, na acepção celetista, não somente com o transpasse de toda a organização, mas também com a transferência de apenas uma ou algumas de suas frações ("estabelecimentos"): nas duas hipóteses, altera-se subjetivamente o contrato, ingressando, no pólo passivo, novo titular. O objetivo da legislação com as normas regulamentadoras da "sucessão trabalhista" (arts. 10 e 448, CLT), é assegurar a intangibilidade dos contratos de trabalho firmados pelo antigo empregador, garantindo a continuidade desses contratos. Em coerência, estabelece a lei, com respeito aos contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial em transferência ou na parcela transferida dessa organização, sua imediata e automática assunção pelo adquirente, a qualquer título, dessa organização ou sua parcela ("estabelecimento comercial"). O novo titular passa a responder pelos efeitos presentes, futuros e passados dos contratos de trabalho que lhe foram transferidos, ex lege." O clássico EVARISTO DE MORAES FILHO2 já dizia:  "O único critério válido e indispensável é que a empresa ou o estabelecimento apresentem reais e objetivas condições de sobrevivência, de continuidade no seu exercício, com todos ou alguns elementos indispensáveis para o seu funcionamento. O que importa é a manutenção do seu aviamento, isto é, a esperança de lucros futuros, seu verdadeiro objetivo organizacional." Por isto, a sucessão ou transferência do controle em nada modifica os vínculos originais com os empregados, que se mantêm estruturalmente os mesmos. A continuidade do vínculo garante os direitos adquiridos perante o sucessor, sendo vedadas alterações unilaterais e também as que, embora bilaterais, prejudiquem o empregado (artigo 468 da CLT), como regra geral. Uma importante exceção, é claro, são os empregados portadores de diploma de nível superior e com salário mensal superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS, como se lê no artigo 444, parágrafo único da CLT, para os quais a lei aceita a livre estipulação de cláusulas. A responsabilidade também se estende a créditos de empregados cujos contratos foram rescindidos antes da sucessão  Como se vê, ressalvada a hipótese de fraude, a responsabilidade do sucessor é integral. Afasta-se o sucedido de qualquer obrigação pelos contratos em vigor e mesmo aqueles rescindidos antes da sucessão. Não mais subsiste responsabilidade, inclusive subsidiária ou residual. Esse entendimento está consagrado na Orientação Jurisprudencial n. 261 da SBDI I do TST:  "261. Bancos. Sucessão trabalhista. As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista." O professor ESTÊVÃO MALLET afirma enfaticamente que "não cabe falar (...) em responsabilidade solidária envolvendo sucessor e sucedido nem mesmo em relação às obrigações anteriores à sucessão"3: "(...) a responsabilidade do sucedido por obrigações decorrentes do contrato de trabalho de empregados da empresa, tanto as constituídas após a sucessão como, igualmente, as constituídas antes, deve ser peremptoriamente afastada, o que já levou a jurisprudência até mesmo aludir à carência de ação (...)." A Orientação 261 mencionada acima é aplicada indistintamente a outros segmentos, merecendo destaque este acórdão do TST: "...... passa o sucessor a responder integralmente pelas dívidas trabalhistas que lhe foram transferidas na medida em que qualquer alteração na organização da empresa não afetará os contratos de trabalho existentes e nem os direitos adquiridos pelos empregados (artigos 10 e 448 da CLT), resguardado, no entanto direito a eventual ação regressiva futura em face da empresa sucedida". 2- Reconhecida a sucessão trabalhista pelo Tribunal Regional, a responsabilidade pelos créditos decorrentes da presente ação é exclusiva da empresa sucessora. Inteligência dos arts. 10 e 448 da CLT. Incidência da Orientação Jurisprudencial 261 da SDI-I/TST, que, não obstante verse especificamente sobre sucessão de bancos, revela o posicionamento desta Corte acerca da responsabilidade em hipótese de sucessão. Óbices da Súmula 333/TST e do art. 896, § 4º, da CLT. (...)." (TST - RR 0000992-30.2012.5.09.0562 - Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann - DJe 06.03.2015 - p. 411). A orientação não se aplica aos casos de fraude, desde que devidamente provada. No entanto, há decisões judiciais que atribuem ao sucedido responsabilidade diante da mera inadimplência do sucessor, alegando presunção de fraude. São também comuns cláusulas de proteção do sucessor, como a que limita sua responsabilidade ao momento posterior à sucessão ou a que exige do sucedido a manutenção de uma escrow account (conta de caução, em tradução literal) por determinado tempo. Tais cláusulas, embora não afetem o direito de terceiros, especialmente empregados, são úteis para resguardar o direito de regresso.  Grupo econômico e sucessão trabalhista Quando se desconecta uma empresa do grupo econômico, cessa a responsabilidade solidária até então existente, como deflui da combinação do artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT. O sucedido jamais compõe grupo com o sucessor e isto se estende, claramente, às sociedades àquele vinculadas. São incomunicáveis ao sucessor obrigações das demais sociedades do grupo.  Veja-se a OJ n. 411 da SBDI I do TST: "411. Sucessão Trabalhista. Aquisição de Empresa Pertencente a Grupo Econômico. Responsabilidade Solidária do Sucessor por Débitos Trabalhistas de Empresa não Adquirida. Inexistência. O sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa devedora direta era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou fraude na sucessão." Está claro que a responsabilidade do sucessor se limita às obrigações da sociedade adquirida, não valendo para as demais que com ela compunham grupo. Vários julgados adotam essa orientação4. Lamentavelmente, na rotina forense esse conceito nem sempre é observado.  Caso emblemático foi a tentativa de responsabilização da TAP, que adquiriu uma só empresa do grupo VARIG, por dívidas de outras componentes. O tema foi finalmente resolvido no julgamento de incidente de recursos repetitivos pelo TST (IRR-69700-28.2008.5.04.0008), ratificando no tema 7, por maioria de votos, sua jurisprudência tradicional5. Até que isso ocorresse, houve terrível sangria no patrimônio da empresa.  Vale repetir, portanto: a responsabilidade do sucessor se restringe a obrigações diretas e exclusivas da empresa sucedida, que se descolou do grupo a que pertencia. O inverso também é verdadeiro. O grupo original não é mais responsável solidário por dívidas de empresa onde houve sucessão no controle. Como exemplo, diversos acórdãos do TST afastaram a responsabilidade da PETROBRAS por dívidas da INTERBRAS, entendendo que esta foi sucedida pela União Federal6. Sucessão. Fusões e incorporações Quando há fusão ou incorporação, surge potencial conflito entre regulamentos internos aplicáveis ao quadro de pessoal de cada empresa, o que exige muita cautela. Como se sabe, os regulamentos se incrustam aos contratos de trabalho e abrangem não apenas regras de conduta, mas também benefícios oferecidos aos empregados.   As maiores dificuldades estão justamente na conciliação das diferenças (um pode prever melhor plano de saúde, enquanto outro assegura previdência complementar etc.). Um dos caminhos é criar um terceiro regulamento para os novos contratados, mantendo-se os originais para os antigos empregados. É uma solução juridicamente interessante, mas, na prática, pode dificultar a gestão de recursos humanos ao criar distinções entre empregados da mesma empresa. Os antigos não podem ser prejudicados. É firme e tradicional a oposição do TST à alteração de direitos adquiridos através de normas regulamentares, sendo clássico este acórdão do Ministro MOZART VICTOR RUSSOMANO7: "O regulamento da empresa, aprovado por ato unilateral do empregador, torna-se cláusula do contrato de trabalho (ato bilateral), por adesão do empregado. Não pode ser, por isso, modificado, a não ser com efeitos restritos aos contratos de trabalho que venham a ser celebrados no futuro, sem prejuízo da integridade dos contratos celebrados sob a vigência do regulamento anterior. Recurso de revista conhecido e provido, para assegurar-se à empregada abono familiar calculado na forma do regulamento em vigor na época de sua contratação." Portanto, lei e jurisprudência só permitem alteração ou mesmo revogação desde que não sejam vulnerados os direitos adquiridos, a teor do artigo 468 da CLT., com exceção já referida do artigo 444, parágrafo único da CLT. Esse entendimento está cristalizado na Súmula nº 51, I, do TST: "I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento." Uma boa alternativa é possibilitar a opção individual por um dos regulamentos ou por um novo, contida na Súmula n. 51, item II, do TST: "II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro." A livre escolha do regulamento afasta o risco de superposição de normas mais vantajosas dos dois sistemas. Tal medida pode ser complementada por acordo coletivo com o sindicato profissional pormenorizando os procedimentos para a opção.  Há ampla liberdade de negociação, podendo ir além dos critérios da Súmula nº 51 acima referida, apesar de alguns acórdãos restritivos, inclusive do TST, cerceando a liberdade sindical. As vantagens do acordo coletivo estão na generalidade e uniformidade da solução. Ademais, a reforma trabalhista de 2017 ampliou e reforçou o campo de negociação coletiva e mesmo da individual. Conclusões Esses temas mostram a complexidade e riscos trabalhistas envolvidos nas operações societárias, por vezes esquecidos. Condutas aparentemente elementares para os investidores não o são na prática forense, podendo criar entraves para a concretização dos negócios. É essencial desenvolver estratégias de minimização dos riscos. __________  1 DELGADO, Maurício Godinho. In: BARROS, Alice Monteiro (coord). Curso de Direito do Trabalho : Estudos em memória de Célio Goyatá. São Paulo: LTr, 1993, vol.1. p.389. 2 MORAES FILHO, Evaristo de. Sucessão nas Obrigações e a Teoria da Empresa. Rio: Forense, 1960, vol.II p. 235. 3 MALLET, Estêvão. Responsabilidade trabalhista perante a empresa sucessora. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo. v.31. n.119. p.329-46. jul./set. 2005. 4 "SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE. HSBC. BASTEC. O Banco HSBC não é responsável pelo passivo trabalhista da BASTEC, porquanto, embora sucessor do Banco Bamerindus, nunca compôs o grupo econômico integrado pelo Banco Bamerindus e pela BASTEC. Saliente-se que os arts. 2º, § 2º, 10 e 448 da CLT bem como a Orientação Jurisprudencial 261 da SBDI-1 tratam de alterações na estrutura jurídica da empresa, sem dispor a respeito das peculiaridades do caso concreto. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento em parte". (TST, SBDI I, E-ED-RR-6321/2002-900-09-00.2, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DJ 14/11/2008). "RECURSO DE EMBARGOS. SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. A alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afeta os direitos adquiridos por seus empregados. No entanto, a sucessão, para efeito de responsabilidade pelas verbas trabalhistas derivadas do contrato, não tem o condão de nela abranger os empregados de entidades do grupo econômico a que pertencia a empresa adquirida, em virtude da impossibilidade de se conferir essa interpretação extensiva à norma contida no § 2º do artigo 2º da CLT c/c os artigos 10 e 448 do mesmo diploma legal (precedentes: E-RR-97/1999-017-09-00.7, DJ 27/04/2007; E-ED-RR-1751/2000-007-01-OO.0, DJ 31/08/2007; E-ED-RR-6640/1998-020-09-00, DJ 02/05/2008). Embargos conhecidos e providos, no tema." (TST, SBDI I, E-ED-ED-RR-808556/2001.1, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 29/08/2008). "RECURSO DE EMBARGOS - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA DO HSBC - SUCESSOR DO BANCO BAMERINDUS - EFEITOS DA SUCESSÃO TRABALHISTA QUANTO AOS DÉBITOS TRABALHISTAS DE EMPREGADO DA EMPRESA BASTEC, INTEGRANTE DO GRUPO ECONÔMICO DA EMPRESA SUCEDIDA. Os efeitos da sucessão operada entre HSBC e Banco Bamerindus não autorizam que se responsabilize aquele, sucessor, pelas obrigações trabalhistas da Bastec, real empregadora do reclamante, pelo simples fato de esta última empresa integrar o grupo econômico do Banco Bamerindus à época da sucessão, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT. A responsabilidade atribuída ao sucessor pelos arts. 10 e 448 da CLT visa, nos seus exatos termos, resguardar os direitos dos empregados da empresa sucedida, o que não é o caso, na medida em que a reclamante prestou serviços exclusivamente à Bastec. O art. 2º, § 2º, da CLT, embora atribua responsabilidade solidária aos integrantes de grupo econômico, não pode ser elastecido a ponto de alcançar o HSBC, que se limitou a adquirir o Banco Bamerindus sem integrar o grupo econômico do qual fazia parte a Bastec. A responsabilidade solidária, segundo o art. 265 do atual Código Civil (art. 896 do Código Civil de 1916), decorre diretamente da vontade das partes ou, então, por força de lei, hipóteses que não se fazem presentes. Também não há amparo legal para responsabilizar subsidiariamente o HSBC, pois essa responsabilidade, segundo jurisprudência pacífica desta Corte Superior, cristalizada na Súmula nº 331, decorreu do fenômeno da terceirização e leva em conta a particularidade do tomador dos serviços, que é o verdadeiro beneficiário direto dos serviços prestados pelo empregado terceirizado, devendo ser considerada a sua culpa  in eligendo  e  in vigilando , que não está presente na sucessão trabalhista em análise. Recurso de embargos conhecido e provido." (TST, SBDI I, E-ED-RR-48530/2002-900-09-00.3, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DJ 06/06/2008). 5 Eis a tese então firmada: "(...) nos termos dos artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei 11.101/2005, a TAP MANUTENÇÃO E ENGENHARIA BRASIL S.A. não poderá ser responsabilizada por obrigações de natureza trabalhista da VARIG S.A. pelo fato de haver adquirido a VEM S.A., empresa que compunha grupo econômico com a segunda." 6 Eis um exemplo: "INTERBRÁS SUCESSÃO LEGIMIDIDADE - De acordo com a jurisprudência desta Corte, a União passou a ser a real sucessora da extinta Interbrás, uma vez que o grupo econômico deixou também de existir. Assim, a Petrobrás não pode ser responsabilizada solidária ou subsidiariamente. Recurso conhecido em parte e desprovido." (TST - E-RR 531953/1999.0 - SBDI 1 - Rel. Min. José Luciano de Castilho Pereira - DJU 07.10.2005). 7 TST - RR n. 1349/71 - Ac. de 26.12.71.