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Economia e finanças.

Francisco Petros
terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Sem sustentação, Dilma deve cair

A presidente perderá o cargo para o qual foi eleita e pouco adiantará a sua legitimidade formal. A crise brasileira é profunda e não será resolvida em breve. Trata-se de um processo de longo prazo. Hoje assistimos ao corolário daquilo que foi construído pelas elites econômicas e políticas ao longo de nossa história, particularmente nos últimos vinte anos. A corrupção, o nepotismo, o desrespeito à coisa pública, a confusão entre o público e o privado, a negligência com o futuro do país em favor de benefícios particulares, a compra de funcionários públicos, a lentidão e ineficácia da Justiça, a irresponsabilidade na feitura das leis, o orçamento desrespeitado, enfim, estas e numerosa lista de mazelas nacionais têm se manifestado neste momento, de forma concomitante. Sem retirar a responsabilidade que lhe cabe, a presidente Dilma Rousseff está no estuário dessa crise. É vítima dela, na medida em que não é sua única e, sequer, a sua principal causadora e é também algoz vez que os seus continuados erros, sobretudo econômicos e políticos, acabaram por abarcá-la num processo de impeachment iniciado por um político com evidentes marcas de corrupção e outros crimes. Não é possível prever como se fixarão as forças políticas e econômicas após esta crise. Ainda mais quando se sabe que a operação Lava Jato, dentre outras realizadas pela PF, ainda não produziu efeitos muito importantes sobre cabeças coroadas da República. Uma coisa, contudo, me arrisco a afirmar. A presidente Dilma Rousseff caminha para o cadafalso e deverá sofrer o processo de impeachment. Não consigo imaginar como as forças "fisiológicas" que a sustentaram nos momentos gloriosos de popularidade nos píncaros irão permanecer com a primeira mandatária quando ela tropeça em meros 10% de aprovação popular. Além disso, as forças econômicas que tem o poder real já não acreditam que a presidente possa reverter o quadro político e, assim, retomar as rédeas da economia. As negociações, neste sentido, estão avançadas e já se discute até composição ministerial. A presidente perdeu a sua legitimidade carismática (Max Weber) por força de desastrosa condução da economia. Nos últimos doze meses (outubro 2014- outubro 2015) o PIB brasileiro deve ter encolhido algo como 4,5%. Na crise de 2008, o PIB dos EUA, nos primeiros doze meses (setembro 2008 - setembro 2009) caiu cerca de 2,5% e o mundo temeu o colapso global do capitalismo dos países centrais e periféricos. Por aqui o desastre veio e a disputa política em Brasília se concentrou basicamente na "tomada do poder" pela denominada "base de apoio" que, diante de uma presidente fraca e enfraquecida, colocou-lhe amarras de todos os lados, usurpou o ministério e outros cargos e virou as costas para as reformas econômicas e medidas necessárias à contenção da crise. Dado que a presidente executou a política econômica de forma altamente irresponsável em seu primeiro mandato (2010-2014), as mazelas do passado não puderam ser sanadas e a doença no futuro ficou mais agravada com a "tomada do poder" promovida pela classe política. Não hesito em afirmar que, sob reforma econômica "normal" dos largos equívocos do primeiro mandato, o PIB não deveria cair muito além de 0,5%-1,0%. A queda de 4,0% neste ano fica majoritariamente por conta da crise política. O mesmo se pode dizer da perda do grau de investimento. Este será completamente dilacerado em breve pela agência Moody's por conta da classe política brasileira. Obviamente, grande parte dos analistas joga a conta para a presidente, mas isto é parte do "Fla-Flu" que virou a discussão da crise brasileira na mídia, dentre políticos e, até mesmo, nas rodas familiares. Agora parece-me que a presidente perderá o cargo para o qual foi eleita e pouco adiantará a sua legitimidade formal (novamente Max Weber). Por mais que mereçam respeito os documentos que sustentam que há "legitimidade jurídica" para a derrubada da presidente via impeachment, isto é mais que duvidoso. Não vou entrar no mérito do tema neste artigo, mas o simples confronto do que afirmam juristas como Heleno Torres e Dalmo Dallari frente ao pedido de impeachment do trio Reale-Bicudo-Paschoal levanta dúvidas severas sobre os "argumentos jurídicos" destes últimos. Ocorre que este pedido de impeachment poderia ser substituído por qualquer outro e o efeito seria o mesmo. A presidente não tem defesa política possível com 10% de apoio popular num sistema político como o brasileiro no qual a representatividade é baixa e o fisiologismo elevadíssimo. Com efeito: creio que, brevemente, ficará claro para todos que o impeachment será aceito e o poder cairá nas mãos de Michel Temer, político velho (75 anos) e já acostumado a lidar com as correntezas do fisiologismo político do Brasil, vez que é o presidente do maior deles, o PMDB. O efeito da ascensão de Temer à presidência será enorme e imediato. Acredito que num prazo curto (seis meses) a economia voltará ao leito do crescimento nulo e não ao contínuo afundamento que se espera nos próximos dois anos (2016-2017). Depois, o Brasil voltará a ficar dependente de reformas e políticas que estabilizem o lado fiscal (mais exatamente a relação dívida/PIB) e permitam a redução consistente da taxa de juros. É bom lembrar que, graças!, não temos uma crise cambial como tivemos sob FHC por três vezes. Senão, o FMI já estaria por aqui para auditar o país e garantir que o fluxo de pagamentos para o exterior fluísse. Com efeito: Temer será razão de euforia até que a economia estacione ou esbarre nos seus problemas estruturais (a desindustrialização, a falta de dinâmica do comércio exterior, os déficits da previdência e da saúde, a educação deficiente, a falta de tecnologia, a criminalidade, etc.). Depois, tudo é possível... Michel Temer é mesmo razão suficiente para mudar a rota do país. Não é mérito dele, diga-se, mas apenas em função da ausência de melhores alternativas. A oposição é capenga e não tem lideranças à altura da crise e nem das necessidades do país e os partidos governistas podem ser classificados na categoria de "traidores" porquanto prometeram e não cumpriram. Os efeitos econômicos do impeachment no longo prazo dependerão do quanto Temer e sua nova aliança de "coalizão desorganizada" tentarão alcançar. Se forem a fundo e implementarem reformas relevantes (previdência e saúde, e.g.) os resultados podem ser bem interessantes e promissores. Caso contrário, voltaremos ao leito da mediocridade que nos tomou conta há muitos anos. Já os efeitos políticos do impeachment estes são mais difíceis de serem avaliados. No curto prazo, a cortina mudancista que recai sobre a presidente Dilma Rousseff obscurece parte relevante da podridão que já está à tona e da que virá (em breve). A torcida de boa parte de Brasília é que sob Michel Temer, político acostumado a circular por entre crises e escândalos, a força dos ventos de Curitiba e do STF sejam minimizados. Serão? No longo prazo, o impeachment deixa marca preocupante. O sistema político brasileiro, este que alguns preferem chamar de "presidencialismo de coalizão", permite que um presidente fraco junto à opinião pública, mesmo que momentaneamente, caia na teia do Congresso via processo de impeachment. Pouco importam os fundamentos "jurídicos" - estes são secundários e passíveis de construções relativamente fáceis por parte daqueles que redigem os tais pedidos de impedimento. Seria melhor um sistema de recall geral de mandatos que permitisse que todos aqueles que descumprissem suas "promessas" tivessem de sustentar os seus mandatos via nova eleição. O fato é que a crise atual está mostrando que estamos mesmo é numa crise institucional. Há os que preferem dizer que as instituições estão funcionando. Destes se perguntaria em que direção elas estão indo.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Crise institucional: saída rápida

No artigo de abertura desta coluna neste ano, exatamente no dia 27 de janeiro, perguntei logo no título: haverá crise institucional? Concluí o artigo informando: "É melhor questionar publicamente sobre a solidez das instituições brasileiras que se defrontar com uma crise, digamos, de verdade". Sinceramente creio que não errei o diagnóstico naquele artigo, bem como estou certo que o cenário de hoje não apenas corrobora as respostas que dei a minha própria pergunta como está muito mais agravado. Vejamos. Como se pode fazer em ausência de crise institucional quando o país opera, no âmbito do Poder Executivo, suas finanças sem orçamento, sem ajustes visíveis, sem controles eficientes? O governo contingenciou os recursos orçamentário vez que não existe consenso mínimo e condições políticas de se votar um orçamento que seja, ao mesmo tempo, sustentável e realista. A única ferramenta econômica disponível para a gestão da política econômica é a contenção creditícia e a operação da política monetária com taxas recordes no mundo dito civilizado. Vinte milhões de pessoas perderam o emprego neste ano! No Legislativo o cenário é igualmente pouco promissor. As principais lideranças das casas legislativas estão sob forte escrutínio da Justiça e da Polícia Federal. Renan Calheiros e Eduardo Cunha escondem-se por detrás de seus mandatos para escapar de constrangedores processos e medidas que podem os levar para dentro de uma cela. Este último tem em sua primeira gaveta uma série de pedidos de impeachment contra a presidente da República. Pode usá-los para engendrar uma crise ainda mais grave. Para não usar os "pedidos-bomba", Eduardo Cunha requer que não seja processado por falta de decoro e, possivelmente, perca o mandato que protege a si mesmo, sua esposa, filhos et caterva. Ademais, prossegue presidindo a Casa do Povo como se fosse sua. Enquanto isso, o jogo político dos partidos que apoiam o governo e da oposição centra-se em pedir favores e se aproveitar da cena dantesca do país, de um lado, e fazer pequenos conchavos conspiratórios do lado oposicionista. No Judiciário, o cenário parece mais robusto, mas é certo que ninguém acredita que as decisões saídas das penas dos juízes sejam eficazes para pacificar a sociedade brasileira. A Justiça é lenta e feita sem o afinco de produzir resultados a tempo de satisfazer as eventuais disputas. Sobra corporativismo no Judiciário o qual, e.g., tem férias redobradas frente a um trabalhador comum com dois recessos, funcionários mal preparados, advogados penitentes à porta de salas de juízes que se recusam a recebê-los, etc. e tal. Na Suprema Corte, os ministros têm sido mais rápidos para sanear caminhos da Polícia Federal e há certo sentimento de urgência. Todavia, certos ministros amam as verbalizações mediáticas e parecem muito atentos aos movimentos dos poderosos de Brasília que frequentam seus corredores. Tudo parece distante do interesse público. Nesta hora, não resta dúvida de que não temos instituições e nem homens e mulheres públicos à altura das necessidades do país. A crise está aberta e as possibilidades em relação ao futuro são múltiplas, complexas e obscuras. Os escândalos se multiplicam, mas são apenas parte do elevado grau de displicência, corrupção, nepotismo e pilantragem que grassa nas relações entre o público e o privado. Do futebol à saúde, passando pela educação, cultura, minas e energia, etc., o que se vê é deplorável. Mais: inviabiliza a retomada de um caminho razoável na economia. A nossa "democracia" não foi capaz de criar instituições sólidas e politicamente eficientes de forma endógena, orgânica, realizada dentro do próprio processo social. Não cabe aqui, em texto tão enxuto, fazer reflexões sobre o porquê foi tão retumbante o fracasso brasileiro neste campo. Certamente isso se relaciona com a qualidade de nossas elites patrimonialistas e oligárquicas que tornaram o Estado parte de seu quintal. Paro por aqui. Agora parece-me que chegou a hora de tais elites assumirem um papel, digamos, mais "pragmático". Será preciso abandonar a crença de que construímos uma sociedade solidamente institucionalizada para, ao sair desta ilusão, solucionar os conflitos mais urgentes com rapidez. Isso significa mostrar para a sociedade de que o Estado pode sair da crise econômica enquanto se coloca a vasta quantidade de políticos corruptos nas cadeias do país. A palavra está com aqueles que tem responsabilidade e não estão disfarçados por frases bonitas sem nexo com a realidade.
A recessão, cuja marca é a queda acima de 3% do PIB - meu número é de 3,5% - é sinal de que havia muito de errado na política econômica do primeiro mandato da presidente Dilma, bem como o fato de que o "bônus dos elevados preços das commodities" já tinha passado. Todavia, este sinal é claramente exagerado pela profunda crise política do Brasil, essa de caráter estrutural tanto quanto às variáveis econômicas que pesam sobre a nossa competitividade. A (i) ausência de representatividade política coerente com os votos recebidos, (ii) a baixíssima qualidade dos congressistas para propor, exercer e fiscalizar políticas públicas, (iii) a elevadíssima taxa de nepotismo, patrimonialismo e corrupção, bem como, (iv) a "estrutura parlamentarista" da Constituição que favorece um ineficiente "presidencialismo de coalizão" para sustentar o presidente de plantão, são algumas das causas políticas do aprofundamento da recessão. O que impressiona é que a sociedade brasileira aceite com significativa passividade a derrocada da atividade e dos negócios. Nem o capital, em tese mais organizado e comandado por interesses econômicos e nem o trabalho, cujo sistema sindical é atrasado, corrupto e incompetente, conseguem se mobilizar para que os políticos de Brasília se comportem um pouquinho melhor. O que se viu até agora foi um bloqueio sistemático de iniciativas legítimas e razoáveis do governo para fazer o tal do ajuste fiscal. Os políticos atordoados com as "bordoadas de jato" por conta da lavagem que andaram fazendo com o dinheiro público bloqueiam as ações governamentais e congressuais para criar um clima desfavorável à governabilidade em prol de certa amenização (nem sempre possível por parte do governo) de seus crimes de toda ordem. Goste-se ou não de Dilma Rousseff e sua administração, é fato que Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros segmentos políticos tem feito o que podem para chantagear o governo. Ou não é? Com este quadro, a recessão, a qual poderia ser bem mais branda, está atingindo patamares muito acima do que deveria/poderia. Além disso, as condições e previsibilidade para o médio prazo (de seis meses a dois anos) estão em franca deterioração. Tudo sob os auspícios da classe política, inclusa a oposição que andou votando pelo caos fiscal. A sociedade quietinha espera que algo aconteça. E nada acontecerá de bom sem mobilização. Agora o PMDB, conhecido pela sua formação rochosa que combina várias camadas e facções, se prepara para fazer o congresso da Fundação Ulysses Guimarães nesta terça-feira (17/11/15). A mídia tem dado enorme atenção a esse convescote, especialmente a respeito de um "plano" ou "projeto" denominado de "Uma Ponte para o Futuro". Interessante que todos se apressam para elogiar a iniciativa dos pemedebistas, mas há pouca reflexão sobre a natureza e a coerência do partido em relação a tais propostas. Terão lido o que lá está escrito? As primeiras linhas do documento a ser discutido no congresso informam que: "O Brasil encontra-se em uma situação de grave risco. Após alguns anos de queda da taxa de crescimento, chegamos à profunda recessão que se iniciou em 2014 e deve continuar em 2016. Dadas as condições em que estamos vivendo, tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação, ou mesmo queda da renda per capita. O Estado brasileiro vive uma severa crise fiscal, com déficits nominais de 6% do PIB em 2014 e de inéditos 9% em 2015, e uma despesa pública que cresce acima da renda nacional, resultando em uma trajetória de crescimento insustentável da dívida pública que se aproxima de 70% do PIB, e deve continuar a se elevar, a menos que reformas estruturais sejam feitas para conter o crescimento da despesa". Ora, ora! Este é um diagnóstico já marcado, feito a pelo menos há vinte anos, sendo que o PMDB está e continua no poder durante todo esse tempo. Por que agora o partido mudaria a sua trajetória recente, qualificada por muitos como "fisiológica"? Vejamos as propostas (em itálico) e os meus comentários as principais propostas do PMDB : a)  construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público; Meu comentário: o equilíbrio fiscal que o partido prega para o futuro poderia começar a ser construído imediatamente. E por que não é? b)  estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento; Meu comentário: as principais e recentes propostas do partido no governo foram no sentido inverso da proposta agora feita, incluso o apoio aos maiores gastos na previdência social e para pagamento de servidores; c)  alcançar, em no máximo 3 anos, a estabilidade da relação Dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5%, que juntos propiciarão juros básicos reais em linha com uma média internacional de países relevantes - desenvolvidos e emergentes - e taxa de câmbio real que reflita nossas condições relativas de competitividade; Meu comentário: que o desejo do partido seja realizado! d)  executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência; Meu comentário: o partido é a representação de nosso patrimonialismo e hoje faz odes à iniciativa privada. Que bom! e)  realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes - Estados Unidos, União Europeia e Ásia - com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional; Meu comentário: É isso aí! Vamos globalizar. Estamos de acordo! f)  promover legislação para garantir o melhor nível possível de governança corporativa às empresas estatais e às agências reguladoras, com regras estritas para o recrutamento de seus dirigentes e para a sua responsabilização perante a sociedade e as instituições; Meu comentário: o PMDB foi um dos que mais indicaram, inclusive recentemente, para as diretorias das estatais, inclusa a Petrobrás. Vários diretores indicados do PMDB estão presos em Curitiba. Incluso o "operador do PMDB", o tal do Fernando Baiano. g) reformar amplamente o processo de elaboração e execução do orçamento público, tornando o gasto mais transparente, responsável e eficiente; Meu comentário: viva! h)  estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes; Meu comentário: vamos rever tudo! Estamos de acordo! i)  na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos; Meu comentário: já conversaram com o Paulinho da Força, deputado do Solidariedade que é aliado eventual do partido e de Eduardo Cunha? j)  na área tributária, realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos; reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos; Meu comentário: o PMDB no Congresso e nos estados nos quais governa é um dos maiores empecilhos à reforma tributária. k)  promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados; Meu comentário: interessante a menção do partido aos "licenciamentos ambientais". Estaria a atender a ala agrária do partido, uma das mais conservadoras do Congresso? l)  dar alta prioridade à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que são a base da inovação. Meu comentário: bingo! Como se vê essas propostas do PMDB são verdadeiras wishful thinking, ou seja, o desejo mais profundo de Alice alcançar o país das maravilhas. Mais: este documento não escreve nada sobre os sacrifícios necessários para alcance das propostas pemedebistas. Quem paga a conta? Quem há de sofrer os maiores efeitos da "modernização" proposta pelo velho partido de oposição ao regime militar? Apesar da insignificância, digamos, "ontológica" do programa, não sejamos infantis e tolos: essas foram colocadas com amplo apoio do vice-presidente da República e presidente do partido Michel Temer, grifado neste último fim de semana pela mídia nacional com destaque para a capa de Veja. Consta que o vice de Dilma Rousseff se coloca como alternativa stand by, vívida e capaz de substituir a presidente a qualquer momento. Seria o caso de perguntar quem apoia este magnífico programa? As forças produtivas do país? A ativa sociedade brasileira? O aliado Paulo Scaf da FIESP, futuro candidato ao governo paulista? Não se sabe ao certo. Por fim, não se conhece a posição do mais importante prócer pemedebista no Congresso Nacional. Eduardo Cunha ainda não despejou suas opiniões balizadas sobre o programa de seu partido. Logo ele, um exportador de carne.
Hoje, terça-feira, 3/11, o ex-governador biônico de São Paulo José Maria Marin embarca para Nova York onde se espera possa delatar outros suspeitos de corrupção envolvendo a FIFA et caterva, tais como, Kleber Leite, Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira. É o que informa o Estadão desta data. Enquanto a Justiça norte-americana caminha para solucionar casos de corrupção que há muito preenchiam o espaço sideral da imaginação humana, o nosso deputado Federal Paulo Maluf, quem precedeu Marin no governo bandeirante entre 1979-1983, discursou na semana passada na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) numa homenagem ao médico-geral da República Roberto Kalil. Maluf e seu pimpolho Flávio são procurados pela Interpol, com direito a foto e tudo mais no site da entidade. Ambos não podem sair das fronteiras do país, pois a "mão longa" da Justiça pode levá-los para a prisão. Consta que na homenagem ocorrida na ALESP Maluf pontificou com humor sensível às ironias e ao acerto das palavras. Todos riram e se divertiram com a voz anasalada do ex-governador de São Paulo. A vida é bela. O interessante é que acima do Equador, nos países ditos civilizados, as coisas são duras para os criminosos. Vejam o caso de Marin. Havia cinco meses que o acusado de receber propina estava na cadeia pública de Zurique na Suíça. Mesmo sem condenação, o juiz de lá acreditou na hipótese da procuradoria de que o brasileiro pudesse agir para criar obstáculos à Justiça. Fosse neste país debaixo do Equador, não seriam poucos a pregar a ideia de que o ex-poderoso chefão da CBF estaria sofrendo grave atentado à ordem jurídica por estar na cadeia. Dizem os juristas mais lidos da doutrina criminal pátria que a prisão "é a exceção da regra". Para estes as prisões anteriores à condenação são, no geral, arbitrárias. Mesmo quando se sabe que o poder do preso é enorme e pode ser usado para, digamos, manipular provas e a própria Justiça, sobram defensores do "Estado Democrático de Direito". Não se sabe se este valioso conceito-princípio é aplicado em casos retumbantes de milionários corruptores apenas como uma "ideologia". Resta esta dúvida, em verdade. O que ocorreria com os presos pobres esquecidos nos porões das penitenciárias brasileiras? No caso de Marin, confesso que não vi articulistas locais se redobrando em argumentar com base no "Estado Democrático de Direito". Não seria o caso? Não está a Justiça suíça e, agora, a norte-americana, conspirando contra o tal "Estado". Tem a promotoria de NYC o direito de "negociar" uma delação de Marin para pôr as mãos longas da Justiça sobre o pescoço de outros corruptos? Pelas informações que dispomos não há nenhum debate sobre este tema nos EUA. Lá, o que aqui se chamaria de "jurisprudência consolidada ou pacificada" indica que diante de certos fatos criminosos, a Justiça pode agir aplicando a "exceção" da regra básica, mantendo intacto o "Estado de Direito". A efetividade da Justiça, é verdade, carece da proteção dos direitos fundamentais de todo cidadão. Todavia, parece-me que é preciso examinar os casos concretos para que não se aplique os princípios fundamentais como se fossem uma panaceia ou a vulgarização de um princípio tão importante. Não se pode fugir da Constituição, mas não se pode abandonar o exame factual da situação que se põe sob exame da Jurisdição. A elevada criminalidade no Brasil, do furto ao homicídio mais doloso, passando pela corrupção sistêmica, é causa sutil, mas efetiva para a redução da competitividade do país. Os custos que decorrem para que os cidadãos, as empresas, os investidores e o próprio Estado se protejam da elevada criminalidade são imensos e afetam toda a cadeia de produção de bens e serviços. A título de ilustração, lembro o caso dos eletroeletrônicos, cuja logística é altamente custosa por conta dos roubos (espetaculares) de cargas nas estradas e cidades brasileiras. A polícia, o MP e a Justiça parecem muito desaparelhados para reduzir de forma dramática a criminalidade. A sociedade não percebe estas instituições como suficientes para sanar o nível elevado de crimes. Logo, recorrem a serviços privados de proteção pessoal e patrimonial. Basta andar pelos condomínios das grandes cidades brasileiras para perceber este fenômeno. A corrupção é dentre os crimes aquele que causa maior distorção no sistema econômico. Dependendo do seu patamar, deixa de ser mero "ruído" no sistema de preços e passa a repercutir na alocação eficiente dos fatores de produção. Uma rápida olhada no que ocorreu nas empresas estatais nos últimos anos esclarecerá o que estou a afirmar. O "custo" da corrupção não é a propina apenas, mas as suas consequências na cadeia de decisões econômicas. Ao ser escolhido um fornecedor menos eficiente por conta da existência de propina, o custo da redução da eficiência espalha-se em toda a cadeia produtiva e não apenas na empresa na qual ocorreu o delito. Ocorre o que em economia denomina-se de "externalidade" que pode ser sumariamente definida como sendo "uma consequência ou subproduto de um bem ou serviço ou atividade que afeta outrem não envolvido naquela transação". Os crimes ambientais e a corrupção são os maiores produtores de externalidades econômicas na atualidade, especialmente no Brasil. Os escândalos atuais, envolvendo figuras carimbadas da política e do empresariado brasileiro, parte importante do elevado patamar da criminalidade do Brasil devem ser pautados como "assuntos econômicos" e não apenas como fenômenos criminológicos. É preciso aprofundar a legislação material e formal do país para que se saneie estas "ineficiências" gravosas a toda sociedade. O princípio da legalidade e o Estado Democrático de Direito devem permanecer como base de nosso sistema jurídico. Todavia, é preciso analisar a aplicação destes pilares de nossa Constituição à luz do exercício efetivo da Justiça em prol do bem comum. Casos recentes como o de José Maria Marin e Henrique Pizzolato, ambos submetidos ao aprisionamento "preventivo" indicam que fazer efetiva a Justiça não significa que há perdas para a civilização democrática. O juiz Sérgio Moro e a juíza Célia Bernardes são parte do necessário horizonte da efetividade da Justiça, sem prejuízo ao Estado de Direito.
terça-feira, 20 de outubro de 2015

O Brasil é o país da patafísica

Tenho hoje uma convicção: a corrupção é o maior problema do Brasil. Basta conversar com o motorista de ônibus ou de táxi, o cidadão que aporta nos balcões dos departamentos de arrecadação de tributos, aqueles que lidam com as áreas de compras das diversas instâncias do Estado, o Congresso Nacional, os ministérios, etc. A corrupção está infestada nas estruturas brasileiras, de forma generalizada, sem pena nem dó! Não tenho dúvidas quanto a isso! Já ultrapassamos a barreira, digamos, cultural, da corrupção. Hoje a "dita cuja" é forma de ascensão social, meio de troca política, "prática de negócios", "custo necessário", ou seja lá o que se pense mais. Quando vejo hoje nos jornais que uma quadrilha de fiscais paulistas negociou 143 imóveis, cujo valor é de R$ 62 milhões fico pensando como isto foi possível. Os fiscais ganham R$ 20 mil por mês, o que é uma fortuna frente à média dos assalariados, mas tal valor não é capaz de explicar como eles podem ter adquirido este patrimônio todo. Um tal de José Roberto Fernandes tem 27 propriedades e outro, Eduardo Takeo Komaki outras 11. Toda essa tigrada está soltinha, nas ruas, à espera das providências do Estado e são representantes inequívocos do "Estado Democrático de Direito". Quase oito meses após a instalação da CPI da Petrobras, esta piada nacional, o relator petista Luiz Sérgio (RJ) fez um relatório inacreditável! Seu parecer ataca frontalmente os delatores, isenta todos os políticos de responsabilidade pelo assalto generalizado à estatal petroleira, incluso o nobre deputado Eduardo Cunha e culpa as empreiteiras - logo estas que financiam as campanhas de suas excelências. Todo este romance surrealista será votado até a próxima sexta-feira. Vocês acreditam? Ainda no "capítulo Eduardo Cunha" há uma farta discussão se o gajo deve ou não deve continuar na presidência da Câmara dos Deputados, posto nº 3 da sucessão presidencial. Chega a ser ridículo a nação inteira olhar as fotos de sua esposa, de sua filha e do próprio deputado, dentre a documentação das contas suíças (e ilegais) e os políticos acharem que cabe discussão para o tema "Eduardo fica ou não fica". Realmente, o caso é de psicanálise generalizada para a cidadania, pois como é que eu, você (meu caro leitor!), ou qualquer cidadão de bom senso pode aceitar passivamente esta situação ridícula? Realmente, a corrupção infesta a Nação. Por aqui se instalou a tal da "patafísica". Para os que não conhecem trata-se da "ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções". Esta "teoria" foi estruturada pelo escritor Alfred Jarry. Se Ionesco, Boris Vian e outros se aproveitaram da desta magnífica invenção artística para criarem suas obras vultosas e significativas, no Brasil, a patafísica está sendo levada à sério, como ciência mesmo! Aqui prevalece a exceção: se o deputado é ladrão e pilantra, então vamos mantê-lo no alto posto do Estado. Se a Petrobras quebrou por conta da gatunagem generalizada, vamos deixar os gatunos isentos e condenar, quiçá!, a própria empresa como se pessoa física fosse! Que tal? Em meio a todo este imenso sofrimento com a "mardita corrupa" pergunto: onde estão as "instituições brasileiras" para se indignar com tudo isso? Onde está a OAB? Onde estão as Igrejas sérias? Onde está a ABI (Associação Brasileira de Imprensa)? Onde estão as Federações das Indústrias dos Estados brasileiros? Onde estão as Associações Comerciais? Onde estão os sindicatos de empresários e trabalhadores? Cadê os intelectuais que repensam e criticam as nossas mazelas? Ou seja, onde está a Nação que se indigna? Ainda se fala que não temos crise institucional... Nem mesmo a oposição se manifesta majoritariamente. O PSDB manobra por debaixo do pano com o deputado carioca Eduardo Cunha para chegar ao impeachment. Ou seja, conta com um pilantra para atingir o seu objetivo. Realmente, é demais! Fiquemos certos de uma cousa: tudo isto que afeta ao nosso país, nos afeta diretamente. Se estamos metidos nesta vala de recessão, desesperança, sofrimento, desemprego, etc. é porque em grande parte nos ocupamos do "ócio da cidadania". Neste sentido estrito, o impeachment de Dilma et caterva é muito ruim, pois encontraremos a saída fácil do voto mal concedido. Merecemos a praga petista porque nos desocupamos da política. Merecemos Eduardo Cunha porque nossos valores de cidadania estão corrompidos. Merecemos Renan Calheiros porque acreditamos que vamos levar vantagem sobre todos e todas e que nada nos atingirá. Despeço-me deixando aos leitores uma crônica de 8/5/1920, de Lima Barreto. O Brasil mudou pouco, como se pode ver por este escrito. "País rico Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba. Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico... Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico. Anualmente cerca de duas mil mocinhas procuram uma escola anormal ou anormalizada, para aprender disciplinas úteis. Todos observam o caso e perguntam: - Se há tantas moças que desejam estudar, por que o governo não aumenta o número de escolas a elas destinadas? O governo responde:- Não aumento porque não tenho verba, não tenho dinheiro. E o Brasil é um país rico, muito rico...As notícias que chegam das nossas guarnições fronteiriças, são desoladoras. Não há quartéis; os regimentos de cavalaria não têm cavalos, etc., etc.- Mas que faz o governo, raciocina Brás Bocó, que não constrói quartéis e não compra cavalhadas? O doutor Xisto Beldroegas, funcionário respeitável do governo acode logo: - Não há verba; o governo não tem dinheiro. - E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios. O Brasil é um país rico."
terça-feira, 6 de outubro de 2015

Os sete do Brumário de Dilma Rousseff

Luís Napoleão Bonaparte foi primeiro presidente da Segunda República Francesa em 1848 e, posteriormente, via golpe de Estado (dezembro de 1851), tornou-se o imperador Napoleão III (em 1852). Foi uma figura histórica recheada de contradições pessoais e políticas que despertou vigor analítico em vários intelectuais, incluso o "velho barbudo" Karl Marx, a refletir sobre o seu papel num momento de emergentes transformações na França e na Europa. Defensor de ideias contraditórias (e.g. liberdade política versus imperialismo), Luís Napoleão tentou captar o zeitgeist ("o espírito do tempo", intelectualmente engendrado por Goethe) da França e navegou desde o nacionalismo até um mal concebido "socialismo", além de ter se tornado imperador depois de aceitar a República. Criou uma tal de "Sociedade 10 de Dezembro" (dia de sua eleição presidencial em 1848), formada por uma gama de amigos, cuja maior e melhor atividade era a utilização do Erário como fonte de seu próprio enriquecimento. Foi com base nessa "estrutura política" que Luís Napoleão juntou-se aos militares para forjar com sucesso o coup d'État que permitiu a estranha conversão do presidente Bonaparte para o imperador Napoleão III. Dilma Rousseff é a sexta presidente (nono mandato presidencial, sendo o oitavo pelo voto direto do povo) da "Nova República", fundação manca da fase pós-regime militar (1964-1985). Trata-se de uma presidente eivada de contradições: (i) não há evidências de enriquecimento ilícito a partir do exercício do poder, mas convive desde o seu primeiro mandato com denúncias cada vez mais graves de corrupção que a enfraqueceram, mesmo perante figuras políticas altamente suspeitas; (ii) introduziu uma nova política econômica, denominada de "nova matriz macroeconômica", durante o primeiro mandato, que conteve juros, câmbio e tarifas, concomitante com uma considerável e insustentável expansão fiscal; (iii) quis alicerçar seu primeiro mandato em uma base política mais "límpida" e acabou fechando acordos com os minúsculos e maiúsculos demônios da política brasileira para se reeleger; (iv) quis promover uma política externa mais independente, aproveitando-se da imagem "emergente" do país, mas sequer consegue liderar os seus parceiros latino-americanos da velha esquerda e, para finalizar estas ilustrativas contradições, (v) combateu as políticas de seus adversários e acabou cedendo a quase todas elas. Em meio ao sôfrego início da segunda administração da presidente Dilma, agora ressurge o onipresente regente Lula da Silva. Tal como Luís Napoleão trouxe a bordo de sua comitiva a sua Sociedade 10 de Dezembro, no caso, os políticos do PMDB, aqueles que estavam sendo seduzidos pela oposição para participar do impeachment da sua súdita Dilma Rousseff. Neste contexto, completou-se o golpe pelo qual a presidente eleita e fragilizada por uma crise política sem precedentes sucumbe a "política como ela é". Formou-se assim um estranho Estado Napoleônico Brasileiro que mudou de fato a natureza e a fonte de poder político, cujo resultado final deve ser o de um governo sustentado formalmente pelos políticos profissionais e um país cujas possibilidades de desenvolvimento social e econômico estão cada vez mais minimizadas. No caso de Luís Napoleão, a sua conversão de presidente em imperador deu-se com o objetivo de não limitar os seus poderes por força da tutela militar e a realização da administração por seu grupo de apaniguados que assaltava o Estado. Dilma Rousseff deverá assistir ao assédio criminoso do Estado pelas forças políticas carreadas pelo regente Lula da Silva sem que isso implique em nenhum aumento de seu poder político e pessoal. Se Marx refletia sobre a luta de classes na sua obra sobre os fatos que cercaram Napoleão III, o famoso 18 de Brumário de Luís Bonaparte, hoje podemos refletir sobre os 7 do PMDB no Brumário de Dilma. Trata-se da luta sem classe da política brasileira. Se mudarem os fatos devemos mudar de opinião. A verdade é que, diante da perspectiva real do impeachment, Dilma mudou não apenas de opinião: transformou o seu governo num protetorado lulista que pode fazer com que o país fique à mercê da recessão, da fragilidade fiscal e da vulnerabilidade estrutural até o final da administração da presidente eleita. A lembrança do imortal José Sarney não é mera consequência. Este pode ser o seu e o nosso destino. Fiquemos atentos. Para a oposição que apostou tudo no jogo de cúpula para tirar a presidente do poder a derrota é dupla: (i) talvez tenha de se conformar até a próxima eleição com o seu papel de mera e barulhenta oposição, pois sem o PMDB não consegue engendrar seus planos, bem como (ii) ficou demonstrado que há pouca intimidade desses partidos, especialmente o PSDB, com o povo e as forças sociais organizadas. Mesmo diante de volumosa irritação e decepção com o governo, a oposição não consegue mobilizar a sociedade. Talvez não tenha projetos para vender, apenas uns garranchos na prancheta da política. Creio que os planos e ações dos cidadãos, empresas, instituições, associações, bancos, etc. tem de reconhecer que a continuidade deste triste cenário político é um desastre em doses cada vez maiores para o país. Tudo conspira contra o desenvolvimento. Tudo demonstra que a política que construímos no país é incompatível com os verdadeiros interesses relacionados com o bem comum. Brasília é a capital da falta de funcionalidade política para lidar com os destinos desta terra abençoada por Deus e bonita por natureza. E que beleza! Marx pregou que "a história acontece como tragédia e se repete como farsa". No Brasil podemos afirmar que a farsa é a tragédia de nossa história.
terça-feira, 1 de setembro de 2015

A esquerda, o governo e a hora do teste

A existência de um partido com raízes proletárias num país tão desigual socialmente como o Brasil seria "natural". Na Europa foram os partidos proletários que, ao longo da história, modernizaram socialmente os países do capitalismo central. Nos EUA, o capitalismo já surgiu no pressuposto de se criar um enorme mercado consumidor que forjaria o capital a adequar a alocação dos recursos a partir desta premissa - o sindicalismo, a partir do século XIX, defendeu os avanços trabalhistas e sociais.É certo que desde o final da II Guerra Mundial, a esquerda da Europa Ocidental construiu plataformas reformistas e modernizantes que permitiram o compartilhamento da produtividade crescente (e, portanto, do crescimento do PIB). O comportamento ideológico destes partidos de esquerda incorporou as visões keynesianas e, assim, implicitamente, aceitaram a economia de mercado, mesmo que rejeitassem o capitalismo tradicional (liberal). Até mesmo no berço do capitalismo moderno, o Reino Unido, os avanços e as conquistas da esquerda via o Partido Trabalhista moldaram a sociedade com maior igualdade, sem prejuízo da liberdade essencial à vida social. Assim, a esquerda europeia pôde ser chamada de "esquerda modernizante".A história da esquerda latino-americana, em geral, e brasileira, em particular, oscilou entre o idealismo revolucionário (e.g. Che Guevara) e a adesão ao populismo, esta última muito mais marcante e majoritária dentre os países da região. O esquerdismo revolucionário atracava por detrás do aparente vanguardismo, a rejeição à democracia burguesa e ao mercado (além do próprio capitalismo). Cuba é a única evidência substantiva das consequências desta visão: um país atrasado, liderado por uma dupla familiar de ditadores (Fidel e Raul) e sem a disseminação das conquistas burguesas da democracia e da liberdade pessoal. Já a esquerda populista não pode ser uniformemente qualificada. Todavia, se caracterizou por a formação de elites sindicais incrustadas no Estado e a pregação de ganhos sociais efêmeros e/ou inconsistentes com o desenvolvimento da economia de mercado. Ao se constituir em empecilhos formais e materiais ao capital, aproveitou-se desta condição para alastrar suspeitas e atos provados de corrupção e/ou peleguismo, dentre as principais "doenças políticas" que se alastraram no continente.O Partido dos Trabalhadores (PT) foi constituído num contexto e com fundamentos bastante consistentes com a história brasileira. Contou com o apoio formal da Igreja Católica progressista, de intelectuais de esquerda com variadas origens e estirpes e por sindicalistas que fugiam do formato tradicional do sindicato populista. Apesar da multiplicidade de tendências em seu corpo, o segmento majoritário do PT intrinsecamente aceitava os valores da democracia burguesa e da economia de mercado. O PT foi construído organicamente e com raízes sociais verdadeiras e representativas, coisa rara na América Latina.A chegada do PT ao Poder Central em 2002 foi fato histórico que, à época, foi lido por boa parte dos analistas da Política brasileira como o fechamento de um ciclo histórico que consolidava a democracia brasileira. Afinal, à classe tradicional de dirigentes do Estado brasileiro, suas oligarquias e os detentores da essência da riqueza nacional, se juntava um partido proletário que poderia contrabalançar o poder tradicional.Lula da Silva, já presidente da República, soube como ninguém fazer a transformação do PT em um partido tradicional da esquerda populista latino-americana. Entregou um pouco de pão, diversão e bens para a imensa classe pobre do país e fechou um acordo de convivência íntima com as elites tradicionais brasileiras. Contou com um inesperado "bônus externo" que valorizou o preço de nossos produtos primários e, com isso, marcou a história com um período de bonanças, mas de pouco progresso. Nos campos da educação, da saúde, da tecnologia, da cultura, etc. o país em quase nada avançou - estes são os campos de atuação da esquerda moderna desde o final do século XIX.A corrupção, o nepotismo e o aproveitamento do Estado em favor próprio, foram decorrências naturais da conversão do petismo ao populismo. A bonança, enquanto durou, foi o item de legitimação dos crimes e malfeitos da esquerda brasileira. Inclua-se aí a própria mídia, em larga medida silenciosa ou pouco atuante nos anos Lula.A administração de Dilma Rousseff não foi apenas ignorante nas coisas básicas da economia. Transformou-se no amálgama entre a esquerda ideológica (e lá atrás revolucionária) e a populista, agora dominante no petismo. A corrupção generalizada já estava em processo de metástase o que tornou inviável seguir a rota lulo-populista.O resultado de todo este processo é que as classes pobres e excluídas da sociedade perderam a sua representação e foram vividamente traídas pelos ideais originais do petismo. Agora, junta-se às classes médias urbanas e pede a cabeça da presidente em praça pública. As oligarquias políticas tradicionais retomaram o comando do processo político e, assim, a sina de país sub capitalista voltou a povoar o cenário político.No governo Dilma ficou evidente a ausência de suficiente funcionalidade dos Poderes estatais para fazer o país ir à frente em reformas mínimas - nessa hora até o STF aumentou os seus vencimentos. E mais: os políticos-surfistas das ondas lulistas da corrupção se protegem atirando na presidente da República e criando um clima de ingovernabilidade para derrubá-la. Se vai funcionar, a história contará.Nas últimas semanas, em busca de alguma redenção política, Dilma Rousseff circulou entre o populismo da esquerda (encontros com CUT e "Margaridas") e os oligarcas do Congresso, ilustrados pela figura medonha de Renan Calheiros. Trata-se de um pacto macabro de sobrevivência política que não irá a lugar nenhum. Enquanto isso, multidões vão às ruas e não sabem o que fazer. Comovem, mas não movem. Ademais, as lideranças destes movimentos são respingos de velhas vontades das oligarquias. O país está inviabilizado do ponto de vista fiscal e monetário e do ponto de vista econômico e social requer um novo pacto para se desenvolver. Mais que tudo a oligarquia e a esquerda populista e/ou ideológica precisam ser vencidas para que algo de novo possa brotar.A proposta orçamentária de 2016, vinda do Planalto, é mais uma dessas peças que ilustram a loucura que domina a política brasileira. Chega a ser difícil de acreditar que tão incompetente e irresponsável proposta possa ser posta na mesa. Todavia, trata-se de mais um símbolo dos tempos em nossa Terra.Ao que parece, tanto os oligarcas quanto a esquerda brasileira estão dispostos a testar o pior cenário para somente após um desastre completo tentar fazer algo que seja politicamente saudável para o país.A hora do teste está próxima, mas os resultados são imprevisíveis.
terça-feira, 11 de agosto de 2015

A gravidade do impeachment ou da renúncia

A vida política no Brasil vai de mal a pior e as suas consequências no longo prazo tendem a ser agravadas pelo encaminhamento de "soluções" via a renúncia ou o impeachment da presidente da República. O comportamento da classe política e das elites econômicas e sociais do país podem jogar o Brasil na vala comum das republiquetas latino-americanas. Não resta a menor sombra de dúvida de que a gestão da política econômica durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foi responsável direta e única, sem exageros, pela atual crise que assola o país. A desobediência da presidente às identidades básicas de uma razoável administração da política fiscal, cambial, monetária e financeira engendrou o atual ajuste que leva o país a uma freada brusca da atividade econômica. Em verdade, doravante, é impossível se construir bases mais sólidas para o crescimento sem reformas profundas no Estado. Não é mais gerenciável uma economia na qual as despesas públicas crescem sistematicamente acima do PIB e a produtividade em queda retira o potencial de crescimento futuro. O Estado brasileiro perdeu a funcionalidade e a sociedade precisa saber disso. Os governantes dos três poderes precisam apresentar soluções verdadeiras e estruturais. Esta crise fragilizou a presidente da República em termos de popularidade - a pior desde a redemocratização. Contudo, tem-se de admitir que a mudança de direção da política econômica foi correta, embora insuficiente para o saneamento da crise estrutural pela qual o país passa. Em meio a estas mudanças, as denúncias de corrupção se espalharam por todo o sistema político. Há generalizada suspeição recaindo sobre as mais importantes lideranças políticas do país. Todos os partidos, especialmente os que andaram de mãos dadas com os governos petistas desde a administração do ex-presidente Lula, estão padecendo de suspeição em função de suas práticas de corrupção, nepotismo e tantos malfeitos com a coisa pública. A história se repetiu exatamente no governo daqueles que pregavam a ética e a correção na gestão pública. Este quadro que combina grave crise econômica com crise política, fruto da imoralidade, fez emergir uma crise institucional gravíssima. Os políticos, as elites econômicas e sociais e os analistas desta cena teimam em negar esta crise por razões que mais à frente comento. De todo o modo, vale dizer que não se pode falar em normalidade institucional quando o Executivo perdeu a capacidade de elaborar e implementar políticas, o Legislativo vota matérias que conspiram frontalmente contra a estabilidade da finança pública, a Federação dá sinais de que pode entrar num quadro de insolvência estrutural - o caso do Rio Grande do Sul é exemplo gritante disso - e o Judiciário vê-se confrontado com demandas cuja deliberação é urgente e, eventualmente, incompatível com a prática da Justiça com base no ordenamento jurídico do país. De outro lado, as denúncias de corrupção, fizeram com que boa parte da classe política localizada no Congresso Nacional estabelecesse uma pauta conspiratória contra a administração da presidente da República. Há um evidente trabalho forjado para inviabilizar o governo, ou seja, criar uma crise de governabilidade. Vota-se a "toque de caixa" as contas de três administrações anteriores para viabilizar a rejeição das contas da atual presidente, estimula-se que se peça o impeachment da ocupante do Planalto, são criadas CPIs cujo objetivo não é investigar, mas criar obstáculos contra a administração pública e múltiplas votações são feitas para aumentar as despesas do Erário e obrigar a chefe do Executivo a vetar e aumentar, desta forma, a sua já baixa popularidade. Toda esta pauta parlamentar nada tem de relacionado com a solução da crise econômica que vigora no país. Apenas visa criar um clima de falta de governabilidade que permita a sobrevivência de boa parte da classe política que está mergulhada em denúncias gravíssimas de corrupção e malfeitos. O não reconhecimento da existência de uma crise institucional é vital neste processo, pois se faz necessário que haja aparência de normalidade institucional para legitimar a chama crescente de pressão para inviabilizar o governo. Só assim pode-se falar abertamente em renúncia da presidente da República ou em seu impeachment, pois tudo ocorrerá com plena normalidade legal e institucional. Ledo engano. Ora, pressões políticas para que o governo mude o rumo de suas políticas devem ocorrer no jogo normal dos partidos e das instituições. Todavia, o que se vê, são os partidos inviabilizarem o governo sem nada propor à administração. Se houvesse mínimo enraizamento econômico e social das votações no Congresso, estas não poderiam ser no sentido oposto do que é necessário neste momento: cortar as despesas públicas, combater a inflação e reformar o Estado. Ou alguém sabe quais são as mudanças requeridas pelo PMDB, ou por Eduardo Cunha e Renan Calheiros na política econômica? É cristalino o objetivo de se alcançar o ápice da ingovernabilidade para forçar a saída da Presidente do poder. Não se pode aceitar isto, mesmo que se discorde frontalmente das políticas da presidente. As consequências de se aceitar este processo como normal são gravíssimas. Não se pode apear o primeiro mandatário do Estado por estas razões. A chantagem ora instalada poderá se tornar um marco contra a República. A existência de crises, sejam econômicas ou políticas, ou a sua conjugação (como agora) será razão para que processos conspiratórios contra o mandatário de plantão seja banalmente instalados no seio da classe política, do Congresso e do Estado. É mais grave ainda quando se aceita este processo por razões distantes do verdadeiro interesse público. Dar selo de legalidade aos procedimentos de "profissionais da política" como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos submetidos a suspeições graves do ponto de vista da ética pública, é marco perigoso para a História e para a República. Estamos a comemorar a data do advogado. Não se pode nesta data majestosa para a Ordem Jurídica aceitar que as nossas preferências políticas, nossas inquietações em relação às políticas que ora vigoram, nosso voto nas eleições passadas ou, até mesmo, nossa raiva interior em função das traições éticas e eleitorais que o partido principal da atual aliança governista cometeu, aceitar que se desrespeite a Constituição e aos mandatos republicanos em vigor. O Brasil tem de enfrentar as suas mazelas de frente, sem escondê-las por detrás de soluções que conspirem contra a legitimidade constitucional. Mais: não se pode aceitar que se ponha em risco a governabilidade do país para atender aos anseios de uma classe política que não atende aos interesses públicos, mas que deseja criar um fato político para esconder seus próprios malfeitos. Finalizo este artigo com a citação de Rui Barbosa: "O Brasil não é "isso". É "isto". O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembleia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são os mercadores do parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falseadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros da tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação de nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade"1. Nada mais presente e necessário que as palavras deste representante-mor da advocacia brasileira. _________ 1Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XLVI, Tomo I, pp.69, Campanha Presidencial, Ministério da Educação e Cultura: Rio de Janeiro, 1919.
A funcionalidade do Estado, fruto da elevada corrupção nele instalada, está se esvaindo em assustadora velocidade A corrupção no Brasil está se mostrando generalizada. Não apenas pelo que se vê, mas também pelo que se imagina e dada a probabilidade de que o setor público, nos diversos entes federativos, esteja contaminado por este "mal do século". A generalização da corrupção, por sua vez, produz a deterioração da política como a forma necessária da sociedade sanear conflitos e produzir soluções para as suas demandas. Assim, a economia, as políticas sociais, ambientais, regionais, etc. carecem da necessária eficiência republicana em função dos interesses engendrados pela corrupção. Políticos corruptos usam o seu poder em benefício próprio. Chantageiam os poderes incumbentes com o objetivo de instalar no seio do Estado os seus apadrinhados e obter benefícios ilícitos. Quando descobertos pela mídia e/ou pelos órgãos de repressão e/ou fiscalização do Estado usam o seu poder para chantagear em prol da cessação de investigações e punições. Ultimamente têm fracassado e estão surpresos. Que bom. O Brasil está em perigosa situação, contudo. A funcionalidade do Estado, fruto da elevada corrupção nele instalada, está se esvaindo em assustadora velocidade. Homens e mulheres estão perdendo empregos por força de uma imensa crise econômica, o capital está desanimado e acovardado, a inflação galopa, o país corre o risco de perder o grau de investimento conquistado a duras penas, os gastos públicos se expandem por força de votações congressuais que visam chantagear o Executivo, não há reformas estruturais, a federação está financeiramente em risco, enfim, estamos num quadro de crescente insegurança. Hoje foi deflagrada mais uma fase da operação Lava Jato. Inesperadamente vê-se que esta operação se expande para outros segmentos e empresas. Trata-se de ilustração do estado das coisas no país. Mais trinta mandados de prisão foram expedidos. O Judiciário cumpre o seu papel, de um lado, mas de outro, contatamos que há uma vasta rede de corrupção que precisa ser saneada por mecanismos renovados de governança. Quando observamos o que ocorre em Brasília, vê-se que há razões de sobra para acreditarmos que teremos mais piora pela frente. Referimo-nos à política. Eduardo Cunha, provável indiciado pela Justiça, deve deflagrar uma operação legislativa, cujo interesse maior é reforçar o seu poder no exato momento em que ele se enfraquece diante das denúncias de que está envolvido com corrupção. No Senado Federal, cujo patrono é Rui Barbosa, que fez a campanha civilista contra a corrupção em 1910, o presidente é Renan Calheiros, que já é indiciado pela Justiça por ter se associado à Mendes Júnior que pagava a pensão de sua ex-amante com quem teve um filho. Como podemos ter chefes de um poder como o Legislativo nessa situação? Seria esta situação compatível com as necessidades do país? Estas são apenas duas evidências de que estamos adentrando em tempos muito incertos e, portanto, perigosos para o país. Há, verdadeiramente, uma crise institucional no país. Precisamos reconhecer isso rapidamente. As instituições não estão funcionando no que diz respeito ao pressuposto da "harmonia" e da "independência". A harmonia baseia-se na existência de certa direção comum dos poderes, no caso, do bem comum, enquanto a independência, garantida em larga medida pelo arcabouço legal, também pressupõe que as ações intestinas dos poderes não possam ser usadas para constranger os outros poderes. É isso que se vê, por exemplo, no caso de Eduardo Cunha, em suas ameaças à Presidência da República. Pouco importa se a presidente errou (e muito) na política econômica ou na campanha eleitoral. Todavia, não se pode aceitar a chantagem deflagrada contra ela, pois conspira contra a República. A sociedade deveria estar alerta, mas ainda permanece inerte e passiva. Enquanto isso a crise caminha celeremente. O custo da inércia, contudo, não será a neutralidade. Estamos diante de um quadro de crescente falta de funcionalidade na economia. O governo e o Estado estão perdendo a capacidade de exercer o seu papel de fazedores de políticas públicas. A ninguém deveria interessar esta desfiguração. É perigosa demais para o ensaio que estamos assistindo.  
terça-feira, 7 de julho de 2015

O Uber, a Política e o Brasil

Estamos assistindo a "Batalha do Uber" no Brasil. Depois de desafiar os rigores dos piquetes de taxistas ao redor do mundo e a normatização do setor de transporte de táxi, estimado em cerca de US$ 11 bilhões (por Kandarp Mehta, professor do IESE Business em 04/05/15 no Valor), o Uber (cerca de US$ 42 bilhões de valor de mercado) enfrenta no Brasil os mesmos desafios encontrados em outros países.O que chama a atenção neste caso é que a tal "modernização" e "inovação" são palavras mágicas que lançam ao futuro grandes expectativas sobre o aumento da produtividade e, eventualmente, da qualidade de vida, mas que quando se tem de incorrer em custos presentes, as forças-motrizes do presente (com raízes profundas no passado) se movimentam para impedir o processo modernizante. No caso específico do Uber, larga quantidade de taxistas vê-se injustiçada pela "deslealdade" do Uber vez que este não incorre nos custos das permissões municipais e não se submete aos rigores das normas setoriais. Com efeito, os sindicatos dos taxistas se movimentam para barrar a atividade inovadora em função dos seus interesses. Para isto, usam de vasto proselitismo junto à tal da opinião pública com argumentos relacionados com a segurança pública ("os táxis são mais seguros porquanto são regulamentados"), tarifas fixadas e certas (o Uber usa algoritmos que estimam oferta e demanda para variar as tarifas), a fiscalização governamental existente nos táxis e inexistentes no Uber, etc., etc.Examinadas as "desvantagens" do Uber quase todas nada têm de verdadeiramente ruins para o distinto interesse público ou, alternativamente, que uma modesta e simples regulamentação não pudesse resolver como no caso da segurança dos passageiros, por exemplo. Além disso, os taxistas nada falam sobre as vantagens que extraem do setor público: redução de impostos para compra de seus carros, utilização de vias públicas não-acessíveis aos particulares (nas grandes cidades os "corredores de ônibus"), vagas nos pontos de táxis em vias públicas, o direito de pegar passageiros nas ruas, o acesso irrestrito aos aplicativos que otimizam os percursos e a coleta de passageiros, etc., etc.Pesados os argumentos relativos ao que é, de fato, o interesse público, vê-se que estamos a tratar de interesses privados. No fundo, os taxistas veem os seus benefícios e a sua atividade ameaçada pelo entrante inovador, no caso o Uber. O Poder Público hesita em deixar as coisas seguirem o seu rumo ou, até mesmo, impor a regulamentação necessária, pois os caciques políticos estão umbilicalmente aliados aos interesses estabelecidos e ao suporte para a próxima eleição. Fecha-se, assim, o cerco do arcaico em relação ao moderno e o interesse público fica à margem da questão, mesmo porque a opinião pública no caso do Brasil é bem frágil e pouco se defende. Bom, não estou aqui para advogar para o Uber. O que me chama a atenção neste tema é que este analogamente fornece os elementos para a observação do estado da Política no Brasil. Com uma diferença essencial. Nesta Terra, abaixo do Equador, não há Uber na Política.O arcaico tomou conta do país e os interesses inconfessáveis dos agentes políticos dominam os cenários de curto, médio e longo prazos. O interesse público simplesmente está maquiado nas ações essenciais do Poder estabelecido e as medidas adotadas visam tão somente à manutenção do status quo que submete o país às mesmices que não deixam soprar os ventos da inovação, modernidade e felicidade geral. Aqui o passado é a melhor projeção do futuro e o presente é o exercício da tolice pública com a prática que alicerça e forja o benefício privado. A opinião pública acata tudo, sem a crítica da academia, sem lideranças novas e com a "velha opinião formada sobre tudo".O elenco de personalidades públicas é sofrível. Não à toa, atores de categoria duvidosa que não seriam sequer coadjuvantes no processo histórico tomaram conta da cena e usam de sofrível repertório para levar o país a lugar nenhum.A Presidente da República terceirizou a política para seu vice-presidente que, por sua vez, adula personagens como Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Sibá Machado, Carlos Luppi, etc., etc. A economia segue caminho próprio e, teoricamente, seguro na direção da estabilidade que mantem tudo mais constante. Daí, o país estabilizado terá chegado aonde sempre esteve: analfabeto, sem universidades respeitáveis, sem Judiciário eficaz e justo, sem saúde básica, sem logística, sem tecnologia, sem competitividade, sem igualdade de oportunidades, sem redução segura e efetiva da pobreza, sem segurança pública, sem moradia digna, sem mobilidade urbana, sem saneamento básico, sem educação, etc., etc. Sem felicidade, enfim.A democracia brasileira já é plutocrática, dominada pelas campanhas eleitorais milionárias e financiadas por dinheiro que causa escândalos, mas simplesmente não consegue ser representativa dos interesses públicos. A sociedade é uma ilha cercada de problemas não-solucionados por todos os lados, mesmo que se pague boa dose de tributos e que embute os custos de generalizada e sistêmica corrupção.O Uber da política brasileira bem que poderia aparecer no seio de uma oposição moderna e que quebrasse paradigmas. Todavia, falta-lhe os algoritmos que sinalizem eficiência nos custos e nos benefícios verdadeiramente públicos que pretendem produzir. No fundo, a oposição sequer gosta do povo, o qual é mero instrumento de uso político básico. As multidões que se manifestam, sem saber aonde ir. São os passageiros à espera de um transporte que não aparece, mesmo que cobre tarifa. Cadê o aplicativo?É difícil reconhecer tudo isto, pois ninguém quer parecer ou ser pessimista. Além do mais, de vez em quando toca um axé ou um pagode no moderno Ipod que diverte a turma que gosta mesmo é de uma cervejinha e um pedaço de carne na brasa. Prá que a ambição de um país melhor quando vemos que este parece impossível à luz da Política que vigora?O Uber é uma empresa jovem e arrojada que está ameaçando um setor arcaico e acostumado à própria rotina que congrega interesses os quais são mais privados que públicos. O Brasil é um país que envelhece e não ameaça ninguém de fora. Apenas faz penar os que aqui vivem saboreando o passado e sucumbindo ao futuro. Triste realidade. Mas, é a realidade.
terça-feira, 23 de junho de 2015

Grécia, muito além de um acordo financeiro

Estamos a comemorar este ano os 200 anos da Batalha de Waterloo (Bélgica) que destroçou os planos de Napoleão de dominar a cena política na Europa. Também lembramos neste ano o encerramento da II Guerra mundial que devastou a Europa e parte relevante da Ásia e matou cerca de 75 milhões de pessoas. A derrota de Adolf Hitler representou a renovação da esperança mundial na paz e na prosperidade, especialmente no Novo Continente.Não se pode dizer que a Europa "civilizada" seja exemplo glorioso de experiências que correspondam à sua fama. Dividida e intrincada em interesses regionais e nacionais, o continente jamais alcançou a serenidade que a América conquistou para se tornar a potência que é. A maior marca do Velho Continente é a tragédia da guerra e a capacidade de construir lentamente e destruir com enorme rapidez a união dos povos em objetivos comuns. Basta verificarmos o que aconteceu no centro da Europa na guerra da antiga Iugoslávia entre 1991 e 2001 para concluir que a civilidade europeia tem limites relativamente estreitos.A crise da Grécia, país belo e centro da construção do humanismo ocidental, é a representação da desunião da Europa na consecução da edificação da União Europeia, concebida e iniciada por dois gigantes da política, o francês Charles de Gaulle e o alemão Konrad Adenauer. Foi à luz dos ideais do Tratado de Roma (1957) que se concebeu os germes daquilo que se tornaria a atual União Europeia. Depois da destruição das Guerras Mundiais, esperava-se o progresso contínuo e a maior igualdade entre as nações. Exemplo para o mundo, como se informava a mídia do Continente desde 1981, ano da fundação da União Europeia. A Grécia, 11 milhões de habitantes, país que atualmente representa 2% do PIB europeu (antes da crise de 2008 era 4%), aderiu à Organização do Tratado do Atlântico Norte em 1952, foi o segundo país da Europa meridional a aderir à Comunidade Econômica Europeia o que permitiu que já no nascimento da União Europeia se tornasse país-membro pleno e, posteriormente (2001) adotou a moeda única, o euro. Antes, na II Guerra Mundial, lutou contra a Itália fascista, rechaçando as tropas de Mussolini e foi em 1942 invadida pela Alemanha nazista. Em 1946 iniciou-se uma sangrenta guerra civil, encerrada em 1949. Foi o único país abaixo da denominada "Cortina de Ferro" que não se tornou comunista. O sofrimento, a penúria e a luta pela democracia e a liberdade são as marcas da Grécia contemporânea. Apesar dos muitos percalços o país balcânico sempre esteve ao lado da Europa e contra as barbáries do nazismo, do comunismo e do fascismo.Desde 2001, o país passou por um período de administração econômica de qualidade duvidosa, recheada pelo descontrole das finanças públicas, pelo falseamento de informações econômicas e pelo descontrole em relação ao endividamento público. Estas desastrosas políticas econômicas foram adotadas, de forma contínua, pelos governos do PASOK (Partido Socialista) e Nea Democratia (conservadores), os mesmos partidos que, no atual momento de crise, a maioria dos países da União Europeia gostariam de estar negociando.A eleição em janeiro deste ano de Alexis Tsipras, sob a égide do Partido Syriza, partido da esquerda radical, é o resultado do longo período de "ajustes" que foram requeridos pela União Europeia para que continuasse financiando a Grécia no período pós-2008. É o "preço" da má administração dos governos do passado, dizem alguns analistas desinformados. De fato, a Grécia foi o país que mais reformas implementou no período pós-crise, com o objetivo de angariar recursos fiscais e bancar a insuficiência dos recursos externos. Faltam reformas relevantes, sobretudo no que diz respeito à previdência social e ao funcionalismo público. Todavia, tais reformas são as mesmas que nenhum país da União Europeia conseguiu implementar até agora. Inclusa a Alemanha de Merkel. Desde 2008 o PIB grego caiu 43% e, mesmo assim, o déficit fiscal gravita no momento em torno de -1%. Projeções do FMI indicam que mesmo se a Grécia fechar o acordo com a União Europeia ao longo de 2015, o PIB deve cair ao longo dos próximos três anos, mais 4%. O desemprego do país está ao redor de 27%, sendo que entre os jovens (até 30 anos) alcança a marca recorde de 50%. A dívida grega atualmente representa 185% do PIB do país quando em 2008 era de 104% do PIB. Não precisa ser genial, como alguns analistas por aqui e alhures desejariam ser, para perceber que esta dívida é impagável e que o país está na depressão econômica, sem esperança e sem rumo certo. Se na Alemanha, de Angela Merkel, nos anos 20 do século passado, a depressão levou ao nazismo e à guerra, os gregos optaram pelo Syriza, não por convicção ideológica, mas como a única alternativa para elaborar um "basta" ao desolador cenário do país.A saída da crise grega passará, de "forma organizada" (com um acordo com a União Europeia) ou pelo caos (pelo não-financiamento da Europa), pela desvalorização (corte) de sua dívida e, possivelmente, pela saída do euro. A exigência da União Europeia, do BCE e do FMI (denominada de troika) de que a Grécia produza 1% de superávit primário num cenário de depressão é simplesmente irreal, senão absurda. Ocorre que a troika, diante desta realidade, precisa conter a restruturação da dívida grega, pois que os espanhóis, irladenses e portugueses e, em menor medida, os italianos, estão em situação de penúria (não tanto quanto a Grécia, é claro!) e podem se entusiasmar e votar nos partidos políticos radicais que florescem em meio à tragédia social e econômica. Além disso, Holande, Merkel et caterva precisam cuidar de seus quintais eleitorais. Há quem os denomine, especialmente Merkel, de "estadista". Os gregos têm mesmo é saudade de Adenauer.Do outro lado do Atlântico, os EUA, os quais adotaram uma política econômica focada no crescimento para superar a crise de 2008, a qual está finalmente superada após sete anos, olham para o Velho Continente e perguntam, via Barack Obama: a União Europeia deixará a Grécia quebrar? Não importa aos líderes europeus a posição estratégica do país na Europa do Leste? Como ficará o país na aliança militar da OTAN? Não preocupa o fato de que o único socorro à Grécia está sendo soprado por Vladimir Putin, o qual tem ambições geopolíticas na Europa Central e Meridional?Os europeus terão de pensar nestas questões com rapidez, especialmente na reunião desta quinta-feira (18/6) em Bruxelas entre os Ministros das Finanças dos países da União Europeia. A probabilidade maior é que o destino da Grécia seja o exílio da Europa e o caos social e político. Assim foi escrita a História da Europa no passado e que deve se repetir agora. Enquanto isso, Alexis Tsipras, o primeiro-ministro grego, visita a Rússia e conversa com Putin. A Grécia, que pela construção de seus pensadores e a arte de seus estadistas, forjou a civilização ocidental, merecia um destino mais digno.
terça-feira, 9 de junho de 2015

O Brasil em queda livre

A economia brasileira está em queda livre, generalizada e sem sinais de até onde chegará. As previsões, ora feitas, contêm um elemento particular pouco avaliado e divulgado que é o risco de estarem simplesmente erradas. A estimativa de um decréscimo do PIB de até 2% neste ano e próximo de zero em 2016 devem ser vistas pela sociedade como mera "indicação" e não uma "previsão". A razão é simples: ainda não há mínimas evidências de que o "fundo do poço" já tenha chegado.Há condições macroeconômicas para que a recessão seja relativamente rápida, mas estas estão se deteriorando rapidamente e é possível que a recessão seja bem mais prolongada que o esperado. A retração no campo do investimento privado (falta de confiança) e da renda das famílias (devido à inflação e, agora, o desemprego) é substantiva, sólida e evidente. Não há, de fato, mera redução do crédito e da renda. Há uma perigosa percepção de que tudo há de piorar. O desemprego avança celeremente e, em breve, baterá em todos os setores simultaneamente.O país caminha para o leito inseguro das últimas três décadas de baixo crescimento. A interrupção deste processo deveu-se unicamente aos fatores favoráveis e bastante específicos no cenário internacional: o aumento dos preços das commodities. Isto acabou e não há evidência de que retorne ao cenário, antes promissor e que agora vê-se claramente qual era a sua natureza.O Brasil parece escolher, em função da ampla aceitação da sociedade e de suas elites, o caminho da estagnação estrutural. Há, ademais, a mudança do perfil demográfico o qual se aproximou com rapidez daquilo que se vê no mundo desenvolvido. Assim, a indisponibilidade de mão-de-obra crescente teria de ser substituída por um grau igualmente crescente da produtividade. Isto requereria incrementos de qualidade e quantidade no padrão tecnológico, na eficiência do setor laboral e na infraestrutura. Capital e trabalho teriam de ingressar num processo colaborativo para alçar um voo mais alto em busca de mais produção com menos custos e mais qualidade.Se a produtividade não se elevar, os preços descontados pelo câmbio têm de ser ainda mais baixos. Logo, a relação entre câmbio e inflação terá de ser ainda mais favorável às moedas fortes. Todavia, esta passagem é dificultosa e tem de ser "aceita" internamente (em função da perda de renda) e externamente (dado o movimento das outras moedas). Com os juros básicos tão altos por aqui, nem podemos pensar que este processo está por acontecer.O ajuste fiscal, tão apregoado ideologicamente como fator de estabilização, se alcançado, não será conquistado em suficiência em menos de doze meses (contados doravante). Isso porque o PIB cai e a arrecadação também, além do fato de que o grau de informalidade dos negócios e do trabalho também aumenta. É a corrida do cachorro tentando morder o próprio rabo. As contas têm de ser ajustadas, mas isto é pouco. Um cenário econômico tão pouco promissor dependeria de um esforço político muito bem engendrado. As forças que agem na "política formal" (os partidos) e na "política informal" (a sociedade) deveriam ter uma agenda minimamente comum de reformas estruturais. Além disso, tudo deveria caminhar para além do próximo pleito eleitoral.O que se verifica é que a sociedade vota mal porquanto é politicamente mal informada e pouco educada. A sedução do proselitismo político á fácil e a sociedade deita inocentemente na armadilha que os políticos lhe preparam. Nota-se que mesmo as elites brasileiras preferem agir no curto prazo. Daí, aceitam com facilidade os caminhos mais inusitados, projetados e percorridos por representantes pouco interessados no Brasil. É o que justifica a existência de lideranças como as de Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Estes representam o vazio o qual é preenchido com rapidez por esta cepa de políticos espertos.O governo, não liderado pela presidente da República, não tem planos, não tem projetos, não tem estrutura para agir diante de uma conjuntura que requereria que a presidente "fosse ao povo" para explicar o que pretende e convocá-lo para colaborar. A oposição equivale ao governo, pois age por mero instinto eleitoral de curto prazo. Seus líderes avaliam tudo como se o jogo fosse usual e sem variáveis muito mais profundas. Preferem os convescotes. Tem horror ao povo. O sumiço do PT como partido significativo nos próximos anos é o maior desastre político do país, pois a larga massa proletária do país não terá representação à altura - viu-se que nunca teve. Isto não tem relação apenas com a qualidade duvidosa do que se pensava ser o "pensamento político" do partido. De fato, o PT cometeu a maior traição da política brasileira. Não tinha projeto consistente e mudancista e apenas se projetou para se manter no palácio e roubar os bens públicos. Tornou-se uma oligarquia estranha aos mais pobres e não aceita pelos mais ricos. Seu destino será equivalente ao DEM: se tornará um partido irrelevante e Lula será uma figura patética, senão ridícula.A modernização do país só virá quando tivermos liderança política moderna que possa falar com o povo e não apenas com os que detêm o poder econômico. Vitórias eleitorais tem de ser sempre relativizadas, pois as urnas são um passo pequenino frente aos projetos políticos.Diante deste quadro pouco alentador e sem promessas de melhora, temos de perguntar: quem, de fato, se importa com o que está a acontecer? Por que tanta passividade da sociedade frente a este destino tão triste?
terça-feira, 26 de maio de 2015

Oportunidade para o Congresso

Mesmo que não seja evidente para parte substancial da classe política, empresarial e sindical, a premissa de que um orçamento equilibrado é condição necessária para qualquer política econômica não causa grandes divergências entre aqueles que lidam com política públicas. Trata-se de uma das identidades mais básicas da economia: déficits nas contas públicas devem ser momentâneos, pois a sua existência continuada gera inflação, seja pela via do aumento da demanda geral, seja pelo aumento do endividamento público. O Estado transfere recursos, não os cria do nada.Quando existem situações extremas de ausência de demanda (desemprego muito acima do equilíbrio, ausência de crédito bancário, etc.) como ocorreu em 1929 e 2008, justifica-se a adoção de déficits fiscais mais acentuados e continuados. Quando a demanda está superaquecida, como em 1999 (bolhas das empresas de tecnologia) ou em 1994 (pós-adoção do Plano Real) justifica-se a adoção da denominada política fiscal anticíclica, aquela que reduz déficits ou produz superávits para conter o excesso de demanda e, com efeito, a inflação futura.A "natureza econômica" do ajuste promovido pelo governo, no qual pontifica Joaquim Levy na economia, está ligada à necessidade básica de reequilibrar a demanda via ajuste fiscal. Em princípio, este ajuste deveria/poderia ser rápido (dois anos), mesmo que tenha certa profundidade - superávit primário de 1,2% do PIB em comparação ao déficit em 2014 de 4% do PIB.Obviamente, tal ajuste fiscal vem acompanhado pela redução do déficit nas contas externas e pela elevação da taxa de juros, sendo esta última altamente discutível em relação ao nível necessário de alta dos juros remunerados diariamente (overnight). Todavia, neste artigo abdico da discussão sobre taxa de juros.O ponto que quero chamar a atenção é que o Congresso Nacional, sejam os partidos de oposição ou do governo, deveria se engajar na redução do déficit fiscal por duas razões básicas: (i) esta é inevitável para o sucesso de qualquer política econômica e (ii) porque se trata de oportunidade rara de "meter a colher" no orçamento e repensá-lo à luz do denominado interesse público. Em palavra mais direta, o Congresso Nacional, ao invés de verbalizar e praticar proselitismo político altamente duvidoso, deveria examinar conta a conta do orçamento e, assim, tomar a vanguarda do ajuste, ao invés de ficar na retaguarda dele. Vale lembrar que o orçamento deveria ser a peça-chave para o exercício da função parlamentar. Basta analisar os fundamentos que já emanados da Magna Charta em 1215, oitocentos anos atrás.Eis a chance para o Congresso Nacional recuperar a sua soberania de facto. Feito isso, os congressistas poderiam começar a sair do abecedário da economia e se exercitar na aritmética básica da política econômica com o objetivo de responder uma perguntinha mais relevante que todo o debate infrutífero sobre o ajuste fiscal: como construir uma política econômica sustentável para desenvolver um país em processo de evidente desindustrialização, sem capacidade de superar o paradigma tecnológico do mundo moderno, com desigualdade social campeã mundial, analfabeto, sem acesso razoável à saúde, sem infraestrutura, com carga tributária considerável, um déficit previdenciário preocupante, sem moradias razoáveis e incrivelmente violento?Como se pode verificar, a tal "perguntinha" básica e que realmente importa não é nada simples e é multifacetada. Diante de um orçamento público e das alternativas de política econômica (no campo da política externa, monetária e social), os senhores deputados e senadores se empenhariam em abrir picadas e estradas para tais discussões e pressionar o governo frágil e perdido da atual presidente para se engajar em algo consistente. Ou o país não merece isso?Obviamente, os nossos eventuais leitores devem estar pensando em quão tola e "sonhática" é esta provocação que faço. Afinal de contas, este é o país no qual o presidente da Câmara dos Deputados se empenha em construir um shopping center anexo ao Congresso Nacional, o Presidente do Senado pagava as contas de uma amante via empreiteiras e pegava o avião da FAB para tratar as suas madeixas no Recife, o líder da oposição construiu um aeroporto na fazenda de sua família, e o Partido dos Trabalhadores é liderado por um palestrante de empreiteiras e está mergulhado até nas profundezas com a corrupção de seus líderes (e.g. Dirceu et caterva).Tenho de reconhecer que este é o país que vivemos, mas ainda brota no coração uma ponta de esperança de que a sociedade se mobilize, com verdadeira liderança, e não por meio de manifestações inócuas em avenidas das capitais e grandes cidades do país. Um Brasil que reconheça que o Congresso Nacional em Brasília foi eleito e não está por acaso naquela cidade. É preciso fazê-lo funcionar no sentido correto. Isto só acontecerá quando a sociedade destampar os seus ouvidos.
terça-feira, 12 de maio de 2015

Inércia política, letargia econômica

A crise política brasileira está impondo ao Brasil um custo muito superior àquele que deveria ser incorrido para a correção dos problemas do país. Não se deve minimizar aquilo que perturba a boa gestão econômica, sobretudo a inflação, o elevado déficit externo e a situação fiscal negativa. Note-se que todos estes problemas são superáveis em período relativamente curto (dois anos). Além do mais, estes foram criados por força de erros primários de gestão econômica durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, conforme já analisamos em artigos anteriores neste espaço.Ocorre que o jogo político atual é altamente perverso e obscurece o horizonte de múltiplas e positivas possibilidades do Brasil. As denúncias das graves e impressionantes atividades de corrupção são parte de enraizada cultura, da estrutura do sistema político nacional e dos planos deliberados dos partidos políticos que sustentam as administrações desde 2003. Note-se que a confusão entre o público e privado é marca antropológica da formação do país e fonte sempre presente da corrupção generalizada no âmbito do Poder Público. Neste sentido, o que ora se registra não é, na essência, novidade. Apenas é algo que se tornou ainda mais público. Novos escândalos (CARF, setor elétrico, BNDES, etc.) podem surgir ou se agravar.A conjuntura internacional tem melhorado substancialmente e os riscos de crises sistêmicas foram afastados nos países centrais do capitalismo. Nos EUA, a demanda persiste crescente e o debate se concentra na administração da política monetária que deve restituir taxas de juros positivas (e possivelmente nem tão elevadas) nos próximos três anos. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, debate e elabora cuidadosa estratégia para iniciar o processo de elevação da taxa básica de juros, o que deve ocorrer neste segundo semestre de 2015. Vale ressaltar que erraram, mais de uma vez, os analistas ao tratar do tema, pois imaginaram que esta elevação se iniciasse no primeiro trimestre do ano passado. Até agora, o PIB dos EUA cresce ao redor de 3,5% ao ano e os sinais de inflação são bem moderados, seja pela elevação nula dos salários reais, seja pela grandiosa redução dos custos energéticos, em especial o petróleo. Na Europa, finalmente a União Europeia descobriu o valor das políticas monetárias anticíclicas adotadas com sucesso nos EUA e passou a adotar políticas de resgates de ativos financeiros dos países da zona do euro. Os países da Europa meridional mais a Irlanda permanecem com taxas de desemprego imorais, mas há luz no fim do túnel. A renegociação da dívida grega neste mês será o sinal de que o BCE e a EU hão de ser mais ponderados em prol de uma demanda mais forte. Veremos.A China permanece com a atividade extremamente positiva, mesmo que levemente cadente, sendo que as reformas econômicas e financeiras do país serão decisivas para determinar o futuro mediato da segunda maior economia mundial. O país passou a ser exportador relevante de capital, inclusive para a América Latina, onde as empresas chinesas passaram a comprar ativos com grande envergadura. O Brasil, neste contexto, escolhe um caminho perverso e negativo. Desrespeitamos as nossas próprias possibilidades e potenciais. A presidente da República, em início de segundo mandato, foge de suas responsabilidades e se esconde por detrás das mazelas de seu primeiro mandato. Os custos de sua timidez são grandes, pois a sociedade, em geral, e os agentes econômicos, em especial, avaliam que passaremos os próximos três anos e meio na mesma toada. A impopularidade presidencial não pode ser razão para a inércia de Dilma Rousseff. Ela foi eleita para cumprir os seus deveres constitucionais de forma plena e o sistema presidencial exige a liderança da primeira mandatária. Contrariamente, Dilma "terceirizou" as negociações políticas para o vice-presidente, a política econômica para Joaquim Levy e a política social para os presidentes da Câmara e do Senado Federal. Este esvaziamento funcional tornou o seu governo um Frankenstein deformado não apenas no corpo, mas também na alma.A incerteza sobre o futuro político, não apenas nos próximos meses, mas também nos próximos anos, pesa muito nas decisões econômicas. Assusta verificar que os detentores do poder econômico estão paralisados e encapuzados pelo medo. Parece que sequer os seus interesses mais profundos os motiva à ação em prol do país. O Congresso, financiado em larga medida pelos que têm o PIB nas mãos, sente-se livre para navegar aos sabores das propostas populistas, corporativas e casuísticas. Renan Calheiros e Eduardo Cunha ganharam o centro da cena e o distinto povo parece ser a vítima do circo. Estimo que entre 2% e 3% de crescimento será o custo, neste ano e em 2016, da crise política.Nada sinaliza o fim da letargia e inércia que tornam este país-gigante em anão de joelhos. Creio que há boas chances de as expectativas em relação à inflação melhorarem, mas talvez seja apenas isso. Nas últimas três semanas, houve forte influxo de recursos de estrangeiros em ativos de países emergentes, especialmente o Brasil. Os preços estavam atraentes e parecem descontar muito mais que a crise atual sugere. Da mesma forma, a divulgação de uma governança mais positiva para a Petrobrás fez com que muitos comprassem as ações da estatal por aqui e alhures.Tudo isso é muito pouco, contudo. O que o Brasil precisa é deixar de ser o "narciso que só vê coisa ruim na própria imagem" e partir para reformar o país no sentido das próximas gerações. Por enquanto, os agentes políticos se ocupam com os próprios narizes e bolsos e os donos da bola na economia estão paralisados. O sumiço da presidente da República é o sinal mais forte do momento atual. Todos apertam os cintos e não se sabe aonde vai o país.
terça-feira, 28 de abril de 2015

Vazio político e inércia geral

Triste a sina de um país que abandona a política como instrumento de elevação da participação social nas decisões do Estado e como forma de repartição do Poder dentre os grupos que apoiam o governo.No caso do Brasil não se trata de sina construída pelas pitonisas do belo cenário do Templo de Delfos. De fato, o governo atual e, com efeito, a sociedade colhem os resultados de uma política econômica que pecou em variáveis primárias da administração do Estado, sobretudo na área econômica, na gestão da coisa pública e nas práticas de aliciamento e inclusão política dos partidos políticos na administração governamental, inclusas as empresas estatais. A administração anterior da Presidente Dilma Rousseff careceu de visão estratégica, sem dúvida. Sequer se aproximou desta tarefa. Ademais, nos quatro anos do primeiro mandato errou em matérias primárias da gestão econômica, no respeito às equações e identidades mais básicas de uma política econômica - qual esta fosse.Agora, o governo e a presidente tentam nortear os rumos do país em bases novas e, em princípio, corretas. Neste tema não há que se atribuir ao governo e seu ministro da Fazenda, especial inteligência governativa. Retomam, tão somente o leito normal da política econômica. Permanece, contudo, a vastidão das necessidades estratégicas, com pouca evolução, nos últimos trinta anos, relativamente às transformações que o mundo registrou. Há, em meio a este contexto, aqueles que creem, como ato de fé medieval, que tais transformações neste país analfabeto, atrasado tecnologicamente, sem indústria competitiva, sem segurança jurídica suficiente à modernidade, sem saúde pública (e privada) à altura da cidadania, sem igualdade regional razoável, sem uma universidade que seja "respaldo crítico" das necessidades sociais, sem segurança pública etc., etc., etc., possam ocorrer sem que o Estado brasileiro atue em novas bases políticas, econômicas e sociais. Refiro-me ao falso liberalismo que esconde as pretensões oligárquicas que mantêm a desigualdade de oportunidades e que mina, por sua vez, o verdadeiro e consistente desenvolvimento nacional.Com efeito, a paralisia atual do Estado, em todas as esferas de Poder, e do governo recém-eleito é verdadeiramente apavorante. Seremos em breve (mais vinte anos) um país envelhecido e pobre.O vazio político com o qual nos defrontamos ganha força inercial, motivado pelos maus humores (justificados) das multidões que desfilam nas zonas nobres das cidades sem saber para que lugar seguir. Impressiona que a imaginação coletiva, neste momento, possa crer que a Política não é necessária. Não se percebe que as reuniões programadas nas denominadas "redes sociais" exigem fluência nas vias políticas, formais e informais, que resultem em ação transformadora. Há uma "coisificação" do espírito cívico que confunde o ato de protesto efêmero com o ato duradouro e permanente da mudança de patamar que o Brasil necessita.Neste contexto de vazio político e manifestações infrutíferas das multidões, a presidente da República, vejam só!, sumiu, o Congresso marcha ao som da música tocada por Eduardo Cunha e Renan Calheiros e o Judiciário hesita entre o traço jurídico e a sedição. Prospera, isto sim, um pensamento arcaico e reacionário em relação aos temas públicos mais legítimos. Na economia, a legitimidade da política econômica passa por uma transferência de mais de 6% do PIB em juros para os rentistas e o "financismo" toma forma ideológica para convencer a todos que há "somente um caminho possível". Sem a Política, os pré-conceitos econômicos tomam forma acabada em nome do "livre mercado", da "liberdade econômica", da "eficiência privada e a incompetência pública". Tudo um quadrante de dogmas em pleno século XXI. Em verdade, acaba o debate que permite que dos "contrários" surja o "novo" que pode levar o país à frente. Está feita a unanimidade, outrora considerada burra, agora o "estado da arte" a ser adotado.No Brasil de agora, Roosevelt, Churchill, Keynes e o Papa Francisco não poderiam existir porquanto enfrentar barreiras ou é "tarefa inútil" ou é "impossível". A utopia acabou por força da ideologia vigente. A presidente Dilma é o símbolo perfeito e odiado destes tempos. Todos dela reclamam, com muita razão, mas na hora de propor algo de novo, ouve-se a mesma ladainha de sempre. E tome ideologia fajuta para a turba se divertir.Como disse um importante e conhecido advogado a este colunista: "O Brasil não tem jeito. Melhor seria declarar guerra aos EUA e colher a derrota. Seríamos colonizados e, assim, o Brasil se tornaria potência." Prefiro a inquietante e necessária pergunta desta hora difícil: será?
terça-feira, 31 de março de 2015

O samba do Estado Louco e a utopia necessária

O carnaval de fato ultrapassou a quaresma e o samba continua a tocar. Destaca-se a nota alta do zabumba dos escândalos nacionais. A política continua a evoluir na avenida ao som do "samba do Estado louco", enredo conhecido no Brasil, mas agora se trata de algo sem registro histórico equivalente em forma e intensidade. A nota de "evolução" da Escola de Samba chamada Brasil é sofrível para os que esperam um país melhor. A crise política brasileira jogará para baixo o PIB brasileiro entre 1% e 2% além do que a "lógica" econômica sugeriria. Como sempre afirmei neste espaço a situação da economia brasileira é delicada, mas não é calamitosa. Não fosse assim teria sido diferente a avaliação da agência classificadora de riscos Standard & Poor's, aquela que manteve o grau de investimento do país.Os ajustes econômicos (fiscais e monetários) promovidos pelo governo são, no seu conjunto, necessários, mas não suficientes para promover o desenvolvimento nacional. Tenta corrigir o governo os erros grosseiros de política econômica no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Deve conseguir o intento, já na questão de fundo do desenvolvimento...Afora o ajuste das contas públicas, entre 1% e 1,2% do PIB, algo como R$ 130 bilhões, o "a esência serviço" parece concretizado restando a espera: a taxa de juros mais alta conterá a inflação por meio da redução da demanda e o câmbio depreciado está contendo os enormes déficits de transações correntes dos anos passados. Será uma espera longa, entre 10 e 15 meses a partir de agora. Talvez mais se os políticos se empenharem na sua tarefa de cuidar apenas de si próprios. Quanto ao ajuste fiscal, este se tornou "brincadeira" liderada pelos investigados pelo MPF Renan Calheiros e Eduardo Cunha, os quais alguns setores sociais e da mídia tentam imputar-lhes a imagem de "políticos do momento". As contrapropostas aos ajustes econômicos dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e de alguns outros visam desarmar o governo já fraco e dar umas mordidas na Viúva para aliciar seus apaniguados em Alagoas, no Rio de Janeiro e outros tantos lugares.O governo faz por merecer tantos atropelos. A presidente Dilma Rousseff ainda não conseguiu dar mínimo sentido e rumo à administração federal. Recusa-se, inclusive, a convocar a nação para explicar suas políticas. Com o cheiro de "estelionato" eleitoral no ar, a presidente está refém não apenas de seus presumidos aliados, mas de si mesma - quando sai de seu palácio é desastre atrás de desastre. Veja-se a inexplicável nomeação de seu tesoureiro de campanha para liderar a comunicação do governo, ali do ladinho da sala presidencial, no Palácio do Planalto. Realmente...Enquanto isso, as empresas se convencem de que a recessão vem aí. Resultado: nas rodas de empresários da FIESP e das associações ligadas a setores econômicos relevantes o que se ouve diz respeito a cortes de pessoal e custos e adiamento de investimentos quando não cancelamento. Os empresários mais jovens, pouco antes de irem se bronzear no que resta do sol de verão no sudeste, ameaçam "ir embora do país". Já as multidões das passeatas ficaram felizes com suas demonstrações, mas a pauta de reivindicações / soluções / propostas / ou "seja lá o que for" permanece trancada na gaveta de algum cidadão sem nenhuma veiculação. É incrível como se acredita que é possível fazer política sem programa e sem liderança. Risível não fosse trágico. Se alguém não sabia o que era niilismo, agora pode se esbaldar de conhecimento. Basta dar uma voltinha na Av. Paulista em meio às manifestações populares.Creio que falta à sociedade brasileira certa capacidade de produzir utopias que possam romper com a realidade presente de descaso e/ou desinteresse para com os destinos do país. Há os que temem que o país caminhe para as trilhas perigosas de um governo bolivariano. Parece-me erro grosseiro fazer uma avaliação desta cepa. Isso porque imagina-se algo ativo e com sentido ideológico. O que se vê é apatia em relação à política enquanto o país tropeça em vazios imensos que são preenchidos por segmentos cujos interesses são inconfessáveis. A corrupção é uma destas manifestações da anomia social representada pela ausência de soluções sérias, construtivas e modernizantes. O conjunto de escândalos divulgados na mídia demonstram isso. Semana passada tivemos as revelações de como funciona o CARF, o tal conselho dos contribuintes para se defender de eventuais injustiças cometidas pelo fisco. O que se vê é que a mistura entre o público e o privado persiste cheia de nuances bem particulares e problemas, entre os quais a vasta corrupção.O Brasil precisa mesmo de utopias para romper com este aparente "destino" de ser o eterno país do futuro. Se misturarmos a esperança utópica ao necessário realismo econômico, estaremos a mudar o atual caminho do "samba do Estado louco". Ou, na linguagem cifrada do ministro Joaquim Levy, estaremos sendo mais "efetivos" contra a "genuína" vontade nacional de deixar tudo como está para ver como é que fica.
terça-feira, 10 de março de 2015

Hora de convocar os "sábios da aldeia"

"Infeliz, porém, é a cidade que, não tendo tido um legislador sábio, é obrigada a restabelecer a ordem no seu seio. Dentre elas, a mais infeliz é a que está mais afastada da ordem; isto é, aquela cujas instituições se apartam do bom caminho que pode levá-las ao seu objetivo perfeito e verdadeiro - porque é quase impossível que, nessa situação, ocorra algum acontecimento feliz que lhe restabeleça a boa ordem. Contudo, as cidades cuja constituição é imperfeita, mas também tem príncipes bons, suscetíveis de aprimoramento, podem, de acordo com os acontecimentos, chegar à perfeição". (Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1513-1517) - Discorsi - Maquiavel) Não se analisa e ou se consolida a percepção sobre certo fato histórico em pouco tempo. Ao contrário: "a confortável cadeira do futuro mais distante" é essencial para que serenamente se possa avaliar os fatos históricos e deles se extraia a melhor percepção. Todavia, fatos políticos têm de ser avaliados e analisados em seu centro-motor, naquele determinado momento da história. Não sei se estou certo, mas a atual crise política está dentre as maiores da brevíssima história republicana brasileira. Dela percebe-se uma evolução a cada dia mais incerta e com revestimentos crescentemente inesperados, sem que se saiba aonde iremos. A divulgação da "lista do Janot" revela, em um só ato, as entranhas do Poder Político brasileiro, mesmo que lá não estejam todos os "fatos". Podemos até acreditar que os personagens que constam nos hodiernos alfarrábios da PGR não mereçam a sina de culpados, mas se não forem estes parece certo que outros exerceriam o papel de corruptos ou corruptores com enorme afinco. A coisa toda não está somente ruim, não é difícil perceber. Estamos na hora em que estamos a preencher os espaços políticos com irracionalidade impressionante. Precisamos de, pelo menos, uma dúzia dos Príncipes referenciados na epígrafe de Maquiavel, que inaugura esse artigo, para que possamos voltar ao leito da racionalidade política na direção da perfeição. As páginas dos jornais deste fim de semana foram particularmente ilustradores dos caminhos que estamos a tomar. Vejamos alguns exemplos extraídos da Folha de S.Paulo nas edições deste fim de semana (7 e 8/3/15). Carlos Heitor Cony, cuja "escrita acadêmica" não julgo exatamente literária desde os tempos da Revista Manchete, começa o seu editorial citando um nazista, no caso Hermann Göring, o segundo de Hitler, passa pelo holocausto judaico, para desembargar seus poucos parágrafos na análise da presidente da República. Sinceramente... Paulo Salim Maluf, procurado e com fotografia nas páginas principais do sítio da Interpol, a polícia internacional, sentenciou: "Não estou na lista. Em 48 anos de vida pública, sempre fui correto. Estou com Janot: se alguém deve, tem de pagar". Como diria Sílvio Luiz, "pelo amor dos meus filhinhos..." Marta Suplicy, prócer do petismo e autora da frase vanguardista-freudiana sobre a situação dos aeroportos brasileiros da era Lula, o internacionalmente famoso "relaxa e goza" e, até há pouquinho, ministra da atual presidente, deu lições de moral política ao governo ao qual serviu e disfarçou por meio de botox léxico-gramatical as suas próprias origens, ações e reputação política. Fôssemos da subespécie dos mamíferos perissodáctilos equus africanus asinus, o popular burro, acreditaríamos nas intenções generosas de Marta, candidata à prefeitura paulistana. Não paramos por aqui: imortal José Sarney - ele mesmo, o maior maribondo de fogo da Nova República - saiu na defesa de sua filhinha Roseana. Ela merece, pois que não sobreviveria sequer por um dia na penitenciária de Pedrinhas de São Luís, instalação que faz jus à medieval masmorra. No noticiário, Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional, tentou embolar o meio de campo, esqueceu de suas origens coloridas, seus pagamentos obscuros à amante por meio de empreiteira e os voos "oficiais" com aviões da FAB para recuperar as suas madeixas perdidas ao longo do tempo em visitas a seu médico capilar. Eduardo Cunha, aquele que voou o Brasil inteiro com aviões da JBS para fazer campanha para a presidência da Câmara dos Deputados, ameaça com retaliações políticas ao governo central. Atinge o governo cravando retaliações que também atingem a testa do povo, do qual a sua Casa, preside. Tudo isto me pareceu maluco, mas não tinha acabado: veio o cair da noite do domingo e a presidente da República foi à TV para fazer um discurso absolutamente desfocado, defensivo e sem inteligência emocional ou política. A classe média mandou ver na panela e fez um som e uma imagem transmitidos pela GloboNews. A presidente pronunciou um discurso pífio para ouvidos moucos. Visto o cenário, é quase certo que "não existe pecado abaixo do Equador". Toda a América Latina, México abaixo, está num momento em que explodem denúncias de corrupção. Por aqui não há novidade. Os fatos, ora conhecidos, já eram, de fato, "conhecidos", não é mesmo? Parece-me que estamos mesmo dispostos a chegar às portas do inferno de Dante antes de acordarmos e combatermos os verdadeiros problemas nacionais. Isso, que esteja claro, não quer dizer que devamos esquecer o que estamos a assistir. Ao contrário: que os culpados pelos desmandos, crimes e falta de ética pública sejam punidos e os recursos roubados restituídos ao Estado, às estatais, ao povo. Alguma redenção cabe à res publica. Todavia, o que mais temo é o jogo não-cooperativo que destrói as possibilidades e potencialidades do país. A República parece perdida. A economia brasileira carece de correções importantes e profundas na sua condução. Os erros do passado foram obra de analfabetismo primário em matéria econômica. A teoria e a prática econômicas foram ofendidas sem sofisticação, com larga grosseria intelectual e de execução. Apesar de tudo não há uma situação calamitosa muito embora possa chegar lá! A situação é delicada: não precisamos engendrar uma recessão para "sanear" a má condução fiscal e monetária do passado recente. O déficit externo pode ser corrigido pela desvalorização cambial em curso e, estruturalmente e mais relevante, por uma política de industrialização que a médio prazo recoloque o país na estrada da competitividade. O pacote tributário proposto pelo governo é condição necessária, mas requererá reformas mais profundas com vistas ao desenvolvimento, esta condição suficiente para o progresso social. O cenário atual deveria ser uma espécie de alavanca para a formação de consenso mínimo das forças políticas, econômicas e sociais para que saiamos mais fortes desta crise de governabilidade. A tarefa é possível e somente será mais provável se o que antigamente era chamado de "homens de bem" saírem de sua timidez e começarem a dar propulsão ao debate verdadeiro sobre políticas que engendrem transformações políticas, sociais e econômicas. Precisamos sair da armadilha atual do "narciso ao contrário que cospe na própria imagem" para a formação de uma plataforma mínima de reformas. Diante do dissenso absoluto, um consenso republicano mínimo. É certo que nos falta liderança e coragem para tal missão. Todavia, cabe perguntar: não há dentre as instituições civis brasileiras nenhuma possibilidade de se formar a força-motriz capaz de nos tirar do caminho do vale-tudo atual? Onde está a universidade brasileira? Onde estão as organizações da sociedade civil, a CNBB, a OAB, a ABI, a FIESP, os sindicatos? E os bons políticos, não existem? Não é possível a pauta republicana? A presidente da República não vai tomar nenhuma iniciativa corajosa e profunda para reformar o país? Vamos continuar assistindo a tudo de forma passiva? Temos de ir ao pior para pensarmos no melhor? Neste contexto, as passeatas do dia 13 e dia 15 próximos parecem esconder as verdadeiras necessidades do momento. De um lado, os governistas PT/CUT/MST et caterva querem criar um cenário ideologicamente marcante para se confrontar ao sentimento que se generaliza, o descrédito no governo e nas instituições. De outro lado, as forças silenciosas, juntamente com a pálida oposição política formal, vão as ruas a gritar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, eleita há pouco mais de cinco meses, para criar o fato político que tende a esconder os nossos verdadeiros problemas e dilemas. Nada disso se constitui em cenário promissor. Fosse o Brasil uma tribo indígena, parece-me que seria a hora de chamar os "sábios da aldeia" que pudessem olhar para os problemas com os olhos voltados para o futuro e com a experiência do passado. O Brasil merece mais que esta calamidade sem fim que muitos creem ser útil aos inconfessáveis interesses privados, cujo proselitismo enganoso prega como se público fosse.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Previsão sobre a Lava Jato

A reunião de riscos políticos e econômicos no Brasil deixa evidente que a capacidade de se fazer previsões parece cada vez mais reduzida. Estamos diante de um esvaziamento material das instituições o qual foi construído desde a "refundação" constitucional de 1988. Se, de um lado, a nova Constituição permitiu a incorporação ideológica das novas demandas políticas, sociais e econômicas pós-regime militar, de outro a concretude das previsões constitucionais acabou esbarrando na incapacidade política e econômica em transmutar aquelas ideias em ações capazes de levar o país a um outro patamar. Aqui não cabe examinar aspectos particulares que foram positivos, mas de constatar que, na largueza do conjunto, o país "não sai do lugar" quando examinamos as evidências cristalinas. Vejamos. A economia vive há 30 anos um processo de "voo de galinha". Sistematicamente, a taxa de investimento carece de tração e os ciclos conjunturais, quando favoráveis, não produzem as tais reformas estruturais. O Brasil perdeu a competitividade internacional no campo industrial e tecnológico e está ameaçado de perder inclusive a sua capacidade de ser um fornecedor de commodities habilitado a criar poupança capaz de alavancar outros setores. A crise financeira do país combina um federalismo falido e uma estrutura de tributação que retira sistemicamente a capacidade de atrair investimentos. O endividamento do setor público, aparentemente nem tão calamitoso (65% do PIB), transfere 5% do PIB para o pagamento de juros - a Grécia, tão comentada na mídia mundial, transfere 4,7% de seu PIB. Somos um país com baixa produtividade, muito marcado por níveis deploráveis de educação e que já atingiu uma dinâmica demográfica de país rico, sem que tenhamos nos aproximado minimamente desta condição. Na política a ascensão do PT ao poder foi saudada como se fosse a completude de um processo verdadeiramente democrático no qual todos os segmentos sociais poderiam subir a rampa do Palácio do Planalto. O presidente Lula da Silva encarnou o sinal de que, até mesmo, um radical de outrora seria um conservador no exercício da governança. Isto seria a glória da democracia brasileira, aparentemente inclusiva, mas de fato, uma ficção. O que se viu é que as práticas seculares da política brasileira não se alteraram. Ao contrário, até mesmo se acentuaram: até parece que à esquerda só faltava o acesso à "boquinha" das elites. A formação das maiorias congressuais no âmbito federal e nas assembleias estaduais e municipais é de natureza instável, e a sua construção ruborizaria Maquiavel, fosse ele vivo e convivente deste país abaixo do Equador. Os partidos políticos são ridiculamente pouco representativos e financiados, sem exceção, pelas mesmas fontes impuras que não parecem muito críveis quando a matéria é a res publica. No campo social, a distância entre o texto constitucional e as transformações esperadas neste item é risível. Nem cabe ser muito extensivo nos exemplos. A curiosa visita dos interessados às escolas públicas e aos hospitais que servem a enorme maioria da população brasileira já evidenciaria o abismo entre a Carta Maior e o que de fato ocorre. Ademais, das megalópoles até as cidades médias brasileiras, todas claudicam em termos de mobilidade urbana, habitação e segurança - estamos estre os campeões mundiais de homicídios. Há décadas os programas sociais servem como escudo eleitoral, sem que se apure a sua eficiência em relação aos objetivos centrais do país e aos próprios objetivos dos programas. Desde a ascensão do PT ao poder, tais programas adquiririam um corte ideológico que escamoteia ainda mais o debate sobre estes. Sobram "bolsas" (Família, Escola, Ciência sem Fronteiras, etc.) e programas (destacadamente o "Minha Casa, Minha Vida"), mas não se sabe aonde se vai chegar. Em poucos dias veremos a hecatombe da "Operação Lava Jato". Há muitas possibilidades de se analisar este fato. Creio que quase todas as suas faces já foram exploradas pela e na mídia. O que não se sabe é se a crise que está em vigência será capaz de alterar o cenário estrutural do país. Deveria. Esta crise não é tão imprevisível como faz pensar a maioria dos analistas de plantão. Ao contrário: estamos no campo da normalidade mais previsível. Trata-se do amálgama de toda a situação estrutural do país. Esta dezena de empreiteiros presos são os "ilegítimos representantes do Estado da União". É claro que eles não são todos os canalhas do país, daí o título pouco honorífico de "representantes ilegítimos", pois não há Letra Constitucional que os garanta à condição de representantes dada a falta de eleição com tal fito. Todavia, sem as vestes ideológicas do "Estado Democrático de Direito" são este tipo de gente, juntamente com seus comparsas federais, estaduais e municipais, que levaram à situação na qual o Brasil está mergulhado. São eles que são os Donos do Poder, em carne e osso, diria Raymundo Faoro. Mais uma vez o país terá a chance de refundar a sua história. Neste sentido, fazer a previsão sobre o tema é fácil. Se nada acontecer, estamos vendo o futuro. Se o país for capaz de se mobilizar para mudar a situação na direção do que ideologicamente consta na Constituição, o futuro é promissor.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Sua propina, nossa vida

Pode-se apontar muitas causas para a corrupção, mas estas são substancialmente mais incertas frente aos seus efeitos. Desde fatores culturais até a fragilidade das instituições dos Estados nacionais há uma gama multiforme de origens da corrupção. Neste campo de suas origens arqueológicas, modernamente a sociologia política e a antropologia tem sido relativamente eficazes em construir o porquê das relações entre corruptores e corruptos, mesmo que do ponto de vista econômico a sua avaliação seja mais difícil. Em todo caso, é a estrutura do Estado, baseada em determinada Ordem Jurídica que determina a eficiência em detectar e punir a corrupção. Estados mais frágeis são mais vulneráveis à ação daqueles que corrompem e são corrompidos. O que vulgarmente é chamado de "país corrupto" de fato significa "Estado fraco frente à corrupção". A natureza humana parece sujeita à tentação de se apropriar daquilo que é comum ou "do outro". Já os efeitos da corrupção, estes tomam formas conhecidas e sujeitas à investigação científica o que permite que se construa alternativas preventivas e punitivas para esta atividade criminosa. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) lista alguns dos efeitos mais visíveis da corrupção: (a) Aumento do custo de se fazer negócios, estimado em média em 10% por estudos promovidos pelo World Economic Forum; (b) Devastação ou ineficiência do uso dos recursos públicos vez que a alocação de recursos dentro do sistema econômico acaba corroído por um processo decisório que não contempla plenamente critérios de eficiência econômica e social. Estima-se que países corruptos tem mortalidade infantil na média 30% superior a países com baixo nível de corrupção, a mortalidade infantil é duas vezes mais alta e a evasão estudantil chega a ser cinco vezes maior (Grupta e outros, 2001). Estima-se que ¼ do PIB dos países africanos sejam destinados à corrupção, algo em torno de US$ 150 bilhões. Mesmo nos EUA, programas de saúde governamentais perdem entre 5% e 10% de seus recursos para corruptos; (c) Exclusão dos mais pobres dos serviços públicos e perpetuação da pobreza: o Banco Mundial estimou em 2005 que entre 20%-40% dos programas sociais de países em desenvolvimento são desviados para "paraísos fiscais". Todos estes efeitos, como facilmente pode-se observar, acabam por contribuir para a desmoralização do Estado Democrático e Social de Direito, tornando os processos políticos (eleições, votações legislativas, julgamentos no Judiciário, seleção de projetos no Executivo, etc.) ilegítimos e pouco críveis. A população dos países passa a acreditar que a política tem por único objetivo surrupiar os recursos públicos e preservar o poderio econômico das classes superiores o que perpetua a desigualdade social. As eleições, em particular, e a democracia, em geral, são vistas como mero processo formal da política, sem que exista intrinsecamente significação material (do ponto de vista político-jurídico-econômico). Dois estudiosos (Kaufman-Mastruzzi) estimaram em 2012 que a corrupção global deve gravitar em torno de USD 1,2 trilhão, o que significa algo como 2% do PIB global, estimado em USD 58 trilhões. Estudos das Nações Unidas, estimam que a corrupção e seus derivados criminais (evasão tributária, por exemplo) são da ordem de USD 1,0 até 1,6 trilhão (número próximo de Kaufman-Mastruzzi). Nos últimos 15 anos (encerrados em 2012) apenas USD 5,0 bilhões foram recuperados pelas autoridades responsáveis pela repressão das atividades ilícitas, valor irrisório frente aos desvios estimados. Isso espelha a enorme dificuldade das instituições estatais em fazer valer a punição, mesmo quando os fatos ensejam a importância da corrupção como elemento mitigador da eficiência econômica e jurídica. Por outro lado, fica claro que a atividade preventiva, baseada em sistemas de checks and balances do Estado, bem como um amplo programa de educação, é mais eficaz para nortear as políticas públicas em relação ao assunto. No campo internacional as iniciativas são muitas e relativamente recentes - basicamente intensificadas nas últimas duas décadas. No âmbito das Nações Unidas destaca-se o UNCAC (United Nations Convention Against Corruption), com 140 países signatários. Tal tratado abrangeu compromissos nas áreas de criminalização e punição legal, cooperação internacional, recuperação de ativos e troca de informações (assistência técnica). O Banco Mundial e sua subsidiária IFC tem feito estudos sobre o assunto e recomendado governos e empresas que são financiados pela entidade multilateral a respeito do tema. A mesma atividade, desta feita no âmbito das empresas privadas, tem sido feita pelo CIPE - Center for International Private Enterprise e pelo CREATe - Center for Responsible Enterprise and Trade. Já no caso da OCDE, as atividades anticorrupção tem sido intensificadas, principalmente após a edição da "Convenção de Combate à Propina de Agentes Públicos nos Negócios e Transações internacionais". Tal Convenção foi assinada por mais de 75% dos países da OCDE, assim como seis países não-membros. Desta Convenção, da qual o Brasil é signatário, decorreram as obrigações e medidas que foram abrangidas pela Lei Anticorrupção do Brasil (lei 12.846/13) que alguns juristas insistem em dizer que "não está em vigor por falta de regulamentação" o que é completo absurdo. A Organização dos Estados Americanos (OEA), a União Africana, o World Economic Forum e a Transparência Internacional (com mais de 100 capítulos nacionais) também estão dentre as organizações que abarcam as atividades de criminalização, law enforcement, cooperação técnica e judicial e de estudos sobre o tema. Como se vê a relevância da corrupção do ponto de vista político, legal e econômico (Politics & Law & Economics) demonstram a necessidade de um Estado com atividade holística na prevenção, punição e recuperação de recursos desviados. Todavia, nem diante de todas estes sinais e constatações, a atual administração da presidente Dilma Rousseff parece inclinada a mudar a sua atuação diante do escandaloso caso da Petrobras. Um erro grosseiro e descabido. A corrupção na estatal brasileira alcança visibilidade jamais vista na história republicana do Brasil. Possivelmente, desvios como os que estão sendo espantosa e paulatinamente verificados na Petrobras, já tenham ocorrido. A presidente da República tem a oportunidade histórica de tornar o caso um novo paradigma de comportamento político-institucional perante a corrupção. A alocação de recursos da empresa sofreu impacto significativo de ineficiência econômica, além de colocar às escâncaras as relações nefastas entre os interesses privados e públicos. Ali, na Petrobras, está a prova mais evidente da repercussão que a corrupção tem no sistema econômico, legal e político. O acanhamento presidencial diante dos fatos é assustador. Esperava-se da presidente um empenho institucional para que este caso não se repita. Para isto nos parece que a primeira mandatária do Brasil deveria garantir apuração extrajudicial cristalina por meio, dentre outras medidas, de uma renovada governança corporativa da empresa. Preferiu a presidente nomear uma equipe absolutamente dependente do ponto de vista político. Ora, aqui não se trata de saber se aqueles que assumem são honestos ou não. Se trata, isto sim, de adotar as práticas, as políticas, as punições e as medidas de saneamento e recuperação dos recursos desviados pela vasta corrupção nos melhores moldes que os Tratados e Convenções Internacionais recomendam. Além disso, a própria legislação brasileira precisa ser valorizada, tornando-a enforceable. Ainda não se sabe ao certo as razões para tanta cegueira presidencial. Desconfia-se que a presidente ainda trata este processo na estreita avaliação de que é "preciso" controlá-lo. Ao que parece, nem os dados, fatos, realidade, legislação, estudos, evidências empíricas, os quais ilustramos de passagem neste artigo, são capazes de iluminar a mente presidencial para perceber que é preciso introduzir medidas radicais mediante os problemas gravíssimos da Petrobras os quais não devem ser os únicos dentro e fora o Estado brasileiro. O problema é geral e urgente. Presidente, a propina de alguns, não pode prejudicar a vida de todos! Simples assim.
terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Haverá crise institucional?

Depois da redemocratização do Brasil que ocorreu de fato com a finalização dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte em 1988 e a posterior eleição direta presidencial em 1989/1990, as instituições brasileiras amadureceram e hoje são consideradas como "sólidas" pela elite brasileira. Verdadeiramente, quando se fala de "instituições" há referência genérica ao pleno funcionamento do "Estado Democrático de Direito", conceito extremamente relevante, mas muito facetado, pois abarca o funcionamento regular dos três poderes, a obediência ao regime ao ordenamento jurídico por todos, incluso o Estado, a estabilidade social e o respeito ao pacto federativo, dentre tantos aspectos. O Brasil desde 1988 não sofreu, a bem da verdade, nenhuma crise que colocasse as instituições sob a possibilidade, mesmo que teórica, de que as instituições não funcionassem segundo a previsão constitucional. Nem mesmo a grosseira retenção dos ativos financeiros quando da edição do tal Plano Collor atentou sobremaneira o regime constitucional. Os outros planos econômicos do período foram menos agressivos em relação aos direitos constitucionais (os quais foram protegidos pelo funcionamento dos poderes, especialmente o Judiciário). O impeachment do presidente Collor de Mello também foi feito pacificamente. As reformas parciais da Constituição de 1988 e o vasto plano de privatização do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso também funcionaram bem no que tange à estabilidade institucional do Brasil. Apesar da instabilidade institucional ser de "interesse geral", o debate sobre o tema tem sido feito com pouca profusão na mídia, mesmo pela Academia, a qual deveria exercer o seu papel "crítico e de reflexão" para a sociedade. Todavia, o que se verifica é que este debate já ocorre dentro das cúpulas das empresas, apenas para citar um segmento relevante. Não são poucos os analistas da política brasileira que têm sido questionados a respeito do grau de uma "ruptura institucional". Pelas informações que dispomos, alguns respondem de forma muito abstrata valorizando a fortaleza das nossas instituições. Outros aguçam as dúvidas, "deixando no ar" a possibilidade da "ruptura", quiçá como "provável". Parece-nos que o desenrolar dos fatos econômicos e políticos ensejam uma análise bem cuidadosa sobre a possibilidade de uma crise política de enorme repercussão. É claro que não se pode afirmar categoricamente que isto poderá levar a uma crise institucional. De outro lado, não se pode descartar tal hipótese. Vejamos alguns fatos e aspectos que adicionam substancial insegurança ao cenário brasileiro: 1) A eleição da presidente Dilma Rousseff foi legítima sob o ponto de vista estritamente constitucional, mas a oposição e vastas parcelas da opinião pública e dos "formadores de opinião" tem questionado a legitimidade "política". Este questionamento decorre do fato (verdadeiro) de que a vitória da presidente foi obtida por pequena margem de votos, bem como da incongruência entre as medidas iniciais de sua nova administração e a sua pregação prosélita da campanha; 2) A base de apoio da presidente no Congresso está esgarçada, seja pela luta dos partidos por espaços no governo, seja em função da luta pelo poder dentro do Legislativo pelas "forças aliadas", desde as comissões legislativas até a eleição da Câmara dos deputados; 3) O PT, principal partido da coalizão e do qual a presidente é filiada, está adicionando riscos ao cenário ao propugnar por mais cargos e por atacar, veladamente ou não, a política econômica do governo; 4) O ex-presidente Lula, seja pelo seu interesse na próxima eleição, seja por outros interesses inconfessáveis, está atraindo para si "movimentos sociais", sindicatos e algumas parcelas de poder político, que colocam em dúvida o seu apoio pessoal e do PT à presidente; 5) A classe política, especialmente o Congresso Nacional, é vista pelos seus próprios eleitores (o que é um paradoxo!) como desinteressada dos assuntos públicos. De fato, a política está infestada de corrupção, lobbies, interesses menores e meramente elitorais, etc. Todavia, a política é absolutamnte necessária para as transformações do país; 6) As denúncias de corrupção na Petrobras trouxeram efeitos inéditos e inesperados, pois evidenciou não somente os beneficiados, mas os financiadores da corrupção; 7) Os financiadores da corrupção política são importantes players econômicos, pois se tratam de empreiteiras que atuam nas principais obras do país e nos projetos da Petrobras. Isto pode prejudicar o crescimento, mesmo que seja justo que tais empresas sejam punidas exemplarmente; 8) A seca no Sudeste e suas consequências no fornecimento de água e energia elétrica, é inédita. Os efeitos não serão apenas econômicos como no "apagão" do governo FHC, mas sociais e psicossociais. Suas consequências políticas são absolutamente imprevisíveis; 9) O Brasil viverá a primeira recessão depois da mais importante incorporação de "novos consumidores" da história republicana, dentro de um ambiente democrático. Os efeitos de uma possível recessão sobre as classes mais pobres serão fundamentais para o governo Dilma; 10) As medidas econômicas lançadas pelo governo por meio de seu ministro da Fazenda (considerado "tucano") terão efeitos recessivos importantes no curto e, quiçá, no médio prazo (dois anos). A presidente parece distante deste processo. Não tem sido vista a frente da divulgação das medidas; 11) O Brasil simplesmente saiu da pauta dos investidores internacionais e assim deve permanecer, talvez por alguns anos; 12) Os problemas estruturais da economia brasileira, no que tange ao desenvolvimento e não somente em relação ao "crescimento" não podem ser solucionados dentro da atual estrutura política. Há incompatibilidade absoluta entre a manutenção do federalismo contido na Constituição, o sistema tributário (tributos e isenções), os gastos orçamentários, o sistema previdenciário, etc., e o sistema presidencialista de "coalizão". As reformas não são apenas mitigadas; simplesmente são impossíveis de serem implementadas; 13) As metrópoles brasileiras, formadas por processos de conurbação desordenada se tornaram altamente demandantes de recursos humanos e financeiros incompatíveis com a sua capacidade orçamentária, seu endividamento e qualidade gerencial. Os problemas de criminalidade, saúde e transporte público elevam sobremaneira as tensões sociais as quais podem se tornar incontroláveis; 14) O Brasil se tornou cronicamente deseducado. Não apenas as classes mais pobres são afetadas pela ignorância, mas parcelas importantes da classe média. Além dos problemas sociais e econômicos sistêmicos que decorrem deste fato, do ponto de vista político há baixa compreensão popular sobre o processo político. Desta forma, as "revoltas" sociais não encontram respaldo institucional suficiente para que as soluções possam fluir; 15) A classe média mais educada, somadas a classe de renda mais elevada, são francamente opositoras ao atual governo. A mídia mais importante do país está verbalizando, de forma crescente, este descontentamento. Poderíamos ampliar ainda mais a lista de riscos à estabilidade, não apenas do ponto de vista conjuntural, mas também institucional. Obviamente, não estamos traçando prognósticos. Apenas estamos reconhecendo que essa "lista" tem potencial de proporcionar riscos muito além das variáveis usuais da política econômica, social e da ação política do Poder Estatal. Não podem apenas ser subestimadas das avaliações que os agentes fazem de seus interesses. Deveriam ser objeto de debates públicos da classe política, das associações, da Academia, da mídia e assim por diante. Há quem tema protagonizar este debate para não parecer "profeta do apocalipse" ou "conspirador". Nada mais enganoso e falso. O Brasil está vivendo uma tensão latente e perigosa. O debate aberto sob as luzes da democracia é o melhor meio para se evitar processos de rupturas institucionais. É melhor questionar publicamente sobre a solidez das instituições brasileiras que se defrontar com uma crise, digamos, de verdade.
terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O ópio da "ciência" toma conta de Brasília

Em seu marcante livro "O Ópio dos Intelectuais" (1955) naquela marcada época, o filósofo e jornalista Raymond Aron (1905-1983) se perguntava sobre o porquê do marxismo ter se mantido tão popular dentre a intelectualidade francesa (e mundial, diria eu) quando já havia tanta evidência de que a rota capitalista não seguiria conforme a previsão do velho barbudo. A conclusão de Aron é lapidar: já nos anos 1950 o marxismo provava-se como falsa ciência, mas ingressava no campo da ideologia, a "política em ação" para tomar o poder, tornando-se para a intelectualidade o seu ópio. Se para Marx a religião era o "ópio do povo", para Aron o marxismo era o ópio da intelectualidade. Uma sentença como a de Aron nos anos 50 do século XX, ainda mais na França, era de uma coragem e tanto. Não precisamos regredir à queda do muro de Berlim para verificarmos que o fracasso aparente vislumbrado por Aron chegou à categoria de "mais que evidente" a partir dos anos 1990. Ocorre que o tempo passa e com certa rapidez hordas de intelectuais e "formadores de opinião" acabam por adotar modelos, utopias, ideologias ou coisa semelhante sobre os quais já não repousam dúvidas ou críticas. Todos, e não somente a chamada "esquerda", ficam novamente inebriados pelo ópio que Raymond Aron identificou no marxismo. Nos tempos atuais, a Política (com "p" maiúsculo) é metodologicamente separada da economia e do direito, como se as raízes destas últimas não estivessem deitadas no próprio fenômeno humano que forjou a Política. Por meio deste raciocínio funcional, a economia e o direito, insuladas da "influência" da Política, podem ser adstritos à qualidade de "ciências" com objeto e métodos correspondentes que lhes dão um sabor de perfeição ou, se preferirem, état de l'art. O isolamento da Política, enquanto elemento norteador da economia e do direito tem consequências bastante visíveis, como a rejeição aos naturais e essenciais choques entre visões contrárias, bem como o esvaziamento dos processos políticos materiais os quais apenas sobrevivem enquanto conceito formal. Com efeito, os diagnósticos e as políticas (aqui com "p" minúsculo) voltadas para a economia, o mercado, bem como a correspondente ordem jurídica decorrente, tem de obedecer a arquétipos e modelos verdadeiramente incontestáveis com o objetivo de liberar a expansão econômica capitalista no sentido do infinito. Nada pode se opor a este processo, sob pena de ser rechaçado "cientificamente" pela intelectualidade e pelos "formadores de opinião" ou pelo "mercado". Eis o novo ópio à solta. Senão, vejamos o que está a ocorrer na inauguração de 2015 no nosso país. A nova administração da presidente Dilma Rousseff nasceu com a revitalização da "velha política". Incluiu-se aí todas as mazelas conhecidas da politicalha brasileira, bem como, diga-se em voz alta, a atração para a seara do governo petista da nova equipe da Fazenda e do Planejamento que desembarcou em Brasília com ares restauradores da ordem econômica. De fato, há de se reconhecer que ajustes são mais que necessários, não propriamente porque tenhamos algo de errado que seja, ao mesmo tempo "novo", mas muito mais em função da inconsistência básica da política anterior em função de "velhos" erros. Na gestão Dilma I não se obedeceu a uma lógica básica das identidades das principais equações econômicas, sobretudo em relação àquelas relativas à frouxidão fiscal concomitante à queda dos juros. Adicione-se a esta inequação um déficit cambial cavalar da ordem de US$ 85 bilhões/ano. Ora, neste contexto não seria de se esperar uma queda da inflação, mesmo com todas as tentativas de despistes via controle de preços. A questão da frouxidão fiscal ainda contou com a grave ausência de transparência dos gastos e investimentos, maquiados à sombra das noites mal dormidas do ex-secretário do Tesouro de Dilma I. Como se vê, em tudo isso o que se vê é não apenas erros de política econômica, mais um pensamento e uma prática quase analfabeta na gestão da coisa pública e com evidentes intenções eleitorais. Agora, o cenário adquire outra coloração. Joaquim e seus Chigago caps retornam à Capital Federal para introduzir os valores científicos que faltaram no passado recente à economia e, com efeito, à ordem jurídica decorrente, sobretudo na área tributária. A correção do analfabetismo anterior se fará de diversas formas. No que diz respeito à finança pública a lógica é a do "equilíbrio". Feitos os cálculos chegou-se à conclusão de que 1,2% do PIB gera algum "equilíbrio". Há que se aceitar sem retruques ou contraditórios que a taxa de juros básica que gravitará ao redor dos 12,5% é perfeitamente adequada. "Cientificamente", o BC provará, por meio de seu conselho de sábios (o COPOM) que tudo está bem calculado nas planilhas. Além disso, o crescimento do PIB ao redor de zero e igualmente "cientificamente" previsto nas máquinas racionais da nova equipe econômica também está corretíssimo. Sendo o crescimento do PIB o multiplicador das receitas e, em alguns casos, das despesas, não se pode duvidar de que a conta está perfeita. Se houver saldo primário negativo (não apenas provável, mas quase certo!) se procurará com "mãos de tesoura" despesas a se cortar (não muitas porque o Congresso e a Constituição não deixam, que horror!) ou receitas a se engordar (muitas possibilidades, inclusive se puder contra legem). Note-se que a educação, prioridade manifesta de Dilma II já terá um corte de R$ 7 bilhões. Logicamente, a taxa de juros incidente sobre a dívida pública não pode ser investigada, pois os fatores não estão apenas absolutamente certos e adequados às "expectativas do mercado". Ou seja, a maior despesa do orçamento do Erário simplesmente não é passível de debate, inquietações, análises, contraditórios, etc. Se houver questionamentos da academia, do Congresso Nacional ou de outros quaisquer que pouco sabem sobre a "ciência econômica", haverá volatilidade no mercado financeiro, aqui e alhures e o país não resistirá à implacável lógica dos agentes econômicos em movimento de fuga. Com uma rapidez de cometa, passamos do analfabetismo econômico para o "estado da arte" da ciência. Por força das circunstâncias aponta a mídia e fim de papo. Aqueles que são cidadãos têm de se ajustar aos cortes das despesas - alguns cortes justos como dos critérios de concessão de benefícios previdenciários e outros duvidosos. Para atender às premissas científicas, Joaquim e seus Chicago caps aumentarão impostos, reintroduzirão outros (Cide, CPMF) e restringirão o financiamento ao investimento público. Contarão com amplo apoio da chamada elite, outrora fustigada pelo discurso eleitoral. Joaquim e seus Chicago caps não informaram se cotejaram "politicamente" despesas e receitas para estabelecer prioridades, como por exemplo, as isenções fiscais de certos setores abençoados (refiro-me não apenas à renúncia fiscal manteguiana), ou mesmo se consideraram a tributação de setores altamente beneficiados durante anos pelo seu status de oligopólio ou pelas receitas crescentes obtidas com o retorno "campeão mundial" da taxa de juros brasileira, como no caso da banca. A ciência de Joaquim e seus Chicago caps não pode ir tão longe, pois afinal isso seria "politizá-la" e isso os princípios epistemológicos e metodológicos da economia jamais permitem. Em meio a tudo isso, há que se ter um pouco de ideologia na ciência, pois que o ópio científico do momento, precisa de certo tempero intelectual. Neste sentido, Joaquim foi longe. Recorreu ao saudoso Raymundo Faoro e o seu magnífico Os Donos do Poder para informar à corte de Brasília e aos distintos cidadãos que a nova equipe econômica haverá de lutar pela purificação da esfera pública dos vícios privados. Eis a tarefa da revogação do renitente patrimonialismo brasileiro. Bem, observada a Política, o que vemos é a reedição do "presidencialismo de coalizão" que combina uma presidente liberta nas urnas e aprisionada no Congresso. A alforria, parcial e volátil ao humor dos políticos de plantão, é concedida por meio do loteamento meramente politiqueiro da administração do governo. Há surpresa nisso tudo? Fosse Aécio o presidente, seria diferente? Não bastasse o destino, há no governo eleito a estrita observância da regra geral de que, enquanto o tumor do "caso Petrobrás" não explodir, todos podem ser suspeitos da prática do verdadeiro esporte nacional, a corrupção. Dilma Rousseff até que tentou fazer melhor, mas o "regime" não deixa, não é mesmo? Ademais, como se pode conviver com a ideia republicana, representada pelo chamado Estado Democrático de Direito que limita a sociedade e um regime político de "presidencialismo de coalizão" que é parido por um jogo plutocrático que atrai recursos para os partidos políticos nas eleições? De duas uma: ou as coisas não combinam mesmo e isso tudo não passa de uma ideia meramente formal ou esta combinação é a representação verdadeira do que somos. Vale combinar hipóteses e criar outras tantas. Neste contexto, será curioso saber, do ponto de vista da Política qual será a contribuição de Joaquim e seus Chicago caps para o fim do patrimonialismo. Sobretudo, interessante será verificar se a racionalidade científica de suas medidas econômicas combinará com a separação do interesse público e privado nas esferas dos Donos do Poder os quais não pagarão as contas cortadas por suas "mãos de tesoura". Raymond Aron preconizava que a dúvida deveria ser o principal estímulo para os intelectuais e para os "formadores de opinião". É a incerteza e o conflito que a Política apazigua e dá racionalidade orgânica, baseada no jogo natural e legítimo dos interesses e pela saudável intervenção do Poder Estatal. A administração da economia e a ordem jurídica ganhariam muito se admitissem que a "ciência" destas decorre da Política e a racionalidade mecânica que se presume ter para preservar e melhorar a coisa pública não passa de um ópio que pressupõe uma ordem divina para a realidade humana (e brasileira). Estou cheio de dúvidas sobre a "ciência" que levaram no andor para a Cidade de Niemayer e Lúcio Costa. A burrice da política econômica de Dilma I não justifica o "caráter científico" de Dilma II na Fazenda, em meio a um detestável "presidencialismo de coalizão".
terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Brasil: Quo vadis?

Lembro-me de quando estava cursando Economia, no início dos oitenta, tínhamos uma excepcional esperança de que o Brasil pudesse dar um salto em termos de desenvolvimento econômico e social. Era o período final da ditadura militar e a academia nos ensinava que, a despeito de todos os atropelos políticos e a desigualdade social, o Brasil era o país de maior crescimento mundial no século XX (próximo do Japão) e o que mais rapidamente passou de uma economia rural para uma estrutura econômica diversificada e dinâmica. Duas palestras, por volta de 1982/83 me marcaram muito. Uma foi do quase centenário Eugênio Gudin, ministro da Fazenda de Café Filho (set/54 - abr/55), um liberal clássico odiado pela esquerda e que foi protagonista do debate histórico entre planejamento e liberalismo com Roberto Simonsen durante o Estado Novo. Ao final da palestra, Gudin, voz baixa, deu o fecho: "o Brasil foi a grande amante que tive, mas ela sempre me corneou". Marcante. A outra foi a palestra de um sociólogo, vestido com um deselegante capote de couro, que acabara de assumir uma vaga no Senado Federal. Fernando Henrique Cardoso era suplente do saudoso André Franco Montoro. Eleito governador, Montoro abandonara a cadeira do Senado e Cardoso ganhava a tribuna desejada. FHC pregou, naquela ocasião, contra um discurso liberal de Roberto Campos (1917-2001), também senador por Mato Grosso e discípulo de Gudin. FHC ironizava o liberalismo, Reagan (então presidente dos EUA), Thatcher (a Dama de Ferro inglesa) e considerava Roberto Campos "a voz" dos banqueiros. Defendeu, sem grande entusiasmo, um sindicalista-grevista vulgarmente chamado de Lula que na região do ABC paulista dizia coisas como "a dívida externa não deveria ser paga pelo país, mas pelos militares, pois foram eles que fizeram a dívida.". Soberbo. Outra coisa engraçada que fizemos na faculdade foi um sarau poético com versos de José Sarney, presidente do PDS, partido da ditadura militar, que em 1980 tinha sido eleito para a Academia Brasileira de Letras. Poeta sofrível, a ironia bastava a si mesma e aos goles de cerveja entre os versos que declamávamos em ritmo ébrio. Lixo de literatura. Interessante é que naquele contexto, apesar de tudo, erámos incrivelmente sorridentes e otimistas. A política era assunto nos bares, nas festas, além do futebol e, obviamente, as estudantes belas. Os anos passaram e verificamos que FHC é associado ao neoliberalismo, Lula é, segundo o próprio, uma "metamorfose ambulante", Sarney foi aliado dos dois e continua imortal (literalmente?). Todos ex-presidentes. Campos se foi e talvez somente a frase de Gudin prospere como verdade a ser investigada. Alguém poderá dizer que vencemos a inflação, o estrangulamento externo, etc. e tal. Bem, aqui estou a me referir a confiança intrínseca da nação em relação ao futuro e não propriamente a aspectos imediatos, conjunturais. Refiro-me aquele salto esperado por determinada geração que, quando olha para trás, vê que foi possível construir uma felicidade geral muito maior em relação aos seus pais e avós. Pude constatar isso, por exemplo, na China, no Japão, na Coréia do Sul e na Europa Meridional. No Brasil também assim foi entre os anos 50 e 80, relativamente ao início do século até os 50, apesar de todos os percalços. O momento atual não é inquietante em função dos riscos com os quais nos defrontamos. Está evidente que no primeiro mandato da presidente Dilma os erros foram básicos na condução da política econômica. A meu ver, mais que pontuais, tais como, a leniência com a inflação ou a frouxidão fiscal, faltou ao governo uma visão estratégica para conduzir a economia e o país. Simplesmente, as políticas não "fechavam": a taxa básica de juros caiu dramaticamente juntamente com a inundação de recursos públicos, o crédito do sistema financeiro estatal fluiu para setores arcaicos, a taxa de câmbio foi usada para combater a inflação no exato momento em que os preços das commodities despencaram e o consumo foi estimulado pela concessão de isenções tributárias neutralizadas pela carestia dos preços dos bens e serviços. Um verdadeiro show de inconsistências. Fica até difícil entender, mesmo se olharmos tudo isso num contexto eleitoreiro. No presente não me parece que a presidente dê um passo estrategicamente excepcional. Apenas recupera a racionalidade "razoável" se me permitem a agressão à língua de Camões. Chega a ser risonho que para isto tenha de chamar um trio agradável ao "mercado", esta entidade que nos comanda, a pitonisa de metáforas estranhas. O trio JAN (Joaquim, Alexandre e Nelson) promete colocar as coisas em ordem nos próximos dois anos. Interessante que feita a promessa subverte-se a lógica básica do próprio mercado: se a expectativa em relação ao governo tido anteriormente como "bolivariano" mudou, por que os agentes não se antecipam e investem e/ou consomem, e evitam a recessão/estagnação? Talvez as coisas não funcionem como pregam os analistas de plantão, não é mesmo? Quase unanimemente a mídia informa que crescimento econômico virá somente em 2017! Com sorte. Há, contudo, que se observar mais além. Vejamos o seguinte: se por um passe de mágica o trio JAN viesse a produzir imediatamente uma inflação de 3% ao ano, um equilíbrio das contas externas (com recuperação das exportações), zerasse o déficit público nominal e mantivesse o mercado laboral perto do pleno emprego, o Brasil estará realmente bem? De fato, creio que os problemas conjunturais do Brasil são relativamente diminutos e provocados em parte pela própria falta de tração do crescimento. Basta olharmos o que está a ocorrer na Europa, sobretudo na área meridional do Velho Continente. Além disso, com certo consenso político - nem precisamos de um "pacto" - várias reformas podem ser implementadas no âmbito fiscal, tributário, laboral e Federativo. A inflação para ser devolvida a um leito seguro depende muito mais da evolução de preços administrados que dos preços livres. Basta analisar isentamente os números recentes coletados pelos institutos de pesquisa econômica. Os problemas críticos do Brasil e que dependem de largo consenso social, além de inteligente crítica política e acadêmica, estão relacionados com a implementação de políticas permanentes de redução da desigualdade social, aumento da produção e produtividade industrial e inserção internacional do país no mundo. Pode ser que o Brasil aceite ser um país irrelevante, sem perspectivas e, eventualmente, "bem comportado", como o México. Seria triste, a meu ver, mas é uma escolha possível, quiçá provável. Depende da escolha de suas elites políticas e econômicas. No passado, quando eu estudava Economia, acreditávamos que podíamos ser melhores e, depois, mais longe ainda iríamos. Agora, o debate que encontramos na mídia é míope, imediato, sem horizontes. O trio JAN pode até satisfazer anseios "mercadistas", mas talvez não jogue luzes nas trilhas mais importantes e difíceis que o país teria de percorrer. Não conheço país mais cheio de possibilidades que o Brasil. Escrevo isso sem xenofobismo, mas com sinceridade intelectual. Aqui neste canto do mundo podemos encontrar muita esperança de construirmos algo que nos traga felicidade geral. Precisamos que a dinâmica da sociedade aberta não confunda a aparência dos discursos políticos com práticas opostas quando se chega ao poder como constatei desde os meus tempos de estudante de Economia. Neste final de 2014, próximo da abertura do novo ano, espero que o Brasil não seja aquela bela mulher que insiste em nos trair, como na sentença fatídica de Eugênio Gudin. Feliz Natal e um 2015 excelente, a despeito das previsões!
terça-feira, 25 de novembro de 2014

Duas notas sobre o novo governo

Ainda não temos a completa confirmação, mas, ao que parece, o trio da política econômica será formado pelos economistas Alexandre Tombini, mantido no BC, Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda e Nelson Barbosa, no Ministério do Planejamento. Há, ainda, definições em relação ao Ministério do Desenvolvimento (Armando Monteiro, ligado à CNI) e Ministério da Agricultura (Kátia Abreu). Observados estes nomes podemos tirar algumas conclusões que ordeno pontualmente: 1) Não se pode acusar a presidente da República de estar formando um ministério "bolivariano" como alguns mais inflamados chegaram a enunciar enquanto previsão; 2) Há evidente sinalização de que a nova administração de Dilma Rousseff se encaminhará no sentido de um ajuste em relação aos erros cometidos no primeiro mandato; 3) A principal correção, já amplificada por notícias na mídia, diz respeito ao ajuste fiscal, prioritário pelo que se sabe. Neste sentido, a presença de Joaquim Levy à frente da Fazenda é bastante sintomática vez que se trata de uma figura formada à luz de ajustes de contas públicas; 4) Nota-se que a presidente faz concessões à base política na medida em que tanto Kátia Abreu (ligada ao PMDB) quanto Armando Monteiro (ligado ao PTB e ex-candidato derrotado ao governo de Pernambuco) tem ativas atuações políticas no Congresso Nacional; 5) Além disso, a presidente procura se associar ao setor produtivo, pois ambos os indicados para a agricultura e desenvolvimento são líderes setoriais; 6) Dilma fez importante concessão aos setores conservadores ao tentar atrair para o governo (Fazenda) o presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabuco, apesar deste não ter aceitado; 7) Joaquim Levy também é nome que representa os interesses mais próximos do "mercado financeiro" e, em menor medida, "dos setores produtivos"; 8) Tanto Alexandre Tombini quanto Nelson Barbosa estão longe de ser nomes "heterodoxos" na condução das áreas monetária e de orçamento; 9) Acredito que o tom menos "conservador" da presidente será dado na escolha do novo presidente do BNDES e das áreas sociais. Estamos diante de notícias positivas, mas é muito pouco provável que os agentes econômicos e a sociedade como um todo sejam receptivos apenas a um jogo de aparências. Todos terão de ver as primeiras ações da nova equipe econômica para verificar se as expectativas foram confirmadas - valerá a "Lei de São Tomé". Há um déficit de credibilidade do governo e a melhor coisa que ele faria neste momento seria reconhecer a sua existência. Assim, suas ações seriam encaradas como mais transparentes e compromissadas. De outro lado, temo que as soluções da atual equação econômica "torta" sejam apenas na direção da política fiscal e suas relações mais importantes (superávit em relação ao PIB, relação dívida/PIB, velocidade de crescimento de despesas e receitas, etc.). Apesar da extrema importância do tema, a questão econômica brasileira requer soluções mais amplas. No âmbito conjuntural ainda temos de resolver a questão do imenso déficit de conta corrente. Trata-se de um indicador insustentável no médio prazo (três anos). O real precisa ser desvalorizado (em termos reais), o que não é tarefa trivial, sem que se perca a competitividade da economia como um todo - as importações de bens de capital, neste sentido, são importantíssimas. É certo que a solução "final" do problema das contas em moeda forte do país passam pela remontagem do setor exportador brasileiro o qual foi dizimado pelo abuso das políticas cambiais dos governos FHC, Lula e Dilma para controlar a inflação. Se Dilma acertar no ajuste de seus erros crassos da primeira administração, restará a velha e conhecida questão da sustentação do crescimento. Estamos a tratar sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para o país. Parece uma questão "velha", mas de fato é apenas uma questão não resolvida. Todos os países que fizeram transições de países subdesenvolvidos para desenvolvidos tiveram modelos de desenvolvimento muito bem definidos no longo prazo - e.g. Japão e Coreia do Sul nas décadas mais recentes e a Europa Meridional (e.g. Itália e Espanha), há mais tempo. O Brasil precisa de uma revolução nas áreas de tecnologia e inovação, educação, regras laborais, etc. Creio que será difícil para a presidente encaminhar políticas no sentido de uma grande mudança de patamar do país em termos de padrão de desenvolvimento. A oportunidade foi perdida quando Dilma Rousseff errou em aspectos primários da política econômica. Agora vem o ajuste que felizmente ela parece ter escolhido. Todavia, é notável que a sociedade brasileira permanece imóvel sobre o debate a respeito de seu futuro no longo prazo. Muitas vezes os "formadores de opinião" se ocupam apenas de criticar o governo e se esquecem de ajudar a mobilizar a sociedade no sentido mais vital de sua existência que é o desenvolvimento integral do país com uma substancial redução da desigualdade. *** No momento, o aspecto mais preocupante para o futuro do governo Dilma é a solução da crise da Petrobras. Parece pouco provável que uma solução surja no curto prazo. Há várias complicações pela frente. São tantas que não cabe listá-las aqui. Vão das dificuldades políticas que advirão das investigações judiciais, sobretudo quando chegarem ao STF, até as questões legais e regulamentares, aqui e no exterior, sobre mercado de capitais, societárias e financeiras, além das criminais. A despeito desta perigosa teia na qual há vários implicados (e não somente o governo), Dilma Rousseff deveria tomar medidas que aumentem o poder de manobra da Petrobras e, com efeito, do governo. Isso passa necessariamente por uma radical mudança na gestão da empresa. Isso significa alteração no seu modelo de governança corporativa e de transparência que alterasse a desconfiança em relação aos negócios da empresa, bem como servisse de modelo para outras empresas estatais, notadamente as de capital aberto. Acredito que o governo tema que tais alterações lhe retirem flexibilidade (política?) para lidar com a crise. Fico imaginando que talvez a presidente prefira ter uma amiga na presidência da Petrobrás (Graça Foster) que um(a) profissional com quem tivesse menos intimidade pessoal e política. Num momento de crise ela deve, eventualmente, se sentir mais segura. Trata-se de um terrível engano, a meu ver. A Petrobras necessita ser protegida da sua própria crise. A empresa faz milhares de negócios por dia e tem de rolar um enorme endividamento. Além disso, sua base acionária, espalhada aqui e alhures requer elevado padrão de prestação de informações e confiança destas perante vastos públicos de investidores e credores, além da sociedade. Com efeito, se a Petrobrás continuar sem mudanças profundas, em breve, à crise atual se juntarão novas pressões de seus acionistas, credores, fornecedores, parceiros e, quiçá, até mesmo, seus funcionários. Se a presidente tomar a iniciativa e mudar radicalmente a gestão da empresa, dará um passo no sentido da solução estrutural dos problemas e evitará o espalhamento da crise em função de outras causas que não as denúncias de corrupção. A crise da estatal chegou a tal patamar que já há especulações sobre o tamanho dos ajustes patrimoniais que serão necessários ser feitos nas demonstrações financeiras dos últimos anos. Comenta-se no mercado local e internacional em uma bagatela ao redor de US$ 10-12 bilhões. Um ajuste desta magnitude é razão de sobra para ações judiciais de várias naturezas e para complicações na gestão financeira da empresa. Melhor agir agora que esperar. Esta não tem sido a forma de proceder do governo. Talvez seja melhor rever seus conceitos sobre o tema.
terça-feira, 11 de novembro de 2014

Três prioridades iniciais e uma permanente

Do meu ponto de vista não há, em princípio, nenhum impasse econômico à vista no Brasil. A despeito de todas e severas críticas que se possa fazer à política econômica, a situação com a qual nos defrontamos é delicada, mas de forma alguma é calamitosa ou trágica. A sociedade brasileira hoje está sofrendo pelos percalços e erros primários que foram cometidos durante o atual mandato da presidente da República. Faltou à administração Federal a sapiência em torno do ABC da política econômica, bem como a visão estratégica para identificar, planejar e implementar os projetos e planos que poderiam lançar o país em novo patamar de desenvolvimento. Isto, contudo, é história. Não podemos ficar preso a ela. Agora é preciso respeitar o novo contrato estabelecido entre o povo-eleitor e a nova mandatária do país. O jogo democrático é este e não é possível conspirar contra ele sem provocar mazelas maiores que a delicada situação que iremos enfrentar. A presidente Dilma tem todo o direito de mudar o curso de seu governo e, diria mais, deve fazê-lo. O presidente Fernando Henrique Cardoso mudou o regime cambial onze dias após o início de seu segundo mandato. Fez bem, a despeito do fato de que este erro estratégico ter custado o crescimento per capita nulo ao longo dos quatro anos derradeiros de sua passagem pela presidência da República. Não creio que se possa criticar a presidente pelas eventuais mudanças que venha a fazer. Restará a questão do proselitismo político a pregar o eventual "estelionato eleitoral". Aí, já estamos no vasto campo das possibilidades do discurso político com vistas aos projetos eleitorais futuros os quais não necessariamente se aliam com os interesses imediatos do país. Na área econômica, os três maiores desafios têm de ser encarados no curto prazo. Não há tempo a perder. O primeiro é a rápida reconstrução da confiança fiscal. Além do inerente efeito sobre o crédito do país, a obtenção de superávits primários é questão que ganhou contornos religiosos. Em questão de fé, é melhor rezar conforme a doutrina. Se quiser mudá-la, terá de ser por meio do convencimento político. Além disso, talvez a presidente tenha de afastar toda a equipe econômica associada às teses fiscais expansionistas e à tal da contabilidade criativa. A escolha de um ministro com credibilidade é tarefa essencial deste processo. O segundo tema a ser atacado no curto prazo diz respeito aos projetos de infraestrutura e às relações entre o setor público e o setor privado no que concerne a tais investimentos. Aqui a questão é bem mais complexa de vez que não diz respeito apenas à forma geral desta relação (mais ou menos intervencionista), mas sobretudo aos detalhes que compõem cada projeto. Parece-nos que, neste campo, há arroubos de todos os lados: o setor privado espera que o Estado se comporte como se empresa privada fosse e, do lado do Estado, vê-se a defesa de interesses corporativistas e/ou visões dogmáticas que desconfiam de tudo que é privado. O corolário momentâneo deste antagonismo é a relação pouco produtiva e, às vezes, recheada de corrupção e de acordos inconfessáveis. Precisamos, neste item, é construir uma estrutura jurídica que atenda equilibradamente a todos os interesses. Vale edificar um direito administrativo em prol do desenvolvimento. A partir de um novo marco jurídico poder-se-á pensar em avaliar com mais serenidade a questão da eficiência. Note-se que não é porque é privado que a eficiência é razoável. Basta ver, por exemplo, o que ocorre nas áreas de mobilidade urbana de centros importantes como Rio de Janeiro e São Paulo onde o desempenho do setor privado é sofrível. Como terceiro tema prioritário, parece-me que a questão do setor externo brasileiro. O déficit em conta corrente do Brasil é insustentável - US$ 80 bilhões por ano, mesmo com reservas externas elevadas, é um número cavalar. Além de colocar o real num patamar efetivamente competitivo, o governo terá de mudar a mentalidade "de importador" que o setor de comércio exterior adquiriu depois de mais de vinte anos de abusos na política de valorização do câmbio. Aqui caberá uma série de tarefas que sejam capazes de aumentar a competitividade do Brasil para produzir divisas em moeda forte. A palavra é desgastada, mas trata-se de uma política de substituição de importações que seja de sucesso. A Ásia é um exemplo a ser analisado - não a ser seguido ipsi litteris. É preciso perseguir metas microeconômicas e agregar conteúdo tecnológico - neste último item setores compostos por empresas menores podem contribuir para melhorar as exportações e qualificar a mão de obra, ao mesmo tempo. Creio que estas devem ser as três primeiras prioridades do governo. Outras questões tais quais a inflação, o setor elétrico e a administração da Petrobras, a meu ver, não necessitam de "novas políticas" ou de "grandes alterações" no que se refere à concepção básica do ponto de vista estratégico. Nestes casos, há que se fazer o que já se sabe, o que já se conhece, o que é necessário. Trata-se de aprofundar a ação, demitir pessoas, extirpar tumores, criar paradigmas de eficiência e comportamento. Por fim, há que se reconhecer que as "tarefas iniciais" que a nova administração terá de cumprir não são suficientes para engendrar um desenvolvimento que seja sustentável e, ao mesmo tempo, cumpra o papel distributivista que me parece necessário para que se cumpra a previsão constitucional. Neste caso, o Brasil tem de reaprender a ser inventivo, a criar novas Instituições sem se apegar necessariamente às construções já feitas no passado e aquelas que já foram fabricadas em outros países. O papel de um governante que quer ampliar o horizonte da Nação é o de construir novas Instituições que norteiem o desenvolvimento em bases que sejam compatíveis com os interesses, com a cultura, com os projetos e com a visão estratégica do povo. Há uma paralisia criativa no Brasil em relação a como podemos compatibilizar desenvolvimento econômico e social. Esta equação não será resolvida senão por meio de uma reflexão aprofundada dos temas essenciais da Nação sem as amarras mentais às quais parecemos ligados. A economia social de mercado da Alemanha Ocidental, ou o Estado do bem-estar da França, ou, ainda, o Federalismo norte-americano não foram pré-moldados. Foram tecidos em conformidade com o momento histórico e com os interesses estratégicos daquelas nações. Por que não podemos abrir as nossas mentes e pensar o Brasil em novos moldes? Ou será que estamos rendidos ao destino de permanecermos deitados em eterno berço (nem tanto) esplêndido?
terça-feira, 28 de outubro de 2014

O discurso da presidente

Encerrado o período eleitoral é preciso examinar os fatos políticos com mais acuidade observando os seus efetivos fundamentos e efeitos concretos sobre a política e a economia brasileira. Durante a campanha eleitoral o que era relevante eram os efeitos do discurso sobre o eleitorado. Muito embora saibamos que candidatos exageram (e muito) em suas "promessas", há que de se reconhecer que do ponto de vista programático, tanto Aécio Neves quanto Dilma Rousseff marcaram suas posições políticas e as diferenças fundamentais que contribuíram para a decisão soberana do eleitor na urna. Sobram comentários na mídia sobre o grau acentuado de agressividade da campanha de ambos os candidatos, bem como os métodos "duvidosos" de convencimento adotados a partir de uma estratégia de comunicação elaborada por "marqueteiros" muito bem remunerados. O fato é que não nos parece possível analisar e ponderar sobre os efeitos de tais agressões, mesmo porque houve equilíbrio entre as preferências dos eleitores em relação a cada candidato ao longo de toda a campanha de segundo turno com ligeiras variações ao mesmo tempo em que as agressões variaram de tom em graus bem variados. O primeiro fato político passível de análise mais concreta em relação ao futuro foi o discurso logo após a divulgação da vitória da presidente Dilma Rousseff na noite deste último domingo. Este foi recebido com enorme ceticismo o que pode ser medido pelas variações negativas do mercado financeiro local nesta segunda-feira (27/10). Até mesmo os formadores de opinião mais importantes da mídia reforçaram os aspectos negativos do pronunciamento presidencial. Alguns o consideram como sendo da "velha Dilma", ou seja, uma peça com conteúdo similar ao do passado recente. Não é consistente, portanto, com a expectativa de que o novo mandato contenha "novas ideias" ou uma "nova postura" da presidente. Sabe-se que os agentes econômicos se comportam conforme as expectativas. Melhores expectativas formam preços mais elevados dos ativos e contratos e vice-versa. No jargão de mercado costuma-se dizer que o "mercado sobe no boato e cai no fato" para indicar que é a expectativa que faz o preço variar, mesmo que o fato não seja "verdadeiro" a posteriori. Na política ocorre o inverso. O "fato político" produz a expectativa e, assim, criam-se as condições para que os agentes tomem um sentido, uma direção. Ao agente político é necessária a ponderação do momento e da vontade do povo, a acuidade com a direção a ser tomada e a vontade política em realizar a tarefa a tarefa proposta por ele mesmo e pelo governo. Pois bem: observados os aspectos delineados no parágrafo anterior não há razão objetiva para ser pessimista em relação ao discurso pronunciado pela presidente recém-reeleita. Isto tem de ser analisado sem a "contaminação" da campanha eleitoral ou com o voto deixado na urna eletrônica. Parece-me que a presidente fez um discurso muito relevante e que apontou aspectos importantíssimos de sua atuação a partir de agora. Vejamos. Inicialmente a presidente propugnou uma reforma política, desejo de boa parcela da elite brasileira e de segmentos vividamente interessados no futuro do país. Todos reconhecem que o denominado "presidencialismo de coalizão" não tem funcionado a contento. Nem para o tucano FHC, nem para Lula ou Dilma. Quiçá para qualquer presidente que não tenha maioria absoluta no Congresso Nacional. Apoiadores (deputados e senadores) se tornam chantagistas, propostas governamentais são mitigadas por negociações inconfessáveis, ministérios são loteados para se ter apoio político e assim por diante. Alguém considera isso uma situação razoável? Ora, uma reforma política é essencial. Ao propor um "plebiscito", necessariamente gestado no Congresso Nacional por força da Constituição, a presidente indica que a sociedade precisa se mobilizar, pois os políticos per se não tem o interesse de fazer tal reforma se não houver pressão de fora para dentro. O sistema partidário atual é um sistema de "negócios" e não apenas um sistema de representação. Isto tem de ser enfrentado. A presidente tem citado as propostas da CNBB e da OAB como referências no assunto. Esta pode não ser a melhor solução, mas não se pode deixar de levar em consideração tal proposta. Por que, neste tema, pensar que a presidente se refere a "bolivarização" do país? Qual a referência objetiva para tanto? O segundo tema levantado por Dilma Rousseff foi a corrupção. A presidente prometeu criar mais mecanismos de controle e punição para que corruptos sejam punidos e que o Estado seja protegido. Sem dúvida, este tema requer mais empenho de todos, especialmente do Executivo, liderado pela presidente da República. Até agora, contudo, Dilma Rousseff não esteve envolvida em nenhum fato que indique que ela seja desonesta ou corrupta. Ela foi citada por Alberto Youssef, o doleiro preso na "operação lava-jato" da Polícia Federal, mas ainda não há provas de que as afirmações daquele depoente sejam verdade. Cabe investigação dos fatos, sem dúvida. Todavia, não se pode levantar este fato contra a presidente e sua proposta. Mesmo porque o que foi discursado por ela ontem não contém nenhum absurdo. Ao contrário: é desejável e deve ser apoiado. Da mesma forma que a sociedade tem todo o direito de requerer e protestar contra os imensos desmandos que parecem ter ocorrido na maior estatal brasileira. A impunidade é inaceitável para qualquer um. Foi isso que afirmou a presidente e com isso é que devemos nos vincular. A favor da cidadania, diga-se. No campo econômico, a presidente se comprometeu com três temas sensíveis aos agentes econômicos: o controle da inflação, as metas fiscais e a retomada do crescimento econômico. Não houve detalhamento sobre como isto será conseguido o que é importantíssimo que seja feito com rapidez. Todavia, é importante que imediatamente após a eleição a presidente tenha se comprometido com assuntos tão relevantes, mesmo porque terá que tomar decisões no curto prazo ligadas a estes, sobretudo a substituição do atual Ministro da Fazenda. De toda a forma, a presidente mostrou-se aberta ao diálogo com as forças produtivas, sobretudo com o setor industrial e com aqueles que desejam fazer "parcerias" nos projetos governamentais. Trata-se de uma sinalização igualmente importante que também necessita de detalhamento posterior. Foi positivo que a presidente tenha informado a nação sobre tal tema tão logo tenha recebido o direito a um novo mandato. É claro que a presidente tem um déficit de credibilidade que precisa ser sanado e isso deve ser prioridade do governo. Este aspecto tem de ser acompanhado pelos agentes, mas sem o preconceito em relação à possibilidade do governo fazer as alterações de curso requeridas pela Nação. Aliás, na campanha eleitoral, o déficit de credibilidade da presidente nas questões econômicas ficou explícita e foi razão essencial para o seu fraco desempenho eleitoral. Afinal, a diferença entre ela e Aécio Neves em termos de votos foi muito estreito. Daí, a considerar irrelevante qualquer comprometimento político da presidente com os temas sensíveis da economia nacional, é outra coisa. Por fim, fosse o eleito o ex-governador mineiro Aécio Neves, seu primeiro pronunciamento também seria recebido com enorme desconfiança por aqueles que dependem dos programas sociais ou que são mais suscetíveis a estes. Ocorre que esta parcela da sociedade é menos influente no mercado financeiro e nos meios de comunicação. Com efeito, a repercussão negativa ou positiva do discurso seria menos visível aos olhos dos "analistas" e formadores de opinião. É preciso ter em mente este aspecto importantíssimo ao se avaliar a consistência de um discurso político pós-eleitoral como o pronunciado pela presidente Dilma Rousseff neste domingo. O discurso foi um fato político significativo. Apenas o primeiro que precisa de uma série deles para engajar a Nação em um novo momento que as urnas provaram ser urgente e necessário. 
terça-feira, 14 de outubro de 2014

Empresas de economia mista: hora de agir

A intervenção do Estado na economia e, particularmente, por meio das sociedades de economia mista, é globalmente um dos temas mais controversos das últimas décadas. Nas últimas administrações Federais, sobretudo na da presidente Dilma Rousseff, tal intervenção alcançou níveis acentuados e dentro de parâmetros inaceitáveis. A interferência política ganhou contornos dramáticos, seja em função da utilização das empresas estatais como instrumentos de execução de políticas econômicas, seja como meio de barganha política, por meio da indicação de diretores por políticos da denominada "base aliada". Floresceram os escândalos que dão conta de vasta rede de corrupção, sinal gritante de disfunções na gestão das empresas. De fato, ultrapassou-se o debate ideológico sobre o grau de intervenção estatal desejado e desejável na economia para um inaceitável parâmetro de condução da denominada "coisa pública". Note-se que este quadro sofrível não apenas conspira contra o soberano interesse público, mas atinge diretamente o interesse privado. Refiro-me especificamente aos acionistas não-controladores de tais empresas estatais. Estes sofreram o impacto direto das escolhas ideológicas do atual governo, bem como da má utilização dos recursos das empresas, sobretudo da Petrobras e das concessionárias do setor de energia elétrica. Os atrasos tarifários não se constituem em práticas estabilizadoras de preços, mas são meios artificiais de contenção da inflação que acabam por distorcer os denominados "preços relativos" (a relação entre si dos preços de bens e serviços). No tempo, tais distorções propagam incertezas sobre a política macroeconômica, sobretudo no que diz respeito à política monetária. O balizamento da taxa de juros primária pela autoridade monetária com o objetivo de manter a inflação no centro da meta de inflação passa a ser menos crível. Com efeito, os agentes especulam sobre os efeitos dos ajustes futuros das tarifas e sobre como agirá o BC. Assim, aumenta a volatilidade da curva de juros (que é formada pelas cotações das taxas de juros para cada data de vencimento dos títulos públicos e privados). Todo este quadro conspira contra a estabilidade da política econômica e das empresas estatais de forma imediata e intertemporal. Alguns juristas e economistas ligados à visão do atual governo tem levantado a tese de que o artigo 238 da Lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76) legitima a utilização das sociedades de economia mista para fins de política econômica. Reza este artigo que "a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação." O decreto-lei 200/1967, em seu artigo 5º, inciso III, informa que considera-se sociedade de economia mista, aquela "entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta". Esta redação, como se vê, obriga a que a entidade seja criada por lei, deixando claro que a maioria das ações com direito a voto pertençam ao Poder Público. Note-se que o "mas poderá" existente no artigo 238 da Lei das S.A. não autoriza, de forma alguma, que a administração da sociedade seja realizada em detrimento do objeto social da empresa de economia mista, notadamente no que se refere ao seu objetivo de obter retorno econômico favorável. De fato, este artigo realiza na lei a combinação equilibrada entre os objetivos públicos (contidos na lei que cria a sociedade de economia mista) e o legítimo objetivo privado de rentabilizar os seus investimentos, objetivo mais relevante para o setor privado. Ademais, o próprio artigo cita, de forma específica, os artigos 116 e 117 da lei 6.404/76 que tratam do abuso de poder por parte do acionista controlador. No artigo 116 define-se com clareza o que é "acionista controlador". O artigo 117 relaciona um rol de atos que se constituem em modalidades de abuso de poder por parte do acionista controlador. Tais atos, como claramente expresso no referido artigo, são passíveis de responsabilização do controlador. Note-se que o rol do 117 é exemplificativo e não poderia ser diferente, pois o exame do abuso de poder tem de ser feito com base em fatos que repercutem sobre as sociedades anônimas. Logo, o abuso de poder tem várias faces e não se pode descrevê-las completamente no artigo de lei. Vale acrescentar que se observarmos a discussão sobre o tema também do ponto de vista dos deveres dos administradores (deveres de diligência, de lealdade, de informar), bem como o tema dos conflitos de interesses, todos estes contidos nos artigos 155 a 157 da Lei das S.A., a proteção dos direitos dos acionistas está legalmente garantida, sejam dos controladores ou minoritários Não se pode imaginar que os artigos precedentes ou posteriores do artigo 238 sejam interpretados como subsidiários a qualquer lei que crie uma sociedade de economia mista. Não há nenhuma "zona cinzenta" que autorize que se faça interpretações extensivas sobre a relação entre a lei que cria uma sociedade de economia mista e a Lei das Sociedades Anônimas. Afora isso, é difícil imaginar que se crie uma sociedade de economia mista por meio de uma outra lei que legitime práticas abusivas aos interesses sociais da empresa criada. Quanto mais se poderia dizer quando, eventualmente, há corrupção e verdadeiras organizações criminosas funcionando em tais entidades. O que está a ocorrer no mercado brasileiro, especificamente nas principais empresas do mercado as quais são sociedades de economia mista, é uma verdadeira afronta à ordem legal. Não é possível justificar nem a política econômica realizada em evidente detrimento do interesse social que ordena e comanda a política econômica, nem os desmandos éticos e criminosos que são revelados por todos os lados. Cabe à administração das empresas tomar ciência dos fatos e defender os interesses das empresas e de seus acionistas. Cabe aos acionistas, ditos minoritários, agir no silêncio dos administradores. Cabe, sobretudo, aos órgãos reguladores agir para que os abusos registrados no mercado sejam sanados. Pouco foi feito em vista do muito que se vê ocorrer em termos de abusos em relação às empresas de economia mista brasileiras.
A introdução no âmbito da normatização nacional do IFRS (International Financial Reporting Standards) como padrão contábil brasileiro teve consequências substantivas no âmbito do Direito Societário brasileiro que hão de repercutir ao longo dos próximos anos. Seus efeitos ainda não foram completamente entendidos e entendidos pelos administradores das companhias, especialmente aquelas cujos valores mobiliários são negociados no mercado. As demonstrações financeiras serão espelhos mais fiéis da qualidade da administração e as informações prestadas estarão ainda mais vinculadas ao princípio geral de responsabilidade, previsto no Direito brasileiro, bem como às previsões específicas da Lei das Sociedades Anônimas. O objetivo deste artigo é analisar com brevidade alguns destes aspectos, notadamente no que se refere ao dever de diligência e ao dever de informar dos administradores das companhias. A adesão do Brasil a este novo padrão contábil se deu pela alteração da Lei da Sociedade Anônima (6.404/76) pelas leis 11.638/07 e 11.941/09 que incorporou o novo padrão internacional. Todavia, são os "Pronunciamentos Contábeis", emanados do Comitê de Pronunciamento Contábeis, liderado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e composto por diversas entidades ligadas ao mercado de capitais, aos profissionais de auditoria, às sociedades anônimas, aos analistas de investimento, aos profissionais de relações com os investidores, etc., que emitem normas que balizam a confecção das demonstrações financeiras das empresas. Trata-se do "estado da arte" da prestação de informações na medida em que privilegia-se "a essência econômica das transações sobre a sua forma legal" com o objetivo de se evitar que os ativos, passivos e as contas de resultados das empresas sejam "mascarados" por uma aparência que não reflita o seu significado econômico efetivo. Embora o tema da "essência sobre a forma" mereça muitos reparos de ordem técnica, seja teórica, seja prática, o certo é que o IFRS impõe uma imensa responsabilidade em termos de disclosure aos administradores das companhias, sobretudo às de capital aberto. Intrinsecamente, adiciona-se novas formas e novos ingredientes aos artigos da Seção IV da lei 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas. Trata-se da seção que trata dos deveres e responsabilidades dos administradores, notadamente, o dever de diligência, o dever de lealdade e o dever de informar. O dever de diligência dos administradores é extremamente difícil de ser conceituado e só pode ser observado diante de casos concretos, factuais. Trata, de fato, da forma pela qual um administrador conduz o negócio de uma empresa. A probidade e a prudência são observáveis e aferidas a partir da análise dos atos que o administrador incorre diante de um determinado fato da vida corporativa. O resultado econômico da empresa é um deles, mas não é o único e, neste caso, não é o mais importante, pois está a se verificar o comportamento do administrador para alcançar tal resultado. Assim, um resultado excepcional obtido por meio de operações altamente arriscadas pode ser considerado com uma infringência ao dever de prudência. No caso, não importa o lucro volumoso. O dever de diligência também relaciona-se com o dever que o administrador tem de estar informado. Logo, a confiabilidade das informações, bem como os seus efeitos sobre a situação patrimonial da empresa têm correspondência com o sistema contábil adotado. Sendo o IFRS um sistema contábil que privilegia a essência sobre a forma, a avaliação dos riscos e de seus correspondentes efeitos serão objetos não somente de uma análise gerencial, mas engendrarão um dever de informar. Logo, a diligência requer, ao mesmo tempo, a necessidade de o administrador ser informado por e para outros administradores, bem como saber o que informar para terceiros (por exemplo, os acionistas). Além disso, a confiabilidade das informações deve ser verificada, mesmo que não totalmente, por cada administrador, no limite das suas atribuições. Cabe lembrar que o IFRS não é apenas um padrão contábil, trata-se também de uma forma de "gestão contábil", ou seja, a forma pela qual os administradores refletem nas demonstrações financeiras as suas visões sobre as operações sociais. Isso vale tanto para o corpo interno da companhia (os outros administradores) como para os outros stakeholders (acionistas, credores, funcionários, etc.). A empresa é um corpo composto por vários órgãos e, destes, fluem, múltiplas e diversificadas informações que no seu conjunto formam um sistema de informações. Tal sistema pode ser gerencial (voltado para as decisões internas da empresa) ou contábeis (para os stakeholders). Tanto a natureza, os critérios e a forma de apresentação destas informações tem se aproximado ao longo das últimas décadas. O IFRS é uma espécie de corolário desta tendência. Do ponto de vista dos administradores, que têm funções específicas nas companhias, mas responsabilidades extensivas perante os seus acionistas, credores, funcionários, etc. a existência de um sistema contábil confiável é essencial. Eventuais informações distorcidas ou inconsistentes de outras áreas da empresa podem ser sinais de que a diligência de cada administrador deva ser reforçada frente ao todo. Muito embora a Lei da S.A. individualize a responsabilidade do administrador por atos ilícitos de outro administrador no artigo 158, § 1º, vale lembrar, que excepcionalmente a responsabilidade pode ser solidária. Esta última hipótese decorre de conivência, negligência na descoberta de atos ilícitos, no descumprimento de deveres que não permitam o funcionamento normal da companhia e a falta de comunicação à assembleia geral sobre atos de outro administrador ou predecessor. Ora, a excepcionalidade da responsabilização tem relação direta com sistemas de informação da empresa, notadamente aqueles relacionados com a contabilidade, dado o seu caráter de informação legal. Portanto, a exceção à regra de responsabilização se reveste de importância substantiva e não pode ser avaliada como mero aspecto secundário. No que se refere ao dever de informar, gostaria de destacar alguns aspectos relacionados com a divulgação de fato relevante (art. 157, § 4º, da Lei das S.A.). Esta previsão legal tem caráter altamente protetivo aos interesses gerais dos investidores do mercado de capitais. Não se pode permitir que, à vista da existência assimétrica de uma determinada informação relevante, certos investidores possam obter retornos anormais frente a outros. Ou seja, o espírito da lei é o de preservar a eficiência do funcionamento do mercado em função da "matéria-prima" que faz as cotações dos ativos variar, no caso, as informações sobre a companhias. A existência de informação privilegiada por parte de um ou alguns investidores é um dos assuntos que mais desafia os órgãos reguladores, bem como tem sido objeto de extensivos estudos acadêmicos e investigações no mercado internacional. Trata-se, portanto, de assunto revestido de elevada complexidade e cuja determinação de responsabilidades enseja investigações igualmente complexas. O referido § 4º do art. 157 prevê duas possibilidades "abertas" para que um fato relevante seja divulgado: (a) deliberações das assembleias gerais ou dos órgãos de administração e (b) alteração dos negócios da companhia que possa influir, de modo ponderável, nas decisões das operações de mercado (comprar, vender, manter, emprestar, etc.) dos investidores. Ambas as previsões legais sobre o dever de informar requerem uma análise em relação às informações já prestadas anteriormente. A relevância pode decorrer de um ineditismo absoluto, ou seja, trata-se de um assunto que jamais foi abordado pela administração em informações prestadas anteriormente. Neste caso, cabe a administração informar na medida das possibilidades e no interesse social da companhia e de seus acionistas, informar as variáveis relativas aquele fato, inclusos os decorrentes de seus efeitos segundo os padrões estabelecidos pelo IFRS. Num segundo caso, o fato relevante pode decorrer de uma informação anteriormente já prestada. Neste caso deve-se "comparar" o que já foi informado com aquilo que se constitui em novidade e relevância. A regra é simples, muito embora os seus efeitos possam ser bastante complexos: cabe à administração, especificamente ao diretor de relação com os investidores, ser transparente e informar todos os aspectos relevantes que possam afetar as cotações dos valores mobiliários no mercado. Informações contábeis são mais relevantes no cumprimento do dever de informar (com transparência) quando envolvem operações de incorporação, cisão, fusão, venda de ativos, mudanças de projeções, etc. Todavia, não se restringem a esses casos. Note-se que à prestação de tais informações devem se juntar comparações com informações já prestadas (se for o caso) de sorte os investidores possam entender seus efeitos intertemporais. Os temas e aspectos acima abordados são apenas alguns que levantamos para enfatizar o novo paradigma que decorre da adoção do novo padrão contábil brasileiro, o IFRS. No sistema anterior, obedecia-se a um critério geral, válido para todas as empresas em qualquer situação. O IFRS impõe uma particularização da análise das informações de cada empresa, valorizando-se o caráter essencial destas, ou seja, a essência econômica prevalecente sobre a forma jurídica. Perde-se, eventualmente, a comparabilidade entre demonstrações financeiras de empresas do mesmo setor econômico, mas ganha-se maior entendimento sobre como os administradores das empresas encaram os negócios ao longo do tempo. Cria-se, à luz das previsões da Lei das S.A., novos contornos aos deveres de informar e de diligência que devem ser repensados pelos administradores e todos os stakeholders das companhias. Trata-se de um tema ainda não totalmente percebido pelos agentes de mercado, mas que ganhará importância crescente nos próximos anos.
terça-feira, 9 de setembro de 2014

A "Independência" do Banco Central

Vez por outra, especialmente durante debates políticos em períodos eleitorais, ressurge a tese sobre a independência do Banco Central. Trata-se de tema complexo e extremamente delicado. Em princípio, um assunto destes não deveria ser um slogan ou um mote de campanha de vez que a sua complexidade não permite compatibilizar a necessária profundidade no debate sobre o tema com o escasso tempo de medíocre propaganda eleitoral na mídia. Todavia, o que se vê é que, nesta hora eleitoral, prevalece a panaceia e não o verdadeiro debate. Este artigo, mais extenso que o usual, tem o objetivo de delinear alguns aspectos sobre o tema, sem a pretensão de esgotá-lo, está claro. A lei 4.595/64 foi a que criou o Banco Central do Brasil. Concebia-se naquele período autoritário uma entidade executiva, supervisionada e orientada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o qual teve várias feições durante o regime militar, desde o absoluto controle ministerial do governo (governos Castello Branco (1964-1967) e Costa e Silva (1967-1969) até uma espécie de "vitrine" da economia nacional, com a participação de empresários de vários setores, nos governos Geisel (1973-1979) e Figueiredo (1979-1984). Obviamente, não se poderia falar em "independência" neste contexto. A redemocratização, gradual e lenta, conforme preconizava o regime autoritário, não alterou a configuração original do Banco Central (BC). O governo José Sarney (1984-1989) acabou por utilizar a instituição para a execução da baixa política que caracterizou o seu mal afamado governo. Até escândalos de corrupção marcaram a gestão do maranhense em relação ao BC, coisa relativamente rara naquela autoridade monetária. Todavia, foi durante o governo Sarney e no subsequente de Fernando Collor de Mello (1989-1992) que se consolidou a ideia de que o BC é peça essencial na estabilidade da moeda - aquele era o período da hiperinflação. Muito embora a manutenção do poder de compra da moeda esteja na Lei 4.595/64 como principal missão do BC, de fato, a indexação da moeda durante o regime autoritário acabou por minimizar funcionalmente o papel da autoridade monetária. Além disso, mecanismos de emissão direta de moeda para cobrir déficit do Tesouro Nacional, tal qual a "famosa" conta-movimento do Banco do Brasil, extinta apenas em 1986, após o lançamento da fracassada tentativa de estabilização via Plano Cruzado, acabavam por limitar o controle da moeda pelo BC. Foi durante as gestões dos presidentes Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) que o CMN foi restruturado para operar apenas como um órgão governamental (sem a participação de outros membros senão os ministros da área econômica do governo), bem como foi essencial para a viabilização do bem-sucedido Plano Real (lançado por Itamar em 1993). Até 1999, com a adoção do modelo de câmbio semifixo (crawling peg), o BC acabou tento papel essencial em três frentes: (i) controle da moeda, (ii) implementação da política cambial e (iii) restruturação do sistema financeiro por meio do saneamento e privatização dos bancos estaduais e das fusões e aquisições de bancos que vieram a sofrer intervenção ou liquidação (Bamerindus, Nacional, etc.). Em 1999, após a adoção do regime cambial flutuante, o BC foi novamente reformado "operacionalmente" e passou a adotar o atual regime de metas de inflação. Assim, abandonava-se o denominado controle quantitativo da moeda e passava-se ao "controle das expectativas dos agentes". Por este sistema, consagrado na gestão monetária do Federal Reserve (EUA) e do então recém-criado Banco Central Europeu, e posteriormente usado pela maioria dos países desenvolvidos, o BC (ou o Executivo ou o Legislativo) estabelecia metas de inflação as quais, para serem cumpridas, dependiam da manipulação pelo BC da taxa de juros básica. Singelamente: se as expectativas em relação à inflação são altistas, a taxa de juros básica deve subir ex ante. E vice-versa. Este modelo, intrinsecamente, baseia-se na elevada credibilidade do BC sob dois aspectos básicos: (i) de que agirá tecnicamente no estabelecimento da política monetária em vista da meta de inflação fixada, no caso do Brasil pelo CMN, e que (ii) agirá com "independência" em relação às outras instâncias do Poder Estatal. Este é o atual status quo do BC. Agora temos o debate sobre uma nova "independência" do BC. O atual governo, assim como o de Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, prega uma "independência operacional", cuja definição não é exata, mas poderia ser estabelecida em relação "à Fazenda e à Presidência da República", mas não seria absoluta: dependeria de uma coordenação entre os objetivos do governo e da política monetária. Como se vê, trata-se de uma independência baseada no comportamento presumidamente responsável do governo em relação à função monetária exercida pelo governo. Em última instância, a eventual irresponsabilidade em relação à inflação seria avaliada pelo eleitor, na eleição ou reeleição do Presidente da República. Neste modelo, os diretores do BC podem ser demitidos ad nutum, por livre vontade da Presidência da República. O modelo de "independência plena" tem por principal pressuposto a fixação de mandatos para os diretores do BC, normalmente intercalados com o da Presidência da República, sendo que os diretores apenas podem ser demitidos pelo Congresso Nacional em caso de fato antijurídico contra o Estado. Havendo normalidade legal em suas ações, são indemissíveis. Este pressuposto essencial do modelo de plenitude de independência do BC, contudo, não pode ser adotado sem que se revisse completamente as funções do BC. São "detalhes" extremamente importantes para definir a questão da independência. Vejamos. A lei 4.595/64 define como objetivos do BC (i) zelar pela adequada liquidez da economia (emissão de papel-moeda, meio circulante, estabelecer empréstimos compulsórios, operações de redesconto, regras de compensação de títulos, compra e venda de títulos federais, exercer o controle do crédito etc.), (ii) manter reservas internacionais em nível adequado (controle do fluxo de capitais, administração das reservas, etc.), (iii) estimular a formação de poupança (um objetivo bastante genérico) e (iv) zelar pela estabilidade e promover o permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro (exercer a autorização e fiscalização das instituições financeiras, fiscalizar e opinar em relação às fusões e aquisições do setor financeiro, estabelecer condições para o exercício de cargos de direção de instituições financeiras, etc.) Como se pode verificar pelo conteúdo da lei do Banco Central, os objetivos da autoridade monetária são amplos. Nem todos estes objetivos requerem a "independência absoluta" pregada por alguns. Dentre as quatro funções básicas do BC (manter a estabilidade, execução da política de reservas internacionais, fiscalização do sistema financeiro e normatização deste) poderíamos dizer que somente a manutenção da estabilidade requer uma maior independência do BC em relação ao Executivo. Assim sendo, seria preciso "cindir" o BC e criar "órgãos especializados" para cada uma destas funções, o que depende da adoção de diplomas legais específicos. Caso contrário, se estaria concedendo ao BC uma parcela de autonomia indesejável, porquanto amplo, perante o conjunto do Estado brasileiro. Há, ainda, uma definição relevante em relação a "independência". Se de um lado deseja-se autonomia em relação ao governo, de outro, deve-se salientar que a "independência" também deve ser dada em relação ao sistema financeiro. Afinal de contas, não é difícil perceber que há acúmulo quantitativo e qualitativo de conflitos de interesses entre o papel do BC e as instituições financeiras. Neste último aspecto, a experiência internacional, muito embora ainda não exista muita pesquisa acadêmica recente em relação ao tema, deve nos deixar alertas em relação aos conflitos de interesses difusos (representados pelo papel estatal e institucional de um BC independente) e os interesses específicos das instituições financeiras. A crise de 2008 levanta a hipótese, bastante plausível, de que a frouxidão da política monetária e de crédito dos principais BCs dos países desenvolvidos foi determinante para o maior colapso financeiro desde 1929. Neste caso, a independência dos BCs pouca importância teve no controle monetário necessário à contenção de crises prospectivas. Portanto, a independência absoluta do BC não é uma "garantia" igualmente absoluta contra crises sistêmicas ou, até mesmo, processos inflacionários renitentes. O que a experiência demonstra é que o adequado sistema de checks and balances entre o governo, o BC, o Congresso e outras instituições estatais (no caso do Brasil, a CVM, a Receita Federal, etc.) é essencial para o sucesso da política monetária, no seu sentido amplo (estabilidade do sistema) e restrito (controle da inflação). Como se vê, do ponto de vista histórico e legal, a questão da independência da autoridade monetária requer uma ampla reforma dos diplomas legais atuais. Deve-se, à luz destas mudanças, construir atribuições e limites entre as instituições que contribuem para a estabilidade do sistema financeiro e da moeda nacional. Este não é um assunto tão "consagrado" internacionalmente quanto pregam alguns preconizadores da independência absoluta do BC. Da mesma forma, a autonomia operacional, vigente atualmente, também não pode ser considerada como "suficiente" para garantir a estabilidade da moeda nacional. O Brasil deveria construir um modelo próprio de independência do BC - os "detalhes" neste caso são essenciais. Pode-se, é claro, adotar muitos dos pressupostos e arcabouços que são vigentes nos países que já tem modelos de independência do BC. Todavia, é preciso observar as (boas e más) características de nosso modelo atual e temperar a adoção da independência pelas boas características. Além disso, vale lembrar, que a independência do BC é questão de interesse público amplo e não deve e não pode ser construída par atender apenas os interesses do sistema financeiro.
Existiam, até o final de 2012, cerca de 63.000 companhias de capital aberto ao redor do mundo. Até 2020, devem chegar a 95.000, segundo estimativas do Institute of International Finance. Desde total, aproximadamente 1/3 das empresas com ações e títulos com cotações em bolsas de valores estão localizadas nos EUA. Os outros 2/3 se dividem entre o Velho Continente, Ásia e, em muito menor proporção, na América Latina e África. O Brasil tinha 353 empresas de capital aberto ao final de 2012, equivalentes ao mercado de capitais da Mongólia e Vietnã. Em 1998, existiam 599 empresas brasileiras com cotações nas bolsas locais e internacionais. Dez anos depois eram 432 empresas. Ou seja, o número de empresas no mercado caiu a despeito da propalada entrada de investidores internacionais no mercado local. Em termos de mercado de capitais o Brasil é um país subdesenvolvido, apesar de ser um promissor destino de investimentos dos investidores do primeiro mundo. Mercados de países como a Austrália e o Canadá tem aberturas de capital com valores iniciais de emissão da ordem de USD 30-40 milhões. Por aqui, as emissões normalmente têm volume médio entre US$ 500-1000 milhões. Ou seja, não há na prática nenhum espaço para as pequenas e médias empresas brasileiras participarem do mercado de capitais brasileiro. Para a maioria destas empresas só há recursos disponíveis do sistema bancário. O raquitismo do mercado de capitais brasileiro tem causas conhecidas. Mesmo assim, as políticas governamentais e as práticas e regulações dos agentes participantes do mercado têm evoluído como se vivêssemos no primeiro mundo. Pouco se fez para atacar as principais barreiras para que emissões de capital ou dívida aumentassem e minimamente representasse o potencial do Brasil no que tange ao seu mercado de capitais. Obviamente, este tema requer uma ação holística, integrada e estratégica para que o desenvolvimento seja ao mesmo tempo significativo e seguro - não se pode construir um mercado deslocado de regulação adequada e competente. Portanto, as ações não dependem apenas do Estado, no exercício de sua função desenvolvimentista e regulatória, para que o mercado dê uma arrancada. Também os agentes privados precisam agir para a consecução de um projeto comum de mercado. Vejamos alguns destes aspectos que precisam ser atacados em prol do mercado de capitais brasileiro. Do ponto de vista macro, relaciono três dos principais empecilhos para o desenvolvimento do mercado: (i) a elevada taxa de juros básica. Logo, desequilíbrios presentes ou prospectivos da inflação conspiram contra o mercado, na medida em que se espera que a autoridade monetária entre em campo aumentando a taxa básica de juros. Note-se, mais uma vez , que o Brasil é campeão mundial do juro alto; (ii) elevada tributação. Não é compreensível, inclusive do ponto de vista do interesse público, a razão de a tributação das companhias abertas não ser inferior a das outras empresas. A abertura de capital tem relação direta com a propensão para o investimento e é exatamente isso que o Brasil necessita; (iii) desburocratização na abertura e fechamento de empresas: é o Estado o maior empecilho para que as empresas sejam constituídas e encerradas no Brasil. Um exemplo: não é incomum um simples CNPJ ser "emitido" após seis meses de solicitado à Receita Federal por um empreendedor. Não à toa, a abertura e fechamento de empresas enseja práticas arcaicas e, eventualmente, duvidosas do ponto de vista ético. Além disso, temos a questão da complexidade dos tributos brasileiros, não apenas em termos de base (e justiça) do cálculo, mas também a existência de uma infinidade de obrigações acessórias que inibem o empreendorismo. Do ponto de vista micro, exclusive os riscos inerentes a cada um dos segmentos de negócios, os principais problemas estão relacionados a qualidade da gestão das empresas. Muitas vezes os empreendedores ou empresários (às vezes de empresas de maior porte) têm pouca preocupação com aspectos essenciais da gestão. Dos controles mais básicos da gestão, tais como, o planejamento e execução do fluxo de caixa, até a introdução de sistemas gerenciais e estratégicos mais avançados, inclusas as demonstrações financeiras em padrões contábeis internacionais (US GAAP e IRFS, por exemplo), as empresas muitas vezes negligenciam estas tarefas, como se fossem secundárias. Um mercado de capitais moderno não autoriza níveis insuficientes de transparência e competência gerencial. Para ter sócios ou captadores de títulos de dívidas é preciso transmitir e conferir confiança. O meio pelo qual se faz isso é por meios de uma área de gestão contábil e financeira confiável, bem como relatórios da administração que sejam confiáveis. Além de profissionais especializados na relação com investidores. Os custos da introdução deste "sistema" são muito inferiores à economia direta e visível entre custo da dívida e/ou capital ex ante e ex post à emissão de ações ou títulos de dívida. O acesso ao mercado de capitais tem custos, mas os seus benefícios são amplos, seja do ponto de vista estratégico (possibilidade de fusões e/ou aquisições, parcerias tecnológicas e comerciais, atração de investidores financeiros, etc.), bem como do ponto de vista financeiro (custo menor). Vale dizer que setores mais demandantes de capital, tal qual o de tecnologia, deveriam encarar a entrada no mercado de capitais na fase primeva, inicial. O volume de recursos existentes nos segmentos de venture capital e private equity é gigantesco. A maior barreira para os gestores de fundos desses segmentos é a falta de qualidade da gestão das empresas-alvos de investimentos. Estimo que, mesmo quando as negociações entre as partes interessadas no investimento têm sucesso, os empreendedores "entregam" entre 30%-40% do valor potencial do negócio por conta da falta de competência gerencial, informações financeiras confiáveis, falta de planos estratégicos confiáveis, etc. Os gestores dos fundos "descontam" os riscos financeiros e de gestão do valor intrínseco das empresas. Pior para quem está na posição de vendedor. Não cabe esgotar o assunto num breve artigo como este, mas creio ser essencial que o mercado de capitais volte a ser parte do "plano estratégico do país", especialmente quando florescem projetos e planos eleitorais. É comum associar o mercado à especulação. É raro associá-lo ao desenvolvimento. Uma breve passada de olhos nos números do mercado de capitais ao redor do mundo nos ensinará a lição dura e simples de que onde há desenvolvimento, houve um mercado de capitais que foi propulsor deste desenvolvimento e que se tornou símbolo das sociedades avançadas, econômica e socialmente.
terça-feira, 12 de agosto de 2014

Dia 11 de agosto e dia 13 de agosto

Ontem, dia 11/8, foi o dia do advogado, amanhã dia 13/8 é o dia do economista. A proximidade das datas, muito embora seja ocasional, acaba por adquirir efeito simbólico que merece reflexão. Sendo a data de hoje a intermediária entre ambas as efemérides vale a pena uma pequena digressão sobre as relações entre o Direito e a Economia.   A fundamentação da economia enquanto "ciência" ganhou contornos mais nítidos a partir do século XVIII notadamente após a obra de Adam Smith (1723-1790) The Wealth of Nations (1776). A teoria desenvolvida pelo escocês Smith estava em consonância com a ampliação do desenvolvimento capitalista europeu, sobretudo o inglês, o que motivava os intelectuais de então a criarem uma teoria geral que explicasse as relações entre os agentes econômicos, fossem estes indivíduos, empresas ou nações. Smith desenvolveu a sua teoria além do utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e, nos aspectos mais relacionados com o Direito, baseou-se em pensadores e juristas (todos escoceses como Smith) como David Hume (1711-1776), Francis Hutcheson (1694-1746), Adam Ferguson (1723-1816) e Dugald Stewart (1715-1785).   Adam Smith, um estudioso da Moral, ao se debruçar sob o fenômeno econômico, vislumbrou a necessidade de serem ultrapassados os aspectos e princípios emanados do direito natural. A passagem dos esquemas mais utilitaristas que, até então, explicavam o funcionamento econômico evidenciou para Smith a importância do direito positivado como fonte essencial para o funcionamento da economia. Somente o direito positivo, no sentido moderno do termo, poderia garantir a estrutura legal que "enquadrasse" formalmente o indivíduo e as coletividades em estatutos que garantissem os predicados econômicos da eficiência, segurança e disponibilidade nas relações de produção e consumo.   De fato, a economia não pode pressupor a existência de direitos não assegurados pelas estruturas políticas de uma sociedade, e por esta determinada em termos de modo e forma. (Neste sentido, a "sociologia do Direito" apresentada por Adam Smith é uma antessala da teoria marxista a respeito do tema). Smith e os economistas que o sucedem no desenvolvimento teórico da Economia, notadamente David Ricardo (1723-1823), abordam questões tipicamente jurídicas como necessárias ao desenvolvimento social e econômico. A questão da "indenização", enquanto previsão legal assecuratória institucional, parece essencial aos fundadores da economia moderna para sanar prejuízos e tensões sociais por meio que seja socialmente pacificador.   Interessante notar que Smith, Ricardo e toda a tradição econômica liberal inglesa, preocupavam-se com a proteção dos indivíduos e todo o sistema econômico em relação ao Estado, ente que apesar de garantidor da ordem legal podia se tornar o seu algoz. Intrinsecamente, estes "economistas" reconheciam e incorporavam os ideais constitucionais oriundos da Carta Magna de 1215. O Direito, criação romana que objetivava a pacificação e organização social, também revestia a economia e todo o sistema dela decorrente de segurança para o seu desenvolvimento. Vale notar que para o moralista Smith, o direito positivo, representava igualmente o necessário contrato social que regulava as relações econômicas entre os agentes e entre estes e o Estado. Nesse ponto, o contratualismo vislumbrado pelos liberais ingleses deveria ser condizente com a evolução social e econômica, especialmente nas formas de realização da produção e do comércio. Assim sendo, o contrato social assumia um caráter flexível para ajustar as relações econômicas e para assegurá-las na perspectiva intertemporal. A Lei, considerada ontológica e formalmente, devia atender aos superiores anseios sociais. A economia mercantil e, posteriormente a industrial, exigiram que se evoluísse das formas primárias de asseguração social das relações, para formas mais complexas e compatíveis com a evolução do comércio e do capitalismo. Neste contexto, a administração da Justiça, tema rico e amplamente debatido até os dias de hoje, teria de guardar a devida competência técnica e independência para evitar que as instabilidades oriundas de tais interações recaíssem desordenamente sobre o Estado e a sociedade. Sem isso, nem mesmo as classes abastadas estariam a salvo. (Lembremo-nos neste ponto que a Carta Magna foi uma reação da elite de então, o baronato, contra a realeza a qual ainda não era a representação do Estado, no sentido moderno da palavra).   A compreensão da formação da teoria econômica moderna, representada inicialmente por Smith e, posteriormente desenvolvida pelas diversas matrizes de escolas de pensamento econômicas, persiste essencial para o entendimento do Direito nos dias atuais. Dos direitos da personalidade até o direito empresarial moderno, passando pelos direitos reais e todos os ramos do Direito, a Economia permeou e permeia a formação do pensamento jurídico e forja relações que, embora complexas, são essenciais ao desenvolvimento do capitalismo moderno. Os contratos, socialmente balizados e construídos no interesse das partes, puderam evoluir até os dias de hoje como parte integrante de uma sociedade mais civilizada e saneando eventuais empecilhos entre as partes e o todo social. Não há remota possibilidade de que o arcabouço jurídico e a prática das agentes em relação aos temas econômicos possam se separar. A economia e o direito estão intrinsecamente ligados e o entendimento sobre as áreas de conhecimento permite não somente as melhores práticas a ambas, como garante que o progresso social seja construído de forma fundamentada e marcha à frente.   Simbolicamente a comemoração do dia do advogado e o dia do economista é separada por um único dia. No campo prático e teórico, o Direito e a Economia estão juntas como faces de uma mesma moeda.