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Economia e finanças.

Francisco Petros
terça-feira, 16 de outubro de 2018

Como aproximar os extremos

A desigualdade social coloca turbinas no populismo e na radicalização política. É muito difícil fazer especulações ou afirmações, do ponto de vista sociológico, histórico ou antropológico, a respeito de "traços ou denominadores comuns" de determinada sociedade, do ponto de vista de sua infra e superestrutura cultural e política. Mesmo teses e conceitos consagrados, tais como, no âmbito do pensamento brasileiro, o "homem cordial", o "patrimonialismo", o nosso "capitalismo tardio" estão sujeitos às lacunas e limites naturais da análise científica ou para fins de mera confecção de ensaio ou artigo. Feita a ressalva do parágrafo precedente, arrisco-me a afirmar (e a errar) que o maior traço comum de nossa tradição populista é a utilização sem mensuras razoáveis da desigualdade social como meio de troca para obtenção de apoio eleitoral. Assim, os protagonistas da cena política abusam da retórica nas campanhas eleitorais para conquistar votos e, ao assumirem o poder, jactam-se junto ao povo em função de medidas populistas que justificam um todo sofrível de políticas sociais e econômicas. Em menos palavras, muito se promete e pouco se faz. A nossa democracia, com efeito, se fragiliza e, vez por outra, nos momentos de crise, vem os "salvadores da pátria" com suas novas e velhas promessas. A novidade da atual eleição presidencial é que a utilização da desigualdade social como alavanca de votos se faz em campo cada vez mais distante do "centro político". Desde a redemocratização em 1985 vivemos dois momentos distintos de maior agudeza da manifestação populista na política. Com Fernando Collor a pregação imagética do "caçador de marajás" resultou em engodo pantagruélico, logo depois de sua posse, quando os ativos financeiros foram congelados como meio (grotesco) de consecução da política fiscal. Note-se que, em certo momento da corrida eleitoral de 1989, houve adesão sistemática das denominadas elites políticas na direção do ex-governador de Alagoas. O "candidato original" das elites, na primeira eleição pós-regime militar de 1964 era Mário Covas. Ele encarnava o centro político, capaz de propulsionar políticas de maior igualdade social ao tempo em que propunha um "choque de capitalismo" no sentido do aumento da produção e superação de nosso subdesenvolvimento. Em poucos meses de campanha elitoral, o "caçador de marajás" acabou sendo entronizado na cadeira de apóstolo das esperanças do povo e, aí, as elites caíram em seus braços. De outro lado, o projeto do PT, juntamente com o já decadente Leonel Brizola, encarnavam a denúncia social, a injustiça gritante, a desigualdade regional e de renda pessoal, dentre outros temas. Venceu, em segundo turno memorável, Collor de Mello. Depois de sua vitória, Collor encomendou seu discurso de posse junto ao Congresso Nacional ao saudoso e brilhante social-liberal, o diplomata José Guilherme Merquior. O discurso não decepcionou, mas, na manhã seguinte, já se via todos os liberais e ultra-liberais, incluso Merquior, boquiabertos com a enorme intervenção do governo sobre o dinheiro do povo e das empresas. Depois desse choque, viu-se Collor e seu populismo sucumbirem à realidade: construiu um ministério liberal moderado e tentou um pacto de centro. Tropeçou na sua própria lama, a corrupção, que o levou ao impeachment. O segundo momento de populismo pós-regime militar foi registrado nos dois governos de Lula. O experiente sindicalista, já moderado pela famosa "Carta aos Brasileiros", exerceu políticas de amplo e consistente favorecimento dos interesses das elites que tanto combateu, mas implementou medidas de limitado poder de transformação social, tal qual o programa bolsa-família (originalmente um projeto liberal). Adicionalmente, criou políticas afirmativas consideradas avançadas, mas sem organicidade capaz de sustentar mudanças efetivas. Nesse campo, a título de mera ilustração, destacaria a política de quotas nas universidades, duvidosas do ponto de vista de transformação qualitativa em função da desesperadora situação do ensino básico e médio. Seria injusto tratar Collor ou Lula como "populistas" na essência da palavra, apesar das tentações que registraram em relação ao conceito. O que os segurou, então? Creio que é possível traçar muitos argumentos, mas destaco um: foram capazes de operar dentro de uma distância razoável do centro político e democrático. Seus arroubos populistas obedeceram aos limites expressos e não-expressos da Constituição de 1988. O cenário atual parece ter sido capaz de reavivar a mesma dinâmica populista do período pós-redemocratização. A desigualdade social permanece como "pano de fundo" dos discursos políticos de ambas as candidaturas e as tentações populistas se explicitam nas proposições de mais igualdade social do PT de Fernando Haddad e na adoção (ainda não totalmente incorporada) de ideias radicais-conservadoras da parte de Jair Messias Bolsonaro. Ocorre que ambos os projetos de poder se distanciaram perigosamente do centro político, ao contrário do que ocorreu com Collor e Lula nos momentos distintos em que flertaram com o populismo. Há várias razões para que isso tenha ocorrido, mas creio que, no caso do PT, isso se deveu ao papel nada moderador de Lula, a partir de seu cárcere e pela propagação da tese "anti-golpista" em relação ao impeachment de Dilma Rousseff. O discurso virou ação para ganhar votos e afastou camadas substanciais da sociedade em função da elevada corrupção impregnada pelo PT em seus anos de poder e sobre a qual nunca houve retratação política. Já no caso de Bolsonaro a desestruturada e radical pregação em favor da segurança pública (o armamento da população, e.g.) ou dos costumes "conservadores" (afirmações nefastas contra os gays e mulheres, e.g.) acabou desembocando no sentimento disseminado de antipetismo - o primeiro turno mostrou que isso é mais de 50% dos votos dos brasileiros. Isso tudo se juntou ao liberalismo econômico mais notável desde o final da Primeira República, pelas mãos do guru do candidato. No sentido do que está acima descrito, para voltar ao centro, o PT terá de mudar o discurso, mas restará a desconfiança sobre suas práticas políticas. Difícil superar essa realidade e nem creio que o establishment petista estaria disposto a abrir mão de seus poderes intestinos de partido de esquerda para dirimir desconfianças sociais. Já Bolsonaro para ir ao centro político terá de entender que não existe liberalismo econômico que seja suportado por radicalismo político. Água e óleo, verdade seja dita. Nem mesmo o progresso justifica os atentados contra direitos básicos e regras pétreas das liberdades humanas. Ademais, o capitão parece disposto a deixar claro que, em relação ao PT e aos seus outros opositores, a mera existência do "outro lado" é atentado contra a democracia. Aqui, a violência verbal pode passar dos limites do razoável. Ao que parece, a escapadela desse processo político que cria distância do centro de ação dependerá muito mais da sociedade encarnar, nesses poucos dias de campanha e a partir da consagração do eleito, o papel moderador tão necessário ao Brasil. Isso está sendo levado a cabo pela mídia, para citar exemplo mais notório, mas também poderá ser realizado pelos segmentos mais organizados da sociedade, à esquerda e à direita. Sem isso, o progressão do debate político irá na direção dos extremos. Há, ainda, outro modo de fazer a convergência: reconhecer que a desigualdade social coloca turbinas no populismo e na radicalização política. Prometer publicamente que será retirado esse traço comum da sublevação populista que volta e meia se alastra entre nós! Para que isso não fique num plano teórico, algo mais tangível pode ser engendrado: os dois espectros políticos poderiam fazer um pacto, antes ou depois das eleições, em prol da educação. Um projeto de Estado e não de governo maior instrumento de transformação social simbolizaria que os extremos podem se aproximar de forma construtiva. O capitão e o professor aceitariam algo assim?
terça-feira, 2 de outubro de 2018

Governabilidade em risco

O cenário que se avizinha terá fortes dificuldades para a governabilidade Há poucos dias do final da campanha do primeiro turno das eleições (quase) gerais e nos defrontamos com um cenário dramático. É certo que o principal ator da corrida eleitoral, Lula da Silva, está na prisão, mas impressiona o quanto soube projetar-se sobre o pleito, impondo seu candidato na hora certa e transferindo para o escolhido seu próprio prestígio junto ao eleitorado. Trata-se de sinal evidente do "vazio político", da crise de representatividade e do próprio desarranjo institucional brasileiro. Lula iria dar entrevista na cadeia com anuência do STF, vejam só! De outro lado, os candidatos mais centristas (Alckmin, Meirelles, Marina e, até mesmo, Ciro) capengam pelas pesquisas de opinião, sem que se mostrem capazes de ampliar sua própria base. Teremos, com efeito, um segundo turno tenso. Se continuado o atual cenário das pesquisas, qualquer dos vencedores se verá confrontado com o fato de que terá dificuldades para governar. Tanto Fernando Haddad quanto o Capitão Jair Messias Bolsonaro não parecem ter as habilidades pessoais e partidárias necessárias para que volte a imperar o "presidencialismo de coalizão", modelo de alta fama e pouca eficiência. Os partidos que suportam as candidaturas de Haddad e Bolsonaro terão bancadas modestas frente ao todo, o PT um pouco mais, e o restante dependerá da turba política de Brasília que não quis fazer a reforma política necessária ao país em prol de seus imediatos interesses. Esse é o quadro e não há muito que tergiversar ou especular. Claro que é possível a mudança repentina no cenário, mas devemos reconhecer que isso está mais para sonho (ou pesadelo). Bolsonaro versus Haddad é o cenário que se consolida enquanto que o mais a longo prazo, o que se vê para o Brasil é sombrio. Considerado o que se avizinha haverá fortes dificuldades para a governabilidade e está claro que o ambiente para os negócios será nebuloso - difícil dizer por quanto tempo. Qualquer composição política que reforce as condições de governabilidade dos candidatos encontrará barreiras significativas para fazer crer que a administração federal consiga legar melhores condições econômicas e sociais para os brasileiros. Note-se que a alteração que se projeta para o Executivo é larga. Se Bolsonaro for o presidente, estamos diante de um capitão reformado do Exército que prega o excessivo conservadorismo nos costumes, terceirizou a gestão econômica para um economista ultraliberal e que, se eleito, terá base política própria fincada em dois partidos irrelevantes. De outro lado, Haddad feito presidente terá seu poder mitigado pela sombra de Lula e, sobretudo, pela velha guarda do PT, partido que ainda não se modernizou e que não fez o mea culpa face aos escândalos de corrupção nos quais esteve metido. Afora isso, o PT indica que adotará um programa político e econômico alinhado com o pensamento da velha esquerda dos anos 1950 e 1960. Também é notável que ambos os extremos que aflorarão dessa desastrada campanha eleitoral, PT e Bolsonaro, estão projetando discursos políticos que podem se tornar incontroláveis. Em verdade flertam abertamente com o autoritarismo. Pregam contra a ordem constitucional, fazem o discurso do ódio mútuo e em relação à classe política, incitam a lógica da violência política e contestam liberdades civis, tais como, a liberdade da mídia ou, no caso de Bolsonaro, contra as minorias e no combate à criminalidade. A agenda do país, recheada de necessidades sociais e econômicas tem uso fácil da parte de ambos os candidatos. Não é difícil propor soluções autoritárias quando se sabe que o ambiente é propício à escuta de discursos porquanto evidente é a profunda desigualdade social, a elevada criminalidade, a ausência de educação e saúde, a previdência social falida e assim vai. Há, de outro lado, certa crença de que o centro político (o tal do "centrão") estará habilitado a moderar os apetites autoritários que estão à mostra na campanha de primeiro turno. Aqui há de se observar que o cenário mudou. Vejamos. O funcionamento da "máquina" dos partidos de centro (especialmente, PP, MDB, PSDB e Democratas) no Congresso Nacional sempre teve por premissa a existência de estabilidade institucional, com os poderes engajados em certa direção comum. Ou seja, a "política formal" de Brasília deve funcionar para permitir que as operações de negociações possam ser construídas. Quando a sustentação política se torna mais "sólida' temos a "coalizão" normalmente formada com a entrega de poder e orçamento por parte do chefe do Executivo para os partidos. É como funciona até agora o nosso governo, pós-1988. Ocorre que, atualmente, há evidente crise institucional, com os poderes funcionais ocupando espaços das outras frações do Poder Estatal, notadamente o Judiciário, bem como, existe enorme desarmonia entre eles no que tange à agenda do país. No Poder Legislativo impera a fragmentação partidária do ponto de vista ideológico e funcional pela qual os partidos se tornam "negócios particulares" com prevalência do velho patrimonialismo e nepotismo e, em muitos casos, a corrupção. Ou seja, um pacto político hoje tem elementos dissonantes com a necessidade de estabilidade congressual. Há outro aspecto também relevante quanto ao apoio político. Como os dois candidatos mais prováveis de ir ao segundo turno fazem aberta pregação contra o establishment, a construção do apoio formal no Congresso se torna penoso, pois, uma vez conseguido, faz perder o apoio das ruas sedentas por ação contra a classe política. Há mais. A agenda econômica e social requer decisões difíceis que contrariam interesses estabelecidos e/ou causem perda de popularidade. Tanto Haddad quanto Bolsonaro sustentam propostas que dependem de substanciais arranjos para serem implementadas. Ora, o cenário fragmentado no Congresso tornará esse conjunto de propostas bem mitigadas para cumprir os seus objetivos. É o caso da reforma da previdência social, da privatização de ativos e empresas, da manutenção da reforma laboral e do teto de gastos públicos. Seja para construir, seja para mudar ou destruir, o novo presidente terá dificuldades. Certo é que a finança pública não aguenta mais essas indefinições e a credibilidade perante os agentes econômicos é essencial. O resto é conversa mole. Por tudo isso, caminhamos para um cenário de enorme incerteza no curto e longo prazo, elevada volatilidade e, muito possivelmente, questionamento das instituições. Ops! Esqueci de mencionar... O vice de Bolsonaro é Hamilton Mourão, general que pregou o "auto-golpe com apoio das Forças Armadas", um homem que crê que o 13º salário é uma "jabuticaba" e que "a Constituição não precisa ser feita com eleitos pelo povo". Já a vice de Haddad, Manuela D'Ávila, é deputada comunista (PC do B), cujo partido é uma "organização política de vanguarda da classe operária e do povo trabalhador, apoiada na teoria revolucionária marxista-leninista - empenha-se em conjunto com outras organizações e lideranças políticas avançadas, pela vitória do empreendimento revolucionário". Quem tiver pensando em impeachment é bom pensar bastante...
quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O caminho da crise aberta

As eleições pouco valem como marcos de mudanças verdadeiras É largo o esforço que dispendemos nas conjecturas sobre o próximo presidente. Não bastassem as enormes dificuldades econômicas e sociais que enfrentamos e as suas prometidas soluções enunciadas em programas políticos absolutamente fakes agora há outra mutação em curso. Esta é mais sutil, mais relevante. Eleições democráticas devem existir para conceder soberania aos eleitos para que, assim, possam submeter a sociedade à determinada ordem política-jurídica para o exercício do governo e do Estado. Da base eleitoral nasce a concessão para que a ordem política decida de cima para baixo. De outro lado, é o voto o meio de controle da base social para que as decisões de governo e do Estado não ultrapassem os limites sociais historicamente delimitados. Um governante pode muito, mas sem a confiança do povo, não pode nada ou pode pouco. Esse é o princípio da autoridade (de cima para baixo) e da confiança (de baixo para cima). O enunciado do parágrafo anterior pode parecer complexo quando teoricamente observado, mas é bastante cristalino quando verificado na ordem prática. O passado recente bem o demonstra: Collor foi ungido pelas urnas (de baixo para cima), mas, ao congelar os ativos financeiros, perdeu sua legitimidade (de exercer o poder de cima para baixo). Itamar Franco não foi votado na condição de "cabeça de chapa", mas no exercício do poder (de cima para baixo) ganhou a confiança (de baixo para cima) necessária à estabilidade institucional e econômica. Lula legitimou-se pelo voto popular (de baixo para cima), manteve a legitimidade de seu governo com base em crescimento econômico favorecido pela conjuntura a despeito do mensalão (de cima para baixo). Impôs sua candidata Dilma que sistematicamente "gastou" sua legitimidade (de cima para baixo) a ponto de perder as condições de governar (controle de baixo para cima). O princípio da autoridade política no Brasil sempre foi mitigado por duvidoso sistema eleitoral o qual carreia para o Congresso Nacional as nossas profundas raízes autoritárias e patrimonialistas. Agora chegamos no "estado da arte" desse processo. Não à toa, as eleições e os partidos políticos são depositários da corrupção, do nepotismo e suas mazelas, origem e meio de manutenção do poder político. A exposição das tripas do funcionamento do sistema político a partir da operação Lava Jato causou reações histéricas, inclusive na consecução do impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas temos de admitir que a turma do Congresso Nacional foi bem mais eficiente que as multidões perdidas da Avenida Paulista. Lá em Brasília foi votada o que se denominou de "reforma política" que captou adicionais recursos públicos para financiar os partidos (vez que o financiamento privado tinha sumido) e concentrou ainda mais o poder nas mãos das mesmas lideranças políticas. Os caciques políticos decidem aonde vai os dinheiros do partido político. A política funciona na base da franchising. O resultado desse processo mitiga a política por meio de eleições que pouco valem como marcos de mudanças verdadeiras e no sentido daquilo que a sociedade imagina. Considerado o fato de que a educação geral do país é deplorável e a educação política é rasteira, o natural caminho que se vê é o processo de valorização dos extremos em detrimento do fortalecimento do centro político. O jogo eleitoral é visto como se fosse partida de futebol: a paixão comanda as escolhas e a racionalidade se escasseia. Ademais, para o voto não há árbitro, tudo é possível. Ainda diante desse processo vê-se a retroalimentação da ilusão. Há quem acredita que o próximo presidente poderá enunciar e efetivar políticas (econômicas e sociais) sem a base formal no Congresso Nacional. Essa amarga ilusão reserva ao próximo presidente dois caminhos básicos: (i) ou renuncia ao que pregou na campanha eleitoral para aderir às castas congressuais - alguns chamam isso de "governabilidade" - ou (ii) tentam dominar a cena política por meio de uma relação mais direta com o distinto povo para dominar as forças políticas formais. Na hipótese da conciliação entre o novo presidente e o Legislativo, os partidos políticos aderentes vão se recolocando onde sempre estiveram. De dentro do Estado operarão em prol de interesses específicos e desconjuntados, além de eivados de realizações não-republicanas. Note-se que está evidente que a renovação das cadeiras do Congresso será modesta (digamos 30%). Isso implicará em "elevado profissionalismo" político das velhas bases no sentido de operar seus próprios interesses. Na hipótese de relação política "sem intermediação dos partidos políticos" pode-se cair no populismo e, diante da desorganização da sociedade não-educada, os erros de execução política pesarão mais e mais. A possível perda de popularidade "encarece" novos pactos políticos no Congresso, único refúgio de governos impopulares e fracassados na tentativa de "desintermediação". Michel Temer e sua turma de políticos simbolizam bem esse cenário devastado. Há, contudo, "novidade" nessa cena política: até Lula viu-se que esse processo ocorria sobre aparente mansidão das instituições políticas: havia estabilidade, mesmo que ainda reinasse a manutenção de nosso atraso secular. Daquele momento histórico em diante, verificou-se que a aparente fortaleza institucional se rompeu. As denúncias de corrupção e seus elásticos efeitos econômicos e políticos fraturaram as relações entre os poderes do Estado e, mais, mostraram o quão as corporações e forças políticas dentro do Estado sabem se proteger. O cenário político, ao tempo em que se tornou incerto, também se tornou "entrincheirado". Cada segmento institucional defende seus próprios interesses. E a República? Ficou com a sorte e ao vento. Vale notar que esse cenário institucional e político se insere em ambiente de relativa tranquilidade econômica no mundo, que cresce e progride. Também estamos diante da economia 4.0, da digitalização, do encurtamento das relações entre produtores e consumidores, de "bacias tecnológicas" que forjam uma nova era econômica. O mercado sobrevive, mas não necessariamente o capitalismo como o vemos. O Brasil se tornou um anão: de país potencialmente rico e verdadeiramente pobre, nosso país perdeu potência, exceto na formação de criminosos, ignorantes e gente perdida em meio a um mundo novo. O Brasil não merece esse destino, mas é preciso reconhecer que é isso que está se formar e a contribuição da política para tanto é enorme, determinante e pode ser verificada pelos indicadores econômicos e sociais. Agora o que assistimos é a polarização entre Bolsonaro e Haddad. Talvez seja dos últimos passos dessa eleição. Foi-se o centro político, restará a incerteza, cercada de votos legítimos de baixo para cima, mas que pode não se sustentar de cima para baixo. Confiança e autoridade devem andar juntas para que se vá à frente. Não é o que vemos. O cenário é deplorável, mas poucos querem expressar com vigor o que de fato está a acontecer. Haverá volatilidade e inquietação. Isso não deveria preocupar por demasiado. Já a possibilidade de uma crise institucional aberta no próximo governo deveria fazer mais responsáveis as pessoas que podem influir e construir a nossa própria casa. A polarização em curso é desastrosa. Não vê quem não quer.
terça-feira, 4 de setembro de 2018

Por que Bolsonaro encanta?

Quem vota em Jair Bolsonaro não pensa no futuro como perspectiva Senão a principal característica dessa eleição, certamente está entre as mais corriqueiras: trata-se da utilização pelo eleitor das suas crenças pessoais ou das próprias emoções como forma de decidir sobre o próprio voto. Análise mais fria dos fatos mostra que somente nessa semana tivemos três sinais evidentes da barafunda brasileira: (i) os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) que mostram que apenas 1,6% dos alunos do ensino médio tem aprendizagem adequada em português; (ii) o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tem a década com o pior crescimento em 100 anos e (iii) o incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista expôs o descaso da nação com a sua própria história. Aqui não cabe tergiversação. Está claro e cristalino o caminho que toma o país. Em meio a tudo isso temos um personagem que adorna a cena eleitoral e demonstra que não é exatamente a razão que guia o voto popular. Trata-se do capitão Jair Messias Bolsonaro que tem 22% das intenções de votos segundo o Instituto Datafolha e lidera a corrida eleitoral sem Lula (com Lula é 19%). A questão inquietante é: por que um candidato como Bolsonaro conquista o coração do eleitor? Objetivamente sabemos que ele é parlamentar medíocre (2 projetos aprovados de 170 apresentados), político profissional (29 anos no parlamento!) que prega contra a própria política. Ataca virulentamente direitos fundamentais (das mulheres aos gays). Briga pelo voto quando defende a ditadura e um golpe de Estado (seu vice, General Mourão, já vociferou pela intervenção militar). Assume que sabe pouco sobre políticas públicas, de fato, terceiriza o próprio cérebro ("sobre economia quem decidirá é o Ministro da Fazenda"). Diz-se líder conservador, mas casou-se três vezes e tem dois filhos fora do casamento. Multiplicou o patrimônio ao longo dos anos em que atuou na política e tem três filhos eleitos pelo voto popular, apesar da defesa da ditadura militar (1964-1985). Nem nas forças armadas encontrou respeito, afinal atuou em detrimento da hierarquia na busca por melhores salários para a classe castrense. Ora, pode-se levantar dados e mais dados nas pesquisas, mas a explicação para presença tão significativa de Bolsonaro nessa eleição não parece repousar em informações objetivas. Temos de refletir criticamente para além das pesquisas as quais pouco ensinam sobre o capitão. Chega a ser repetitivo informar aqueles que estão preocupados com o Brasil que a aversão à política chegou aos limites mais elevados em toda a história do país. A admissão desse fato contrasta com o pouco que foi feito para mudar essa realidade. Aquela multidão que frequentou a avenida Paulista em meados de 2013 ficou por ali mesmo: quem alterou o padrão foi a política profissional de Brasília que fez uma reforma que concentrou o poder dos barões dentro dos partidos políticos e que resultará na manutenção do poder nas mãos dos mesmos. A Paulista se iludiu na crença de que podia mudar a realidade pelas redes sociais. A novidade que veio foi o velho, lá da Praça dos Três Poderes. Se é verdade que certa maioria nada conseguiu, também é verdade que essa maioria aceita o jogo da minoria privilegiada que tomou conta do Estado e do governo. Tanto é assim que quem quer seja o próximo presidente seu poder será minúsculo perante o que se instalará no Congresso, representação do corporativismo, do poder econômico, das elites. Bolsonaro é a figura que de forma paradoxal surge desse cenário: corre para ganhar as eleições (ação política que ilustra a democracia), mas não se submete aos padrões de análise objetiva e intelectual e muito menos aos ditames do que seria realmente importante ao país. O capitão nasce de certo princípio-geral das eleições vindouras: a destruição necessária para o "que está aí". Para ele não cabe nenhuma ambição particular sobre temas específicos. Ele pode fazer qualquer coisa, desde que destrua a classe política com a realização daquilo que hoje é apenas ameaça (seu discurso). Diante de tanta desonra e desesperança, o povo clama pelo capitão que reinará sobre as classes sociais e, especialmente, a política, para tirar da cena o que atrapalha a agenda de cada cidadão. Aqui um detalhe: mesmo que seja à bala, as coisas têm de mudar. Vale notar que essa "esperança" do povo reside na convicção de que o capitão tem os meios para mudar a realidade vigente. Afinal de contas, seus "princípios" são tão legítimos que todos a eles aderirão, sem que haja necessidade do natural esforço de convencimento exigido pela política, ora rejeitada pelo povo. De forma mais direta: o povo conta com Bolsonaro para mudar a política e nada sabe sobre os meios para cumprir a tarefa. Está evidente que essa equação aceita a antinomia pela qual o princípio adotado pelo eleitor de Bolsonaro ("é preciso mudar a política") contrasta diametralmente com a lógica da política ("negociar com os políticos para buscar resultados"). Saliente-se que, nesse sentido, Bolsonaro tem de ter o "poder total" para que se livre da impotência causada pela política. Se isso não ocorrer virá a frustação e Bolsonaro será identificado com aquilo que diz rejeitar: a turma de Brasília. Temos de admitir, objetivamente, que dentro dos atuais limites e regras da democracia brasileira, nenhum governo prosperará com soluções compatíveis com a dimensão de nossos problemas, nem mesmo o capitão, se vier a ganhar. Logo, votar em Bolsonaro, figura que se consagra como o antipolítico, significa aceitar intrinsecamente que ele tem de ter condições objetivas para mudar o cenário. Há, como decorrência da análise acima, dúvida severa: será que o que quase 1/4 do eleitorado espera ("a política sem os políticos") é compatível com o que deseja ("a manutenção da liberdade")? Hum....não estou certo. É possível que se aceite, diante do caos que se tornou a República, algum nível de perda de liberdade. Afinal de contas, o cidadão está tão oprimido pela violência, ausência de condições básicas para "ser feliz" ou, ainda, pela corrupção, que a redução da liberdade política não lhe pareça tão cara. Há probabilidade relevante que o poder de Bolsonaro, caso seja eleito, seja equacionado por meio da transmutação do "poder recebido do povo" em "poder concedido sobre o povo". Por fim, quem vota em Jair Bolsonaro não pensa no futuro como perspectiva. O eleitor está preso ao passado de transtornos criados pela classe política e ao presente que demonstra que as opções de mudança pela via democrática são escassas ("os candidatos são ruins, sobretudo fracos"). Como se sabe, a política tem de ser depositária de planos e projetos. Em palavras outras, a política tem de estar calcada em esperança. Nesse caso, a escassez é evidente. Votar em Bolsonaro significa negar a liberdade como princípio e aceitar que a soberania do futuro presidente virá da destruição da política. A crença do eleitor pode aceitar essa premissa absurda. Estamos no fundo do poço.
terça-feira, 28 de agosto de 2018

A evasão da realidade

Os candidatos não estão conseguindo postular objetivos que sejam razoavelmente possíveis Se tem uma coisa que está a acontecer ao longo desses últimos anos e, especialmente, desde o lançamento dos candidatos às eleições de outubro e dezembro é que largos segmentos da sociedade dita organizada e o povo desorganizado estão recolhidos em relação ao mundo exterior. Num momento tão crucial ao Brasil, a ausência de ação política impressiona. A renúncia em relação à ação implica que talvez as pessoas possam acreditar que os resultados eleitorais nada tem a haver com a vida cotidiana dos brasileiros. Ledo engano. Não se pode confundir, de um lado, o fato de que o próximo presidente da República será a representação da fragilidade institucional brasileira com, de outro lado, o devaneio de que se pode escapar ileso da tragédia nacional. O Brasil está cercado de robusta crise financeira que inviabiliza o desenvolvimento econômico somado à inóspita condição social que inviabiliza o aumento da produtividade. Jamais esteve tão cristalino que a produtividade do país não pode se erguer sem treinamento, educação, saúde, infraestrutura, ética nas relações entre o Estado e o setor privado e assim vai. Em tempos de digitalização dos processos e da industrialização 4.0 o gap estrutural entre as nações aumenta em velocidade inédita. A recomposição do crescimento mínimo que empregue a multidão dos 13 milhões de desempregados e os 34 milhões que frequentam diariamente a informalidade será tarefa hercúlea, quiçá impossível, para o governo que despontará das urnas. Um trabalhador pode ganhar a vida "por conta própria", mas esse não é o caso de um país - esse depende de seus cidadãos. Não vale a pena gastar tempo escutando, assistindo, lendo e questionando os candidatos aos cargos eletivos. Nem mesmo os presidenciáveis escapam da certeza de que pouco podem e quase nada sabem. O cenário é muito pior do que aquele que permite "escolher o menos pior....". Mais interessante ainda é o comportamento oscilantes dos pesquisadores sobre as tendências do momento: aqui vale tudo, mas as questões mais certeiras sobre o eleitorado não estão sendo colecionadas pelas pesquisas. De fato, há profunda ignorância de parte dos candidatos sobre a sociedade, mas não há dissonância cognitiva: o povo é igualmente ignorante - simplesmente abandonou à política e foi comprar sabão na esquina. O que está bastante transparente é que com a existência de um governo fraco no próximo mandato, a possibilidade de uma crise institucional "aberta" é grandiosa. Seria uma mutação quase que natural para um país onde se vê que os agentes internos ao Estado, especialmente no Judiciário, ocupam descabidamente os espaços deixados pelo Executivo e Legislativo. De fato, o patrimonialismo, as oligarquias e o corporativismo jamais estiveram tão soberanos na história brasileira. Os tempos são sombrios e, até mesmo, a liberdade é apenas aparente. O debate está reduzido aos diagnósticos errados e as saídas não são as soluções para as nossas feridas. Afora isso, em grande parte do país o cidadão teme sair a noite, pegar o ônibus e conversar nas ruas. A violência é sinal de que sequer o interesse vital da liberdade de ir e vir subsiste à análise mais atenta do cenário. Nessa combalida conjuntura e considerada a absoluta paralisia social na busca de soluções, o cenário dos diversos segmentos do mercado financeiro e de capital começa a mostrar os seus caninos. A taxa de câmbio desvalorizada (USD 1 = R$ 4,00) talvez esteja no seu melhor patamar nos próximos meses. Da mesma forma, talvez a moeda nacional permaneça assim por longo período, até que as expectativas de um futuro melhor volte a raiar no horizonte. Nesse contexto, a taxa de juros terá de sair de seu bom comportamento atual e gravitar alguns pontos acima. Não acho um absurdo que a taxa real de juros volte para algo entre 8% a 10%, pelo menos. O estrago fiscal de uma taxa de câmbio mais desvalorizada pode não ser tão grande quanto no passado (final dos 1990 e início dos anos 2000), mas parece pouco provável que a taxa de juros possa se manter fora do equilíbrio num cenário de elevada volatilidade cambial. A desvalorização dos ativos reais é própria desse cenário que correlaciona câmbio e juros em elevação. Logo, dos imóveis aos valores mobiliários (ações, debêntures, etc.), o desempenho deve ser sofrível, além de volátil. Está claro que é muito melhor para o leitor ver o analista da cena política e econômica tecendo considerações sobre probabilidades que estejam em um espectro de razoabilidade. Ocorre que, quem estiver a fazer esse tipo de exercício, não encontra repouso de suas ideias em alicerces que sejam possíveis de serem considerados como confiáveis. A incerteza não é apenas elevada. Em verdade, ela é quase que absoluta. O medo está vencendo a esperança, o reverso do que certo candidato pregava anos atrás. Os candidatos não estão conseguindo postular objetivos que sejam razoavelmente possíveis. Da mesma forma, não conseguirão governar concatenados com o que pregam na campanha. Alguém acha que a aliança eleitoral servirá de base para a aliança de governo? Do ponto de vista do eleitor não há no cenário nenhuma razão que os impulsione na direção de um candidato: a fragmentação política é espelho direto da fragmentação social. Nesse cenário prevalecem os grupos econômica e politicamente mais organizados. Estaremos, com efeito, sob o domínio do passado. Mesmo formando uma maioria eleitoral, nenhum candidato terá maioria congressual que permita ao governo, simplesmente governar. Todos terão direito a veto, a dizer não. O "sim" que dirá? Por fim, sem objetivos claros e viáveis e uma razão política para motivar a ação, não teremos sequer princípios orientadores que sirvam à sociedade: jamais liberais e esquerdistas estiveram tão parecidos. São capazes de dividir a sociedade com seus proselitismos, mas não são capazes de construir unidade mínima necessária ao governo que vem. A vida pública caminha celeremente para o anonimato, para o obscurantismo e a realidade mais presente é a fuga. Sinceramente.
terça-feira, 14 de agosto de 2018

Eleições manuais no mundo digital

O debate político brasileiro retornou celeremente para os padrões dos anos 1950. Em pouco menos de oito semanas ocorrerá a votação na eleição de 2018. Do presidente ao deputado estadual pensamos que decidiremos o destino do país. Interessante que, a despeito do mandato formal de quatro anos, essa eleição extrapolará o seu próprio tempo: os desafios para o Brasil superam a aparente superfície eleitoral. Correm mundo afora alguns macroprocessos de fundamental relevância para o desenvolvimento brasileiro. Enquanto nos debruçamos sobre as análises primárias dos principais temas do Brasil, alguns macroprocessos mundiais indicam que o Brasil poderá se distanciar ainda mais das chances de se tornar razoavelmente desenvolvido. De forma geral, não podemos nos queixar de que a conjuntura mundial não tenha favorecido o Brasil nesse tempo em que nos engabelamos com processo de impeachment, a assunção de um governo fraco por dentro e por fora e pela ausência de reformas estruturais. Ademais, vimos o poder ser ocupado pela presença do Judiciário que acrescentou tensão ao ambiente rarefeito de condições para a prosperidade. O Brasil é uma ilha conflagrada por crises institucionais e estruturais. Não temos qualquer chance de, a partir dessa base frágil, engendrar desenvolvimento econômico e social. Reconhecer essa realidade seria o primeiro passo para a elástica mudança que necessitamos. Preferimos tapar os olhos. No âmbito mundial vê-se a inflação sob estrito controle das autoridades monetárias, certa sustentabilidade fiscal baseada no sólido crescimento das principais economias centrais, embora restem riscos no longo prazo, estabilidade razoável das relações entre as principais moedas e ganhos salariais modestos frente ao retorno do capital, mas contínuos, sem grandes variações na taxa de emprego. Ou seja, o mundo em nada atrapalhou o Brasil, durante o período onde nos martirizamos em praça pública. Ocorre que perante essa conjuntura afável alguns macroprocessos escavam a vala que separa o país do mundo desenvolvido. As economias centrais e também algumas mais periféricas estão cada vez mais digitais. O padrão industrial 4.0 está se espalhando pelo mundo o que provoca alterações rápidas não somente na taxa de produtividade, mas também em seu padrão: os instrumentos de gestão macroeconômica se convertem em apenas um meio cada vez mais parcial de alteração da produtividade. A revolução microeconômica necessita e promove novas formas de se investir e consumir sob variáveis cada vez mais difíceis de serem controladas pela política econômica, digamos, "tradicional". Um passeio nas regiões industriais da China ou no Vale do Silício dão indicações de como caminha a humanidade... De outro lado, nunca esteve tão intensa, desde a criação das entidades multilaterais no pós-II Guerra, a guerra comercial. Donald Trump impõe atabalhoadamente os guidelines beligerantes muito além do interesse imediato. De fato, a existência de um mercado interno forte se tornou ativo fundamental para que se possa negociar o comércio entre as nações. Há forte relativização da relevância dos blocos econômicos e as fronteiras dos países continentais que tenham mercado interno forte se tornaram ainda mais relevantes para a geopolítica econômica. Quem se lembra do Nafta? Observe-se o que ocorre no Velho Continente, sujeito a todas as invasões bárbaras que se possa imaginar no mundo moderno. China e Índia caminham celeremente para acentuar os seus papeis nesse cenário. De fato, são os únicos países (ainda) emergentes com mercados internos relevantes que podem se posicionar no mundo desenvolvido. O Brasil, tadinho... Pelos nossos lados latino-americanos ainda estamos discutindo o básico: no Mercosul, a Argentina luta (de novo) contra uma inflação de 40% ao ano, o Brasil está com crescimento capenga e finanças débeis e o Paraguai, quem diria, é o país mais organizado, por enquanto, nessa ficção denominada Mercosul. Agora temos candidatos para a eleição presidencial e dos outros níveis da Federação. Coitado do Brasil! Basta olharmos o tamanho dos desafios mundiais e a chegada do "admirável mundo novo" da "quarta revolução industrial" para verificarmos que não vamos a lugar nenhum se continuarmos acreditando nos pactos entre partidos políticos podres e candidatos sofríveis. O debate brasileiro é desafiador apenas do ponto de vista da adivinhação de o quanto pior este pode se tornar. Da criminalidade aberta (68 mil homicídios em 2017!) até a mera discussão sobre saneamento básico (não conseguimos ter um programa viável!), vê-se que o que virá depois da eleição é muito mais relevante do que quem vai ganhar o pleito. Aqui noto enorme ineficiência na "precificação" dos ativos brasileiros. As chances diminutas de o novo governo formar um verdadeiro centro político modernizante não se refletem nos preços dos ativos e dos contratos do tal do mercado, cuja ineficiência é assustadora. Há, até mesmo, quem creia que o capitão Bolsonaro e o General Mourão sejam as escolhas certas para carregar o andor de nosso atraso secular. Daí pode sair até cadáver da cartola, mas não sai superação do nosso atraso. O debate político brasileiro retornou celeremente para os padrões (não a realidade) dos anos 1950: uma esquerda atrasada sem percepção mínima de como seguir no "novo mundo" e uma direita oligárquica que não tira sua enorme boca das tetas do Estado brasileiro. No Brasil, a imensa multidão de pobres desenvolveu seu próprio código de conduta e o impõe, mesmo que indiretamente, ao corpo político. Cada vez mais o populismo se alastra como forma geral de proselitismo político, enquanto o povo vê-se submetido às milícias, ao tráfico de drogas, à corrupção endêmica e assim por diante. O atraso tem cara feia. Não nos iludamos: as eleições vindouras não valem muito para mudar o país diante dos enormes desafios que o "mundo 4.0" impõe a todos os países. A nossa democracia é ilusória. De fato, o próximo presidente será escravo das mesmas forças políticas de hoje (e sempre). O primeiro mandatário terá de "encostar a barriga" no balcão de negócios do Congresso Nacional e tentará governar com uma coalizão faminta para escalpelar o Estado. Resta saber para qual destino nós iremos.
terça-feira, 3 de julho de 2018

Em busca do centro perdido

Lamentavelmente as próximas eleições prometem um tremendo vazio político Corre solta a Copa do Mundo, estaciona a economia brasileira e dá marcha ré a política. O Brasil persiste em caminho perigoso, recheado de riscos institucionais, além dos econômicos. Juízes exorbitam suas funções com decisões descabidas e, até mesmo, no âmbito daquilo que é extra petita. Os políticos estão focados nas eleições, não carregam projetos, não trazem esperanças e falam com o dito povo como se dele fossem os feitores. O governo cambaleia entre denúncias e o completo sumiço da pauta. Enquanto isso, vê comentários da mídia sobre certa tentativa de "unir o centro político". Difícil extrair desse projeto algo que seja consistente, sobretudo quando realisticamente verificamos o que seria esse tal de "centro político". Ele inclui, um candidato sem votos (Henrique Meirelles), uma candidata com um partido irrelevante (Marina Silva), um ex-candidato (Rodrigo Maia), um candidato regional (Álvaro Dias) e, por fim, o candidato do maior partido, mas que se comporta como se fosse do menor (Geraldo Alckmin). Ademais, esses candidatos passaram os últimos anos escondendo seus projetos do distinto eleitor, articulando nos bastidores com políticos que rodeiam o atual governo, especulando com discursos inconsistentes, sem nada propor, sem seduzir o povo para a necessária refundação do Brasil. Ou seja, trata-se de manco "centro" que se vier a vingar nas urnas, talvez nem saiba o que fazer no governo. Ou terá de emprestar recursos políticos de algum guru solto pelo mundo. O Brasil não precisa de "gerentes" para tocar a bodega na qual se transformou esse país "deitado eternamente em berço esplêndido". Já deveríamos parar de fazer a pregação religiosa em torno do equilíbrio fiscal e da responsabilidade em relação à inflação e ao câmbio. Pelo amor de Deus: isso é primário! Não merece o debate, apenas a aceitação. Bons políticos deveriam ser capazes de ter incorporado a ideia de que essa ordem é necessária. O povo já sabe disso! Não quer inflação! Não quer privilégios! O que o povo quer saber é como vamos crescer e se desenvolver. Isso requer projetos ambiciosos, visão aberta para os horizontes de um mundo que é digital, tecnológico, vanguardista! Estamos no século XXI e o debate político do Brasil é do século XIX. Ou não é? No país dos analfabetos, desdentados, doentes, ignorantes, pobres em suas favelas não haverá desenvolvimento econômico e social sem projetos ambiciosos! Simples assim. O discurso liberal do "Estado Mínimo" não cola nem nos EUA! O país que muda a dinâmica do mundo é a China comunista! O discurso da esquerda atrasada na defesa de uma "Estado-empresário", por exemplo, beira o ridículo. Como alguém pode acreditar que uma Eletrobras ou uma Petrobras pode mudar o cenário da "quarta revolução industrial", na expressão de Klaus Schwab do World Economic Forum? Não deveria ser difícil à inteligência política do Brasil verificar que os discursos estão vencidos e que o futuro é aqui e agora. A desigualdade social está aumentando ao redor do globo, o meio ambiente se deteriora, as instituições políticas e econômicas estão sob desafio gigantesco frente à modernidade e o significado de "progresso" muda a cada dia. Nesse contexto, a mediocridade brasileira quer discutir um "tal de centro político", um arregimento de partidos sem significação social e sem penetração nas imensas massas de miseráveis. Obviamente, não estou a desprezar os riscos oriundos de Jair Bolsonaro e de Ciro Gomes. Por entre os dois apenas corre a certeza da velhice do discurso e do projeto. Todavia, reagir a esses dois personagens com uma articulação medíocre e sem discurso é sinal de inconsequência e irresponsabilidade. Além de total insensibilidade para o que estamos a viver. Será preciso muito mais do que encontros noturnos regados a vinho e promessas de cargos e salários para superarmos a terra devastada que se tornou esse belo e promissor país. Se se quiser articular um "centro" que esse seja de ideias que, levadas ao povo, possam ser compreendidas como parte de um necessário mundo novo. A sociedade brasileira está perdida e intolerante em relação à mesquinharia, à corrupção, à ausência de sonhos realizáveis, ao jogo absolutamente mentiroso que se tornou a política por esses lados. O verdadeiro "centro político" tem de mudar o modelo mental da atualidade e jogar o país à frente! Lideranças tem de ser orgânicas. A cada dia que passa caminhamos na direção errada. Lamentavelmente as próximas eleições prometem um tremendo vazio político o qual será preenchido: ou teremos a aceleração do atraso e da mediocridade com riscos institucionais gigantescos ou a letargia desértica sem terra prometida. Os candidatos postos à prova estão acanhados e sem projeto. Só há verborragia de quinta categoria. A formação de um "centro político" requer a gravitação de líderes sociais em torno de ideias para um mundo novo. Liderar exige o esforço orgânico de prometer e cumprir os projetos transformadores. O resto é balela. O "centro" do qual se fala é periferia do mundo que corre lá fora.
terça-feira, 12 de junho de 2018

O combustível que não nos falta

As instituições estão frágeis e perigosamente desarticuladas. Só não vê quem não quer. A paralisação dos caminhoneiros, a elevação da cotação das moedas estrangeiras em relação ao real, as reações dos políticos frente à crise e a maior turbulência dos mercados financeiros e de capitais ao redor do mundo evidenciam que a conjuntura brasileira persiste na sua fase de maior complexidade face à frágil situação da atual administração e ao calendário eleitoral. Em meio a isso está a Copa do Mundo, momento de catarse de estranho nacionalismo e patriotismo, aquela presumida virtude que o poeta e ensaísta inglês Samuel Johnson chamava de "último refúgio do canalha". Toda tragédia tem sua própria ironia. A política foi a criação humana, mais exatamente dos gregos, para que fosse viável a convivência pacífica, mesmo que antagônica, dos contrários, dos diferentes, dos opostos. É forma de colaboração do todo para que não exista fragmentação social. Para tanto, a política tem de organizar certos "denominadores comuns" entre os agentes, plataformas comuns das ações políticas. Sem isso, a força centralizadora da política toma rumo diverso, separando ainda mais aquilo que já é, por natureza, diferente e dividido. É desse pressuposto teórico que extraímos o maior risco do Brasil no momento: cada vez mais as forças políticas se desintegram, o cenário está com a agenda mais mitigada e pouco ambiciosa e a incerteza predomina. A crise institucional crônica que estamos a registrar nos últimos anos pode tomar um curso de crise aberta, aguda e imprevisível. Não subestimemos essa possibilidade. A crise dos caminhoneiros é espécie do gênero de crise institucional. De um lado, temos a racionalidade de determinado processo econômico: preços internos de commodity (o petróleo), quando desalinhados com os preços externos, são arbitrados pelos agentes o que causa lucros e prejuízos anormais. Logo, manter preços consistentes e pari passu no mercado interno e externo é interesse primário, básico e relevante para qualquer empresa. Caso contrário, no âmbito público (o todo) há subsídio ou penalização para o consumidor. De forma simplificada, esse é o caso dos combustíveis. De outro lado, temos a racionalidade do consumidor: o distinto caminhoneiro vê seu lucro despencar vez que está pressionado pela empresa que o contrata e lhe restringe, face a baixa demanda, a possibilidade de repasse do preço do frete em função da elevação da cotação do petróleo no mercado internacional, bem como da taxa de câmbio. Como tem de pagar as contas em casa e a prestação do financiamento de seu caminhão, resolve paralisar as suas atividades para pressionar pela redução do preço dos combustíveis. Como agente político que é, o caminhoneiro se une a seus pares e vê que consegue parar o país. Foi o que aconteceu. Diante destes polos distintos, a política deveria servir a ambos, criando o "denominador comum", qual seja, manter a racionalidade econômica ("não haver subsídio") e refluir os danos irreparáveis do caminhoneiro. O que tem à disposição o agente político para criar o tal do "denominador comum"? Ora, 52% do preço final do diesel é composto de tributos (71% no caso da gasolina). Se reduzir os tributos, o agente político repara a crise e vai tratar de cortar o orçamento público, tratando politicamente outras questões e demandas que decorrem de sua decisão, no caso a mais urgente, que era a de evitar um colapso no abastecimento. De forma simplificada e didática foi essa a natureza do problema que registramos nas semanas anteriores, não é mesmo? Ocorre, que a tal da política está em frangalhos no Brasil, tomada por traças de corrupção, nepotismo, irresponsabilidade fiscal, federalismo inviável, partidos sem raízes sociais, patrimonialismo, oligarquia, esquerdismo anacrônico, etc. Esse cenário trouxe crescente e justificado preconceito contra a política enquanto fonte necessária de soluções dos problemas sociais e econômicos do Brasil. Portanto, a criação de denominadores comuns entre os agentes políticos fica defeituosa ou inexistente. Ademais, a organização do Estado brasileiro, as denominadas instituições da República, é tão desprovida de capacidade de elaboração e execução de políticas verdadeiramente públicas que as soluções são penosas e, no geral, erradas, dolosa e culposamente. O que seria a solução óbvia de uma crise ("ajuste dos tributos dos combustíveis") como a dos caminhoneiros virou um verdadeiro caos nacional, perto de um colapso perigoso do funcionamento das cidades e do campo. Essa crise mostrou à sociedade o quão frágil é a nossa República: a racionalidade econômica facilmente é solapada por soluções/discursos populistas ("o problema são os aumentos diários dos combustíveis"), a estrutura social é frágil e desigual ("caminhoneiros com caminhões financiados com juros altos e encalacrados pelas empresas"), o federalismo é um caos tributários ("tributos indiretos em todos os níveis da federação"), os políticos simplesmente não intermediaram a crise e o governo, perdido e sem soluções, ficou capengando para amarrar a solução em qualquer coisa que não permitisse que a administração Federal fosse à lona. Em meio a isso, suspeitas de que ordens militares não foram cumpridas, empresários de certos setores agiram para propagar o pânico e a mídia caçando notícias sem evidenciar o processo por detrás dos fatos. A crise dos caminhoneiros foi uma espécie de proxy, de amálgama, de exemplo evidente, de que as instituições estão frágeis e perigosamente desarticuladas. Só não vê quem não quer. Os agentes econômicos, mais organizados e atentos, logo fizeram ou reforçaram suas posições de arbitradores. Observaram o cenário de confusão institucional, somaram à fragilidade da atual administração, deduziram das pré-campanhas eleitorais, discerniram sobre as probabilidades dos candidatos à presidência da República, analisaram às perspectivas de suporte político do próximo presidente e concluíram: vale a pena comprar moeda estrangeira, vender ações e começar a apostar em elevação do juros e aumento de volatilidade dos ativos. O mundo é plano e o mercado é rápido. O Banco Central até que agiu rápido e colocou à disposição dos mais tensos um belo estoque de mais de US$ 20 bilhões de reservas internacionais. Não bastará. Estamos com sintomas de crise, mas, sem tergiversação e "engenharia sociológica", o certo é que estamos engalfinhados no passado, vivendo um efêmero presente e diante da névoa do futuro. A palidez tomou conta do país e essa crise dos caminhoneiros nos ensinou um pouco sobre os efeitos da crise institucional. A Copa do Mundo de futebol pode ser erguida pelo escrete nacional após a partida final em meados de julho. Já nas eleições de outubro é quase certo que o Brasil vai perder. Triste mesmo. Merecemos mais, mas não fazemos por merecer.
quarta-feira, 23 de maio de 2018

A insustentável fragilidade do presidente

As eleições têm pouco valor apesar de seu aparente brilho democrático A despeito de todo arsenal de pesquisas de opinião e da análise de milhares de experts a verdade nua e crua é que a corrida pela presidência da República está incerta como variável pode ser a própria vida. O fato novo desse processo é que o povo (ele mesmo!) percebe com nitidez que os candidatos variam de discurso, mas parecem parte substantiva da política que não funciona mais para a cidadania e para a sociedade. O que não é ainda percebido é que o próximo presidente brasileiro permanecerá refém integral da classe política. A palavra que uso é "refém" porque aqui não estou a me referir à natural necessidade de negociação política (e partidária) que o exercício do governo requer. Refiro-me, isso sim, à perpetuação da política patrimonialista-oligárquica, recheada de favorecimentos legais e ilegais às castas políticas e aqueles que estas representam por meio legal e, até mesmo, constitucional. Por mais que se tente suscitar esperança por dentre às falas e aparições midiáticas dos analistas de plantão, o certo é que devemos largar a nossa esperança no processo eleitoral às portas de outubro, logo após a Copa do Mundo. De fato, a escolha de nossos mandatários não representa razoável concretização da vontade geral do povo, mas a mitigação do poder adquirido nas urnas por um sistema representativo doentio e que serve às transações mais privadas do que públicas. Afora as graves inquietações políticas estamos diante da inviabilidade estrutural do desenvolvimento do Brasil. Aqui não cabe tergiversações: sem a reforma do Estado brasileiro não há menor perspectiva de que se possa compensar a perda do "bônus geracional" (ingresso de jovens no mercado de trabalho) pelo incremento da produtividade dos meios de produção, especialmente a mão de obra. Não somos mais apenas um país de iletrados. Somos parte de uma sociedade mais envelhecida, funcionalmente analfabeta e, por ora, incompatível com o desenvolvimento tecnológico desses tempos. O avanço da digitalização, da tecnologia da informação, da química fina, da engenharia genética, da bioquímica, etc., representam a oportunidade de saltos qualitativos na economia de forma a produzir transformações estruturais na sociedade. Note-se, a título de ilustração, que é possível superar a ignorância de nosso povo por meio da adoção de avançados (e disponíveis) meios de educação. Ou seja, o campo de oportunidade se alastra ao tempo em que os riscos de permanecermos no atraso estrutural nos ronda por força de um sistema político que acanha as nossas potencialidades e, literalmente, rouba o nosso próprio futuro. O Brasil não é mais um país de futuro: ou construímos o presente ou seremos alijados da dinâmica da modernidade, em todos os seus aspectos. Importará, é claro, se o país for comandado pelo capitão Bolsonaro ou por Ciro Gomes, por Geraldo Alckmin ou por Álvaro Dias, ou ainda por Marina ou outro qualquer. O presidente é sempre referência essencial num país de complexa democracia formal. Percebe-se, contudo, que nenhum deles preenche a priori às necessidades requeridas para que não caminhemos para um desastre institucional mais à frente. Obviamente, se presidente for, Bolsonaro é a representação alargada de nosso fracasso institucional absoluto. De outro lado, a esquerda, se representada por Ciro Gomes - quiçá associado a um empresário que lhe traga algum veio de legitimidade econômica - é o espelho de atraso secular. A esquerda brasileira insiste em relegar os temas mais difíceis para as trilhas mais populistas - o atraso por ali veio para ficar! Sinto muito pensar assim, mas acho que aqui não cabe meias palavras como tantos insistem em pronunciar. Também trago à tona uma discussão de fundo, a meu ver deixada de lado: a perda de autoridade dos governantes e do Estado para o exercício de políticas públicas. Isso é fruto desse cenário arriscado que estamos a percorrer. As falhas graves do sistema partidário, a corrupção endêmica, a ausência do Estado em áreas geográficas (vide o Rio de Janeiro!) e de competência (saúde, educação, infraestrutura, etc.) do país carcomeram a autoridade de tal forma que inviabiliza a consecução e concretização dos programas governamentais. Estamos a perder o senso de permanência (continuidade e perspectiva), bem com a confiança e segurança no Estado, funções básicas. Desafiada a autoridade, para que essa seja reposta, será necessário mais intervenção e força, talvez a violência do próprio Estado. Muito embora essa perda de autoridade pareça bem evidente, o raciocínio dos candidatos à presidência tem por pressuposto de que possuem a autoridade que, de fato, estão a perder por força das forças políticas do atraso que se movimentam por detrás do voto popular. Seja do lado mais liberal ou do mais radical (é o caso de Bolsonaro), é falsa a percepção de que há autoridade em suficiência. O próximo presidente, dado o atual quadro eleitoral, será frágil. O enfraquecimento das instituições e a ocupação irracional dos espaços do Poder - o Judiciário é o caso mais notório - pode levar o país para um quadro de incerteza incompatível com o próprio exercício da autoridade perante a sociedade. Em suma: as eleições têm pouco valor apesar de seu aparente brilho democrático. Obviamente, não estou a pregar um caminho totalitário ou autoritário, apenas estou registrando o fato de que sem autoridade as políticas públicas perdem efetividade e o governante pode ser inócuo do ponto de vista funcional, quando não apeado do Poder - dois impeachments presidenciais desde a redemocratização é algo a ser ainda analisado. Também parece razoável imaginar que, na tentativa de obter ou recuperar autoridade, o novo presidente aumente o grau de intervenção. Nesse item não estou a me referir tão-somente ao provável aumento da interferência na economia, mas também à redução relativa da liberdade, da individual até a econômica. Iludem-se os que acreditam no pressuposto liberal de que a o mundo caminha para a liberdade econômica a despeito de quem governa. Donald Trump nos ensina hoje, com vivacidade, de que a legitimação de quem não tem autoridade política material perante a sociedade é intervencionista. Aquele presidente norte-americano, impõe barreiras comerciais, atenta contra as liberdades civis, é ofensivo com a mídia, contraria acordos internacionais, desrespeita preceitos de relações internacionais e direitos humanos e assim por diante. Sem autoridade, governantes não permitem que a sociedade retenha a liberdade de forma extensiva. Alguns caem na ditadura aberta, como é o caso da Venezuela. A Copa do Mundo vem aí e estaremos todos com camisa amarela torcendo pelo escrete nacional. Podemos não ter panis, mas teremos circenses. Terminada a partida final do torneio estaremos às portas das eleições (quase) gerais. O Brasil pode ganhar a Copa, mas a autoridade tem sido perdida a cada jogo eleitoral.
terça-feira, 24 de abril de 2018

Muitas candidaturas, nada de novo

A aglutinação de candidaturas a tentar se apropriar da herança lulista não é sinal de vitalidade democrática É evidente a contradição que vive a política nacional. De um lado, vê-se a proliferação de candidaturas que, paradoxalmente, tornam o centro rarefeito de força política capaz de tornar mais racional as necessárias modificações na política (partidária e congressual), na economia e na gestão das políticas sociais. A candidatura de Joaquim Barbosa, prócer do denominado mensalão, é mais um sinal de que o espólio de Lula será disputado intensamente. Enquanto isso o nobre presidiário de Curitiba lidera as pesquisas de opinião. De outro lado, vê-se que essa disputa é vincada por substancial inutilidade. Infelizmente ainda não é generalizadamente percebido que a construção de candidaturas no topo da pirâmide do processo político, em especial a presidência da República, resultará, de forma implacável, em mitigação do poder das urnas pelas máquinas dos partidos políticos no Congresso. Presidente que sai banhado pelos votos das urnas e não tem votos no Congresso acaba ou no exílio político dentro do próprio governo ou termina em algum trauma tal qual o impeachment. Note-se que "partido político" no Brasil significa "franquia" do tipo 'comercial', liderada por alguém ou por algum grupo de poder que organiza mandatados para negociar interesses próprios que distam substancialmente daquilo que seriam "políticas públicas" ou "políticas republicanas". Escambo e mais escambo. Os escândalos corroboram essa verdade. Há ainda os "movimentos sociais", bem conectados com as "redes sociais", mas que não estão a praticar o contraditório com a realidade do país. Uma coisa é emitir sinais de participação e fazer demonstrações na avenida Paulista ou em Copacabana. Outra coisa é construir um conjunto de políticas, ou seja, um programa político que abranja a maioria social e política (eleitores) do Brasil. Isso é feito pelo enraizamento das lideranças em problemas concretos e soluções viáveis. Com efeito: para esses movimentos a política é mera ideologia e não uma realidade. Trata-se de caso bem diverso, por exemplo, de Emmanuel Macron, atual presidente da França, que tornou o movimento "Em Marcha" em um partido político que foi capaz de aglutinar de socialistas modernos à centro-direita e, assim, viabilizar programas reformistas que estão sendo implantados na França, mesmo que sem a intensidade prometida. Houve no caso francês o exercício pleno do contraditório social. As redes sociais são mídia (meio) e não fim. Essa é a natureza do internetismo, para usar termo cunhado pelo professor Marcos Peixoto de Mello Gonçalves. Na ausência de unidade básica que permite acreditar que o centro político emitirá, após as eleições de 2018, sinais suficientes para mudar o cenário brasileiro, os riscos políticos do país estão crescendo e não diminuindo, como certas hostes estão a pregar. É erro grosseiro, a meu ver, dos analistas de plantão e do tal do "mercado" acreditar que estamos a formar um cenário mais favorável às políticas "racionais" que se espera do próximo governo. Na verdade, estamos em estágio meramente declamatório de vontades que não se concretizarão em políticas transformadoras porque tais "vontades" não são aquelas que se apuram nas ruas ou nas urnas. O que se vê no cenário eleitoral são proposições absolutamente populistas das elites incapazes de exercer dominação republicana, forjadas para a conquista de um povo funcionalmente ignorante ou, alternativamente, uma esquerda atrasada, inerte e desfocada em relação às mudanças que o mundo registra, calcada na ideia de que o fortalecimento do Estado decadente do país seja solução ideal - aqui conta com o integral apoio da forças da burocracia do Estado, interessadas em seus próprios privilégios. Do perigoso Jair à Manuela, passando por Marina, Joaquim, Ciro, Geraldo, Álvaro, e tantos mais há evidente rebeldia no linguajar. Até mesmo, vê-se certa construção racional de propostas. Algumas de vanguarda, a maioria de certa retaguarda ou puro atraso - ainda não se descobriu que estamos na era digital e não na mecânica pesada do século passado. Ocorre que os interesses por detrás do discurso não casam com visões não especulativas e práticas consistentes. A inserção do país no mundo, de fato, depende da superação de desafios objetivos em relação ao papel do Estado na economia, os temas da previdência social e do trabalho, a estabilidade fiscal e monetária, a superação da ignorância funcional, programas contra a violência e a pobreza, etc. e etc. Aqui não cabe tergiversação eleitoreira, "emocionalismo" televisivo ou mero despojo de linguagem coloquial. Os "interessados" nesses temas não conseguem fazer distinção razoável sobre como alcançar esses objetivos. A democracia formal do Brasil é bem moderna, até tem identificação digital. O que falta é identidade política entre as aspirações do povo e a razoabilidade de se alcançar os objetivos das políticas. Sejamos sinceros: é mais fácil amealhar votos por meio de pregação estatista, aquela que dá empregos bem remunerados e estáveis que por meio do chamamento da sociedade ao empreendedorismo e à construção de uma economia nova e renovada. O Brasil é campo fácil para o populismo, para as facilidades do Estado, inclusos aí aqueles que tem benefícios fiscais e estão mamando nas tetas oligárquicas-patrimonialistas do Erário. O centro político do Brasil é retrógrado, a esquerda é atrasadíssima e, serenamente, a direita cresce à sombra da violência, da falta de Justiça social e penal. A aglutinação de candidaturas a tentar se apropriar da herança lulista (ou será de seu butim?) não é sinal de vitalidade democrática. É sinal da inconsistência de nosso sistema eleitoral e partidário que fraciona o interesse social entre os detentores do poder formal dos detentores das franquias políticas, no caso, os partidos. Não há saídas fáceis para a situação brasileira. Essa é a única constatação que me parece visível no momento. Quando constato que há aqueles que creem que temos vida suficiente nas veias das instituições fico deveras assustado. Os riscos estão a aumentar e estamos dispostos a viver a mesma continuidade de sempre: apostar em um presidente "razoável" e depois garantir interesses no dia a dia do Congresso. Essa fórmula que agasalha os nossos séculos de patrimonialismo se esgotou completamente. Ou encaramos os temas reais da sociedade e superamos a nossa própria história, ou "nada mais surgirá exceto aquilo que já existia", como informou Hegel há muito tempo.
terça-feira, 10 de abril de 2018

Radical na política, liberal na economia

Para o radicalismo político vingar pode-se ceder ao centrismo econômico A prisão do ex-presidente Lula é a representação factual do imbróglio da política nacional, acidente agudo da crise institucional na qual estamos inseridos e prova cabal de que o processo eleitoral pode ser inútil à consecução de mudanças estruturais no país. Com efeito, as variáveis de risco aumentam por todos os lados, inexoravelmente. O espetáculo político de São Bernardo do Campo foi concebido pelo seu ator principal para ser o anúncio da morte momentânea do Demiurgo da Nação - no fundo muitos creem que a prisão de Lula seja a chave para uma espécie de "anistia" mais à frente, via a análise do STF de eventuais inconstitucionalidades no caso das prisões de políticos de todas as estirpes criminosas. Note-se que a campanha eleitoral que o ex-operário tracejava recentemente pelas estradas do Brasil tinha evidente caráter redentorista, a promessa da restituição da ordem pregressa estabelecida pelo PT entre 2003 até 2010. O intervalo histórico de pouco mais de cinco anos (2011-2016) da infanta de Lula, Dilma Rousseff, era esquecido nos discursos, mas a amnésia não alcançava os depoimentos do ex-operário que associam o fracasso petista à inoperância governamental e política de sua própria criação. Sabe-se que há evidente ódio ao petismo, sobretudo na região Centro-Sul do país. De outro lado, há renovada esperança em regiões pobres e rincões geográficos de que o lulismo retorne, messianicamente. Essa polarização faz todo o sentido. Os "esclarecidos" do Sul combinam evidente preconceito de classe contra o petista associado à coisa concreta de que o governo do PT foi um desfile de corporativismo e corrupção, contrariedade à pregação secular do ex-partido proletário. Já os eleitores das regiões pobres e das miseráveis rebordas urbanas, ignoram as práticas republicanas, seja por ignorância, seja por incapacidade política de se rebelar, para esperar por programas assistencialistas e alguma migalha de verdadeiras políticas públicas. Em meio à expansão dos extremos em detrimento de certa racionalidade centrista, as elites (é, elas existem!) silenciam e ficam passivamente assistindo ao andar das seitas de inspiração populista. Aqui, façamos o registro direto: não há razão mais para duvidarmos concretamente que a possibilidade de Ciro Gomes e Bolsonaro no segundo turno da eleição, apenas para expressar um pensamento dessa hora. Ambos os candidatos estão engordando à variável "antropológica" da massa eleitora, ou seja, penetrando o coração do povo sem que se saiba exatamente quem são e para onde levarão esse país dos Tristes Trópicos. Nas rodas mais esclarecidas, vê-se que não há barreiras enormes para que, em algum momento, se ceda a um dos extremos, a depender da evolução das pesquisas. Como se sabe, não é prática dos esclarecidos e nem de nosso povo analfabeto, suscitar dúvidas sobre os que se apresentam para representá-los. Os empoderados são respeitados no poder e esquecidos fora dele. Talvez ainda sobre alguma estátua aqui e ali para lembrar os feitos dos que exercitam o poder. Lula, personagem da hora, verá que o seu destino é o esquecimento. Seria o mesmo de Vargas, mas esse inventou o diabólico ato de "deixar a vida para entrar na história". Mantida a vida, Lula não deve mais entrar na história, em sentido material, é claro. Veremos. Alguém poderia sugerir que o centro político ainda possa ser salvo. Afinal de contas, é preciso ter denominador mínimo comum entre as propostas políticas dos candidatos mais centrados. Pois que, se não se reconhece que controle fiscal e monetário é base mínima da boa gestão pública, aí a coisa começa bem mal. Mais: a previdência social é sim problema genético para a consecução de qualquer política econômica. Abandonar essa racionalidade é tremendamente perigoso, mais isso pode acontecer. Todavia, o que é mais provável não é, paradoxalmente, esse cenário. É outra coisa. É possível que o enorme fosso entre a política e a economia permita que um dos extremos abolete em seu programa econômico as "boas práticas" de mercado, admiradas pelos esclarecidos. Ou seja, para o radicalismo político vingar eleitoralmente pode o candidato ceder ao centrismo econômico. Refiro-me, muito mais, ao extremo direito, nominalmente ao capitão Bolsonaro. Aqui, lembro a história. Um ex-cabo, patentes abaixo ao nosso militar, foi eleito na Alemanha. Seu nome era Adolf Hitler. Interessante que o grande maestro da economia do chanceler e depois ditador alemão foi o economista e banqueiro Hjalmar Horace Greeley Schacht (1877-1970). Schacht moveu montanhas e controlou a hiperinflação, aumentou o emprego, revigorou o setor industrial e favoreceu a banca, então quebrada. Foi presidente do Banco Central Alemão (Reichsbank) entre 1933-1939. Depois, Schacht foi ministro sem pasta do ditador até 1943 e, aí finalmente, viu que tinha ajudado a alimentar um monstro. Acabou num campo de concentração nazista e depois foi julgado e absolvido em Nuremberg, pelos aliados vencedores da II Guerra. Guardados os limites dessa comparação, que não são poucos, cito-a apenas para provocar a ideia de que é possível que a política brasileira viva um momento especialmente danoso: adernar um radical de direita à boa política econômica e viver os riscos políticos à democracia. Se Bolsonaro caminhar bem nas pesquisas e, assim, permanecer intacto às dissecações de seu pensamento (ou ausência dele), é possível que ele cative hostes abandonadas por meio do voto e elites perdidas por via de suas "modernas" propostas econômicas. Quanto à esquerda, Ciro aí incluso, muito embora sua estirpe esquerdista seja bem desconhecida, será preciso condensar mais o isolamento de Lula em Curitiba para sabermos como será o posicionamento dessa faixa política frente ao eleitor. A ausência de Lula no cenário parece que será mais longa do que ele deve estar a imaginar naquela cela da Polícia Federal ou, cá de fora, alguns analistas prognosticam. Na política, do ponto de vista eleitoral, caminhamos para definições mais rápidas depois do espetáculo de São Bernardo do Campo nesse último fim de semana. Tempos obscuros.
terça-feira, 3 de abril de 2018

Não virá paz do STF

O exame do caso de Lula tornou dualista a discussão sobre a sua prisão Nessa quarta-feira, 4/4, estaremos diante da decisão do STF sobre a prisão (ou não) do ex-presidente Lula. O caso concreto está a suscitar múltiplas interpretações, sofisticada hermenêutica e acende debate social e político, decisivo no curto prazo para as eleições desse ano, duvidoso no médio prazo para o Judiciário do Brasil. Tempos incertos e obscuros. O interessante de observar na decisão Suprema da Corte é que confluem dois temas sobre a punibilidade penal, cuja análise de cada um deles leva a conclusões relativamente pacificadas na teoria do Direito Nativo ou Internacional, mas que em seu conjunto causam confusão hermenêutica de sobra, muito embora não devesse chegar a tanto. Os temas são: a interpretação do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal e a prisão de condenados por crime em segundo grau. Em relação ao primeiro ponto controverso, parece-me muito difícil interpretar diversamente o referido artigo constitucional daquilo que ele próprio enuncia no inciso LVII do artigo 5º da Constituição: "LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Ora, se alguém não é "culpado" até o trânsito em julgado, como poderia ser preso? Com o devido respeito aqueles que desejam interpretar (extensivamente) o referido comando constitucional, parece-me tarefa hercúlea, senão descabida. Historicamente, também é claro que o constituinte de 1988 estava com os dois olhos na possibilidade de arbitrariedades judiciais e olvidou, ao menos de forma mais consequente, dos aspectos criminológicos da penalização: não se esperava que o "trânsito em julgado" se tornasse empecilho material para a punição daqueles que cometem crimes. Ademais, sendo o artigo 5º "cláusula pétrea", não se pode alterá-lo, mas também não se pode esculpi-lo com interpretações muito além daquilo que reza. É caso bastante diverso de comandos como o da expressão intelectual e artística. Aqui cabe dizer que as "cláusulas pétreas" da Constituição brasileira tornaram "naturais" - para usar uma expressão tipicamente kantiana - direitos que não deveriam ser concedidos de uma vez por todas. Não poderia o constituinte fixar o sentido do direito à liberdade em outro conceito ("trânsito em julgado") que tem expressão processualmente determinada, cuja variação interpretativa pode ser elástica ao longo da história, muito embora saibamos exatamente o seu sentido atual: é quando o processo se encerra definitivamente. Cláusulas pétreas são garantias principiológicas, mas temos de reconhecer que contém riscos políticos e sociais e esses não são pequeninos como os constitucionalistas costumam pregar. O segundo tema controverso é sobre a razoabilidade da prisão por crimes cometidos após o julgamento em segundo grau. Não precisa ser doutor em Direito Comparado para que se possa reconhecer que é muito razoável a prisão após o julgamento em segunda instância. Isso como regra. Como exceção normativa, cabe a prisão a qualquer tempo, desde que devida e restritivamente a prisão esteja enquadrada no que reza a norma aplicável. Aqui o conflito está na órbita daquilo que Norberto Bobbio salienta como sendo a necessidade de proteção do homem em relação ao Poder. O aumento ou redução da proteção ao Poder Estatal implica em efeitos proporcionais à liberdade. No Brasil de hoje o que se percebe é que no campo das denominadas liberdades individuais e políticas estamos em época de redução de direitos e não expansão destes. Infelizmente, a prisão em segundo grau não é vista como "natural" dentro do processo penal, como no caso de larga maioria dos países democráticos. Foi convertida em espécie de vingança do Estado contra o indivíduo, concretamente Lula e outros tantos que tem frequentado as cortes penais. O que escrevo acima não pretende, é claro, esgotar interpretações e visões sobre o tema da penalização no grau de jurisdição. O que se pretende demonstrar é que o exame do caso de Lula tornou dualista a discussão: do ponto de vista formal vê-se impossível a prisão por força de cláusula pétrea, cuja interpretação não pode sugerir o que não está escrito, não por força tão somente de interpretação gramatical, mas inclusive do ponto de vista da avaliação do sistema normativo em seu conjunto; do ponto de vista material, a mudança ou supressão do conceito de "trânsito em julgado" como critério da presunção de inocência (ou culpabilidade) permitiria que o Brasil se juntasse ao conjunto de países que consideram o segundo grau como limite máximo para o início da execução da pena. O papel de pacificador social do Judiciário, contudo, sairá visivelmente chamuscado desse episódio. Isso ocorre como decorrência da dissonância urdida nas Cortes Superiores de forma casuísta. A fila de réus da elite política e econômica engendrou os tribunais em estranha "vontade especial" em relação ao cumprimento de sentença. Como se vê pela resumida argumentação acima, não há tanto a ser examinado do ponto de vista da matéria. Todavia, parte das Cortes querem ultrapassar os limites constitucionais sem que se percorra sequer a via legislativa, embora reste o quesito da cláusula pétrea sobre a mesa. Se não ultrapassada a Constituição pelo STF, restará o sentimento popular de que não há Justiça para o ex-primeiro-mandatário do país porquanto o ex-operário seja parte da denominada elite. A decisão sobre a prisão (ou não) de Lula da Silva se insere dentro da crônica crise institucional do país. O Brasil, que deixou de ser país do futuro para viver o passado, está cada vez mais tomado pela ausência de funcionalidade dos poderes e isso avança de forma torrencial sobre os cidadãos. Não virá pacificação do STF a partir dessa decisão em função da ambição das Cortes em cuidar de mudar a norma, por meio de duvidosa interpretação para adaptá-la ao caso concreto.
terça-feira, 27 de março de 2018

O futuro é ruim

Estamos adentrando pelos salões de uma crise institucional cada vez mais aberta Estamos nos perdendo em trivialidades na análise do quadro político nacional às vésperas da eleição presidencial. Há certa especialização dos assuntos da agenda da política nacional como se esses fatos e atos, individualmente considerados, não estivessem amarrados como as pedras de um mosaico. Olhado de perto, o andamento da política parece "normal". Observado a distância o que se vê é uma crise institucional crônica. A sociedade brasileira deve enfrentar a realidade nua e crua e, a partir desse encontro pragmático, é hora de se buscar ousadia. Há, em verdade, excesso de juízos de valor sobre tudo. Conceitos como "Justiça social", "patriotismo", "eficiência econômica", "rigor fiscal e monetário", "superação da pobreza", etc. A apreciação dessa vasta temática tem sido praticada pela classe política como meio de separação ideológica entre os atores. Ocorre que, em verdade, a valoração de cada tema não passa pelo crivo da realidade factual. Assim, o que se chama de "Justiça social" não tem relação com políticas públicas, é apenas assistencialismo. "Patriotismo" é forma disfarçada de exclusão de minorias por uma maioria que não poderá discutir práticas, políticas e conceitos. "Eficiência econômica" não passa de verbete para manutenção do status quo de classes já bastante "eficientes" na obtenção de resultados econômicos. "Disciplina fiscal e monetária" impõe um imperativo científico que não encontra respaldo nem na realidade e nem na teoria econômica. Já a "superação da pobreza" passa ao largo da revisão mais profunda do papel do Estado na consecução de projetos de verdadeira superação. Estamos diante de um quadro político que mistifica o debate. Não se debate ideias, mas clichês. Tudo ordinário. As vísceras expostas da operação Lava Jato mostraram que essa mistificação era mais profunda do que se imaginava. Trata-se de mero joguete eleitoral, no qual os "juízos de valor" não tinham relação com o verdadeiro mundo das ideias. Os políticos veem a política como se fosse uma franquia instalada dentro do Estado. Indicações políticas serviam (e possivelmente ainda servem) a obtenção de inconfessáveis beneplácitos. A corrupção era (e possivelmente é) mera decorrência informal desse processo. A estrutura partidária e política está intacta e pronta a retomar o curso de seus negócios. Ou não está? Não se pode, nesse contexto, fazer separação razoável entre candidatos e partidos políticos. Pragmaticamente estamos diante de um cenário de "mais do mesmo". Há, é claro, nuances de um em relação ao outro, mas o que é certo é que os valores ideológicos não se traduzem em verdadeiras ideias que modificarão a realidade. Há que se notar que nenhum candidato está fazendo escolhas, ou seja, informando o que que vai fazer e o que não vai fazer, o que vai destruir e o que vai construir, o que vai começar e o que vai terminar. Afinal de contas, basta ter um pouquinho de cérebro para que se possa concluir que os programas dos candidatos simplesmente não cabem no orçamento. O governo não caberá no Estado quando chegar o novo presidente. Simples assim. A eleição programada para outubro é verdadeira farsa do ponto de vista de modificação estrutural do Brasil, país mergulhado em profunda disfuncionalidade institucional. Apenas será cumprido o rito formal das eleições, pois afinal de contas não se pode aceitar a modificação da aparência formal do processo político. A realidade é essa e poucos estão dispostos a mostrá-la. Em meio a tudo isso, temos o nosso cotidiano que vai mostrando o que somos. A violência se espalha em velocidade astronômica e as intervenções estatais demonstram toda a debilidade no combate às quadrilhas e bandos cada vez mais organizados. Os antigos "excluídos" estão sendo recrutados para a luta, dentro do crime. A solução que desponta é toda emergencial, sem que se possa registrar nada que indique que teremos algo vertebral a modificar essa realidade. Ao mesmo tempo em que militares tentam impor a ordem intervencionista diante de cidades boquiabertas, vê-se o espetáculo dantesco do STF. Ali deveria ser a casa da responsabilidade, da maturação de saídas pacificadoras, da interpretação de fatos concretos com menos oportunismo político. Não há naquele palácio a reflexão desapaixonada e menos superficial. Mais compromisso com o Brasil e menos comprometimento com certos brasileiros. O Judiciário deve ser o Poder da serenidade, da observância mais neutra possível do fato concreto com os olhos no horizonte. O que se vê é açodamento, vaidades irrefreáveis e debate completamente encantado pelas víboras que convivem nas esplanadas do poder. Um toma lá dá cá estranhíssimo para usar palavra moderada. A política tem face trágica, em verdade. Aqui no Brasil estamos brindando com a ruptura de uma ordem sem construirmos nada compensatório. Estamos adentrando pelos salões de uma crise institucional cada vez mais aberta. A tensão normal existente entre as esferas do poder está relacionada com interesses cada vez mais imediatos. O Brasil não é mais um país de futuro, sejamos realistas. Estamos flertando abertamente com o passado, orientando-nos por intervalos temporais cada vez menores. Todo dia tem sido um novo e sofrido dia. Chega de tergiversações: o futuro chegou e este é muito ruim.
terça-feira, 20 de março de 2018

A insensatez ganha marcha

O assassinato de Marielle Franco é apenas mais uma peça a formar um mosaico Está cada dia mais claro que as eleições presidenciais deste ano terão importância diminuída, dado que a crise de representatividade não será superada (vide meu artigo de 6/2/18- "Eleições em importância"). Sem reformas estruturais no campo político, notadamente no que diz respeito às eleições e ao funcionamento dos partidos, teremos "mais do mesmo". De fato, o que se pode vislumbrar são dois cenários distintos face à constatação de que o presidente da República continuará sujeito à desorganização partidária no Congresso: ou o primeiro mandatário aderirá ao "parlamentarismo de exploração" que vige por aqui ou haverá ruptura desse processo, eventualmente menos democrática. Esse último cenário vem ganhando cores novas. Há que se notar que a emergência de reformas estruturais profundas no campo econômico (previdência social, reforma tributária, privatizações, etc.) e no campo social (educação básica, reforma universitária, pobreza extrema, etc.) não permitirão que os arranjos congressuais para sustentar o governo deixem de apresentar enorme gap com a realidade do país. Os delírios dos palácios brasilienses têm ampliado à crise de representatividade vez que o distinto cidadão vislumbra que por aqueles lados do Planalto Central não existem soluções para os seus problemas concretos. De outro lado, aqui e ali está mais evidente que os caminhos da política no Brasil passam pelo recrudescimento do autoritarismo, da violência e da insensibilidade. As soluções imaginadas para a conflagrada agenda nacional estão saindo do curso do tão comentado "Estado Democrático de Direito" para crescente instabilidade institucional. Os sinais são múltiplos e não formam um conjunto que permitem fixar um diagnóstico razoável de onde estamos. Muito menos para onde iremos. Certo é que os exemplos são múltiplos. Preocupa-nos imensamente que no campo do Judiciário a jurisprudência civil e criminal, apenas para citar duas, está se tornando verdadeiro "queijo suíço". Não se sabe se o que se vê são os vazios não preenchidos ou as substâncias que os contornam. A consequência da alta imprevisibilidade jurisprudencial dos tribunais, especialmente os superiores, é que os juízos éticos, os quais são, no caso, necessariamente normativos, não estão mais a pautar o senso do dever-ser social. Assim, estamos a tropeçar em comezinho casuísmo. Não precisa ser "cientista político" para saber que o juízo de valor judicial dá fisionomia concreta e inafastável para o tratamento dos desvios sociais. Portanto, o Estado-juiz deve ser o guia-mestre pronto a punir perante o caso concreto que se configura antijurídico (e portanto, não-ético no sentido político), ao mesmo tempo em que previne abstratamente o mau comportamento social. Ora, quando se tem errática jurisprudência, avanços temerários da força policial do Estado, quando se aceita passivamente a intervenção militar como parte da solução dos dramas civis ou quando se registra crescentes dúvidas de que há ilegalidade nos mandatos de prisões e buscas, está-se a caminhar em pantanoso campo. Em verdade, estamos enfiando debaixo do tapete aqueles básicos direitos civis, de natureza subjetiva. Passa-se do campo da valorização do sujeito político - o tal cidadão que tem o poder do voto, mas que dele não usufrui vantagem social - para a realidade objetiva da violência e da violação normativa pela qual se procura satisfazer a frustração (crescente) da sociedade. Em palavras metafóricas, aceita-se crescentes ondas de bravatas de Jair Bolsonaro, desde que ele tire o traficante da viela da favela onde se mora. O problema de todo esse cenário de incerteza em torno do Estado-juiz é que a demanda por mais transigência em relação ao dever-ser do "Estado Democrático de Direito" é que há probabilidade concreta de adentrarmos em perigosa espiral que, como se sabe, só se esgota quando certa explosão (sócio-política) forja outro movimento de pacificação. A ortodoxia que vige nas variáveis econômicas diverge da heterodoxia que se verifica na sociedade brasileira em termos políticos e sociais: cada vez mais se despreza a ordem estabelecida sem que se coloque outra ordem sobre a original. Não à toa, os tais movimentos sociais fazem barulho "nas ruas", mas o que funciona mesmo são os ouvidos moucos de Brasília que tem a caneta e o poder de legislar na mão. Enquanto isso, amontam-se cadáveres nas ruas, estudantes sem aulas, universidades que não funcionam, hospitais falidos, ônibus e trens queimados, policiais criminosos, corrupção por todos os poros do Estado e assim vai. Como se vê, fatos como o assassinato de Marielle Franco é apenas mais uma peça a formar um mosaico ainda sem forma da crescente desordem social e política. Não difere, nesse sentido, da incerteza dos tribunais em relação ao tratamento das prisões (ou não) em segunda instância, da falta de orçamento de uma eleitoreira intervenção militar no Rio de Janeiro, do massacre das prisões cearenses ou do ranking desastroso da educação brasileira. Pode não estar clara ainda a imagem desse mosaico, mas não resta dúvida que estamos na construção de um quadro como Guernica. A passividade da sociedade brasileira diante de seus verdadeiros dilemas, problemas e dramas é impressionante. Mais ainda, deixa boquiaberto ao analista dessa realidade que verifica que a pacificação social é abandonada pelas esferas mais elevadas do Estado. O caminho do momento é perigoso como o trajeto entre a rua dos Inválidos, no Centro do Rio de Janeiro e a rua Joaquim Paralhes, no Estácio, onde morreu Marielle Franco. Fato inesperado, mas já pressentido.
No Brasil, com base em dados do IBGE, são assassinadas 155 pessoas por dia. Em 2016, o número de mortes dessa natureza atingiu a marca de 61,6 mil. Dados preliminares de 2017 indicam que esse patamar deve ter sido superado - no primeiro semestre do ano passado fora 28,2 mil. O Vietnã é detalhe para o cenário brasileiro em comparação com a tragédia da América que tanto inspirou Hollywood: por lá morreram 58 mil soldados norte-americanos de novembro de 1955 até 1975. Se o Brasil é "cordial" quando se trata da confusão entre as esferas públicas e privadas, no campo da violência pública, somos um país despojado de civilidade primária. Por aqui a vida humana vale pouco. O Estado por sua vez age de forma errática e ineficiente - calcula-se que menos de 10% dos homicídios sejam punidos. A política de segurança pública atrai atenção popular, votos para "justiceiros televisivos e imagéticos", mas não está inclusa na agenda do Estado. Assim, o populismo das ações política prevalecem sobre aquelas políticas que são efetivas, eficazes e justas. O Rio de Janeiro, face à sua estrutura geofísica e a formação de sua aglomeração urbana (1,4 milhão de pessoas vivem em favelas na Cidade Maravilhosa, segundo o IBGE), é apenas a representação mais crônica e, ao mesmo tempo, aguda, das escaras criminais do Brasil. Do Morro da Providência, onde se formou a primeira favela com os ex-combatentes da "Guerra de Canudos", até a magnitude do "Complexo do Alemão" observa-se o descaso secular com políticas públicas, em geral, e a política de segurança, em particular. Todavia, a Cidade Maravilhosa e o Estado Fluminense são também a representação do estado da política no Brasil: cinco de sete ex-governadores desde 1982, estão presos e/ou com acusações na Justiça. Por ali, a teoria dos checks and balances é bem particular: todos os poderes do estado estão envolvidos em malfeitos, para usar uma palavra amena ao descrever a geleia geral daquele pedaço do país. Agora temos novidade no front: o Rio de Janeiro protagoniza a primeira intervenção federal desde a promulgação da Constituição Cidadã por meio da caneta do Presidente Michel Temer, apoiado pelas forças políticas de diversas cepas do Congresso Nacional. Em vista dos números que ilustram o tema, está claro que o problema de segurança pública strictu sensu justifica medidas críticas para a solução desse triste quadro. Mas, ao mesmo tempo, não devemos nos iludir: essa intervenção se reveste de relevância substantiva e material para a política nacional, além -muros do trato do próprio tema. O Presidente da República, empossado por força do impeachment da presidente-infanta Dilma Rousseff, sempre buscou a legitimidade política, muito embora tivesse obtido a legitimidade formal, garantida pela Constituição. De fato, jamais a obteve. Basta verificar os índices de aprovação e popularidade de seu governo. Estes esbarram em limites estreitos, algo como 10% dos totais apurados pelos institutos de pesquisas. Em ano eleitoral, de eleições quase gerais, o ocaso do presidente seria bastante natural. Com índices estatísticos de popularidade tão ínfimos, o poente do atual mandato presidencial se assemelhava aquele que o acadêmico das letras José Sarney vivenciou antes da eleição de Fernando Collor de Mello em 1989. A estratégia de Temer, desde sua posse até o anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro, consistiu em atrair para o seio de sua administração temas relacionados às denominadas "reformas estruturais", assim como, o retorno ao leito seguro e tradicional da macroeconomia com o objetivo de enraizar sua legitimidade política sobre o capital, as empresas e, se possível, o mundo financeiro empresarial - o que denomino de política tecnoempresariocrática. Nesse sentido, registrou sucesso na reforma trabalhista, no controle da inflação e na política monetária, em geral. Obteve resultados ruins nas finanças públicas o que, em verdade, se deve aos efeitos tributários da recessão pós-impeachment, bem como, por causa de problemas estruturais, notadamente no caso da previdência social. Especificamente, em relação à reforma previdenciária, Temer propôs um bom conteúdo reformista, mas esbarrou na tradicional inapetência congressual para tratar de temas espinhosos, mesmo que estratégicos, bem como no corporativismo de dois milhões de funcionários públicos que imobiliza a sociedade como um todo. Aqui, ficou evidente que de nada adianta lotear o governo com partidários que possuem votos nas câmaras baixa e alta do Legislativo, pois o sistema político do Brasil não responsabiliza, não há accountability. De fato, esse modelo político dá instrumentos facilitadores do clientelismo, da corrupção, do populismo, etc., conforme se vê nas tripas espalhadas pela operação Lava Jato. Agora, o presidente da República empreendeu mudança qualitativa em termos políticos. Abandona as políticas embutidas tecnoempresariocracia que o garantiram sentado na cadeira presidencial para experimentar o protagonismo da, agora batizada, "dependência federativa". Por essa estratégia o presidente garante o centro das atenções por meio do exercício do poderio do governo central sobre o frágil sistema federativo. Começou em grande estilo: selecionou a segurança pública como tema, as forças armadas (e o orçamento correspondente) como meio e o Rio de Janeiro como fim. Isso pode tornar o seu poente presidencial em alvorada para a reeleição. Ninguém pode, em princípio, desconsiderar o direito e, sobretudo, o dever de o presidente agir para sanar legítima demanda por política pública, no caso concreto, a segurança dos distintos cidadãos fluminenses. Ocorre que o meio escolhido (a intervenção via forças armadas) pode rapidamente se transformar em fim e aí o risco sobe. Explico. Levando em conta que a intervenção federal deva ser mesmo ser feita dessa forma, o que é no mínimo discutível, ao escolher um militar para cuidar da execução da estratégia, o presidente Temer repousará sobre o General Braga Netto as expectativas sobre o sucesso e o insucesso do controle da situação criminal no Rio de Janeiro. Se o General Braga obtiver bons frutos da empreitada, o bônus irá ser contabilizada nos livros da popularidade presidencial, no exato período em que ele encerra seu mandato e poderá tentar um novo. Ocorre que deverá também ser depositado na pessoa (política) do General, distinto membro de uma das instituições que campeia o imaginário popular com a ideia de "segurança, paz e seriedade". Daí, decorrerá legitimação política da área militar fato que não ocorria desde a redemocratização. De eventual insucesso da intervenção, o presidente escapará de seus maiores efeitos políticos e seguirá para o ocaso de seu mandato-tampão. Já do ponto de vista social, é possível, que haja demanda por mais intervenção militar no Rio de Janeiro ou em outros membros da federação, afinal de contas as forças armadas se constituem em espécie de "última instância" quando o assunto é segurança. Nesse caso, pode ser que o General Braga Netto (ou outro) não colha dividendos políticos, mas as forças armadas colherão maior protagonismo na cena política do país precisamente quando o vazio político é oceânico. Risco novo, como se vê. O que ainda não ficou claro é se o peso do interesse político do presidente é maior que o próprio interesse público de tema que é o mais relevante para os eleitores dentre uma lista bastante extensa. A preocupação não deveria ser pequena em relação à possibilidade de o presidente ter agido de moto e também para o interesse próprio. Está cristalino que a crise institucional brasileira se tornou crônica e, talvez por isso, seja menos percebida no corpo social, especialmente pelas elites. Não à toa, há engenharia política querendo levar esse caldeirão para Luciano Huck. Vejam só!
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Eleições sem importância

O processo eleitoral que se aproxima terá pouca importância para as decisões cruciais. A situação política do Brasil nesse momento crítico fez com que o país perdesse dois sentidos. O primeiro diz respeito ao tratamento dispensado aos desafios sincrônicos com a modernidade, ou seja, dentro de nosso tempo. Constata-se que o país perde a possibilidade de competir na economia mundial dentro de novos paradigmas (por exemplo, a "indústria 4.0", os novos padrões tecnológicos, a educação integral e de elevado nível, a logística eficiente e poupadora de recursos, etc.). Estamos a retornar com imensa rapidez à condição de país sem a perspectiva de sair do outrora denominado terceiro mundo. As hordas de ignorantes funcionais estão a retirar a possibilidade de competir, mesmo limitadamente, ao mesmo tempo em que, os seus direitos políticos permitem que formalmente participem daquilo que se constitui em nossa destorcida ordem democrática. Do ponto de vista diacrônico, ou seja, no que diz respeito ao andamento da civilização ao longo do tempo vê-se que estamos registrando, aqui e ali, perdas na capacidade de nossas instituições responderem contemporaneamente aos problemas do país. Quando se verifica, também a título de ilustração, que sete pessoas são mortas por hora no Brasil, que 100% das instituições políticas de um estado da Federação como o Rio de Janeiro estiveram envolvidas nos malfeitos das últimas cinco administrações, que a saúde pública está parada nas filas dos mais pobres, e assim por diante, está claro que a democracia brasileira historicamente sofreu gritante involução material. O horizonte encurtou. É nesse contexto de enormes e perigosos desafios sincrônicos e diacrônicos que devemos avaliar a situação econômica e política de nosso país. Há, ademais, um "fato novo" que, do ponto de vista político, precisa ser apreciado imediatamente. No cenário econômico, é bastante provável que recuperemos episodicamente o crescimento do PIB esse ano. Os números do tal de mercado convergem para algo ao redor de 3% em 2018. Todavia, não tenhamos ilusões: trata-se de recuperação imediata sem perspectivas claras mediatamente. A situação fiscal melhorará à velocidade da recuperação do PIB ("maior crescimento, maior receita"), mas piorará pelo agravamento sintomático da previdência social e das demandas federativas em várias áreas (saúde, edicação, infraestrutura, etc.). A poupança nacional é insuficiente para alavancar a taxa de crescimento sustentável e a atração de recursos externos tem sido localizada e basicamente voltada para a "arbitragem" entre riscos percebidos e riscos reais do país. Nada que possa indicar que temos à disposição novos ativos capazes de alavancar nossa produtividade que é, em última instância, o sinal de um PIB crescente. A deteriorada situação fiscal e de investimentos tornarão mais voláteis às taxas de juros e de câmbio. A calmaria de agora é apenas uma "janela de oportunidade". É assim que pensam os que conhecem melhor as regras do jogo das finanças e da economia. A única variável que pode mudar o nosso futuro de "sina" para "utopia realizável" é a política, mas aqui construímos um cenário devastado. Vejamos. Depois de todo rebuliço criminal envolvendo grandes empreiteiras e a classe política brasileira, o fato concreto e "novo" é que a forma dos partidos e forças políticas manterem o seu status quo foi simplesmente não reagir ao cenário político-policial. Nada, absolutamente nada de substantivo foi realizado em termos de legislação eleitoral e partidária que adeque o país à política, digamos, mais civilizada. A possibilidade de que o Congresso Nacional reflita da mesma forma e com a mesma configuração os arcaísmos da política patrimonialista e oligárquica é altíssima, senão de 100%. Veremos em breve o retorno das mesmas forças políticas que ilustraram a operação Lava Jato, apenas para citar o ícone desse processo político inacabado e não renovado. Nesse contexto desesperançado teremos "eleições gerais", de presidente da República a deputado estadual. Pois é: a ausência de mudanças estruturais na política fará com que o processo eleitoral que se avizinha simplesmente não decida nada de substantivo. Tudo continuará igual. Mudarão alguns players, ficará o atraso. Ocorre que sem qualquer mudança no processo político há dois cenários possíveis. O primeiro é que seja eleito alguém que tenha efetiva condição de lidar "pacificamente" com esse conjunto político atrasado. Aqui, vale menos apostar no "partido político" que nada significa e olhar mais para o candidato. Se o candidato dito de "centro" ganhar, as forças políticas rapidamente se alinharão e o país voltará a andar na velocidade que o arcaísmo permitir. Os "privilégios" (aquilo que simplesmente não cabe no PIB), para eventualmente serem cortados serão muito negociados e, tardiamente, veremos algum progresso. Em termos de evolução (diacrônica) nada muda, o atraso continua. Conjunturalmente (sincronicamente) pode haver aparente calma política e algum crescimento econômico. O segundo cenário é se a população eleger alguém com "discurso mudancista", na esteira da história recente, como Collor de Mello. Aí a perspectiva se desdobra em duas. Se o "'discurso mudancista" caminhar no sentido de um "governo mudancista", provavelmente as forças arcaicas do Congresso Nacional repetirão a estratégia de sentar na cadeira e esperar que o novo presidente se desgaste, perca popularidade e estagne sua administração. Aí, o arcaísmo ou toma conta do governo, como se repetiu em todas as administrações desde a redemocratização em 1985, ou teremos nova "crise institucional", tal qual foram os processos de impeachment de Collor e Dilma. Se, de outro lado, o "discurso mudancista" ser tão somente tradicional "farsa eleitoral", nesse caso a turba partidária invade a praia do governo desde o seu nascimento. O motor da nova administração irá no ritmo do possível e compatível com os interesses inconfessáveis. Com efeito, o que aqui se prega é que teremos "mais do mesmo". Há, contudo, uma constatação que precisa ser melhor acompanhada. O Brasil está perdendo dois tipos de controle e que podem trazer à tona um cenário muito imprevisível. O primeiro descontrole que estamos a registrar é o denominado "controle social" que, de forma sumária, pode ser definido com aquele que é exercido pelo Estado em relação ao corpo social e, inversamente, pela sociedade civil em relação ao Estado. Dado que os fatores de mudança (ou simplesmente, "a modernidade") não estão representados formalmente no Congresso Nacional, a crise de representatividade tende a se agravar cada vez mais, com resultados mais e mais imprevisíveis. Os extremos se aproximam da realidade quando há vazio político. Lamentavelmente é o que vemos em candidaturas como a de Jair Bolsonaro. Da mesma forma, o descontrole político se aguça com instituições que se tornam cada vez mais disfuncionais perante a indiferença social que estimula o desrespeito a ordem jurídica. A sensação atual da sociedade de que todos os Poderes da República e aqueles que os exercem são parte da "mesma coisa" aumenta de forma crescente. Quando se vê que o presidente da República tem popularidade sofrível, os privilégios dos magistrados estão nas primeiras páginas de jornais, o candidato condenado registra que tudo não passa de uma conspirata, o ministério do governo é negociado a cada votação no Congresso, estamos diante da crise institucional "visível" e com largo potencial destrutivo. Não cabe mais analisar tudo isso apenas com um olhar prospectivo, tentando extrair para as decisões de hoje às variáveis do amanhã. O fato é que o processo eleitoral que se aproxima terá pouca importância para as decisões cruciais, dos homens de negócio até o mais proletário dos cidadãos. O futuro é hoje. Os "fatos novos" apenas adornam as tendências estruturais do país, as quais não são nada saudáveis.
terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Tomemos as rédeas da contenção

"Mas para demasiados cidadãos existe uma realidade diferente; mães e filhos encurralados na pobreza das cidades degradadas; fábricas enferrujadas espalhadas como pedras lapidares pela paisagem do nosso país; um sistema de educação cheio de dinheiro, mas que deixa os nossos jovens e belos estudantes privados de conhecimento; e a delinquência, as gangs e as drogas que roubaram demasiadas vidas e roubaram o nosso país de tanto potencial por realizar." Diante da realidade atual de nosso país, a sociedade brasileira deve ser considerada como algoz e vítima desse impressionante processo político pelo qual estamos a passar. Afinal, em Brasília, no Congresso Nacional, não há ninguém que não tenha sido eleito. Deputados e senadores da República são parte do sistema de representação. Com todas as mazelas de nosso sistema eleitoral e partidário, não deixa de ser incrível que tantas ansiedades e esperanças possam ser solapadas pelo desastroso sistema de representação política do país. Alguém poderia alegar que meu argumento, no limite racional, levaria a conclusão de que a culpa pela situação atual é "do povo" e não das elites brasileiras, sobretudo as postas dentro dos organismos do Estado. De fato, o que estou a argumentar é que a crise atual exacerbou negativamente as variáveis políticas e econômicas a um limite incrivelmente elevado. Nesse contexto, impressiona a letargia com a qual a sociedade aceita tanta desgraça. Cabe alertar que a corrupção, não somente a afeita aos bolsos de agentes públicos, mas a dos valores sociais e políticos, abre possibilidades múltiplas e perigosas para a estabilidade política e social do país. Como sabemos, a política está relacionada com o poder e com a força. Os limites dessa relação estão intrinsecamente correlacionados com a restrição que possa ser imposta pelas partes que compõem a sociedade, a partir de um sistema de representação, e por um conjunto de valores, digamos, éticos, que devem integrar aqueles que exercitam a atividade política, seja de forma "profissional", seja por meio dos denominados atores político-sociais não-mandatados. Há que se notar que o uso do poder e da força se expande de forma contínua vez que se trata da relação "natural" com a política. Já os elementos contendores das ações do poder, como no caso da ética, podem fraquejar e/ou não serem efetivos. A razão de ser assim é simples: o poder político está concentrado em grupos bem delineados por escolhas, sejam democráticas ou pela aceitação passiva do status do grupo que detém a força. Já a contenção da expansão da ação política depende da pressão social que pode ser mais intensa ou menos ativa, mais ou menos difusa. O que se observa no Brasil de hoje é que a sociedade abdicou de ser papel contendor. Provavelmente, a continuar esse quadro, nem exercerá esse direito pelo voto. No uso de uma linguagem ordinária, votará "no menos pior". O nosso sistema de valores simplesmente não está funcionando. Há, é claro, alguns sinais localizados de mudanças de curso, como no caso da ação de certas partes da jurisdição, como a operação Lava Jato. Todavia, lá mesmo, residem riscos institucionais significativos, às vezes tão graves quanto os de outras partes do aparelho Judiciário, em particular, e estatal, em geral. Estou seguro para afirmar que a sociedade brasileira, nesse compasso de espera e completa letargia, parece cada vez mais inclinada a aceitar uma perigosa "política de resultados", tupiniquim expressão da realpolitik. A citação que abre esse artigo é nada menos que de Adolf Hitler quando da sua posse como chanceler da Alemanha, no dia 30 de janeiro de 1933. Note o leitor que por detrás da "louvação" da desgraça da Alemanha de então, aquele austríaco iria tecer um dos mais sangrentos regimes da história que deixaria pelo menos 60 milhões de mortos. Ele mandou tocar fogo no Reichstag, o parlamento alemão, logo depois, no dia 17 de fevereiro de 1933! Quando a sociedade autoriza, seja pela ação democrática (paradoxalmente foi o caso de Hitler que foi eleito, antes de se tornar déspota até abril de 1945) ou pela omissão (submersa pela força das ditaduras ou pela ausência de exercício da cidadania), que os valores éticos sejam assumidos pelos que exercem a força e o poder, os riscos políticos aumentam e os representantes do povo se sentem cada vez mais livres para exercitar os seus dotes malignos. Talvez essa seja a sensação de que há tantos "cara-de-pau" à solta por aí. (Permitam-me o uso da expressão) Em 2018, à luz daquilo que estamos a vislumbrar da nada confortável cadeira do presente, vejo que a capacidade de ponderação e do exercício da responsabilidade está se esvaindo na política. Devemos, ainda, recordar que em política não há possibilidade de sermos "neutros". A realidade se impõe com clareza e diante dela temos de fazer escolhas. O mito da "neutralidade" é muito presente na sociedade brasileira, a começar por aqueles que dizem candidamente que "votarão em branco" como se isso levasse a algum lugar seguro. Não leva a nada. Também há outra "neutralidade" mais sutil em pleno exercício nesses rincões da Terra: os "tecnocratas" que acreditam que o desenvolvimento econômico e social independe da política. Ou seja, se fizermos tudo "certinho", tal qual aprovar a necessária reforma da previdência social e mantivermos os preceitos da boa gestão fiscal e monetária, tudo dará certo. Isso independeria do ator político, basicamente dependeríamos de seus atos. Trata-se de tolice mastodôntica que encontra respaldo inclusive nas castas mais ricas do país. Aqui basta dar uma olhadinha no que está a ocorrer num país organizado politicamente como os EUA. Sob Donald Trump, não são poucas as trombetas (ou será trumpetas?) de alerta mundo afora, do Oriente Médio à Coréia do Norte. Incrível, por esses lados, verificar que há parcelas de "formadores de opinião" a se deslocar na direção de Jair Bolsonaro, para dar exemplo gritante. Ou, até mesmo, o novo discurso ex radical chic, no uso da personagem homônima de Miguel Paiva, por parte de Lula. Inaceitável, sejamos claros. É mais que necessário que a sociedade brasileira recupere rapidamente a capacidade de se indignar e de agir para sacar as rédeas da necessária contenção ética em relação à força e ao poder daqueles que nos representam a partir do Estado, seja o Congresso, o Executivo e o Judiciário, esse elemento essencial de pacificação democrática da sociedade. Caso contrário, estaremos a aceitar múltiplas possibilidades que se avolumam às portas das eleições de 2018. Estas podem resolver pouco a situação atual. De toda a forma, feliz Natal e próspero Ano Novo. Trabalhemos para mudar o Brasil.
terça-feira, 21 de novembro de 2017

Crise por dentro das instituições

O cenário de crescente instabilidade institucional conspira contra a manutenção da paz social a longo prazo. Há cada vez menos "formadores de opinião" estão a pregar que não há crise institucional no Brasil e que "as instituições funcionam". Está claro que estamos diante de uma confusa crise das instituições do Estado. Todavia, é preciso que qualifiquemos essa crise atual sob pena de permanecermos com entendimento parcial que, de um lado, impede a reflexão mais apurada sobre o futuro e, de outro, impossibilita ação mais equilibrada em busca de um avanço positivo para o país. O primeiro aspecto que desejo lançar à reflexão diz respeito à capacidade do Estado de formular normas que organizem a vida política, econômica e social do Brasil. Creio que nesse aspecto o Estado brasileiro persiste, por meio de suas divisões funcionais (o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), com capacidade de demonstrar a sua "superioridade normativa". Não à toa pôde o governo aprovar reformas, tal qual a trabalhista, e agilizar a máquina legislativa para ajustar fiscalmente o Erário. Há inclusive quem louve Michel Temer e seus asseclas como providos de certa e notória "sabedoria política", outrora tão saudável ao cumprimento dos fins construtivos por meios nem sempre muito republicanos. Aqui não vem ao caso questionar essas "ilações" para usarmos palavra da moda. Essa constatação aparentemente saudável sobre o "imperativo" estatal na criação normativa tropeça em delicado tema que, a meu ver, necessita de maior exploração e detalhamento: a capacidade de impor normas por parte do Estado está crescentemente atentando contra a manutenção da liberdade e a igualdade no longo prazo. Com efeito, a estabilidade das regras e o ajustamento da sociedade e/ou indivíduos quando não cumpridores daquilo que estabelece o ordenamento jurídico está em crescente e perigoso risco. Ou seja, o Estado detentor do Poder soberano ao estabelecer regras acaba implicando a sociedade em crescentes anomalias e ausência de funcionalidade de tais normas. A parte saudável do Estado está sendo carcomida pelo conteúdo anômalo das normas e decisões estatais. O meio destrói o fim. Vejamos. Cito inicialmente a continuada distorção dos "pesos e contrapesos", bem como a funcionalidade dos organismos do Estado. A desmoralização do instituto jurídico das delações ("colaborações com a Justiça") por parte do Judiciário, a construção de perigosa jurisprudência do STF relativa ao aprisionamento de criminosos com elevado poder de organização e influência social, a capacidade de nomeação de atores políticos ligados à atividade criminosa para órgãos de controle, como no caso do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o questionamento político-jurídico de normas como a "Lei da Ficha Limpa", a "compra de votos" no Congresso Nacional para a aprovação de medidas, etc. são alguns exemplos evidentes de que a direção social e política que o Estado imprime via a sua soberania jurídica está sob elevado risco. Alguém poderia argumentar que o que é aqui apontado empiricamente (os fatos) sempre aconteceram. Verdade. Todavia, a estabilidade na relação de poder do Estado no que tange à sua superioridade normativa e a direção que as normas impõem à sociedade nunca estiveram na história brasileira sob tanto risco. Normalmente, a distorção na equação "soberania normativa versus ação diretiva" do Estado resulta em crises de enorme potencial destrutivos. Na Europa durante a primeira metade do século XX podemos encontrar os exemplos mais gritantes dos efeitos dessa distorção, destacadamente a República de Weimar, cuja constituição progressista e moderna jamais foi revogada, mesmo quando imperou o nazismo que montava fábricas para matar homens e mulheres. A ausência de estabilidade jurídica ao sistema político agora leva a incerteza sobre a manutenção da liberdade e da estabilidade social no médio prazo. Note-se que os desequilíbrios do momento são apenas o "aperitivo" do perigo vindouro. Os rompantes criminosos nos morros da Cidade Maravilhosa e o entra-e-sai dos políticos das penitenciárias são apenas prenúncios de instabilidade mais aguda à frente. Em meio à crise por dentro das instituições teremos em 2018 o pleito eleitoral quase que geral. Elegeremos do presidente da República até os deputados estaduais. O que se pode verificar nas pesquisas eleitorais é que há imenso "vazio político" no denominado centro partidário. O eleitor brasileiro já demonstrou em inúmeras eleições que o seu voto sempre é destinado ao centro, à busca da estabilidade social, política e econômica. Sempre que o eleitor encontrou promessas de estabilidade contra visões de "rupturas" a opção sempre foi a favor da moderação. Ocorre que o povo sempre foi mais sábio que os políticos, esses sim os que radicalizaram de lado a lado em muitas ocasiões- Collor é o melhor exemplo. Lula somente alcançou o Poder quando emitiu sinais de aggiornamento e moderação, figurativamente o "Lula paz e amor". Senão, o governo não teria lhe ocorrido. Pois bem: no cenário atual de crescente instabilidade institucional que, por detrás de calma aparente no curto prazo, conspira contra a manutenção da paz social no longo prazo será necessário que o centro político "vá ao povo" com discurso firme contra os desmandos e a irresponsabilidade dos atores políticos. Que pregue a ordem na campanha e a imponha no governo. Fazer alianças partidárias, ganhar tempo de TV, fazer aliados na Federação, lançar programas de governo em gabinetes, manter-se acanhado, longe do povo, perante os grandes temas nacionais são estratégias muito limitadas para momento tão desafiador. A "pequena política" nunca foi tão minúscula. (Difícil os políticos tradicionais acreditarem, eu sei!) Feita a campanha será necessário não trair o povo. O risco de descontrole é real, justificado e, por enquanto, pouco debatido publicamente. A crise é por dentro das instituições, algo menos aparente, mas muito mais profundo.
quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Há algo de "burro" no cenário brasileiro?

Pela terceira vez a Academia Real de Ciências da Suécia concedeu o oficialmente denominado "Prêmio do Banco da Suécia para Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel", criado em 1969 e vulgarmente denominado de "Prêmio Nobel de Economia", para um economista que cientificamente contesta a construção ideológica e acadêmica de que as decisões econômicas são racionais e, como consequência, os tais dos mercados são eficientes. O Prêmio concedido ao professor Richard Thaler da Universidade de Chicago segue-se aqueles que foram destinados ao professores Herbert Simon (Nobel de 1978) e Daniel Kahneman (Nobel de 2002). Todos eles pertencem à escola de pensamento denominada "behavioral economics". Os fundamentos teóricos da "behavioral economics" e que foram verificados empiricamente demonstraram que existem muitos fatos, detalhes e vieses que acabam por influenciar as decisões econômicas e financeiras dos agentes. Em palavras outras: a racionalidade econômica fundamentada pelo estabelecimento de relações de riscos e expectativas de retorno eficientes é mitigada por comportamentos não necessariamente enquadrados nesse modelo racional. A consequência dessa constatação analítica é que a presumida "irracionalidade" dos agentes proporciona concretas condições para que os agentes econômicos possam auferir "retornos excepcionais" em relação aqueles que seriam os "normalmente obtidos" pelos modelos de expectativas racionais. É interessante notar que Richard Thaler utilizou ferramentas científicas de análises para evidenciar que a economia não é tão "científica" quanto alguns possam imaginar. É exatamente nesse tema que insiro uma reflexão sobre o atual momento político do Brasil. É muito intrigante que os diversos segmentos do tal do mercado estejam com desempenho tão diferenciado (positivo) em relação às ocorrências da política (desastre completo). Os agentes econômicos parecem acreditar que haverá de prevalecer um "modelo racional" a partir dos quais as variáveis econômicas não sofrerão o impacto das decisões políticas no médio prazo. Por essa lógica, em se tratando o vindouro 2018 de um ano eleitoral pouco importará os eleitos, pois esses "racionalmente" seguirão a cartilha do mercado. É uma situação completamente oposta àquela que prevaleceu antes da eleição de Lula em 2002 quando a cotação do dólar foi acima de R$ 4 por USD 1 porque se desconfiava do presidente-proletário. O que depois se constatou é que o presidente não era nem proletário e que os seus assessores - alguns deles hoje atrás das grades - eram bem mais conservadores do que se esperava e bem mais corruptos frente ao que a esquerda tradicional acreditava de forma fervorosa. Enquanto a Nação assiste às votações de aberturas de processos criminais contra o presidente da República, acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha, dentre os principais crimes que teria cometido o mandatário, o mercado financeiro e de capital faz a festa das cotações altas das ações, do real valorizado, do juro básico cadente e da volatilidade em queda. O estado da arte do país na política não se relaciona com o que seria o estado "racional" dos investidores. Permito-me utilizar, de forma livre e descompromissada, das "explicações teóricas" de Richard Thaler para justificar essa aparente dissonância cognitiva. Tento "justificar" o porquê de tanto otimismo econômico frente à tragédia política. Possibilidade 1: os agentes econômicos, em particular, e a sociedade, em geral, estão apegados ao "viés do status quo", ou seja, os brasileiros estão se apegando à realidade como ela é. A política é suja mesmo, os políticos são corruptos e, com efeito, não mudará nada no país. Se seria "racional" a sociedade agir para mudar a realidade, o fato é que o comportamento social é de indiferença a tudo (o que é irracional). Possibilidade 2: há a "maldição do vencedor" no que tange à política. Isso significa que a sociedade não escolhe (racionalmente) como seus representantes (no Executivo e no Legislativo) os "bons" porque sabem que esses vão perder os pleitos eleitorais. Então, fiquemos (irracionalmente) com os "ruins" porque esses vencem sempre. Vejamos o caso de Romero Jucá, Renan Calheiros et caterva. Estão sempre lá... Possibilidade 3: a sociedade, por meio de seus "formadores de opinião", é induzida a determinado comportamento, no caso, a não mudar radicalmente o estado das coisas, pois os que inovam ou trazem novas ideias não tem espaço para se expressar. O efeito disso é, ilustrativamente, que sempre se vota na crença de que não se pratica o melhor voto (o que seria "racional"), mas aquilo que lhe é visível, mesmo que não seja bom (o que é irracional); Possibilidade 4: as pessoas estão tão apegadas aos seus interesses pré-estabelecidos ou imediatos que não avaliam "o todo", mesmo que esse seja imenso risco para as suas vidas de cidadãos. A título de exemplo, um funcionário apenas pensa como manter o emprego como isso dependesse só dele e não da economia em geral (o que é irracional), mas não tenta influenciar a política com seu voto para que a taxa de emprego aumente (o que seria racional). Possibilidade 5: os agentes econômicos estão tirando "vantagem" do governo Temer, apesar de saberem dos fatos que o rodeiam. Enquanto a racionalidade política e jurídica recomenda que a ordem legal seja mantida em prol das instituições da República, a sociedade prefere subvertê-las para se "aproveitarem" do que Temer oferece como "coisas positivas" (presumida estabilidade) frente, por exemplo, ao analfabetismo econômico de Dilma Rousseff ou ao risco de ter o nervoso presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia na presidência do país. Há uma "contabilidade mental" (termo de Thaler) que faz os agentes ficar com o que é ruim frente aos custos de mudar. É claro que todos podem discordar ou concordar com as hipóteses acima relacionadas, mas o que procurei demonstrar é que existem possibilidades de decisão que não são tão racionais quanto se imagina. O certo é que muitas vezes ocorrências de comportamentos que parecem, em princípio, irracionais no processo econômico, social e político podem levar a sociedade a caminhar para a frente de formas inesperadas. Essa é uma réstia de esperança nesse deserto atual da política brasileira. Confesso que não sei se racionalmente acredito que a dissociação entre Poder, Política, Economia e Direito possa ser algo em que devamos acreditar ou que deva moldar o nosso comportamento. Entretanto, o tal do mercado está ensinando que Thaler pode ter razão. Mas se essa "entidade" estiver errada, a história será outra, bem diferente...
terça-feira, 26 de setembro de 2017

Nada de novo à vista

As competências, valores, potenciais e vantagens do Brasil se acanharam diante de tantas mazelas. É inegável o elevadíssimo grau de interdependência das variáveis que estão a flutuar no campo da análise da política e da economia no Brasil. Ademais, há de se acrescentar a "discreta" variável externa no que tange a mudança gradual, mas efetiva da política monetária dos EUA - o dólar persiste musculoso, o consumo global cresce ordenadamente e todos os países ricos (no âmbito da OCDE) crescem a despeito da taxa de investimento (poupança) baixa. Nos dias de hoje, há enorme vala entre a criação de riqueza (aumento do patrimônio dos detentores do capital) e de valor (o investimento em bens que geram novos bens). Voltemos ao Brasil. Em Pindorama, os condicionamentos relevantes dados pelas operações policiais e os processos jurídicos vai sendo, de forma gradual, jogado à margem do desenvolvimento dos fatos na política e na economia. Não deixa de ser ilustrativo que em prazo relativamente curto os delatores do cume da República estejam em celas da Polícia Federal enquanto os personagens de suas delações estejam a se articular no Congresso Nacional para evitar os atos constitucionais que os levariam aos tribunais. Dessa forma, muito embora o Judiciário e o Ministério Público ainda se ocupem de boa parte dos negócios do Estado brasileiro, temos de analiticamente reconhecer que os movimentos de articulação que construirão o futuro, seja qual for, voltaram para as mãos dos políticos e dos detentores das canetas executivas. Esqueçamos, portanto, a possibilidade de Michel Temer et caterva serem submetidos aos mecanismos constitucionais de avaliação de seus comportamentos republicanos (ou antirrepublicanos). O resto é debate frouxo. Já sabemos que o status quo não sofrerá alteração significativa. Prova disso, é a inapetência que delicia a classe política na tarefa de não fazer qualquer mudança relevante na legislação eleitoral e nos diplomas que regulam o "negócio" denominado de "partido político". Aqui a conclusão é simples: nada muda para que nada mude e todos fiquem mudos. Agora, não tenhamos ilusões: nada é neutro em política (e em quase tudo na vida). O acúmulo de poder nas mãos da classe política oligárquica-clientelista-patrimonialista significa que a posição privilegiada que os detentores das cadeiras legislativas e executivas, em todas as esferas federativa, levará o país para os destinos e no sentido que essa classe política desejar. Com efeito: o afastamento entre a Política e o Poder se aguçará. Na "prática", isso significa que a distribuição desigual das parcelas do Poder, inviabiliza que o país possa se reformar e andar para frente, ou seja, desenvolver suas potencialidades. O que teremos é crescimento econômico, de 2% a 3% em 2018 e sei lá quanto daqui a três anos. É lógico que a melhoria da renda, fortalece o ambiente geral, assim como o ar puro pode melhorar a vida de tuberculosos. Todavia, precisamos serenamente combinar que não é possível mais confundir os espasmódicos períodos (ou anos civis) de crescimento do PIB com algo mais sério que é o desenvolvimento social, político e econômico do Brasil. Chegou a hora de pararmos de amenizar as realidades objetivas do país. Por esse mecanismo antropológico de sublimação, típico dessa terra de "gente cordial", imensas favelas são chamadas de "comunidades", só para dar um exemplo "caro" à Cidade Maravilhosa, aquela que há menos de três anos recebia Jogos Olímpicos. Estou certo de os convescotes de Brasília e de outros recantos de Pindorama não estão a debater esse cenário no qual o establishment decide que o país vai ser ainda mais trágico. Muito embora possa parecer completamente irracional, há uma percepção de que a mera indignação, dos botequins à academia, pode sustentar os movimentos mudancistas na sociedade brasileira. O "espírito do tempo" do Brasil destes dias é o imobilismo e a letargia para não dizer a preguiça. Enquanto isso, assistimos a destruição do Estado, da Constituição, da Política, da Cidadania. Prevalece completa contemplação transcendental. Paradoxalmente, vê-se as cadeias públicas cheias de brancos da elite, mas isso não engendrou mudança civilizatória que corresponda ao fato inédito. Veremos o que virá no campo penal... De forma geral, ainda não se acredita que os valores republicanos sejam necessários para que ultrapassemos o período da sociologia da reprodução das diferenças (no uso de Pierre Bourdieu) para uma "sociologia da transformação" que clame à Nação para um novo rumo. No fundo, as nossas elites persistem na trajetória oportunista, covarde, insensata que causa o mal-estar do momento e o nosso destino histórico. Ainda se vê fascínio na esperteza rasteira e na agilidade verbal e na mão rápida e ágil da gente que "rouba, mas faz". Convenhamos: os homens republicanos são louvados por minutos, mas os detratores da República são abonados por anos. Cumprir a lei e a Constituição no Brasil não é princípio. É mero custo para os "homens de bem". As competências, valores, potenciais e vantagens do Brasil se acanharam diante de tantas mazelas. O capital político incorporado às elites ainda está predisposto a avançar mais nas mazelas patrimonialistas. Não há mudanças à vista. Sejamos sinceros.
terça-feira, 12 de setembro de 2017

O atraso que nos cabe

O cenário atual se configura na velha máxima de que é "preciso que tudo mude para que coisas continuem iguais" Parece-me que a escolha da sociedade brasileira em relação ao desenvolvimento dos fatos políticos recentes está definida: o parasitismo. Refiro-me aquilo que está englobado no "verbete" operação Lava Jato. Essa "operação" nada mais é do que o desentranhamento e exposição das tripas do Poder Político brasileiro, calcado na tomada do Estado por interesses exclusivamente privados, seja por meio da corrupção mais comezinha, seja pelo assalto dos cargos públicos pelos agentes políticos estacionados nas casas legislativas brasileiras. Para aqueles que acreditaram que a Lava Jato se constituía em marco separador de uma nova era, o reconhecimento de que tudo acabará em parasitismo deve doer. Todavia, qualquer análise rigorosa dos fatos e processos recentes demonstram que a sociedade brasileira abandonou a Política na esperança de que afugentasse os (velhos) políticos. O que ocorre é que a saída brasileira requer Política com novos atores, ou seja, muita mobilização para transformar o sistema representativo em algo funcional, pronto a arquitetar políticas para o desenvolvimento integral do país. O oposto do parasitismo que vigora. O que se observou nos últimos três ou quatro anos foi um grau reduzido de mobilização sócio-política, inclusa a mídia, sem que se produzisse nenhum resultado politicamente relevante e capaz de forjar nova dinâmica ao processo político. Dessa forma, caminhamos para um cenário eleitoral no qual as elites políticas olvidarão o que se passou no eixo Curitiba-Brasília-Rio de Janeiro e tocarão a vida em frente - de fato, para trás. Por detrás da dissociação entre Poder e Política, vê-se todos os movimentos que indicam a manutenção do status quo. A reforma eleitoral não é apenas o engodo formal praguejado em versos e trovas nas TVs e jornais. Trata-se de engenhoso plano para manter duas sociedades correndo em paralelo com intersecções ocasionais: a sociedade política formal e aquela que é economicamente real. O que se verifica nas negociações congressuais sobre a "reforma eleitoral" não é apenas a ganância dos principais artífices da política atual em se manter acostados no Estado, nas três instâncias funcionais do Poder. Quem assim lê os fatos, erra. Na realidade, o sistema político está se forjando para que as elites econômicas mais retrógradas possam continuar negociando seus interesses com grupos políticos bem definidos e não muito numerosos. Isso permitirá que o manejo do Estado em prol de certa fatia econômica possa ser feito em detrimento da Nação, no caso, "eu", "você", "nós". Somente a distorção do sistema representativo pode permitir essa manobra de larga escala. Nesse contexto, há que se pensar nas tais reformas econômicas. Nesse tema cabe observar que o curso econômico anticapitalista e patrimonialista que se toma no momento reduz a tração do crescimento econômico o qual deve oscilar entre 0% e 1% em termos per capita (crescimento do PIB descontado do crescimento da população). Ora, não é necessário imaginar que, sem aumentar a poupança da finança pública, o país caminha para a insolvência estrutural do Estado - a relação dívida pública sobre o PIB se tornará insustentável. Daí é que nasce a imperiosa necessidade de que reformas sejam adotadas. Ocorre que aqui há de se fazer a distinção entre as duas naturezas das reformas. No cenário do fracasso de um processo político realmente transformador, tais reformas imporiam aos patrimonialistas-clientelistas perdas substantivas, tais como, a menor taxação do consumo e maior taxação da renda, bem como, a correção do problema previdenciário que nada mais é do que a redução dos benefícios, digamos, de dois milhões de pessoas que estão "dentro do Estado" em favor dos milhões e milhões que estão "fora dele". Na configuração que se projeta para 2018, ou seja, a continuidade do patrimonialismo-clientelismo histórico, as reformas devem ser maximizadas em termos de valores para, com efeito, manter a solvência do Estado, e, ao mesmo tempo, tem de ser minimizadas em termos de justiça distributiva. Assim, em termos tributários, isso significará mais tributação do consumo e menos da renda e, especificamente, na previdência social, a "transição" de regimes (público e privado) será mais lenta e gradual, bem ao estilo latino-americano. A própria privatização, tão louvada pelo mercado financeiro e de capital, ao invés de ser uma espécie de "política industrial" cujos objetivos estão mais relacionados com o aumento da produtividade, no cenário da "continuidade" que deve vir é apenas "um ajuste de caixa". A venda da Eletrobrás, por exemplo, está posta nesse contexto. Certamente, privatizá-la pode ser excelente ideia, mas tem-se de verificar para quê. Como se pode constatar não há nada de muito esquemático na visão proposta nesse artigo, afinal de contas, trata-se apenas da constatação de que o cenário atual se configura na velha máxima de que é "preciso que tudo mude para que coisas continuem iguais". Vê-se, no momento, muita mobilização e pouca evolução política e institucional. Do Executivo ao Judiciário estamos em frangalhos, mas a consciência interna de nosso povo deseducado e de nossas elites patrimonialistas demonstram que seguimos à espera de mudanças que nos projetem em um cenário verdadeiramente capitalista. Até lá, seguiremos no atraso.
terça-feira, 29 de agosto de 2017

Teste sobre o mercado

A atuação "pró ou contra" da parte dos investidores se concretiza a partir da análise de riscos e de retornos Na última sexta-feira (25/8/2017) o Índice Bovespa fechou acima dos 71 mil pontos. Nos últimos 12 meses a Bolsa de Valores brasileira subiu 23% (+18% em 2017). Do lado da renda fixa, o risco-Brasil, representado pelo contrato de CDS (Credit Default Swap), apresentou uma queda de 29,3% em 2017, ou seja, acredita- se que a posição de "bom pagador" do Brasil melhorou nessa proporção. Vive-se, como se pode constatar, uma luminosa "lua de mel" em relação ao país, pelo menos da parte daqueles que transacionam com os títulos e valores mobiliários do país. Isso tudo faz sentido? A primeira explicação para esse notável desempenho dos mercados em relação ao Brasil encontra-se no fato de que a liquidez internacional tem inundado os segmentos mais arriscados do mercado financeiro e de capital com recursos de investidores em busca de maior rentabilidade. Com efeito, aceita-se mais risco em troca de maior rentabilidade. Não à toa que os mercados de ações dos EUA, para citar o exemplo mais significativo, continuam batendo recordes e mais recordes em termos de rentabilidade: esse ano o Índice S&P500 que representa o desempenho das ações das 500 maiores corporações dos EUA, subiu 9% (+12,5% nos últimos 12 meses). Portanto, o desempenho brasileiro está longe de encontrar respaldo apenas nessas terras abaixo do Equador. A extensa e volumosa liquidez registrada ao redor do globo ainda é efeito direto da grande crise de 2008. As autoridades fiscais e monetárias das economias centrais do capitalismo mundial persistem com taxa de juros primárias, praticadas pelos Bancos Centrais, negativas ou baixíssimas e, em alguns casos, com assistência direta do Tesouro para garantir o suprimento de crédito para o consumo e o investimento. Depois de quase dez anos daqueles eventos de 2008 que quase dragaram o sistema financeiro norte-americano, pode-se afirmar categoricamente que a política de farta oferta de dinheiro para a economia foi um sucesso: evitou-se uma enorme depressão econômica mundial. Todavia, esse sucesso é relativo vez que o crescimento econômico e a percepção de melhora na qualidade de vida dos cidadãos não são acentuados. Ao contrário: vê-se que o investimento (produção de novos bens) é baixo dentre os países ricos e o consumo ainda oscila, sobretudo nos países da Europa Ocidental e no Japão. Apenas a China persiste como "motor" mundial, com crescimento do PIB solidamente acima dos 6%. De toda a forma, no segundo trimestre da pesquisa da OCDE, organização dos países mais ricos do mundo, todos os afiliados dessa entidade (35 países) apresentaram crescimento do PIB! As perspectivas são igualmente promissoras. De forma bastante sumária esse é o cenário que estamos a registrar. E lá está o Brasil, esse gigante adormecido, amplamente favorecido por um cenário mundial senão totalmente benigno, certamente muito favorável. Quando saímos dessa leitura mais geral da conjuntura econômico-financeira e adentramos nas entranhas do que ocorre por aqui é bem possível que os investidores estejam sublimando riscos substantivos. Não se trata propriamente de "irracionalidade", mas possivelmente do "modelo de análise". De fato, o que está a prevalecer no momento é a visão estreita daquilo que poderíamos denominar de financismo. Por esse critério de racionalidade, os temas políticos e sociais do país ficam relegados a segunda instância. Os investidores estão focados no curto prazo e o "resto fica para depois". O que mais importa para se ganhar dinheiro no tal do mercado é "seguir para onde vai o dinheiro": movimentos dos fluxos de capital produzem elevações relevantes, mesmo que momentâneas dos preços dos ativos, principalmente em países com mercados menos relevantes (menos líquidos) como é o caso do Brasil. Vale dizer que o capitalismo não é propriamente um modelo de preferências ideológicas. Em havendo liberdade para o capital (para investir e resgatar recursos), investidores fazem negócios com qualquer ativo ou país, da Coreia do Norte à China, do Zâmbia à Austrália. O que guia o capitalismo financeiro é unicamente a possibilidade de obtenção de ganhos. Isso pode ser realizado em cenários favoráveis em termos de fundamentos (econômicos, políticos e sociais), mas também ocorre em situações de colapsos, como no caso da Grécia (a partir de 2008) ou do Brasil (no início dos anos 1980 e por três vezes na administração de FHC). A atuação "pró ou contra" da parte dos investidores se concretiza a partir da análise, mais ou menos meticulosa, das variáveis de riscos e de retorno. De forma simplista: quando os riscos são elevados e os retornos esperados são baixos, os investidores atuam "vendendo" ativos. É o denominado "short Market". Inversamente, quando os riscos frente aos retornos esperados compensam os investidores atuam "comprando". É o "long Market". A questão central dessa lógica é que o "mercado" dá sinais muito específicos de quando passa de uma situação "comprada" para "vendida". Aqui, em verdade, há mais arte do que técnica, muito embora acadêmicos e grandes investidores se debrucem intensamente para estudar essa temática. Vale notar que o capitalismo (financeiro ou não) não se guia por uma lógica que contenha base ética ou moral ou, ainda, que leve em consideração os efeitos produzidos pelos caminhos do capital. De fato, ao longo da história, o controle da lógica do capital foi exercido pela criação e desenvolvimento do Estado que com a "divisão funcional" entre Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como pelo "voto", acabou por moderar os "efeitos do capital" por meio de políticas e práticas. Agora faço um convite aos leitores que tiveram a paciência de ler esse artigo até aqui. Em vista dos fundamentos que verificamos no nosso país, as condições da política e da economia, tais quais, o funcionamento das instituições do Estado e do governo, a estabilidade social, o nível de criminalidade, a escolaridade dos jovens, a situação da Academia, a estrutura e conjuntura federativa, o sistema de representação (partidos políticos), as perspectivas eleitorais e assim por diante, você acredita que o cenário "róseo" do mercado financeiro se justifica? Por fim, saiba que mesmo sem comprar uma ação na bolsa ou um título financeiro, você está inserido no tal do mercado. Para o bem e, eventualmente, para o mau. Boa sorte!
terça-feira, 15 de agosto de 2017

O erro do mercado

O cenário político e econômico está cada vez mais claro no curto prazo e bem mais obscuro no médio e longo prazo. De fato, a sobrevivência política de Michel Temer implicou na manutenção mais explícita do status quo da política nacional: a crise de representatividade se mantém intacta. Com efeito: a economia perde horizontes no largo prazo e a sociedade permanece sem fatores estabilizadores-criadores capazes de alavancar novas perspectivas. Ademais, os "homens de bem" não se dispõem a sair de seus casulos seguros para adentrar na cena política. Ao contrário, verificou-se evidente que as multidões que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff tinham tarefa limitada a esse objetivo. Já com relação a Temer, vê-se o povo ceder às artimanhas urdidas nas noites de inverno do Palácio do Jaburu. No curto prazo, o impopular Michel Temer (95% de desaprovação) retornou a sua estratégia econômica tecnoempresariocrática, depois de se sustentar na Câmara dos Deputados. Apega-se o presidente à agenda da política econômica de contenção de déficits fiscais a qualquer custo, à política monetária mais tradicional frente à depressão que se registra (14 milhões de desempregados) e às reformas necessárias na previdência social e na área trabalhista. Dessa forma, no curto prazo, assegura-se que as variáveis econômicas não saiam do controle. O poder constituído e formal consegue reduzir as tensões em relação à estabilidade econômica permitindo que os agentes econômicos relaxem os músculos enquanto permanecem sem consumir mais e sem investir, afinal, o futuro é mais opaco que o normal. Aqui o cenário é de estagnação segura até os raios de um novo mandato presidencial. Será? Nesse contexto estagnado, na margem o PIB se arrastará ao redor de um crescimento de 1,5%, a inflação permanecerá na meta, possivelmente acostada na sua margem inferior e o câmbio obedecerá, por enquanto, aos movimentos entre as três moedas mais importantes (euro, dólar norte-americano e iene). O enorme déficit fiscal brasileiro se deve mais (no curto prazo) à imensa fragilidade da atividade econômica que reduz os tributos aos níveis mínimos de pelo menos cinco anos. O governo estuda com esmero o aumento de alíquotas ou criação de tributos, os quais necessariamente deveriam recair sobre os mais ricos. Todavia, é essa a parcela social mais influente e sobre a qual está repousado a administração de Michel Temer: a briga aqui é perdida. Assim sendo, podemos imaginar que novos aumentos de tributos virão sobre de forma indireta, ou seja, sobre o consumo e não sobre a renda. No longo prazo é que repousam as maiores dúvidas sobre a estabilidade econômica, política e social. A conformação de uma reforma política limitada que projeta um parlamentarismo capenga das vestes republicanas (em 2022?) é péssima notícia para o Brasil e, especialmente, para os agentes econômicos. Se, de um lado, a denominada "esquerda", liderada por Lula (e lateralmente protagonizada por Dilma), estilhaçou, em dois mandatos e meio, as categorias da moralidade pública e política, agora as forças do patrimonialismo-clientelismo cercam as regras da política partidária e eleitoral para manter mais do mesmo. Nesse contexto, as candidaturas de 2018 permanecerão subordinadas aos mesmos caciques e à mesma lógica como sempre foi. A adoção do voto distrital, seja puro ou misto, não retirará dos partidos políticos a face pouco democrática dos partidos políticos, os quais não passam de negócios particulares com políticas públicas. A estabilização da lógica partidária e eleitoral em patamares tão rasteiros permitirá que o atual descompasso entre a política e o poder permaneça vivíssimo e imenso. Assim sendo, o próximo primeiro mandatário da Nação está submetido à clássica chantagem política que perverte a razoabilidade da execução de políticas econômicas que acelerariam o desenvolvimento do país. O interessante disso tudo é que, mesmo os "movimentos sociais", ainda marginais, que pretendem acelerar o desenvolvimento político do país, tais quais "o Partido Novo" ou o "Movimento Brasil Livre" ou o "Vem pra Rua", embaralham ainda mais o processo, pois têm projetos não-orgânicos em relação à política e à economia. Faltam-lhes propostas que sejam realmente capazes de convencer o corpo social de que os gaps entre (i) "desenvolvimento x desigualdade", (ii) "crescimento x sustentabilidade", (iii) "representação democrática x crise partidária" e (iv) "legalidade x igualdades jurídicas" possam ser preenchidos de forma politicamente e economicamente possível. Note-se que o Brasil é potencialmente rico e materialmente subdesenvolvido e essa constatação requer saídas políticas e econômicas que incorporem novos consumidores e investidores à "moda tradicional" do capitalismo. Para tanto, o arcabouço político tem de ser verdadeiramente democrático. Ao permitir o acesso ao processo econômico capitalista de largas parcelas da população que são alijadas no atual contexto é que se realizará a tarefa mais liberal que possa ser concebida para o Brasil. É desse processo que virá o aumento da produtividade que alavanca o desenvolvimento. Vale dizer que o fracasso da esquerda na política deveu-se exatamente ao fato de que não foi capaz de identificar nesse processo de afirmação capitalista a grande oportunidade de desenvolver o país. Ao contaminar o sistema político com a corrupção, Lula e Dilma acentuaram ainda mais as nossas mazelas patrimonialistas-clientelistas. O que temos hoje é que se forma um estranho consenso perante a situação precária da economia e da política. A sociedade não vê saída política, não constrói soluções e não cria meios de resistência à desesperança social. Em verdade, a política partidária e às regras eleitorais estão a consolidar um padrão cujos fins acabam em si mesmos. Nesse contexto, o voto em 2018 poderá valer pouco. O mais curioso é que há sinais de evidente ineficiência nos mercados. Afinal, se o risco é tão elevado no longo prazo, por que tudo está tão calmo assim?
terça-feira, 25 de julho de 2017

Bolha especulativa, bola murcha

É certo que estamos vivendo a era das inovações múltiplas, com efeitos gigantescos sobre o mercado. A crise de 2008 despontou como a mais importante desde 1929. Interessante foi o fato de que a natureza de ambas era a mesma: uma tremenda crise de crédito que fez entrar em colapso o sistema financeiro e, por conseguinte, a queda da demanda foi generalizada. A lição de 1929, duramente aprendida pelos economistas ao longo dos anos 1930 e 1940, foi extremamente útil para a superação relativamente rápida daquele colapso. Menos de dez anos depois os sintomas da crise ainda persistem, sobretudo no Velho Continente, mas a recuperação da economia da maioria dos países centrais do capitalismo pode ser considerada como muito razoável. Os preços dos ativos também se recuperaram velozmente e relativamente descolados do desempenho "real" da economia. Para se ter uma ideia, entre o início de julho de 2009 (início da recuperação) e o fechamento das bolsas na última sexta-feira (dia 21/7/2017) o Índice S&P500, que representa as 500 maiores corporações dos EUA, subiu 160%. As empresas de tecnologia, representadas pelo índice NASDAQ subiu no mesmo período 173%, sendo que o segmento das 100 maiores empresas desse índice subiu 283%. Um belo desempenho. Empresas da "nova economia" subiram entre 700% e 1500%. O Facebook, para dar um exemplo paradigmático, subiu 983%. A relação Preço/Lucro (P/L), um dos indicadores mais utilizados no mercado, gravita ao redor de 22 vezes no caso do S&P500, ou seja, considerado o lucro projetado para o ano de 2017, o preço das ações equivale a 22 vezes tal lucro. No caso do NASDAQ esse número é ao redor de 30 vezes. O Facebook, no caso, tem um índice de 41 vezes, o que significa dizer que no preço da ação "está contida" a expectativa de um enorme crescimento dos lucros os próximos anos, o que ajustaria esse indicador elevadíssimo para patamares mais "justos", pois o índice de 41 vezes parece estratosférico, num olhar imediato. Em tempos de "destruição criativa", agora vê-se o mercado de ICOs (Initial Currency Offerings) disparar. Trata-se de um mercado de cupons digitais de moedas bitcoin, a cripto-moeda eletrônica, sem registros em bancos centrais e sem direitos de propriedade ou coisa que o valha. Essas moedas estão sendo utilizadas para "desenvolver negócios": uma parcela relevante do mercado de venture capital (empresas pequenas em fase de crescimento) está sendo financiado por essas moedas. Na medida em que tais projetos/empresas crescem, as moedas se valorizam. A emissão dessas moedas é feita por meio de um contrato digital ("contratos inteligentes"), por exemplo, no Ethereum, uma plataforma que retém os registros de transações com as moedas e que tem a segurança garantida por criptografia (blockchain). As transações são verificadas pelos próprios usuários do sistema, sendo que os contratos assinados no sistema são pagos em ether, a moeda digital desta plataforma. Lembremos que essa não é a única plataforma de "criação" de moeda. Esse tipo de sistema pode ser utilizado para considerável número de transações financeiras, das apólices de seguro até a arrecadação de recursos no mercado de capitais (crowdfunding, por exemplo). É certo que estamos vivendo a era das inovações múltiplas, com efeitos gigantescos sobre os diversos segmentos do mercado financeiro e de capital. Afora, as mudanças estruturais na nossa vida cotidiana. A criação de moedas digitais é mais uma dessas inovações que serão testadas no mercado nos próximos anos. Há quem esteja ganhando nesse tipo de mercado, mas não há (ainda) notícias daqueles que estão perdendo. Como a lógica do capital não mudou no que tange à existência de ganhadores e perdedores, veremos como progrediremos daqui para frente. Teremos colapsos financeiros nesse contexto? De outro lado, os reguladores, os distintos bancos centrais e comissões de valores mobiliários, estão observando o cenário e, por enquanto, nada fazem. Em verdade, não sabem como agir e o que fazer. Afinal, moedas digitais não são valores mobiliários (estes têm direitos ligados aos títulos). O problema é que as moedas emitidas sem critérios verificáveis pelas autoridades inflacionam o valor dos ativos, por enquanto, de forma localizada. É certo que não há neutralidade nesse processo no que tange aos riscos. Esse mundo fascinante e perigoso trará desafios novos para o Direito e a ciência econômica. Também há que se notar que as diferenças sociais e entre nações voltaram a se amplificar rapidamente nos últimos trinta anos. Parte substancial da humanidade passa fome, enquanto uma pequena parcela caminha sob à proteção institucional de uma entidade denominada "mercado". Os diferenciais educacionais e de tecnologia se ampliam e nos países mais pobres não há como criar processos de "destruição criativa" como nos países ricos. Até mesmo grande parte das classes menos abastadas dos países ricos pode estar sendo expelida para fora do sistema de desenvolvimento capitalista no médio e longo prazo. Também não devemos ter ilusões de que as "bolhas especulativas" podem estar à solta no mercado mundial, sobretudo nos EUA. Note-se que há notável diferença entre "capital" e a "riqueza". O primeiro incrementa desenvolvimento, enquanto o segundo concentra a renda "improdutiva" (que não é investida em bens que criam novos bens). Não à toa, o mercado de imóveis, de arte e o próprio mercado de ações estejam sobrevalorizados nas principais economias. De ilusão também se vive... Por aqui, abaixo do Equador, no nosso país, esse mundo parece bem distante...Ainda estamos a discutir se funcionários públicos "valem mais" que os cidadãos comuns, se juízes podem ter 60 dias de férias, se o presidente é corrupto, se os professores faltam muito ao trabalho, se vamos superar os 60 mil homicídios por ano, se os hospitais públicos vão fechar e assim vai. O certo é que o bom momento do mercado e da economia mundial poderia ajudar o Brasil a crescer e dar alguns saltos na direção correta. No futuro, talvez não muito distante, seremos vítima do ajuste dos preços e da atividade econômica mundial. Estamos perdendo tempo precioso, distanciando cada vez mais a política do poder frente a um admirável mundo novo. Somos o país da bola murcha para usar a expressão comum do futebol. Resta saber se as elites, sobretudo os políticos, se importam com isso.
terça-feira, 11 de julho de 2017

Temer sem controle, a economia controlada

Não há risco de que seja registrada substantiva alteração de forma e conteúdo na atual política econômica. Os agentes econômicos, notadamente os detentores reais do poder, descobriram que o presidente da República Michel Temer se tornou disfuncional para manter em ordem a economia. De fato, as variáveis tipicamente conjunturais necessitam de controle, mesmo que as reformas estruturais possam ser realizadas com mais vagar. Temer é hoje o principal empecilho à recuperação econômica. Por razões diferentes, mas com os mesmos efeitos, Temer se tornou igual à ex-presidente Dilma Rousseff. Essa última abusou do analfabetismo econômico e político. Temer afogou-se na sua própria piscina de malfeitos e os companheiros de jornadas nas noites brasilienses. O Brasil ficou à deriva de ambos e agora quer se livrar do que ocupa o Jaburu. A classe política, dessa forma, começa a velozmente mudar o cenário, carreando votos congressuais para um novo rumo, possivelmente com Rodrigo Maia no timão. Se isso dará certo, a história contará. Observando o papel exercido pelos protagonistas políticos vê-se que, com Temer, porto seguro da tecnoempresariocracia se tornou vulnerável. Tasso Jeressaiti foi o eficiente porta-voz para expressar a voz do poder econômico. É por isso que, mesmo tendo falado baixinho ao pé do ouvido de Rodrigo Maia, o cearense se tornou um barítono na mídia. O certo desse processo é que quase tudo em matéria de política econômica será mantido. Não há nenhum risco de que seja registrada alguma substantiva alteração em termos de forma e conteúdo na atual política econômica. Henrique Meirelles deve permanecer exercendo a sua função de esfinge decifrada na Fazenda. Assim, a tecnoempresariocracia que combina um arrocho fiscal sem precedentes, um aperto monetário destoante com o grau de recessão e a recuperação lenta e gradual da atividade econômica devem continuar. A posição cambial sólida do país e a estabilidade dos mercados financeiro e de capital é o indicador antecedente de que o risco político a médio prazo é alto, mas no curto prazo estamos caminhando para relativa estabilidade. Na margem, a economia cresce e já há sinais inequívocos de que a recessão passou de seu pior ponto, mesmo que não saibamos qual a tração que a atividade terá daqui até a posse do próximo presidente da República eleito diretamente pelo digníssimo povo. A queda de Temer, já anunciada, mas ainda imprevista, representará o encerramento do segundo ato da nova era, iniciada com a redemocratização até o governo do PT - o primeiro ato foi a eleição de Lula da Silva. Dilma foi um interregno praticamente irrelevante nesse processo. Temer representa a velhice da política e será esquecido na história. O que vem por aí será, provavelmente, muito mais novo. O que não sabemos é se será moderno e com isso trará o desenvolvimento mais holístico a esse grande país exausto de se apequenar. Há na sociedade brasileira a enorme esperança de uma sociedade mais igualitária, menos afeita a proteger apenas os poderosos. Lula trouxe à tona essa agenda, mesmo que a sua gestão nos ensinasse que os seus feitos foram bem menores que as suas promessas por conta da corrupção e doses significativas de populismo. Todavia, a sociedade brasileira começa a incorporar a ideia de que o "Grande Estado" não funciona para sanear a desigualdade social. Em verdade, este acentua as diferenças vez que dentro dele são acomodados os interesses dos poderosos. A corrupção generalizada nada mais é do que a expressão objetiva do caráter de Macunaíma do Estado brasileiro. Também a sociedade começa a perceber que o estamento e as estruturas clientelistas e patrimonialistas dos burocratas brasileiros são fatores de desigualdades maiores e, até mesmo, crescentes. Não pode um futuro aposentado do setor privado valer muito menos que aquele que é oriundo do setor público: isso simplesmente não cabe na finança pública. As reformas do setor laboral e da previdência social não são apenas correções econômicas, em seu sentido fiscal. São também a expressão de uma sociedade mais igual, mais inclusiva. São reformas como essas que necessitam ser alicerçadas em desenvolvimento econômico que, por sua vez, requerem reformas de caráter isonômico como a da Previdência Social. Creio que Temer, ao se arrogar como "garantia" de estabilidade, não percebeu que o andor das reformas que diz carregar já não lhe pertencia. De fato, a sociedade percebeu com seus próprios olhos que não é possível permanecermos enraizados em "direitos" de alguns que retiram a perspectiva de sucesso de imensa maioria. É por isso que a queda de Michel Temer, tornando-o réu do STF, não impede que tanto o reformismo persista quanto à estabilidade conjuntural, mesmo que por meio da atual política econômica tecnoempresariocrática. Que venha Maia ou outro qualquer. O risco do Brasil é o da persistente desigualdade, da ausência de competitividade, da alienação perante o mundo moderno, da falta de educação e saúde, etc. No curto prazo à economia se descola da política. No médio prazo, nunca precisamos tanto de políticos, cuja maior virtude deve ser a de amar o Brasil.
terça-feira, 27 de junho de 2017

O período final de um longo processo

O que temos de certo é que todas as possibilidades estão abertas. É preciso que não percamos a perspectiva de que estamos vivenciando o último período histórico da pós-democratização, iniciado no governo Collor. De lá para cá, tivemos ganhos relevantes, tais como, a inserção social do conceito de estabilidade monetária, os imensos ganhos em relação a certos valores e garantias individuais e a obediência ao calendário eleitoral, sem questionamentos institucionais à legitimidade de seus resultados. De outro lado, fracassamos na questão da inserção do Brasil no mundo global, na garantia de direitos sociais (tais como, a educação e a saúde), a incapacidade de mantermos a estabilidade estrutural da finança pública e a excessiva oligopolização da economia. É a política, contudo, onde se vê o monumental desastre da sociedade brasileira. Aqui o Estado Democrático de Direito se acanhou vergonhosamente. Os tempos atuais demonstram de forma aberta os efeitos de nosso Estado clientelista-patrimonialista. A corrupção, o nepotismo e o absoluto descaso da classe política e, por que não dizer, da própria sociedade, com a res publica são fenômenos diretamente relacionados com a visão de um Estado no qual se instalam abertamente certos interesses privados em detrimento dos públicos, estes últimos de natureza muito mais difusa e, assim, sem muito defensores. Em linguagem direta, podemos afirmar que não existiria a magnitude de problemas como os criados pelos "joesleys", "dirceus", "palloccis", "odebrechts", etc. se estivéssemos diante de um Estado mais desocupado de interesses privados e, no caso, nefastos. Todavia, as administrações mais recentes, de Lula a Temer, passando pelo "acidente" de Dilma, resolveram "testar" a nossa própria natureza clientelista-patrimonialista. O que se vê é uma Terra Desolada, infestada de corrupção e malfeitos que provavelmente encerrará um período histórico do país pós-1964 e pós-redemocratização. Temer é a estrela do momento, não precisamos lhe dar protagonismo exagerado. Não nos enganemos que as "dores do parto" desse processo de transformação serão ainda bastante intensas. A denúncia do procurador-Geral da República Rodrigo Janot, acusando Michel Temer de corrupção passiva, é tão-somente mais um episódio desse longo processo de superação histórico. Parece-me provável que tais denúncias trarão mais chances para que a sociedade se movimente em busca de saídas para o país. Se mantido o presidente diante de contínuas acusações graves de corrupção passiva, formação de organização criminosa e obstrução da Justiça, apenas confirmaremos o que já sabemos: o sistema de representação está falido. Se afastado Temer, verificaremos o mesmo, pois as escolhas disponíveis de solução política são sofríveis. Vê-se que no dilema aqui, apenas formas de ver como construir saídas para 2018. Mesmo diante de tão inquietante cenário, não tenhamos a ilusão de que não haverá saídas para esse processo. O Poder Político não se encerra e será reocupado pelo processo político e eleitoral. Com efeito, chegou o tempo em que a sociedade precisa se reencontrar com novos valores políticos e adentrar a nova fase da história brasileira. Por óbvio, não há garantias de que nos organizaremos a tempo e melhor para produzirmos um cenário menos desolador. É preciso que brotem novas lideranças, por ora acanhadas, dentro do processo social. Não creio que os atuais ocupantes das cadeiras do Poder em Brasília serão capazes de alinhavar saídas que nos levem a superar o Estado clientelista-patrimonialista. Eles estão demasiadamente integrados aos seus próprios interesses e às mazelas que criaram no distinto povo. São parte do problema e não da solução. Se acreditarmos que as saídas virão da sociedade, provavelmente de forma mais inesperada que "programada", temos de ficar atentos para que a "destruição" do atual status quo não acabe por despejar as esperanças do povo no sentido de saídas autoritárias. Isso pode ocorrer de várias formas, mas a mais possível é que venha por dentro das instituições vigentes e de forma legal, dentre as quais, o próprio processo eleitoral. Um país com 14 milhões de desempregados e com a esperança pouco mitigada em termos de crescimento econômico pode se encaminhar para algumas ações políticas que acentuariam o caráter autoritário do clientelismo-patrimonialismo histórico. A adoção de ações políticas baseadas nos atuais valores sociais, sobretudo a visão de um Estado que serve a poucos e, especialmente, aos interesses dos poderosos, reforçará o que já se vê hoje, mesmo que de forma diversa. Se o cenário nos levar a um momento demasiadamente emocional, por meio de discursos populistas (Lula e Ciro, por exemplo) ou que reforçam valores aparentemente "tradicionais", mas que de fato são autoritários (Bolsonaro e alguns "movimentos sociais", por exemplo), experimentaremos novo período de incertezas, construídos institucionalmente. Aqui, não se pode construir cenários, caso isso ocorra. De outro lado, se surgirem lideranças capazes e revisitar e revisar os nossos valores deteriorados e racionalmente construírem saídas políticas para o nosso desenvolvimento integral, estabelecendo fins e meios que sejam democraticamente organizados, o Brasil adentrará em um período de reais chances de superação histórica para melhor. O que temos de certo agora é que todas as possibilidades estão abertas nessa fase final do período pós-redemocratização. Cabe-nos reconhecer isso e lutar para que as expectativas não se convertam em ações sociais irracionais.
terça-feira, 13 de junho de 2017

Entre Temer e o que vem

A economia e a política percorrem caminhos que se entrecruzam e mutuamente estabelecem avanços e retrocessos. Na democracia esse processo ocorre, de forma transformadora ou conservadora, por meio do voto. Há de se notar que nem sempre a escolha do povo recai na melhor opção política: por vezes, o distinto eleitor vislumbra as benesses do curto prazo que se mostram ineficazes no longo prazo. Mais raramente, o eleitor vê-se diante de líderes que projetam a utopia realizável no longo prazo. No atual momento do Brasil, o dilema tornou-se agudo: há os creem que é "melhor ficar do jeito que está para ver como é que fica". De outro lado, há aqueles que profetizam que as dores de agora podem ser engrandecidas em troca de um cenário mais hígido na política e, quiçá, na economia. Michel Temer é o personagem que tenta se vender como aquele que é capaz de sustentar a estabilidade, mesmo que, diante de imagens de seus assessores correndo com malas cheias de notas de dinheiro, não há de se falar em estabilidade. Suas manobras no Congresso Nacional têm sido relativamente eficientes para conter a sanha dos seus acusadores e do próprio Judiciário. A política de sua administração não guarda mais a sua característica anterior, a visão tecnoempresariocrática que abocanhava certo apoio da elite. As reformas econômicas, notadamente a da previdência social e do mercado laboral não repousam mais no Palácio do Planalto, onde reina a emergência de assegurar apoio mínimo dentre os políticos. Todavia, de forma paradoxal, percebe-se que a sociedade está mais convencida da imoral desigualdade entre os enormes benefícios previdenciários e laborais do setor público e a situação crítica que vige no privado. A agenda das reformas foi instalada na sociedade e será questão de tempo para que esta seja aprovada, agora ou mais adiante. A gravíssima situação da Federação, notadamente em Estados como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, talvez acendeu os sinais vermelhos da insustentabilidade do modelo de privilégios públicos em detrimento dos parcos direitos privados. Temer em verdade se ausenta da agenda reformista e essa ganhou tração própria, mesmo que ainda não realizada ou realizável no curto prazo. Da mesma forma, a situação letárgica da atividade econômica não dá sinais de que vá melhorar muito, mas também não há que se esperar piora relevante. Seguiremos, muito provavelmente, por uma trilha relativamente segura em comparação com os riscos políticos. A grande contribuição para a relativa estabilidade econômica é a situação cambial que dá gás suficiente para a pinguela frágil na qual se transformou a administração do peemedebista. A inflação tornou-se a onça calma que tem sido alimentada com doses cavalares de baixa atividade e desemprego e a finança pública permanece capenga à espera de juros mais baixos e, de novo, as reformas estruturais. Na política, o que se vê não são propriamente as conspiratas do seriado House of Cards. As maquiavélicas artes de Frank Underwood, personagem fictício de Kevin Spacey, ocorrem num meio-ambiente permeado de racionalidade e objetivos claros. Além do mais, Underwood não pode ir além do próprio interesse da elite econômica. No Brasil, a corrupção endêmica destruiu a possibilidade de ações políticas racionais. O corre-corre das viaturas da Polícia Federal, as acusações do MP e as decisões judiciais fazem brotar uma novidade a cada dia. Com direito a comício político nos tribunais, como ocorreu na decisão da semana passada no TSE. Assim, as conspiratas políticas já não têm mais limites, mesmo porque por esses lados a elite econômica está mergulhada em transações materiais um pouco mais além que aquelas do patético Frank Underwood. Nesse ambiente de acuamento da política em função das malas recheadas de dinheiro dos políticos é que reside os maiores riscos e as maiores chances do país. Nos pratos da balança, ainda não sabemos se vamos para frente ou se nos atolaremos mais na lama. Todavia, temos de reconhecer prima facie algumas coisas que parecem consolidadas. A primeira delas é que a utopia da esquerda está enterrada. Para aqueles que temem Lula há de se avisar que o seu discurso salvacionista perdeu completamente o tônus mudancista. O que sobrevive é mera memória que se desfaz ante a exposição mais aberta de seu discurso mentiroso. Da mesma forma, o centro político se destroçou pelas marmotas realizadas no seio do setor público em favor de benefícios privados. Quando se vê o tucanato ou o PMDB reunido, não é apenas a idade dos personagens principais que é octogenária. Suas ideias estão vencidas e eles persistem a cavar a própria cova. Se a esquerda jogou sonhos na vala de suas administrações, o centro mostrou-se incapaz de exercer a dominação social vez que não tem projetos e ações que sejam socialmente críveis. O vazio político fará emergir inexoravelmente no horizonte novos players. Podem ser desejáveis ou indesejáveis para a política e/ou a economia. No campo dos indesejáveis temos de tomar cuidado com dois personagens: (i) aquele que se ocupam dos extremos, no caso não se trata dos polos da esquerda e direita, mas das figuras meramente imagéticas tal qual Trump ou Beppe Grillo, aquele comediante italiano que criou a terceira maior força política de seu país; (ii) o segundo é aquele tecnocrata que se diz apenas um "gestor". A política carece de instrumentos de gestão modernos, mas a política não é como um empreendimento, cujos fins são definidos e claros. Os fins da política são, nas palavras sábias de Noberto Bobbio, "tantas quantos forem suas metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias". Portanto, sejamos práticos: contratemos o gestor para cumprir as metas políticas. Não façamos as metas vítimas de um gestor. No campo dos desejáveis, creio que as regras devem ser bem gerais, mas necessariamente substantivas: (i) amar verdadeiramente o país, (i) ser capaz de gerar novas utopias e sonhos e (iii) saber enquadrar tais utopias e sonhos nas possibilidades que se ampliam por meio da economia e do direito. Um não-populista que seja capaz de conversar com o povo, mesmo que para dizer coisas que ele não gosta de ouvir.
Não estão previstos enormes riscos para os agentes econômicos no curto prazo. O momento brasileiro é desafiador, mas é preciso que reconheçamos, desde logo, que estamos a eliminar muitos pensamentos e percepções que foram superados pela completa ausência de suporte lógico. Destaca-se nesse processo de superação intelectiva o fato de que a distinção entre conservadores e progressistas, direita e esquerda, ou até mesmo, governo e oposição, é mera concepção de linguagem, sem maiores bases em termos políticos. Os efeitos desse situação estrutural sobre a política e a economia são muito grandes e afetam a nossa vida diretamente. As administrações de Lula, Dilma e, agora Temer, consolidaram a ideia de que a política no Brasil tem como alma mater a corrupção, o benefício do político em detrimento da Política (com "P" maiúsculo), o nepotismo, o favorecimento e assim por diante. Numa linguagem vulgar, partidos e políticos foram, lamentavelmente, lançados no mesmo saco de farinha. Aqui não há juízo, apenas observação. Lula, ao se apossar da agenda conservadora em seu primeiro mandato, apenas fazia a grande ponte que o levaria ao amplo processo de alianças, cujo objetivo final não se sabe à perfeição qual era, mas certamente incluía a sua permanência no poder via um largo arco de corrupção, entendida em seu sentido estrito e lato. Lembremo-nos, a pálida figura de Antonio Palocci, comemorado com guardião da racionalidade cartesiana do petismo lulante pelas elites brasileiras. Já Dilma, essa parece ter sido vítima de uma estranha combinação de ambição desmedida frente à sua incapacidade política e de elaboração da política econômica. Aceitou o jogo montado pelo seu antecessor em prol do seu bem maior: ser eleita e reeleita. As contradições e inconsistências que emergiram da economia e, subsequentemente, na política, a dragaram para as profundezas históricas do Brasil. A essa altura dos acontecimentos Dilma combina absoluta irrelevância na historiografia com um papel aparentemente menos ativo, mesmo que condescendente, com o jogo corrupto da política. Observadas as conversas subterrâneas de Michel Temer no Jaburu, com um empresário vistosamente tratado com dinheiros públicos e aceitação privada, foram abertas todas as cortinas para mostrar maquiavelicamente as tripas do poder no Brasil. Não há escrúpulos, não há sequer ideias minimente republicanas. Já tínhamos escrito nesse espaço que a agenda tecnoempresariocrática de Temer não era resultado de convicções próprias, mas daquilo que era possível para aglutinar o poder econômico em torno de si e, dessa forma, prover racionalidade à gestão governamental que ele preside, pelo menos até agora. Aqui vale relembrar a medrosa figura de Michel Temer na mesa principal da Câmara dos Deputados conspirando outrora contra as reformas providenciadas pelo então presidente Fernando Henrique. Agora, vem a sua oportunista conversão aos anseios liberais de certa cota das elites econômicas. Não há raiz nessa árvore, diga-se. O distinto público e mesmo os mais impávidos empresários e financistas sabem que Michel Temer e seu governo não tem credibilidade para enfrentar hercúleos desafios. Pode, isso sim, aprovar medidas e reformas que são boas ao Brasil, tais quais a da previdência social e do mercado laboral. Como dissemos, essa é a agenda que escolheu porquanto é a última que lhe resta. Todavia, não superestimemos o tamanho do dinossauro. As reformas da previdência e do mercado de trabalho são muito relevantes ao país. Todavia, não devem os agentes econômicos acreditar que estas serão suficientes para reacender a chama do desenvolvimento. Esse é um processo endógeno, formado na sociedade e que requer, além de condições básicas do ponto de vista econômico, consenso político e social que possa dirigir ações públicas e privadas. Legitimidade política, nesse caso, não pode ser apenas formal. É preciso materialidade, verdade, expressão real por parte das lideranças políticas, especialmente do excelentíssimo Presidente da República. Michel Temer não é esse animal político. É apenas o protagonista da Velha República calcada no que há de pior em termos de fundamentos. Da corrupção à sua turma palaciana mais próxima, Temer pode até carregar o seu governo ao final. Essa última palavra tem dois significados: o temporal, ou seja, até o último dia de seu mandato ou, o material, caso venha a sucumbir de outra forma institucional, inclusa a renúncia. A despeito de tudo isso, creio que o desenrolar da atividade econômica, do desempenho das contas públicas, política monetária e estabilidade de preços, está dado. Não estão previstos enormes riscos para os agentes econômicos no curto prazo. Isso se deve sobretudo ao fato de a posição financeira externa do país ser sólida. Reservas externas elevadas e a atual fluidez de recursos para o setor privado são sinais de que o Brasil se defronta com relevante desafio no médio prazo (daqui a um ano), mas não no curto prazo. Já no longo prazo, a sociedade brasileira está para decidir se aceitará a própria condição de pária perante a classe política que a nós domina. A dissociação entre poder e política no Brasil é gravíssima. O distinto público perdeu a confiança no sistema representativo. A repercussão disso não está extensivamente vislumbrada e efetivamente entronizada pelos agentes. Todavia, não tenhamos ilusões: a política como ela está é o maior e mais significativo empecilho para o desenvolvimento. Aqui não cabe eufemismo. A coisa pode piorar muito no longo prazo.
terça-feira, 16 de maio de 2017

A grande aposta

A Política (aqui com maiúscula) não é arte ou atividade endógena, ou seja, não se forma a partir da própria atividade da classe política (aqui com minúscula). A Política se forma pela reflexão, ocorrência ou repercussão do fato social que afeta determinada sociedade e que por esta é transformada. Já a política, formada endogenamente pela própria atividade dos políticos, resulta na estreiteza de meios, razões e objetivos. Pelos lados do Brasil há quem acredite que o factoide, o debate estreito e a "habilidade" em lidar com a classe política possa nos tirar do buraco e da lama em que estamos engalfinhados. Não é possível. A crise vigente tem natureza profunda e complexa. A sua solução requererá mudanças muito reais e estruturais nos modos da sociedade brasileira, sobretudo nas suas camadas superiores. Não cabe mais na condução da Política a confusão generalizada entre o interesse público e o privado. É dessa relação mal estabelecida que nasce a corrupção, o nepotismo, o favorecimento e a má utilização dos bens públicos, cujas repercussões são macroeconômicas e macrossociais. Daqui não podemos sair com soluções meramente ideológicas sugerindo que mudanças na direção da direita ou da esquerda sejam necessárias para acabar com os malfeitos. A verdade é que o PT fundamentou aquilo que era, até então, razoável teoria: há algo de mais podre no Reino do Brasil. A visão, em verdade antropológica, de que o brasileiro não separa bem as coisas da res publica e da vida privada de pessoas e empresas, está acima das ideologias. Lula da Silva e Collor de Mello fizeram o mesmo, em graus e cores diversas, com o mesmo autoritarismo (na sua essência, mesmo que de formas diversas). Os valores sociais e culturais brasileiros estão corrompidos pela visão de um Estado à postos para ser assaltado e utilizado para fins privados. Ao final, não há a percepção de que há uma conta a ser paga pela sociedade ao longo de certo tempo, o qual pode ser curto, mas pode ser também longo. Mesmo que muitos acreditem na premissa de que a confusão entre o público e o privado é maior que o que se demonstra nos atuais processos judiciais de Curitiba, contra sicrano e beltrano, a verdade é que a sociedade brasileira continua a buscar saídas limitadas para o país. Sem mudanças estruturais, fará pouca diferença quem será o próximo presidente da República. A começar pelo próprio sistema eleitoral e a legislação partidária. Esses dois pilares da política brasileira (com minúsculas) são a representação do patrimonialismo que muitos reconhecem, mas para o qual não encontram e apresentam soluções. Se o próximo chefe de governo e de Estado permanecer fincado às bases movediças do sistema eleitoral brasileiro, seja quem ele ou ela for, terá de sucumbir aos mesmos males de outros no passado recente e longínquo. O país permanecerá em crise, mesmo que eventualmente assim não aparente por certo tempo. O caso de Lula da Silva é emblemático: seu governo era elogiado por quase todos os lados e via-se nele o estadista que ele nunca foi. Agora, verifica-se que era tudo farsa e prosa, sustentado por commodities em alta. O país real finalmente venceu e acabou por mostrar as entranhas no circuito Curitiba-Rio de Janeiro-Brasília. O que as pesquisas eleitorais nos mostram é o jogo de nomes políticos, produtores de factoides. Aqui e acolá, discute-se o que seria de Jair Bolsonaro, Lula, Marina, Ciro, Alckmin, Dória e outros na cadeira de primeiro mandatário do país. Vale avisar: o resultado desse jogo se tornará a cada dia mais aleatório se a sociedade, sobretudo as elites, não acordarem para o fato de que não há nada de substantivo sendo gerado dentro das veias sociais e que mude o caminho de irracionalidade e desilusão em relação ao país. Não nos surpreenderíamos se de repente tenhamos dois candidatos fracos do ponto de vista partidário (e.g. Marina e Bolsonaro) na reta final da campanha eleitoral do ano que vem. Isso significa que essa aleatoriedade é resultado direto da falta de propostas de mudanças estruturais, seja nas bases jurídico-eleitorais (partidos e sistema), bem como, nos caminhos de transformação do país, na economia e na sociedade. Na economia será necessário que finalmente possamos passar da fase "busca da estabilidade" (inflacionária e fiscal) para a fase "desenvolvimento integral (social e econômico)". Na sociedade é preciso educá-la para a percepção de que o Estado não pode tudo e que o público pertence a todos e não pode ser "privatizado" para ninguém sob a supervisão de um Judiciário menos boquirroto e mais atuante. Alguém pode se levantar contra a visão aqui disposta em poucas palavras e argumentar que o que aqui prego é idealista, pouco pragmático e, até mesmo, onírico. Vejamos. De Lula da Silva até Jair Bolsonaro (este de forma restrita na mídia, mesmo que popular entre muitos), passando por Alckmin, Ciro, Dória, Marina e, até mesmo, Luciano Huck, todos começam a se colocar perante a sociedade. Dado que a sociedade está tão perdida quanto as próprias elites sociais e políticas, o jogo de palavras pode ser lido de diferentes formas, inclusive com a aceitação daquilo que é irracional. Na França, país desenvolvido e educado, Marine Le Pen, candidata da extrema direita, dobrou de votos desde a última eleição presidencial (de 19% para 38% do eleitorado total). Quem pode realmente apostar que no Brasil, país recheado de ignorantes, inclusive nas elites, a extrema direita não pode levar um populista como Bolsonaro à vitória? Quem pode apostar com razoável certeza de que Lula da Silva não leva o trono da República? (Aqui a aposta é que o Judiciário acerta o candidato no peito e na cabeça). A vulnerabilidade dos outros candidatos, senão vem de denúncias de malfeitos, virá de suas próprias fragilidades pessoais e políticas, sobre um sistema político já provadamente falido. Ora, ora, se alguém acredita que estão em curso mudanças estruturais para o país, que nos mostrem as saídas viáveis estão sendo construídas pelos, até agora, candidatos e, principalmente, pela própria sociedade. O que vislumbro no momento é um imenso vazio político pronto para ser preenchido por qualquer candidato. O resultado pode ser bom ou ruim, mas o risco é elevadíssimo de que o país permaneça fora dos trilhos à espera de soluções para "questões idealistas" que mudem de fato o país.
A cada dia que passa, diante da evidência de que a política não dará alento à economia, os indicadores econômicos devem voltar a piorar. Infelizmente o cenário brasileiro enfrenta pioras significativas. De fato, muito embora a aparência na superfície dos diversos segmentos do mercado financeiro e de capital seja de tranquilidade, no interior do tecido social e político as tensões estão a aumentar velozmente. Mais à frente os preços podem evidenciar os fundamentos. Há, em verdade, tênue recuperação econômica, mas vê-se que a desesperança social, marcada por vasta taxa de desemprego (13,7%, 14,2 milhões de pessoas), se espalha rapidamente. O cenário fiscal está fortemente prejudicado pela força da depressão econômica, apesar de a agricultura está passando por momento glorioso. A política monetária corre atrás de tudo, com o BC a frasear promessas de um arrocho menor e mais rápido - o estrago está feito, em larga medida. A economia capenga e deixa manca a possibilidade de qualquer inversão mais rápida no cenário. Tudo está pior que o esperado, que fique claro. Esperávamos uma recuperação mais rápida e significativa. Vale lembrar que o maior aperto monetário nos EUA nem chegou... É no campo político que os riscos prosperam e, ao que parece, poucos que tem poder real estão dispostos a mudar o cenário. A pesquisa Datafolha desse domingo (30/4/2017) é sinal de alerta vigoroso para aqueles interessados no Brasil. Não que essa pesquisa seja uma "previsão" sobre o futuro, mas porque ela representa o retrato do vazio político do país, não preenchido e enorme. Os tais analistas políticos vão distribuir por aí a versão de que "ainda é cedo" para qualquer previsão, mas a verdade é que os números mostram que os polos estão crescendo: de um lado, o representante do PT, o partido-líder de vasta corrupção nos últimos anos, de outro, o representante da direita radical, aquela que promete a ascensão da moral e do civismo e, de fato, entrega a penalização da liberdade. Em meio a esse cenário, está Marina Silva, aquela que ninguém vê ou sabe o que pensa de tudo isso. Parece esconder-se na vasta e bela Floresta Amazônica. Há relampejos de João Dória, o candidato possível do centro-direita e Geraldo Alckmin, o governador cada vez mais dragado pelo noticiário negativo da corrupção e dos malfeitos. Em São Paulo, todos rezam para que João, o trabalhador, sobreviva e enriqueça em votos de todos os lados e rincões do Brasil. Com efeito, esse quadro leva a algumas conclusões. Como se pode verificar a capacidade de influência da atual administração Federal sobre o andamento da política se aproxima de zero. De pouco adiantará a distribuição de cargos e salários para a turba da política. A possibilidade de Temer ir para a eleição, sem candidato algum a defendê-lo, é enorme. Cada vez mais, Temer aparenta com Sarney e seu governo findo (1985-1990). Falta o bigode, é claro!, e o fardão da Academia Brasileira de Letras, traje que impressiona. Outro ponto que decorre da polarização das preferências dos populares é que as eleições presidenciais, sem reformas políticas e econômicas de grande envergadura, possivelmente não levarão o país às "saídas" desse terrível cenário. Os candidatos mais viáveis não possuem suporte de partidos políticos que sejam fortes para liderar uma mudança radical e positiva do Brasil. Com efeito: as sombras da eleição de 2018 são bem maiores que aquelas que sobrevoavam o país desde a redemocratização em 1985. As possibilidades "abertas" de novas candidaturas, tal qual a do juiz Sérgio Moro, demonstram a escassez de lideranças orgânicas na sociedade, ou seja, o simbolismo dessas candidaturas não tem liason com ideologias, visões econômicas, políticas e sociais. Há apenas o ícone, postado na porta da cabine de votação, seja lá o que venha! Note-se que a sociedade que vive esse (positivo?) imaginário, será o mesmo que correrá pelas ruas, de forma radical, para protestar contra os eventuais fracassos dessa turma icônica. Quem não tem cão, caça com gato, não é mesmo? Também o calendário está cada vez mais preocupante. A cada dia que passa, diante da evidência de que a política não dará alento à economia, os indicadores econômicos devem voltar a piorar. Ou alguém acha que, diante de tanto risco, o dólar fica onde está e os investidores vão fazer uma "fezinha" no país para alavancar o crescimento da atividade econômica. Sejamos pragmáticos: a possibilidade de que estejamos num "bom momento" frente ao que parece estar delineado pelas pesquisas eleitorais, é bastante razoável. Resta saber o que haverá de acontecer quando vier o "mau momento"...