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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Morte ao art. 139, IV, do CPC?

Daniel Penteado de Castro O art. 139, IV, do CPC/2015, confere ao magistrado o poder-dever de "(...) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária." Em comentário ao referido dispositivo noutra oportunidade desta coluna1, sustentamos que o art. 139, IV deve ser compreendido e aplicado em consonância a outros princípios presentes no CPC/2015, tais como a boa-fé (art. 5º), cooperação voltada à obtenção de decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º), isonomia e contraditório (art.7º) e proporcionalidade (art. 8º), sem prejuízo da vedação das decisões-surpresa (arts. 8º e 9º). Também naquela ocasião referenciamos uma escalada de entendimentos da jurisprudência acerca da interpretação quanto a aplicação do art. 139, IV: as primeiras decisões limitadas a um "achismo" sobre que tipos de medidas coercitivas podem ser aplicas e quais seria vedadas, ao fundamento de que determinadas medidas agrediriam a Constituição Federal. Outros entendimentos passaram a examinar o tema em maior profundidade, a se confrontar a necessidade e adequação da medida requerida pelo credor, em cotejo, ainda, com a efetividade do caso concreto. Nessa ótica foi memorável os fundamentos postos em dois julgados: "(...) Determinada a intimação dos exequentes para requererem o que de direito, sob pena de extinção do feito (fl. 118), pediram a suspensão da habilitação de veículo automotor do executado até o pagamento do débito alimentar (fl. 121), decisão de acolhimento do juízo singular ora questionada (fls. 122/124). Com o devido respeito, não vislumbro verossimilhança nas alegações dos impetrantes, porque, em princípio, a determinação judicial de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor não ocasiona, data venia, ofensa ao direito de ir e vir do paciente (art. 5º, XV, da CF). Isso porque o paciente insofismavelmente segue podendo ir e vir, desde que o faça a pé, de carona ou de transporte público. Esposar compreensão em sentido distinto significa dizer que os não-habilitados a dirigir não podem ir e vir, inverdade absoluta. Desnecessário dizer mais." (TJRS, Habeas Corpus n. 70072211642, 8ª Câmara Cível, voto condutor do rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pasti, j. 23.03.2017, grifou-se) "(...) Também não vejo aqui nenhuma restrição sequer ao direito de ir e vir, porque, como também disse o eminente Relator, há outros meios de se locomover a não ser em veículo próprio, Quando mais não seja, foi dito que pode ir de ônibus, a pé, até de bicicleta alugada, hoje nós temos isso - não precisa de carteira de habilitação para dirigir bicicleta -, ou quem sabe até de patinete ou skate, como se vê às vezes pelas ruas." (TJRS, Habeas Corpus n. 70072211642, 8ª Câmara Cível, Declaração de voto do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 23.03.2017, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS - INSURGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE - POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS NECESSÁRIAS À CONSECUÇÃO DO SEU FIM - ART. 139, INC. IV, DO CPC/15 - ENUNCIADO Nº 48 DA ENFAM - SISTEMÁTICA APLICÁVEL APENAS AO CHAMADO "DEVEDOR PROFISSIONAL" QUE, POSSUINDO CONDIÇÕES FINANCEIRAS, CONSEGUE BLINDAR SEU PATRIMÔNIO CONTRA OS CREDORES -ELEMENTOS INDICIÁRIOS NO SENTIDO DE QUE O PADRÃO DE VIDA E NEGÓCIOS REALIZADOS PELO DEVEDOR SE CONTRAPÕEM À UMA POSSÍVEL SITUAÇÃO DE PENÚRIA FINANCEIRA - EVIDENTE MÁ-FÉ DO COMPORTAMENTO ADOTADO PELO DEVEDOR - AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO AOS COMANDOS JUDICIAIS - SUSPENSÃO DA CNH E DO PASSAPORTE ATÉ O PARCELAMENTO/PAGAMENTO DA DÍVIDA OU CABAL COMPROVAÇÃO DA EFETIVA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA E DA INCONTESTÁVEL NECESSIDADE DE EXERCÍCIO DOS DIREITOS ORA SUSPENSOS TEMPORARIAMENTE - IMPOSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE POSSUI LIBERDADE CONTRATUAL, NÃO PODENDO O PODER JUDICIÁRIO IMISCUIR-SE NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS PARTICULARES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) Muito embora não haja resposta da parte agravada às razões do recurso posto à mesa para julgamento, já que mudou de endereço sem comunicar o Juízo, após dar-se por citado e indicá-lo nos autos, é sabido que as vozes em sentido contrário à pretensão deduzida pela exequente defendem que as medidas adotadas na ação executiva deverão ser sempre única e exclusivamente incidentes sobre o patrimônio do devedor. (...) Anote-se, aqui, que não se tratam de mecanismos destinados aos devedores que não têm mais condições para honrar qualquer compromisso financeiro ou os que passam por dificuldades financeiras momentâneas e podem atrasar alguns pagamentos, mas, sim, àqueles chamados "devedores profissionais", que conseguem blindar seu patrimônio contra os credores com o objetivo de não serem obrigados a pagar os débitos (ALMEIDA, MARÍLIA. Justiça decide tomar de devedor passaporte, CNH e cartões. Seu dinheiro. Revista Exame. São Paulo: Editora Abril, 08.2016). Entendimento em sentido contrário, além de fazer tábula rasa da intentio legis do legislador expressa no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil de 2015, manteria a situação do inadimplente voluntário de má-fé exatamente no seu Status quo ante, ou seja, como já comumente verificado sob a égide do Diploma anterior - fora do alcance do Estado. (...) Da análise detida dos autos, observa-se que a presente execução se arrasta há quatro anos sem que a exequente tenha logrado êxito em encontrar qualquer bem móvel ou imóvel suscetível à penhora. No entanto, em que pese a ausência de bens em nome do executado, os elementos indiciários constantes dos autos indicam que o padrão de vida e negócios realizados pelo devedor se contrapõem à uma possível situação de penúria financeira, já que: a uma, realiza operações comerciais com genética zebuína, objetivando o desenvolvimento do melhoramento genético pecuário (no caso, inclusive, a cobrança é decorrente de uma dessas operações); e a duas, o endereço indicado nos autos pelo devedor à época do primeiro acordo é de edifício de alto padrão na capital baiana (em consulta à rede mundial de computadores observa-se a venda de imóveis por cifras milionárias). É incontestável, ainda, a má-fé do devedor que, tendo realizado acordo de parcelamento da dívida homologado pelo Juízo de origem, solicitou o levantamento da restrição que recaía sobre as reses zebuínas para que, vendendo-as, pudesse realizar o pagamento do crédito exequendo; mas, após levantada a restrição, efetuou a sua venda e deixou de pagar os valores devidos à parte exequente, frustrando, novamente, o direito da credora, certamente com a evidente convicção de sua não-responsabilização. Mais a mais, o executado sequer atende aos comandos judiciais, mantendo-se, certamente a seu ver, em uma redoma de impunidade, com o patrimônio blindado, longe do alcance do Poder Judiciário. (...) Anote-se, aqui, ainda, que as medidas coercitivas deferidas justificam-se na hipótese de que não havendo condições financeiras, não haverá sequer prejuízo ao executado, mormente considerando que se, de fato, não possui qualquer importância financeira - ainda que mínima - para solver a presente dívida, também não possuirá recursos para viagens internacionais ou manter um veículo (que, no caso, pelas consultas, tampouco possui). (TJPR, Agravo de Instrumento n. 1.616.016-8, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Themis de Almeida Furquim Cortes, j. 22.02.2017) Em verdade as razões de decidir postas nos entendimentos acima realizaram o correto cotejo a luz do Princípio da Proporcionalidade (CPC/2015, arts. 8º), a examinar e confrontar, conforme as peculiaridades do caso concreto, a necessidade da medida, sua adequação destinada a se imprimir maior efetividade na resolução do conflito, para, ao final se conjugar com a proporcionalidade em sentido estrito2. Em outras palavras, revela-se palavras ao vento a utilização do princípio da proporcionalidade despida da conjugação de seus postulados ao caso concreto. Tal como pudemos tecer comentários noutra oportunidade, se é certo que materializa-se medida inútil o bloqueio de CNH de um devedor que se encontra em penúria financeira e, por sua vez, utiliza o veículo como único instrumento de trabalho (e quiçá um dia como fruto deste trabalho conseguir honrar o pagamento de sua dívida), também é certo que por vezes referido bloqueio pode revelar medida coercitiva para se saldar determinada execução, dada a peculiaridade do devedor não possuir patrimônio algum em seu nome mas, de outra banda, estranhamente ostentar luxuoso padrão de vida. A medida coercitiva, aplicada subsidiariamente às medidas típicas já esgotadas, pode surtir o efeito desejado para imprimir efetividade ao pagamento da dívida3. O que deixa pobre de fundamento é a afirmação peremptória de qual medida pode e qual não pode. Neste último exemplo, é mais factível na praxe forense ações de recuperação de crédito arrastarem-se por anos, gasta-se tempo do Judiciário e das partes na tentativa de localização de bens, o devedor se encontra em lugar incerto e não sabido mas, uma vez logrado êxito no bloqueio de determinado ativo, estranhamente o devedor ressurge nos autos no interesse de quitar a dívida ou realizar um acordo. De igual modo esse é o condão da medida coercitiva: aplicada supletivamente4 às medidas típicas e destinada a imprimir maior efetividade a satisfação da tutela jurisdicional. A par da vigência de referido dispositivo, foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores junto ao STF, ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI 5941 MC/DF) destinada, dentre outros pedidos, a "(...) declaração de nulidade, sem redução de texto, do inciso IV do artigo 139 da lei 13.105/2015, para declarar inconstitucionais, como possíveis medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias oriundas da aplicação daquele dispositivo, a apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública"5. Em referida ação a Advocacia Geral da União manifestou-se pela improcedência de referida demanda, ao fundamento, em síntese, de que a proporcionalidade da aplicação de referidas medidas indutivas, coercitivas e mandamentais "(...) - que buscam a efetividade do processo - apenas pode ser avaliada diante das especificidades do caso concreto"6., entendimento este também acompanhado em manifestações do então Presidente do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Recentemente sobreveio manifestação da Procuradoria Geral da República opinando pela procedência da ADI 5941 MC/DF), em síntese: "(...)" 3. A apreensão de Carteira Nacional de Habilitação, passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concursos públicos ou licitações, como formas de coagir o devedor a cumprir sentença e se submeter a execução, são inconstitucionais. 4. O conjunto de liberdades fundamentais - de contratar, escolher profissão, ir e vir, prestar e usufruir de serviços - não podem ser sacrificadas para coagir ou constranger o devedor de prestação pecuniária. 5. Mesmo com a autorização legislativa presente na clausula geral que possibilita a fixação de medidas atípicas para cumprimento da sentença, o juiz não é livre para restringir mais direitos que o legislador. Ampla discricionariedade judicial, nesse temática, ameaça o princípio democrático. 6. Na aplicação de medidas atípicas, diversas da apreensão de CNH, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em concorrências públicas, o juiz deverá fundamentar a decisão para esclarecer como as medidas típicas foram insuficientes no caso e demonstrar a proporcionalidade e adequação da medida atípica que adota. - Parecer pela procedência do pedido.7" Respeitado entendimento em sentido contrário, a inteligência do art. 139, IV, do CPC/2015 não deve limitar seu campo interpretativo a um rol de quais medidas atípicas são permitidas e quais não o são, a se divorciar de um cotejo mínimo com as peculiaridades do caso concreto. Se é certo que determinadas medidas podem ser interpretadas como violadoras de garantias fundamentais (a exemplo do bloqueio de CNH), também não se pode perder de vista que a restrição a tais medidas por vezes também viola a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, senão a prestação de um serviço pelo Poder Judiciário que "efetivamente" proporcione a realização do direito material. Afinal, no campo em discussão carecem dados empíricos a revelar se o mais comum, no cenário brasileiro é (i) a frustração de efetivação de tutela jurisdicional (a exemplo de ações de execução que se arrastam por anos a fio ou sentença que reconheçam direitos e, todavia, frustram-se por sua falta de efetividade e cumprimento8) ou, de outra banda, (ii) o abuso de direito praticado por magistrados ao se "pesar a mão" frente a aplicação de seus poderes, em especial o agora polêmico art. 139, IV, do CPC/2015? De toda sorte, entre se extirpar do sistema determinado dispositivo talvez seja de maior valia permitir sua aplicação conjugando-se, efetivamente, os postulados do princípio da proporcionalidade. __________ 1 Medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias: há limites para o art. 139, IV? 2 "(...) o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem a sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV). Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido). Vê-se, pois, que o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso é plenamente compatível com a ordem constitucional brasileira. A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evolui para reconhecer que esse princípio tem hoje sua sedes materiae no art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal (...)" In. MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal federal. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, 1994, p. 469. 3 Bloqueio de passaporte e CNH para quitar dívida fere direito de ir e vir, avaliam advogados. 4 Nesse sentido consolidou-se o Enunciado n. 12, do Fórum Permanente de Processualistas Civis: também no Enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): "(arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução)." 5 Portal STJ. 6 STF. 7 STF. 8 A exemplo da expressão popular "ganhou mas não levou" ou a sentença, como título executivo judicial, que revela um quadro a se pendurar na parede reconhecendo que "A" deve pagar a "B". Todavia, em termos práticos, frustra-se o efetivo recebimento do crédito por "A" após cadenciado litígio judicial.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

As sentenças ilíquidas e a remessa necessária

Rogerio Mollica A remessa necessária sempre foi tida por grande parte da nossa Doutrina como um privilégio injustificado dos Entes Públicos. Entretanto, apesar da grande corrente contrária ao instituto, nunca se conseguiu excluir tal previsão do nosso ordenamento. Dessa forma, legislador passou a limitar o alcance da remessa. Uma das principais limitações se dá em relação ao valor envolvido. O Código de 1973 previa a ocorrência somente nas causas superiores a 60 salários mínimos. Com o Código de 2015, a limitação às sentenças de valor superior a 60 salários mínimos subiu para 1.000 salários mínimos para a União Federal e suas respectivas autarquias e fundações, 500 salários mínimos para os Estados, Distrito Federal e Municípios Capitais de Estados e 100 salários para os demais municípios e suas respectivas autarquias e fundações. A redação § 2º do artigo 475 do CPC/1973 exigia que o valor da condenação, ou do direito controvertido, fosse de valor certo não superior a 60 salários mínimos. Já a redação do § 3º do artigo 496 somente dispensa a remessa necessária se o valor for certo e líquido. Desse modo, o Código de 2015 acabou por adotar o entendimento expresso na Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça1, que ainda na égide do CPC/1973, já exigia a liquidez da sentença para aplicar a restrição ao cabimento do reexame necessário2. Vale recordar que no Anteprojeto do Novo Código, o artigo 478, § 4º, previa que "quando na sentença não se houver fixado valor, o reexame necessário, se for o caso, ocorrerá na fase de liquidação". Dessa forma, pela previsão do anteprojeto, se a sentença fosse ilíquida, não ocorreria a Remessa Necessária e essa somente ocorreria se na fase de liquidação fosse apurado que o valor discutido era superior ao valor de alçada da remessa. Sem dúvida, uma hipótese mais limitativa do instituto do que a prevista no Código de 2015. Entretanto, com aumento dos valores, principalmente para a União Federal, podemos ter processos com sentença ilíquida contrária à União, mas que evidentemente não discutem valores na casa de R$ 1 milhão (aproximadamente 1.000 salários mínimos). Nesses casos, em que apesar da iliquidez, a condenação ou o proveito econômico obtido na causa certamente não alcança esses patamares, seria cabível a Remessa Necessária? Mesmo nesses casos, a doutrina entende que deve ocorrer a devolução oficial. Nesse sentido é o entendimento de João Francisco Naves da Fonseca: "(...) as decisões ilíquidas, independentemente do valor envolvido, não estão dispensadas da devolução oficial (Súmula 490 do STJ)"3. Nesse mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA ILÍQUIDA. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. OBRIGATORIEDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RESP 1.101.727/PR, SUBMETIDO AO REGIME DO ARTIGO 543-C DO CPC/1973. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.101.727/PR, proferido sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, firmou o entendimento de que é obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 475, § 2º, CPC/73). 2. Na esteira da aludida compreensão foi editada a Súmula 490 do STJ: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas". 3. A dispensa do exame obrigatório pressupõe a certeza de que a condenação não será superior ao limite legal estabelecido, seja no art. 475 do CPC/1973, seja no artigo 496 do CPC/2015. 4. Verifica-se, assim, que o acórdão do Tribunal regional divergiu da orientação do STJ quanto ao cabimento do reexame necessário, pois considerou, por estimativa, que o valor da condenação não excederia 1.000 (mil) salários mínimos. 5. Recurso Especial provido." (REsp 1741538/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018) Portanto, cabe ao particular, que teve uma sentença ilíquida prolatada em face do ente público, provocar a Remessa Necessária do referido julgado, mesmo que não prevista na sentença, sob pena de não obter o trânsito em julgado4. __________ 1 Súmula 490 do STJ: "A dispensa do reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas". Dessa forma restou superado o entendimento de que "caso não seja líquida a condenação, o parâmetro deve ser o valor da causa" (AgRg no RESP nº 1.067.559/PR, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, in DJe de 13/04/2009). 2 Mirna Cianci defende que "Com essa redação, torna razoável supor que sentenças em ações sem cunho condenatório ou sem conteúdo econômico estarão sujeitas, de modo inequívoco, ao reexame obrigatório, por não ser o valor da causa parâmetro para a aferição". (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 462). 3 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 97. 4 Súmula nº 423 do STF: "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex-officio", que se considera interposto "ex-lege"."
Daniel Penteado de Castro A ação civil pública, disciplinada na lei 7347/85, por força de seu art. 211, também deve ser compreendida a luz dos regramentos ligados a disciplina da chamada ação coletiva, prevista nos arts. 81 a 106, do Código de Defesa do Consumidor - lei 8.078.90, a compreender o denominado microssistema de tutela de diretos coletivos e metaindividuais. Dentre alguns gargalos recorrente nesta modalidade de ação, emerge o custo financeiro de prova requerida pelo autor da ação civil pública. De um lado, impera o regramento de que aquele que requer a produção de determinada prova compete o ônus de arcar com o custo de sua produção e, em especial na produção de prova pericial, o expert do juízo necessita receber parte de seus honorários antecipadamente como forma de remuneração e pagamento de custos do trabalho que irá de desenvolver. Por outro lado, o art. 18, da lei 7347/85 é expresso em dizer que nas ações civis públicas não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas. Coube ao Poder Judiciário aplicar solução prática e, nesta modalidade de ação houve entendimentos, já superados, no sentido de relativizar tal regra a ponto de compelir a parte contrária a arcar com o custo financeiro da prova requerida por seu adversário processual. Uma corrente mas híbrida entendeu que o autor da ação civil pública que requer a prova para corroborar fatos em seu favor deve custear o pagamento de sua produção; todavia, a parte contrária que deixar de requerer a produção de tal prova fatalmente sucumbirá na demanda por força da aplicação da regra de inversão do ônus da prova. Embora sob fundamento distinto, este último entendimento reverbera no mesmo problema prático: a parte contrária, que não requereu a produção de prova alguma, fica compelida a arcar com o custo da prova pleiteada por seu adversário (ou obrigada a produzir prova que inicialmente não desejaria e, assim, arcar com o custo financeiro de sua produção)2. O CPC/2015 reproduziu a regra do art. 27 do CPC/73 no atual art. 91. Todavia, introduziu o § 1º: "Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido. § 1o As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova." (grifou-se) O novel parágrafo mostra a boa intenção do legislador. Todavia, o tempo verbal empregado no futuro do presente - poderão - reduz sua aplicabilidade a incertezas ou tendência ao esquecimento. Em recente decisão monocrática prolatada nos autos da Ação Civil Pública n. 1560/M,S o Min. Ricardo Lewandowski bem observou a aplicação do novel § 1º, do art. 91, do CPC/2015, para assim determinar que em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal caberá a este arcar com o custo da prova pericial por ele requerida: "(...) Inicialmente, transcrevo o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública - LACP, que é tradicionalmente invocado para sustentar a compreensão prevalente no Superior Tribunal de Justiça: "Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais." Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que se aplica supletivamente ao sistema processual coletivo, composto pela Lei da Ação Civil Pública e parte processual do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 1.046, § 2º, do NCPC e do art. 19 da LACP, a interpretação vigente ao tempo do Códex antigo deve ser repensada, sobretudo porque a LACP era omissa com relação ao responsável pelo pagamento dos honorários processuais. Verifico a compatibilidade dos dispositivos do Código de Processo Civil/1973 com o artigo supra transcrito da LACP, eis que não concebiam o adiantamento dos honorários periciais pelo Ministério Público: "Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido." Já o NCPC, redigido à luz da realidade atual, em que se sabe que os peritos qualificados para as perícias complexas a serem produzidas nas ações coletivas dificilmente podem arcar com o ônus de receber somente ao final, trouxe dispositivo condizente com os ditames econômicos da vida contemporânea e, no que tange ao aspecto específico objeto deste processo, assim dispôs no seu art. 91: "Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido. § 1º As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova. § 2º Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público." Ora, como todos sabemos, propor ações civis públicas, sobretudo contra as Fazendas Públicas respectivas, é uma das principais atribuições dos Ministérios Públicos em nosso sistema processual. Assim, parece-me inexorável reconhecer que o dispositivo foi redigido para vigorar também no processo coletivo, provocando uma releitura do art. 18 da Lei da Ação Civil Pública para conferir maior responsabilidade ao Parquet no ingresso das ações coletivas, por meio de incentivos financeiros voltados a esta finalidade. Outrossim, o NCPC disciplinou o tema de forma minudente, tendo instituído regime legal específico e observado que o Ministério Público ostenta capacidade orçamentária própria, tendo, ainda, fixado prazo razoável para o planejamento financeiro do órgão. Note-se que, com a presente interpretação, não se está, de maneira nenhuma, enfraquecendo o processo coletivo. Pelo contrário, o que se pretende é, de fato, fortalecê-lo, desenvolvendo-se incentivos para que apenas ações coletivas efetivamente meritórias sejam ajuizadas. Não é demais lembrar que no sistema estadunidense da class action, um importante paradigma de sistema processual coletivo, as partes têm o dever de arcar com custos elevados, de lado a lado, e os incentivos financeiros são calibrados para evitar ações frívolas mas, de outra parte, para representar risco real às atividades empresariais em desacordo com a lei (Ver: HENSLER, Deborah R. et al. Class action dilemmas: Pursuing public goals for private gain. Rand Corporation, 2000). Frequentemente, o atual regramento do processo coletivo não cumpre a nenhum desses objetivos. Voltando ao sistema brasileiro, ressalto que perícias poderão ser realizadas por entidades públicas, cujo rol é bastante vasto. Sublinho que até mesmo as universidades públicas podem ser convidadas a colaborar para as perícias judiciais e que, nesses casos, eventualmente os custos podem ser menores ou inexistentes, a depender das cooperações a serem desenvolvidas. Penso que aprimorar os incentivos financeiros para que o Parquet tome medidas judiciais com maior responsabilidade é de todo desejável, eis que a atuação do Ministério Público como curador universal de todos os valores públicos, e sua pujante proeminência nessa função (ver, e.g.: SBDP. Ações Coletivas no Brasil: Temas, Atores e Desafios da Tutela Coletiva. Série Justiça Pesquisa: Direitos e Garantias Fundamentais. Brasília: Conselho Nacional de Justiça - CNJ, 2017), não encontra justificação nem prática nem teórica. Criar incentivos para que esse órgão público passe a atuar, com maior frequência, juntamente com legitimados de direito privado, aperfeiçoando suas parcerias e oportunidades de litisconsórcio, é uma das tarefas pendentes para que a tutela do interesse público seja feita de forma mais profissional, especializada e responsável. Todas essas ponderações parecem-me da maior relevância diante do que dispõem os arts. 5º e 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que enfatizam o dever do juiz de atender aos fins sociais a que a lei se dirige, as consequências práticas da decisão e às exigências do bem comum. Destaco que o fortalecimento do processo coletivo brasileiro passa, necessariamente, pela maior equiparação do poder das partes, pela melhor calibração dos incentivos para o agir responsável e pelo fortalecimento da atuação dos agentes privados, como forma de estimular a advocacia a envolver-se e a comprometer-se com este ramo da ciência processual, que é mais condizente com as necessidades atuais da burocratizada e complexa sociedade brasileira. O NCPC trouxe regra que, a meu sentir, amolda-se a essas três necessidades e que deve ser prestigiada, porque harmônica com o desenho ideal do sistema processual coletivo. Sublinho, em suma, que cabe à jurisprudência construir melhores soluções à luz do ordenamento de que dispomos para o regramento processual coletivo e que, neste aspecto ora em debate, parece-me claro em apontar o caminho, que é o da maior responsabilização do Parquet pela sua atuação em tais processos. Ante todo o exposto, acolho a argumentação da União Federal para responsabilizar o Ministério Público pelo pagamento dos honorários periciais da perícia por ele requerida, nos termos do art. 91 do Código de Processo Civil. (...)" (STF, ACP 1560/MS, decisão prolatada aos 13.12.2018, grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, a r. decisão supra é digna de aplausos. A uma, por atender o comando do § 1º, do art. 91, do CPC/2015 A duas, com vistas se permitir uma processo cuja atuação das partes em juízo deve pautar-se em ética e responsabilidade, em especial quanto ao requerimento de produção de provas e respectivo ônus financeiro a ser sustentado por aquele que requer a prova. A três, em havendo insuficiência de recursos pela parte que requer a produção de determinada prova, o comando constitucional previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é cristalino em determinar que o "(...) o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.", o que não se confunde em impor a parte contrária o ônus financeiro de arcar com o custo de determinada prova. __________ 1 Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído lei 8.078, de 1990) 2 Nesse sentido já decidiu o STJ: Processual civil. Inversão do ônus da prova. Extensão. Honorários periciais. Pagamento. Perícia determinada de ofício. Autor beneficiário da justiça gratuita. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se a questão de inversão do ônus da prova acarreta a transferência ao réu do dever de antecipar as despesas que o autor não pôde suportar. 2. A inversão do ônus da prova, nos termos de precedentes desta Corte, não implica impor à parte contrária a responsabilidade de arcar com os custos da perícia solicitada pelo consumidor, mas meramente estabelecer que, do ponto de vista processual, o consumidor não tem o ônus de produzir essa prova. 3. No entanto, o posicionamento assente nesta Corte é no sentido de que a parte ré, neste caso, a concessionária, não está obrigada a antecipar os honorários do perito, mas se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (REsp n. 466.604/RJ, rel. Min. Ari Pargendler e REsp n. 433.208/RJ, rel. Min. José Delgado)." (STJ - AgR REsp n. 104.2919/SP, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, j. 05.03.2009, v.m., DJe, de 31.03.2009)
André Pagani de Souza O art. 827 do CPC de 2015 estabelece que o juiz, na execução por quantia certa fundada em título extrajudicial, "ao despachar a inicial (...) fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado". Pois bem, ao julgar o Recurso Especial 1.745.773/DF, em 4/12/2018, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu não ser possível ao magistrado diminuir o percentual mínimo estabelecido em 10% (dez) por cento no despacho inicial da execução, exceto no caso previsto no parágrafo primeiro do art. 827 do CPC de 2015, que possibilita a redução dos honorários à metade se o devedor optar pelo pagamento integral da dívida no prazo de três dias1. No caso concreto, o valor da dívida executada era de aproximadamente R$ 241.000,00 (duzentos e quarenta e um mil reais) e, ao aplicar o art. 827 do CPC de 2015, o magistrado fixou os honorários em R$ 12.000,00 (doze mil reais), ou seja, abaixo dos 10% (dez por cento) estabelecidos em lei. Houve agravo de instrumento por parte do exequente para reformar a decisão que fixou os honorários da forma acima descrita, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento ao recurso sob o fundamento de que seria possível ao juiz que despacha a inicial de um processo de execução por quantia certa fundada em título extrajudicial observar a proporcionalidade e a razoabilidade para estipular a verba honorária. Foi, então, interposto recurso especial por se entender violado o art. 827, do CPC de 2015. No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luís Felipe Salomão entendeu ser o caso de interpretação literal do art. 827, caput, do CPC de 2015, sustentando-se que a regra que fixa os honorários no percentual mínimo de 10% (dez por cento) é impositiva, somente podendo ser modificada na hipótese prevista no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo legal, que autoriza a redução da verba honorária para 5% (cinco por cento) se houver pagamento do executado no prazo de 3 (três) dias do recebimento da citação para pagamento. Com efeito, tal entendimento dá maior segurança jurídica à aplicação do art. 827 do CPC de 2015 e evita que se instaure, paralelamente ao processo de execução fundada em título extrajudicial, outro litígio entre as partes e seus advogados acerca do percentual dos honorários advocatícios devidos pelo executado. Por isso, é digno de aplausos o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da Quarta Turma, em acórdão da relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, no Recurso Especial 1.745.773/DF. __________ 1 Regra do CPC que fixa percentual mínimo de 10% para honorários em execução é impositiva. Acesso em 11/12/2018.
Elias Marques de Medeiros Neto No recente julgamento do Agravo de Instrumento n. 2167302-93.2018.8.26.0000, ocorrido em 22/10/2018, a 18ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão relatado pelo desembargador Roque Antonio Mesquita de Oliveira, decidiu que: "RECURSO - Agravo de Instrumento - Execução de título extrajudicial - Insurgência contra o r. "decisum" que indeferiu o pedido de decretação da indisponibilidade de bens dos executados através da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) - Admissibilidade - Executados que não pagaram o débito nem indicaram bens passíveis de penhora - Tentativas de localização de bens que resultaram infrutíferas - Indisponibilidade de bens - Medida que busca assegurar a efetividade do processo, eis que sua decretação por meio da CNIB visa a localização de bens em todo território nacional - Precedentes desta Corte de Justiça - Recurso provido." Mas, o que seria a CNIB? Conforme se extrai de informações oriundas do site www.indisponibilidade.org.br, a CNIB é uma central de dados capaz de promover busca de bens do devedor em todo o território nacional, bem como de comunicar aos agentes de registros públicos que houve decretação judicial de indisponibilidade de bens do devedor. Nos termos do site: "A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB é um sistema de alta disponibilidade, criado e regulamentado pelo Provimento Nº 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça e se destina a integrar todas as indisponibilidades de bens decretadas por Magistrados e por Autoridades Administrativas. Os principais objetivos da CNIB são: Dar eficácia e efetividade às decisões judiciais e administrativas de indisponibilidades de bens, divulgando-as para os Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro de Imóveis de todo o território nacional e para outros usuários do sistema. E proporcionar segurança aos negócios imobiliários de compra e venda e de financiamento de imóveis e de outros bens"; e "Na prática, a CNIB realiza verdadeiro rastreamento de todos os bens que o atingido pela indisponibilidade possui em território nacional, evitando a dilapidação do patrimônio, constituindo-se, ademais, em importante ferramenta no combate ao crime organizado e na recuperação de ativos de origem ilícita. A CNIB foi idealizada a partir de constatações feitas pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que as Ordens de Indisponibilidades de Bens não chegavam ao conhecimento de todos os cartórios do país. Por isso, imóveis de propriedade de pessoas físicas e jurídicas que foram atingidas por indisponibilidades permaneciam como patrimônio absolutamente livre e desembaraçado. E assim, esses bens eram vendidos ou financiados, envolvendo contratantes de boa-fé, que teriam de peregrinar por Juízos e Tribunais a fim comprovar que os gravames lhes eram ocultos. A CNIB foi desenvolvida a partir do Termo de Acordo de Cooperação Técnica Nº 084/2010, firmado em 14 de junho de 2010, e funciona como módulo da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis, com capacidade para atender todos os Tribunais do país, órgãos públicos, Tabeliães de Notas, Oficiais de Registros de Imóveis e demais interessados, em todo o território nacional. O sistema conta com tecnologias e infraestrutura que atendem aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e é operado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), com o apoio institucional do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB)". A CNIB vem sendo utilizada em diversas situações pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nas quais o Poder Judiciário conclui que o devedor não adota uma postura cooperativa e em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15, em evidente postura procrastinatória: "MONITÓRIA - Pedido de inclusão da devedora no cadastro da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) - Indeferimento - Inadmissibilidade - Possibilidade de expedição da ordem de indisponibilidade de bens da agravada diante das infrutíferas diligências para localização de bens penhoráveis - Decisão reformada - Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2179367-23.2018.8.26.0000; Relator (a): Álvaro Torres Júnior ; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Vinhedo - 1ª Vara; Data do Julgamento: 26/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018)" "PROCESSO - Indeferimento do pedido de indisponibilidade de bens imóveis em nome dos executados na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - Admissível o deferimento de registro do nome do executado junto à Central de Indisponibilidade de Bens, cadastro instituído pelo Provimento 39/2014, da Col. Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, quando não localizados bens passíveis de penhora, por se tratar de medida adequada para garantir o resultado útil do processo de execução por quantia certa contra devedor solvente ou cumprimento de sentença de obrigação de pagar, visto que idônea e eficaz para agilizar a busca por bens aptos para satisfação de crédito executado, atendendo, assim, ao princípio da efetividade da execução, sendo certo que, se é verdade que a execução deve ser feita da forma menos onerosa para o devedor (CPC/2015, art. 805), não é menos verdadeiro que ela é processada para satisfação do direito do credor (CPC/2015, art. 789, 797 e 824) - Como, na espécie, restaram parcialmente frutíferas as diligências realizadas para localização de bens penhoráveis, mediante os sistemas Bacenjud, Infojud e Renajud, de rigor, a reforma da r. decisão agravada, para deferir o pedido de expedição de ordem de indisponibilidade de bens dos executados, junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, como requerido pela parte agravante, providenciando o MM Juízo da causa o necessário para o cumprimento do ora julgado. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2196491-19.2018.8.26.0000; Relator (a): Rebello Pinho; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/11/2018; Data de Registro: 21/11/2018)". "EXECUÇÃO - SISTEMA RENAJUD - Dever de colaboração com o Poder Judiciário e incidência do princípio da cooperação - Exequente que já tentou outros meios de localização de bens, porém sem êxito - Arts. 139, II, 378 e 380, I do CPC/2015 - Considerando a necessidade e a utilidade da medida, impõe-se o deferimento do pedido - Pedido de restrição de veículos pelo sistema RENAJUD - Admissibilidade - Agravante que não alcançará o desiderato sem a intervenção do Poder Judiciário - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. REQUERIMENTO DE INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - SISTEMA SERASAJUD - POSSIBILIDADE - O art. 782, § 3º do CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade de o credor requerer a inclusão do nome do devedor no cadastro de proteção ao crédito, como meio coercitivo para dar maior efetividade à execução - Demonstrada a viabilidade e a utilidade do pleito do credor, ora agravante, é caso de se deferir o pedido, via SERASAJUD - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS (CNIB) - Sistema validamente previsto e regulado pelo provimento 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça - Medida que viabiliza não somente a localização de imóveis eventualmente registrados em comarcas distantes e de inviável consulta pelo exequente, mas também acautela direito futuro, relativamente a outros que o executado vier a adquirir, e em cuja matrícula ficará constando o respectivo registro diligência - Efetividade da tutela jurisdicional - Decreto de indisponibilidade e respectivo registro que se mostra devido - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2170999-25.2018.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 19ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/10/2018; Data de Registro: 10/10/2018)". "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de execução de título extrajudicial. Decisão agravada que indeferiu pedido de busca de bens passíveis de penhora através da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, uma vez que o Juízo "a quo" não está cadastrado para realizar tal pesquisa. Insurgência da exequente. Pretensão de reforma. Pedido de efeito antecipatório recursal, cuja apreciação se dá, neste momento, diretamente pelo colegiado desta câmara julgadora (arts. 129 e 168, § 2º do RITJSP). Com razão o recorrente. Possibilidade de deferimento da medida requerida para emissão de ordem de indisponibilidade de bens por meio do sistema operado pela Central de Indisponibilidade de Bens (CNIB). Deve o magistrado "a quo" envidar esforços a fim de efetuar o cadastro junto ao sistema. Efeito antecipatório recursal indeferido e, na sequência, já julgado o agravo, com a decisão recorrida sendo reformada. Recurso provido, com determinação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2186867-43.2018.8.26.0000; Relator (a): Roberto Maia; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2018; Data de Registro: 03/10/2018)". "Agravo de instrumento - Ação ordinária de cobrança - Cumprimento de sentença - Pedido formulado pela credora para inscrição do nome da executada no cadastro de inadimplentes, via SERASAJUD, bem como inscrição no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB - Admissibilidade - Executada que não pagou o débito nem indicou bens passíveis de penhora - Tentativas de localização de bens que resultaram infrutíferas - Decisão reformada - Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2192409-42.2018.8.26.0000; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2018; Data de Registro: 27/09/2018)". Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa1, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell2 já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor". É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera. Por isso, o uso adequado de sistemas eficazes de localização e bloqueio de bens se mostra essencial para a efetividade da execução. Heitor Vitor Mendonça Sica3, neste passo, leciona que "a localização de bens do executado constitui um dos capítulos mais tormentosos da execução por quantia certa. Contudo, é certo que a solução para esse entrave não será encontrada no âmbito da técnica processual, mas sim na centralização e informação dos registros públicos acerca da propriedade de bens imóveis e móveis". Daí a certeza de que o adequado uso do sistema CNIB pode ser mais uma ferramenta para que a tão almejada efetividade da execução possa ser conquistada pelo credor, em ampla consonância e aderência com as normas fundamentais do CPC/15. __________ 1 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25. 2 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392. 3 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Notas sobre a efetividade da execução civil. In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 498.
Rogerio Mollica Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi a ampla possibilidade de prolação de decisões parciais de mérito no decorrer do processo1, nos termos do artigo 356 do CPC, com a quebra do dogma a unicidade do julgamento da causa. O Enunciado nº 117 do Conselho da Justiça Federal prevê inclusive a sua aplicação em julgamentos de Tribunais. Por ser um instituto um tanto quanto novo, vem gerando muitas dúvidas nos aplicadores do direito. Uma das dúvidas é sobre a fixação dos honorários advocatícios, se deve ocorrer já na decisão parcial ou somente quando da prolação da sentença. Segundo o professor José Rogerio Cruz e Tucci: "(...) embora se verificando sucumbência da parte parcialmente derrotada, somente na sentença é que deverá ser fixada, de forma global e definitiva, a verba honorária, ocasião na qual o juiz poderá avaliar, à luz dos critérios especificados no § 2º do art. 85 do CPC, a atuação integral dos advogados em todas as etapas do processo. Ademais, apenas na sentença é que será possível aplicar, se for o caso, a regra do art. 86, atinente à denominada sucumbência recíproca"2. O Tribunal de Justiça de São Paulo possui julgado nesse mesmo sentido: "AGRAVO DE INTRUMENTO. DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO (art. 356, do CPC/2015). COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. Alegação de ausência de mão de obra qualificada e materiais compatíveis com a qualidade da construção, que de acordo com cláusula contratual, prolongaria a entrega do imóvel até a data em que cessasse o impedimento. Abusividade. Mora das rés após o término do prazo de tolerância (outubro/2013), até a data da propositura do feito (07/12/2015). Devolução integral dos valores pagos pelos apelados, com correção monetária desde o desembolso e juros de mora a partir da citação. Incidência da Súmula nº 543 do C. STJ e da Súmula nº 02 desta E. Corte. LUCROS CESSANTES. Ocorrência. Condenação em 0,5% ao mês. DANO MORAL. Atraso superior a dois anos, considerando-se o decurso do prazo de tolerância de 180 dias até a data da propositura da ação. Lesão a direito de personalidade caracterizada. SUCUMBÊNCIA. Tratando-se de recurso contra decisão parcial de mérito, incabível, por ora, a condenação em honorários sucumbenciais ante a incerteza do desfecho da demanda e do proveito econômico de cada uma das partes. RECURSO IMPROVIDO." (g.n.) (Agravo de Instrumento nº 2150549-95.2017.8.26.0000, Rel. Des. Rosangela Telles, 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, publicação em 02/10/2017). Em que pese a abalizada posição do professor Tucci, quer nos parecer que desde logo devem ser fixados os honorários advocatícios nas decisões parciais de mérito, eis que mesmo no caso de eventual sucumbência recíproca, não teremos mais a compensação dos honorários advocatícios, vedada pelo artigo 85, § 14. Portanto, nesse caso, eventual sentença contrária a quem foi concedida a decisão parcial de mérito, não invalida a condenação em honorários anteriormente atribuída3. O Enunciado nº 5 do Conselho da Justiça Federal também é nesse sentido ao prever: "Ao proferir decisão parcial de mérito ou decisão parcial fundada no art. 485 do CPC, condenar-se-á proporcionalmente o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do art. 85 do CPC." Julgamento recente do Tribunal de Justiça de São Paulo faz referência ao referido Enunciado ao possibilitar a condenação em honorários advocatícios, desde logo, na decisão parcial de mérito: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão antecipada parcial de mérito. Pedido de arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais proporcionais. Possibilidade. Enunciado nº 5, aprovado pela I Jornada de Direito Processual Civil, coordenada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Doutrina e jurisprudência do TJSP. Neste particular, proferiu-se decisão parcial de mérito porque grande parte dos pedidos formulados pela autora estava em condições de imediato julgamento (art. 356, II, CPC), possibilitando o arbitramento de honorários. Com base nos critérios elencados pelo art. 85, §2º, do CPC e no trabalho adicional realizado em grau recursal, os honorários ficam definidos em 12% do valor atualizado da condenação. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2103305-39.2018.8.26.0000; Relator (a): Beretta da Silveira; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 24/07/2018; Data de Registro: 02/08/2018) __________ 1 Não se pode esquecer que o artigo 273, § 6º do CPC/73, de certa medida, já permitia a prolação de sentenças parciais. 2 Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3ª edição, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 285. 3 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes: "(...) o julgamento antecipado parcial traz decisão definitiva a respeito da parte do mérito apreciada, que ficará imunizada pela coisa julgada se não houver recurso ou após o esgotamento das vias recursais. Não há razão nesse contexto para aguardar o julgamento do restante o mérito para serem arbitrados os honorários referentes à parte já julgada. Até porque, no sistema do CPC vigente, caso haja sucumbência recíproca ao final, considerando todas as partes do mérito apreciadas no decorrer da causa, não haverá "compensação" entre as verbas honorárias devidas aos patronos das partes (CPC, rt. 85, § 14 - infra, n. 12). Ou seja, nada que possa via a ocorrer no futuro poderá interferir no valor dos honorários devidos com referência à parte do mérito julgada antecipadamente". (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 152).  
Daniel Penteado de Castro Os embargos infringentes, antes previstos no art. 530 do CPC/73 como recurso em espécie, consistia em meio de impugnação cabível "(...) quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória." De referido regime se extrai o cabimento (i) tirado de acórdão de reforma de sentença de mérito, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. Muito embora o CPC/15 tenha extirpado referido recurso em espécie, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever sus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Logo, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2. Quanto a dinâmica de aplicação da técnica de julgamento estendido, percebe-se que é facultado ao presidente da sessão de julgamento decidir se os novos integrantes convocados para compor a turma julgadora devem votar na mesma sessão de julgamento ou mediante designação de sessão subsequente (art. 942, § 1º, do CPC/15). Na prática, o presidente costuma perguntar se os novos julgadores que passaram a compor a turma julgadora estão habilitados a proferir seus votos ou preferem pedir vistas dos autos. Na hipótese acima, quando há pedido de vistas dos autos formulado pelos novos julgadores que integrarão a turma julgadora, é certo que haverá a proclamação do resultado do julgamento da apelação, não unânime, a convidar a interpretação de que os julgadores que já votaram não poderão modificar seus votos quando da continuidade do julgamento estendido em nova sessão, até porque o caput do art. 942 alude a resultado da apelação. Todavia, tal interpretação merece ser afastada. Nesse sentido decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. APELAÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. NATUREZA JURÍDICA. TÉCNICA DE JULGAMENTO. CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE VOTO. POSSIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a aferir, preliminarmente, se houve negativa de prestação jurisdicional. No mérito, o propósito é definir a correta interpretação e a abrangência da técnica de ampliação de colegiado na hipótese de julgamento não unânime, nos termos do art. 942 do CPC/2015. 3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 4. No caso concreto, diante da ausência de unanimidade no julgamento da apelação, foi aplicado, de ofício, o art. 942 do CPC/2015 a fim de ampliar o colegiado com a convocação de outros desembargadores. Na continuidade do julgamento, um dos desembargadores alterou o voto anteriormente proferido para negar provimento à apelação e manter a sentença, resultado que prevaleceu, por maioria. 5. A técnica de ampliação do colegiado consiste em significativa inovação trazida pelo CPC/2015, tendo cabimento nas hipóteses de julgamento não unânime de apelação; ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; e agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgou parcialmente o mérito. 6. O art. 942 do CPC/2015 não configura uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 7. Constatada a ausência de unanimidade no resultado da apelação, é obrigatória a aplicação do art. 942 do CPC/2015, sendo que o julgamento não se encerra até o pronunciamento pelo colegiado estendido, ou seja, inexiste a lavratura de acórdão parcial de mérito. 8. Os novos julgadores convocados não ficam restritos aos capítulos ou pontos sobre os quais houve inicialmente divergência, cabendo-lhes a apreciação da integralidade do recurso. 9. O prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente. 10. Conforme expressamente autorizado pelo art. 942, § 2º, do CPC/2015, os julgadores que já tenham votado podem modificar o seu posicionamento. 11. Não cabe a esta Corte Superior reexaminar as premissas fáticas sobre as quais se fundamentou o Tribunal local, a fim de verificar se houve efetivamente divergência, haja vista o óbice da Súmula nº 7/STJ. 12. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.77.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, v.u., j. 13.11.2018, grifou-se) Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor: "(...) A despeito dessa previsão legislativa, que aparentemente tornaria indubitável a possibilidade de alteração dos votos já proferidos, surgiram questionamentos no meio jurídico acerca de como deveria se dar a compatibilização desse dispositivo com a teoria do julgamento parcial de mérito e da cisão dos atos decisórios em capítulos, sob o paradigma norteador do CPC/2015. (...) Com efeito, como também apontam Becker e Peixoto no elucidativo artigo acima referenciado, a polêmica doutrinária ensejou a propositura de enunciado interpretativo pela Comissão de Trabalho de Recursos e Precedentes Processuais da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho de Justiça Federal, realizada em agosto de 2017. O enunciado então sugerido possuía o seguinte teor: "A técnica do julgamento ampliado (art. 942, CPC/2015) aplica-se apenas ao capítulo do julgamento em que houve divergência" (grifou-se). Contudo, tal enunciado acabou rejeitado na Plenária, prevalecendo a posição no sentido de que o colegiado formado com a convocação dos novos julgadores poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual houve originalmente divergência. (...) De fato, ao determinar a ampliação do número de julgadores se constatada uma divergência e facultar a revisão, o aperfeiçoamento e até a superação dos fundamentos expostos pelos julgadores na primeira sessão, o art. 942 do CPC/2015 ostenta o relevante propósito de assegurar uma análise mais aprofundada das teses contrapostas, mitigando os riscos de que entendimentos minoritários prevaleçam em virtude de uma composição conjuntural de determinado órgão fracionário julgador e garantindo que sejam esmiuçadas questões fáticas eventualmente controvertidas. Reforça esse entendimento a parte final do caput do art. 942 do CPC/2015, que dispõe que serão convocados outros julgadores "em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". Como referido trecho permite inferir, o intuito da norma é manter em aberto o julgamento até ulterior deliberação pelo quórum qualificado, garantindo-se a expressa possibilidade de reversão do resultado inicial. (...) Ademais, consoante já repisado, mostra-se irrelevante para a incidência do art. 942 do CPC/2015 definir quais os aspectos tiveram entendimento divergente ou convergente por parte dos desembargadores que compunham o quórum original. Isso porque a ampliação do colegiado é obrigatória sempre que a conclusão na primeira sessão for não unânime e independe da matéria acerca da qual houve divergência, prosseguindo o julgamento estendido de todo o processado e não apenas da parte constante do "voto vencido". No mais, quanto à tese recursal de que um dos julgadores não poderia ter modificado o voto anteriormente exarado, tampouco assiste razão ao recorrente, haja vista que o § 2º do art. 942 do CPC/2015 assegura literalmente tal possibilidade." À luz da decisão em comento, é possível vislumbrar que, dentre um julgamento composto originariamente pelo voto de 3 desembargadores, a existir divergência de votos e convocando-se mais 2 para votação, nos termos do art. 942 do CPC/15, seria possível que, ao final, o resultado do julgamento seja proclamado com o voto de 5 desembargadores, por votação unânime, de sorte que sobre os votos divergentes foi possível assegurar ulterior modificação. Ainda, o recente precedente do STJ confere a interpretação mais ampla ao art. 942, § 2º, do CPC/15, de sorte que o voto dos novos integrantes convocados para compor a turma julgadora examinarão não só a matéria de divergência, mas também a extensão sobre as matérias que a turma originária decidiu por unanimidade, podendo, nesta hipótese, divergir e influenciar nos votos até então formados. Na ótica do tema tratado emerge outra relevante questão, qual seja, uma vez proclamado o resultado do julgamento estendido e, sendo este em divergência (v.g., 3 x 2), em havendo divergência dentro da tese vencedora, a sobrevir embargos de declaração, com efeitos modificativos, limitados a discutir a divergência da tese vencedora, poderiam todos os julgadores votarem neste novo julgamento?3 Caberá a jurisprudência examinar, interpretar e decidir intrincada questão. _______________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput).A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 3 A título de exemplo é devolvido para julgamento em apelação o capítulo da sentença ligado indenização por dano material em ação envolvendo acidente de veículo. Ao se aplicar a técnica de julgamento estendido (CPC/2015, art. 942), dois julgadores entendem por manter a sentença de improcedência, por não vislumbrar a presença de responsabilidade civil apta a gerar o dever de indenizar, porém, a tese vencedora, encampada por três julgadores, vislumbram responsabilidade civil. Todavia, dentre a quantificação do dano, dentre os três julgadores, um entende pela indenização em menor extensão, dado entender haver culpa recorrente, ao passo em que outros dois perfilham o entendimento da condenação em maior extensão, por não vislumbrarem culpa concorrente. A sobrevir embargos de declaração, com efeitos modificativos, limitados a este capítulo do acórdão, poderão os cinco julgadores participar e votar ou somente os três que encamparam a tese vencedora?
André Pagani de Souza Ao tratar do início da fase de cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, o § 1º do art. 523 da lei 13.105/2015 (CPC/2015) estabelece que não ocorrendo o pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (grifamos). Uma dúvida que pode surgir para o intérprete é como compor a base de cálculo para impor ao executado na fase de cumprimento de sentença o pagamento da multa de dez por cento sobre o valor do débito e, também, o pagamento de honorários advocatícios de dez por cento. Ou seja, como calcular o valor total devido? Trata-se de uma dúvida bastante pertinente pois, a depender da resposta, o executado será obrigado a pagar valores significativamente diferentes. Apenas para ilustrar a importância de se responder tal questão, imagine-se que alguém foi condenado ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por meio de uma sentença. Na fase de cumprimento de sentença, este executado será intimado para pagamento dos R$ 100.000,00 (cem mil reais), mais honorários de dez por cento e também multa de dez por cento se não pagar no prazo de quinze dias (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015). Se a multa for incluída na base de cálculo dos honorários advocatícios desse exemplo hipotético teremos: R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a R$ 10.000,00 (dez mil reais) de multa, totalizando R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais). Sobre estes R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), na primeira hipótese, devem incidir honorários de dez por cento (R$ 110.000,00 + 10%), totalizando R$ 121.000,00 (cento e vinte um mil reais). Por outro lado, na segunda hipótese, se a multa não for incluída na base de cálculo, teremos R$ 100.000,00 (cem mil reais) de condenação principal, mais R$ 10.000,00 (dez mil reais) de honorários advocatícios e também R$ 10.000 (dez mil reais) a título de multa cominatória, totalizando R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Como se pode perceber, neste exemplo acima mencionado, haverá uma diferença de R$ 1.000,00 (um mil reais) no valor que o executado deverá pagar a depender da inclusão (ou não) da multa cominatória na base de cálculo dos honorários advocatícios na fase de cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação de pagamento de quantia (art. 523, § 1º, do CPC/2015). Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, debruçando-se sobre esta importante questão que tem impacto significativo na forma de se calcular o valor devido pelo executado na fase de cumprimento de sentença, entendeu que a multa cominatória não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença. Ou seja, ficou com a segunda hipótese acima levantada. Trata-se de v. acórdão da lavra do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, integrante da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido em julgamento datado de 09.10.2018, cuja ementa é a seguinte: "RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. ART. 523 DO CPC/2015. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA DÍVIDA. NÃO INCLUSÃO DA MULTA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a verba honorária devida no cumprimento definitivo de sentença a que se refere o § 1º do art. 523 do CPC/2015 será calculada apenas sobre o débito exequendo ou também sobre a multa de 10% (dez por cento) decorrente do inadimplemento voluntário da obrigação no prazo legal. 3. A base de cálculo sobre a qual incidem os honorários advocatícios devidos em cumprimento de sentença é o valor da dívida (quantia fixada em sentença ou na liquidação), acrescido das custas processuais, se houver, sem a inclusão da multa de 10% (dez por cento) pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015). 4. Recurso especial provido. (REsp 1757033/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 15/10/2018)". Para entender perfeitamente a decisão acima referida, é imprescindível transcrever um trecho do seu teor, bastante elucidativo: "(...) Para deflagrar o cumprimento de sentença, exige-se o requerimento expresso formulado pelo credor. Ocorrendo a intimação do executado, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para satisfação do comando sentencial, após o qual o débito será acrescido de multa e de honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento), totalizando, portanto, o aumento de 20% (vinte por cento). Nesse contexto, a base de cálculo da multa e da verba honorária é o valor do crédito perseguido na execução da sentença. Ou seja, calcula-se a multa sobre o montante executado e, em seguida, procede-se da mesma forma com os honorários devidos ao advogado. Assim, por exemplo, em caso de execução da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), será adicionado R$ 1.000,00 (mil reais) a título de multa e R$ 1.000,00 (mil reais) de honorários advocatícios. Portanto, a base de cálculo da multa e dos honorários advocatícios é a mesma, ou seja, ambos incidem sobre o débito. Por sua vez, a expressão 'débito', presente no caput do art. 523 do CPC/2015, compreende o valor que o credor busca no cumprimento da sentença, acrescido, se houver, das custas processuais referentes à instauração da fase executiva, sem incluir a multa de 10% (dez por cento) pelo descumprimento da obrigação no prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015)" (os destaques são do original). Logo, ao se interpretar o § 1º do art. 523 do CPC/2015, a conclusão à qual o Superior Tribunal de Justiça chegou é a de que a base de cálculo da multa e dos honorários advocatícios é a mesma, ou seja, ambos incidem sobre o débito. Dito de outro modo, a multa cominatória não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios arbitrados no cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia.
Elias Marques de Medeiros Neto No recente julgamento do REsp 1383776/AM, ocorrido em 6/9/2018, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo ministro Og Fernandes, decidiu que a demora excessiva para se proferir uma decisão determinando-se a citação do devedor, em processo de execução, viola a garantia constitucional da duração razoável do processo, não devendo ser tolerada por nosso sistema processual. Veja-se: "RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. LESÃO. DESPACHO DE CITAÇÃO. DEMORA DE DOIS ANOS E SEIS MESES. INSUFICIÊNCIA DOS RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS DO PODER JUDICIÁRIO. NÃO ISENÇÃO DA RESPONSABILIDADE ESTATAL. CONDENAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO CARACTERIZADA. 1. Trata-se de ação de execução de alimentos, que por sua natureza já exige maior celeridade, esta inclusive assegurada no art. 1º, c/c o art. 13 da Lei n. 5.478/1965. Logo, mostra-se excessiva e desarrazoada a demora de dois anos e seis meses para se proferir um mero despacho citatório. O ato, que é dever do magistrado pela obediência ao princípio do impulso oficial, não se reveste de grande complexidade, muito pelo contrário, é ato quase que mecânico, o que enfraquece os argumentos utilizados para amenizar a sua postergação. 2. O Código de Processo Civil de 1973, no art. 133, I (aplicável ao caso concreto, com norma que foi reproduzida no art. 143, I, do CPC/2015), e a Lei Complementar n. 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), no art. 49, I, prescrevem que o magistrado responderá por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude. A demora na entrega da prestação jurisdicional, assim, caracteriza uma falha que pode gerar responsabilização do Estado, mas não diretamente do magistrado atuante na causa. 3. A administração pública está obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente. 4. A responsabilidade do Estado pela lesão à razoável duração do processo não é matéria unicamente constitucional, decorrendo, no caso concreto, não apenas dos arts. 5º, LXXVIII, e 37, § 6º, da Constituição Federal, mas também do art. 186 do Código Civil, bem como dos arts. 125, II, 133, II e parágrafo único, 189, II, 262 do Código de Processo Civil de 1973 (vigente e aplicável à época dos fatos), dos arts. 35, II e III, 49, II, e parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e, por fim, dos arts. 1º e 13 da Lei n. 5.478/1965. 5. Não é mais aceitável hodiernamente pela comunidade internacional, portanto, que se negue ao jurisdicionado a tramitação do processo em tempo razoável, e também se omita o Poder Judiciário em conceder indenizações pela lesão a esse direito previsto na Constituição e nas leis brasileiras. As seguidas condenações do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por esse motivo impõem que se tome uma atitude também no âmbito interno, daí a importância de este Superior Tribunal de Justiça posicionar-se sobre o tema. 6. Recurso especial ao qual se dá provimento para restabelecer a sentença". O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já havia fixado tese, em sede de julgamento de recurso especial sob o rito do artigo 543-C do CPC/73, abordando a necessidade de o processo administrativo fiscal federal, com pedido de restituição, ter trâmite com duração razoável; conforme se nota do acórdão relatado pelo ministro Luiz Fux, no RESP 1138206/RS, julgado pela 1ª Seção, em 9/8/2010: "TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." 2. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (Precedentes: MS 13.584/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 26/06/2009; REsp 1091042/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; MS 13.545/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/10/2008, DJe 07/11/2008; REsp 690.819/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 19/12/2005). 3. O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto 70.235/72 - Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei 9.784/99, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte. 4. Ad argumentandum tantum, dadas as peculiaridades da seara fiscal, quiçá fosse possível a aplicação analógica em matéria tributária, caberia incidir à espécie o próprio Decreto 70.235/72, cujo art. 7º, § 2º, mais se aproxima do thema judicandum, in verbis: "Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: (Vide Decreto nº 3.724, de 2001). I - o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II - a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III - o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada. § 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas. § 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos." 5. A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, em seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris: "Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte." 6. Deveras, ostentando o referido dispositivo legal natureza processual fiscal, há de ser aplicado imediatamente aos pedidos, defesas ou recursos administrativos pendentes. 7. Destarte, tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da Lei 11.457/07). 8. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008". Ambos os julgados do Superior Tribunal de Justiça se preocupam com a eficiência e a efetividade do processo; princípios estes coroados nos artigos 4º e 8º do CPC/15. O artigo 37 da CF de 1988 já positivava a necessidade de o Estado - e, portanto, o Poder Judiciário - atuar de forma eficiente em seus atos. Trata-se da consagração do princípio da eficiência, o qual guarda intima relação com a noção de efetividade processual. O princípio da eficiência foi positivado na magna carta através da EC 19 de 1998, e traz consigo a imposição ao agente público de atuar de forma a permitir que o Estado atinja os seus fins perante a sociedade, buscando-se sempre, neste sentido, resultados favoráveis ao todo social1. A lei 9.784/99, em seu art. 2º, caput, igualmente faz referência ao princípio da eficiência como sendo um dos que regem o processo administrativo, sendo que Maria Sylvia Zanella Di Pietro, acerca de sua natureza, bem disserta que este princípio: "pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público"2. E especificamente sobre a necessidade de o processo ser regido com a máxima eficiência e dentro dos parâmetros da economia e da instrumentalidade, de modo a ser efetivo e atender ao seu escopo social, interessante é a seguinte passagem da administrativista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: "há que se ter sempre presente a ideia de que o processo é instrumento para aplicação da lei, de modo que as exigências a ele pertinentes devem ser adequadas e proporcionais ao fim que se pretende atingir. Por isso mesmo, devem ser evitados os formalismos excessivos, não essenciais à legalidade do procedimento que só possam onerar inutilmente a administração pública, emperrando a máquina administrativa"3. Indubitavelmente, o princípio da eficiência, que rege a atuação da administração pública, apresenta estreita e íntima ligação com o princípio da efetividade processual; pois o Poder Judiciário (art. 93 da CF de 1988), como ente do Estado que concentra o exercício da jurisdição, deve pautar seus atos com observância das diretrizes que estão consagradas no art. 37 da CF de 1988. Fredie Didier Jr.4, neste contexto, pontua que: "o processo, para ser devido, há de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber um devido processo legal ineficiente. Mas não é só. Ele resulta, ainda, da incidência do art. 37, caput, da CF/88. Esse dispositivo também se dirige ao Poder Judiciário...". A noção de efetividade processual está presente nos referidos conceitos ligados ao princípio da eficiência, podendo-se dizer que cabe ao Poder Judiciário se organizar da forma mais adequada para garantir que a tutela jurisdicional possa ser conferida ao titular do direito material de maneira oportuna, econômica e tempestiva; tudo de modo a se garantir que a resolução de conflitos não se limite apenas à prolação de uma sentença judicial, mas sim que possa efetivamente realizar o direito devido ao seu titular e formalmente reconhecido em decisão proferida no processo. Bem oportuno, aliás, é o disposto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a necessidade de os órgãos públicos, aí se incluindo o Poder Judiciário, fornecerem serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Além do princípio da eficiência, pode-se dizer que o principio da efetividade processual também encontra relação com o texto constante do art. 5º, inciso LXXVIII, da CF de 19885. Como já disse Rui Barbosa, "a Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada"6. A celeridade processual ganha fundamental realce nos tempos modernos, principalmente em razão das significativas transformações da vida social e seus reflexos nos litígios, conforme bem observa Kazuo Watanabe: "Vários são os fatores que contribuem para que o fator celeridade tenha relevância no estudo das relações sociais, destacando-se o encurtamento das distâncias, em razão da evolução dos sistemas de comunicação e sofisticação dos meios de transporte, e os instrumentais tecnológicos que aceleram ou mesmo substituem o agir humano nos diferentes atos da vida cotidiana"7. J. J. Gomes Canotilho, nesta seara, já teve a oportunidade de observar que: "... a existência de processos céleres, expeditos e eficazes (...) é condição indispensável de uma protecção jurídica adequada"8. A duração razoável do processo e a celeridade certamente são importantes componentes do conceito de efetividade processual. Mas não são expressões sinônimas, sendo a celeridade um dos elementos para que o processo possa ser considerado efetivo, mas nunca o único elemento. Um processo célere, mas que agrida o devido processo legal, não pode ser considerado efetivo, como bem alertam Maria Elizabeth de Castro Lopes e João Batista Lopes9, em artigo referência sobre o tema: "Tem-se observado, em trabalhos acadêmicos, certa confusão entre celeridade e efetividade. Talvez em razão da constante preocupação com a morosidade da justiça, a efetividade muitas vezes é identificada com celeridade ou com presteza da atividade jurisdicional. Nada, porém, menos exato, já que a celeridade é apenas um aspecto da efetividade. Com maior rigor técnico e à luz da Emenda n. 45, aos jurisdicionados se deve garantir a razoável duração do processo que, entre outros aspectos, terá de levar em consideração a complexidade da causa. Por exemplo, se o desate da lide exigir prova pericial, e o juiz a dispensar, em nome da celeridade processual, a efetividade do processo estará irremediavelmente comprometida: o julgamento não será antecipado, mas precipitado... Tem-se, pois, que a celeridade processual não pode vulnerar as garantias constitucionais entre as quais se colocam a ampla defesa e a produção da prova". José Roberto dos Santos Bedaque10, na mesma direção, doutrina que: "Processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. Pretende-se aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a tão almejada efetividade. Não se nega a necessidade de reduzir a demora, mas não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor também essencial ao processo justo. Em princípio, não há efetividade sem contraditório e ampla defesa. A celeridade é apenas mais uma das garantias que compõem a ideia do devido processo legal, não a única. A morosidade excessiva não pode servir de desculpa para o sacrifício de valores também fundamentais, pois ligados à segurança do processo". E como já tivemos a oportunidade de defender, "o processo efetivo é aquele que busca resolver de forma eficaz a lide, dentro de uma ótica de economia processual, atendendo o equilíbrio entre a celeridade e o respeito aos princípios que compõem o devido processo legal; respeitando-se a adequada segurança aos valores fundamentais que devem ser preservados em favor dos sujeitos do processo"11. Portanto, a duração razoável do processo e a celeridade são fundamentais para que a efetividade processual possa ser garantida no caso concreto, mas tais qualidades não devem mitigar os importantes princípios inerentes ao due process of law, sendo este outro fundamental elemento para a conquista da efetividade processual: "a celeridade não pode atropelar ou comprometer o processo giusto de que nos fala Comoglio, ou seja, o reconhecimento e a garantia dos direitos, a fundamental exigência de efetividade técnica e qualitativa, o contraditório, o juiz natural, etc. Sobre preocupar-se com a celeridade, deverá o magistrado indagar, em cada caso, qual deva ser a duração razoável do processo. Em outras palavras, o processo deve durar o tempo necessário e suficiente para cumprir seus escopos, nem mais, nem menos"12. Um processo que observa o devido processo legal, pautado pelo respeito às garantias constitucionais, mas que também observa a necessidade de eficiência, celeridade e duração razoável, demonstra a preocupação com a efetividade na solução do conflito. José Rogério Cruz e Tucci sustenta que decorre do due process of law a garantia do processo sem a indevida morosidade13. O mesmo professor destaca ser um direito fundamental da parte ter um processo efetivo e que tramite em prazo razoável, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF de 1988. E para José Rogério Cruz e Tucci14, esse direito fundamental teria origem em diploma legal supranacional; conforme previsão do art. 6º, 1, da Convenção Europeia para Salvarguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, firmada em 04 de novembro de 1950, em Roma, que prescreve a necessidade de o processo tramitar em prazo razoável, sem dilações indevidas. Na mesma direção é a previsão do art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 196915. O desrespeito ao acima aludido direito fundamental já gerou a condenação do Estado italiano, em julgamento ocorrido em 1987 na Corte Europeia dos Direitos do Homem16, a indenizar danos morais sofridos pela parte autora em razão da demora na apreciação de sua pretensão pelo poder judiciário daquele país; o qual, mesmo após 10 anos e quatro meses, ainda não havia finalizado o julgamento de causa não classificada como complexa. Neste passo, é certo que os aludidos julgados do Superior Tribunal de Justiça estão em linha com a preocupação do Estado brasileiro em conferir proteção constitucional ao direito de a parte ter um processo efetivo, que tramite em prazo razoável, e sempre observando o devido processo legal; sendo que esta conclusão é perfeitamente embasada nos incisos LXXVIII, LIV, LV e XXXV do art. 5º. da CF de 1988, bem como nas normas fundamentais do CPC/15. __________ 1 BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 728. 2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 83. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 504. 4 DIDIER JR., Fredie. Apontamentos para a concretização do princípio da eficiência do processo. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda (Org.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Podium, 2013. p. 433. 5 "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". 6 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 53. Na mesma linha, defendendo que a justiça não entregue em prazo razoável seria um "diniego de tutela", é a doutrina de COMOGLIO, Luigi Paolo. Principi Costitucionali e Processo di Esecuzione. Rivista di Diritto Processuale 2-1994/454. 7 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2ª. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 142. 8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 652,653. 9 CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de; e LOPES, João Batista. Princípio da Efetividade. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de; e CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de (Coord.). Princípios Processuais Civis na Constituição. São Paulo: Ed. Campos Jurídico, 2008. p. 244 e 245. 10 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 49. 11 MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Proibição da Prova Ilícita no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Fiuza, 2010. p. 20. 12 LOPES, João Batista; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth. Novo Código de Processo Civil e efetividade da jurisdição. Revista de Processo 188. São Paulo: RT, 2010. p. 173,174. 13 "Conclui-se, portanto, que, também em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5°, § 1°, C.F.)". (CRUZ e TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999. p. 260). 14 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAVAR, Maira Terra. Processo civil novas tendências. Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 436. 15 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAVAR, Maira Terra. Processo civil novas tendências. Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 446. 16 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAVAR, Maira Terra. Processo civil novas tendências. Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 438.
Rogerio Mollica A comprovação do feriado local é uma das muitas armadilhas que vêm sendo armadas pelos Tribunais para a eliminação imediata de recursos. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de dois artigos nessa coluna1. Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local e do Enunciado 662 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento não vem encontrando eco em nossas Cortes. De fato, infelizmente, o entendimento dos Tribunais se consolidou de forma contrária à possibilidade de comprovação posterior do feriado local. Nesse sentido é o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FERIADO LOCAL.COMPROVAÇÃO. ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. 1. O propósito recursal é dizer, à luz do CPC/15, sobre a possibilidade de a parte comprovar, em agravo interno, a ocorrência de feriado local, que ensejou a prorrogação do prazo processual para a interposição do agravo em recurso especial. 2. O art. 1.003, § 6º, do CPC/15, diferentemente do CPC/73, é expresso no sentido de que "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso". 3. Conquanto se reconheça que o novo Código prioriza a decisão de mérito, autorizando, inclusive, o STF e o STJ a desconsiderarem vício formal, o § 3º do seu art. 1.029 impõe, para tanto, que se trate de "recurso tempestivo". 4. A intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis. 5. Seja em função de previsão expressa do atual Código de Processo Civil, seja em atenção à nova orientação do STF, a jurisprudência construída pelo STJ à luz do CPC/73 não subsiste ao CPC/15: ou se comprova o feriado local no ato da interposição do respectivo recurso, ou se considera intempestivo o recurso, operando-se, em consequência, a coisa julgada. 6. Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017) Se não bastasse a necessidade da comprovação prévia, os Tribunais passaram a surpreender mais ainda o jurisdicionado ao exigir a comprovação de feriados que estão muito arraigados em nosso cotidiano e até então, eram tidos como nacionais, como o feriado de Corpus Christi. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo também que feriados aparentemente tidos como Nacionais, não o são: "PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PRAZO RECURSAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. REGULARIZAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1.Não se conhece de recursos manifestamente inadmissíveis (REsp e AREsp), porquanto intempestivos, pois interpostos fora do prazo de 15 (quinze) dias úteis, nos termos do art. 994, VI e VIII, c.c. arts. 1.003, § 5.º, 1.029, 1.042, caput, e 219, caput, todos do Código de Processo Civil de 2015. 2. O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da paixão e, também, o dia de Corpus Christi - não são feriados nacionais, sendo imprescindível a comprovação de suspensão do expediente forense na origem. Precedentes: AgInt no AREsp 1.174.371 - GO, Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 03.04.2018, DJe 10.04.2018; AgInt no AREsp 1.139.753 - RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.04.2018, DJe 16.04.2018. 3. A intempestividade é tida pelo CPC/2015 como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015, reservado para as hipóteses de vícios sanáveis, sendo que o feriado local deve ser comprovado no ato da interposição do respectivo recurso, não admitindo qualquer comprovação posterior. Precedente: AgInt no AREsp. n. 957.821 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 20.11.2017, DJe 19.12.2017.4. Agravo interno não provido." (g.n.) (AgInt no REsp n. 1.715.972/MA, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 18/5/2018). Portanto, todo cuidado é pouco e na dúvida, deve-se comprovar a existência de todos os feriados, sejam locais ou nacionais, no ato da interposição do recurso. Cumpre enfatizar que se os Tribunais possuem muitos recursos a serem julgados, que se criem filtros objetivos para selecionar os recursos que devem ser julgados e os que não. O que não se pode admitir é a criação de armadilhas não previstas em lei ou exacerbando a previsão legal e que surpreendem diuturnamente a advocacia e o jurisdicionado. Desse modo, é de se aplaudir a recente iniciativa da AASP, IASP, OAB/SP, CESA e do MDA em lançar um manifesto da advocacia contra a jurisprudência defensiva de nossos Tribunais. __________ 1 Colunas de 6/7/2017 de minha autoria e de 16/8/2018 de autoria do professor André Pagani de Souza. 2 Enunciado 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC".
Daniel Penteado de Castro A Constituição Federal, em seu art. 93, IX, traz garantia cristalina ao impor que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Por sua vez, o CPC/2.015 inovou para trazer em seu art. 489, § 1º, incisos I a VI, situações que, uma vez configuradas, implicam violação ao Princípio Constitucional da Fundamentação das Decisões Judiciais. Em verdade, tais hipóteses refletem reivindicação da doutrina no escopo de dar exemplos de violação ao princípio constitucional. Foi necessário tornar alguns exemplos, desta feita em lei, tal qual se compõe os incisos do art. 489. § 1º1. A inovação legislativa parece ter surtido resultado prático. Nesse contexto, recentes julgados determinaram a anulação da decisão judicial, ao fundamento de violação ao art. 489, § 1º, do CPC: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução fiscal - Decisão que indeferiu pedido de expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal para localização do devedor. Nulidade por ausência de fundamentação. Configuração. Afronta aos arts. 489, §1º do CPC e 93, IX da CF. Possibilidade, contudo, de apreciação da questão diretamente pelo Tribunal, mediante aplicação analógica do art. 1.013, §3º, IV, do CPC. Precedente do STJ. Obtenção de informações que dependem de requisição judicial, o que autoriza expedição do ofício pleiteado. Recurso provido. (...) No caso dos autos, diante do pedido de expedição de ofício à Receita Federal para obtenção de dados pessoais dos sócios da empresa, o Juízo em substituição ao ofício pleiteado, autorizou o Município de Lins a solicitar aos órgãos públicos e empresas privadas, mediante exibição da decisão ora atacada, informações exclusivamente a respeito do endereço da empresa, mediante pagamento de taxa ou preço. Não houve, portanto, qualquer fundamentação quanto à negativa da pretensão fazendária, o que implica nulidade da decisão agravada. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2099249-60.2018.8.26.0000, Rel. João Alberto Pezarini, 14ª Câmara de Direito Público, j. 27/09/2018, grifou-se) "REIVINDICATÓRIA. NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ACOLHIDA. Sentença de improcedência. Irresignação dos autores 1. Preliminar. Nulidade da sentença por ausência de fundamentação. Preliminar acolhida. Magistrado de primeiro grau que não enfrentou os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão pela ocorrência da usucapião (art. 489, §1º, IV, CPC). Decretada a nulidade sentença, prosseguindo-se à análise do mérito por estar o processo em condições de imediato julgamento (art. 1.013, §3º, IV, CPC). (...) Recurso provido em parte, para decretar a nulidade da sentença e julgar improcedentes os pedidos. (...) De início, é caso de acolher a preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação. Isto porque, o magistrado de primeiro grau não enfrentou os argumentos deduzidos pelos autores capazes de, em tese, infirmar a conclusão pela ocorrência de usucapião. Com isso, em razão da ausência de fundamentação da sentença (art. 489, §1º, IV, CPC), deve ser decretada sua nulidade. (...)" (TJSP, Apelação n. 1031803-74.2016.8.26.0114, Rel. Carlos Alberto de Salles, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 07/08/2018, grifou-se) "SUSTAÇÃO DE PROTESTO - INSURGÊNCIA CONTRA A DECISÃO QUE DEIXOU DE ESTENDER OS EFEITOS DA LIMINAR ANTERIORMENTE CONCEDIDA AOS TÍTULOS POSTERIORMENTE INFORMADOS PELA AUTORA - NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - A rejeição do pedido de extensão da liminar aos títulos apresentados a protesto depois da concessão da liminar de sustação de protesto, sem fundamentação alguma, ofende diretamente o art. 489, §1º, inciso II do CPC, e art. 93, inciso IX, da Constituição Federal - Decisão anulada. Recurso provido. (...) A decisão agravada é nula, por ausência de fundamentação. A decisão foi proferida sem a observância do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, e art. 489, §1º, inciso II do Código de Processo Civil de 2015, fato que penaliza o conhecimento da convicção do magistrado e dificulta a exteriorização de eventual inconformismo da parte. Isso porque, ao indeferir a extensão da liminar de sustação de protesto, o MM. juiz oficiante não atribuiu nenhum fundamento, nem mesmo sucinto, para sua decisão. Sem motivação, a decisão judicial acaba por carecer da fundamentação necessária para que a parte prejudicada a devolva corretamente nas razões de sua insurgência a questão ao conhecimento deste E. Tribunal ad quem, que impede a análise da correção ou não do comando judicial neste grau recursal. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2110593-38.2018.8.26.0000, Rel. Walter Fonseca, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 13/09/2018, grifou-se) "INDENIZAÇÃO - DEMANDA AJUIZADA PELA GENITORA EM FACE DO ESPÓLIO DE SEU FILHO, VISANDO DISCUTIR ATOS DE EXCESSO NA UTILIZAÇÃO POR ELE DA CONTA CORRENTE QUE TINHAM EM CONJUNTO - INSURGÊNCIA CONTRA A DECISÃO QUE CONCEDEU A TUTELA DE URGÊNCIA POSTULADA PELA AUTORA PARA O ARRESTO, COM DEPÓSITO JUDICIAL, DA INDENIZAÇÃO PAGA PELO SEGURO DE VIDA CONTRATADO PELO DE CUJUS, EM FAVOR DE SUA ESPOSA E FILHOS - NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - A concessão da tutela de urgência sem fundamentação alguma ofende diretamente o art. 489, §1º, inciso II do CPC, e art. 93, inciso IX, da Constituição Federal - Decisão anulada. Recurso provido. (...) Isso porque, ao deferir a tutela de urgência para arresto da indenização paga pelo seguro de vida contratado pelo réu, a MM. juíza oficiante não atribuiu nenhum fundamento, nem mesmo sucinto, para sua decisão. (...)"(TJSP, Agravo de Instrumento n. 2111685-51.2018.8.26.0000, Rel. Walter Fonseca, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 13/09/2018, grifou-se) "DECISÃO INTERLOCUTÓRIA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA - VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 489, § 1º, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AGRAVO INTERNO PREJUDICADO - NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. A omissão, pelo magistrado, da fundamentação de sua decisão com base nos elementos técnicos constantes dos autos, além de afrontar o inciso IX, do artigo 93, da Carta Magna, impossibilita à parte o seu eficaz ataque pela via recursal própria, inviabilizando, ainda, a aferição, no grau superior, da pertinência e correção do ato recorrido (...) Não se afigura lícito, portanto, estendê-la à agravante, que não integrou a relação processual do despejo, isso sem falar que a decisão agravada padece de fundamentação adequada, uma das características do processo contemporâneo, calcado no due process of law, representando uma garantia inerente ao Estado de direito, implicando maltrato a norma inscrita no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal que obriga sejam fundamentadas todas as decisões judiciais, sob pena de nulidade. (...) Na verdade, só o conhecimento das razões de decidir podem permitir que os interessados recorram adequadamente e que os órgãos superiores controlem com segurança a justiça e a legalidade das decisões submetidas à sua revisão (José Carlos Barbosa Moreira, Temas de Direito Processual, segunda série, p. 86, Saraiva). Os litigantes têm o direito de conhecer precisamente as razões de fato e de direito que determinaram o sucesso ou insucesso de suas posições de tal modo que as questões submetidas devem ficar claramente resolvidas, sem obscuridades ou omissões, inclusive para proporcionar o reexame da matéria pela Superior Instância, verbis: "Elevada a cânone constitucional, a fundamentação apresenta-se como uma das características do processo contemporâneo, calcado no 'due process of law', representando uma 'garantia inerente ao Estado de direito'" (REsp. 131.899 - MG - STJ - 4ª T. - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). A omissão, pela magistrada, na fundamentação de sua decisão implica ofensa ao disposto no art. 489, § 1º, inciso IV, do CPC não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador impossibilitando a aferição, no grau superior, da pertinência e correção do ato judicial recorrido." (TJSP, Agravo Interno n. 2144249-83.2018.8.26.0000, Rel. Renato Sartorelli, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 13/09/2018, grifou-se) "(...) Preliminar de nulidade da sentença, por ausência de fundamentação - Nulidade reconhecida - Ofensa ao artigo 93, inciso IX, da CF e art. 489, § 1º, II, III e IV, do CPC - É nula a sentença genérica que não externar as razões do convencimento adotado, caracterizando ofensa ao princípio da fundamentação dos atos processuais - Preliminar acolhida, para anular a sentença - Recurso provido neste ponto. (...) Inicialmente, cabe acolher a alegação preliminar de nulidade da sentença proferida, por violação da regra do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, também do artigo 489, parágrafo 1º, incisos III e IV, do Código de Processo Civil. (...) A apelante se insurge alegando que o D. Juízo "a quo" não enfrentou as questões postas em debate, sendo que nada foi apresentado a respeito das peculiaridades do caso concreto e, consequentemente, os argumentos desenvolvidos pela ora apelante deixaram de ser apreciados. (...) Realmente, conforme se insurge a apelante, a r. sentença analisou de forma superficial e genérica os pontos conflitantes (...) O nosso sistema legal veda a absoluta ausência de motivação (CF, art. 93, IX; CPC, art. 489), como se deu no caso em apreço, em que, embora não fosse necessário extenso relato ou extensa explanação de motivação, alguma motivação era de rigor. Com efeito, um dos princípios constitucionais norteadores do processo é a fundamentação das decisões judiciais. Tal determinação constitucional visa a evitar decisões arbitrárias por parte dos magistrados e a garantir ao jurisdicionado o direito de compreender os fundamentos do julgamento de seu caso. O princípio constitucional da fundamentação e publicidade das decisões judiciais é cláusula essencial ao estado democrático de direito. O princípio em comento encontra-se expressamente previsto no art. 93, IX, da Carta Magna (...)Consagrando a importância do princípio da fundamentação no ato da prestação jurisdicional o atual ordenamento processual civil não apenas o elencou como um dos requisito essenciais das decisões judiciais, mas expressamente tratou das hipóteses de não fundamentação, que estão consubstanciadas no rol exemplificativo do art. 486, §1º (...) A garantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais integra o devido processo legal artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Destarte, no presente caso, dada a falta de fundamentação da decisão, verificou-se, por conseguinte, ofensa ao devido processo legal, bem como o princípio da fundamentação dos atos processuais, sendo de rigor, portanto, a anulação da sentença nos moldes pleiteados ponto. (...)" (TJSP, Apelação n. 1048463-35.2016.8.26.0053, Rel. Ponte Neto, 8ª Câmara de Direito Público, j. 12/09/2018, grifou-se) E, conforme já pudemos abordar o tema em outra oportunidade2, no que tange aos incisos V e VI, do art. 489, § 1º, os quais determinam, que também não será considera fundamentada a decisão judicial que "(...) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos" ou "(...) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento", respectivamente, foram apontados entendimentos no sentido de afastar tal regra, sob a interpretação de que o dispositivo somente há de ser observado quanto a aplicação de precedentes "obrigatórios", tais como aqueles apontados no art. 927 do CPC3. Tal leitura não soa a que parece resistir no âmbito do STJ. Nesse contexto, é o recente julgado da Corte Superior: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE PRECEDENTE QUE CORROBORA COM A TESE RECURSAL E QUE FORA UTILIZADO COMO RATIO DECIDENDI DA DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC CONFIGURADA. 1. O Diploma Processual estabelece quatro hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, tratando-se de recurso de fundamentação vinculada, restrito a situações em que patente a existência de i) obscuridade, ii) contradição, iii) omissão e iv) erro material (art. 1.022). 2. Com relação à omissão do julgado, previu, ainda, em seu parágrafo único, que incidirá neste vício o julgado que incorrer em qualquer das condutas descritas no artigo 489, § 1º, do NCPC, entre as quais se destaca o inciso VI - "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". 3. O acórdão recorrido, na hipótese, foi omisso, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração - pela ausência de manifestação sobre o precedente da Segunda Seção que corrobora com a sua tese recursal, sendo tal julgado, inclusive, utilizado como ratio decidendi da decisão agravada pelo Min. Relator -, não se manifestou de forma satisfatória sobre o ponto articulado. 4. Mostra-se imprescindível, no caso, que o Juízo aprecie o precedente indicado, seja para efetuar o distinguishing, seja para reconhecer a superação do posicionamento (overruling), não podendo ficar silente quanto ao ponto. 5. Embargos de declaração parcialmente providos. (STJ, EDcl no AgInt no AgInt no AREsp 165.721/BA, Rel. Min. Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF 5ª Região), Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 07/08/2018, DJe 25/09/2018) É evidente que não soa razoável que o julgador justifique o afastamento, um a um, de todos os precedentes suscitados pela parte ou, quando do emprego de determinado precedente, tenha que identificar cada um ao caso concreto, mas se espera, no mínimo, que seja destacado o fio condutor que se amolda ao caso concreto, as razões de decidir, a ratio decidendi ou as razões de sua superação. Embora num primeiro momento tal providência possa soar mais trabalhosa no desiderato de respeitar o princípio da fundamentação judicial, na forma prevista no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC, tal medida certamente reflete em melhor diálogo no seio do próprio Poder Judiciário, ciente da forma como vem sendo examinado, decidido e aplicado o direito, a se integrar uma jurisdição que se espera, seja uma. __________ 1 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (.) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 2 Os critérios de análise do distinguishing como fundamento ao cabimento de embargos de declaração. 3 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
André Pagani de Souza O art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que são impenhoráveis "os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º"1. Havia disposição semelhante no art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), uma vez que ele dispunha serem absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo"2. De plano, para o que nos interessa examinar mais de perto neste momento, é possível observar que o caput do art. 649 do CPC/1973 prescrevia serem os salários absolutamente impenhoráveis ao passo que o caput do art. 833 do CPC/2015 estabelece atualmente que eles são impenhoráveis. Ou seja, foi-se embora, com a lei antiga, a palavra "absolutamente". Será que a falta desta palavra na lei atual tem algum significado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ)? Em recente decisão tomada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, há indícios de que, no seu entendimento atual, não há impenhorabilidade absoluta dos salários. Aliás, é importante que se registre, que também não se interpretava a impenhorabilidade de salários como sendo absoluta mesmo antes do CPC/2015, pois o § 2º do art. 649 do CPC/1973 trazia a possibilidade de "penhora para pagamento de pensão alimentícia", assim como o faz o § 2º do atual art. 833. Entretanto, fora das hipóteses excepcionais do § 2º do art. 833 (ou do § 2º do art. 649 do CPC/1973), a regra, aí sim, era a da impenhorabilidade absoluta dos salários do devedor. O Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua Corte Especial, ao apreciar os Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.518.169/DF, entendeu que é possível penhorar salário do devedor, mesmo não se tratando de execução forçada de obrigação de pagar alimentos. Ou seja, mitigou a impenhorabilidade do salário do devedor, mesmo que não se trate de obrigação de natureza alimentar. No caso concreto, foi realizada a penhora de valores em conta corrente na qual eram depositados os subsídios do executado. Este último recorreu da decisão acerca da penhora de tais valores, alegando se tratar de bens impenhoráveis por força do inciso IV do art. 649 do CPC/1973. Entretanto, a Terceira Turma do STJ, em acórdão da lavra do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, proferiu a decisão abaixo ementada: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE VALORES EM CONTA CORRENTE EM QUE DEPOSITADOS OS SUBSÍDIOS DA EXECUTADA. EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE. QUESTÃO A SER SOPESADA COM BASE NA TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Controvérsia em torno da possibilidade de serem penhorados parte dos valores depositados em conta corrente provenientes dos subsídios percebidos pelo executado, de elevado montante, pois detentor de cargo público estadual de relevo. 2. A regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o executado recebe a sua remuneração, situação abarcada pelo art. 649, IV, do CPC/73, pode ser excepcionada quando o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família. 3. Caso concreto em que a penhora de 30% dos valores revela-se razoável ao ser cotejada aos vencimentos da executada, detentora de alto cargo público. Inexistência de elementos probatórios a corroborar o excesso ou a inadmissibilidade da excepcional penhora determinada. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO" (grifos nossos). O executado, inconformado com a decisão cuja ementa está acima transcrita, por entender que violava o disposto no inciso IV do art. 649 do CPC/1973 (correspondente ao art. 833, inciso IV, do CPC/2015) e também destoava de outras decisões proferidas por outras turmas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, opôs Embargos de Divergência. Para tanto, mencionou os seguintes julgados cujas ementas estão abaixo transcritas, para demonstrar a divergência das decisões proferidas a respeito do tema. Em apertada síntese, o executado alegou em seus embargos a existência de divergência no âmbito do STJ no tocante à impenhorabilidade dos vencimentos de servidores públicos quando a dívida não tiver natureza alimentícia nos termos do art. 649, IV, do CPC/73. Para demonstrar tal divergência, foram apresentadas as seguintes decisões do STJ que, no seu entender, deveriam servir de paradigmas: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. III - Esta Corte, ao julgar o Recurso Especial n. 1.184.765/PA, submetido ao rito do art. 543-C, firmou entendimento segundo o qual são absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal". IV - A Agravante não apresenta, no regimental, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. V - Agravo Regimental improvido" (AgRg no AREsp 792.337/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 6/3/2017, sem os destaques); "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE 30% SOBRE CONTA SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC. PRECEDENTES DA CORTE. 1. A jurisprudência desta Corte orienta que, nos termos do artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 1973, são impenhoráveis os valores depositados em conta destinada ao recebimento de vencimentos, salários, ou proventos de aposentadoria do devedor. 2. Agravo interno a que se nega provimento" (AgRg no AREsp 143.850/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/4/2016, DJe 25/4/2016, sem os destaques); "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REMUNERAÇÃO. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A teor do disposto no artigo 649, IV, do CPC, é absoluta a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, que apenas pode ser afastada nos casos de execução de alimentos, o que não é o caso dos autos. Precedentes: AgRg no AREsp 407.833/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 3/2/2015; REsp 1.211.366/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13/12/2011; AgRg no REsp 1.127.084/MS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 16/12/2010. 2. Agravo regimental não provido" (AgRg no AREsp 585.251/RO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4/2/2015, DJe 4/3/2015, sem os destaques); "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DE CONTA-SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. 1. O Tribunal de origem, no julgamento do Agravo de Instrumento, manteve a decisão de primeiro grau, que consignou a impenhorabilidade do salário e que a penhora no percentual de 30% dos rendimentos do agravado não encontra respaldo legal. 2. Não merece reparo o acórdão recorrido, porquanto reflete o entendimento firmado no STJ acerca da matéria, segundo o qual o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excetuada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 3. Por fim, verifica-se que não houve ofensa ao art. 535 do CPC/1973 na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 4. Recurso Especial não provido" (REsp 1.608.738/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 7/3/2017, sem os destaques). Apesar dos julgados acima transcritos trazidos à colação pelo embargante-executado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, em 03.10.2018, por maioria de votos, que a impenhorabilidade mencionada no inciso IV do art. 649 do CPC/1973 (cujo correspondente é o inciso IV do art. 833 do CPC/2015) é relativa e pode ser flexibilizada, ainda que não se trate de execução forçada de obrigação de pagar alimentos. Ainda não foi disponibilizada a íntegra do acórdão, mas já se sabe que, na ocasião do julgamento prevaleceu o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, segundo a qual: "A regra geral da impenhorabilidade do CPC/73 pode ser mitigada em nome dos princípios da efetividade e da razoabilidade, nos casos em que ficar demonstrado que a penhora não afeta a dignidade do devedor"3. Tal entendimento que acabou por prevalecer na Corte Especial do STJ já havia sido empregado em decisões anteriores da lavra d Min. Nancy Andrighi, conforme se pode depreender da ementa de julgado abaixo: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Ação ajuizada em 25/05/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1658069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017) Em suma, na visão que acabou por ser a vencedora atualmente no STJ, o que está em jogo, nessa situação, são duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana. De um lado, o direito ao mínimo existencial (por parte do devedor); de outro, o direito ao recebimento da dívida (por parte do credor). Dessa vez, o credor saiu ganhando, ficando claro que não há impenhorabilidade absoluta de salário, ainda que a dívida cobrada não tenha natureza alimentar. __________ 1 A ressalva do § 2º do art. 833 do CPC/2015 é a seguinte: "§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, §º". 2 O § 3º foi objeto de veto, mas no art. 649, do CPC de 1973, havia o § 2º que dispunha o seguinte: "O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia". 3 Impenhorabilidade de salários pode ser mitigada por razoabilidade, diz STJ. Acesso em 8/10/18
Elias Marques de Medeiros Neto O artigo 373 do CPC/15 positiva o clássico instituto das cargas dinâmicas da prova, estabelecendo que: "Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo". O tema não é uma novidade, sendo que Bentham já ensinava que o ônus da prova poderia ser dinâmico, considerando a maior facilidade de uma parte, em relação à outra, de produzir a prova (Tratado de las pruebas judiciales). Considera-se, para fins de aplicação do parágrafo primeiro do artigo 373 do CPC/15, a presença de uma maior facilidade técnica para uma das partes para a obtenção da prova; maior facilidade técnica de obtenção da informação. Nessa linha, inclusive, já eram as previsões do artigo 12, parágrafo primeiro, primeira parte, do Código Modelo de Processos Coletivos do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do artigo 11, parágrafo primeiro, do Anteprojeto de Processos Coletivos e do artigo 217, parágrafo 7º, da Ley de Enjuiciamiento Civil/00. Focado na importância da demonstração de uma maior facilidade técnica para a obtenção da prova, o Enunciado 6 do Centro de Estudos Avançados de Processo bem disciplina que: A hipossuficiência justificadora da atribuição do ônus da prova é a informativa e não a econômica (art. 373). No mesmo sentido é o Enunciado 302 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Aplica-se o art. 373, §§1º e 2º, ao processo do trabalho, autorizando a distribuição dinâmica do ônus da prova diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade da parte de cumprir o seu encargo probatório, ou, ainda, à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. O juiz poderá, assim, atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que de forma fundamentada, preferencialmente antes da instrução e necessariamente antes da sentença, permitindo à parte se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho); O Enunciado 632 do FPPC, inclusive, prescreve a importância do zelo do magistrado com o princípio da cooperação, devendo respeitar seus deveres de consulta, auxílio, prevenção e esclarecimento, relativamente às cargas dinâmicas da prova: A redistribuição de ofício do ônus de prova deve ser precedida de contraditório. A técnica da dinamização do ônus da prova, prevista no parágrafo primeiro do artigo 373 do CPC/15, não é sinônimo da inversão total do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, exige observação atenta dos detalhes do caso concreto, sendo perfeitamente possível que apenas parcelas das alegações de fato sejam atribuídas de forma dinâmica para uma ou outra parte. No mais, tal técnica - a do artigo 373 do CPC/15 - demanda a análise atenta dos princípios - normas fundamentais de acesso justiça, cooperação, eficiência, efetividade e paridade de armas; sempre em linha com um dos grandes objetivos da comissão de juristas que idealizou o CPC/15, que é justamente o de aproximar o juiz das partes e da realidade dos fatos. Com relação ao momento para a prolação da decisão que cuida da distribuição dinâmica do ônus da prova, o Superior Tribunal de Justiça já sinalizou que: "1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012." (STJ - AgRg no REsp 1450473 / SC). O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região seguiu a mesma linha: "Tem-se que a referida inversão deve ser feita, preferencialmente quando do saneamento do processo (que no processo civil ocorre quando prolatado o despacho saneador). Contudo, não há impedimento para que ocorra em momento posterior, desde que antes de realizada instrução, e, principalmente, antes da prolação da sentença". (MS 0000454-54.2018.5.17.0000, TRT da 17ª. Região, 20.09.2018). Após mais de dois de vigência do CPC/15, o instituto do artigo 373 já vem sendo objeto de diversas decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo possível, desde logo, delinear algumas tendências. Realizando-se a consulta no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, com os termos "dinamização", "ônus" e "prova", no período de 18/8/16 a 17/8/18, tem-se como resultado 118 acórdãos. Desses 118, apenas 25 trataram especificamente das cargas dinâmicas da prova previstas no artigo 373 do CPC/15. Ao se analisar os 25 acórdãos, as tendências encontradas foram: 14 acórdãos cuidam da necessidade de se averiguar se há maior facilidade técnica para uma das partes obter a prova, em relação à outra parte; 7 acórdãos cuidam da impossibilidade de se dinamizar o ônus da prova em caso de se gerar um enorme ônus (prova diabólica) para a outra parte; 3 acórdãos cuidam do momento para a dinamização do ônus da prova, sendo a decisão de saneamento (artigo 357 do CPC/15) o momento ideal; 1 acórdão cuida da prevalência do ônus da prova como regra de julgamento, apesar da regra expressa do CPC/15, e de aplicação da dinamização apenas em situações de polêmica quanto ao ônus financeiro da prova. Conclui-se que, nesses últimos dois anos, quanto ao artigo 373 do CPC/15, as teses predominantes no Tribunal de Justiça de São Paulo são: Maior facilidade técnica: ônus da prova deve recair sobre aqueles que possuem maior facilidade técnica para obtê-la. Nesse sentido é o julgado abaixo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO RENOVATÓRIA - LOCAÇÃO - Discussão acerca da existência de saldo devedor em favor da locatária - Locadora que impugna o documento apresentado pela agravante para demonstrar o valor dos alugueis pagos, porquanto unilateral - Maior facilidade de comprovação, pela agravada, de que não recebeu os valores defendidos pela parte contrária, bastando juntar seus extratos bancários ao processo - Distribuição dinâmica do ônus da prova adotada pelo art. 373, § 1º, do CPC - Autorização da quebra do sigilo bancário da recorrida, para que a própria instituição financeira apresente os extratos, a fim de facilitar a resolução da controvérsia - Recurso parcialmente provido". (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2116185-97.2017.8.26.0000; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapecerica da Serra - 2ª Vara; Data do Julgamento: 21/09/2017; Data de Registro: 21/09/2017). Momento ideal: o momento ideal para a dinamização do ônus da prova é durante a fase de saneamento do processo. Nesse sentido é o julgado abaixo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA - Aplicação imediata do art. 373, §1º, do CPC/15, por se tratar de norma eminentemente processual - O dispositivo permite a distribuição dinâmica do ônus da prova, a ser realizada na decisão de saneamento, porquanto é regra de instrução, e não de julgamento - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DESCABIMENTO - Relação entre as partes decorre da Lei nº 6.194/74, e não de contrato - Relação de consumo inexistente. PERÍCIA - DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS - Prova pericial requerida pelo autor, na petição inicial, ajuizada na vigência do CPC/73 - Inteligência do art. 1.047 do CPC/15 - Incidência, portanto, dos artigos 19 e 33 do CPC/73, que definem a responsabilidade pelas despesas decorrentes da atuação processual - RESPONSABILIDADE DA RÉ PELO ENCARGO PROBATÓRIO - DESCABIMENTO - Prova requerida pela parte autora na petição inicial - Parte autora beneficiária da justiça gratuita - Perícia a ser realizada pelo IMESC - DECISÃO REFORMADA - AGRAVO PROVIDO". (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2161771-94.2016.8.26.0000; Relator (a): Luis Fernando Nishi; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ipuã - Vara Única; Data do Julgamento: 24/11/2016; Data de Registro: 24/11/2016). Prova diabólica: a dinamização do ônus da prova não pode gerar um encargo extremamente oneroso para uma das partes. Nesse sentido é o julgado abaixo:' "Processual. Agravo de instrumento. Ação de indenização. Decisão agravada que determinou a inversão do ônus da prova. Prova que recai sobre fato negativo (comprovação de que os agravantes não agiram de má-fé na divulgação de informações a respeito da perfuração dos campos de petróleo em que a empresa agravante operava), o que caracteriza "prova diabólica" de impossível/dificílima produção. Incidência do art. 373, §2º, do CPC/2015. Precedente do E. STJ. Decisão reformada. Agravo provido". (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2012961-46.2017.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 43ª Vara CÍvel; Data do Julgamento: 29/11/2017; Data de Registro: 29/11/2017). O instituto do artigo 373 do CPC/15, como visto, já vem sendo interpretado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que sua melhor aplicação sempre deverá levar em conta as normas fundamentais do CPC/15 e os princípios constitucionais do processo civil. ***
Rogerio Mollica A estabilização da tutela por ser um instituto novo em nosso ordenamento vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do direito. Nesse mês foi realizada a II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal e no Grupo de Tutela Provisória e Procedimentos Especiais quase só se discutiram propostas de enunciados sobre a estabilização. O que se viu é que as incertezas e hesitações sobre o assunto são muitas. Uma dúvida que surge é se a estabilização só poderia ocorrer quando a tutela é concedida em primeira instância e não é objeto de recurso ou se a tutela concedida pelo Tribunal e não recorrida também seria hábil a produzir a estabilização. Pense-se no exemplo em que se requer uma tutela provisória antecedente e ela é indeferida pelo juiz de primeiro grau. O autor interpõe agravo de instrumento e a tutela provisória é concedida pelo Tribunal antes do aditamento da petição inicial. Se o réu não interpuser agravo em face dessa decisão, poderia a mesma estabilizar e ocorrer a extinção do processo de primeiro grau (art. 304, § 1º)? A leitura do artigo 304 do CPC parece nos dizer que sim, pois não há na lei qualquer limitação de que a tutela provisória deva ser concedida somente em primeira instância para que ocorra a estabilização. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Heitor Vitor Mendonça Sica: "Restaria saber se a tutela provisória fosse deferida em segundo grau de jurisdição após o manejo de agravo de instrumento contra a decisão de primeiro grau que indeferiu a providência (art. 1.015, I) e antes que tenha havido o aditamento da peça inicial (art. 303 § 1º, I). Fiel à premissa aqui acolhida, entendo que se ao tempo da decisão do tribunal o autor não houver ainda promovido a emenda à peça inicial, com a formulação do pedido de tutela final (art. 303, § 1º, I), pode-se cogitar da estabilização a decisão (monocrática ou colegiada) que houver deferido a medida em grau recursal (hipótese em que o réu será intimado da decisão para que se lhe dê oportunidade de recorrer)." ("Doze problemas e onze soluções quanto à chamada "estabilização da tutela antecipada" in Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015 - coordenação Cássio Scarpinella Bueno...[et al.] - São Paulo: Saraiva, 2016, p. 407)1 O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir nesse mesmo sentido: "Ação de jurisdição voluntária de cancelamento de cláusulas testamentárias de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por testamento lavrado na vigência do Código Civil anterior, tendo o testador falecido antes do advento do atual. Cabimento, nas circunstâncias do caso concreto. Imóveis onerados por dívidas tributárias, sem que o proprietário, que o testador buscou proteger, possa pagá-las. Cláusulas que esvaziam o conteúdo econômico da propriedade, retirando bens do comércio. Sua inconveniência. Disposições, sobre antieconômicas, contrárias à propriedade privada, alicerce da Ordem Econômica e Financeira pátria (Lei Maior, art. 170, II), bem assim afrontadoras das garantias individuais asseguradas no art. 5º, XXII (direito de propriedade), XXIII (sua função social) e XXX (direito à herança) da Constituição. Ofensa tanto ao aspecto estrutural da propriedade, ao aniquilar o direito de dispor, como ao funcional, pois os gravames transformam-se, com frequência, em estorvo para aquele que se buscava proteger, impedindo que os bens sejam explorados adequadamente. Decisão de primeiro grau, que condicionou a própria apreciação do pedido à apresentação, pelo autor, de bens em que se possam sub-rogar os vínculos. Agravo de instrumento do autor, em busca, desde logo de provisão acerca do mérito da ação. Deferimento tão só de tutela antecipatória, na forma do art. 303 do NCPC. Determinação, todavia, diante aquiescência dos possíveis interessados na sucessão dos agravantes, que, intimados, compareceram aos autos, de que se dê o fenômeno da estabilização da antecipação, na forma do art. 304 seguinte, caso não se venham a interpor recursos contra o acórdão. Lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER. O art. 304 em tela desmistificou os dogmas da universalidade do procedimento ordinário de cognição, da sentença e da coisa julgada, que não são mais a única técnica processual para a solução jurisdicional das controvérsias. Interesse da administração da Justiça em que assim seja (economia processual). Princípio da razoável duração do processo. Doutrina de LUIZ GULHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART. A novel técnica de otimização da prestação jurisdicional bem pode (e deve) ser usada em situações gerais que revelem a evidência do direito. Possibilidade de que isto se dê em se tratando de provimento, (des)constitutivo. Pressuposição de que, se da antecipação satisfativa não se recorreu, é porque não se tem interesse na discussão da questão, ou preocupação com os efeitos concretos da tutela antecipada. Agravo de instrumento apenas em parte provido, posto que não julgada de pronto a ação de jurisdição voluntária, como pedido no recurso, mas tão só deferida antecipação de tutela, com possibilidade de estabilização, na forma do art. 304 citado. Determinação de que, não interposto recurso, voltem os autos conclusos ao relator, para extinção do processo da ação de cancelamento de cláusulas (art. 932, I, combinado com o § 1o do art. 304, ambos do NCPC)."(g.n.) (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2252486-22.2015.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/07/2017; Data de Registro: 20/07/2017) Cumpre também ressaltar que a estabilização poderá ocorrer em face de tutelas concedidas por Tribunais em processos cuja competência originária seja dessas próprias Cortes2 e não somente em recursos, como no acórdão supra referido. Portanto, desde que alertadas as partes quanto a possibilidade da estabilização da tutela concedida em segundo grau, conforme inclusive constou do julgado supra referido, parece não haver óbice à incidência do disposto no artigo 304 do CPC nestes casos. ______________ 1 No mesmo sentido é o entendimento de Robson Renault Godinho ao comentar o artigo 304 nos Comentários ao novo Código de Processo Civil, coordenação Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 482. 2 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno em seu Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 232.
Daniel Penteado de Castro Em recente edição desta coluna registramos a preocupação quanto a não aplicação, em determinados julgados, do art. 85, § 2º, do CPC/15, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Em contrapartida, as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado1. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Respeitados os entendimentos postos em tais precedentes, registrou-se a preocupação de tais decisões que, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, deixaram de considerar que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão;2 (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/15), também desestimula a recorribilidade irresponsável (ou para se ganhar tempo), porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/15). Sob tal prisma, (iv) atinge-se um dos desideratos do novel código, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação em detrimento da equidade prevista no art. 85, § 8º. Até porque, (v) o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não. No mais, (vi) tais interpretações subjetivas daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição, porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Por fim, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/15. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no dispositivo retro citado. Bem por isso, quando da seção de julgamento do AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 262.900, em que se decidiria pela relativização ou não do art. 85, § 2º, do CPC/15 a determinado caso concreto, a Quarta Turma do Tribunal de Justiça, valendo-se do art. 14, II, do Regimento Interno de referida Corte Superior3, por maioria decidiu afetar a matéria para ser dirimida pela 2ª Seção, com vistas a prevenir-se a divergência de entendimentos entre turmas integrantes do mesmo órgão colegiado4. Após referido adiamento do julgamento sobreveio pleitos de intervenção, na qualidade de amicus curiae, formulados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP e pelo IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo. Reservadas as razões da aplicação ou relativização causídica do art. 85, § 2º, do CPC/15, espera-se que preceda referido julgamento da oitiva e amplo debate em colaboração para formação do precedente, levando-se em consideração não só as razões acima alinhavadas, mas também examinada a matéria sob todas as óticas e pontos de vista, a enriquecer o debate democrático frente a tema que poderá gerar incerteza e insegurança jurídica acaso decidida a questão limitada a um ou poucos fundamentos, abrindo-se uma porteira de que, "excepcionalmente", a dado caso concreto observar-se-á o dispositivo, em outro não. _____________ 1 Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei? 2 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre. 3 "Art. 14. As Turmas remeterão os feitos de sua competência à Seção de que são integrantes:I - quando algum dos Ministros propuser revisão da jurisprudência assentada em Súmula pela Seção;II - quando convier pronunciamento da Seção, em razão da relevância da questão, e para prevenir divergência entre as Turmas da mesma Seção;III - nos incidentes de assunção de competência." 4 O julgamento anterior já havia sido noticiado neste veículo: clique aqui.
André Pagani de Souza No último dia 5/9/2018 foi realizada audiência pública na sede do Tribunal Regional Federal da terceira região com o objetivo de "dirimir questão controvertida de Direito Processual consistente em dúvida se o redirecionamento da execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica". Trata-se de louvável iniciativa tomada no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) admitido pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região autuado sob o n. 0017610-97.2016.4.03.0000/SP cujo relator é o desembargador Federal Baptista Pereira. O IRDR em questão foi suscitado em agravo de instrumento autuado sob o n. 0012118-27.2016.4.03.0000/SP, da relatoria do Desembargador Federal André Nabarrete, interposto pela União contra decisão que, em sede de execução fiscal promovida em face de pessoa jurídica, instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica, suspendeu o curso da execução fiscal e determinou a citação dos seus sócios, nos termos dos artigos 134, § 3º e 135, caput, ambos da lei 13.105/2015 (CPC). Segundo o entendimento manifestado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), "pedido de redirecionamento" da execução fiscal deveria ser apreciado imediatamente, independente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica". Isso porque, na sua visão, a suspensão automática do processo (CPC, art. 134, § 3º) seria incompatível com a execução fiscal, pois dificultaria muito a busca e o alcance de bens do devedor. Além disso, tal suspensão do processo principal favoreceria a dilapidação patrimonial porque impossibilitaria a prática de qualquer ato tendente à constrição de bens do devedor principal. Assim, caso fosse adotado o entendimento pelo cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no entender da PGFN, seria necessário o manejo de medidas cautelares pela Fazenda Pública para evitar prejuízos, o que se revelaria inviável do ponto de vista prático, em razão da frequência em que é requerido o redirecionamento das execuções fiscais. Logo, para a PGFN, a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em vez de se utilizar o puro e simples "redirecionamento da execução fiscal" colocaria em risco a própria satisfação do crédito fiscal. Entretanto, o julgamento do recurso em questão foi suspenso para a instauração do IRDR por meio de decisão cuja ementa é a seguinte: "PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos. 2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido. 3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido." Com efeito, dentro do âmbito do próprio TRF-3, existe controvérsia acerca da necessidade de instauração (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica disciplinado pelos artigos 133 a 137 do CPC nas hipóteses em que se pretende o redirecionamento da execução do crédito tributário. Confira-se, a propósito, a título meramente ilustrativo, uma ementa de julgado da Terceira Turma do TRF-3 no sentido de descabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. SÓCIO-ADMINISTRADOR. ARTIGO 135, III, CTN. SÚMULA 435/STJ. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGO 133, CPC/2015. 1. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, em razão da Súmula 435/STJ e artigo 135, III, CTN, não se sujeita ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o artigo 133 e seguintes do CPC/2015 e artigo 50 do CC/2002. 2. A regra geral do Código Civil, sujeita ao rito do Novo Código de Processo Civil, disciplina a responsabilidade patrimonial de bens particulares de administradores e sócios da pessoa jurídica, diante de certas e determinadas relações de obrigações, diferentemente do que se verifica na aplicação do artigo 135, III, CTN, que gera a situação legal e processual de redirecionamento, assim, portanto, a própria sujeição passiva tributária, a teor do artigo 121, II, CTN, do responsável, de acordo com as causas de responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN. 3. Configurando norma especial, sujeita a procedimento próprio no âmbito da legislação tributária, não se sujeita o exame de eventual responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que tratam os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015. 4. Agravo de instrumento provido". (TRF-3, 3ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0012070-68.2016.4.03.0000/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, D.E. 05.09.2016, grifos nossos) Por outro lado, cumpre destacar, também a título meramente ilustrativo, ementa de julgado no sentido de admissão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Primeira Turma do TRF-3: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. ART. 13 DA LEI Nº 8.620/93. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL RECONHECIDA PELO STF. REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. INAPLICABILIDADE. SISTEMÁTICA DO ART. 135, INCISO III DO CTN. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO REDIRECIONAMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 135, CTN IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. PRECEDENTES. - Trata-se na origem de execução fiscal ajuizada pela União com o fim de cobrança de débitos previdenciários referentes ao período de 02/2000 a 03/2001, em face da empresa executada e dos sócios-agravantes. - O Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 562.276/PR, reconheceu a inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o qual estabelecia a responsabilidade solidária do titular da firma individual e dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por débitos relativos a contribuições previdenciárias. Posteriormente, o mencionado dispositivo foi revogado pela lei 11.941/2009. - Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o Colendo Superior Tribunal de Justiça adequou seu entendimento a respeito da matéria, por intermédio do regime dos recursos repetitivos, para o fim de afastar a aplicação do citado preceptivo e, com isso, impedir a inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa. (REsp 1153119/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 02/12/2010) - Traçado o contexto normativo e jurisprudencial atinente à questão subjacente aos autos, conclui-se que a inclusão de sócios no polo passivo de execuções fiscais propostas com o objetivo de cobrar contribuições previdenciárias deve obedecer apenas à sistemática do artigo 135, inciso III, do CTN, é dizer, o feito poderá ser redirecionado aos sócios diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos. - Por outras palavras, a mera inclusão dos nomes dos sócios na CDA não tem o condão de efetivamente redirecionar o feito a eles, tampouco de inverter o ônus da prova, por esbarrar em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso. O fator determinante para incluir os corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal é, em realidade, o atendimento ao disposto no artigo 135, III, do CTN. Precedentes. - Ressalto que no caso específico dos autos em nenhum momento ficou demonstrada a ocorrência de uma das hipóteses do artigo 135 do CTN, pelo que não há se falar em redirecionamento do feito aos sócios diretores e representantes, ao menos em cognição sumária e não exauriente deste recurso. - Todavia, observo que, em se constatando posteriormente atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, será possível que se proceda à inclusão dos corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal, observados o lapso prescricional e o procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, arts. 133 e ss). - Agravo de instrumento provido". (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 578788 - 0005458-17.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 11/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2016, grifos nossos). Percebe-se, portanto, a necessidade de se uniformizar o entendimento - dentro do próprio TRF-3 - acerca da compatibilidade (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a lei que rege o processo de execução dos créditos tributários (lei 6.830/1980 ou "Lei de Execuções Fiscais"). Por tais razões, merece aplausos a iniciativa de se instaurar o IRDR para debater e uniformizar o entendimento acerca desta importante questão controvertida, trazendo maior segurança jurídica para todos.
Elias Marques de Medeiros Neto As hipóteses de cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário estão previstas na Constituição Federal, nos artigos 102 (recurso extraordinário) e 105 (recurso especial). O recurso extraordinário tem como objeto questões de direito constitucional, enquanto que o recurso especial se volta para análise de questões de direito infraconstitucional Federal. Caso venha a ser admitido, o recurso especial é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça; enquanto que o julgamento do recurso extraordinário, após ser admitido, compete ao Supremo Tribunal Federal. O artigo 1.029 do CPC/15 deixa claro que os referidos recursos devem ser interpostos em petições distintas perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, demonstrando-se: (i) a exposição dos fatos e das razões de direito; (ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto; (iii) as razões de reforma ou de anulação da decisão recorrida. Caso o recurso esteja fundamentado em divergência jurisprudencial, o recorrente deve observar os termos do parágrafo primeiro do artigo 1029 do CPC/15. Em homenagem aos princípios da instrumentalidade e da economia processual, e em consonância com as normas fundamentais previstas nos artigos 4º, 6º e 8º do CPC/15, o parágrafo terceiro do artigo 1029 do CPC/15 estipula que o Supremo Tribunal Federal e/ou o Superior Tribunal de Justiça podem desconsiderar vicio formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que o vicio seja sanável e não seja considerado grave. Teresa Arruda Alvim1 doutrina que: "Essa é uma grande novidade do NCPC que tem em vista desestimular a jurisprudência defensiva e está em perfeita consonância com uma das linhas mestras do novo código, que é a de que haja relevação ou sanação de vícios, para que o mérito seja julgado". Em regra, o recurso especial e o recurso extraordinário não são dotados de efeito suspensivo. Para que o efeito suspensivo seja concedido, o parágrafo quinto do artigo 1029 do CPC/15 prevê que o recorrente dever formular pedido perante: (i) o tribunal superior respectivo, caso o recurso especial e/ou o recurso extraordinário tenha(m) sido admitido(s), mas ainda não distribuído(s); (ii) o relator, caso o recurso já tenha sido distribuído no tribunal superior; e (iii) o presidente ou vice presidente do tribunal a quo, enquanto o recurso ainda pender de exame de admissibilidade. Cassio Scarpinella Bueno2 lembra que "o parágrafo quinto do art. 1029 trata da competência para concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário e/ou recurso especial, consoante o estágio em que o recurso se encontre. Após a redação que lhe deu a Lei 13.256/2016 - e com o flito de harmonizar a previsão aqui anotada com o duplo juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais reintroduzido por aquele diploma legislativo -, a competência para o efeito suspensivo será (...). A regra, e já era assim mesmo na sua redação primitiva, é pertinente para colocar fim a problemas práticos que chegaram perto de se mostrarem insolúveis durante a vigência do CPC de 1973. A previsão que entra em vigor com o CPC de 2015, mercê da precipitada Lei 13.256/2016, contudo - e aqui ela se distancia do texto original do CPC de 2015 - inclina-se para a mesma direção das súmulas 634 e 635 do STF, que foram robustecidas". O artigo 1030 do CPC/15 estabelece que, uma vez interposto o recurso especial e/ou extraordinário, o recorrido deve ser intimado para responder no prazo de 15 dias. Após o decurso do prazo de resposta, o presidente e/ou vice presidente pode: (i) negar seguimento a recurso extraordinário que discuta questão constitucional que já foi considerada sem repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, bem como negar seguimento a recurso extraordinário que recorra de acórdão que está em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal fixado em regime de repercussão geral; (ii) negar seguimento a recurso extraordinário ou recurso especial interpostos contra acórdão que está em conformidade com entendimentos do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça fixados em regime de julgamento de recursos repetitivos; (iii) encaminhar o processo para o órgão julgador recorrido para eventual juízo de retratação, caso o recurso especial e/ou o recurso extraordinário estejam em linha com a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal em regime de julgamento de recursos repetitivos; (iv) sobrestar o trâmite do recurso que versar sobre matéria que aguarda julgamento em regime de recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal; (v) aplicar o disposto no parágrafo sexto do artigo 1036 do CPC/15, e selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional; e (vi) realizar o exame de admissibilidade do recurso especial e/ou do recurso extraordinário, nos termos no inciso V do artigo 1.030 do CPC/15. Caso o recurso venha ser inadmitido, será cabível o agravo ao tribunal superior, nos termos do artigo 1042 do CPC/15. Caso, todavia, o recurso venha a ter seu seguimento negado nos termos do inciso I do artigo 1030 do CPC/15, bem como caso o recurso venha a ter o seu trâmite sobrestado nos termos do inciso III do artigo 1030 do CPC/15, o recurso cabível será o agravo interno, nos termos do artigo 1021 do CPC/15. Teresa Arruda Alvim3 ensina que: "deve-se interpretar, portanto, esta nova lei de redação tormentosa, no sentido de que todas as demais causas de inadmissibilidade, quando detectadas pelo presidente ou pelo vice-presidente, geram decisão passível de ser impugnada pelo recurso do 1.042, além daquelas do art. 1.030, V - as outras, especificamente tratadas pelo legislador, geram decisões impugnáveis pelo agravo interno (arts. 1030, I, III e 1035, parágrafo 7º.)". O artigo 1031 do CPC/15 prevê que na hipótese de interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial, os autos devem ser remetidos primeiro para o Superior Tribunal de Justiça. Após o julgamento do recurso especial, os autos devem ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso extraordinário. Caso o relator do recurso especial considere necessário que o recurso extraordinário seja julgado antes do recurso especial, poderá, em decisão irrecorrível, sobrestar o julgamento do recurso especial e remeter os autos ao Supremo Tribunal Federal. Todavia, o relator do recurso extraordinário, em decisão também irrecorrível, poderá rejeitar a prejudicialidade invocada pelo relator do recurso especial, de modo que determinará a devolução dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para fins de julgamento do recurso especial4. O interessante artigo 1032 do CPC/15 prevê que o relator do recurso especial pode vir a entender que o recurso, na verdade, questiona pontos constitucionais, situação em que concederá ao recorrente prazo de 15 dias para que este elabore a preliminar de repercussão geral e aprofunde a abordagem quanto à questão constitucional. Após cumprida esta determinação, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, e após considerar que o recurso, na verdade, não tem relação direta com questões constitucionais, poderá devolver os autos ao Superior Tribunal de Justiça. Igualmente interessante é o disposto no artigo 1.033 do CPC/15, que prevê que o Supremo Tribunal Federal, ao considerar como reflexa a ofensa à constituição federal abordada no recurso extraordinário, providenciará a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial. Cassio Scarpinella Bueno5 ensina que: "os arts. 1.032 e 1.033 são novidades trazidas pelo CPC de 2015. Diferentemente do que ocorre na hipótese do art. 1031, eles não tratam de dois recursos, extraordinário e especial, interpostos concomitantemente. Há, aqui, apenas, um recurso, especial ou extraordinário, e a discussão sobre quem é competente para julgá-lo consoante o enfoque que seja dada à matéria nele versada. (...). Ambas as regras representam importante novidade trazida pelo CPC de 2015 para combater as dificuldades decorrentes da inconstitucionalidade reflexa, que, em termos práticos, acaba gerando verdadeiro vácuo de competência. Ademais, cabe acentuar que ambos os dispositivos, os arts. 1.032 e 1.033, são reflexo inquestionável do modelo de processo cooperativo desejado pelo CPC de 2015 desde seu art. 6º". O artigo 1034 do CPC/15 evidencia a natureza especial/extraordinária dos recursos, os quais versam eminentemente sobre a aplicação do direito, e não sobre a revisão de fatos ou provas. Nos termos do parágrafo único do artigo 1034 do CPC/15, caso o recurso venha a ser admitido por um dos seus fundamentos, o efeito devolutivo abarcará inclusive os demais fundamentos para a solução da matéria recorrida. Teresa Arruda Alvim6 ensina que: "Trata-se de atribuir ao efeito devolutivo dos recursos excepcionais dimensão vertical: ou seja, possibilidade que o tribunal conheça, uma vez reconhecida a ilegalidade ou a inconstitucionalidade com repercussão geral, das demais causas de pedir ou dos demais fundamentos da defesa". A importância da repercussão geral para o recurso extraordinário vem prestigiada no artigo 1.035 do CPC/15. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá de recurso extraordinário que não tenha matéria reconhecida como repercussão geral, a qual se configura com a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, as quais ultrapassam os interesses das partes do processo. A repercussão geral deve ser demonstrada em capítulo do recurso extraordinário, competindo ao Supremo Tribunal Federal, em caráter exclusivo, verificar se a mesma está presente no caso concreto. A repercussão geral é presumida quando o recurso extraordinário impugna acórdão que contraria súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, bem como que tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal. Cassio Scarpinella Bueno7 ensina que: "O art. 1035 disciplina como deve ser feita a demonstração da repercussão geral do recurso extraordinário, verdadeiro requisito de admissibilidade específico daquela espécie recursal. Requisito este que só pode ser examinado privativamente pelo STF, o qual só poderá negar seguimento ao recurso, por esse fundamento, por decisão de dois terços de seus membros, isto é, pelo entendimento de oito ministros (art. 102, parágrafo terceiro, da CF). (...). Para o parágrafo primeiro do art. 1035, a repercussão geral consiste na existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo". O relator do recurso extraordinário, quando da análise da repercussão geral, pode autorizar a participação de terceiros (artigo 138 do CPC/15), nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Teresa Arruda Alvim8 ensina que: "Este dispositivo, à luz do NCPC, seria até desnecessário, já que a nova lei abriu, expressamente, e de maneira ilimitada, o leque de hipóteses em que pode haver intervenção do amicus curiae. Para que haja intervenção deste terceiro, cuja razão de ser é levar ao juiz/desembargador/ministro dados a respeito da questão constitucional e/ou uma visão diferente da questão a ser decidida, ou própria de certa categoria econômica, basta que o julgador entenda necessária ou útil esta participação...". Uma vez reconhecida a repercussão geral no recurso extraordinário, o relator determinará a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes no território nacional, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão. O recurso que teve a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Caso o interessado tenha o objetivo de evitar o sobrestamento do trâmite de recurso extraordinário intempestivo, é possível que o mesmo apresente requerimento de inadmissão do recurso extraordinário perante o tribunal a quo, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se. Caso este requerimento seja indeferido, com a manutenção do sobrestamento do recurso extraordinário, o interessado poderá interpor agravo interno. O agravo interno também deve ser utilizado para recorrer-se da decisão que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Uma vez negada a existência de repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários que tiveram o seu trâmite suspenso e que versam sobre matéria idêntica9. O CPC/15 também de dedica a regular o regime de julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. O artigo 1036 do CPC/15 estipula que sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para fins de julgamento no regime de recursos repetitivos, observado o disposto no regimento interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. O presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem deve selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando-se a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região. O relator no tribunal superior poderá, ainda, selecionar outros recursos representativos da controvérsia. Caso o interessado tenha o objetivo de evitar o sobrestamento do trâmite de recurso extraordinário ou especial intempestivo, é possível que o mesmo apresente requerimento de inadmissão do recurso extraordinário ou especial perante o tribunal a quo, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se. Caso este requerimento seja indeferido, com a manutenção do sobrestamento do recurso extraordinário ou especial, o interessado poderá interpor agravo interno. Caso o tribunal de origem não tenha a iniciativa de selecionar recursos representativos da controvérsia, o relator no tribunal superior também poderá fazer a seleção, indicando 2 ou mais recursos representativos da matéria repetitiva. O CPC/15 tem o cuidado de indicar aos tribunais que selecionem, para fins de afetação, recursos admissíveis e que contenham abrangente argumentação acerca da matéria repetitiva a ser julgada10. Nos termos do artigo 1.037 do CPC/15, o relator, no tribunal superior proferirá decisão de afetação, na qual determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Uma vez intimadas da decisão de suspensão de seu processo, as partes poderão demonstrar a distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado; requerendo-se o prosseguimento do seu processo, devendo a outra parte ser intimada para se manifestar no prazo de 5 dias. Este pedido será dirigido: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; e (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário, cujo processamento houver sido sobrestado11. A decisão que resolver o requerimento acima referido será recorrível por agravo de instrumento, caso tenha sido proferida por magistrado em primeira instância. Por outro lado, caberá agravo interno, caso a decisão tenha sido proferida no tribunal de origem ou superior. O artigo 1.038 do CPC/15 confere ao relator a possibilidade de solicitar ou admitir manifestação de terceiros em conformidade com o artigo 138 do CPC/15, bem como fixar data para audiência pública. O relator também pode requisitar informações aos tribunais de origem, os quais terão 15 dias para cumprir a determinação. O Ministério Público será intimado para se manifestar em 15 dias após o recebimento das informações. Cassio Scarpinella Bueno12 lembra que "o inciso I do art. 1038 permite ampla participação de terceiros intervenientes na qualidade de amici curiae. São aqueles intervenientes que farão as vezes das 'pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria', observando, desde que não haja restrição à sua ampla participação, fundamentada genericamente no art. 138, o que dispuser o RISTF e do RISTJ". Após essas providências instrutórias, o caso será julgado, sendo que o conteúdo do acórdão deverá abranger os fundamentos relevantes da tese jurídica debatida. Em homenagem à uniformização de jurisprudência, o artigo 1.039 do CPC/15 prescreve que, uma vez decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados considerarão prejudicados os recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os julgarão em conformidade com a tese firmada pelo tribunal superior. No caso de se considerar inexistente repercussão geral no recurso extraordinário afetado, os tribunais considerarão automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários que tiveram seu trâmite suspenso. Também em linha com a necessidade de uniformização de jurisprudência, o artigo 1.040 do CPC/15 é cristalino ao dispor que, uma vez publicado o acórdão paradigma: (i) o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; (ii) o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; (iii) os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; (iv) se os recursos versarem sobre questão relativa à prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada13. Antes de ser proferida sentença, uma vez fixada a tese vinculante firmada no regime de julgamento repetitivo, a parte autora, independentemente do consentimento do réu, poderá desistir da ação em curso na primeira instância, caso a questão seja rigorosamente idêntica à matéria que foi objeto do julgamento. Caso a desistência ocorra antes de apresentada a contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. Se, nos termos do artigo 1.041 do CPC/15, o tribunal de origem mantenha o acórdão divergente, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior para fins de julgamento14. O agravo do artigo 1.042 do CPC/15 é cabível contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial. Todavia, caso a decisão do tribunal de origem seja fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos, caberá agravo interno, e não o agravo de que trata o artigo 1042 do CPC/15. A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal a quo, devendo o agravado ser intimado para resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Após o prazo de resposta, não havendo retratação do tribunal a quo, o agravo será remetido ao tribunal superior competente. Conforme dispõe o parágrafo quinto do artigo 1.042 do CPC/15, o agravo poderá ser julgado conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, sendo assegurado, neste caso, o direito à sustentação oral. Caberá um agravo para cada respectiva decisão de inadmissão de recurso especial e extraordinário. Ou seja, a parte deverá interpor agravo contra a respectiva decisão que inadmitiu o recurso especial e outro agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso extraordinário. No caso de interposição conjunta de ambos os agravos, os autos serão remetidos primeiramente ao Superior Tribunal de Justiça. Após concluído o julgamento do agravo pelo Superior Tribunal de Justiça, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do agravo a ele dirigido, salvo se estiver prejudicado em razão do julgamento do primeiro agravo dirigido ao Superior Tribunal de Justiça15. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1658. 2 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 713. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1661. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1662. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 719. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1668. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 713. 8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1672. 9 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 715. 10 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1679. 11 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1683. 12 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 727. 13 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 728. 14 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 732. 15 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 733.
Rogerio Mollica A tutela de evidência prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil é uma das muitas "inovações" do novo CPC. O previsto no inciso I, quanto a possibilidade de concessão de tutela provisória independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte já fazia parte do CPC/73. Já a previsão do inciso II, quanto a concessão no caso das alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante se alinha com a tônica do CPC/2015, que é o respeito aos precedentes. Como se sabe, muitas vezes os procuradores dos Entes Públicos se vêm compelidos a contestar e continuar discussões já pacificadas de forma contrárias ao Poder Público, logo, de muita valia pode ser a tutela de evidência quando se litiga em face do Poder Público. O instituto ainda gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública e se as limitações impostas pelo artigo 1.059 seriam aplicáveis também à tutela de evidência e não somente à tutela de urgência. O cabimento da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública parece não trazer qualquer dúvida. Entretanto, como se sabe, o CPC/2015 compilou várias limitações existentes na legislação esparsa quanto ao cabimento de tutelas provisórias em face dos entes públicos. De fato, prevê o artigo 1059: "À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1o a 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7o, § 2o, da Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009". Essas são as clássicas limitações à concessão de tutelas de urgência para a liberação de mercadorias provenientes do exterior, compensação de tributos e pagamento de rendas e proventos a funcionários públicos. Pela análise fria da lei, as limitações abrangeriam também as tutelas de evidência, eis que o artigo 294 prevê que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou, recentemente, tutela de evidência em face do Fazenda Pública, eis que contrária ao artigo 1.059 do CPC/2015, conforme se depreende do seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Indeferimento do pedido de concessão do benefício da justiça gratuita - Juntada de declaração de insuficiência de recursos que vem ao encontro da presunção legal, inexistindo fatos que possam desaboná-la - Pedido de concessão de tutela de evidência, compreensivo do pagamento de valores vencidos desde a data da nomeação, na base da declaração de inconstitucionalidade da regra do artigo 3º-A da LC 432/85 - Impossibilidade de "pagamento de qualquer natureza", à vista da regra do artigo 1.059 do CPC, que se reporta à norma do art. 7º, § 2º, da LF 12.016/09 - Recurso parcialmente provido.(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2215559-86.2017.8.26.0000; Relator (a): Luiz Sergio Fernandes de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Publicação: 20/3/2018) O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 35 prevendo que: "As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência"1. Leonardo Carneiro da Cunha entende que "cabe a tutela provisória de evidência contra a Fazenda Pública, ressalvados os casos de vedação legal quanto à hipótese do inciso IV do art. 311"2. Portanto, o artigo 1.059 não deve ser aplicado para os casos de concessão de tutela de evidência baseada em casos repetitivos ou em súmula vinculante, eis que nesses casos temos praticamente uma certeza quanto a existência do direito e a tutela definitiva só não é entregue de imediato, pois ainda há um trâmite processual a transcorrer. Tal posição é a que melhor se coaduna com a segurança jurídica e com a interpretação sistemática do CPC/2015 e com o seu principal alicerce, o respeito aos precedentes. __________ 1 Nesse sentido também é o entendimento de Fredie Didier Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 04, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 660. 2 A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 321.
Daniel Penteado de Castro Uma das inovações presentes no CPC/2015 quanto ao tema honorários advocatícios diz respeito a base de cálculo de incidência da verba honorária advocatícia fixada na sentença. Enquanto o art. 20, § 3º, do CPC/73 previa que os honorários seriam fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, sobre o valor da condenação, o dispositivo correspondente, desta feita o art. 85, § 2º, do CPC/2015, manteve o percentual de 10% a 20%, porém, "(...) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (...)." (grifou-se) A inteligência do novel dispositivo buscou compensar situações de disparidade, principalmente em ações passivas em que, no regime do CPC/73, ao demandado, vencedor, lhe caberia a sorte de sujeitar-se ao arbitramento de honorários fixados por equidade, cujas regras estão alheias ao subjetivismo do julgador (art. 20, § 4º, do CPC/73). O arbitramento de honorários por equidade, no regime do CPC/2015, ficou reservado ao art. 85, § 8º, para hipóteses pontuais, quais sejam: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º."1 (grifou-se). A literal redação do art. 85, § 2º sedimentou qualquer dúvida quanto a base de cálculo para fixação de honorários advocatícios, restringindo as poucas hipóteses que autorizam a fixação de honorários por equidade. Nesse sentido a doutrina e enunciados interpretativos são maciços: "Seguramente haverá o debate se este § 8.º pode ser utilizado para minorar os honorários, caso o resultado da fixação, conforme os critérios previstos nos diversos parágrafos, leve a uma quantia muito elevada. A resposta deve ser negativa. A opção do legislador foi clara, o presente parágrafo foi inserido com a finalidade de afastar as condenações em valores irrisórios. Assim, é diametralmente oposto ao previsto na legislação aplicar este dispositivo para diminuir os honorários fixados conforme critérios legais."2 "O novo CPC mudou esse cenário. O § 2º do seu art. 85 dispõe que, em qualquer caso, a fixação dos honorários de sucumbência de 10% a 20% sobre o valor da condenação; ou, se este não houver, sobre o valor do proveito econômico; ou, se este não for possível mensurar, sobre o valor dado à causa. (...) O § 8º acrescenta que, se o valor do proveito econômico for irrisório ou inestimável, ou se o valor da causa for muito baixo, na hipótese de incidência dessa base de cálculo, o juiz deverá determinar um valor fixo, conforme os critérios dos incisos do § 2º. Esse valor fixo, por óbvio, jamais poderá ser menor do que a quantia que seria arbitrada a partir do valor do proveito econômico ou do valor da causa."3 "A base de cálculo sempre será 'o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, o valor atualizado da causa', pouco importando se a demanda foi julgada procedente, improcedente ou extinta sem o julgamento de mérito."4 "Enunciado n. 6º, do Conselho da Justiça Federal. A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC." De sorte que o Superior Tribunal de Justiça corroborou a aplicação do art. 85º, § 2º, limitado arbitramento de honorários por equidade somente as hipóteses previstas no § 8º, do aludido dispositivo. Nesse sentido são os entendimentos da 2ª, 3ª e 4ª turmas: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, § 2º, DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Não há falar em aplicação do art. 20, § 4º, do CPC/1973 quando a sentença foi prolatada já na vigência do novo diploma processual civil, sendo imperativa a observância das regras previstas no art. 85, § 2º, do CPC/2015. 3. Deve ser afastada a fixação por equidade, haja vista que a hipótese não se enquadra no § 8º do art. 85 do CPC/2015. 4. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AREsp 1197199/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 19/06/2018, DJe 25/06/2018, grifou-se) "ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. SERVIDORAS DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADMITIDAS A PARTIR DE 2003. DIFERENÇAS DE 24% DE REAJUSTE SALARIAL DECORRENTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL N.º 1.206/87, NO PONTO EM QUE EXCLUIU OS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DE AUMENTO CONCEDIDO AOS DEMAIS SERVIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANIFESTAÇÃO DESTA CORTE APENAS QUANDO FOR IRRISÓRIO OU EXCESSIVO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. I - O Superior Tribunal de Justiça só intervém no arbitramento da verba honorária em situações excepcionais, quando estabelecidos em afronta a texto legal ou ainda em montante manifestamente irrisório ou excessivo, sem que para isso se faça necessário o reexame de provas ou qualquer avaliação quanto ao mérito da causa. II - Na espécie, o acórdão recorrido expressamente fixou os honorários advocatícios de sucumbência à luz dos critérios estabelecidos no art. 85, § 8º, do CPC/15, observadas as diretrizes dos incisos do § 2º. Nada obstante, assiste razão ao recorrente, haja vista ter havido negativa de vigência aos parágrafos 3º e 4º, inciso II, do artigo 85, uma vez que, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, primeiramente devem ser aplicados os parágrafos 3º e 4º com seus respectivos incisos e, subsidiariamente o §8º, apenas quando o proveito econômico for irrisório, ou o valor da causa muito baixo. III - Assim é, porque o inciso II, do §4º traz a solução, quando a Fazenda Pública for parte e não haja condenação principal ou não seja possível mensurar (estimar) o proveito econômico, determinando expressamente a utilização do valor atualizado da causa como base para aplicação dos percentuais previstos no § 3º, veja-se: "§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais: (...)§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º: (...) III - não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa". IV - Neste caso, de rigor a reforma do acórdão, para adequar a fixação dos honorários ao que previsto expressamente no texto legal, não havendo necessidade de incursão na matéria fático-probatória. Neste sentido: REsp 1179333/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 17/05/2010; REsp 531.136/SC, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 06/05/2004, DJ 02/08/2004, p. 503. V - Correta, portanto, a decisão recorrida que deu provimento ao recurso especial, fixando os honorários de sucumbência, distribuídos pro rata entre os sucumbentes (art. 87 do CPC/2015), em dez por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §4°, II c/c §3,1 do CPC/2015. VI - Agravo interno improvido." (STJ, AgInt no AREsp 1232624/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, J. 08/05/2018, DJe 14/05/2018, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES LEGAIS. NÃO OBSERVÂNCIA. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Tribunal Superior de Justiça tem afastado o óbice da Súmula nº 7/STJ, para rever a verba honorária arbitrada nas instâncias ordinárias, quando verifica que o julgador se distanciou dos critérios legais e dos limites da razoabilidade para fixá-la em valor irrisório. 3. O § 8º do art. 85 do CPC/2015 se aplica somente quando o valor da causa é muito baixo e, além disso, seja irrisório ou inestimável o proveito econômico experimentado. Caso contrário, os honorários advocatícios devem ser arbitrados a partir do valor da causa ou do proveito econômico experimentado, com obediência aos limites impostos pelo § 2º do art. 85 do CPC/2015, os quais se aplicam, inclusive, nas decisões de improcedência e quando houver julgamento sem resolução do mérito. 4. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AREsp 1187650/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 24/04/2018, DJe 30/04/2018, grifou-se) "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES PERCENTUAIS. OBSERVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. 2. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85] aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito". 3. No caso concreto, ante o julgamento de improcedência dos pedidos deduzidos em reconvenção, não se tratando de demanda de valor inestimável ou irrisório, faz-se impositiva a majoração da verba honorária, estipulada em quantia inferior a 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp 1731617/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 17/04/2018, DJe 15/05/2018, grifou-se) De igual modo, algumas câmaras do TJSP tem se curvado ao entendimento do STJ que, em verdade, tão somente vem aplicando a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Reconhecimento jurídico do pedido inicial pela ré-apelante - Extinção do processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 487, III, "a", do CPC/2015 - Pretendida dispensa da condenação da ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios - Inadmissibilidade - Inteligência do art. 90 do CPC - Fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa ou 10% de R$ 135.684,19 - Base de cálculo correta, não se aplicando a "apreciação equitativa" prevista no § 8º do art. 85 - Incidência da regra do § 2º do art. 85: fixação entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor atualizado da causa - Limites e critérios previstos nos §§ 2o e 3o aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão (...) Não se aplica a norma do § 8º do art. 85 do CPC/2015 ("apreciação equitativa do juiz"), que trata das hipóteses de "valor inestimável" da causa, de "irrisório proveito econômico" da demanda, ou "quando o valor da causa for muito baixo". No caso, o valor da causa não era inestimável, sendo, ao contrário, definido em valor certo, que não era baixo (R$ 135.684,19 em 02-12-2016). E o reconhecimento jurídico do pedido não afasta o proveito econômico da demanda, que continuou subsistindo independentemente da atitude tomada pela ré-apelante depois de citada para os termos da ação. Assim, não se encartando a hipótese dos autos numa daquelas que a lei autoriza a aplicação da "apreciação equitativa", incide a regra do § 2º do art. 85 do CPC: "Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa". (...)" (TJSP, Apelação 1131155-47.2016.8.26.0100, Rel. Álvaro Torres Júnior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 13/08/2018, grifou-se) "Embargos de declaração. Contradição reconhecida quanto ao critério utilizado para o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Inaplicabilidade da regra prevista no art. 85, § 8º, do CPC. Valor fixado em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do mesmo diploma legal. Embargos acolhidos, com efeitos modificativos. (...) De fato, não era o caso de arbitramento dos honorários por equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, uma vez que não era inestimável ou irrisório o proveito econômico da causa, tampouco era muito baixo o valor atribuído à causa. Conforme lição de Ronaldo Cramer sobre os parâmetros de fixação dos honorários de sucumbência, o §2º do artigo 85 dispõe que a definição da sucumbência deve ser entre 10% a 20% sobre o valor da causa, quando não houver valor da condenação ou não for possível mensurar o valor do proveito econômico. Ainda, sobre o paragrafo 8º do mesmo artigo, deve servir de critério quando os requisitos do § 2º tiverem valores irrisórios ou inestimáveis (Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, Coord. Cassio Scarpinella Bueno, Saraiva, 2017, p. 445). (...)" (TJSP, Embargos de Declaração n. 2147665-93.2017.8.26.0000, Rel. Hamid Bdine, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13/08/2018, grifou-se) "(...) Honorários sucumbenciais. Autor que pede a majoração, mediante a fixação da verba honorária advocatícia com base no § 2º do art. 85 do CPC e ré que, por sua vez, pugna pela redução do valor arbitrado por equidade em R$ 6.000,00. Regra § 8º do art. 85 do CPC que está restrita as situações expressamente previstas. Impossibilidade da fixação da verba honorária por equidade no caso concreto. Inteligência do § 2º do art. 85 do CPC. Honorários fixados em 11% do valor da causa, quantia apta a remunerar condignamente o advogado pelo trabalho realizado nos autos. Sentença parcialmente reformada. Recurso da ré desprovido, provido o recurso do autor, para fixar os honorários advocatícios em 11% do valor atualizado da causa, já considerado o trabalho realizado na fase recursal, nos termos do § 2º e 11 do art. 85 do CPC. (...)Assim, em regra a norma ostenta caráter objetivo, em relação aos patamares mínimo e máximo da verba, reservando ao julgador a ponderação acerca dos critérios estabelecidos no dispositivo em questão. A fixação por equidade dos honorários advocatícios está restrita às hipóteses do § 8º do art. 85 CPC, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo" (...)" (TJSP, Apelação n. 0900626-14.2012.8.26.0506, Rel. Rodolfo Pellizari, 6ª Câmara de Direito Privado, j.10/08/2018, grifou-se) "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. MAGISTRADO QUE, EM VIRTUDE DA SUCUMBÊNCIA DO AUTOR, FIXOU OS HONORÁRIOS, POR EQUIDADE, NO VALOR DE R$ 3.000,00. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. VALOR DA CAUSA ATRIBUÍDO EM R$ 84.044,80. MONTANTE LÍQUIDO QUE NÃO PODE, ADEMAIS, SER TIDO POR IRRISÓRIO. FIXAÇÃO POR EQUIDADE QUE APENAS SE JUSTIFICA QUANDO O VALOR DA CAUSA FOR INESTIMÁVEL, IRRISÓRIO OU MUITO BAIXO. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 8º DO NCPC. CASO EM QUE INCIDE O ART. 85, § 2º DO ESTATUTO PROCESSUAL. HONORÁRIOS MAJORADOS PARA 10% DO VALOR DA CAUSA. SENTENÇA REFORMADA NO TOCANTE. RECURSO PROVIDO." (TJSP, Apelação n. 1042885-47.2016.8.26.0100, Rel. Vito Guglielmi, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 06/10/2017, grifou-se) Em contrapartida, no mesmo tribunal é possível encontrar recentes entendimentos em sentido contrário, para se relativizar o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015, senão lhe conferir interpretação extensiva e na contramão de referido dispositivo: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Execução por título extrajudicial - Fixação - Hipótese em que a sistemática do § 2º, do art. 85, do NCPC, implicaria violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, acarretando enriquecimento sem causa e gravame excessivo - Aplicação por extensão dos critérios previstos no § 8º, do art. 85, do NCPC - Decisão mantida - Recurso improvido. (...) Assim, necessária se faz a interpretação sistemática da referida norma. E, com efeito, dispõe o art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil que a verba honorária deve ser fixada levando-se em consideração: i) o grau de zelo do profissional; ii) o lugar de prestação do serviço; iii) a natureza e a importância da causa; iv) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Ora, sem desmerecer o trabalho dos patronos do agravante, mas é inegável que a verba honorária pretendida por estes é excessiva. Não se questiona a dedicação dos profissionais contratados pelo agravante, mas a fixação da verba naquele patamar ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ressalte-se que o art. 85, § 8º do Código de Processo Civil assevera que: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o." Pois bem, se a fixação da verba honorária por equidade é permitida quando sua fixação se mostrar irrisória, de rigor utilizar-se uma interpretação extensiva do referido dispositivo para permitir sua aplicação quando a verba honorária se mostrar excessiva. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2089443-98.2018.8.26.0000, Rel. J. B. Franco de Godoi, 23ª Câmara de Direito Privado, j. 17/08/2018, grifou-se) "APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) Honorários. Redução da verba honorária. Valor fixado em montante exorbitante, diante da diminuta complexidade da causa. Impossibilidade, nesta hipótese, de utilização de percentual do valor da causa, admitindo-se, excepcionalmente, o arbitramento por equidade. Inteligência dos arts. 85, §2º, IV e §8º do CPC. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido." (TJSP, Apelação / Remessa Necessária 0211179-51.2013.8.26.0014, Rel. Djalma Lofrano Filho, 13ª Câmara de Direito Público, j. 15/08/2018, grifou-se) "(...) HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - Valor que se mostrou excessivo - Possiblidade de adoção da equidade como parâmetro - Aplicação do art. 85, § 8º do Código de Processo Civil - Considerados os parâmetros estabelecidos pelas alíneas do §2º, artigo 85, do Código de Processo Civil - Valor reduzido - Recurso oficial que se considera interposto - Ação, na origem, julgada procedente - Sentença reformada apenas para reduzir os honorários advocatícios - Recurso oficial desprovido, dando-se provimento ao recurso voluntário. (...) Entendo ser hipótese de exceção à regra do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil, em que a verba honorária deve ser arbitrada por equidade, nos termos do § 8º mencionado artigo legal. (...)" (TJSP, Apelação n. 1001372-70.2016.8.26.0142, Rel. Ana Liarte, 4ª Câmara de Direito Público, j. 13/08/2018, grifou-se) "(...) Sucumbência - Verba honorária - Advogado apelante que objetiva o arbitramento da verba honorária em 20% sobre o valor da causa, isto é, sobre R$ 59.638,20, atualizado desde o ajuizamento da ação, com apoio no art. 85, § 2º, do atual CPC - Descabimento - Fixação por equidade, com fundamento no art. 85, § 8º, do atual CPC - Aplicação do princípio da razoabilidade, consagrado no art. 8º do atual CPC, à verba honorária advocatícia - Precedentes do TJSP. Sucumbência - Verba honorária - Atual CPC que veda não apenas o aviltamento da verba honorária decorrente de sua fixação em patamar irrisório, mas também o seu arbitramento em valor que ocasione o enriquecimento sem causa - Justa remuneração devida ao advogado pelos serviços prestados que há de ser valorizada em cada caso - Verba honorária, de modo mais justo, estipulada em R$ 2.000,00 - Sentença reformada nesse ponto - Apelo do advogado da corré provido em parte. (...) O valor dos honorários advocatícios deve ser arbitrado por apreciação equitativa, prevista no art. 85, § 8º, do atual CPC. Ora, não é plausível que a legislação processual objetive impedir, de um lado, a fixação de honorários advocatícios irrisórios (art. 85, § 8º, do atual CPC), autorizando, de outro, a fixação de valor que importe em enriquecimento sem causa do advogado. Em cada caso, há de ser valorizada e preservada a justa remuneração devida ao advogado pelos serviços prestados. Por consequência, considerando-se o princípio do razoabilidade, consagrado no art. 8º do atual CPC, observados os critérios tipificados nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do atual CPC, ou seja, o grau e zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, afigura-se mais justo o arbitramento dos honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais). (...)"(TJSP, Apelação n. 1009814-17.2016.8.26.0565, Rel. José Marcos Marrone, 23ª Câmara de Direito Privado, j.16/08/2018, grifou-se) "Revisão de contrato bancário - Procedência - Apelação do autor visando à majoração do valor dos honorários advocatícios - Fixação por equidade - Art. 85, § 8º, do CPC - Razoabilidade - Aplicação do disposto no CPC, art. 85, § 2º, que importaria em enriquecimento sem causa do advogado, observadas as diretrizes dos seus incisos I, II, III e IV - Apelação não provida. (...) A possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa foi mantida em sua essência pelo Código de Processo Civil vigente, embora o dispositivo faça referência expressa às hipóteses em que o valor da causa for muito baixo ou o proveito econômico seja inestimável ou irrisório. Ao interpretar esta norma, a jurisprudência tem entendido que o objetivo não é apenas evitar a fixação de verba honorária em valor irrisório, mas também conter o arbitramento em montante exorbitante, que não se justifique. É razoável que a verba honorária seja arbitrada equitativamente nas ações que resultem em honorários advocatícios vultosos e incompatíveis com o trabalho exercido pelo profissional, sob pena de implicar em enriquecimento sem causa do advogado, situação vedada pelo ordenamento jurídico. (...)" (TJSP, Apelação n. 1006004-33.2017.8.26.0554, Rel. Gil Coelho, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 09/08/2018, grifou-se) "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cumprimento de sentença. Processamento do incidente rejeitado. Pretensão à majoração. Aplicação do §2º, do art. 85, do CPC, que redundaria em valor excessivo. Valor da causa elevado, que pode resultar em honorários incompatíveis com o trabalho desenvolvido no processo. Apreciação equitativa. Aplicação, por analogia, do §8º, do art. 85, CPC. Precedentes. Honorários bem fixados. Manutenção. Recurso não provido." (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2083066-14.2018.8.26.0000, Rel. Fernanda Gomes Camacho, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 10/08/2018, grifou-se) Consoante se verifica nos precedentes supra citados, a relativização do art. 85, § 2º é aplicada à luz de interpretação extensiva, do princípio da proporcionalidade e até rotulado como enriquecimento sem causa do patrono do vencedor na demanda. Respeitados os entendimentos acima, que revelam divergência jurisprudencial no seio do mesmo tribunal, não se pode perder de vista que o valor causa, da condenação ou do proveito econômico (adotados como base de cálculo para fixação da verba honorária advocatícia) também atuam como balizadores do ônus financeiro do processo. Em outras palavras, na medida em que os honorários advocatícios são fixados em percentual a incidir sobre os critérios estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC, a aplicação de referido dispositivo evita a formulação de pedidos munidos de valores exorbitantes e até mesmo irresponsáveis, porquanto o demandante, ciente de que em possível perda da demanda será aplicada verba honorária a incidir em percentual sobre o valor da causa, seguramente pleiteará em juízo proveito econômico ligado àquilo que efetivamente acredita ter razão. Também não se pode perder de vista que, sendo o custo do processo mais alto (porquanto a verba honorária advocatícias é fixada em percentual de 10% a 20% sobre o valor da causa, proveito econômico ou valor da condenação), por vezes tal regra também fomenta a cultura da conciliação, senão a colaboração das partes para, por meio de negociações extrajudiciais, evitarem, a todo custo, a judicialização da controvérsia, porquanto sabedoras de que sobre eventual sucumbência considerada em valores elevados também pesará a verba honorária incidente sobre uma condenação de grande vulto. Ainda, em eventual sucumbência e fixada a verba honorária nos moldes do art. 85, § 2º, do CPC, não se pode olvidar que o sucumbente/recorrente certamente pensará duas vezes quanto as efetivas chances de reforma ou anulação do julgado em recurso de apelação, porquanto ciente que daqueles honorários já fixados (ainda que considerados "exorbitantes"), uma vez mantida a decisão impugnada, haverá majoração da verba honorária advocatícia (art. 85, § 11º, do CPC/2015). Sob este prisma, tal medida também atinge um dos desideratos do CPC/2015, ligados a se mitigar a cultura da recorribilidade e desafogar a lotada pauta de julgamentos dos tribunais. Do contrário, salvo melhor juízo, o subjetivismo do aplicador da lei naquilo que enxerga como honorários "excessivos", "exorbitantes" que "agride o princípio da proporcionalidade" ou "que viabiliza o enriquecimento sem causa do patrono da parte", cujo grau interpretativo varia de julgador para julgador, não obstante trazer um juízo de incerteza e violador de novel dispositivo de um código que sequer completou três anos de vigência, vai na contramão do quanto apontado nos parágrafos acima, a viabilizar o ajuizamento de demandas pleiteando irresponsavelmente valores elevados para, em eventual sucumbência, a verba honorária advocatícia deixar de conter congruência alguma com o volume financeiro excessivamente pleiteado. A despeito da controvérsia instalada sobre ponto do CPC/2015 que parecia incontroverso, espera-se que as decisões emanadas do STJ sejam respeitadas, senão tenham a devida influência persuasiva na forma que impõe os arts. 926 e 489, § 6º, do CPC/2015, até porque, diga-se de passagem, cabe recurso especial na hipótese prevista no art. 105, III, "c", da Constituição Federal e, certamente, a expectativa das cortes superiores é diminuir o número de interposição de tal espécie recursal. __________ 1 E os critérios para aplicação da equidade permaneceram os mesmos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa e; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 2 DELLORE, Luiz. In. GAJARDONI, Fernando da Fonseca, DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte (coord.). Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 297, grifou-se. 3 CRAMER, Ronaldo. In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil - volume 1 (arts. 1 a 317). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 445, grifou-se. 4 LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. In. GOUVÊA, José Roberto F., BONDIOLI, Luis Guilherme A. e FONSECA, João Francisco N. (coords). Comentários ao código de processo civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 143.
André Pagani de Souza O parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 estabelece que "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível". Tal dispositivo mereceu aplausos da doutrina, conforme se pode verificar da lição de Cassio Scarpinella Bueno: "Merece destaque o parágrafo único do art. 932, segundo o qual é generalizado (corretamente) o dever de o relator criar oportunidade de o recorrente sanar vício, aprimorando, com a iniciativa, a regra que, no CPC de 1973, estava no art. 515, § 4º. Entendimentos radicais (e que já eram equivocados, mesmo à luz do CPC de 1973) como a Súmula 115 do STJ, que não permite a emenda ou correção de atos processuais no âmbito dos Tribunais, não devem subsistir no CPC de 2015. A previsão harmoniza-se com o 'dever-poder-geral de saneamento' previsto no art. 139, IX, e que encontra eco em diversos outros dispositivos do CPC de 2015, inclusive no § 1º do art. 938, que trata da dinâmica do julgamento colegiado" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 845). Também empolgados com o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015, estudiosos do direito processual civil, reunidos no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), formularam o enunciado interpretativo n. 551, cujo teor é o seguinte: "Cabe ao relator, antes de não conhecer do recurso por intempestividade, conceder o prazo de cinco dias úteis para que o recorrente prove qualquer causa de prorrogação, suspensão ou interrupção do prazo recursal a justificar a tempestividade do recurso". Pois bem, não é assim que o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o CPC/2015, como se pode perceber da leitura da ementa de recente julgado abaixo transcrita: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. COMPROVAÇÃO DE FERIADO LOCAL (SEGUNDA-FEIRA DE CARNAVAL E QUARTA-FEIRA DE CINZAS) APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 1.003, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 932 DO NCPC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. Assim, inaplicável à hipótese o entendimento firmado por esta Corte, ainda sob a ótica do regramento processual previsto no Código de Processo Civil de 1973, no sentido de admitir a comprovação, em agravo interno, da ocorrência de feriado local ou suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, como pretende o agravante. 2. De fato, 'a intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis' (AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017). 3. Na contagem dos prazos dos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça cuja interposição deva ser realizada nos Tribunais estaduais, excluem-se os dias referentes à segunda-feira de carnaval e à quarta-feira de cinzas, que não são feriados nacionais, desde que o recorrente comprove, no ato de interposição, que em tais datas não houve expediente forense no Poder Judiciário estadual. 4. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1255609/AL, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)" Tal interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado acima referido está alinhada com o comando do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, que dispõe expressamente que "o recorrente comprovará a ocorrência e feriado local no ato de interposição do recurso". Trata-se, portanto, de regra específica (a do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015) que prevalece sobre a regra geral (a do parágrafo único do art. 992 do CPC/2015), no que diz respeito à inadmissibilidade de recursos. Por isso, é preciso tomar cautela no ato de interposição dos recursos especiais e dos recursos extraordinários a fim de se verificar se eventual feriado que aconteça no curso do prazo para sua interposição é previsto em lei federal. Se não o for, trata-se de feriado local e por isso deve ser comprovada a sua existência no ato de interposição, nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015. Ou seja, nesse último caso, deve-se apresentar cópia da lei ou ato normativo local que criou o respectivo feriado, sendo insuficiente a mera alegação de que se trata de feriado. Se o recurso for protocolado sem a comprovação de que houve feriado local ou ausência de expediente forense, ele não deve ser conhecido por intempestividade à luz do entendimento atualmente apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Em cumprimento de sentença, foi proferida decisão que resolveu a impugnação apresentada pelo executado declarando a inexistência de crédito em favor do exequente. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo exequente, pois ele entendeu que houve a extinção da fase de cumprimento de sentença e, consequentemente, do processo como um todo. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) entendeu que o recurso cabível era o de agravo de instrumento e julgou manifestamente inadmissível a apelação, negando seguimento ao apelo do exequente. O acórdão do TJMG foi proferido após o recorrente interpor embargos de declaração da decisão monocrática que havia negado seguimento ao recuso e, depois, agravo interno da decisão monocrática que manteve a negativa de seguimento da apelação. Eis a ementa do acórdão: "EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL - DECISÃO PROLATADA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CABÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART.1.015,§ ÚNICO, DO NOVO CPC. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão proferida em sede de cumprimento de sentença. (AGRAVO INTERNO CV Nº 1.0024.11.166819-0/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Ferenzini, negaram provimento ao recurso, v. u., j. 02.02.2017, DJe 10.10.2017)" O fundamento dado pelo acórdão acima referido para não admitir o recuso foi o seguinte: "(...) Assim, nos termos do art. 1.015, do novo CPC, o recurso contra decisões proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento (...)". Com efeito, o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". Ocorre que a decisão acima mencionada não levou em consideração o disposto no § 1º do art. 203 do CPC/2015 que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" (grifos nossos). A parte final do § 1º do art. 203 do CPC/2015 deixa claro que a decisão que extingue a execução é uma sentença. No caso sob análise, ao se reconhecer que não há crédito em favor do exequente na fase de cumprimento de sentença, não se pode negar foi extinta a execução fundada em título judicial. Ora, se a decisão é sentença, o caput do art. 1.009 do CPC/2015 prescreve que "da sentença cabe apelação". Cumpre mencionar que o exequente nesse caso concreto interpôs Recurso Especial do acórdão do TJMG e que tal recurso foi julgado em 22.05.2018 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão da 4ª Turma, cujo relator foi o ministro Luís Felipe Salomão, conforme foi noticiado no dia 12.06.2018 pelo referido Tribunal Superior (RESP n. 1.698.344/MG)1. Como era de se esperar, o Recuso Especial em questão foi conhecido e provido, por unanimidade, pela 4ª Turma do STJ. Tal acórdão ainda não foi publicado, mas a notícia dada pelo Tribunal Superior a respeito do julgamento é a seguinte: "(...) De acordo com o relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá o agravo de instrumento nos demais casos. Para as situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou a julguem improcedente, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões não extinguem totalmente o processo. 'No caso dos autos, a decisão que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, a meu ver, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)', disse Salomão (...)2. Em razão do exposto, é importante sintetizar a posição adotada pelo STJ, para todos os que precisam interpretar e aplicar o "CPC na Prática": - se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, caberá recurso de apelação; - se a decisão proferida no cumprimento de sentença acolher apenas parcialmente a impugnação caberá agravo de instrumento; - se a decisão proferida julgar improcedente a impugnação, caberá agravo de instrumento. Nos dois últimos casos, a solução acerca do recurso cabível não poderia ser outra, pois com a improcedência da impugnação ou com o seu acolhimento parcial, o que acontecerá será que a fase de cumprimento de sentença continuará seu curso adiante e não haverá extinção do processo ou fase recursal. ___________ 1 É cabível apelação da decisão que julga procedente impugnação em cumprimento de sentença. Acesso em 19/6/2018. 2 Idem.
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Luiz Guilherme Marinoni2 observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)." Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. Por isso, as manifestações jurisprudenciais autorizando a aplicação do artigo 190 do CPC/15 se mostram interessante norte para a consolidação dos contornos a serem observados pelas partes quando da celebração do negócio processual atípico. No julgamento do Agravo de Instrumento 2002087-65.2018.8.26.0000, conforme acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Gomes, a 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser plenamente cabível o negócio processual atípico para prever medidas constritivas contra o devedor, afastando-se a decisão de primeira instância que havia julgado pela inconstitucionalidade do artigo 190 do CPC/15: "Agravo de instrumento Execução de título extrajudicial - Instrumento particular de confissão de dívida - Cláusula contratual que prevê, em caso de novo inadimplemento, a possibilidade de penhora e arresto de bens antes mesmo da citação Indeferimento da pretensão na origem, sob fundamento de inconstitucionalidade do art. 190 do CPC. Descabimento. A partir do advento do novo CPC, é possível às partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses - Negócio jurídico celebrado entre partes plenamente capazes. Medidas constritivas autorizadas, fixando-se, todavia, a penhora de recebíveis de cartões de crédito e de ativos financeiros a 15% dos valores que vierem a ser encontrados, até quitação integral da dívida, para não inviabilizar a continuidade das atividades da empresa - Decisão reformada - Recurso parcialmente provido. (...). Na espécie, o que se tem da avença celebrada é que o credor anuiu em receber a dívida de forma parcelada e sem atualização, enquanto que os agravados acordaram com a efetivação, no caso de inadimplência, de atos processuais de constrição antecipados e facilitados em caso de eventual descumprimento. Referida convenção revela-se compatível com os princípios e garantias constitucionais. De outro lado, a assertiva dos devedores de que assinaram o instrumento sem orientação jurídica não pode ser aceita, ausente qualquer comprovação da ocorrência de vício de consentimento, dolo, erro, fraude ou coação que pudesse inquiná-lo de nulidade. Registre-se, por oportuno, que a execução é feita no interesse do credor (art. 797 do CPC), sendo inquestionável que já vem sofrendo prejuízos em razão do inequívoco inadimplemento dos devedores. Ademais, a providência pretendida contribuirá de maneira mais célere para a efetividade do processo executivo, cuja finalidade principal é justamente a expropriação de bens do devedor para a satisfação integral do crédito perseguido. (...).Nesse passo, ratifica-se o efeito ativo concedido, para que seja efetivado o arresto sobre os direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária que o fiador Naoto Carlos Saito possui sobre o imóvel constante da matrícula 38.936 1º CRI de Santos/SP - (fls. 54/56 autos principais). De outro lado, igualmente admissível a constrição sobre recebíveis de cartões de crédito no percentual de 15%, até a satisfação do crédito. Outrossim, defere-se, também, o arresto 'on line' sobre 15% do montante que eventualmente for encontrado nas contas correntes e aplicações financeiras de titularidade dos executadas, percentual esse também adotado para não inviabilizar as atividades dos devedores. Por fim, embora sustentem os executados que a constrição no percentual de 15% prejudicará a continuidade das atividades da empresa, nada restou comprovado nos autos, ficando, portanto, mantido esse montante, podendo sofrer eventual revisão, contudo, caso efetivamente demonstrada tal necessidade." Na mesma linha de admissão do artigo 190 do CPC/15, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento - Nº 1404094-69.2018.8.12.0000 - Dourados, em acórdão relatado pelo Desembargador Vilson Bertelli, entendeu pela possibilidade de as partes celebrarem negócio processual atípico para prever a denunciação da lide da empresa seguradora: "E M E N T A - AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL - MEDIDA JUDICIAL BENÉFICA ÀS PARTES - DEFERIMENTO. Nos termos do artigo 190 do Código de Processo Civil, o magistrado não pode interferir no negócio jurídico processual, consistente na denunciação da lide, mesmo quando regularizada após o início da instrução do processo, com o objetivo de incluir a seguradora na condição de denunciada, especialmente quando essa medida judicial beneficia as partes e contribui para solução definitiva da crise de direito material, fundamento da demanda, e estão preenchidos os requisitos legais. Recurso provido". Quanto ao artigo 190 do CPC/15, aponta que: "Essa regra veio a consagrar a possibilidade de as partes firmarem negócios processuais, antes severamente negado por parte da doutrina processual. Mesmo quando admitido, o negócio processual se limitava a hipóteses tipificadas, como a eleição do foro. A norma do Código de Processo Civil de 2015 criou, a exemplo do direito inglês e francês, uma cláusula geral de modo a permitir que as partes incluam como objeto de negociação processual a situação das partes e do procedimento. Dinamarco acentua que esses ajustes se configuram em verdadeiros atos de autorregulação dos próprios interesses, essência de todos os negócios processuais. Constituem-se em declarações de vontade destinadas a produzir efeitos. Premiam a autonomia da vontade e, por serem atos processuais dado que praticados no processo pelos sujeitos processuais, são negócios jurídicos processuais. O Artigo 190 do CPC, ao final, estabelece que tais negócios processuais podem ter por objeto o procedimento e as posições jurídicas processuais. Além disso, é de ser exigido o preenchimento dos requisitos de validade de qualquer negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Esses requisitos podem ser sindicados pelo juiz, como todo e qualquer requisito de validade. No caso concreto, esses requisitos estão evidenciados. As partes são capazes, o objeto é lícito (denunciação da lide) e a forma escrita foi observada, visto que as partes, ainda que em momentos diferentes, manifestaram-se no mesmo sentido, pela admissão da intervenção de terceiro. Tal negociação incidiu sobre o procedimento, qual admissão de ampliação subjetiva e objetiva da demanda, em fase posterior à inicial, consagrada para tal fim. Incidiu, de igual modo, sobre a posição jurídica das partes, de maneira a permitir que o poder de denunciação pudesse ser exercido após a regularização de mero aspecto formal, consistente na apresentação ulterior da apólice de seguro correta. A circunstância de prejudicar o término da fase instrutória também não justifica o indeferimento da denunciação da lide. A negociação processual é permitida em qualquer fase do processo, e independe de homologação judicial. Vale dizer, só se admite intervenção quando há nulidade, visto que o ordenamento jurídico em vigor não autoriza o magistrado a interferir na vontade das partes de mudarem o procedimento, o ônus, os poderes, faculdades e deveres processuais. Aliás, a inclusão da empresa Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros beneficia ambas as partes, especialmente se o pedido inicial for acolhido. A autora será beneficiada porque poderá apresentar cumprimento de sentença diretamente contra seguradora, conforme posicionamento jurisprudencial atual, e a empresa ré/denunciante não terá a necessidade de ajuizar demanda de regresso. Ademais, a presença da denunciada, como litisconsorte da ré, ampliará o contraditório e contribuirá para a instrução e solução justa da demanda. A solução prestigia fortemente os princípios da economia e da eficiência (CPC, art. 8º). Não bastassem esses argumentos, o contraditório foi respeitado e será observado, ao permitir que a litisdenunciada ingresse como sujeito do processo e participe de todo o procedimento, da fase instrutória, inclusive. Diante disso, deve ser deferida a denunciação da lide porque havia contrato de seguro na época do acidente, houve negócio jurídico processual sobre essa matéria e é medida judicial voltada à solução definitiva da crise de direito material. Não se ignora, outrossim, o fato da empresa ré ter requerido a denunciação no momento oportuno, na contestação, que só não foi deferida em razão do equívoco na juntada da apólice do seguro vigente no ano anterior ao acidente, mas o referido seguro foi renovado posteriormente. Não houve, portanto, preclusão temporal." Ambos os julgados prestigiaram a aplicação do artigo 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. Mas é certo que o Poder Judiciário ainda terá o desafio de consolidar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
Rogerio Mollica As tutelas de urgência sofreram grandes transformações com o Código de Processo Civil de 2015. Dentre as inovações, se destaca o instituto da estabilização da tutela antecipada antecedente, que vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do Direito. Uma das grandes controvérsias reside em se saber se a estabilização só pode ser evitada pelo ajuizamento de agravo de instrumento pelo réu ou se outras formas de resistência seriam suficientes para que não tenhamos a referida estabilização. O "caput" do artigo 304 prevê que "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso". Portanto, na literalidade da lei, somente o ajuizamento do agravo de instrumento seria passível de evitar a estabilização. Entretanto, a doutrina tem amenizado tal exigência, permitindo que outras formas de resistência do Réu impossibilitem a estabilização. Nesse sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno ao prever que outras manifestações do réu são bastantes para evitar a estabilização, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização1. No mesmo sentido é o entendimento expresso por Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca: "(...) qualquer ato de resistência do réu diante da demanda (p. ex., contestação) ou qualquer ato de insurgência contra a decisão antecipatória (p. ex., reclamação), manifestado no período de recorribilidade desta, barra a estabilização"2. Já Fernando da Fonseca Gajardoni exclui a Contestação de tal rol ao prever que: "Em realidade, ao condicionar a inexistência de estabilização à interposição de recurso, o legislador usou atecnicamente a expressão recurso. Não haverá a estabilização se adotado pelo interessado qualquer expediente processual tendente a cassar a decisão que deferiu a tutela antecipada. Além do recurso de agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau (artigo 1.015, I, do CPC/2015), embargos de declaração com efeitos infringentes contra a decisão concessiva da tutela antecipada (art. 1.022 do CPC/2015), e agravo interno contra as decisões das relatorias nos tribunais nos pedidos de tutela antecipada antecedente de competência originária (artigos 932, II, e 1.021 CPC/2015), também afasta a estabilização o manejo de reclamação contra a decisão antecipatória de tutela (artigos 988 e 992 do CPC /2015), especialmente por conta da natureza de sucedâneo recursal do instrumento, quase um recurso per saltum. Pedido de reconsideração, por não ter o condão de reformar a decisão concessiva da antecipação de tutela, não impede a estabilização em uma primeira reflexão sobre o tema, à luz da disposição legal. A dúvida presente, e que ainda merece melhor reflexão, é a relacionada aos pedidos de suspensão da segurança (artigo 15 da Lei nº 12.016/2009) ou de liminar (art. 4º da Lei nº 8.437/1992): por não terem propriamente o condão de reformarem a decisão concessiva da antecipação de tutela, mas só de suspendê-las, impediriam a estabilização"3. A possibilidade da contestação evitar a estabilização ainda se mostra controversa em nossa jurisprudência, sendo que temos decisões favoráveis nesse sentido do Tribunal de Justiça de São Paulo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - O deferimento da liminar não acolheu o disposto nos artigos 303 e 304 do NCPC - Decisões que refutaram o pedido de estabilização da tutela sem interposição oportuna de recurso pela autora- Matéria Preclusa- Condomínio réu contestou tempestivamente e expressamente a ação- Inércia não configurada- RECURSO NÃOCONHECIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2131939-16.2016.8.26.0000; Relator (a): Ana Catarina Strauch; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2016; Data de Registro: 27/10/2016) Em seu voto a Desembargadora prevê expressamente: "Ademais, ainda que assim não fosse, o oferecimento da contestação, afasta por completo o pedido de estabilização da tutela". Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em recente julgado, decidiu que a apresentação de contestação não seria apta a afastar a estabilização da tutela: "PROCESSO CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA. CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INÉRCIA DO RÉU. NÃO APRESENTAÇÃO DE RECURSO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. - Em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas não há nulidade na decisão que declarou a estabilização da tutela quando o autor deixa claro no âmbito da inicial que pretende se valer do instituto e na medida em que o réu não demonstrou qualquer prejuízo em razão do aditamento ter sido mencionado na inicial. - Não é possível realizar uma interpretação ampliativa do art. 304 do CPC quando o legislador expressamente afirma que a decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela em caráter antecedente "torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso" - Configura-se a inércia do réu caso não interponha recurso próprio da decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela, ainda que tenha apresentado contestação." (g.n.) (TJMG - Apelação Cível 1.0372.16.002432-2/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/05/2018, publicação da súmula em 13/06/2018) Portanto, dada a insegurança jurídica causada pela dúvida quanto a estabilização ou não de tutelas que não foram agravadas, mas sofreram outras formas de resistência, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça defina, em definitivo, a referida questão. __________ 1 Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed.,São Paulo: Saraiva, 2016, p. 283. No mesmo sentido é o enunciado 43 do Fórum Nacional do Poder Público: "Qualquer medida impugnativa apresentada pela Fazenda Pública que controverta o direito sobre o qual se funda a antecipação de tutela concedida em caráter antecedente constitui meio idôneo para impedir a estabilização da demanda, prevista no art. 304 do CPC." 2 Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 49ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 374. 3 Teoria geral do Processo - Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 899/900.
Daniel Penteado de Castro A chamada tutela da evidência, a qual se ocupa o art. 311, do CPC, pressupõe, consoante faz eco o caput do dispositivo, técnica de concessão de tutela provisória "(...) independentemente da demonstração de risco ao resultado útil do processo". Dentre as hipóteses previstas nos incisos I a IV, do CPC, cuidaremos neste breve ensaio de examinar o tratamento dado pela jurisprudência quanto ao inciso IV, do art. 311, autorizador de referida tutela provisória quando: "IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável." A primeira constatação que emerge do comentado inciso pressupõe que a tutela provisória tipificada no art. 311, IV, do CPC, pressupõe prévia oportunidade de contraditório a ser franqueada ao réu. Tal constatação emerge não só (i) da leitura do inciso IV, porquanto somente após a apresentação de defesa que poderá o réu gerar dúvida razoável frente a documentação trazida na petição inicial, (ii) mas também da redação do parágrafo único do art. 311, forte em dizer que somente as hipóteses previstas nos incisos II e III autorizam a concessão liminar da tutela da evidência1. Por sua vez, são inúmeros os pleitos de tutela provisória fundada no art. 311, IV equivocadamente formulados sem que antes tenha se materializado o contraditório. Tais requerimentos açodados restaram afastados à exaustão2: "Direito de vizinhança. Antes de decidir sobre pedido de concessão de tutela de evidência fundado no art. 311, IV, do CPC/2015, o juiz deve dar oportunidade de manifestação à parte contrária. Exegese dos art. 9º, caput, da lei processual. Recurso improvido. (...) O MM. Juiz a quo não indeferiu o pedido de concessão de tutela de evidência formulado pela autora, mas apenas assinalou a necessidade de que, antes da decisão, seja dada oportunidade de manifestação à ré. (...) A pretensão da agravante, porém, conforme sua narrativa e fundamento jurídico expressamente invocado, se baseia na previsão do art. 311, IV, do CPC/2015, que trata da concessão da tutela de evidência quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável". Nesse contexto, de fato revela-se imprescindível a providência determinada na origem, de dar à parte contrária oportunidade de manifestação antes de decidir sobre o deferimento ou não da liminar. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2052376-02.2018.8.26.0000, Rel. Gomes Varjão, 34ª Câmara de Direito Privado, j. 28/3/2018, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de obrigação de fazer c.c. perdas e danos - Pedido de concessão de tutela de evidência - Indeferimento - Necessidade da formação do contraditório, nos termos do inciso IV do artigo 311 do Código de Processo Civil - Deferimento da referida tutela que poderá ser reanalisada após a contestação - Decisão mantida - Recurso não provido. (...) O agravante pleiteia o deferimento da tutela de evidência com base no inciso IV do artigo 311 do Código do Processo Civil (fls. 15). Pois bem. Ressalta-se que a tutela de evidência será concedida com fundamento no art. 311 do CPC, sendo que, nos termos do inciso IV, quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficientes dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável" (grifos nossos). Assim, o referido dispositivo exige expressamente a necessidade da formação do contraditório, de modo que se deve aguardar a resposta do Banco agravado para que seja apreciada a pretensão do agravante. (..)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2045221-45.2018.8.26.0000, Rel. Irineu Fava, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 9/5/2018, grifou-se) "Agravo de instrumento. Sociedade. Formalização da retirada do autor. Tutela de evidência. Previsão do artigo 311, IV, e parágrafo único, do CPC. Necessidade de se aguardar o contraditório. Razões atinentes a situação de urgência, agora deduzidas, se devem antes levar à origem, em pedido então de tutela provisória própria. Decisão mantida. Recurso desprovido. (...) Como se colhe dos termos expressos da inicial, ademais o que se repete no agravo, o autor formulou pedido de tutela de evidência, fundado na previsão do artigo 311, IV, do CPC. Porém, como soa claro de seus termos e ainda do disposto no parágrafo único do mesmo artigo, o deferimento, nesta situação, está condicionado à prévia citação. Apenas nas hipóteses dos incisos II e III é que a tutela se pode deferir liminarmente. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2109276-05.2018.8.26.0000, Rel. Claudio Godoy, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 18/6/2018, grifou-se) Em outra oportunidade, concluiu-se que, a despeito de carecerem os requisitos para a concessão da tutela da evidência tipificados no art. 311, IV (porquanto ainda não se encontrava presente a oportunidade de prévio contraditório) a tutela provisória há de ser concedida sob o fundamento da urgência, a se autorizar, sob este prisma, sua concessão liminarmente: "Societário. Tutela de urgência. Ação de dissolução parcial de sociedade c.c. apuração de haveres. Decisão que indeferiu a tutela de evidência e de urgência visando a imediata retirada da autora da sociedade. Hipótese de tutela de evidência que não admitiria a concessão de liminar (art. 311, IV e parágrafo único do CPC/2015). Possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado de cunho familiar. Precedentes do STJ. Requisitos para a concessão de tutela de urgência (art. 300 caput do CPC/2015) presentes no caso concreto. Rés que ao contestar a ação e ao responder ao recurso não se opõem ao pedido de retirada da autora do quadro de acionistas. Perda da affectio societatis evidenciada. Probabilidade do direito alegado pela autora. Sociedade que vem apresentando sucessivos e expressivos prejuízos, rateados entre os acionistas. Risco de dano grave ao patrimônio da autora, de impossível ou difícil reparação. Tutela de urgência concedida para que seja anotada na JUCESP a retirada da autora do quadro de acionistas da sociedade a partir do ajuizamento da ação. Agravo provido. (...) Antes, porém, afasta-se a possibilidade de concessão de tutela de evidência, pois das hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 311 do CPC, a única em que se poderia enquadrar a pretensão da agravante seria a do inciso IV, de acordo com a qual é possível a concessão da tutela de evidência, independentemente de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando "a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável". Ocorre que nos termos do parágrafo único do art. 311 do CPC, só é possível a concessão de liminar nas hipóteses dos incisos II e III. Por outro lado, não há dúvida quanto à possibilidade da dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado de natureza familiar, sendo farta a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça neste sentido (AgInt no REsp 1568664/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/08/2017, DJe 05/09/2017; REsp 1321263/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 06/12/2016, DJe 15/12/2016; REsp 917531/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/11/2011, DJe 1/12/2012, dentre outros). (...) Isso significa que enquanto permanecer na condição de acionista da empresa, o que não mais deseja e ao o que as agravadas não se opõem, estará a agravante exposta ao risco de diminuição de seu patrimônio por conta dos prejuízos rateados entre os acionistas. Assim sendo, o recurso é provido para que com fundamento no art. 300 caput do CPC seja concedida a tutela de urgência postulada pela agravante, com a sua imediata retirada do quadro de acionistas da agravada Gradual Holding Financeira S/A, expedindo-se ofício para a Junta Comercial do Estado de São Paulo JUCESP para que seja efetuado o registro na ficha cadastral da sociedade da retirada da agravante a partir da data da distribuição da ação. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2110151-09.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 29/9/2017, v.u., grifou-se) Por sua vez, o preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados (i) "petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor", (ii) "a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável" oscila consoante o livre convencimento do magistrado, mediante decisão que, à saciedade, deve ser amplamente fundamentada tal qual impõe o arts. 489, § 1º, II, e 11, ambos do CPC e 93, IX, da CF, sob pena de nulidade. Em especial a subsunção de "gerar dúvida razoável" não pressupõe que a tutela provisória prevista no art. 311, IV, do CPC, há de ser concedida sempre que a contestação deixar de juntar documentação que se contraponha à prova apresentada pelo autor. Por vezes, a despeito da ausência de juntada de documentos, os argumentos presentes na contestação, mercê a impugnação da própria prova documental carreada pelo autor, podem gerar dúvida razoável, a impedir a concessão da tutela da evidência ora comentada. Até porque, a formação do livre convencimento motivado prescinde da circunstância da contestação deixar de carrear prova em suas mais variadas espécies. Nesse sentido já se afastou a concessão da tutela da evidência ao fundamento da precariedade de prova do fato constitutivo do direito do autor: "Agravo de Instrumento Acidente do Trabalho Tutela da Evidência Imediata implantação do auxílio-acidente Requisitos do art. 311, IV, do Código de Processo Civil em vigor, não comprovados Matéria que demanda contraditório e eventual dilação probatória. (...) O agravante sustenta que, nos termos do artigo 311, IV, do CPC/2015, há prova documental suficiente dos fatos constitutivos de seu direito, uma vez que existe CAT documentando o infortúnio e laudo médico comprovando sequelas permanentes em mão esquerda. Nestes termos, busca a imediata implantação do auxílio-acidente (fls. 01/06). (...) Com efeito, limitou-se o obreiro a trazer relatório médico particular, portanto unilateral, atestando a existência de sequelas, bem como exame de raio X (fls. 12/13). O fato de ter sido submetido a intervenção cirúrgica, com colocação de hastes metálicas, não significa necessariamente a caracterização de efetivo déficit funcional, tampouco consolidação das lesões. Anoto, ainda, que a parte ré indeferiu a benesse administrativamente de maneira fundamentada, caracterizando-se dúvida razoável quanto aos requisitos legais (fls. 10). Frise-se que a prova nas ações acidentárias é predominantemente pericial, de modo que, no caso, a mesma se mostra necessária à averiguação dos imperativos legais. Assim sendo, acertada se mostrou a decisão de primeiro grau, merecendo ser mantida. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2060194-39.2017.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Felipe Nogueira, v.u., j. 25/4/2017, v.u., grifou-se) A novel hipótese prevista no art. 311, IV, do CPC, despida de correspondência com o CPC/73, guardará novos contornos e interpretações a serem moldadas pela jurisprudência e que certamente serão apontadas para conhecimento em cumprimento e utilidade da presente coluna, valendo nesta oportunidade informar os poucos posicionamentos que circundam o tema. __________ 1 A despeito da previsão legal presente no parágrafo único, questiona-se a finalidade de tanta pressa em se conceder liminarmente uma tutela provisória institucionalmente informada pela característica de ausência de demonstração da urgência, tal qual reza o caput do art. 311. 2 No mesmo sentido, confira-se: TJSP, Agravo de Instrumento n. 2224347-26.2016.8.26.0000, Rel. A. C. Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 23/11/2016; TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2201122-40.2017.8.26.0000, Rel. Azuma Nishi, 25ª Câmara de Direito Privado, j. 23/11/2017.
André Pagani de Souza Em cumprimento de sentença, foi proferida decisão que resolveu a impugnação apresentada pelo executado declarando a inexistência de crédito em favor do exequente. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo exequente, pois ele entendeu que houve a extinção da fase de cumprimento de sentença e, consequentemente, do processo como um todo. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG) entendeu que o recurso cabível era o de agravo de instrumento e julgou manifestamente inadmissível a apelação, negando seguimento ao apelo do exequente. O acórdão do TJ/MG foi proferido após o recorrente interpor embargos de declaração da decisão monocrática que havia negado seguimento ao recuso e, depois, agravo interno da decisão monocrática que manteve a negativa de seguimento da apelação. Eis a ementa do acórdão: "EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL - DECISÃO PROLATADA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CABÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART.1.015,§ ÚNICO, DO NOVO CPC. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão proferida em sede de cumprimento de sentença. (AGRAVO INTERNO CV Nº 1.0024.11.166819-0/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Ferenzini, negaram provimento ao recurso, v. u., j. 02.02.2017, DJe 10/10/2017)" O fundamento dado pelo acórdão acima referido para não admitir o recuso foi o seguinte: "(...) Assim, nos termos do art. 1.015, do novo CPC, o recurso contra decisões proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento (...)". Com efeito, o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". Ocorre que a decisão acima mencionada não levou em consideração o disposto no § 1º do art. 203 do CPC/2015 que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" (grifos nossos). A parte final do § 1º do art. 203 do CPC/2015 deixa claro que a decisão que extingue a execução é uma sentença. No caso sob análise, ao se reconhecer que não há crédito em favor do exequente na fase de cumprimento de sentença, não se pode negar foi extinta a execução fundada em título judicial. Ora, se a decisão é sentença, o caput do art. 1.009 do CPC/2015 prescreve que "da sentença cabe apelação". Cumpre mencionar que o exequente nesse caso concreto interpôs Recurso Especial do acórdão do TJMG e que tal recurso foi julgado em 22.05.2018 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão da 4ª Turma, cujo relator foi o Min. Luís Felipe Salomão, conforme foi noticiado no dia 12/6/2018 pelo referido Tribunal Superior (RESP n. 1.698.344/MG)1. Como era de se esperar, o Recuso Especial em questão foi conhecido e provido, por unanimidade, pela 4ª Turma do STJ. Tal acórdão ainda não foi publicado, mas a notícia dada pelo Tribunal Superior a respeito do julgamento é a seguinte: "(...) De acordo com o relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá o agravo de instrumento nos demais casos. Para as situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou a julguem improcedente, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões não extinguem totalmente o processo. 'No caso dos autos, a decisão que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, a meu ver, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)', disse Salomão (...)2. Em razão do exposto, é importante sintetizar a posição adotada pelo STJ, para todos os que precisam interpretar e aplicar o "CPC na Prática": - se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, caberá recurso de apelação; - se a decisão proferida no cumprimento de sentença acolher apenas parcialmente a impugnação caberá agravo de instrumento; - se a decisão proferida julgar improcedente a impugnação, caberá agravo de instrumento. Nos dois últimos casos, a solução acerca do recurso cabível não poderia ser outra, pois com a improcedência da impugnação ou com o seu acolhimento parcial, o que acontecerá será que a fase de cumprimento de sentença continuará seu curso adiante e não haverá extinção do processo ou fase recursal. __________ 1 É cabível apelação da decisão que julga procedente impugnação em cumprimento de sentença. Acesso em 19/6/2018.   2 Idem.
Elias Marques de Medeiros Neto O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É inegável a preocupação do legislador com a efetividade do processo, competindo ao magistrado assegurar que o litigante tenha, na medida do possível, praticamente aquilo que ele naturalmente teria se não precisasse ir ao Poder Judiciário1. A preocupação com a efetividade do processo é uma tônica constante no universo processual moderno, sendo um verdadeiro desafio para a ciência processual auxiliar na eficaz arquitetura de ferramentas para que o Poder Judiciário possa conferir ao jurisdicionado uma tutela tempestiva, oportuna e adequada, de forma a lhe conceder o bem da vida devido em conformidade com o direito material vigente. E dentro desse espírito, voltado à plena efetividade da tutela jurisdicional executiva, defende-se a mitigação do princípio da tipicidade dos atos executivos; o qual consiste na necessidade de que as ferramentas executivas a serem utilizadas pelo credor e manejadas pelo Poder Judiciário estejam exaustivamente previstas em lei. Justamente visando-se a máxima eficiência da execução, buscando tutelar o direito constitucional à efetividade do processo, desde que observado o sistema processual como um todo e o devido processo legal, é certo que o magistrado pode e deve buscar os mais eficazes meios executivos para satisfazer o direito do exequente. A mitigação do princípio da tipicidade dos meios executivos consiste, portanto, no poder conferido ao magistrado para criar as melhores condições para que a tutela executiva realmente seja efetiva e possa garantir a realização do direito devido ao credor. Essa mitigação também se faz possível nas hipóteses em que os meios típicos existentes se mostrem insuficientes para cumprir o seu fim, merecendo aperfeiçoamentos no caso concreto; claro que tudo em observância aos princípios do sistema processual vigente e ao devido processo legal, em especial. Sem prejuízo da predominância da responsabilidade patrimonial, e na linha de obter-se um processo civil cada vez mais efetivo, os poderes atípicos do magistrado se relacionam com a tendência da jurisprudência, da doutrina e do legislador de adotarem posturas que incentivam o magistrado a manejar, cada vez mais, medidas executivas que tendem a persuadir o executado a adimplir a obrigação exigida; seja através de medidas de incentivo ao espontâneo adimplemento, seja através de técnicas de coerção que acabam atingindo a esfera de direitos do executado. Mas é inegável, nos termos do devido processo legal e do próprio artigo 805 do CPC/15, que o artigo 139, IV, do CPC/15 não pode ser manejado pelo magistrado de forma desproporcional; atropelando-se direitos e garantias fundamentais do devedor, com a adoção de medidas que não guardam relação direta, ou mesmo indireta, com o propósito de incentivar o devedor a cumprir suas obrigações no processo de execução e/ou auxiliar, de fato, o credor a obter o adimplemento da prestação que lhe é devida. A importância de um modelo cooperativo de processo civil, também pautado pelo respeito às garantias constitucionais, bem como pela observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, podem ajudar na construção das diretrizes necessárias para a aplicação do artigo 139, IV, do novo CPC. O tema desperta muitas polêmicas. Para Fernando da Fonseca Gajardoni2, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, e "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)". Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno3, no sentido de que o artigo 139 revela: "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiaridades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiaridades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional". Teresa Arruda Alvim4, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC ser interpretado: "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell5, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de dívida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Como visto, já há rica polêmica quanto à aplicação do inciso IV do artigo 139 do CPC/15. A doutrina e a jurisprudência terão importante papel na definição dos limites da aplicação dos meios atípicos de execução. Daí a extrema relevância do voto do ministro Luis Felipe Salomão, proferido no julgamento do RHC 97.876/SP, ocorrido em 5/6/2018 no Superior Tribunal de Justiça, pelo qual se entendeu, para aquele caso concreto, que o Poder Judiciário não poderia determinar, com base no artigo 139, IV, do CPC/15, a suspensão do passaporte do devedor. Para o ministro Luis Felipe Salomão, se faz necessária uma leitura constitucional do artigo 139, IV, do CPC/15: "Assim, é possível afirmar que, se o art. 139, IV, da lei processual, que estendeu a positivação da atipicidade dos atos executivos, teve como escopo a efetividade, é indubitável também que devem ser prestigiadas as interpretações constitucionalmente possíveis. Vale dizer, pois, que a adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurarse-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. É que objetivos pragmáticos, por mais legítimos que sejam, tal qual a busca pela efetividade, não podem atropelar o devido processo constitucional e, menos ainda, desconsiderados direitos e liberdades previstos na Carta Maior"; e "Com efeito, não bastasse a consonância com os preceitos de ordem constitucional, o que os doutrinadores têm reconhecido é que, diante da inumerável aplicação do art. 139, IV, a verificação da proporcionalidade da medida se impõe, segundo a "sub-máxima" da adequação e da necessidade. Não sendo a medida adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, serão contrárias à ordem jurídica". Conclui o ministro que a suspensão do passaporte do devedor restringiu o direito de ir e vir e não poderia ser medida licitamente justificada, no caso concreto, com base no artigo 139, IV, do CPC/15: "No caso dos autos, observada a máxima vênia, quanto à suspensão do passaporte do executado/paciente, tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Com efeito, não é difícil reconhecer que a apreensão do passaporte enseja embaraço à liberdade de locomoção do titular, que deve ser plena, e, enquanto medida executiva atípica, não prescinde, como afirmado, da demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir indevidamente direito fundamental de índole constitucional (art. 5º, incisos XV e LIV). Nessa senda, ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Não bastasse isso, como antes assinalado, o próprio diploma processual civil de 2015 cuidou de dizer que, na aplicação do direito, o juiz não terá em mira apenas a eficiência do processo, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade. Destarte, o fato de o legislador, quando da redação do art. 139, IV, dispor que o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias, não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade. Assim, entendo que a decisão judicial que, no âmbito de ação de cobrança de duplicata, determina a suspensão do passaporte do devedor e, diretamente, impede o deslocamento do atingido, viola os princípios constitucionais da liberdade de locomoção e da legalidade, independentemente da extensão desse impedimento. Na verdade, segundo penso, considerando-se que a medida executiva significa restrição de direito fundamental de caráter constitucional, sua viabilidade condiciona-se à previsão legal específica, tal qual se verifica em âmbito penal, firme, ademais, no que dispõe o inciso XV do artigo 5° da Constituição Federal, segundo o qual "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". A meu juízo, raciocínio diverso pode conduzir à aceitação de que medidas coercitivas, que por natureza voltam-se ao "convencimento" do coagido ao cumprimento da obrigação que lhe compete, sejam transformadas em medidas punitivas, sancionatórias, impostas ao executado pelos descumprimentos, embaraços e indignidades cometidas no curso do processo. Nesse passo, cumpre ressaltar que, no caso dos autos, não foi observado o contraditório no ponto, nem tampouco a decisão que implementou a medida executiva atípica apresentou qualquer fundamentação à grave restrição de direito do executado". Por outro lado, entendeu o Ministro que a medida de suspensão de CNH não poderia ser objeto de Habeas Corpus, por não restringir, no caso concreto, o direito de ir e vir do devedor: "Noutro ponto, no que respeita à determinação judicial de suspensão da carteira de habilitação nacional, anoto que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir do paciente, portanto, neste ponto o writ não poderia mesmo ser conhecido. Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo. De fato, entender essa questão de forma diferente significaria dizer que todos aqueles que não detém a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção. Com efeito, e ao contrário do passaporte, ninguém pode se considerar privado de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo ou mesmo por o ser, mas não poder se utilizar dessa habilidade. É fato que a retenção deste documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza". Relevantíssimo é o julgamento do RHC 97.876 - SP pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que o tema desperta muita polêmica. Porém, independentemente da polêmica existente, pode-se afirmar que o magistrado, na aplicação dos poderes atípicos previstos no inciso IV do artigo 139 do CPC/15, deve zelar pela efetividade do processo, observando as garantias e os princípios constitucionais, o princípio da proporcionalidade, o princípio da razoabilidade, e sempre tendo como norte um modelo cooperativo de processo civil. __________ 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 319. 2 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: VVAA. O novo Código de Processo Civil, questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 5 COELHO, Marcus Vinicius Furtado et al. O novo Código de Processo Civil: breves anotações para a advocacia. Brasília: OAB; Conselho Federal, 2016. p. 28.
Rogerio Mollica Em 1/6/2017, o colega Daniel Penteado de Castro escreveu nessa coluna sobre o Agravo de instrumento contra decisões relativas à prova. Passado um ano, as controvérsias sobre a ampliação do rol e o cabimento do agravo em matéria probatória, só aumentaram. A limitação ao cabimento de agravos de instrumento vem desde muito recebendo críticas de nossa Doutrina, conforme se depreende do entendimento do professor Daniel Amorim Assumpção Neves: "Lamenta-se que o projeto procure acabar com um problema pontual de alguns tribunais com a limitação de um relevante recurso, expondo a parte a ilegalidades e injustiças praticadas pelo juízo de primeiro grau. A recorribilidade somente no final do processo será um convite aos tribunais de segundo grau a fazer vista grossa a eventuais irregularidades, nulidades e injustiças ocorridas durante o procedimento. Na realidade, os tribunais serão colocados diante de um dilema: se acolherem a preliminar de contestação ou contrarrazões, dão um tiro de morte no princípio da economia processual: se fizerem vista grossa e deixarem de acolher a preliminar pensando em preservar tal princípio, cometerão grave injustiça, porque tornarão, na prática, a decisão interlocutória irrecorrível. Há decisões interlocutórias de suma importância no procedimento que não serão recorríveis por agravo de instrumento: decisão que determina a emenda da petição inicial; decisão sobre a competência absoluta ou relativa; decisões sobre prova, salvo na hipótese de exibição de coisa ou documento (art. 1015, VI, do Novo CPC) e na redistribuição do ônus probatório (art. 1.015, XI, do Novo CPC); a decisão que indefere o negócio jurídico processual proposta pelas partes; a decisão que quebra o sigilo bancário das parte, etc." (Novo Código de Processo Civil, 3 ed., Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p. 626) Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Júnior defendem que "as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento são taxativas, o que não impede que a interpretação extensiva de algumas daquelas hipóteses. A decisão que rejeita a convenção de arbitragem é uma decisão sobre competência, não sendo razoável afastar qualquer decisão sobre competência do rol de decisões agraváveis, pois são hipóteses semelhantes, que se aproximam, devendo receber a devida graduação e submeter-se ao mesmo tratamento normativo"1. Tal entendimento relativo à competência foi inclusive respaldado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP nº 1.679.909/RS (relator ministro Luís Felipe Salomão), que já foi objeto inclusive de análise nessa coluna2. Por esse entendimento, seria possível a aplicação extensiva dos incisos VI (exibição ou posse de documento ou coisa) e XI (redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º) do artigo 1.015 para abranger outras decisões relativas à prova. Em matéria probatória, os Tribunais ainda estão reticentes em adotar essa maior extensão, entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recentíssimo acórdão, entendeu que seria possível a interposição de agravo de instrumento para a redução de honorários periciais fixados em primeira instância: "Agravo de instrumento - Interposição contra decisão de arbitramento de honorários de perito em ação de cobrança - Admissibilidade - Hipótese em que, apesar de a decisão recorrida não estar inserida dentre aquelas que admitem recorribilidade imediata por agravo de instrumento, a controvérsia será inútil se apenas for reclamada em sede de apelação ou em contrarrazões de apelação (recorribilidade mediata, CPC, art. 1.009, § 1º) - Observância dos princípios constitucionais da ampla defesa, da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ação de cobrança - Cooperativa de médicos - Unimed de Taubaté - Rateio de prejuízo entre médicos cooperados apurado no exercício de 2014 - Determinação de realização de perícia contábil - Hipótese em que na comarca de origem estão sendo ajuizadas diversas ações de cobrança com a mesma finalidade, nas quais têm sido determinadas perícias contábeis - Peritos que têm atuado em mais de um processo e, por isso, já possuem conhecimento prévio do objeto da pericia - Complexidade do trabalho relativizada - Observância, ademais, de ser a perícia um munus a ser desempenhado no auxílio e em cooperação com a prestação jurisdicional, de modo que o valor a remunerá-la não pode inviabilizar a realização da prova e nem tampouco onerar exageradamente as partes - Redução determinada, com a faculdade de o perito aceitar ou não a designação conforme remuneração ora arbitrada - Recurso conhecido e provido." (g.n.) (Agravo nº 2240960-87.2017.8.26.0000, relator Des. Maurício Pessoa, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 3/4/2018). Sem dúvida as decisões atinentes a honorários periciais possuem grande urgência e muitas vezes não se pode esperar o julgamento da apelação para que sejam decididas, eis que caso a parte não deposite imediatamente tais honorários, a prova que lhe incube não será efetuada, com os consequentes prejuízos da não realização. Desse modo, tal insegurança jurídica deve ser rapidamente dirimida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do RESP repetitivo 1.704.520 /MT, eis que com a possível extensão do rol do artigo 1.015, muitas partes estão sendo obrigadas a agravar de questões não expressamente previstas no referido dispositivo, sob pena de eventualmente ter a matéria preclusa quando do julgamento da apelação / contrarrazões. __________ 1 "Agravo de Instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento", in Revista de Processo, n. 242, São Paulo: RT, 2015, p. 280. 2 Coluna de 8/3/2018, de Elias Marques de Medeiros Neto.
Daniel Penteado de Castro A sustentação oral, quando articulada de forma clara, objetiva e em complementação a pretéritos memoriais entregues aos julgadores, constitui ferramenta importantíssima como desdobramento do contraditório e ampla defesa. Em especial diante da ausência da figura do revisor, quando do julgamento dos recursos em que o sistema assegura o proferimento de sustentação oral, consoante rol taxativo do art. 937 do CPC1, não é incomum, por vezes, após o proferimento das razões de defesa oral por parte do respectivo patrono da parte e voto a este contrário prolatado pelo digno relator, o segundo juiz pedir vistas ou, até mesmo, vistas sucessivas dos autos serem solicitadas pelo segundo e terceiro juiz, os quais, após ouvirem a sustentação oral apresentada no prazo regimental, decidirem por examinar melhor a causa. Ato contínuo, dada a suspensão do julgamento e melhor consulta dos autos a requerimento do segundo juiz e/ou terceiro juiz, não é incomum que referidos julgadores votem contrariamente ao relator ou até mesmo o relator ceder aos argumentos postos pelos demais pares e mudar seu voto em favor à tese veiculada em sustentação oral, a se coroar efetivamente o debate em prol do princípio da colegialidade no plano recursal. Não por outra razão que em determinadas causas sensíveis, por vezes, quando da remessa em pauta para julgamento, determinado causídico é constituído com a finalidade específica de proferir sustentação oral e, a depende da complexidade da causa, formula requerimento pleiteado o adiamento da sessão de julgamento designada com vistas a melhor estudo da causa ao recém constituído patrono, sessão essa cujo adiamento, em regra sobrestá o julgamento por mais uma semana até a data da sessão subsequente. O CPC/73 era claríssimo ao prever, na inteligência de seu art. 565, a faculdade do patrono requerer o adiamento de julgamento do recurso para a sessão subsequente quando desejasse proferir sustentação oral2, pleito este que não costumava haver muito óbice de deferimento, dada a expressa previsão no diploma anterior. Por sua vez, o CPC/2015 deixou de prever semelhante prerrogativa ou dispositivo correspondente, a deixar ao alvedrio dos tribunais o asseguramento do respectivo adiamento. Na Justiça Estadual Paulista, o art. 146 trata da ressalva do direito ao adiamento, porém não aponta, objetivamente, quais seriam as respectivas hipóteses ensejadoras de tal dilação3. Frente a referida omissão legislativa, o tratamento acerca do tema tem sido variado. Nesse prisma, o não atendimento de expresso requerimento da parte destinado o prolação de sustentação oral constituiu motivo hábil de anulação do julgamento proferido sem o exame de referido pleito: "Embargos de declaração. Omissão. Embargos acolhidos, para anulação do acórdão, uma vez que não observada a solicitação de adiamento para realização de sustentação oral. Embargos acolhidos. (.) De rigor o acolhimento dos embargos de declaração, uma vez que realmente verificado o erro em não retirar o processo da pauta de julgamento, diante da pretensão à realização da sustentação oral pretendida, do qual me penitencio. No dia em que pautado o julgamento do apelo, este Relator teve também a sessão da Turma Especial da Subsessão II de Direito Privado deste Tribunal de Justiça, de modo que houve a necessidade de dividir-se entre as duas sessões. Como não era possível estabelecer o momento exato em que poderia me fazer presente na sessão desta 37ª Câmara de Direito Privado, e de modo a não obrigar os patronos a aguardar por um momento incerto, ajustou-se que os pedidos de sustentação oral seriam retirados de pauta. No entanto, neste caso houve um desencontro de informações e o julgamento prosseguiu. Confirmada a então solicitação de sustentação oral, configura-se a irregularidade reclamada, diante do que se faz necessária a anulação do julgamento então realizado, de modo a possibilitar a realização da sustentação oral. (.)" (TJ/SP, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. João Pazine Neto, j. 16/5/2017, v.u., grifou-se.) Em outra oportunidade, sob a vigência do CPC/2015, o TJ/SP entendeu que o julgamento do recurso, sem que seja franqueada a parte a oportunidade de realizar sustentação oral (quando requerido de forma antecipada o respectivo adiamento, justificadamente), constitui nulidade absoluta do julgado: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO "MANDADO DE SEGURANÇA" Pleito de adiamento da sessão de julgamento para possibilitar a realização de sustentação oral Patrono intimado de audiência de instrução e julgamento a ocorrer no mesmo dia Requerimento não observado Julgamento realizado na data originalmente designada, sem sustentação oral do patrono Violação ao devido processo legal Nulidade do acórdão Remessa dos autos à mesa para novo julgamento, a ser proferido após sustentação oral do patrono EMBARGOS ACOLHIDOS. (.) Compulsando os autos, constata-se que, na petição de fl. 98, o impetrante efetivamente solicitou o adiamento da sessão de julgamento designada para 21/02/17, bem como a realização de sustentação oral. Com efeito, ficou devidamente comprovado à fl. 99 que o impetrante fora intimado de audiência de instrução e julgamento, referente a outro processo (processo n° 1007696-42.2014.8.26.0564), a se realizar exatamente no mesmo dia da sessão de julgamento. Conforme se constata de tira de julgamento de fl. 100, e do acórdão de fls. 101/105, o pleito do autor não foi levado em consideração, tendo a sessão de julgamento ocorrido na data originalmente designada (21/02/17), sem a sustentação oral do patrono do impetrante. Assim, é flagrante a nulidade absoluta do acórdão proferido às fls. 101/105, que não conheceu do recurso do impetrante. De fato, o julgamento do writ sem a possibilidade de o patrono realizar sustentação oral devidamente requerida configura flagrante violação ao devido processo legal, motivo pelo qual deverá ser realizado novo julgamento, em data a ser oportunamente designada. Portanto, de rigor seja reconhecida a nulidade do acórdão de fls. 101/105, com a consequente remessa dos autos à mesa para que seja proferida nova decisão colegiada, desta vez após sustentação oral do patrono do impetrante. Por esses fundamentos, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. (TJ/SP, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ana Catarina Strauch, j. 5/12/2017, v.u., grifou-se.) De igual sorte, a Corte paulista também entendeu que o pedido de adiamento formulado para proferimento de sustentação oral na sessão subsequente, uma vez não examinado e decidido, revela cerceamento de defesa e fundamento apto à anulação do julgado com vistas a se permitir a defesa oral oportunamente pleiteada: "Ementa: Embargos de Declaração Pleito de apresentação de sustentação oral que não foi analisado Cerceamento de defesa verificado Direito do defensor, no interesse de seu cliente, de apresentar sustentação oral quando do julgamento do recurso V. Acórdão anulado Recurso acolhido. (.) Há vícios no julgado. Com efeito, o Embargante às fls. 700, pleiteou o adiamento do julgamento a fim de que pudesse oferecer sustentação oral, pleito este que não foi analisado, tendo o recurso sido julgado sem resposta a tal pedido. Entendo que houve cerceamento de defesa, uma vez que é direito do defensor, no interesse de seu cliente, apresentar sustentação oral quando do julgamento do recurso, direito este que não foi assegurado ao defenso. Assim, anulo a decisão, com a determinação para que o recurso seja julgado novamente, abrindo-se prazo para que as partes se manifestem acerca do interesse em apresentar sustentação oral. Isto posto, pelo meu voto, acolho os embargos para sanar a omissão. (.)" (TJ/SP, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 20/3/2018, v.u., grifou-se) Por sua vez, também se entendeu que o requerimento de interesse na sustentação oral e adiamento do julgamento para a sessão subsequente não constituiu direito potestativo do advogado e, ainda, deve haver justa causa que legitime o respectivo adiamento: "Ementa: Agravo Regimental. Indeferimento de pedido de adiamento para sustentação oral. Parte que não comprova o impedimento alegado e possui outro advogado constituído. Ausência de direito potestativo do advogado ao adiamento da sessão de julgamento. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. Agravante que interpôs Recurso Especial contra o acórdão proferido na apelação sobre a qual reclama, neste recurso, o indeferimento do adiamento da sessão de julgamento. Recurso prejudicado pela perda do objeto recursal. RECURSO NÃO CONHECIDO. (.) Naquela sessão de julgamento, por unanimidade, o recurso de apelação interposto não foi conhecido por carência de pressuposto de admissibilidade pela ausência de pagamento do preparo. No presente agravo regimental, o Agravante defende que o art. 146 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça lhe confere o direito ao adiamento por uma sessão independente de justificativa. A decisão guerreada deixou consignado que: Indefiro o pedido de adiamento, a uma porque o requerente não traz qualquer comprovante do alegado impedimento para sua participação nesta seção, a duas porque a procuração outorgada pelo interessado Cristiano Campos Obrelli o fora não apenas para o ilustre causídico subscritor desta petição, mas também, para a não menos ilustre Dra. Regina Célia Domingues Mendes, OAB nº 89274, não havendo notícia de nenhum impedimento em relação entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "o artigo 565 do CPC não é direito potestativo do advogado o adiamento da sessão de julgamento. Há mera faculdade que será ou não concedida mediante a prudente avaliação do juiz". (REsp 956486-ES, rel. Min. Nancy Andrighi). No mesmo sentido: AgReg no AI 1.207.574/MG, rel. Villas Bôas Cueva; AgRg no AI 1.341.770, rel. Luiz Felipe Salomão. [destaquei] Acresça-se que sobre a alegação de "direito ao adiamento" para sustentação oral, o Embargante parte de equivocada premissa, no sentido de que o advogado tem direito potestativo ao adiamento, oponível à parte contrária e ao Órgão Colegiado julgador, do que, à evidência, não se pode cogitar, principalmente sobre a égide do atual CPC. O CPC não confere à parte o direito potestativo de adiar o julgamento. Ao contrário, o artigo 937, caput e § 2º estabelece que1: Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021: [...] § 2o O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. Logo, o advogado tem o direito de sustentar oralmente na sessão para a qual foi intimado com pelo menos cinco dias úteis de antecedência, conforme art. 935 do CPC (o que, diga-se de passagem, ocorreu no presente caso), como também tem o direito de pedir preferência para o julgamento, sem prejuízo de eventuais outras preferências. Entretanto, não pode submeter a parte contrária e o Órgão Colegiado ao seu talante, à sua conveniência, para adiar o julgamento sem apontar e provar justa causa. Agrava-se a situação quando se observa, no caso em tela, que o patrono que supostamente teria outros compromissos na data do julgamento não é o único a representar a parte, de forma que poderia a sua colega cujo nome também consta na procuração, realizar a sustentação oral pretendida se assim entendesse realmente conveniente. No que se refere ao invocado art. 146 do regimento Interno deste Tribunal de Justiça, convém que se faça a sua transcrição para a devida análise: Art. 146. Ressalvado o direito ao adiamento, o advogado, pretendendo fazer sustentação oral em sessão já designada, deverá comunicar o oficial de câmara até o início dos trabalhos e no local de sua realização, devendo observar-se a ordem dos pedidos. Essa regra regimental em nada aproveita ao patrono do Agravante na medida em que apenas faz a ressalva para o "direito ao adiamento" o qual pressupõe a observância de requisitos mínimos para seu exercício, em especial, a comprovação do impedimento, o que não se deu no caso em tela. (.) Assim, se o advogado quer sustentar oralmente, basta comparecer à sessão de julgamento e pedir a palavra (requerer a sustentação oral); se o advogado da parte contrária também o quiser, basta fazer o mesmo. Se nenhum dos advogados constituídos pela parte puder comparecer, justificada e comprovadamente, aí, sim, deverá requerer o adiamento cujo pleito será analisado pelo órgão julgador. O tema não é novo em nossos Tribunais, havendo pacífica e tranquila jurisprudência formada contrária aos interesses do agravante, sobretudo oriunda do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO SOBRE A ADEQUAÇÃO DO PREPARO. ANÁLISE DO RECURSO DE APELAÇÃO QUE PRESSUPÕE A REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO DO ADVOGADO AO ADIAMENTO DA SESSÃO DE JULGAMENTO. [...] - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. - A Corte consolidou o entendimento de que o art. 565 do CPC não é direito potestativo do advogado ao adiamento da sessão de julgamento. Há mera faculdade que será ou não concedida mediante a prudente avaliação do juiz. Precedentes. [...] Recursos especiais não conhecidos. (REsp 956.486/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/4/2009, DJe 6/5/2009). No mesmo sentido, são outros julgados do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1238403/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 15/05/2017; AgRg no Ag 1207574/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 24/02/2014; AgRg no Ag 1341770/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011; entre outros) e deste Tribunal de Justiça: Agravo Regimental 1112581-44.2014.8.26.0100, Relator Giffoni Ferreira, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 14/03/2017; Embargos de Declaração 1003332-71.2015.8.26.0053, Relator Marcelo Semer; 10ª Câmara de Direito Público, j. 15/02/2016; Embargos de Declaração 0063463-62.2013.8.26.0000, Relator Carlos Alberto de Salles, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 18/03/2014, entre outros. (.)" (TJ/SP, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. L.G. Costa Wagner, j. 7/2/2018, v.u., grifou-se) À luz dos precedentes acima citados, é certo que o adiamento do julgamento em razão do pleito de sustentação oral não imprime uma garantia de postergação da sessão de julgamento respectiva. A despeito de algumas câmaras deferirem, de plano, o imediato adiamento, quando solicitado, outros órgãos colegiados vem exigindo a comprovação de justa causa que legitime ulterior postergação. Certo ou não aludidos posicionamentos, o desejável seria que o relator, quando formulado referido pleito de adiamento em tempo hábil ao julgamento, examinasse o pedido e o decidisse antes mesmo da respectiva sessão, a proporcionar ao causídico o manejo de outras soluções alternativas (quando de eventual indeferimento, a solicitação a outro colega para proferir sustentação oral quando da concomitância de julgamentos no mesmo horários, porém em sessões distintas), mercê diante da importância e eficácia de referida técnica quando bem utilizada e em prol do contraditório e ampla defesa no âmbito da colegialidade e debates provocados no plano recursal. Por óbvio que também cabe ao causídico informar-se previamente no cartório do respectivo tribunal como funciona a prática de cada câmara quanto ao pleito de adiamento para sustentação oral: se tais pleitos costumam ser deferidos ou não, e, ainda, se referidos requerimentos são examinados somente na sessão de julgamento ou previamente pelo relator à luz de seus poderes previstos no art. 932 do CPC/2015, providência última esta que, certamente evitará surpresas e supressão da sustentação oral uma vez indeferido o requerimento, a assegurar na forma oral o exercício do contraditório e ampla defesa. __________ 1 Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021: I - no recurso de apelação; II - no recurso ordinário; III - no recurso especial; IV - no recurso extraordinário; V - nos embargos de divergência; VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação; VII - (VETADO); VIII - no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. 2 Art. 565 do CPC/73: "Desejando proferir sustentação oral, poderão os advogados requerer que na sessão imediata seja o feito julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. Parágrafo único. Se tiverem subscrito o requerimento os advogados de todos os interessados, a preferência será concedida para a própria sessão". 3 Art. 146 do Regimento Interno do TJSP: "Ressalvado o direito ao adiamento, o advogado, pretendendo fazer sustentação oral em sessão já designada, deverá comunicar o oficial de câmara até o início dos trabalhos e no local de sua realização, devendo observar-se a ordem dos pedidos. § 1º A sustentação oral não admitirá interrupções ou apartes; o presidente da sessão poderá advertir o orador, em caso de incontinência de conduta ou de linguagem, e cassar-lhe a palavra, na hipótese de reiteração. § 2º Ressalvada disposição legal em sentido contrário, não haverá sustentação oral nos julgamentos de embargos declaratórios, incidente de suspeição, conflito de competência, arquivamento de inquérito ou representação criminal, e agravo, exceto no de instrumento referente às tutelas provisórias de urgência ou da evidência, e no interno referente à extinção de feito originário previsto no art. 937, VI, do CPC."
André Pagani de Souza O art. 50 do Código Civil (lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que versa sobre a possibilidade de "desconsideração da personalidade jurídica", estabelece que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica" (grifos nossos). Portanto, de acordo com o art. 50 do Código Civil (CC), para haver a desconsideração da personalidade jurídica, é preciso que seja preenchido o seguinte requisito: "abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial" (destacamos). Em outras palavras, para se ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e se estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações suas para o patrimônio dos seus sócios ou administradores é preciso que esteja configurada a confusão patrimonial (entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seu integrante) ou o desvio de finalidade (a pessoa jurídica deve estar sendo utilizada pelo seu integrante para uma finalidade distinta daquela para a qual ela foi criada). Isso significa dizer que, em se tratando de uma relação jurídica disciplinada pelo Direito Civil, o art. 50 do CC determina que, para um sócio ou administrador responder por uma obrigação que era originariamente da pessoa jurídica da qual ele faz parte, deve haver confusão patrimonial ou desvio de finalidade. E só. Nada mais do que isso. Não há qualquer outro pressuposto ou requisito a ser preenchido. Apesar do texto inequívoco da lei, não era isso que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vinha decidindo ao aplicar o art. 50 do CC. Em acórdão datado de 22 de junho de 2017, a 22ª Câmara de Direito Privado da referida Corte Estadual decidiu o seguinte: "Execução de Título Extrajudicial - Desconsideração da Personalidade Jurídica - Decisão agravada que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica - Medida Excepcional - Ausência de esgotamento dos meios para localização dos bens dos executados - Pleito de desconsideração que se mostra prematuro - Recurso não provido" (TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, AI n. 2096910-65.2017.8.26.0000, rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 22/6/2017, negaram provimento, v.u.). A decisão cuja ementa está acima transcrita foi objeto de recurso especial (REsp n. 1.729.554/SP, autuado em 21/12/2017 e distribuído ao Min. Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça), no qual se alegou violação dos artigos 133 e 134 do Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105, de 13 de março de 2015), bem como do já mencionado art. 50 do CC. Vale lembrar que ambos os artigos do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelecem que devem ser observados os pressupostos previstos em lei para se realizar a desconsideração da personalidade jurídica. Por exemplo, o § 1º do art. 133 do CPC/2015 dispõe que "O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei". Já o § 4º do art. 134 do mesmo diploma legal prescreve o seguinte: "§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica". Ou seja, em ambas as oportunidades, o CPC/2015 deixa claro que a figura de intervenção de terceiros denominada "Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica" disciplinada pelos seus artigos 133 a 137 não têm o objetivo de alterar os pressupostos para se proceder à desconsideração da personalidade jurídica fixados pelo direito material (no caso concreto, pelo art. 50 do CC). Muito pelo contrário, o objetivo do CPC/2015 é conferir uma disciplina processual para operacionalizar as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica já existentes e previstas no direito material e não criar novos pressupostos para aplicação do instituto estatuído pelo art. 50 do Código Civil. Pois bem, não causou surpresa alguma a notícia de que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acima referida foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), veiculada pelo próprio "Migalhas" em 10/5/2018, na seção "Migalhas Quentes", sob o título "STJ fixa entendimento sobre desconsideração da personalidade jurídica no CPC/2015"1. Conforme noticiado, em julgamento ocorrido em 8/5/2018, a 4ª Turma do STJ decidiu por unanimidade que: "Se a insolvência [do devedor] não é pressuposto para decretação da desconsideração da personalidade jurídica, não pode ser considerada, por óbvio, pressuposto para instauração do incidente ou condição para o seu regular processamento". Assim, nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for "cível-empresarial, caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica será regulamentada pelo art. 50 do Código Civil", que não impõe a caracterização de insolvência do devedor (pessoa jurídica) para se instaurar o incidente a que se referem os artigos 133 a 137 do CPC de 2015 e se aplicar a disregard doctrine. É certo que o referido acórdão proferido pela 4ª Turma do STJ, da lavra do ministro Luís Felipe Salomão, nos autos do REsp n. 1.729.554/SP ainda não foi publicado, mas o resultado do seu julgamento ("A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator") e a notícia veiculada pelo "Migalhas" em 10/5/2018, são um claro sinal de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo merece ser revisitada à luz da interpretação que os Tribunais Superiores estão dando aos arts. 133 e 134 do CPC/2015 e do art. 50 do CC. __________  1 STJ fixa entendimento sobre desconsideração da personalidade jurídica no CPC/15.
Elias Marques de Medeiros Neto Não são poucos os julgados que entendem que o rol do artigo 1015 do Novo Código de Processo Civil ("CPC/15") é taxativo; seguindo nesta linha, inclusive, relevante parcela da doutrina. Mas, conforme já abordado nesta coluna, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, tem permitido a aplicação de uma interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15 (Recurso Especial n. 1.679.909 - RS, tendo sido relator o ministro Luis Felipe Salomão; e Recurso Especial n. 1694667 / PR, tendo sido relator o ministro Herman Benjamin). Os aludidos julgados do Superior Tribunal de Justiça adotam a possibilidade de se conferir uma interpretação extensiva ao artigo 1015 do CPC/15, em linha com as doutrinas da professora Teresa Arruda Alvim1 e dos professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2. Recentemente, em 27/4/2018, no julgamento do Agravo de Instrumento 2171873-44.2017.8.26.0000, a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o desembargador L. G. Costa Wagner, adotou interpretação extensiva ao artigo 1015 do CPC/15 com o fundamento de se evitar o manejo futuro de mandado de segurança pela parte recorrente; de modo que, de acordo com o julgado, as normas fundamentais do CPC/15 seriam atendidas com o imediato conhecimento e julgamento do agravo de instrumento: "É entendimento deste Magistrado que o rol de hipóteses de manejo do recurso de agravo de instrumento, inserto no referido artigo 1.015 do Código de Processo Civil, não é taxativo, comportando essa via recursal discussão imediata sobre temas essenciais à boa marcha do processo, sobretudo quando a apreciação equivocada do tema em primeiro grau puder gerar risco de dano. Pensar em sentido contrário, com a devida vênia, é admitir o ressurgimento da prática odiosa e, por que não dizer, causadora de tantos embaraços ao processo, da impetração de Mandado de Segurança contra decisões interlocutórias tidas por irrecorríveis, na medida em que, não conhecido o agravo, certamente o litigante irá buscar outros meios processuais para não assistir em silêncio o perecimento de seu direito. Assim, proclamar a taxatividade do rol do artigo 1.015 do CPC, não admitindo a interposição de agravo de instrumento, ainda quando demonstrado risco de perecimento de direito, seria desprestigiar, por completo, o mandamento constitucional que garante o acesso à justiça, bem resumido na dicção do artigo 5, XXXV, da Carta Magna que proclama que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Em norte similar foi o julgamento do Agravo de Instrumento 2196150-27.2017, tendo sido relatora a desembargadora Cristina Zucchi, em cujo voto se proclamou a possibilidade de interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15: "Ainda, fica rejeitada a arguição de não cabimento do presente recurso. Em recente decisão do STJ, ampliou-se o rol do art. 1.015 do CPC/15 (REsp 1.700.500), considerando que as hipóteses previstas no rol devem ser interpretadas em conjunto com os princípios norteadores do processo civil, admitindo interpretação extensiva. Dessa forma, a alegada nulidade da citação poderá ser enfrentada por meio do presente recurso, visando ao cumprimento dos princípios da máxima efetividade do processo e da celeridade processual". Mas é certo que não são poucos os julgados que divergem acerca da natureza taxativa - ou não - do rol do artigo 1015 do CPC/15. Por isso, acertadíssimo foi o relevante julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido em 20/2/2018, pelo qual se acolheu a proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.704.520 - MT, conforme voto da Ministra Nancy Andrighi: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015". O Superior Tribunal de Justiça, desta forma, decidirá, em conformidade com o rito previsto para o julgamento de recursos especiais repetitivos, qual é a natureza do rol do artigo 1015 do CPC/15 e se há possibilidade de interpretação extensiva quanto ao mesmo. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça garanta a aplicação das normas fundamentais do CPC/15, prestigiando-se os princípios da efetividade, duração razoável do processo, cooperação e eficiência. __________  1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614. 2 DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 216.
Rogerio Mollica Uma das maiores conquistas da advocacia no novo Código de Processo Civil foi a melhor disciplina dos honorários advocatícios, que com o novo Código de Processo Civil tendem a ser mais elevados, principalmente pela criação da sucumbência recursal. No Código de 1973 a fixação de honorários ínfimos pela aplicação da equidade sempre foi muito criticada pela nossa melhor doutrina, sendo assim, o novo Código de Processo Civil previu que a equidade agora só poderia ser utilizada para a majoração de honorários advocatícios tidos por muito baixos ou irrisórios. De fato, prevê o § 8º do artigo 85: "§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." O problema é que, em que pese a boa intenção na manutenção da fixação dos honorários por equidade para esses casos de valor muito baixo, tal mantença vem ensejando a aplicação do dispositivo em seu sentido contrário, isto é, para a diminuição de honorários advocatícios tidos como exorbitantes ou mesmo muito elevados. Nesse sentido temos julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo: "APELAÇÃO - Pretensão de majoração dos honorários advocatícios conforme o disposto no art. 85, §3° e 11, do Código de Processo Civil e artigos 22 e 24 da Lei nº 8.906/94 - Aplicação da equidade prevista no §8 do art. 85 do CPC, a fim de se evitar o arbitramento de valor exorbitante em detrimento do erário - Sentença parcialmente reformada - Recurso parcialmente provido" (g.n.)(TJ/SP; Apelação 1002672-53.2017.8.26.0297; Relator (a): Moreira de Carvalho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Jales - 1ª Vara; Data do Julgamento: 26/3/2018; Data de Registro: 26/3/2018) "Apelação Cível - Tributário - Processual Civil - Ação Anulatória de Débito Fiscal - Sentença de procedência parcial que afasta a aplicação de juros na forma da Lei Estadual nº 13.918/09 com condenação da FESP no pagamento de honorários advocatícios - Recurso voluntário da FESP - Provimento parcial ao recurso de rigor. 1. Embora imperiosa a condenação da Fazenda Pública nos ônus da sucumbência, porque dera causa à execução de valores descabidos, impõe-se a redução dos honorários advocatícios de sucumbência. 2. Honorários advocatícios que devem observar, no seu arbitramento a equidade e moderação na forma prevista no § 8 do art. 85 do novo CPC a fim de se evitar o arbitramento de valor exorbitante em detrimento do erário, mormente em se considerando a baixa complexidade da demanda e suas peculiaridades - Precedentes da Corte e do C. STJ - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 5.000,00. Sentença reformada em parte - Recurso da FESP provido em parte para reduzir os honorários advocatícios, mantida no mais a r. Sentença recorrida." (g.n.)(TJ/SP; Apelação 1040762-23.2016.8.26.0053; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/12/2017; Data de Registro: 19/12/2017) Como não poderia deixar de ser a doutrina entende que o dispositivo não pode ser utilizado em seu sentido inverso. Nesse diapasão é a lição de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo; comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 297): "Seguramente haverá debate se este § 8º pode ser utilizado para minorar os honorários, caso o resultado da fixação, conforme os critérios previstos nos diversos parágrafos, leve a uma quantia muito elevada. A resposta deve ser negativa. A opção do legislador foi clara, o presente artigo foi inserido com a finalidade de afastar as condenações em valores irrisórios. Assim, é diametralmente oposto ao previsto na legislação aplicar esse dispositivo para diminuir os honorários fixados conforme critérios legais." Nesse mesmo sentido também é o Enunciado nº 06 aprovado na I Jornada de Direito Processual do Conselho da Justiça Federal: "A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º do art. 85 do CPC." No dia 17/04/2018 a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça referendou o referido entendimento ao julgar o Recurso Especial nº 1.731.617/SP (relator ministro Antonio Carlos Ferreira, acórdão ainda pendente de publicação). Desse modo, é de se aplaudir a recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, eis que determina a aplicação estrita da previsão legal e evita o aviltamento dos honorários advocatícios.