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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Daniel Penteado de Castro Em outras oportunidades postas nesta coluna pudemos comentar situações de aceitação pelos tribunais do cabimento de agravo de instrumento como meio de impugnação de decisão judicial em hipóteses além das previstas no rol taxativo do art. 1.015, do CPC, tal como decidido quanto decisões ligadas a (i) definição de competência (ii) decisões relativas à produção de provas1, assim como arbitramento de honorários periciais2 (iii) quando demonstrado risco de perecimento do direito3 assim como (iv) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução4. Mediante julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT, decidiu a Corte Especial do STJ, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante do quanto decidido acima em dezembro de 2.018, emergiram entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros e (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo - intervenção de terceiro e competência - é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: (i) o exame do elemento que prepondera na decisão; (ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; (iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: (i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; (ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado - se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; (iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 6- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFINE COMO CONSUMERISTA A RELAÇÃO JURÍDICA MANTIDA ENTRE AS PARTES E AFASTA A TESE DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, II, DO CPC/2015. MÉRITO DO PROCESSO. CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. CABIMENTO QUE ABRANGE AS DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO, AS DECISÕES ELENCADAS NO ART. 487 DO CPC/2015 E AS DEMAIS QUE DIGAM RESPEITO A SUBSTÂNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO. ENQUADRAMENTO FÁTICO-NORMATIVO DA RELAÇÃO DE DIREITO SUBSTANCIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA AO MÉRITO, SALVO SE DELA DECORRER UMA QUESTÃO DE MÉRITO, COMO O PRAZO PRESCRICIONAL À LUZ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NECESSIDADE DE EXAME CONJUNTO. 1- Ação proposta em 17/04/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2017 e atribuído à Relatora em 18/10/2017. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da controvérsia e afasta a prescrição com base nessa regra jurídica. 3- Embora se trate de conceito jurídico indeterminado, a decisão interlocutória que versa sobre mérito do processo que justifica o cabimento do recurso de agravo de instrumento fundado no art. 1.015, II, do CPC/2015, é aquela que: (i) resolve algum dos pedidos cumulados ou parcela de único pedido suscetível de decomposição, que caracterizam a decisão parcial de mérito; (ii) possui conteúdo que se amolda às demais hipóteses previstas no art. 487 do CPC/2015; ou (iii) diga respeito a substância da pretensão processual deduzida pela parte em juízo, ainda que não expressamente tipificada na lista do art. 487 do CPC. 4- O simples enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes, por si só, não diz respeito ao mérito do processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que poderão influenciar o resultado da controvérsia, mas, se a partir da subsunção entre fato e norma, houver pronunciamento judicial também sobre questão de mérito, como é a prescrição da pretensão deduzida pela parte, a definição da lei aplicável à espécie se incorpora ao mérito do processo, na medida em que não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil, devendo ambas as questões, na hipótese, ser examinadas conjuntamente. 5- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019) Ainda, recentemente o STJ também referendou o entendimento de cabimento de agravo de instrumento (iii) interposto contra decisão que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de que, muito embora no perfil do CPC/2015 deixe de compor condição da ação, tal questão compõe parcela de mérito em discussão no processo: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE. ART. 1.015, II, CPC/15. 1- Ação proposta em 03/04/2017. Recurso especial interposto em 23/02/2018 e atribuído à Relatora em 16/08/2018. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 3- Ao admitir expressamente a possibilidade de decisões parciais de mérito quando uma parcela de um pedido suscetível de decomposição puder ser solucionada antecipadamente, o CPC/15 passou a exigir o exame detalhado dos elementos que compõem o pedido, especialmente em virtude da possibilidade de impugnação imediata por agravo de instrumento da decisão interlocutória que versar sobre mérito do processo (art. 1.015, II, CPC/15). 4- Para o adequado exame do conteúdo do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito, como, por exemplo, os aspectos temporais que permitem identificar a ocorrência de prescrição ou decadência e, ainda, os termos inicial e final da relação jurídica de direito material. Precedentes. 5- O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina brasileira, que reconhecia o fenômeno como um aspecto do mérito do processo, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/15, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação. 6- A possibilidade jurídica do pedido após o CPC/15, pois, compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, CPC/15. 7- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/8/2019, DJe 15/8/2019) Frente a tais entendimento, poder-se-ia acreditar que a maioria das decisões interlocutórias passariam a ser impugnadas por meio do recurso de agravo, seja por força da interpretação extensiva do art. 1.015 do CPC, seja em razão do entendimento firmado pela Corte Especial do STJ quando do julgamento do REsp 1704520/MT acima citado, condutor da tese de taxatividade mitigada. Todavia, duas recentes decisões afastaram o cabimento do manejo de agravo de instrumento. A primeira, (i) a repudiar o cabimento de agravo tirado de decisão interlocutória que fixou ponto controvertido e deferiu a produção de provas: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO CONTRA DECISÃO QUE, NO CASO, FIXOU PONTO CONTROVERTIDO E DEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVAS. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 356, I E II, § 5º, C/C O ART. 1.015, II, DO CPC/2015. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO NCPC. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte já assentou o entendimento de que "é possível ao Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Ademais, com a interposição do agravo regimental, fica superada a alegação de nulidade pela violação ao referido princípio, ante a devolução da matéria à apreciação pelo Órgão Julgador" (AgRg no REsp n. 1.113.982/PB, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 29/8/2014). 2. Consoante dispõe o art. 356, caput, I e II, e § 5º, do CPC/2015, o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrarem-se incontroversos ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355, sendo a decisão proferida com base neste artigo impugnável por agravo de instrumento. 3. No caso, conforme asseverou o acórdão recorrido, a decisão do Juízo singular não ingressou no mérito, justamente porque entendeu pela necessidade de dilação probatória, deferindo as provas testemunhal e pericial. Logo, não havendo questão incontroversa que possibilitasse a prolação de decisão de mérito, inviável se falar, por conseguinte, na impugnação do referido decisum por meio de agravo de instrumento, por não estar configurada a hipótese do art. 1.015, II, do CPC/2015. 4. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não se verifica na hipótese. 5. Agravo interno desprovido." (STJ, AgInt no AREsp 1411485/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 1/7/2019, DJe 6/8/2019) A segunda, (ii) repeliu o cabimento de agravo contra decisão que, na segunda fase do procedimento especial da ação de prestação de contas, nomeou perito e deferiu a produção de prova pericial: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM SEGUNDA FASE DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTEÚDO NÃO ABRANGIDO PELO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. ATIVIDADES JURISDICIONAIS DESENVOLVIDAS NAS DUAS FASES DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. NATUREZA JURÍDICA COGNITIVA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE SOMENTE SE INICIA APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL, SEJA QUANTO AO DEVER DE PRESTAR OU DE EXIGIR CONTAS, SEJA QUANTO A APURAÇÃO DE CRÉDITO, DÉBITO E EXISTÊNCIA DE SALDO. INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL PREVISTO NO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA IMPUGNADA. INAPLICABILIDADE DA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA. 1- Recurso especial interposto em 05/09/2018 e atribuído à Relatora em 18/7/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15. 3- A ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental diferenciada, em que a primeira fase visa discutir a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas e a segunda fase julga a própria prestação das contas a partir das receitas, despesas e eventual saldo, de modo que a atividade jurisdicional desenvolvida em ambas as fases possui natureza jurídica cognitiva própria da fase de conhecimento, tendo em vista a necessidade de acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. 4- A fase de cumprimento da sentença e, eventualmente, de liquidação da sentença na ação de prestação de contas apenas pode ser deflagrada após a prolação da sentença proferida na segunda fase dessa ação, oportunidade em que a cognição acerca do dever de prestar ou de exigir e a apuração de créditos, débitos e existência de saldo estarão definitivamente julgadas, viabilizando, se necessário, a liquidação da sentença condenatória e a cobrança do valor apurado sob a forma de cumprimento da sentença. 5- Na hipótese, a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal estabelecido para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, sim, aplica-se o regime recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15), que não admite a recorribilidade imediata da decisão interlocutória com o referido conteúdo, não se aplicando, ademais, a tese da taxatividade mitigada por se tratar de decisão interlocutória publicada anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos. 6- Recurso especial conhecido e desprovido." (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, terceira turma, j. 20/08/2019, DJe 22/08/2019) Respeitado entendimento em sentido contrário, os critérios definidores da aludida taxatividade mitigada parecem não se coadunar com a preciosa segurança jurídica, de sorte a restar ao jurisdicionado verdadeiro teste laboratorial no ímpeto de aventurar-se perante o Poder Judiciário quanto a interpretação da hipótese de interposição do agravo estar sujeita ou não a aplicação de referida tese. Melhor seria manter corrente interpretativa de cabimento do agravo mediante demonstração de dano irreparável ou perecimento do direito, ou, ainda, nas hipóteses que não há espaço procedimental para a interposição de futuro recurso de apelação (e devolução da matéria recursal), a exemplo da expressa previsão do parágrafo único, do art. 1.015, do CPC. O que se espera à luz das interpretações que recaem sobre a aplicação da taxatividade mitigada é a preservação da jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, do CPC), em especial ao quanto já decidido no que toca a interpretação de cabimento, ou não, do recurso de agravo em situações que transcendem o rol taxativo do art. 1.015 do CPC. __________ 1 Agravo de Instrumento - Recentes julgados que autorizam a interposição do agravo de instrumento contra decisões referentes à competência. 2 O agravo de instrumento e os honorários periciais. 3 Recentes posições do Tribunal de Justiça de São Paulo relativizando o rol do artigo 1015 do CPC/15. 4 Agravo de instrumento de decisões proferidas nos embargos à execução.
André Pagani de Souza O art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015) dispõe que incumbe ao juiz: "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". Com base nesse dispositivo, é possível encontrar várias decisões proferidas pelos Tribunais Superiores determinando a restrição do direito de dirigir e de viajar ao exterior de pessoas que figuram como executadas em processos de execução por quantia certa. Tais decisões já foram objeto de diversos artigos publicados nesta coluna do "CPC na Prática". Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em um processo de execução fiscal, vedou a utilização de tais expedientes (apreender passaporte e suspender carteira de habilitação para dirigir) contra um executado, conforme noticiado no Informativo de Jurisprudência 0654, de 13/9/2019, pois o exequente já têm em seu favor inúmeros privilégios concedidos pela Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/1.980) para receber seu crédito. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). (HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/6/2019, DJe 15/08/2019, grifos nossos). Digno de nota, portanto, o julgado acima ementado do Superior Tribunal de Justiça que estabelece distinção, para fins de incidência do art. 139, inciso IV, do CPC, entre a execução fiscal regida pela lei 6.830/1.980 e o próprio Código de Processo Civil.
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 23/4/2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o Agravo de Instrumento n. 2053491-24.2019.8.26.0000, tendo-se decidido que: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PENHORA. PREFERÊNCIA LEGAL. Tentativa de bloqueio de recursos financeiros da agravante frustrada. A falta de dinheiro em conta é demonstração de que a ordem estabelecida pelo art. 835 do CPC foi observada. Competia ao devedor indicar outros bens antecedentes passíveis de penhora, o que não foi feito. PENHORA DE FATURAMENTO. Penhora sobre o faturamento no valor mensal de 30% da receita. Percentual excessivo e põe em risco a atividade econômica explorada pela sociedade. Art. 866 do CPC. Penhora reduzida para 5% do faturamento bruto mensal da pessoa jurídica. Decisão reformada. Recurso provido em parte." Em especial, o julgado enfatiza a importância do administrador judicial para a elaboração de um plano de constrição eficiente, sendo tal trabalho essencial para a fixação do percentual a ser observado na realização da penhora: "Na penhora de faturamento, o administrador deverá submeter à aprovação judicial a base de cálculo, o percentual e o tempo de constrição, corroborado por documentos e informações necessárias para a formação do plano de pagamento para satisfação do credor". O mesmo posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo é presente no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2177466-54.2017.8.26.0000, ocorrido em 13.12.2017, e no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2159588-53.2016.8.26.0000, ocorrido em 31/8/2016: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE FATURAMENTO. Penhora sobre o faturamento no valor mensal de 20% da receita. Alegação comprovada de que o percentual é excessivo e põe em risco a atividade econômica explorada pela sociedade. Art. 866 do CPC/15. Penhora reduzida para 5% do faturamento bruto mensal da pessoa jurídica. ENCARGO DE DEPOSITÁRIO. Recusa pela agravante sob fundamento de que não gerencia a empresa e não está apta ao cumprimento. Possibilidade. Súmula n. 319 do STJ. Precedentes. Incidência das regras do §3º do art. 866 e art. 869, §2º, do CPC. Havendo recusa do exequente e do executado, o magistrado deve nomear terceiro para que lhe preste contas periódicas e execute a medida constritiva. Decisão reformada. Recurso provido." "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE FATURAMENTO. Regularidade. Pressupostos atendidos. Inexistência de outros bens passíveis de penhora. Ausência de demonstração de que a penhora inviabiliza o exercício da atividade empresarial. Penhora mantida. Compatibilização dos princípios da menor onerosidade do devedor com o da efetividade da execução. Administrador que deverá demonstrar que o percentual da penhora compromete a sua sobrevivência ou mesmo inviabiliza a atividade econômica quando formular e apresentar o plano de pagamento do credor. Art. 866 do CPC/15. Recurso improvido". Na penhora de faturamento, a exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado. O artigo 866 do CPC/15 inspira reflexão sobre a necessidade de um procedimento cuidadoso na realização da penhora de faturamento; razão pela qual, com acerto, agem os tribunais quando exigem a nomeação de administrador e a elaboração de plano de pagamento para a fixação do percentual da constrição: "Execução fiscal. Penhora. Dinheiro em conta corrente. Não cabimento. Equivalência à penhora do estabelecimento. Comprometimento do capital de giro. Caráter excepcional não configurado. Equiparação à penhora de faturamento. Necessidade de nomeação de um depositário administrador. Artigos 677 e 678 do Código de Processo Civil". (TJ/SP, AG n. 9038193-92.2004.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto dos Santos Bedaque, Primeira Câmara, julgado em 28/5/2004). Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. Logo de início já é possível perceber que a penhora de faturamento não pode dispensar a figura de um administrador, a quem se incumbe à importante tarefa de elaborar um plano de atuação e pagamento ao credor. Ora, se a lei determina que o magistrado deva nomear um administrador para que ele estude a melhor forma de a constrição sobre o faturamento ocorrer, então claro é que o magistrado não pode dizer - sem ouvir um expert - qual é o percentual do faturamento que será penhorado, bem como qual é a base de cálculo que será utilizada para fins de incidência daquele percentual. O magistrado não deve fixar percentual, e nem a forma de constrição, sem ouvir previamente o administrador depositário nomeado; cabendo a este último, como expert, e não ao juiz, dar o devido direcionamento técnico para chegar-se à maneira mais eficiente de se satisfazer o credor, e da forma menos onerosa possível ao devedor. Ao magistrado cabe, após o seu devido juízo de ponderação, e após o regular contraditório entre as partes, chancelar o plano de atuação e pagamento elaborado pelo administrador, bem como fiscalizar a atuação deste último; tudo de modo a zelar-se pela efetividade da tutela executiva.
Daniel Penteado de Castro O cumprimento de decisão judicial ligada a obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa sofreu significativas mudanças no perfil do CPC/2015. Dentre algumas inovações, a expressa menção de que a resistência injustificada ao cumprimento da obrigação pode dar ensejo a responsabilização por crime de desobediência (art. 536, § 3º), e, no que tange ao regime da multa cominatória (astreinte), a possibilidade de sua execução imediata e nos próprios autos, porém autorizado o levantamento respectivo somente após o trânsito em julgado de sentença favorável (art. 537, §§s 2º ao 4º). Por sua vez, o STJ, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1333988/SP, sob o rito do então art. 543-C, do CPC/73, firmou a tese de que não caberia a incidência de astreinte em ação de exibição de documentos1, entendimento este cristalizado na inteligência da súmula 372 de referida corte superior: "na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação de multa cominatória". Em que pese o entendimento acima, os novéis arts. 139, IV e, 400, do CPC/2015 expressamente preveem: "Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: (...) Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. Aparente conflito entre a Súmula 372/STJ e a inteligência do art. 400 do CPC ensejou a proposta de afetação do recurso especial 1.763.463/MG (Tema n. 1.000), de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA COMINATÓRIA. TEMA 705/STJ. SUPERVENIÊNCIA NOVA DISCIPLINA DA MATÉRIA. ART. 400 DO CPC/2015. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE NOVA TESE. 1. Existência de tese firmada no julgamento do Tema 705/STJ, na vigência do CPC/1973, no sentido do "descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível". 2. Superveniência de nova disciplina legal da matéria no art. 400, p. u., do CPC/2015, que assim estatuiu: "sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". 3. Necessidade de novo enfrentamento da controvérsia com base no CPC/2015. 4. Delimitação da nova controvérsia: "cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015". 5. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/2015. (...) Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C) e, por unanimidade, suspender a tramitação de processos em todo território nacional, conforme proposta do Sr. Ministro Relator, a fim de consolidar entendimento sobre a seguinte controvérsia: cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015. (ProAfR no REsp 1.763.462/MG e REsp 1777553/SP, Tema Repetitivo n. 1000, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 30.10.2018, DJe 06.11.2018) Em que pese pender o julgamento do recurso especial repetitivo acima, a sinalizar ou não uma mudança de entendimento do STJ, é certo que, recentemente, entendeu-se pelo cabimento da multa cominatória (astreinte) em decisão destinada a compelir o devedor da obrigação a exibir informações e dados de sua exclusiva guarda: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA AJUIZADA EM FACE DE PROVEDOR DE ACESSO A INTERNET. ORDEM JUDICIAL PARA FORNECIMENTO DE DADOS VISANDO À IDENTIFICAÇÃO DE USUÁRIO (TERCEIRO), DE MODO A VIABILIZAR FUTURA AÇÃO INDENIZATÓRIA. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. SÚMULA 372/STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A multa cominatória (também chamada de astreintes, multa coercitiva ou multa diária) é penalidade pecuniária que caracteriza medida executiva de coerção indireta, pois seu único escopo é compelir o devedor a realizar a obrigação de fazer ou a não realizar determinado comportamento. Cuida-se de uma medida atípica de apoio à decisão judicial, de caráter meramente persuasório e instrumental, não caracterizando um fim em si mesmo. 2. No que diz respeito à obrigação de fazer, seu objeto consiste na adoção de comportamento ativo que não se destina preponderantemente a transferir a posse ou titularidade de coisa ou soma ao titular do direito. Para sua constatação, é necessário investigar, dentre os diversos aspectos da prestação (fazer, entregar, pagar), em qual deles reside o núcleo do interesse objetivo. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se que a pretensão cautelar reside no fornecimento de dados para identificação de suposto ofensor da imagem da sociedade de economia federal e de seus dirigentes. Assim, evidencia-se a preponderância da obrigação de fazer, consistente no ato de identificação do usuário do serviço de internet. 4. Tal obrigação, certificada mediante decisão judicial, não se confunde com a pretensão cautelar de exibição de documento, a qual era regulada pelo artigo 844 do CPC de 1973. Isso porque os autores da cautelar inominada não buscaram a exibição de um documento específico, mas, sim, o fornecimento de informações aptas a identificação do tomador do serviço prestado pela requerida, sendo certo que, desde 2009, já havia recomendação do Comitê Gestor de Internet no Brasil no sentido de que os provedores de acesso mantivessem, por um prazo mínimo de três anos, os dados de conexão e comunicação realizadas por meio de seus equipamentos. 5. Além do mais, as sanções processuais aplicáveis à recusa de exibição de documento - presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e busca e apreensão (artigos 359 e 362 do CPC de 1973) -, revelam-se evidentemente inócuas na espécie. É que os fatos narrados na inicial - a serem oportunamente examinados em ação própria - dizem respeito a terceiro (o usuário a ser identificado pela requerida), inexistindo, outrossim, documento a ser objeto de busca e apreensão, pois o fornecimento das informações pleiteadas pelas supostas vítimas reclama, tão somente, pesquisa no sistema informatizado da ré. 6. As citadas peculiaridades, extraídas do caso concreto, constituem distinguishing apto a afastar a incidência do entendimento plasmado na Súmula 372/STJ ("na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória") e reafirmado no Recurso Especial repetitivo 1.333.988/SP ("descabimento de multa cominatória a exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível"). 7. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.560.976/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 30.05.2019, grifou-se) Consoante se depreende do voto condutor, a identificação de ofensor de usuário de internet não se confunde com a pretensão de exibição de documento. Em outras palavras, o acesso a dada informação é medida que se distingue da apresentação do documento em si: "(...) É que os fatos narrados na inicial - a serem oportunamente examinados em ação própria - dizem respeito a terceiro (o usuário a ser identificado pela requerida), inexistindo, outrossim, documento a ser objeto de busca e apreensão, pois o fornecimento das informações pleiteadas pelas supostas vítimas reclama, tão-somente, pesquisa no sistema informatizado da ré. Tais peculiaridades, extraídas do caso concreto, constituem, a meu ver, distinguishing apto a afastar a incidência do entendimento plasmado na Súmula 372/STJ ("na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória") e reafirmado no Recurso Especial repetitivo 1.333.988/SP ("descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível"). Conforme cediço e se extrai do âmbito do julgamento do AgInt no REsp 1.705.306/RS (Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 07.06.2018, DJe 01.08.2018), a ratio decidendi de recurso repetitivo não pode se estender, de forma genérica e automática, a hipóteses em que diversos os fatos relevantes da causa. No tocante à Súmula 372/STJ - e ao repetitivo -, a ratio decidendi de ambos reside no cabimento da busca e apreensão e da presunção de veracidade como meios suficientes para garantir a efetivação da decisão judicial de exibição de documento, motivo pelo qual considerada excessiva a utilização da multa cominatória. O presente caso, entretanto, consoante ressaltado alhures, não diz respeito à exibição de documento, revelando-se, ademais, inócuas as sanções processuais referidas nos precedentes que serviram de base à Súmula 372/STJ. Nessa ordem de ideias, deve ser mantido o acórdão estadual que, confirmando sentença de procedência da ação cautelar satisfativa, considerou cabida a multa cominatória na hipótese. (...)" O entendimento acima se valeu da técnica de distinguising, para afastar o entendimento consolidado no Recurso Especial Repetitivo n. 1.333.988/SP, no sentido de dizer que distinção se extrai da circunstância de que o acesso a dada informação não se confunde com a exibição de documento em si. Muito embora, sob a perspectiva do jurisdicionado, que busca a produção de determinada prova documental, o que importa é o acesso ao seu conteúdo (sendo por vezes indiferente a exibição do documento em si, que em verdade servirá como meio de prova), o precedente acima sinaliza a possibilidade de aplicação da astreinte quando provocado o Poder Judiciário com vistas a se obter o acesso de dados e informações resistida a exibição pela parte. Resta ainda o julgamento do Tema 1.000 supra citado, o qual definirá se deve ou ser mantida a vedação de cabimento de astreinte na medida cautelar de exibição de documentos, lembrando que, já na vigência do CPC/2015, o STJ reafirmou a tese de que é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança da multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer2. __________ 1 RECURSO ESPECIAL  REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.  CADERNETA DE POUPANÇA.  CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.  EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 1.2. "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada." 2. Caso concreto: Exclusão das astreintes. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO." REsp 1333988/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Paulo de tarso Sanseverino, DJe 11.04.2014. 2 AgInt no REsp 1.714.838/MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJE 23.10.2018 e AgInt no AREsp 1.152.963/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJE 8/3/2018.
Rogerio Mollica Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis. Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis? Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida. O professor André Vasconcelos Roque da UERJ entende que "Considerando-se que esse ato para o qual é intimado o devedor (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir efeitos no processo, inibindo as próximas etapas do cumprimento de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do executado (art. 523, 3º) e a abertura de prazo para impugnação (art. 525, caput), parece que o prazo deve ser qualificado como processual computando-se apenas nos dias úteis. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p.726)1. Já o professor Sérgio Shimura da PUC/SP e Desembargador do TJSP entende que "cuidando-se de prazo para 'pagamento', em rigor não há atividade preponderantemente técnica ou postulatória a exigir a presença - indispensável - do advogado. Depende quase que exclusivamente da vontade ou situação do próprio executado. Daí porque o prazo de 15 dias há de fluir de modo ininterrupto, e não apenas nos dias úteis." (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.356)2. Em artigo já publicado nesta coluna3, o professor Elias Marques de Medeiros Neto teve a oportunidade de defender a fixação do prazo em dias úteis após o Conselho da Justiça Federal ter aprovado o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Em recentíssimo acórdão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015: "RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ART. 523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corridos, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015. 2. O art. 523 do CPC/2015 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". 3. Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento da sentença no respectivo prazo legal. 3.1. Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual. 3.2. Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis. 4. Em análise do tema, a I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, de seguinte teor: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". 5. Recurso especial provido. (REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015 para a segurança jurídica de todos. __________ 1 Também favoráveis à fixação do prazo em dias úteis: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, 16 ed., São Paulo: RT, 2016, p. 1.392) e Cássio Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 445). 2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682. 3 Publicação em 19/10/2017.
André Pagani de Souza O art. 489, § 1º, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015) estabelece que não se considera fundamentada a decisão judicial que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". Como se sabe, considerar uma decisão como sendo não fundamentada é algo gravíssimo e pode configurar uma nulidade porque um pronunciamento judicial com esta característica viola, a um só tempo, o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal (CF), e o art. 11, do CPC de 2015. Portanto, é de fundamental importância saber qual o "precedente" invocado pela parte gera o dever para o órgão jurisdicional de "demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento", caso se decida deixar de seguí-lo. Não se trata de atividade meramente acadêmica e despida de efeitos práticos conceituar o que é um "precedente" e o que seria um "precedente vinculante". Afinal, a qual espécie de "precedente" o art. 489, § 1º, inciso VI está fazendo referência? A resposta para esta pergunta pode levar à constatação de que uma decisão judicial deve ser considerada nula (ou não) por violar o art. 93, inciso IX, da CF, bem como o art. 11 do CPC de 2015. Com efeito, há decisões que são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de processos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros processos. Tais decisões têm caráter meramente persuasivo e não necessariamente vinculante. Com maior ênfase, o art. 927, do CPC de 2015, enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Assim, os pronunciamentos judiciais mencionados no art. 927 do CPC de 2015 seriam precedentes, conforme já se conceituou acima, qualificados de observância obrigatória pelos órgãos jurisdicionais. Ou seja, as decisões mencionadas no art. 927 de 2015 seriam precedentes vinculantes. Note-se que, mesmo se considerando apenas o universo das decisões mencionadas no art. 927 do CPC de 2015, há aqueles que sustentam que apenas os pronunciamentos dos incisos I e II seriam verdadeiramente vinculantes, pois as decisões do STF proferidas em controle concentrado de constitucionalidade vinculam por autorização constitucional (art. 102, § 2º) e os enunciados de súmula vinculante também vinculam por decorrência do art. 103-A da CF. As demais decisões do art. 927 (incisos III a V) teriam forte caráter persuasivo, mas não vinculariam, uma vez que o caput utiliza o verbo "observar" em vez do verbo "vincular", como o fez quando quis que a observância fosse obrigatória no § 3º do art. 947 do CPC de 2015 (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). De qualquer modo, tudo indica que os tribunais estão fazendo uma distinção entre o que é simplesmente precedente e aquilo que deve ser considerado precedente vinculante. Tanto isso é verdade que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.427.771/SP, não declarou a nulidade de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, na sua fundamentação, deixou de analisar todos os precedentes, acórdãos e sentenças suscitados pelas partes, para demonstrar a existência de distinção entre eles e o processo sob julgamento da Corte Bandeirante. Confira-se, a propósito, o trecho da ementa do acórdão em questão: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS. DEVER DE MOTIVAÇÃO. ART. 927 DO CPC. ACÓRDÃO E SENTENÇA DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. NÃO CONSTAM DO ROL PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE ANÁLISE PORMENORIZADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REVISÃO INVIÁVEL. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 3. O julgador não é obrigado a discorrer sobre todos os argumentos levantados pelas partes, mas sim decidir a contento, nos limites da lide que lhe foi proposta, fundamentando o seu entendimento de acordo com o seu livre convencimento, baseado nos aspectos pertinentes à hipótese sub judice e com a legislação que entender aplicável ao caso concreto. 4. Com exceção dos precedentes vinculantes previstos no rol do art. 927 do CPC, inexiste obrigação do julgador em analisar e afastar todos os precedentes, acórdãos e sentenças, suscitados pelas partes. (...) (AgInt no AREsp 1427771/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/6/2019, DJe 27/6/2019, grifos nossos)". Como se pode perceber, no processo acima referido, a parte recorrente havia invocado em seu favor uma sentença e um acórdão que, no seu entendimento, se amoldariam aos fatos sob apreciação do órgão jurisdicional e que, por serem decisões anteriores, deveriam ser considerados como precedentes para a decisão que deveria ser tomada na hipótese sob julgamento. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), simplesmente ignorou as decisões apresentadas pelo recorrente e invocadas como precedentes, dando uma outra solução para o processo. Por isso, foi interposto recurso especial para o STJ sob o argumento de que teria sido violado o inciso VI do § 1º do art. 489 do CPC de 2015, uma vez que o TJSP teria deixado de seguir precedente "sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, confirmou o entendimento do TJSP de que não há dever de análise pormenorizada de precedentes invocados pelas partes se estes não forem precedentes vinculantes. E mais, apontou a Corte Superior que precedentes vinculantes, para tal finalidade, são aqueles constantes do rol do art. 927 do CPC de 2015. Veja-se, a propósito, trecho da decisão da lavra do Min. Luis Felipe Salomão, que comprova o quanto afirmado até aqui: "(...) 3. Além disso, conforme o que constou da decisão recorrida, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não possui a obrigação de se manifestar sobre a similitude entre o presente feito que aquilo que restou decidido na sentença proferida no processo 1016457-28.2016.8.26.0100 e acórdão no feito 1110926-66.2016.8.26.0100, uma vez que tais precedentes não possuem caráter vinculante. Com efeito, verifica-se que a referida sentença, bem como o acórdão supracitado não constam do rol do art. 927 do CPC, o qual aponta lista dos precedentes qualificados de observância obrigatória dos julgadores, os quais, quando não aplicados, necessitam de distinção expressa e fundamentada para terem afastados. Logo, os julgados citados pelo agravante não possuem efeito vinculante, possuindo efeito apenas persuasivo, os quais, repisa-se, não precisam ser detalhadamente analisados e/ou afastados pelo magistrado, inexistindo qualquer violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC (...)" (grifos nossos). Logo, o Superior Tribunal de Justiça faz uma distinção entre precedentes (que teriam caráter meramente persuasivo) e precedentes vinculantes (que seriam qualificados de observância obrigatória pelo art. 927 do CPC de 2015). Se a parte invocar os primeiros (os precedentes) em seu favor e o órgão jurisdicional entender que eles não devem ser levados em consideração na decisão, inexiste necessidade de, na fundamentação da decisão, explicar a distinção entre os precedentes invocados e o caso concreto. Por outro lado, se a parte invocar em seu favor os precedentes qualificados de observância obrigatória pelo art. 927 do CPC de 2015 (os precedentes vinculantes), o órgão jurisdicional deverá cumprir o comando do inciso VI do § 1º do art. 489 do CPC de 2015 se quiser deixar de seguir aquilo que foi invocado, devendo "demonstrar a distinção do caso em julgamento ou a superação do entendimento".
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 31/7/2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o agravo de instrumento n. 2113575-88.2019.8.26.0000, tendo sido relator o desembargador Azuma Nishi, sendo certo que: (i) autorizou-se a aplicação do artigo 468, I, do CPC/15 para determinar a substituição de perito pela falta de formação técnica para a elaboração do laudo; e (ii) se consignou que o perito não pode terceirizar seus trabalhos a outros especialistas; não sendo tal prática permitida pelo ordenamento processual: "Em decisão saneadora, o D. Magistrado a quo determinou a realização da perícia técnica, indicando, para tanto, a advogada (...), que apresentou proposta de honorários no importe de R$ (...), apresentando o nome do engenheiro (...) para auxiliá-la. Em ato subsequente, os agravantes manifestaram-se contrários à indicação, bem como a proposta de remuneração apresentada ante sua exorbitância e ausência de justificativa para seu arbitramento, postulando a substituição da Dra. (...) pelo engenheiro (...), que deveria apresentar sua proposta. O MM. Juízo de Direito indeferiu o pleito ao argumento de que cabe ao julgador a nomeação de perito de sua confiança e que detenha conhecimento técnico adequado à realização da perícia. Pois bem. 4. No caso concreto, instada a se manifestar, a Dra. (...) defendeu deter conhecimento jurídico específico na área de propriedade industrial, bem como o subsídio acerca do conhecimento estrutural que será prestado pelo assistente de sua equipe. Ademais, a título exemplificativo, mencionou as ações que atuou na qualidade de perita judicial. Respeitado posicionamento em sentido contrário, o desfecho da lide demanda a nomeação de perito com conhecimento técnico específico para averiguar a composição e operacionalidade do misturador de argamassa, em busca dos indícios de ocorrência de contrafação. A meu ver, a nomeação de perita com amplos conhecimentos na área de propriedade industrial e/ou vasta atuação em demandas cujo objeto seja violação de patente, não lhe confere a capacidade técnica exigida para o exercício do múnus. Com efeito, nomear profissional da área jurídica confere à perícia contornos predominantemente jurídicos, o que se confunde com o próprio exercício da advocacia. Não se olvida que a competência para dirimir a controvérsia é do juiz da causa, não cabendo ao expert atestar a existência ou não da contrafação. Dito de outro modo, o conhecimento técnico detido pela perita não é condizente com os fatos relevantes para julgamento, tendo em vista que se busca nos autos a elucidação quanto às semelhanças e distinções dos bens ora confrontados. "Outrossim, definir se há ou não contrafação, do ponto de vista jurídico campo em que se destaca o conhecimento científico da perita nomeada acaba por se confundir com o julgamento do próprio mérito da demanda judicial. Isso, porque, a conclusão por meio de subsunção do fato à norma, a fim de caracterizar o produto da recorrente como objeto de contrafação, não pode ser compreendido no conceito de fato estranho à ciência jurídica para fins de produção probatória, mas corresponde com absoluta da exatidão ao munis da jurisdição." Somado a isso, tem-se que a nomeação de assistente da área de engenharia, integrante da equipe de trabalho da perita nomeada, apenas confirma a falta de conhecimentos específicos e qualificação necessária para realização do laudo pericial. Como se não bastasse, o C. Superior Tribunal de Justiça assentou, no mesmo julgado, que "a lei não admite que a indicação dos demais peritos seja terceirizada, pois não há previsão para que o perito 'subnomeie' auxiliares de outras áreas de conhecimento; essa nomeação, quando necessária, caberá ao juiz. Isso porque todos os peritos envolvidos na realização da perícia complexa devem atender os mesmos deveres e se sujeitar às mesmas responsabilidade, gozando do mesmo status jurídico de perito expert da confiança do Juízo". A propósito, neste sentido já se manifestou esta C. Câmara Reservada de Direito Empresarial: "Agravo de instrumento. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SUBSTITUIÇÃO DE PERITO. Recurso que deve ser admitido em virtude da subsunção ao conceito de urgência adotado pelo STJ, no julgamento do REsp n. 1.704.520/MT. Mérito. Hipótese em que a perita nomeada afirmou sua expertise no fato de ter atuado em outros feitos e informou que a realização dos trabalhos será acompanhada por engenheiro. Formação jurídica que não é suficiente para satisfazer a exigência de conhecimento técnico ou científico especializado no objeto da perícia. Requisito que não pode ser suprido pelo auxílio de terceiros. Substituição que se impõe, nos termos do art. 468, I, do CPC. Decisão reformada. Recurso provido. 3 Patente de invenção Ação inibitória Afirmação de violação da propriedade industrial a partir da prática de procedimentos sofisticados envolvidos na formulação de fabricação de fungicida Perita nomeada que não possui formação na área Insurgência de ambas as partes Exegese do artigo 468, inciso I do CPC de 2015. Precedente doutrinário e jurisprudencial. Decisão reformada Recurso provido". Assim, por mais notória que seja sua capacidade técnica neste ramo, de rigor o acolhimento do presente recurso para que seja efetuada a substituição da profissional nomeada, por outro que detenha formação na área envolvida na perícia, com arrimo no artigo 468, inciso I do Código de Processo Civil de 2015. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso". Quando for necessário, para a demonstração de determinado fato alegado, conhecer-se tema técnico e/ou científico específico, o magistrado deve determinar a realização da prova pericial, a qual se dará através do trabalho de um perito; um especialista no tema técnico referente ao fato alegado. João Batista Lopes leciona que "de modo geral, a demonstração dos fatos faz-se por documentos ou depoimentos. Às vezes, porém, a prova documental e a oral se mostram insuficientes para o perfeito esclarecimento das alegações formuladas pelas partes. Tal se dá quando a apuração dos fatos envolve matéria técnica que refoge ao conhecimento do homem comum, a exigir o concurso de profissionais especializados ou pessoas experimentadas. É a pericia, que pode assim ser conceituada: trata-se de espécie de prova, produzida mediante o concurso de profissionais especializados ou pessoas experientes". (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 130). O artigo 464 do CPC de 2015 sinaliza que a perícia pode consistir em exame, vistoria ou avaliação. "Exame é a espécie de perícia que recai sobre coisas ou pessoas com a finalidade de verificação de fatos ou circunstâncias de interesse da causa (...). Vistoria é a inspeção realizada sobre imóveis para constatação de circunstâncias relevantes para o desate da causa (...). Avaliação é a fixação ou estimação do valor de mercado de coisas móveis ou imóveis, direitos e obrigações em processos de execução (avaliação dos bens penhorados) ou em inventários". (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 130). Pela regra legal, o magistrado deve indeferir a perícia quando: (i) a prova não depender de conhecimento técnico especializado; (ii) diante das outras produzidas, a prova pericial se mostrar desnecessária; e (iii) não for possível realizar o exame, a vistoria ou avaliação, diante das particularidades do caso concreto. É evidente, contudo, que o magistrado deve observar se os fatos objeto de prova exigem conhecimento técnico especializado. E caso este tipo de conhecimento seja necessário, prudente é que o juiz determine a realização da prova pericial, sob pena de configurar-se, no caso concreto, cerceamento de defesa. O magistrado deve, em decisão motivada, designar o perito especializado para a produção da prova técnica, já fixando, na mesma decisão, o prazo necessário para a entrega do laudo. Em quinze dias, contados da intimação da decisão acima referida, as partes podem arguir o impedimento ou a suspensão do perito (caso haja elemento para isso), indicar seu assistente técnico e apresentar quesitos a serem respondidos pelo perito. O parágrafo primeiro do artigo 465 do CPC de 2015 merece aplausos, pois apresenta o momento específico para que as partes possam questionar a imparcialidade do perito para a elaboração do laudo pericial. Aplicam-se ao perito as mesmas causas de impedimento e suspeição do juiz. Nesta linha leciona Luiz Guilherme Marinoni: "A prova pericial é realizada por perito. Chama-se assim a pessoa - física ou jurídica - que, contando com a confiança do juiz, é convocada para, no processo, esclarecer algum ponto que exija o conhecimento técnico especial. Acima de tudo, o perito deve ter idoneidade moral e, assim, ser da confiança do juiz. Note-se que o juiz julga com base no laudo técnico, e o jurisdicionado tem direito fundamental a um julgamento idôneo. Se é assim, não deve o juiz julgar a partir de laudo pericial assinado por pessoa que não mereça confiança, já que estaria entregando à parte prestação jurisdicional não idônea. O juiz, quando precisa de laudo pericial, não deve deixar que a definição de um fato seja feita por qualquer pessoa, como se não lhe importassem a qualidade e a idoneidade da resposta jurisdicional. Além da idoneidade, o perito deve contar com conhecimento técnico suficiente (...). Ora, se as partes têm direito a um juiz imparcial, obviamente também tem direito a um perito imparcial. É fundamental que o perito seja técnica e moralmente idôneo para que o juiz possa formar um convencimento adequado a respeito dos fatos e para que as partes, por consequência lógica, sejam realmente atendidas por um juiz imparcial. É nesse sentido que se diz que o juiz deve, antes de julgar o litígio, julgar o próprio perito. Aplicam-se ao perito - no intuito de assegurar sua imparcialidade - as mesmas causas de impedimento e suspeição atinentes ao juiz". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 795). Com a apresentação de impugnação ao perito, em razão de suspeição ou impedimento, o juiz, após regular contraditório, julgará o pedido de afastamento do especialista. Note-se que o perito também precisa ser qualificado e ter a habilitação acadêmica e profissional necessárias para dirigir adequadamente a formação do laudo pericial. Daí a importância do parágrafo segundo do artigo 465 do CPC de 2015, que determina que o perito apresente, em cinco dias contados de sua intimação, sua proposta de honorários, seu currículo, com a comprovação de sua especialização, e seus contatos profissionais. Caso as partes, após conhecerem a formação técnica do perito, tenham fundamento para questionar sua adequação para a elaboração do trabalho pericial relativo ao caso concreto, devem, no nosso entendimento, dentro do prazo do parágrafo terceiro do artigo 465 do CPC de 2015, apresentar o pleito de substituição do perito. Como regra geral, o perito deve ser pessoa física. Mas o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser possível a nomeação de estabelecimento oficial para perícia com natureza médica (AgRg no Ag 38839/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 07.02.1995, DJ 20.03.1995, p. 6121). O perito deve demonstrar habilidade técnica, conhecimento acadêmico e todo o profissionalismo necessário para conduzir os trabalhos periciais, com imparcialidade e cumprimento exemplar dos prazos fixados pelo magistrado. Como auxiliar do juízo que é, deve o perito agir com idoneidade moral e sempre de forma diligente. Também, por motivo considerado legítimo, pode o perito apresentar ao juiz sua recusa em desenvolver o trabalho pericial. Caberá ao magistrado verificar, no caso concreto, se o motivo apresentado pelo perito realmente justifica sua recusa em realizar os seus trabalhos em favor do Poder Judiciário. "Porém, em regra, o perito deverá ser dispensado ao se recusar do encargo. Em primeiro lugar, porque haverá outros especialistas disponíveis, que terão evidente interesse em prestar a prova. Em segundo lugar, porque a contrariedade do perito é indicativo de que forçá-lo a fazer a prova redundará em perícia mal feita, cujos resultados não merecerão confiança". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 803). E como já acima assinalado, o perito é auxiliar do juízo, de modo que deve ser imparcial e está submetido às hipóteses de impedimento e/ou suspeição, "valendo para tanto os mesmos motivos que tornam o juiz impedido ou suspeito...". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 804). Com a apresentação de impugnação ao perito, em razão de suspeição ou impedimento, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 465 do CPC de 2015, o juiz, após regular contraditório, julgará o pedido de afastamento do especialista, devendo nomear novo perito, caso as hipóteses de impedimento e/ou suspeição estejam presentes no caso. E, nos termos do artigo 468 do CPC/15, o perito pode ser substituído quando carecer de conhecimento técnico ou científico para o desenvolvimento dos trabalhos e/ou quando, sem motivo legítimo, deixar de apresentar o laudo pericial dentro do prazo determinado pelo magistrado. Luiz Guilherme Marinoni ministra que "o perito deve ser substituído, ainda que sem requerimento do interessado, quando carecer de conhecimento técnico ou científico, ou quando, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. A primeira das hipóteses é inquestionavelmente caso de substituição do perito. A essência da prova pericial está exatamente no conhecimento técnico especializado. Se ele não possui conhecimento sobre a matéria que envolverá a perícia, não há sentido em se permitir a sua participação no processo". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. P. 804). Conforme apontado acima, em nosso entendimento, o momento adequado para a parte questionar o conhecimento técnico e/ou científico do perito é assim que tiver condições de conhecer a formação e experiência do profissional; sendo que, após o perito ter apresentado o seu currículo, com a comprovação de sua especialização (parágrafo segundo do artigo 465 do CPC), a parte terá condições de apresentar, de forma fundamentada, eventual pleito de substituição do perito, nos termos do artigo 468, I, do CPC, e dentro do prazo do parágrafo terceiro do artigo 465 do CPC, prazo este que nos parece o mais adequado para a efetivação da impugnação, pois coincide, inclusive, com o prazo estipulado para a manifestação quanto à proposta de honorários do expert. Como já pontuado, é fundamental que o magistrado se atente para a necessidade de o profissional ter formação técnica e experiência compatível com a complexidade da perícia: "Ao nomear o perito, deve o juiz atentar para a natureza dos fatos a provar e agir cum grano salis, aferindo se a perícia reclama conhecimentos específicos de profissionais qualificados e habilitados em lei, dando à norma interpretação teleológica e valorativa" (REsp 130790/RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 05.08.1999, DJ 13.09.1999, p. 67); "A perícia contábil deve ser efetuada por contador (profissional portador de diploma universitário) devidamente inscrito no Conselho de Contabilidade, e não por técnico em contabilidade ou administrador de empresas" (REsp 115566/ES, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 18/8/1997, DJ 15/9/1997, p. 44341); "Na exegese dos parágrafos do art. 145, CPC, deve o juiz atentar para a natureza dos fatos a provar e agir cum grano salis, aferindo se a perícia reclama conhecimentos específicos de profissionais qualificados e habilitados em lei, dando a norma interpretação teleológica e valorativa" (REsp 7782/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 29/10/1991, DJ 2/12/1991, p. 17540). Não se pode, todavia, afastar a hipótese de o perito apenas se mostrar inabilitado para a realização da perícia no desenrolar dos trabalhos; os quais podem se revelar mais complexos do que o magistrado, as partes e o próprio perito poderiam originalmente imaginar. Neste contexto, caso o próprio perito não venha a requerer sua substituição, caberá ao magistrado, seja antes ou logo depois da entrega do laudo pericial, e sempre se observado o contraditório, substituir o perito que acabou por se mostrar absolutamente carecedor dos conhecimentos necessários para a conclusão do trabalho pericial. É muito importante que o trabalho do perito, na hipótese acima, venha a realmente demonstrar que ele merece ser substituído por falta de conhecimento técnico ou científico para a conclusão da perícia, devendo-se nomear outro perito para a condução da prova. Caso o trabalho apresentado pelo perito seja incompleto e/ou não satisfatório, mas, na verdade, não revele absoluta carência de conhecimento técnico e/ou científico pelo profissional, é certo que o magistrado poderá determinar a prestação de esclarecimentos pelo perito e/ou decidir pela realização de uma segunda perícia; sem se adotar a drástica providência da substituição do perito originalmente nomeado. O Superior Tribunal de Justiça, além das hipóteses do artigo 468 do CPC, já julgou pela possibilidade de substituição do perito quando abalado o elo de confiança entre ele e o magistrado: "O perito judicial é um auxiliar do Juízo e não um servidor público. Logo, sua desconstituição dispensa a instauração de qualquer processo administrativo ou argüição por parte do magistrado que o nomeou, não lhe sendo facultado a ampla defesa ou o contraditório nestes casos, pois seu afastamento da função pode se dar ex officio e ad nutum, quando não houver mais o elo de confiança. Isto pode ocorrer em razão da precariedade do vínculo entre ele e o poder público, já que seu auxílio é eventual. Além desta hipótese, sua desconstituição poderá ocorrer naquelas elencadas no art. 424, do CPC ("O perito pode ser substituído quando: I - carecer de conhecimento técnico ou científico; II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado"). Estas são espécies expressas no texto da lei. Porém, a quebra da confiança entre o perito e o magistrado é espécie intrínseca do elo, que se baseia no critério personalíssimo da escolha do profissional para a função. Assim como pode o juiz nomeá-lo, pode removê-lo a qualquer momento" (RMS 12963/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 21/10/2004, DJ 6/12/2004, p. 311). Quando aplicada a hipótese do inciso II do artigo 468 do CPC, o magistrado deve comunicar o fato à corporação profissional do perito, podendo, ainda, aplicar sanção ao perito, nos termos do parágrafo primeiro. Os parágrafos segundo e terceiro do artigo 468 do CPC revelam a necessidade de o perito substituído devolver à parte, que adiantou os honorários periciais, os valores por ele recebidos em virtude de trabalho não realizado e/ou considerado imprestável pelo próprio magistrado, restituição esta que deverá ser determinada em decisão judicial devidamente motivada. Finalmente, a se reforçar a necessidade da formação técnica do perito, vale algumas notas sobre o artigo 473 do CPC/15. Como verdadeiro reflexo do princípio do contraditório, o artigo 473 do CPC de 2015 apresenta um roteiro mínimo para que o perito possa formular e apresentar o seu laudo pericial, sendo certo que a essência do artigo está na necessidade de o resultado da prova ser claro e conclusivo; apto, enfim, para permitir um diálogo possível entre os sujeitos do processo quanto à questão técnica debatida. O laudo deve conter: (i) a exposição do objeto da perícia; (ii) a análise técnica ou científica realizada pelo perito, com a indicação do método utilizado e a demonstração de que tal método é aceito pela comunidade de profissionais que atuam na área de conhecimento da prova; (iii) resposta clara e conclusiva quanto a todos os quesitos apresentados pelo magistrado e pelos demais sujeitos do processo, com a indicação de como chegou nos resultados alcançados; sempre adotando-se linguagem simples e raciocínio lógico. A prova é técnica, logo não cabe ao perito emitir opiniões pessoais e/ou tecer comentários genéricos sobre as questões eminentemente de direito referentes ao processo. A missão do perito é esclarecer, na qualidade de auxiliar do magistrado, os pontos técnicos e científicos que são o objeto da prova realizada.
André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O art. 926 dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o segundo dispositivo enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. À luz desses dois dispositivos, principalmente, afirma-se que o CPC de 2015 impõe a valorização da jurisprudência. Com efeito, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). Por esse motivo, para concretizar os anseios dos dispositivos acima mencionados, o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015, estabelece o seguinte: "Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: (...) Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento" Ou seja, como decorrência dos comandos do art. 926 e 927, os órgãos jurisdicionais não podem deixar de se manifestar sobre um precedente aplicável, em tese, a um processo que está sob seu julgamento. Nesse caso, há duas opções para o órgão jurisdicional: (i) aplicar o precedente invocado ou (ii) demonstrar a distinção entre a hipótese concreta e o precedente invocado (ou, como preferem alguns, fazer o distinguishing). O que não pode e não deve acontecer é, simplesmente, o órgão jurisdicional ignorar um precedente aplicável a um processo que está sob sua responsabilidade de julgar, sob pena de se configurar uma flagrante omissão na sua atuação. Em um julgado proferido em um passado não muito distante, a União Federal teve que interpor uma série de embargos de declaração (com base na alegação de omissão e invocando o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015) para que, finalmente, o Superior Tribunal de Justiça reconhecesse a existência de um tema de repercussão geral já fixado precedentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Grosso modo, isso significa afirmar que os embargos de declaratórios foram manejados para que o Superior Tribunal de Justiça "valorizasse" a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A ementa do julgado é a seguinte: "PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS/DÉCIMOS. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES COMISSIONADAS ENTRE 8/4/1998 E 4/9/2001. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PRETÓRIO EXCELSO. PRONUNCIAMENTO PELA IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n. 638.115/CE, declarou a impossibilidade de incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas exercidas no período compreendido entre a edição da Lei n. 9.624/98 e da MP n. 2.225-45/2001. 2. Necessidade a adequação do acórdão embargado para reconhecer a ilegalidade da incorporação de quintos por servidores pelo exercício de funções gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a Medida Provisória 2.225-45/2001, respeitada a modulação dos efeitos da decisão para desobrigar a devolução de valores percebidos de boa-fé. Precedentes. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes. (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1420183/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 26/02/2019, grifo nosso)" Com efeito, em um processo em que um servidor público federal discutia com a União Federal a incorporação aos seus vencimentos de "quintos decorrentes de exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas", o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incorporação dos referidos "quintos" aos vencimentos da parte. Porém, a União Federal recorreu dessa decisão alegando que o Supremo Tribunal Federal havia decidido em outro processo, com reconhecimento de repercussão geral, a incorporação de tais quintos era indevida. Afirmou, assim, a União Federal que o Superior Tribunal de Justiça não poderia contrariar o entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no julgamento do RE 638.111/CE de que "ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período de 8/4/1998 a 4/9/2001. Em outras palavras, no julgamento cuja ementa está acima transcrita, o Superior Tribunal de Justiça deixou de aplicar o Tema de Repercussão Geral n. 395 ("incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas") objeto do julgamento do RE 638.111/CE, sem apresentar qualquer justificativa para tanto e sem fazer o chamado distinguishing. Por isso, ficou configurada a flagrante omissão do Superior Tribunal de Justiça, que deveria ter conhecimento do tema de repercussão geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal e que, também, deveria ter aplicado esta decisão precedente ao caso sob sua responsabilidade de julgamento, como forma de valorização da jurisprudência. Assim, os embargos de declaração, interpostos com base no inciso I do parágrafo único do art. 1.022 do CPC de 2015, foram instrumento fundamental para que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fosse respeitada, suprindo-se a omissão apontada e conferindo ao sistema processual civil brasileiro as tão almejadas estabilidade, integridade e coerência (art. 926, do CPC de 2015), "valorizando-se a jurisprudência".  
Rogerio Mollica Em artigo já publicado nesta coluna1, tive a oportunidade de defender que a Sucumbência Recursal só poderia se dar em caso de não conhecimento ou improvimento do Recurso. Em caso de provimento integral do recurso, somente se operaria a inversão dos ônus sucumbenciais, sem a majoração dos honorários. Recentemente o Superior Tribunal de Justiça lançou a edição nº 129 do Jurisprudência em Teses tendo reafirmado: "A majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.2" A consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça prevê, de forma acertada, que só teremos sucumbência recursal no caso do recurso não ser conhecido ou improvido. Portanto, no caso de provimento do recurso, teríamos somente a inversão dos honorários, sem a majoração recursal3. Tal entendimento é contrário ao Enunciado nº 243 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que prevê: "No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal". A Doutrina ainda diverge sobre o assunto, conforme se extraí do entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "Já no caso de provimento total do recurso, o tribunal deverá inverter a condenação inicial e fixar os honorários recursais, em razão do tratamento isonômico exigido pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, afinal, não existe sentido admitir a fixação de honorários no caso de improvimento do recurso, mas não no caso de seu provimento". (Os honorários advocatícios pela sucumbência recursal no CPC/2015, in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador, JusPodivm, 2015, p. 727). No Tribunal de Justiça de São Paulo também temos diversos recentes julgados em que não só se invertem os ônus sucumbenciais, como também fixam honorários recursais: "Ação de cumprimento de sentença emitida na ação civil pública na qual a Telefônica foi condenada a pagar as participações acionárias dos contratos de expansão firmados no período de 25/08/1996 a 30/06/1997. Improcedência. Recurso da ré objetivando a inversão do ônus da sucumbência - Possibilidade - Caso em que o contrato não se insere nos limites definidos na ação coletiva, não tendo a parte o direito postulado - Inteligência do art. 85, caput, do CPC - Arbitramento de honorários recursais em R$ 150,00 - Provimento". (g.n.)(TJSP; Apelação Cível 1014815-34.2016.8.26.0451; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/06/2019; Data de Registro: 29/06/2019) "REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÕES. SERVIDORES ESTADUAIS APOSENTADOS. RECÁLCULO DOS ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO TENDO POR BASE DE CÁLCULO OS VENCIMENTOS INTEGRAIS, OU SEJA, A SOMA DO SALÁRIO BASE COM TODAS AS VERBAS NÃO EVENTUAIS. ACOLHIMENTO INTEGRAL DO PEDIDO, EMBORA A SENTENÇA SEJA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. EQUÍVOCO NA CONDENAÇÃO DOS AUTORES AOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, INCLUSIVE POR SEREM BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. REEXAME NECESSÁRIO OCORRE POR SE TRATAR DE SENTENÇA ILÍQUIDA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.960/2009 NO TOCANTE À ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO QUANTUM DEBEATUR, POIS A TR FOI DECLARADA INCONSTITUCIONAL, DEVENDO SER ADOTADO O IPCA-E. REFORMA PARCIAL DO JULGAMENTO. Os adicionais por tempo de serviço (ATS) devem ter por base de cálculo os "vencimentos integrais", conceito representado pela soma do salário padrão com as demais verbas remuneratórias não eventuais, transitórias ou precárias, cômputo este que inclui as gratificações e os adicionais pagos em caráter geral, denotando escopo de reajuste salarial, sendo vedada, apenas, a incidência recíproca entre as verbas de mesma natureza. Uniformização de Jurisprudência. Inteligência do artigo 129 da Constituição Estadual e do artigo 37, inciso XIV, da Constituição Federal. É devido o pagamento das diferenças pretéritas, sob a ressalva da prescrição quinquenal. Ação julgada improcedente em 1º grau. Sentença reformada. Necessária observância do decidido nos autos da Assunção de Competência nº 0087273-47.2005.8.26.0000, julgada pela C. Turma Especial de Direito Público desta E. Corte, conforme preconiza o artigo 927, inciso V, do CPC e Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 193.485-1/6. Os consectários legais incidentes sobre as diferenças pretéritas devem estar em sintonia com o entendimento consolidado pelo E. STF por ocasião do julgamento do Tema nº 810, com repercussão geral reconhecida, sendo inaplicável o índice de correção monetária previsto na Lei nº 11.960/2009, já que a Taxa Referencial (TR) não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, devendo ser adotado o IPCA-E. Inversão da sucumbência, com arbitramento dos honorários advocatícios recursais. APELAÇÃO DOS AUTORES PROVIDA, REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO DA FAZENDA ESTADUAL NÃO PROVIDOS." (g.n.) (TJSP; Apelação Cível 0045659-53.2012.8.26.0053; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 10ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 24/06/2019; Data de Registro: 24/06/2019) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de verdadeiramente uniformizar o entendimento quanto a impossibilidade de majoração dos honorários advocatícios em caso de provimento do recurso, com inversão dos ônus sucumbenciais. __________ 1 Publicação em 23/11/2017. 2 Tal entendimento é baseado nos seguintes julgados: AgInt nos EDcl no REsp 1746254/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 21/06/2019; AgInt no REsp 1757742/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 23/05/2019 AgInt no AREsp 1424719/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019; AgInt no REsp 1797038/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019; AgInt no REsp 1771319/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 09/04/2019; AgInt no AREsp 1297942/MS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2019, DJe 20/03/2019. 3 Esse também é o entendimento de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 299) e Ronaldo Cramer (Comentários ao Código de Processo Civil, Coordenador Cássio Scarpinella Bueno, vol, 1, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 448). Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes defende que no provimento do recurso há uma nova fixação de honorários e que deve levar em conta todo o trabalho realizado (Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 171).
Daniel Penteado de Castro Os chamados embargos infringentes foram extirpados como recurso em espécie no CPC/2015. Por sua vez, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). A continuidade do julgamento pode ser realizada na mesma sessão em que instaurada a divergência, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). A par da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Em resumo, extrai-se as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2. E, em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o julgamento por maioria de votos, ainda que tirado de recurso de agravo de instrumento interposto em incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial, também está sujeito a observância da inteligência do art. 942 do CPC: Nesse contexto decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INCIDENTAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. APLICAÇÃO. (...) 5. No caso de haver pronunciamento a respeito do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015. 6. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões." (STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.) Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor: "(...) Vale lembrar, no ponto, que, de acordo com o artigo 189 da LREF, o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber. A Corte de origem afastou a aplicação da técnica de ampliação de julgamento ao entendimento de que não houve a reforma de decisão que julgou parcialmente o mérito nos termos exigidos pelo dispositivo acima mencionado: Ademais, esta 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial tem entendido ser caso de julgamento estendido no processo recuperacional apenas quando se discute e se reforma decisão a respeito da homologação do plano, conforme se extrai do seguinte julgado, a saber: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRARIEDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. A decisão recorrida deixou claros os motivos do convencimento da Turma Julgadora para a manutenção do crédito do agravado no quadro geral de credores como indicado pelo Administrador Judicial. A matéria em julgamento diz respeito a um incidente do processo de recuperação judicial, cujo mérito, se de mérito se pode falar, é a homologação do Plano de Recuperação ou a Falência. Mérito, no sentido que tem o art. 942, § 3º, inc. II, do NCPC, é o mérito do processo de conhecimento e não dos incidentes do processo. Basta ver que a Lei nesse ponto se refere a 'decisão que julgar parcialmente o mérito', que tudo indica se refere ao julgamento previsto no art. 356 do Código. O mérito não se identifica no incidente, mas na causa principal em julgamento. (...)" (fl. 2.352, e-STJ - grifou-se). Essa não parece a melhor interpretação a ser dada ao incidente de impugnação de crédito. Com efeito, apesar da nomenclatura "incidente", a impugnação ao crédito não é um mero incidente processual na recuperação judicial, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, que segue o rito dos artigos 13 e 15 da LREF. Observa-se que há previsão de produção de provas e, caso necessário, a realização de audiência de instrução e julgamento (art. 15, IV, da LREF), procedimentos típicos dos processos de conhecimento. (...) É possível concluir, em vista desses fundamentos, que o agravo de instrumento que, por maioria, reforma decisão proferida em impugnação que se pronuncia acerca da validade e classificação do crédito se inclui na regra legal de aplicação da técnica de julgamento ampliado, pois: (i) o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber; (ii) a impugnação de crédito é uma ação incidental de natureza declaratória, em que o mérito se traduz na definição da validade do título e sua classificação; (iii) a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito tem natureza de sentença, fazendo o agravo de instrumento as vezes de apelação, e (iv) se a decisão se pronuncia quanto à validade do título e a classificação do crédito, há julgamento de mérito. Cumpre sublinhar que, na hipótese dos autos, a decisão objeto do agravo de instrumento concluiu que "a multa decorrente da rescisão contratual é crédito extraconcursal e não se submete ao plano de recuperação judicial" (fl. 206, e-STJ), julgando improcedentes os pedidos e extinguindo o incidente com resolução de mérito. Houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual. Nesse contexto, não há como afastar a aplicação do artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, propiciando o aprofundamento da discussão a respeito da controvérsia jurídica sobre a qual houve dissidência. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a nulidade do acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicada, por ora, a análise das demais questões. (STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.) O entendimento acima soa acertado, porquanto independentemente do rotulo em que se veicula determinada tutela jurisdicional (ação autônoma ou incidente processual), é indubitável que o quanto decidido trata-se de mérito em ação incidental, decisão esta sujeita a formação de coisa julgada material. E, se o viés do legislador ao prever no art. 942, caput, como uma das hipóteses de aplicação do julgamento estendido o resultado não unânime do recurso de apelação (sem distinção alguma se o conteúdo recai ou não sobre exame de mérito), por mais razão que na situação ora tratada, o meio de impugnação cabível que faria as vezes ao acesso ao segundo grau de jurisdição - agravo tirado de decisão que julga incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial - também há de sujeitar-se a referida regra. Questão que resta a dúvida (e ousamos neste brevíssimo ensaio responder) diz respeito ao cabimento ou não de sustentação oral no agravo de instrumento tirado da decisão de julgamento do incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial. Entendemos que a resposta soa afirmativa, a se guardar a mesma simetria com a previsão de cabimento de sustentação oral em recurso de apelação (CPC, art. 937, I). Muito embora o meio de impugnação seja o recurso de agravo, a devolução da matéria recursal - na hipótese de agravo tirado de julgamento de incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial - diz respeito ao mérito de uma ação incidental que, tal qual no recurso de apelação, há de se assegurar a prerrogativa cabimento de sustentação oral. __________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do recurso especial 1799572/SC, ocorrido em 9/5/2019, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que o magistrado, com base no princípio da cooperação, deve zelar por um processo efetivo e que tenha duração razoável; enfatizando-se, em especial, o dever de auxílio que o juiz deve observar no decorrer da execução. Veja-se: "TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. I - O pedido de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, tal como o SerasaJUD, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/2015, não pode ser recusado pelo Poder Judiciário sob o argumento de que tal medida é inviável em via de execução fiscal. II - Tal entendimento vai de encontro com o objetivo de promover a razoável duração do processo e a cooperação processual. Além disso, compete ao juízo da execução fiscal tomar as medidas necessárias para a solução satisfativa do feito, conforme interpretação dos arts. 4º, 6º e 139, IV, todos do CPC/2015. III - Recurso especial provido." Enfatiza o ministro Francisco Falcão, em seu voto, que: "A medida de inclusão do nome do devedor no cadastro de inadimplentes encontra previsão expressa no art. 782, § 3º, do CPC/2015 (...). Com efeito, tal medida concretiza o princípio da efetividade do processo, possuindo respaldo basilar nas Normas Fundamentais do Processo Civil, considerando que "as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa" (art. 4º do CPC/2015) e o dever de cooperação processual, direcionado igualmente ao Poder Judiciário, "para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (art. 6º do CPC/2015)." Bem em linha com esse recente acórdão do STJ, vale lembrar que o princípio da cooperação está previsto no artigo 6º do novo CPC/15 e não há dúvida de que este princípio também é destinado ao magistrado na sua relação com os demais sujeitos processuais, sendo esta a leitura que bem faz a doutrina processual portuguesa: "A ideia de cooperação no CPC de Portugal como um dever processual é bem ressaltada pelo processualista português Miguel Teixeira de Sousa, para quem se pode extrair desse princípio positivado basicamente quatro principais deveres do órgão judicial: a) dever de esclarecimento; b) dever de prevenção; c) dever de consultar as partes; e d) dever de auxiliar as partes"1. No direito processual português, o princípio da cooperação está positivado no artigo 7º do Código de Processo Civil de Portugal/2013: "na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio". Fredie Didier Jr., acerca do princípio da cooperação no direito processual português, bem sinaliza que "é fonte direta de situações jurídicas ativas e passivas, típicas e atípicas, para todos os sujeitos processuais, inclusive para o órgão jurisdicional"2. Abílio Neto3 ainda sobre o princípio da cooperação no direito processual português, ressalta que a aplicação deste princípio vincula o órgão jurisdicional em sua relação com as partes, transformando-se em verdadeiro dever, o qual "desdobra-se em dois deveres essenciais: um é o dever de esclarecimento ou de consulta, isto é, o dever de o tribunal esclarecer junto das partes as eventuais dúvidas que tenha sobre suas alegações ou posições em juízo, de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de esclarecimento de uma situação e não a verdade sobre ela apurada; o outro é o dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as informar sobre aspectos de direito ou de fato que por elas não foram considerados...". Fernando Pereira Rodrigues4 sustenta que o princípio da cooperação "consiste no dever imposto aos magistrados, aos mandatários, às partes e a terceiros intervenientes acidentais no processo, de prestarem o seu contributo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio". Neste passo, enfatizando o dever de auxilio que o magistrado deve observar na execução, o STJ bem sinaliza pela necessária aplicação do princípio da cooperação para reger a conduta do juiz no processo, em total consonância com a majoritária doutrina que escreve sobre o tema. __________ 1 ZUFELATO, Camilo. Análise Comparativa da cooperação e colaboração entre os sujeitos processuais nos projetos de novo cpc, in: Freire, Alexandre; Dantas, Bruno; Nunes, Dierle; Didier Jr., Fredie; Medina, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; Camargo, Luiz Henrique Volpe; Oliveira, Pedro Miranda de . Novas Tendencias do Processo Civil. Salvador: Jus Podium, 2013. p. 113). 2 DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra editora, 2010. p. 109. 3 NETO, Abilio. Novo código de processo civil anotado. 2ª. Edição. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 92. 4 RODRIGUES, Fernando Pereira. O novo processo civil e os princípios estruturantes. Coimbra: Almedina, 2013. p. 113.
Rogerio Mollica Uma das maiores e mais comemoradas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, que possibilita ao sócio se manifestar previamente sobre as alegações do requerente, no prazo de 15 dias, e com ampla possibilidade probatória, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015. O professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Alexandre Freitas Câmara cita a importância da criação do instituto para o nosso ordenamento jurídico: "Importante, ainda, é registrar que este incidente vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório do processo de formação da decisão que define sua responsabilidade patrimonial, o que contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial (o que só seria admitido, em caráter absolutamente excepcional, nas hipóteses em que se profere decisão concessiva de tutela provisória, e mesmo assim somente nos casos nos quais não se pode aguardar pelo pronunciamento prévio do demandado). Ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permite àquele que está na iminência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no processo se é ou não legítimo que seu 'patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica." (O novo Processo Civil Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 95) Uma dúvida que surgiu é se tal Incidente seria aplicável às Execuções Fiscais. Em recentíssimo acórdão assim decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida. III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014). V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido." (g.n.) (REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019) O entendimento peremptório da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça quando ao não cabimento do Incidente em Execução Fiscal não parece ser o mais correto. O mais adequado parece ser o entendimento da 1ª Turma, que em recente julgado somente afastou o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional), mas manteve a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no artigo 50 do Código Civil: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO "DE FATO". INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE. 1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à lei 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.5. Recurso especial da sociedade empresária provido." (g.n.) (Recurso Especial nº 1.775.269 - PR, Rel. Ministro Gurgel de faria, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. u., in DJe de 1/3/2019) Portanto, no caso de desconsideração da personalidade jurídica baseada no artigo 50 do Código Civil, em que se verifica o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, faz-se necessária a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Desse modo, espera-se que em breve a Primeira Sessão do Superior Tribunal de Justiça pacifique a questão para que tenhamos a definição em que situações será aplicado o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais.  
Daniel Penteado de Castro O art. 489, § 1º, III, do CPC/2015 trouxe importante inovação ao elencar, dentre as hipóteses de não se considerar fundamentada (e, evidentemente, violadora do Princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais, também de previsão constitucional do art. 93, IX, da CF), a decisão judicial que "(...) invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão". Muito embora tal hipótese atuava para exemplificar, nos bancos acadêmicos e reforçada pela doutrina, como circunstância de decisão não fundamentada, foi necessário o legislador tornar o exemplo acadêmico em dispositivo de lei. Com o advento da novel regra a doutrina corrobora os reclamos anteriores, no sentido de repudiar decisões em que se empregam fundamentos genéricos, sem, contudo, projetá-los ao caso concreto ou em confronto com os elementos presentes nos autos: "O terceiro exemplo a que se refere o Código de Processo Civil diz respeito ao julgado que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (art. 489, § 1º, III). (...) O dispositivo em tela, na verdade, visa a coibir situação diversa: aquela na qual o julgador lança mão de uma fundamentação genérica, inútil e meramente formal. Exemplos: "presentes os pressupostos legais, defiro a liminar"; "inadmito o recurso especial, porque o acórdão recorrido formou a sua convicção com base nas provas e circunstâncias fáticas próprias do caso sub judice (Súmula 7 do STJ)". Decisões desse tipo constituem tautologias e desprezam a garantia constitucional, porque não são substancialmente motivadas." (FONSECA, João Francisco Naves da. In: GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil - volume IX (arts. 485-508). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 55/56, grifou-se). A própria magistratura, ao comentar dito dispositivo, chama a atenção a odiável prática que deve ser repelida. A obra abaixo referenciada, foi integralmente escrita por magistrados: "O inciso III cuida da decisão que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra. Na verdade, o legislador mostrou-se sensível ao fato de que, em tempos de produção em série, em que, para afastar a morosidade da justiça, louvam-se as estatísticas, a produtividade do juiz, muitas vezes são exaradas decisões padrão, com termos vazios, que serviriam a 'fundamentar' qualquer outra decisão. O julgador não desce ao caso concreto. Aplica-se a decisão-padrão sem examinar as características próprias da controvérsia. Por exemplo: 'verossímil a alegação do autor e sendo ele hipossuficiente, inverto o ônus da prova'. No mais das vezes, a hipótese do inciso III confunde-se com a do inciso I. É a paráfrase de textos normativos ou sua repetição, quase sempre, que permite a adoção de decisões-padrão" (OLIVEIRA, Swarai Cervone de. In: SANTOS, Silas Silva; CUNHA, Fernando Antonio Maia da; CARVALHO FILHO, Milton Paulo de; RIGOLIN, Antonio (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil: perspectivas da magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 520/521). A luz da vigência do CPC/2015, felizmente o E.STJ, atento a tamanha teratologia, já repeliu a estirpe de decisões padrões: "RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. A decisão que determina a quebra de sigilo fiscal e bancário deve conter fundamentação concreta, justificando a razão pela qual a medida deva recair sobre a pessoa a quem é dirigida. 2. Carece de fundamentação a decisão genérica, que não enfrenta os fatos particulares do caso, podendo servir a qualquer outro. 3. Recurso ordinário provido, para anular a decisão que impôs a quebra dos sigilos fiscal e bancário da recorrente, determinando que, caso a medida já tenha sido efetuada, sejam desentranhados dos autos os elementos de informação dela decorrentes." (STJ, RMS 51273/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 11/12/2018, DJe 01/02/2019, grifou-se) "PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL OU OUTRA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. DANO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESACATO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. MERA REMISSÃO À MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. (...) 2. A técnica de fundamentação per relationem - aceita por esta Corte - não dispensa considerações, ainda que mínimas, por parte do Magistrado acerca dos elementos concretos do fato sub análise, sendo insuficiente a mera remissão ao parecer ministerial, sob pena de autorização de decisão padrão que se amoldaria a todas as manifestações do Parquet (Precedentes). (...)" (STJ, HC 457303/TO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJE 03.10.2018, v.u., grifou-se) PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. DECISÃO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DESNECESSIDADE DE EXTENSA FUNDAMENTAÇÃO. 2. MOTIVAÇÃO GENÉRICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO NULA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, não sendo caso de absolvição sumária, a motivação acerca das teses defensivas formuladas no bojo da resposta à acusação deve ser sucinta, de forma a não se traduzir em indevido julgamento prematuro da causa. 2. No entanto, da leitura da decisão impugnada, verifica-se esta é genérica e não identifica o que está sendo refutado. Cuida-se de decisão padrão, aplicável a qualquer caso. Certo é que a decisão que serve para qualquer hipótese acaba por não analisar de forma individualizada o pleito do acusado, a denotar a apontada nulidade por ausência de fundamentação. Como é cediço, "é essencial que o julgador demonstre que conhece os autos e os pleitos das partes. Não se admite decisão teratológica, genérica ou desvinculada da realidade processual. O exame detido do processo é pré-requisito para um julgamento justo e equânime". (HC 375.180/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017) 3. Recurso em habeas corpus provido, para anular a decisão que analisou a resposta à acusação, devendo outra ser proferida de forma individualizada e fundamentada." (STJ, RHC 95550/PA, Rel. Min Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20.06.2018, v.u., grifou-se) Certamente não é essa restrição ilegítima de acesso à justiça compactuada pela Corte Cidadã. A abstração de se aplicar como fundamentação de inadmissibilidade do recurso especial slogans lançados ao vento, à exemplo de "violação a súmula 7" ou "ausência de cotejo analítico" acima, sem substrato mínimo ao caso concreto, por si só já viola o art. 489. § 1º, III. De igual sorte, tamanha a teratologia de decisões padrão que a parte prejudicada por eventual conteúdo decisório nela presente sequer terá condições de compreender o porquê do livre convencimento restou assentado nas premissas ali lançadas, porquanto tais premissas se encontram divorciadas de qualquer elemento (ou indicação de fls.) presentes nos autos ou à luz da análise do caso concreto, a inviabilizar o amplo acesso à justiça. Neste caso, tem-se o livre convencimento, porém sem motivação, o que também agride o art. 371 do CPC. Portanto, fica a esperança dos precedentes acima citados não só serem observados, mas também reproduzido tal ratio decidendi em situações congêneres (CPC, art. 926, caput), com vistas a iniciar o desenvolvimento de uma cultura de repúdio a decisão padrão, decisão esta que não há mal algum na reprodução de suas premissas em diversas demandas, desde que cotejada a aplicação de tais premissas, verdadeiramente, a luz do caso concreto em exame.  
André Pagani de Souza Os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O primeiro artigo dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o art. 927 enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. A partir da leitura dos dispositivos acima mencionados, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). Nesse sentido, é possível afirmar que os artigos 926 e 927, do CPC de 2015, propõe uma "valorização da jurisprudência". Em outras palavras, confere-se uma importância significativa ao entendimento dominante de determinado tribunal sobre certos temas em certo período de tempo na medida em que os juízes e tribunais são exortados a observar as decisões mencionadas nos incisos I a V do art. 927 e ao passo que se impõe aos tribunais o dever de uniformizar a jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente. Tanto é verdade o que foi afirmado acima que ao longo do CPC de 2015 é possível encontrar dispositivos que buscam reforçar e concretizar a proposta de "valorização da jurisprudência" lançada pelos arts. 926 e 927. Confira-se, a título meramente ilustrativo, as seguintes hipóteses do CPC de 2015: a) Concessão de tutela provisória da evidência (art. 311, II); b) Improcedência liminar do pedido (art. 332); c) Dispensa da remessa necessária (art. 496, § 4º); d) Dispensa de caução no cumprimento provisório (art. 521, IV); e) Atuação monocrática do relator (art. 932); f) Decisão em incidente de assunção de competência (art. 947, § 3º); g) Julgamento monocrático de conflito de competência (art. 955, p. único); h) Cabimento de reclamação (art. 988); i) Incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985); j) Julgamento de recursos repetitivos (art. 1.040); k) Fundamentação das decisões (art. 489, § 1º, V e VI); l) Embargos de declaração para decisões que não aplicarem (art. 1.022, p. único, I). Em todos os dispositivos acima, é possível verificar que o CPC de 2015, de uma maneira sistemática e proposital, busca concretizar a diretriz de que a jurisprudência deve ser uniformizada e também coerente, estável e íntegra. Aliás, diga-se de passagem, não podia ser diferente, pois a Constituição Federal consagra o princípio da isonomia (CF, art. 5º, "caput" e inciso I) e também o da segurança jurídica (CF, art. 5º, inciso, XXXVI). Em outras palavras, tanto a Constituição Federal como o CPC de 2015 impõem que pessoas em situações iguais merecem decisões iguais, conferindo-se maior segurança e previsibilidade ao sistema processual civil. Por isso, causa surpresa a informação veiculada pelo jornal "Estado de São Paulo", em 18 de fevereiro de 2019, de que 52% (cinquenta e dois por cento) dos magistrados de primeira instância no Brasil não levam a jurisprudência em conta em seus julgamentos (Acesso em 5 de junho de 2019). Tal informação foi extraída de pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros e coordenada pelo Ministro Luís Felipe Salomão (STJ) intitulada "Quem somos: a magistratura que queremos" (Acesso em 05 de junho de 2019). Com efeito, para que a valorização da jurisprudência seja uma realidade, torna-se imprescindível que todos os envolvidos com a prestação jurisdicional (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, defensores públicos etc.) levem em consideração, ao realizarem o seu trabalho, a jurisprudência. Caso contrário, o resultado já é conhecido por todos: insegurança jurídica, incoerência, instabilidade e assim por diante. Em razão da importância da valorização da jurisprudência para o bom funcionamento do sistema processual atual, nos próximos artigos trataremos da necessária relação entre os "precedentes" e os dispositivos acima mencionados extraídos do CPC de 2015: art. 311, II; art. 332; art. 496, § 4º; art. 521, IV; art. 932; art. 947, § 3º; art. 955, p. único; art. 988; art. 985; art. 1.040; art. 489, § 1º, V e VI; art. 1.022, p. único, I. Cada qual a sua maneira deixa claro que não se pode ignorar a jurisprudência ao se trabalhar com o direito processual civil.  
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do Recurso Especial 1.760.966/SP, ocorrido em 4/12/2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que a apresentação de impugnação pela parte ré - tal qual a contestação - já seria elemento suficiente para evitar a estabilização da tutela provisória antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC/15; não sendo exclusivamente necessário interpor, na visão do julgado em tela, o recurso de agravo de instrumento para impedir tal estabilização. Veja-se: "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 do CPC/2015, torna-se estável somente se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Inicialmente cumpre salientar que uma das grandes novidades trazidas pelo novo diploma processual civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, disciplinada no referido art. 303. Nos termos do art. 304 do CPC/2015, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução do mérito. O referido instituto, que foi inspirado no référé do Direito francês, serve para abarcar aquelas situações em que as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença). Em outras palavras, o autor fica satisfeito com a simples antecipação dos efeitos da tutela satisfativa e o réu não possui interesse em prosseguir no processo e discutir o direito alegado na inicial. A ideia central do instituto, portanto, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Sem embargo de posições em sentido contrário, o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela. Ora, não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. Com efeito, admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada." Na mesma linha de pensamento é a doutrina do Professor Daniel Mitidiero, que bem pontua que: "se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização de audiência de conciliação ou mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Esta solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo" (Breves Comentários ao Novo CPC, Teresa Arruda Alvim... (et al.) Coord., São Paulo: RT, 2015. Pag. 789). O professor Cassio Scarpinella Bueno, no mesmo norte, leciona que: "a melhor resposta é a de aceitar interpretação ampliativa do texto do caput do art. 304 do CPC. Qualquer manifestação expressa do réu em sentido contrário à tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida no sentido de inviabilizar a incidência do art. 304...". (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 708). Com acerto, portanto, é a percepção do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no julgamento do referido recurso especial, no sentido de que: "É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença." O relevante citado julgamento do Recurso Especial 1.760.966/SP é a primeira manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre a estabilização da tutela provisória antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC/15, sendo um importante marco para a construção da melhor linha de interpretação desta norma processual.  
Rogerio Mollica É do nosso ordenamento a total impenhorabilidade dos salários, exceto para o pagamento de prestações alimentícias. O artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 1943 previa que os salários seriam absolutamente impenhoráveis. Já o artigo 843, IV do Código de Processo Civil de 2.015 suprimiu o termo "absolutamente" e agora consta que são impenhoráveis: "IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º." O parágrafo § 2º excetua o caso de prestação alimentícia e inova ao possibilitar a penhora de salário superior a 50 salários mínimos. Nesses três anos de vigência do Código de Processo Civil, o que se tem visto é a flexibilização de tal dispositivo, permitindo-se a penhora de salários em outras situações não previstas pelo Código de Processo Civil. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de dois artigos nessa coluna, nas datas de 28/2/2019 e 11/10/2018. Entretanto, faz-se necessária a volta a esse tema, pois tivemos outros recentes julgados sobre o tema. Nos Embargos de Divergência nº 1.518.169 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça assentou em outubro de 2018 que "4. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes." Já em Fevereiro de 2019 a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que: "3. As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2°), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade."1 E esse parece ser o ponto central da discussão, por mais que se concorde com a flexibilização da penhora de salários2, ela é totalmente contrária à lei, quando ocorre em dívidas não alimentícias ou em salários inferiores a 50 salários mínimos. Se não se concorda com a previsão legal, ou se declara a lei inconstitucional ou se modifica a lei. É preocupante que a jurisprudência passe a interpretar o Código de Processo Civil de uma forma totalmente contrária à expressa previsão da lei. Recentemente, tivemos também a interpretação do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de forma totalmente contrária à prevista pelo legislador3. Por mais que se concorde que existem hipóteses em que deve ser autorizada a interposição de agravo de instrumento e que não foram contempladas pelas previsões do artigo 1.015 do CPC, essa foi uma opção do legislador, e salvo melhor juízo, sua alteração demandaria uma modificação legislativa e não um julgamento contrário à expressa previsão legal. E o entendimento pela flexibilização das regras de penhorabilidade de salários é o que vem prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) Em 23/4/2019 foi proferido julgamento pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (acórdão pendente de publicação - AResp 1.336.881) dando provimento ao Agravo Interno para determinar que a natureza da dívida e a alta renda do Executado autorizam a penhora de 15% do salário para a quitação de aluguéis residenciais. Criou-se assim, um critério subjetivo que seria a análise de percentual de salário que seria capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Pela expressa previsão do Código de Processo Civil esse valor seria de 50 salários mínimos e somente o percentual que suplantar esse valor pode ser penhorado. Entretanto, pelo entendimento jurisprudencial, se dez salários forem suficientes para dar guarida à dignidade do devedor, os outros 40 salários poderiam ser penhorados. Portanto, por mais que esses julgados possam ter feito "Justiça" no caso concreto, eles trazem grande insegurança jurídica ao contrariar expressa previsão legal e criam um caráter subjetivo inexistente no CPC. __________ 1 AgIn no RESP 1.407.062/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, DJE 08/4/2019. 2 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320). 3 REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.  
Daniel Penteado de Castro Uma das inovações introduzidas no CPC/2015 diz respeito ao cabimento de ação rescisória pautada em prova nova. A hipótese antes prevista no art. 485, VII do CPC/731 foi reproduzida parcialmente no artigo 966, VII, porém substituída a expressão "documento novo" por "prova nova": "Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; A inovação soa impactante. Isso porque a hipótese, antes renegada a existência de documento novo, restou expandida ao conceito de prova nova, cuja amplitude contemplaria no mínimo as provas em espécie rotuladas no CPC/2015: ata notarial (art. 384), depoimento pessoal (arts. 385 a 388), confissão (arts. 389 a 395), documental (arts. 405 a 438), testemunhal (art. 442 a 463) e pericial (arts. 464 a 480). Ainda, o CPC de 2015, por meio do art. 975, § 2º, determinou, na hipótese de ação rescisória fundada em prova nova, que "(...) o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo". E recentemente o STJ decidiu que se encontra dentro do conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, a prova testemunhal: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCISO VII, CPC/2015. PROVA NOVA. PROVA TESTEMUNHAL. CABIMENTO. DECADÊNCIA. ART. 975, § 2º, CPC/2015. AFASTAMENTO. TERMO INICIAL DIFERENCIADO. DATA DA DESCOBERTA DA PROVA. RETORNO DOS AUTOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Recurso especial oriundo de ação rescisória, fundada no artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, na qual a autora noticia a descoberta de testemunhas novas, julgada extinta pelo Tribunal de origem em virtude do reconhecimento da decadência, por entender que testemunhas não se enquadram no conceito de "prova nova". 3. Cinge-se a controvérsia a definir se a prova testemunhal obtida em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão rescindenda está incluída no conceito de "prova nova" a que se refere o artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a ser considerado, para fins de contagem do prazo decadencial, o termo inicial especial previsto no artigo 975, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (data da descoberta da prova nova). 4. O Código de Processo Civil de 2015, com o nítido propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. 5. No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Doutrina. 6. Nas ações rescisórias fundadas na obtenção de prova nova, o termo inicial do prazo decadencial é diferenciado, qual seja, a data da descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 7. Recurso especial provido." (REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se) O voto condutor bem apontou as razões que lastrearam o acórdão recorrido, sob a preocupação de que a admissibilidade de prova testemunhal com dentro do espectro de prova nova desafia o cabimento de ação rescisória. "Segundo o Tribunal de origem, "(...) Não há como aplicar o § 2º, do art. 975, do CPC, porque a hipótese modelada no dispositivo diz respeito a descobrir 'prova nova' e não testemunhas novas. A redação encaminha o intérprete a reconhecer que se refere a fato provado ou documento existente e não coisa a ser apurada e dependente de confirmação, como é o caso de prova oral a ser produzida. Essa interpretação que a autora pretende que prevaleça poderá ampliar de forma demasiada o fim de um processo, na medida em que ao invés de dois anos do trânsito em julgado, permanece a instabilidade pela chance de ação rescisória por mais cinco anos e tudo isso por um elemento abstrato, como eventual e suposto conhecimento de testemunhas. É muito frágil a tese e depõe contra os princípios constitucionais da celeridade ou do prazo razoável de duração (art. 5º, XXXV, da CF e LXXVIII, da Constituição Federal)" (e-STJ fl. 593)." Todavia, prevaleceu entendimento em sentido contrário, conforme se extrai do voto condutor: "(...) Assiste razão à recorrente no ponto. De fato, com o nítido o propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, o novo diploma processual passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. (...) Logo, de acordo com o novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Nesse sentido são as lições da doutrina abalizada: "(...) Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. Mas, da mesma forma que ocorria em relação ao documento novo, por prova nova deve entender-se aquela que já existia quando da prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, ou que dele não pôde fazer uso - portanto, não cabe, no caso, dar início a nova perícia judicial, por exemplo. São enquadráveis, portanto, neste dispositivo, apenas os documentos, os depoimentos e os testemunhos. (...)". (NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pág. 2.060 - grifou-se) (...) No caso em apreço, tendo sido as testemunhas novas alegadamente encontradas em 1/7/2017 e 30/10/2017, e considerando ainda a data do trânsito em julgado da sentença rescindenda (15/7/2014), no momento da propositura da demanda (14/12/2017) ainda não tinha se esgotado o prazo legal de decadência aplicável à hipótese. Imperioso, desse modo, o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, afastada a decadência, prossiga no processamento da ação rescisória como entender de direito. (...)" (REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se) Muito embora o julgado acima tenha se limitado a examinar se a prova testemunhal se enquadra no conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, caberá, desta feita ao tribunal a quo perquirir se a descoberta da prova testemunhal se enquadra em literal hipótese em que a parte desconhecia a testemunha ou, ainda, limitado se encontrava o acesso a aludida pessoa. Em verdade, o ônus da prova neste aspecto cognitivo deve recair ao autor da ação rescisória, questão esta de fundamental importância para exame preliminar se à época da demanda seria ou não inviável o acesso a testemunha, a ponto de se aproximar do conceito de prova nova. Do contrário, tal qual alertado pelo tribunal a quo, no precedente acima referenciado, corre-se o risco de escancarar o cabimento da ação rescisória, senão a relativizar a preclusão processual. Tudo isso, para uma prova que, uma vez admitida, ainda é desconhecido o que será revelado, podendo tal prova em nada contribuir para a modificação do julgado. Respeitado entendimento em sentido contrário, o que se espera é que a corte cidadã aplique seu próprio precedente em outras situações congêneres aptas a questionar a discussão se a prova testemunha se enquadra no conceito de prova nova, para efeito do cabimento de ação rescisória. __________ 1 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: "(...) VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;"
André Pagani de Souza O art. 1.015, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), dispõe que "cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre (...) tutela provisória". Desde o início da vigência do CPC/2015, surgiu a dúvida sobre qual deveria ser a decisão que poderia ser impugnada por meio de agravo de instrumento nos termos do dispositivo acima mencionado: a decisão que defere o pedido de tutela provisória ou a decisão que indefere o pedido de tutela provisória? Ou, ainda, a decisão que revoga a tutela provisória concedida? Ou, seria algo mais amplo, a abranger tudo o que foi mencionado e também as decisões que apreciam o exame dos pressupostos, o modo e prazo para cumprimento, a adequação das técnicas de cumprimento e assim por diante? Pois bem, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu estabelecer em um acórdão qual a decisão a que o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015 faz referência. Confira-se, abaixo, a ementa do julgado: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONCEITO DE 'DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE VERSA SOBRE TUTELA PROVISÓRIA' PARA FINS DE RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART. 1.015, I, DO CPC/15. ABRANGÊNCIA. CONCEITO QUE COMPREENDE O EXAME DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES, A DISCIPLINA SOBRE O MODO E PRAZO PARA CUMPRIMENTO, A ADEQUAÇÃO DAS TÉCNICAS DE EFETIVAÇÃO E A NECESSIDADE OU A DISPENSA DE GARANTIAS. EXTENSÃO PARA A HIPÓTESE EM QUE SE IMPÔS AO BENEFICIÁRIO O DEVER DE ARCAR COM AS DESPESAS DE ESTADIA DO BEM IMÓVEL EM PÁTIO DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1- Ação proposta em 18/02/2014. Recurso especial interposto em 27/11/2017 e atribuído à Relatora em 13/07/2018. 2- O propósito recursal é definir se o conceito de "decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias", previsto no art. 1.015, I, do CPC/15, abrange também a decisão interlocutória que impõe ao credor fiduciário o dever de arcar com as despesas relacionadas ao depósito do bem em pátio de terceiro. 3- O conceito de "decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória" abrange as decisões que examinam a presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetiva da tutela provisória e, ainda, a necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória. 4- Na hipótese, a decisão interlocutória que impõe ao beneficiário o dever de arcar com as despesas da estadia do bem móvel objeto da apreensão em pátio de terceiro não se relaciona de forma indissociável com a tutela provisória, mas, sim, diz respeito a aspectos externos e dissociados do conceito elementar desse instituto, relacionando-se com a executoriedade, operacionalização ou implementação fática da medida. 5- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1752049/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019, grifos nossos) Como se pode perceber, a Terceira Turma optou pela última hipótese acima aventada, interpretando o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015 de modo abrangente, para incluir a possibilidade de se recorrer imediatamente das decisões que concedem tutela provisória, rejeitam o pedido e também para os pronunciamentos judiciais que versem sobre o modo de cumprimento, as técnicas executivas empregadas, os prazos fixados para efetivação e assim por diante. Tendo em vista que o acórdão acima mencionado, digno de elogios, foi publicado em 15/3/2019, resta ver se as demais turmas do Superior Tribunal de Justiça também interpretarão da mesma maneira o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015 para fins de cabimento de agravo de instrumento.
quinta-feira, 25 de abril de 2019

Reflexão sobre o artigo 139, IV, do CPC/15

Elias Marques de Medeiros Neto O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. A importância de um modelo cooperativo de processo civil, também pautado pelo respeito às garantias constitucionais, bem como pela observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, podem ajudar na construção das diretrizes necessárias para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil. Para Fernando da Fonseca Gajardoni1, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, sendo que "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)". Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno2, no sentido de que o artigo 139 revela "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiariedades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiariedades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional". Teresa Arruda Alvim3, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell4, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Confira a íntegra do artigo. __________ 1 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil, Questões Controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 4 Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.  
Rogerio Mollica Uma das maiores conquistas da advocacia no Novo Código de Processo Civil foi a melhor disciplina dos honorários advocatícios, que com o Novo Código de Processo Civil tendem a ser mais elevados, principalmente pela criação da sucumbência recursal. Entretanto, nesses três anos de vigência do Código de Processo Civil, o que se tem visto é desvirtuamento do § 8º do artigo 85 do CPC para a diminuição dos valores dos honorários advocatícios, tidos por alguns magistrados como excessivos. De fato, o Código de Processo Civil previu que a equidade só poderia ser utilizada para a majoração de honorários advocatícios tidos por muito baixos ou irrisórios, conforme prevê o § 8º do artigo 85: "§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor Nesse mesmo sentido é o Enunciado 06 aprovado na I Jornada de Direito Processual do Conselho da Justiça Federal: "A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º do art. 85 do CPC." Dada a importância do tema, ele já foi objeto de três artigos nessa coluna, nas datas de 3/5/2018, 23/8/2018 e 20/9/2018. Entretanto, faz-se necessária a volta a esse tema, pois em recentíssimo julgado a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a fixação dos honorários entre 10 e 20% é de obediência estrita e não pode ser mitigada pela redução do percentual em virtude da previsão do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil. No julgamento do Recurso Especial 1.746.072 / PR (Relator para acórdão, Min. Raul Araújo Filho), a Segunda Seção, por 6X3, decidiu pela impossibilidade de se utilizar o § 8º do artigo 85 para a redução de honorários tidos por excessivos: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido. 2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º). 3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria. 4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). 5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. 6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido. (REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019) Em seu voto assim concluiu o ministro Luis Felipe Salomão: "Os termos empregados no citado parágrafo 8º - "inestimável" e "irrisório" -, segundo penso, não dão margem para que o intérprete, a pretexto de utilizar interpretação extensiva, possa validamente extrair o sentido de "muito alto" ou "exorbitante". Nesse caso, é, com o devido respeito, ao invés de interpretar, legislar em nome do legislador, pois este fez uma opção e a expressou no texto legal." Como não poderia deixar de ser a Doutrina entende que o dispositivo não pode ser utilizado em seu sentido inverso. Nesse diapasão é a lição de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo; comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 297): "Seguramente haverá debate se este § 8º pode ser utilizado para minorar os honorários, caso o resultado da fixação, conforme os critérios previstos nos diversos parágrafos, leve a uma quantia muito elevada. A resposta deve ser negativa. A opção do legislador foi clara, o presente artigo foi inserido com a finalidade de afastar as condenações em valores irrisórios. Assim, é diametralmente oposto ao previsto na legislação aplicar esse dispositivo para diminuir os honorários fixados conforme critérios legais." Desse modo, é mais um importante precedente, agora de uma seção do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, que mesmo não tendo sido julgado sob a égide dos processos repetitivos, deve ser seguido pelos demais Tribunais visando o respeito à previsão legal e evitando o aviltamento dos honorários advocatícios.
Daniel Penteado de Castro O art. 530 do CPC/73 previa os chamados embargos infringentes como recurso em espécie, como meio de impugnação cabível "(...) quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória." Referido recurso tinha hipóteses taxativas de cabimento (i) tirado de acórdão de reforma de sentença de mérito em julgamento de recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. Os embargos infringentes foram extirpados como recurso em espécie no CPC/2015. Todavia, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). É possível que a continuidade do julgamento seja efetivado na mesma sessão em que instaurada a divergência, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Sem prejuízo da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Em síntese, extrai-se as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2. Que pode emergir quanto a aplicação de referida técnica paira a luz do direito intertemporal. O art. 14 do CPC proclama que a "(...) norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos já em curso, respeitados os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Ao passo em que o art. 1.046, reservado as Disposições Finais e Transitórias, reforça que "(...) ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processo pendentes, ficando revogada a lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973". Muito embora o CPC/2015 tenha adotado a teoria do isolamento dos atos processuais para se resolver questão de direito intertemporal, os dispositivos acima não resolvem o problema ligado a aplicação da técnica de julgamento estendido prevista no art. 942 do CPC. Afinal, o ato processual a ser isolado (para assim definir a aplicação do regime do CPC/73 ou do CPC/2015) seria (i) a interposição do recurso ou ajuizamento da ação rescisória, o (ii) início do julgamento (o que por vezes pode ocorrer passados três anos após sua interposição) ou, (iii) a proclamação do resultado do julgamento (por vezes é comum o julgamento ser aditado em razão de pedido de vistas por um dos integrantes da turma julgadora, a adiar o respectivo resultado que somente será apresentado em nova sessão de julgamento? Nesse contexto decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC/2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. APELAÇÃO. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. NATUREZA JURÍDICA. INCIDÊNCIA. MARCO TEMPORAL. ABRANGÊNCIA. NULIDADE. CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a aferir (i) qual o diploma adjetivo regulador do julgamento colegiado que se iniciou sob a vigência do CPC/1973, mas se encerrou na vigência do CPC/2015; (ii) sucessivamente, entendendo-se pela aplicação do CPC/2015, se era cabível a aplicação da sistemática do julgamento ampliado na hipótese em que a sentença é mantida por acórdão não unânime; e, no mérito, (iii) se há violação do direito exclusivo de exploração da marca validamente registrada "Empório Santa Maria" em virtude da utilização, como título de estabelecimento, do termo "Casa Santa Maria". 3. Nos termos do art. 942, caput, do CPC/2015, quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada, com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. 4. O art. 942 do CPC/2015 não estabelece uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 5. O art. 942 do CPC/2015 possui contornos excepcionais e enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, cuja aplicabilidade só se manifesta de forma concreta no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime, porém anterior ao ato processual formal subsequente, qual seja a publicação do acórdão. 6. Diante da natureza jurídica sui generis da técnica de ampliação do colegiado, o marco temporal para aferir a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 deve ser a data da proclamação do resultado não unânime da apelação, em respeito à segurança jurídica, à coerência e à isonomia. 7. Na hipótese em que a conclusão do julgamento não unânime da apelação tenha ocorrido antes de 18/3/2016, mas o respectivo acórdão foi publicado após essa data, haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de interposição de embargos infringentes, atendidos todos os demais requisitos cabíveis. Precedente da Terceira Turma. 8. Na hipótese de proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorrer a partir de 18/3/2016, deve ser observado o disposto no art. 942 do CPC/2015. 9. A incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 não se restringe aos casos de reforma da sentença de mérito, tendo em vista a literalidade da disposição legal, que não estabelece nenhuma restrição semelhante ao regime dos extintos embargos infringentes. 10. A redação do caput do art. 942 do CPC/2015, que dispõe acerca da apelação, é distinta do § 3º, que regulamenta a incidência da técnica nos julgamentos não unânimes de ação rescisória e agravo de instrumento, para os quais houve expressa limitação aos casos de rescisão ou modificação da decisão parcial de mérito. 11. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões." (STJ, REsp n 1.762.236/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, maioria de votos, j. 19.02.2019, grifou-se) Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor: "(...) Para compreensão do caso concreto, destaque-se que a sessão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que foi julgado o recurso de apelação, teve início em 16 de março de 2016 e foi suspensa por pedido de vista do Terceiro Desembargador que compunha aquele colegiado, após proferidos os votos do Relator e do Revisor, ambos no sentido de negar provimento à apelação. Na sequência, o referido recurso retornou ao colegiado para conclusão do julgamento, com maioria já formada, em 6 de abril de 2016, quando foi aberta a divergência e concluído o julgamento pelo desprovimento da apelação, portanto, já sob a vigência do atual Código de Processo Civil. Diante desse cenário, o Tribunal de origem, por ocasião do julgamento de embargos de declaração, confirmou a validade e regularidade do acórdão embargado sob o fundamento de que não seria cabível a ampliação do colegiado, porque o CPC/15 não regeria a sessão iniciada antes de sua vigência. (...) Com efeito, todo debate acerca do direito adjetivo aplicável em virtude da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil perpassa pela regra estabelecida em seu art. 14, segundo a qual se afastou peremptoriamente a retroação da norma processual, aplicando-se o novo regramento aos processos em cursos e respeitando os atos já praticados e as situações jurídicas já consolidadas. Verifica-se, portanto, a adoção expressa da teoria do isolamento dos atos processuais, embora, na prática, sua aplicação por vezes não se mostre tão óbvia, em virtude do complexo encadeamento destes atos. No caso dos autos, o ato processual sub judice é exatamente a sessão de julgamento do órgão colegiado de origem, a qual, embora iniciada sob a vigência do Código de Processo Civil revogado, ainda não havia se concluído na data em que o CPC/2015 passou a produzir seus plenos efeitos, em razão de pedido de vista de um dos julgadores. Aliás, como bem explica o acórdão dos aclaratórios, a própria quebra da unanimidade somente ocorreu na sessão em que retomado o julgamento, ou seja, sob a vigência do novel diploma legal, de modo que, a priori, deveria ser por ele regido. Esse contexto se harmoniza, inclusive, com os enunciados administrativos aprovados pelo Plenário desta Corte Superior à propósito da transição entre os regimes processuais. Da leitura desses enunciados fica evidente o fio condutor de que o novo regramento terá incidência plena sobre os recursos interpostos contra decisum publicado sob a vigência do atual CPC/2015, afinal, este é o diploma vigente no momento da abertura do prazo recursal e, portanto, a lei que regula a prática do ato, nos termos do art. 14 do CPC/2015. (...)" Muito embora por vezes a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais não revele o critério mais seguro para fins de aplicação da norma processual no tempo, relavamente a aplicação da técnica do julgamento estendido, prevista no art. 942, do CPC, decidiu o STJ que o "ato processual" a ser isolado, para fins de aplicação de referida teoria, é a sessão em que é anunciado o resultado do julgamento (ainda que este tenha sido iniciado sob a vigência do CPC/73). Uma vez violada referida interpretação, caberá o manejo de recurso especial ao próprio STJ, ao fundamento de ulterior violação ao art. 942, assim como a divergência jurisprudencial frente a referido julgado paradigma. __________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.
André Pagani de Souza O caput e os incisos I a XIII do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelecem as hipóteses em que se considera cabível a interposição de agravo de instrumento de decisões interlocutórias proferidas no curso do processo civil. Por sua vez, o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015 dispõe que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". Sobre as disposições acima transcritas, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Recursos Especiais ns. 1.696.396/MT e 1.704.520/MT por meio da sistemática de julgamento de recursos repetitivos, já firmou a seguinte tese: "O rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação" (Tema 988). Entretanto, questão ainda não submetida a julgamento pela mesma sistemática é a de definir se as decisões interlocutórias proferidas em embargos à execução são recorríveis de imediato e por meio de agravo de instrumento. Com efeito, não se duvida que as hipóteses estabelecidas pelos incisos do art. 1.015, do CPC/2015, são aplicáveis ao processo de conhecimento, ainda que tenha sido reconhecida a sua taxatividade mitigada pelo Superior Tribunal de Justiça ao fixar a tese relativa ao Tema 988 acima mencionada. Todavia, o parágrafo único do art. 1.015, do CPC/2015, excepciona o regime de recorribilidade das interlocutórias estabelecido pelo caput ao prescrever que caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas no processo de execução. Dúvida que pode surgir diz respeito à possibilidade de ampliar o entendimento acerca do disposto no parágrafo único do art. 1.015, do CPC/2015, para estender a possibilidade de se agravar de instrumento das decisões interlocutórias proferidas nos embargos à execução que, apesar de serem considerados uma ação autônoma, são incidentais à ação de execução. Recentemente, ao julgar o Recurso Especial n. 1.682.120/RS, sem ser pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a recorribilidade das interlocutórias por meio de agravo de instrumento se aplica apenas ao processo de execução e não ao processo de embargos à execução. Confira-se: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINA A EMENDA À PETIÇÃO INICIAL DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO PARA PERMITIR A INCLUSÃO DE MEMÓRIA DE CÁLCULO ATUALIZADA PELO EMBARGADO. NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO DE CONHECIMENTO INCIDENTAL. RECORRIBILIDADE DAS INTERLOCUTÓRIAS POR MEIO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE SE SUBMETE AO REGIME PREVISTO NO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL QUE ORIENTA O PROCESSO DE EXECUÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. 1- Ação proposta em 25/05/2016. Recurso especial interposto em 16/03/2017 e atribuído à Relatora em 26/07/2017. 2- O propósito recursal consiste em definir se é recorrível, de imediato e por meio de agravo de instrumento, a decisão interlocutória que permite a emenda à petição inicial de embargos à execução de título extrajudicial, ao fundamento de que todas as decisões interlocutórias seriam imediatamente recorríveis por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015. 3- O novo sistema de recorribilidade imediata das decisões interlocutórias instituído pelo CPC/2015 estabeleceu dois regimes recursais distintos: (i) o previsto no art. 1.015, caput e incisos, que se aplica aos processos na fase de conhecimento; (ii) o previsto no art. 1.015, parágrafo único, que excepciona a regra geral e prevê a ampla recorribilidade das interlocutórias nas fases subsequentes à cognitiva, no processo de execução e na ação de inventário e partilha. 4- Dado que natureza jurídica dos embargos à execução é, conforme remansosa doutrina e jurisprudência, de ação de conhecimento incidental, a ele se aplica a regra de recorribilidade das interlocutórias prevista no art. 1.015, caput e incisos, não havendo justificativa lógica ou teórica para equiparar os embargos à execução ao processo de execução, na medida em que nessa ação de conhecimento incidental se resolverá em sentença, de modo que a maioria das questões incidentes - como a legalidade ou não da emenda à inicial dos embargos à execução - poderá, em princípio, ser suscitada na apelação ou em suas contrarrazões. 5- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1682120/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/2/2019, DJe 1/3/2019, grifos nossos) Portanto, de acordo com o entendimento do recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça cuja ementa está acima transcrita, as decisões proferidas nos embargos à execução sujeitam-se ao regime de recorribilidade de imediato por meio de agravo de instrumento estabelecido pelo caput e incisos do art. 1.015, do CPC/2015. Assim, não se aplica a exceção do parágrafo único do mencionado dispositivo legal, que está circunscrita aos processos de execução, inventário e às fases de liquidação e cumprimento de sentença. Logo, também nos embargos à execução, há que se observar a tese fixada de que há uma taxatividade mitigada das hipóteses de cabimento descritas nos incisos do caput do art. 1.015 do CPC.
Elias Marques de Medeiros Neto Em importante julgamento ocorrido em 19/12/2018, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança da multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, mesmo na vigência do CPC/15. Veja-se: "PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO. SÚMULA 410 DO STJ. 1. É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil. 2. Embargos de divergência não providos". Pontuou, ainda, o ministro Luiz Felipe Salomão, I. Relator do voto vencedor, que: "A temática ora em discussão não é nova e representa importante marco para a questão relacionada à cobrança de multa (astreinte) decorrente de obrigação de fazer na fase de sua execução. Discute o recurso se para sua incidência é necessária a intimação pessoal do devedor ou basta a ciência do advogado. Muitas situações similares - como se percebe da praxe forense - acabam por transformar as multas em condenações astronômicas, justamente pela falta de cientificação oportuna do próprio devedor para cumprimento da obrigação de fazer. (...). De toda sorte, creio que deva prevalecer a orientação sedimentada na Súmula 410 do STJ, aprovada em sessão ocorrida em 25/11/2009 - após a promulgação da mencionada legislação processual reformadora - e objeto de profunda análise pela Segunda Seção por ocasião do julgamento dos EAg 857.758/RS, quando foi então explicitada a amplitude de seu campo temporal de incidência. Naquela oportunidade, foram destacados aspectos de extrema relevância e que não podem deixar de ser levados em conta, tais como: a necessidade de observância às súmulas editadas por esta Casa e a peculiaridade das obrigações de fazer e de não fazer a lhes impor tratamento jurídico diferenciado daquele aplicado às obrigações de pagar quantia certa. Nesse sentido, abalizada doutrina processual justifica a diferença entre tratamento legal e jurisprudencial: "[...] o devedor de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, quando tem contra si ordem para cumprimento da decisão judicial, deve ser intimado pessoalmente, justamente pelas múltiplas e graves consequências de seu eventual desatendimento ao mandamento jurisdicional (como as astreintes, contempt of court ou a configuração de crime de desobediência). [...] Assim, é da intimação pessoal do destinatário da ordem judicial que se deve iniciar a contagem do prazo para cumprimento da decisão ou sentença na qual se comina multa periódica." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Revista de Processo. Ano 35. nº 182. abr/2010. ed. RT. São Paulo. 2010. p. 188). Mesmo após a vigência do novo Código de Processo Civil, a doutrina, ao comentar sobre a execução das obrigações de fazer ou de não fazer, mais especificamente sobre o termo inicial de incidência da multa, acata o enunciado sumular em tela, sendo forçoso concluir, portanto, pela necessidade de intimação pessoal do executado antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006: "Na realidade, a multa passa a incidir desde o momento que vencer o prazo de cumprimento voluntário da obrigação, mas desde a citação do executado já funcionará como forma de pressão psicológica. Nos termos de entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça "a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer" (Súmula 410/STJ)". (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado artigo por artigo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p.1.285)". Mas, afinal, qual é a dinâmica do cumprimento de sentença da obrigação de fazer ou não fazer? Luiz Guilherme Marinoni1 lembra que "o fazer e o não fazer - atividades esperadas do demandado - são apenas formas para que a tutela do direito seja prestada. Assim, por exemplo: i) a imposição de um fazer permite a tutela ressarcitória na forma específica, isto é, o reparo de um dano mediante um fazer; ii) a imposição de um não fazer viabiliza a tutela inibitória, ou seja, a não violação de um direito em razão da abstenção de um fazer ou de um não fazer". Na linha da clássica doutrina que defende ser a regra o adimplemento específico da obrigação de fazer, de não fazer e de entregar coisa, o Código de Processo Civil prestigia a necessidade de o magistrado garantir que a tutela do direito material devido ocorra rigorosamente na forma como previsto na legislação e/ou no negócio jurídico; sendo que a conversão da obrigação original em perdas e danos, no caso de impossibilidade do adimplemento específico, deve ser vista como exceção. O artigo 497 do CPC deixa claro que o juiz, caso julgue procedente a ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, concederá a tutela específica requerida ou determinará as providências que assegurem a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente. Luiz Guilherme Marinoni2 ensina que "tutela específica é o contrário de tutela pelo equivalente ao valor da lesão ou da obrigação inadimplida. A tutela específica preocupa-se com a integridade do direito, impedindo a sua degradação em pecúnia. A tutela pelo equivalente implica a monetização dos direitos ou na aceitação de que os direitos são iguais e podem ser convertidos em pecúnia. (...). Também não se deve confundir tutela pelo equivalente (monetário) com a ideia de tutela pelo resultado prático equivalente, a que alude o art. 497 do CPC. O resultado prático equivalente, substancialmente, também é tutela específica. Preocupa-se em oferecer exatamente o mesmo resultado que seria atingido caso o obrigado cumprisse voluntariamente a prestação assumida. A diferença está em quem realiza a prestação, e, portanto, faz surgir o resultado. Na expressão tutela específica, espera-se que o próprio obrigado realize a prestação; ou seja, tem-se determinado resultado em razão de conduta prestada pelo próprio ordenado. Já no resultado prático equivalente, obtém-se o mesmo resultado, porém, em razão de conduta prestada por terceiro". O artigo 497 do CPC deve ter sua leitura combinada com o artigo 139, IV, do CPC, que confere ao magistrado o dever de determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Teresa Arruda Alvim3 doutrina que "no art. 139, que trata dos poderes do juiz, menciona-se a possibilidade de o juiz determinar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. (...). Segundo este texto e de acordo com os princípios que lhe são subjacentes o juiz pode lançar mão das medidas de apoio ou de execução indireta de que tratam os artigos 536 e ss, que correspondem, grosso modo, aos arts. 461 e ss do CPC/73". A conversão da obrigação devida em perdas e danos é a exceção, sendo que o foco do legislador é realmente assegurar que o adimplemento ocorra de forma específica. Teresa Arruda Alvim4 enfatiza que "se não for mesmo possível a realização da tutela específica, haverá conversão em pecúnia, independentemente de pedido expresso. Mas o autor pode pedir esta conversão, se lhe parecer, no curso do feito, preferível". O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, neste passo, que: "Não há decisão extra petita na hipótese em que se reconhece a possibilidade de converter a obrigação de subscrição de ações em indenização por perdas e danos em demanda que busca a complementação acionária, pois, havendo óbice ao cumprimento específico da obrigação, já que se trata de procedimento que demandaria onerosidade excessiva e desproporcional à companhia, é lícito ao julgador valer-se das disposições da segunda parte do §1º do artigo 461 do CPC, para determinar a conversão da obrigação de fazer em indenização". (AgRg no AREsp 213872 / PE Agravo regimental no agravo em recurso especial 2012/0163881-2, Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, 13.11.2012). Importante salientar que, na linha da doutrina de Crisanto Mandrioli5, para quem a reparação específica deve ser a regra, a característica marcante da execução das obrigações de fazer ou de não fazer, bem como a de entrega de coisa certa ou incerta, está na busca do adimplemento específico. O artigo 536 do CPC retrata bem este espírito ao reger que no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento do credor, para a efetivação da tutela específica, determinar medidas necessárias para a satisfação do exequente; conforme parágrafo primeiro do art. 536 do CPC. É certo que nos termos dos artigos 4, 6, 139, 536 e 537 do CPC, em sintonia com a busca da efetividade processual e na linha de garantir-se o cumprimento da obrigação de forma específica, o magistrado poderá fixar multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial. Para Andrea Proto Pisani são três as famosas escolas de adoção de técnicas de coerção para a satisfação do direito do credor: (i) a francesa, das astreintes, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias ao devedor, cujo montante se converte em favor do credor, o qual aumenta em virtude do descumprimento da ordem do juízo pelo devedor; (ii) a germânica-austríaca, que combina a técnica de sanção pecuniária, mas devida ao Estado, com a de prisão do devedor nos casos estipulados em lei; (iii) a anglo-saxônica, fundada no contempt of court, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias em favor do credor, e em prisão nos casos de conduta de desobediência ao juízo6. Seguindo os passos da escola francesa, esta multa "deve ser fixada de molde a significar concretamente um estímulo para o cumprimento da ordem. Por isso, não deve ser alta demais - tão alta que o réu jamais poderia pagar - nem insignificante - que não represente medida intimidatória. Não é devida, se a ação for julgada improcedente. Pode ser fixada independentemente de outras multas que tenham decorrido de fatos geradores diversos, como, por exemplo, litigância de má-fé. Sobre o valor da multa não pesa autoridade de coisa julgada. O juiz pode modifica-la mesmo depois de findo o processo, mas o novo valor só incide dali para frente"7. Nos termos do artigo 537 do CPC, a multa pode ser executada provisoriamente, tão logo se verifique inadimplemento diário quanto à ordem judicial, sendo certo, todavia, que o levantamento dos valores penhorados pode se dar apenas após transitada em julgado a sentença favorável à parte. A multa é devida ao exequente. O parágrafo terceiro do art. 537 é cristalino ao prever que a multa pode ser executada desde logo, devendo-se seguir o rito do cumprimento provisório de obrigação de pagar quantia certa. Teresa Arruda Alvim8 ensina que "Enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença de mérito reconhecendo a procedência do pedido, não será possível a execução definitiva da multa processual. O cumprimento provisório, neste caso, está limitado ao adiantamento dos meios executivos e não à satisfação, porquanto está vedado o levantamento de dinheiro, mesmo que mediante caução". A multa incide desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão do magistrado, sendo que deve incidir até o regular cumprimento da obrigação por parte do devedor. O valor da multa pode ser revisto, nos termos do parágrafo primeiro do art. 537. A redação do artigo 537 do Código de Processo Civil vai de encontro à orientação que havia sido firmada em sede de recurso repetitivo pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1200856 / RS, Recurso Especial n. 2010/0125839-4, Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial, 01.07.2014): "1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: "A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo". Como se vê, o CPC adota orientação diferente, permitindo a execução provisória da multa, tão logo verificado o inadimplemento diário; havendo restrição, contudo, para o levantamento do bem penhorado. Vale lembrar que o artigo 500 do CPC prevê que quando houver a conversão da obrigação original em perdas e danos, a respectiva indenização equivalente deve ser somada ao valor da multa de que trata o artigo 537 do CPC, sendo perfeitamente cumuláveis e devidas pelo devedor. __________ 1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v.2. p. 814. 2 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v.2. p. 815. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 813. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 813. 5 MANDRIOLI, Crisanto. L'esecuzione forzata in forma specifica. Milano: Giuffrè, 1953. p. 15. 6 PISANI, Andrea Proto. Appunti sulla Tutela di Condana. In: Studi in Onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Griuffrè, 1979. p. 1.734-1.737. v. III. 7 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 817. 8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 985.  
Rogerio Mollica O Código de Processo Civil tentou limitar a jurisprudência defensiva adotada pelos Tribunais Superiores para eliminar sumariamente recursos. Como tal prática é adotada para dar vazão ao excessivo número de recursos que são enviados aos Tribunais Superiores e não tendo sido adotado novo filtro eficaz, parecia óbvio que novas armadilhas seriam criadas. Já tivemos oportunidade de analisar duas aqui nessa coluna, a comprovação prévia do feriado local e a exacerbação do princípio da dialeticidade. Entretanto, no final de 2018 surgiu uma nova armadilha processual e que vem eliminando milhares de processos e surpreendeu toda a comunidade jurídica. O Superior Tribunal de Justiça passou a entender que em Agravo Denegatório, a parte deve recorrer de todos os fundamentos da inadmissão, mesmo que tal decisão possua capítulos autônomos. De fato, é o que se depreende das seguintes decisões: "A decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal. Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. Não há, pois, capítulos autônomos nesta decisão. A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais" (STJ-Corte Especial, ED no Ag em REsp 701.404, Min. Luis Felipe Salomão, j. 19.9.18, maioria, DJ 30.11.18). (g.n.) "Falta de impugnação a todos os fundamentos da decisão recorrida. Manifesta inadmissibilidade. Desistência parcial. Impossibilidade. Não há como o agravante restringir o efeito devolutivo horizontal do agravo porque esse efeito já foi previamente delimitado pelos fundamentos da decisão exarada pelo Tribunal de origem. O ordenamento jurídico admite que a parte inconformada recorra, parcialmente, de uma decisão, e, ainda, que o órgão julgador conheça, em parte, do recurso interposto. Não há, entretanto, qualquer previsão que autorize a desistência parcial, tácita ou expressa, do recurso especial após sua interposição. É manifestamente inadmissível o agravo que não impugna, de maneira consistente, todos os fundamentos da decisão agravada" (STJ-3ª T., Ag em REsp 1.294.103-AgInt, Min. Nancy Andrighi, j. 11.9.18, DJ 18.9.18). Obviamente que tal entendimento passou receber pesadas críticas de nossa Doutrina. Em sua recentíssima edição de 2019, o prestigiado Código de Processo Civil e legislação processual em vigor de Theotonio Negrão, José Roberto Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco Naves da Fonseca discordou, com veemência, de tal recente entendimento nos seguintes termos: "Com a devida vênia, esse entendimento não se sustenta. Se o recorrente podia na origem recorrer de apenas parte da decisão, nada o impede de reduzir as dimensões da sua pretensão recursal após sua formulação. No caso, era perfeitamente possível que o recorrente, por ocasião do agravo contra a decisão denegatória, desistisse de lutar pelo reconhecimento da violação da lei no trato da prescrição, inclusive por se convencer do acerto do pronunciamento judicial a seu respeito, e insistisse apenas na viabilidade dos demais temas trazidos no seu recurso especial, todos eles independentes e desvinculados da matéria prescricional. Infelizmente, a única explicação para o acórdão referido acima é a jurisprudência defensiva, que, paradoxalmente, fortaleceu-se após o advento da Lei 13.105, de 16.3.15, e não parece mais encontrar limites..." (g.n.) (50ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, nota 2a ao art. 1.042 do CPC, p. 1.010). Ora, se a decisão de inadmissão não possui capítulos autônomos, como explicar a possibilidade de um recurso só ser admitido parcialmente? Como explicar a existência dessas duas conhecidas Súmulas do Supremo Tribunal Federal: Súmula 292 do STF: "Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, III da Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros". Súmula 528 do STF: "Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal a quo, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento". Conforme se depreende, a súmula 528 do STF admite expressamente que a decisão de inadmissão pode conter partes autônomas, na verdade, os capítulos autônomos que restaram afastados recentemente pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Cumpre reiterar que se os Tribunais possuem muitos recursos a serem julgados, que se criem filtros objetivos para selecionar os recursos que devem ser julgados e os que não. O que não se pode admitir é a criação de armadilhas não previstas em lei ou exacerbando a previsão legal e que surpreendem diuturnamente a advocacia e o jurisdicionado. A Associação dos Advogados de São Paulo lançou uma ofensiva contra a a jurisprudência defensiva de nossos Tribunais Superiores junto com outras entidades da advocacia. Entretanto, enquanto não se consegue progresso na diminuição de tais armadilhas, cumpre aos operadores do Direito ficarem atentos a essas indesejáveis novidades e no caso ora analisado, atacar, de maneira consistente, todos os fundamentos da decisão agravada em seu Agravo Denegatório.
Daniel Penteado de Castro O art. 219 do CPC prevê que na contagem de prazos em dias, "(computar-se-ão) somente os dias úteis". Festejado dispositivo foi tema de celebração pelos sujeitos do processo, a fim de se evitar que a contagem de prazos contemplasse os sábados, domingos e feriados, dias por vezes dispensado o trabalho para descanso. A par da clareza de referido artigo, suscitou-se polêmica quanto a natureza de determinados prazos serem de direito material ou processual. Se de natureza material, a exemplo de atos praticados fora do processo, em tese tais prazos deveriam ser computados em dias corridos. Por sua vez no que toca a atos praticados dentre do processo, sua natureza seria de direito processual a contar-se, portanto, somente em dias úteis. Nesse prisma já se decidiu que o prazo de 180 dias do stay period previsto no art. 6º, § 4º, da lei 11.101/05, possui natureza material, motivo pelo qual é inaplicável o art. 219, que dispõe sobre a contagem dos prazos processuais em dias úteis1. De igual sorte, quando do julgamento do REsp 1.693.784 o STJ decidiu que o prazo de 15 dias para pagamento espontâneo do débito na fase de cumprimento de sentença deve contar-se em dias úteis. Nessa perspectiva, TJ/SP decidiu que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal, na tutela cautelar requerida em caráter antecedente, deve ser contado em dias corridos: "Agravo de instrumento - tutela antecipada requerida em caráter antecedente - sustação de protestos - art. 303 do Código de Processo Civil - tutela cautelar efetivada - pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias - natureza jurídica do prazo do art. 308 do Código de Processo Civil - material - prazo que deve ser contado em dias corridos e não em dias úteis - decisão mantida - agravo improvido. (...) A presente discussão cinge-se, portanto, à natureza jurídica do prazo para a apresentação do pedido principal, se aludido prazo é de direito material (decadencial), ou processual. Nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, "na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis", sendo que, em seu parágrafo único, esclarece que tal regra, de contagem dos prazos em dias úteis somente alcança os prazos processuais. Consoante bem anotou a MMa. Juíza "a quo", "em que pese a previsão no diploma processual, patente a natureza material do prazo para a propositura da ação principal não são endoprocessuais, não se limitam ao presente processo, mas incidem sobre outros processos que vierem a ser ajuizados com o mesmo fundamento, porquanto, como exposto, extingue-se o direito à obtenção do provimento acautelatório. Dessarte, o prazo de trinta dias para dedução do pedido principal é decadencial, de direito material, não se suspendendo, nem se interrompendo, tendo, dessa forma, findado em 15/06/2016." (fls. 293). Não se olvide que a nova sistemática trazida pelo art. 308 do CPC/15 extinguiu a autonomia do processo cautelar, nem que a apresentação do pedido principal em 30 dias deva ser praticado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar. No entanto, extrai-se do parágrafo único do artigo 309 do Código de Processo Civil, que, "se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento", ou seja, extingue-se o direito à proteção cautelar. Nesse sentido, "há cognição exauriente de mérito cautelar e, pois, do direito à cautela.... A decisão final cautelar viabiliza uma tutela definitiva, dada com cognição exauriente de seu objeto (pedido de segurança, fundado no perigo da demora e na plausibilidade do direito acautelado) e apta a tornar-se imutável". (Curso de Direito Processual Civil, Fredie Didier Jr, Vol 2, 11ª Ed., Ed JusPodivm) É exatamente essa possibilidade da coisa julgada que justifica o parágrafo único do art. 309 e o que denota o caráter decadencial do prazo (ainda que mantida a pretensão declaratória de inexigibilidade do débito, esta sim sujeita à prescrição). (...)" (TJ/SP, Agravo de Instrumento 2150988-43.2016.8.26.0000, Rel. Coutinho de Arruda, 16ª Câmara de Direito Privado, j. 3/11/2016, grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, até que sobrevenha análise deste tema pelos Tribunais Superiores, remanesce o alerta quanto a contagem do prazo em dias corridos para a formulação do pedido principal na medida cautelar. __________ 1 TJ/RS, AI 0217092-07.2017.8.21.7000, Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Isabel Dias Almeida, j. 29.11.2017. Em igual sentido também foi o entendimento firmado pelo STJ quando do Julgamento do RESP 1.699.528/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 9/4/2018, v.u.
André Pagani de Souza Em outubro de 2018, foi publicada nesta coluna do "CPC na Prática", artigo dando notícia do julgamento dos embargos de Divergência no Recurso Especial 1.518.169/DF, realizado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em 3/10/2018. Naquela ocasião, ficou decidido que não haveria impenhorabilidade absoluta de salários. Trata-se, vale lembrar, de importante discussão sobre a interpretação e o alcance no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), que estabelece serem impenhoráveis "os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º (grifos nossos)"1. A dúvida sobre a impenhorabilidade ser absoluta ou não tem origem na mudança de redação feita no CPC/2015, uma vez que o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) tinha dispositivo semelhante no qual constava a expressão "absolutamente". Confira-se, a propósito, a redação do inciso IV do art. 649 do CPC/1973, que dispunha serem absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo"2. Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão cuja publicação é aguardada desde 3/10/2018, decidiu por meio de sua Corte Especial que a retirada desta expressão "absolutamente" tem um significado importante, pois entendeu que seria possível penhorar parte (trinta por cento) do salário de um executado em processo de execução. Ou seja, como já noticiado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não há impenhorabilidade absoluta de salários, mesmo que não se trate de verbas decorrentes de obrigações alimentares (estas últimas, não há dúvidas, têm impenhorabilidade relativa). Paralelamente a essa discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em que se afirmou que a impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC/2015 não é absoluta, debate semelhante acontece no Supremo Tribunal Federal, conforme se verá adiante, apontando na direção de que não se admite constrição de "percentual" dos valores indicados no referido dispositivo legal. Nos autos do Mandado de Segurança 35.532 MC/DF, o ministro Edson Fachin apreciou pedido de liminar formulado por pessoa física que impetrou o mandamus contra ato do Presidente do Tribunal de Contas da União que determinou a constrição de valores que se encontravam depositados em sua conta corrente e provenientes de aposentadoria com base no art. 44, § 2º, da lei 8.443/1992. Em decisão monocrática proferida em 31/7/2018, foi concedida a liminar para suspender os efeitos da medida constritiva e permitir que o impetrante movimentasse os seus recursos financeiros. A parte da decisão que nos interessa mais de perto é a seguinte: "(...) Assim, em se considerando que a indisponibilidade recai também sobre os proventos de aposentadoria que o Impetrante percebe, assiste-lhe razão, em parte, em sua pretensão, ao menos dentro de um juízo prefacial típico dessa fase processual. Nesse sentido, defiro em parte o pedido liminar, determinando à autoridade impetrada que promova apenas o desbloqueio dos valores percebidos pelo Impetrante a título de proventos de inatividade, desde a data da constrição, observado o disposto no §2º do artigo 833 do CPC (...)". (MS 35532 MC, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 31.07.2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 6/8/2018 PUBLIC 7/8/2018). O argumento utilizado pelo Min. Edson Fachin para fundamentar sua decisão liminar foi o de que o art. 833, inciso IV, do CPC/2015, estabelece a impenhorabilidade "dos valores recebidos pelo impetrante a título de 'proventos de inatividade'" e que, por isso, deveria ser determinado o desbloqueio de tais quantias depositadas em conta corrente, observados os limites do § 2º do referido dispositivo legal (ou seja, importâncias excedentes a cinquenta salários mínimos mensais). Em outras palavras, o ministro Edson Fachin entendeu que não é relativa a possibilidade de constrição dos proventos de aposentadoria, que estão listados ao lado dos salários no inciso IV do art. 833 do CPC/2019. É dizer, na decisão do Min. Edson Fachin, não foi permitida a penhora de 30% (trinta por cento) dos valores que o executado recebia para sobreviver, como foi feito pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.518.169/DF. Entretanto, a decisão liminar do ministro Edson Fachin foi objeto de "agravo regimental" interposto em 1/10/2018 e ainda não julgado, de modo que ainda pode ser modificada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, permanece em aberto a definição sobre serem absolutamente impenhoráveis (ou não) as quantias enumeradas no inciso IV do art. 833 do CPC/2015, pois todos os processos mencionados anteriormente ainda não tiveram fim definitivo e a matéria parece ainda não estar pacificada pelos Tribunais Superiores. __________ 1 A ressalva do § 2º do art. 833 do CPC/2015 é a seguinte: "§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, §º". 2 O § 3º foi objeto de veto, mas no art. 649, do CPC de 1973, havia o § 2º que dispunha o seguinte: "O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia".
Elias Marques de Medeiros Neto Em boa hora o CPC veio a regular a ação de dissolução parcial de sociedade, a qual vinha sendo regida pelo CPC/39, conforme o disposto no artigo 1.218, VII, do CPC/73. O artigo 599 do CPC permite a conclusão de que o objeto deste procedimento especial pode consistir na efetiva dissolução parcial de sociedade e/ou na apuração de haveres, sendo permitida a cumulação destas duas pretensões. Como lembra Luiz Guilherme Marinoni, "o código disciplina basicamente duas modalidades distintas de demandas: a ação para a dissolução parcial da sociedade e a ação para apuração de haveres. Elas podem ser cumuladas em um só processo, ou podem ser deduzidas de forma autônoma (...). Em síntese, sob a premissa de que há o interesse na preservação da sociedade, ainda quando um dos sócios manifesta sua vontade de retirar-se dela, ou não pode mais vincular-se a ela, mostrou-se necessário estabelecer regime para que essa extinção parcial do vínculo com a sociedade possa fazer-se sem maiores percalços e sem prejuízo à continuidade das atividades da pessoa jurídica"1. O artigo 599 do CPC denota que a ação de dissolução parcial de sociedade tem cabimento em três hipóteses: (i) falecimento do sócio; (ii) exclusão do sócio; e (iii) retirada do sócio, como se dá nas hipóteses legais de exercício do direito de recesso. Como consequência natural da dissolução parcial de sociedade, deve-se verificar qual é o valor da quota e/ou ação do sócio falecido e/ou excluído e/ou retirante, sendo um importante desafio verificar-se e regular-se adequadamente a apuração dos haveres devidos. O procedimento especial de dissolução parcial do CPC aplica-se às sociedades simples e às sociedades empresárias; bem como às sociedades anônimas de capital fechado, desde que demonstrado, para este último caso, por pelo menos 5% (cinco por cento) ou mais do capital social, que a sociedade não pode preencher o seu fim. O Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto a este ponto, já decidiu que: "APELAÇÃO - DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE LIMITADA - ERROR IN JUDICANDO e ERROR IN PROCEDENDO - Dissolução parcial sociedade limitada composta por duas pessoas - Possibilidade - Hipótese prevista nos arts. 1.033 e 1.034 do CC - Quebra da affectio societatis - Dissolução parcial - Exercício do direito de retirada (art. 5º, XX, CF). Após a dissolução parcial a sociedade continua existindo - Preliminares rejeitadas. APELAÇÃO - DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE LIMITADA -Dissolução parcial de sociedade limitada composta por duas pessoas - Possibilidade - Hipótese prevista nos arts. 1.033 e 1.034 do CC - Quebra da affectio societatis - Sentença de dissolução parcial - Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça - Sentença mantida - Apelo improvido. Dispositivo: negaram provimento ao recurso". (TJSP, Ap. 0003809-38.2010.8.26.0037, Relator Des. Ricardo Negrão, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 06.11.2017). O artigo 600 do CPC apresenta as partes legítimas para a propositura da ação, de modo que podem ajuizar a demanda: (i) o espólio do sócio falecido, quando os seus sucessores não ingressarem na sociedade; (ii) os sucessores, após concluída a partilha; (iii) a sociedade, quando os sócios sobreviventes não admitirem, em razão de disposição do contrato social, o ingresso dos sucessores do falecido no capital social; (iv) o sócio que exerceu o seu direito de retirada ou recesso, se não for providenciada, nos termos da lei, a alteração contratual formalizando sua retirada da sociedade; (v) a sociedade, nos casos em que não for cabível a exclusão extrajudicial; e (vi) o sócio excluído. Teresa Arruda Alvim, quanto ao parágrafo único do artigo 600 do CPC, ensina que "em caso de fim de casamento ou de união estável mantidos por um dos sócios, o ex-cônjuge ou o ex-companheiro que façam jus à meação relativamente à participação societária deste sócio poderão postular a apuração dos seus haveres, os quais serão pagos à conta da participação do sócio em questão na pessoa jurídica. O marco cronológico para tanto parece-nos ser o da data em que cessou a convivência entre o sócio e seu cônjuge ou companheiro, pois este é o evento que a jurisprudência considera como interruptivo da comunhão de esforços"2. O polo passivo da demanda é definido pelo artigo 601 do CPC, sendo que devem ser citados os demais sócios e a sociedade, os quais poderão concordar com o pedido ou apresentarem contestação no prazo de 15 (quinze) dias. Trata-se de litisconsórcio unitário, como bem ensina Luiz Guilherme Marinoni: "A opção da lei, em autorizar a participação no processo de todos os sócios, está em harmonia com a visão geral do Código, em autorizar sempre a maior participação possível dos envolvidos no litígio. Assim, por exemplo, esse preceito poderia até mesmo ser deduzido do contido do art. 115, caput, do Código, que sanciona com a nulidade a decisão proferida sem a citação dos litisconsortes unitários (e sem dúvida, esses sócios são todos litisconsortes unitários em demanda que objetiva a dissolução parcial da sociedade"3. O parágrafo único do artigo 601, todavia, assinala que a sociedade não precisa ser citada se todos os seus sócios o forem; devendo a sociedade, contudo, mesmo que não citada, ficar sujeita aos efeitos da coisa julgada. Teresa Arruda Alvim leciona, neste passo, que "o parágrafo único do art. 601 ora analisado dispõe que, em caso de serem citados para a ação todos os sócios que remanescerão na sociedade, será dispensada a citação da própria pessoa jurídica, dado que, uma vez cientificados todos os demais sócios acerca da pretensão dissolutória formulada pelo autor, todos os que integram a relação jurídica controvertida estarão aptos a participar da demanda. Nestas condições, é efetivamente desnecessária a citação da sociedade"4. A petição inicial, além de observar os requisitos gerais dos artigos 319 e 320 do CPC, deve delimitar o pedido em conformidade com as hipóteses dos artigos 599 e 600 do CPC; sendo certo que o contrato social consolidado, ou o estatuto social consolidado, deve instruir a exordial. A citação dos demais sócios e da sociedade deve ocorrer para fins do artigo 601 do CPC, sendo de 15 dias o prazo para a apresentação de contestação. Nos termos do artigo 602 do CPC, a sociedade, além de defesa a ser apresentada na contestação, poderá formular pedido de indenização compensável com os haveres a serem apurados. Teresa Arruda Alvim doutrina que "se a ação de dissolução parcial de sociedade contiver pedidos cumulados de dissolução e apuração de haveres, ou apenas pedido de apuração de haveres por parte do sócio que deixa a sociedade ou dos sucessores do sócio falecido, é lícito que a sociedade formule pedido contraposto de indenização em face do sócio autor em caso de danos por este provocados à primeira. Tais danos podem ser compostos, a nosso ver, por atos de gestão geradores de prejuízos à sociedade, por valores da sociedade indevidamente na posse do sócio retirante, excluído ou dos sucessores do falecido, dentre outras hipóteses. Este pedido contraposto passível de formulação pela sociedade para fins de compensação com eventuais haveres do autor será deduzido no bojo da própria manifestação defensiva formulada, e deverá ser objeto de apuração probatória em conjunto com a instrução acerca da pretensão autoral"5. Sobre o tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que: "Ação de dissolução parcial de sociedade. Decisão que extinguiu, sem resolução de mérito, reconvenção apresentada pelos réus, visando indenização por danos materiais e morais. Possibilidade de reconvenção em ação de dissolução parcial de sociedade. Conexão que decorre da possibilidade de compensação de eventuais prejuízos oriundos das condutas do agravado com os haveres a serem apurados em favor deste. Precedentes das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste Tribunal. Reforma da decisão agravada. Agravo de instrumento provido". (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2020595-93.2017.8.26.0000, Rel. Des. Cesar Ciampolini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 25.04.2017). Conforme previsto no artigo 603 do CPC, caso os réus se manifestem, de forma expressa e unânime, concordando com a dissolução parcial, o magistrado prontamente a decretará, passando-se à fase de liquidação. Como incentivo à postura conciliatória prevista no caput do artigo 603 do CPC, o seu parágrafo único prevê que não haverá condenação em honorários de sucumbência; sendo que custas devem ser rateadas segundo a participação de cada parte no capital social. Caso haja apresentação de defesa, o processo, quanto ao pleito de dissolução, deve observar o rito comum, ressalvando-se a aplicação do parágrafo segundo do artigo 603 do CPC quanto à apuração de haveres. O magistrado, se acolhido o pleito de dissolução parcial, deve, em sentença, observar o artigo 604 do CPC quanto à apuração de haveres, de modo que cabe ao juiz: (i) fixar a data de resolução da sociedade; (ii) definir o critério de apuração de haveres; e (iii) nomear o perito. O parágrafo primeiro do artigo 604 do CPC estipula que devem ser depositados em juízo os haveres incontroversos, os quais poderão, nos termos do parágrafo segundo do artigo 604, serem desde logo levantados pelo ex-sócio, espólio ou sucessores. Seguindo o rito do artigo 604 do CPC, a data a ser fixada para a resolução da sociedade deve obedecer ao artigo 605 do CPC, sendo certo que "o NCPC, neste sentir, é imensamente contributivo: estabelece, de maneira clara e objetiva, quais as datas em que será considerada realizada a resolução da sociedade"6. Assim, a data será: (i) a do óbito, no caso de falecimento do sócio; (ii) o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante, no caso de retirada imotivada; (iii) o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente, em caso de recesso; (iv) o dia do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade, no caso de retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado ou na exclusão judicial do sócio; e (v) o dia da assembleia ou da reunião de sócios que tiver deliberado a exclusão extrajudicial do sócio. O critério para apuração de haveres, em conformidade com o artigo 606 do CPC, deve seguir as previsões do contrato social ou do estatuto social. No caso de os atos constitutivos da sociedade não versarem sobre o critério a ser adotado; o magistrado definirá, como critério para apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data de resolução da sociedade, e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo a ser apurado de igual forma. O perito a ser nomeado, de preferência, nos termos do parágrafo único do artigo 606 do CPC, deve ser especialista em avaliação de sociedades. Luiz Guilherme Marinoni ensina que: "Em relação aos critérios para a definição dos haveres, estes devem ser os que são fixados pelo contrato social. Todavia, no caso de omissão deste, deve o juiz empregar o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, que terá por referência o momento da dissolução parcial, avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma"7. O artigo 607 do CPC estipula que a data da resolução da sociedade, bem como o critério de apuração de haveres, podem ser revistos pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo, antes do início da pericia. Teresa Arruda Alvim ministra que "estes dois elementos vitais para a correta e justa dissolução parcial da sociedade podem ser fixados pelo juiz, e revistos por iniciativa oficial ou por requerimento da parte, em qualquer momento anterior ao inicio da pericia: iniciada a pericia, estas duas balizas tornam-se preclusas, imutáveis. Há, por assim dizer, uma mensagem bastante clara no dispositivo legal em apreço: a data de resolução e o critério de apuração de haveres, em face de sua essencialidade, não são fixáveis em uma única oportunidade, podendo ser modificados (caso surjam novos elementos de convicção) até o início da perícia, quando, então, se dará a preclusão"8. A perícia deve levar e consideração os valores e os critérios referidos no artigo 608 do CPC; sendo certo que, após apurados, os haveres do sócio devem ser pagos nos expressos termos do artigo 609 do CPC. Quanto ao prazo para pagamento, Teresa Arruda Alvim lembra que "uma adaptação merece ser feita relativamente ao marco cronológico para fins de pagamento destes haveres: apesar de o art. 1.031, parágrafo 2º, do CC de 2002 dispor que estes 90 dias fluem a partir da liquidação, não podemos perder de vista que, se esta ocorrer em sede de ação de dissolução parcial de sociedade, tal se dará por intermédio de decisão judicial, e o pagamento de tais haveres será devido a partir do trânsito em julgado da decisão que os fixar"9. __________ 1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v.3. p. 180. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 955. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v.3. p. 183. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 956. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 958. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 961. 7 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v.3. p. 186. 8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 963. 9 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 964.
Rogerio Mollica Os honorários advocatícios receberam um tratamento muito mais completo pelo Código de Processo Civil de 2015. Tanto que o maior artigo do Código, com dezenove parágrafos, é exatamente o artigo 85, que trata dos honorários advocatícios. Exatamente o seu último parágrafo, o 19, está envolvido em muita polêmica e é alvo de questionamentos judiciais. É o que trata do recebimento de honorários de sucumbência por parte dos advogados públicos. Em algumas carreiras, como os procuradores do Estado de São Paulo e do município de São Paulo, os advogados públicos já recebiam os honorários de sucumbência, mas, especialmente, para os advogados públicos Federais, podemos dizer que foi uma "inovação" bastante comemorada. O professor Ronaldo Cramer observa que na não se trata de inovação, pois "O cabimento de honorários de sucumbência para advogados públicos já era previsto na lei 8.906/94. O art. 3º da referida Lei diz que suas disposições se aplicam à advocacia privada e pública. E o art. 23 dispõe que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado, devendo-se necessariamente se interpretar que esse advogado é tanto o privado quanto o público. Em virtude da polêmica que o assunto sempre gerou, o § 19 confirmou a previsão do Estatuto da Advocacia e previu, expressamente, que os advogados públicos fazem jus aos honorários de sucumbência, na forma da lei1." Novidade ou reiteração do que a lei já previa, a verdade é que tal dispositivo vem gerando muitas controvérsias, tendo sido aplaudido por parte da doutrina2 e criticado por outra parcela3. O artigo 85, § 19, do CPC/2015 acabou sendo regulamentado para os advogados públicos federais pelos artigos 27 e seguintes da lei 13.327/2016. Referida Lei transfere aos advogados públicos da União as seguintes verbas: a) os honorários de sucumbência da União; b) até 75% da taxa de 20% da dívida ativa, criada pelo decreto-lei 1.025/69; e c) a taxa de 20% criada pelo §1º do art. 37-A da lei 10.522/02. E como não poderia deixar de ser, surgiram inúmeros questionamentos judiciais em face de tal previsão, principalmente por prever também a transferência aos advogados públicos de outras verbas que não os honorários sucumbenciais. Dentre as decisões a respeito, importante se mostra o recentíssimo julgamento, de 07/02/2019, do Órgão Especial do TRF da 2ª Região, que acolheu o incidente de arguição de inconstitucionalidade a fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 85, §19, da Lei 13.105/2015, bem como dos arts. 27 a 36 da lei 13.327, de 29/7/20164. Do voto do Relator, cumpre ressaltar: "Num outro giro, a tese de que os dispositivos impugnados teriam o mérito de garantir uma desejável isonomia entre advogados públicos e privados também não se sustenta nas circunstâncias que envolvem a realidade fática do exercício profissional de cada uma destas duas categorias de advogados. Como se sabe, enquanto os advogados públicos trabalham em instalações mantidas pelo Estado, utilizando-se de estrutura física adquirida e mantida pelas Procuradorias da Advocacia Geral da União, bem como de estrutura de pessoal de apoio remunerada pelo Estado, os advogados privados são obrigados a desembolsar quantias expressivas apenas para exercer o seu mister, tais como aquisição e manutenção de computadores, móveis, material de escritório, além de arcarem com todos os custos tributários inerentes à instalação de um escritório de advocacia, bem como custos de aluguéis e taxas condominiais, isto sem falar no necessário custeio da contratação de pessoal administrativo pelo regime da CLT, com todos os encargos inerentes a tais vínculos empregatícios. Além de nada desembolsarem para custear os recursos material e humano que utilizam no exercício da advocacia, os advogados públicos recebem do Estado subsídio mensal em valor fixo em razão do cargo que ocupam, o que também os distingue dos advogados privados, que dependem exclusivamente dos honorários advocatícios para sobreviver e manter a sua estrutura de trabalho. Seria de se indagar, assim, qual tipo de isonomia ou igualdade de tratamento pretendeu a lei 13.327/16 garantir aos advogados públicos? Uma isonomia que somente alcançaria a parte financeiramente vantajosa do exercício privado da profissão, qual seja, o direito aos honorários sucumbenciais que - de forma questionável, sob o ponto de vista da inafastabilidade da jurisdição - aos advogados assegurou a lei 8.906/94 quando vitoriosa a causa sob seu patrocínio, mas sem qualquer dispêndio para a criação e manutenção de sua estrutura de trabalho. Ora, se os advogados públicos desejassem, realmente, uma igualdade substancial com seus pares da iniciativa privada, deveriam também se expor aos mesmos riscos da derrota e aos mesmos custos do exercício da profissão, o que não foi previsto pela lei 13.327/16. Ou então que, mediante a edição de uma emenda constitucional, abrissem mão do subsídio mensal que lhes foi assegurado pela Constituição, passando a um regime de remuneração vinculado ao mérito de suas atuações vitoriosas nas demandas em que atuam, o que não parece tenham a intenção de fazer. O que não se pode admitir é que o Poder Público seja duplamente onerado, não apenas com o dispendioso custeio da máquina da advocacia pública como, ainda, com os honorários de êxito em favor desses mesmos advogados. Ora, diante de tal panorama, não é difícil perceber o quão mais vantajoso seria para o Poder Público, em termos de gestão, apenas manter um corpo de advogados privados incumbidos da sua defesa". Desse modo, o relator procurou diferenciar os advogados públicos dos privados, sendo que o Estatuto da Advocacia não os diferenciou para o fim do recebimento de honorários sucumbenciais, que pertencem aos advogados. Em dezembro de 2018 a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, ajuizou a ADIN 6.053 visando proibir que os advogados públicos recebam honorários de sucumbência nas causas em que União e suas autarquias e fundações sejam parte. Portanto, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir rapidamente se os Advogados Públicos fazem jus a receber os honorários sucumbenciais, eis que tal questão impacta milhares de causídicos de Entes Públicos. __________ 1 Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 450. 2 CAVALCANTE JÚNIOR, Ophir; FALCETE, Eduardo. Os honorários dos advogados públicos. In: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios : . 2. ed., rev., ampl. e atual. Salvador : JusPodivm, 2016. p. 441-458. 3 SOUZA, Artur César de. Da inconstitucionalidade da lei 13.327/2016 e do novo CPC no que concerne ao pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos. Revista de Processo, São Paulo , v.42, n.263, p. 23-52, jan. 2017. 4 Arguição de Inconstitucionalidade nº 0011142-13.2017.4.02.0000, Rel. Des. Marcelo Pereira da Silva. Acórdão pendente de publicação.
Elias Marques de Medeiros Neto Como já amplamente noticiado, no julgamento ocorrido em 5/12/2018 do recurso especial 1.704.520 - MT, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, conforme voto da ministra relatora Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a tese de que o artigo 1015 do CPC/15 não comportaria uma interpretação categoricamente taxativa; sendo certo que o agravo de instrumento pode ser utilizado em hipóteses não previstas naquele dispositivo legal, desde que haja situação de "urgência processual". Neste sentido é o voto da ministra relatora: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (g.n.). De alguma forma, a relativização da taxatividade do artigo 1015 do CPC já vinha sendo consagrada em alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça. Como exemplo, em novembro de 2017, foi julgado o recurso especial 1.679.909 - RS, tendo sido relator o ministro Luis Felipe Salomão. Naquele julgamento, foi relativizada a enumeração taxativa do artigo 1015 do CPC, em caso que versava sobre competência. Veja-se: "Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. Recurso Especial provido. Nessa ordem de ideias, apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015, penso que a decisão interlocutória, relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma. Deveras, a possibilidade de imediata recorribilidade da decisão advém de exegese lógico-sistemática do diploma, inclusive porque é o próprio Código que determina que "o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência" (§ 3° do art. 64). Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente (passível até de rescisória - art. 966, II, CPC); b) o risco da invalidação ou substituição das decisões (art. 64, § 4°, primeira parte); c) o malferimento do princípio da celeridade, ao se exigir que a parte aguarde todo o trâmite em primeira instância para ver sua irresignação decidida tão somente quando do julgamento da apelação; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida "perpetuação" da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa. Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 - "rejeição da alegação de convenção de arbitragem" -, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda". O Superior Tribunal de Justiça, ao fixar uma tese em julgamento de recurso processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, estabelece, nos termos do artigo 927, III, do CPC, uma tese com força de precedente, que deve ser observada pelos juízes e tribunais. Como lembra a professora Teresa Arruda Alvim1, quanto ao artigo 927, III, do CPC: "Os incisos III e IV trazem hipóteses também de obrigatoriedade, no sentido forte - são os acórdãos proferidos em incidente de assunção de competência, resolução de demandas repetitivas, julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivos. O objetivo destes institutos ou, se preferir, destes regimes diferenciados de julgamento de ações de recursos, é justamente o de gerar segurança e previsibilidade. Não teria sentido algum se não tivessem de ser respeitados. Sua razão de ser seria brutalmente desrespeitada e sua finalidade inteiramente comprometida". A força vinculante - ou no mínimo fortemente persuasiva - pretendida pelo CPC para as teses fixadas em julgamento de recursos repetitivos é muito bem delineada nos artigos 311, II, 332, II, e 932, IV e V, por exemplo. Humberto Theodoro Junior2 explicita que as teses fixadas no julgamento de recursos repetitivos seriam expressão do poder conferido à jurisprudência pelo CPC, em uma ótica "vertical, que vincula todos os juízes ou tribunais inferiores às decisões do STF e do STJ em recursos extraordinário e especial repetitivos". Neste contexto, vão de encontro ao princípio da segurança jurídica e às normas fundamentais do CPC julgados que ainda estabelecem uma interpretação restritiva do artigo 1015 do CPC, em desconsideração à tese, em julgamento de recurso repetitivo, fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em dezembro de 2018. A contrariedade ao artigo 927, III, do CPC fica ainda mais nítida ao se verificar que alguns casos, com discussões jurídicas semelhantes ao do recurso processado e julgado no rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda são apreciados com base na interpretação de que o artigo 1015 do CPC deveria ter uma leitura categoricamente taxativa. Por sua vez, a força vinculante do precedente do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao tema em tela, foi reconhecida pelo Desembargador José Marcos Marrone, da 23ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento dos Embargos de Declaração n. 2058800-60.2018.8.26.0000, ocorrido em 29.01.2019, tendo-se alertado, contudo, que a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça somente seria aplicável para as decisões interlocutórias proferidas após a publicação do respectivo acórdão: "Embargos de declaração - Decisão de primeiro grau, proferida nos autos dos embargos à execução, que indeferiu o pedido para que fosse reconhecida a competência do Juízo da Vara de Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Falências de Porto Alegre/RS para julgar o feito - Agravo de instrumento que não foi conhecido por não constar tal decisão do rol taxativo do art. 1015 do atual CPC. Embargos de declaração - Negado provimento ao agravo interno - Taxatividade mitigada do art. 1.015 do atual CPC, decorrente do julgamento dos Recursos Especiais 1.696.396/MT e 1.704.520/MT - Tese jurídica, porém, que somente é aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão, ou seja, após 19.12.2018 - Decisão de primeiro grau que foi proferida em 6.3.2018 - Não incidência da força vinculante da deliberação do STJ - Embargos declaratórios rejeitados." Vale salientar que uma das marcas do CPC é o de valorizar a uniformização de jurisprudência, com a prática de observância aos precedentes consagrados pelos tribunais. Os benefícios da estrutura de precedentes são apontados pela jurista americana Toni M. Fine como os seguintes: (i) imparcialidade do sistema, na medida em que as regras não mudam de juiz para juiz; (ii) previsibilidade quanto à intepretação e aplicação de determinada norma, (iii) fortalecimento institucional do judiciário, na medida em que haverá uniformidade; (iv) estabilidade do ordenamento jurídico3. Para Luiz Guilherme Marinoni: "A segurança jurídica, postulada na tradição do civil law, está a exigir o sistema de precedentes, há muito estabelecido para assegurar essa mesma segurança no ambiente do common law, em que a possibilidade de decisões diferentes para casos iguais nunca foi desconsiderada e, exatamente por isso, fez surgir o princípio, inspirador do stare decisis, de que os casos similares devem ser tratados do mesmo modo (treat like cases alike)"4. O artigo 926 do novo código claramente determina que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação". Os artigos 927 e 928 do CPC conferem as diretrizes para a aplicação uniforme da jurisprudência dominante, havendo, inclusive, conforme artigo 988 do novo CPC, previsão para o manejo de reclamação no caso de inobservância, para algumas hipóteses, do precedente consagrado. O CPC, ainda, mantém a sistemática já adotada nas reformas do CPC/73 de prever o sistema de julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos, conforme previsão do artigo 1036. O objetivo é, em casos repetitivos, estabelecer a tese predominante quando do julgamento de um leading case, traçando-se com segurança jurídica e previsibilidade o desfecho dos demais casos que tratam de situações jurídicas similares. Conforme se nota, a intenção do CPC foi a de adotar institutos que privilegiam a segurança jurídica e a efetividade processual, sendo certo que o mecanismo de precedentes muito contribui para que tais valores sejam atingidos. E o Superior Tribunal de Justiça, como relevante corte superior, tem papel fundamental nesse significativo movimento de consolidação dos precedentes judiciais, em busca do respeito ao princípio constitucional da segurança jurídica. Neste passo, a tese fixada no recente julgamento do Recurso Especial n. 1.704.520 - MT merece ser observada e respeitada pelos juízes e tribunais, conforme previsto no artigo 927, III, do CPC. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1460. 2 THEODORO JUNIOR, Humberto. CPC anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1009. 3 FINE, Toni M. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal norte americano. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.89, n. 782, p. 90-96, dez.2000. 4 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: RT, 2011. p. 101.
André Pagani de Souza O art. 1.035, § 5º, do CPC de 2015, tornou possível, em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, a suspensão nacional, pelo relator, de todos os processos pendentes que versem sobre o mesmo tema. Confira-se, a propósito, o inteiro teor do dispositivo em questão: "§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional". Ao leitor do § 5º do art. 1.035 do CPC parece não haver dúvidas de que se trata de uma imposição que a lei coloca ao relator do recurso extraordinário que tenha a sua repercussão geral reconhecida de determinar a suspensão de todos os processos pendentes em território nacional que versem sobre o mesmo tema, pois o verbo determinar está no imperativo ("determinará"). Em outras palavras, tudo indica que não há qualquer margem de discricionariedade para o relator do recurso extraordinário que teve a sua repercussão geral reconhecida: ele deve determinar a suspensão de todos os processos pendentes que versem sobre a mesma questão. Entretanto, em 07.06.2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar uma "Questão de Ordem" no Recurso Extraordinário 966.177/RS, decidiu que o poder conferido ao relator do recurso é discricionário. Veja-se, abaixo, a ementa da decisão: "O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, ora reajustado, resolveu questão de ordem no sentido de que: "a) a suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la; b) de qualquer modo, consoante o sobredito juízo discricionário do relator, a possibilidade de sobrestamento se aplica aos processos de natureza penal; c) neste contexto, em sendo determinado o sobrestamento de processos de natureza penal, opera-se, automaticamente, a suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos crimes que forem objeto das ações penais sobrestadas, a partir de interpretação conforme a Constituição do art. 116, I, do CP; d) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público; e) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente; f) em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, poderá o juízo de piso, no curso da suspensão, proceder, conforme a necessidade, à produção de provas de natureza urgente". Vencidos o Ministro Edson Fachin, que rejeitava a questão de ordem, e o Ministro Marco Aurélio, que assentava a inconstitucionalidade do art. 1.035, § 5º, do CPC. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 7.6.2017" (grifos nossos). Pois bem, como se pode perceber, a interpretação do § 5º do art. 1.035 do CPC de 2015 não é tão simples quanto possa parecer. Apesar de o dispositivo dar a impressão de que não haveria margem para discricionariedade do relator ao decidir suspender todos os processos que versem sobre a mesma tese jurídica em território nacional, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fez interpretação diferente: o relator pode escolher, segundo seus próprios critérios, se suspende ou não tais processos, aplicando, então, o art. 328 do Regimento Interno do STF1. Em outras palavras, o ato de determinar a suspensão de processos que versem sobre a mesma tese jurídica reconhecida como tendo repercussão geral em recurso extraordinário não é automático e tampouco se trata de uma imposição legal ao relator desse recurso ao contrário do que uma interpretação literal do § 5º do art. 1.035 possa sugerir. __________ 1 "Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes informações, que deverão ser prestadas em 5 (cinco) dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica".