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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Já como consequência natural da modernização da prática de atos negociais e processuais, ganham precioso destaque temas como a validade de documentos eletrônicos, os requisitos para a utilização da assinatura no formato digital e as premissas para a segura prática de atos processuais no formato eletrônico. A relevância dos temas acima muito se potencializa em tempos de pandemia, nos quais vivemos os efeitos da Covid-19, com a necessidade de utilizarmos ferramentas digitais, plataformas que permitam a segura prática de atos processuais com o trâmite eletrônico, e adotarmos com enorme frequência os instrumentos da informática, tais como os que garantem as reuniões, audiências e julgamentos virtuais/telepresenciais. Neste cenário, merece atenção a análise de recentes julgamentos do Poder Judiciário acerca da validade do uso da assinatura digital em contratos para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1495920/DF, Terceira Turma, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018, enfrentou a questão, tendo sinalizado positivamente pela possibilidade de os contratos contarem com assinatura digital e poderem ser considerados, nesta linha, título executivo extrajudicial, para fins do artigo 784, III, do CPC/15: "RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em "numerus clausus", deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO." O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contudo, em recentes acórdãos, alerta para a necessidade de a entidade certificadora da assinatura digital ser previamente credenciada, nos termos da MP 2.200-2/2001 e da lei 11.419/2006. Em 11/4/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289091-25.2019.8.26.0000, 11ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Marino Neto, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou que: "EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL CÉDULA DE CRÉDITO CONTRATO ELETRÔNICO ENTRE PARTICULARES COM ASSINATURA DIGITAL (...)- DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE CONVERSÃO DA EXECUÇÃO PARA AÇÃO DE COBRANÇA, EM RAZÃO DA IRREGULARIDADE DA ASSINATURA DIGITAL DO TÍTULO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Assinatura digital certificada por entidade não credenciada pela autoridade certificadora - Insurgência do exequente - Alegação de higidez e segurança da assinatura - Não acolhimento - Autoridade Certificadora não credenciada no órgão competente - Artigo 1º, §2º, inciso III, alínea "a" e art. 4ª, inciso VI, da lei 11.419/2006 - Decisão mantida". Em 23/1/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289089-55.2019.8.26.0000, 14ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Achile Alesina, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no mesmo sentido, julgou que: "No caso vertente, em pesquisa efetuada no "site" do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, verificou-se que a entidade certificadora (...), responsável pela certificação das assinaturas digitais do contrato em causa, não consta da lista de "Entidades Credenciadas" perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil, em razão do seu descredenciamento. Tem-se, pois, que não restou demonstrada a autenticidade das assinaturas digitais imputadas ao devedor, em razão da ausência de credenciamento da entidade certificadora. E não demonstrou o agravante que o título fora emitido quanto esta estava regular. Desse modo, não há que se falar em título executivo, mostrando-se acertada a decisão proferida pela magistrada a quo, que em observância ao princípio da cooperação, determinou a conversão do feito em ação de cobrança, se assim providenciado pela parte interessada." Portanto, o Poder Judiciário já tem positivas demonstrações de que a assinatura digital pode ser adotada para fins de caracterização do preenchimento dos requisitos do artigo 784, III, do CPC/15; havendo, contudo, posições judiciais que indicam a necessidade de cautela quanto à escolha da entidade certificadora, a qual, de acordo com os julgados acima, deveria estar previamente credenciada nos termos da legislação vigente.
Texto de autoria de Rogerio Mollica Uma das maiores e mais comemoradas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), que possibilita ao sócio se manifestar previamente sobre as alegações do requerente, no prazo de 15 dias, e com ampla possibilidade probatória, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015. Por ser um instituto recente, ainda suscita muitas dúvidas, sendo que uma das principais é se haveria a condenação em honorários advocatícios em Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Em 30 de março de 2.017, o processualista e amigo André Pagani de Souza escreveu primoroso artigo nessa coluna criticando o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo1 contrário à fixação dos honorários advocatícios. Faz-se necessária a volta ao tema, eis que recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a apreciar a referida tese e decidiu, por maioria, nos seguintes termos: "RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. ART. 85, § 1º, DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Precedentes. 2. Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente. 3. Recurso especial provido." (REsp 1845536/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020) É bem verdade que sob a vigência do antigo CPC a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já havia fixado o entendimento de que "A jurisprudência desta Corte entende que a melhor exegese do § 1º. do art. 20 do CPC/1973 não permite, por ausência de previsão nele contida, a incidência de honorários advocatícios em incidente processual ou recurso"2. A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça também se baseia no entendimento de que o § 1º, do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015 traria um rol taxativo das hipóteses de cabimento da condenação em honorários advocatícios e essas hipóteses não abarcariam o IDPJ. Entretanto, trata-se, na verdade, de um rol meramente exemplificativo, considerando-se que em outras passagens do Código também é prevista a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, tais como no parágrafo único do art. 129, que trata da denunciação da lide. A doutrina vem, majoritariamente, se posicionando de forma contrária ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, pela possibilidade da condenação da parte vencida no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica ao pagamento de honorários advocatícios: "Em virtude de se tratar de exercício de direito de ação e de sua própria natureza jurídica, a decisão proferida acerca do pedido de desconsideração da personalidade jurídica exige a condenação da parte vencida ao pagamento dos ônus sucumbenciais". ( Primeiros comentários ao código de processo civil [livro eletrônico] / Teresa Arruda Alvim ... [et al.]. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020). "A desconsideração da personalidade jurídica é espécie de intervenção de terceiros que se dá por ação (art. 2.º). É indiferente que o CPC/2015 lhe atribua a terminologia de "incidente". Por suas características, parece inegável que é ação incidental - e não mero "incidente" (Luiz Henrique Volpe Camargo. In: Antônio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, p. 235). Disso resulta que a decisão que julgar a ação incidental condenará o vencido (art. 85, caput) ao pagamento das despesas processuais a favor do autor e honorários advocatícios a favor do advogado do vencedor (art. 85, caput e §14 c/c art. 23 da Lei 8.906/1994). Sendo procedente o pedido de desconsideração, caberá ao sócio (na desconsideração tradicional) ou à pessoa jurídica (na desconsideração inversa) arcar com as despesas e honorários. De outro lado, sendo improcedente o pedido de desconsideração, caberá ao autor do pedido arcar com as despesas e honorários do advogado do sócio (na desconsideração tradicional) ou da pessoa jurídica (na desconsideração inversa)". (Luiz Henrique Volpe Camargo, in Breves comentários ao código de processo civil [livro eletrônico] / coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.]. -- 2. ed. -- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). "Afinal, uma vez citado o réu, ele irá constituir advogado, ingressar no feito e, exemplificativamente, apresentar defesa para demonstrar a inexistência de atos de confusão patrimonial que justificariam a inaplicabilidade do instituto no caso concreto. Há uma decorrência lógica de que o autor, que propôs a demanda, caso derrotado, remunere as custas e os honorários advocatícios ao réu (e vice-versa)". (Christian Garcia Vieira, in Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 183). Desse modo, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça volte a analisar o tema, agora já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, e pacifique o entendimento sobre o cabimento ou não da fixação de honorários advocatícios no Incidente de Desconsideração de Demandas Repetitivas. __________ 1 Agravo de Instrumento nº 2230826-35.2016.8.26.0000 julgado, em 7/2/2017, pela 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. Cabe consignar que temos também decisões do TJ/SP favoráveis à condenação em honorários advocatícios, tal qual no Agravo de Instrumento nº 2240166-32.2018.8.26.0000 (28ª Câmara de Direito Privado) e no Agravo de Instrumento nª 2201737- 30.2017.8.26.0000 (22ª Câmara de Direito Privado) 2 EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/3/2017, DJe 5/4/2017.
quinta-feira, 4 de junho de 2020

O tratamento da astreinte na visão do STJ

Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro A multa cominatória fixada pelo juiz com vistas a compelir o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer, restou disciplinada no art. 537 do CPC/2015, de sorte que a nova redação do art. 437 (antes, art. 461-A, do CPC/73) inovou ao (i) prever a revisão do valor da multa referente as prestações vincendas (art. 537, § 1º), (ii) estabeleceu alguns critérios para a análise da revisão como a insuficiência ou quando ser tornou excessiva, assim como o exame do cumprimento parcial do devedor ou justa causa para o respectivo inadimplemento, assim como (iii) a exigibilidade imediata da multa, porém condicionado seu levantamento após trânsito em julgado da sentença favorável à parte1. Antes da vigência do CPC/2015 a Segunda Seção do STJ já havia consolidado o Tema n. 706, quando do julgamento do Recurso Especial 1333988/SP, afetado sob o rito de recurso especial repetitivo, para assim fixar a tese de que "a decisão que comina astreinte não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada". Muito embora referido tema tenha sido examinado antes da vigência do CPC/2015, tal entendimento parece ter se mantido. E, dentre as novas balizas trazidas na redação do art. 537 do CPC/2015, o tratamento dado pelo STJ ao tema vem observando outros requisitos quanto ao exame e alcance dos pleitos de revisão da astreinte. Nesse sentido colaciona-se os recentíssimos julgados a respeito do tema: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes. 3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. 4. Razoabilidade e proporcionalidade das multas cominatórias aplicadas em virtude do reiterado descumprimento de ordens judiciais. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. 6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial. Precedentes. 7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal. 8. Hipótese em que a limitação pretendida não se justifica, diante da qualificada recalcitrância da instituição financeira em promover a simples retirada do nome do autor de cadastro restritivo de crédito, associada à inadequada postura adotada durante toda a fase de cumprimento do julgado. 9. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. 10. Recurso especial não provido. (...) Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do (...) No caso em apreço, a má conduta atribuída à instituição financeira foi ainda agravada por alguns fatores, dos quais merecem ser destacados os seguintes: a) a recalcitrância perdurou pelo longo período de 27/10/2014 a 18/9/2015; b) a simples retirada do nome de uma pessoa de cadastro restritivo de crédito não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional, a justificar a exasperação do prazo concedido pelo juízo para tal providência e c) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial. Na espécie, o credor também não tinha meios de mitigar o seu próprio prejuízo, tampouco se poderia exigir do juízo a adoção de outras formas de cumprimento da obrigação. Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão manter a execução pelo valor originariamente apresentado pelo credor. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. A respeito do tema, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero assim prelecionam:"(...) A tutela jurisdicional tem de ser efetiva. Trata-se de imposição que respeita aos próprios fundamentos do Estado Constitucional, já que é facílimo perceber que a força normativa do Direito fica obviamente combalida quando esse carece de atualidade. Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica - um ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se conhece. A efetividade da tutela jurisdicional diz respeito ao resultado do processo." (Código de processo civil comentado [livro eletrônico], 6. ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 - grifou-se) Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem judicial seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses, devendo ser admitida a fixação de um teto apenas em situações excepcionais, constatadas a partir das especificidades do caso concretamente examinado. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto. (...)" (STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020, grifou-se) "RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALORES BLOQUEADOS. BACEN-JUD. TRANSFERÊNCIA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes. 3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. 4. Razoabilidade e proporcionalidade da multa cominatória aplicada em virtude do descumprimento, por 280 (duzentos e oitenta) dias, da ordem judicial de transferência de numerário bloqueado via BacenJus. 5. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que, para nela não incidir, basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. 6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial. Precedentes. 7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal. 8. O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de configurar crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto nos arts. 600 do CPC/1973 e 774 do CPC/2015. 9. Hipótese em que a desobediência à ordem judicial foi ainda agravada pelos seguintes fatores: a) a recalcitrância perdurou por 280 (duzentos e oitenta) dias; b) a instituição financeira apenada atuou de forma a obstar a efetividade de execução proposta contra empresa do seu próprio grupo econômico; c) a simples transferência de numerário entre contas-correntes não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional a justificar a exasperação do prazo de 24 (vinte e quatro) horas concedido pelo juízo e d) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial, senão que a instituição financeira confiava no afastamento da multa ou na sua redução por esta Corte Superior. 10. Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem de transferência de numerário seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses. 11. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. 12. Recurso especial de AUREO HOEFLING DE JESUS provido. 13. Recurso especial do BANCO SANTANDER parcialmente provido. (...) 5) Do valor da multa cominatória Registra-se, de início, que a pretensão de reduzir o valor da multa aplicada ao recorrente está amparada nos arts. 8º e 537, § 1º, I, do Código de Processo Civil de 2015, ao argumento de que, apesar da limitação das astreintes ao teto de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil reais), essa quantia ainda se afigura manifestamente desarrazoada. Além disso, consta do acórdão recorrido que, "a despeito de o Estado-Juiz não ter indicado o dispositivo legal, a multa em exame foi determinada sob os auspícios da lei, qual seja, o art. 461, caput, e § 5º do Código Buzaid, incidente à época dos fatos" (e-STJ fl. 1.829 - grifou-se). (...) Dito isso, cumpre asseverar que a multa cominatória, de execução indireta, é imposta para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente nas ações de obrigação de fazer ou não fazer. Em virtude da sua natureza inibitória, destina-se a impedir a violação de um direito, de forma imediata e definitiva. Logo, o valor e a periodicidade das astreintes devem ser de tal ordem que sejam hábeis a forçar o réu, em geral resistente, a cumprir a obrigação na forma específica. Ademais, por ser um instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, a decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. (...) Atualmente, a tese firmada sob a égide da legislação processual revogada conta com o respaldo do Código de Processo Civil de 2015, que assim disciplinou a matéria: "Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento." (grifou-se) A respeito do montante da multa diária, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que o valor das astreintes deve guardar relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, evitando-se, assim, o desvirtuamento da medida coercitiva, que poderia i) ser mais atrativa ao demandado, por ser a transgressão mais lucrativa que o cumprimento da obrigação (insuficiência da penalidade), ou ii) ser mais vantajosa ao demandante, que enriqueceria abruptamente às custas do réu (penalidade excessiva). Com efeito, a multa cominatória tem por finalidade constranger o devedor a adotar um comportamento tendente à implementação da obrigação, e não servir de compensação pela deliberada inadimplência. Assim, para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. A esse respeito, confiram-se: REsp nº 1.475.157/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6/10/2014, e AgRg no AREsp nº 394.283/SC, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 26/2/2016. No caso em apreço, a prestação a ser adimplida consistia na transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, equivalente a R$ 673.018,84 (seiscentos e setenta e três mil e dezoito reais e oitenta e quatro centavos), a revelar que não há desproporcionalidade na multa diária estabelecida, ao final, após a sua redução determinada em sede recursal, em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de descumprimento da ordem judicial. Não se pode olvidar que a multa cominatória, como bem observou o Ministro Sidnei Beneti no julgamento do REsp nº 1.200.856/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, "visa, em suma, a constranger o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação que lhe é imposta (em caráter liminar ou não), sob pena de, assim não o fazendo, ser obrigado a arcar com uma situação ainda mais desfavorável", funcionando, pois, como meio de coerção capaz de garantir a efetividade do processo mediante concretização da tutela específica. Ademais, a elevada quantia verificada ao final não resulta, na espécie, da desproporcionalidade da multa aplicada, mas da recalcitrância da instituição financeira demandada, que, não obstante a simplicidade da ordem judicial, optou por não lhe dar efetivo cumprimento por inacreditáveis 280 (duzentos e oitenta) dias. Mas não é só! Diante da resistência da instituição financeira em efetuar a transferência dos valores bloqueados para uma conta judicial vinculada ao juízo, o magistrado de primeiro grau de jurisdição proferiu novo despacho determinando que a penhora em dinheiro fosse efetuada por oficial de justiça, na "boca do caixa". O resultado do imbróglio daí resultante está resumido na certidão exarada pelo Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial: (...) De todo o relato apresentado, é possível concluir que, além de não haver desproporcionalidade no valor da multa aplicada, não foi ela fixada em quantia suficiente para alcançar o verdadeiro intento do instituto, seja quanto ao propósito de buscar a satisfação da tutela específica, seja quanto ao escopo de garantir plena observância ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais. A modificação do valor da multa cominatória, na espécie, serviria para incutir no recorrente a certeza de que a sua "estratégia" realmente funciona. Seria incentivar a sua conduta, com indesejados reflexos sobre a credibilidade do Poder Judiciário. Anota-se, em complemento, que a exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. No caso, uma simples ordem de transferência de numerário que não implicava sequer o imediato levantamento de valores. Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto no art. 600 do Código de Processo Civil de 1973: (...) Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão afastar o teto fixado pelo Tribunal de origem, admitindo-se o prosseguimento da execução pelo seu valor integral. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. (...)" (STJ, REsp 1840693/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020) De um lado, a revisão da astreinte ao argumento raso de que tal valor se mostra excessivo revela um incentivo ao devedor para insistir no cumprimento de sua obrigação, vez que uma vez consolidado o entendimento de que as multas vencidas não transitam em julgado, basta o devedor descumprir sua obrigação, aguardar que o montante acumulado se torne excessivo e, posteriormente socorrer-se ao órgão revisor para postular sua redução. Por outro lado, há situações também onde o credor, uma vez fixada a astreite e sua periodicidade, sequer acompanha se a obrigação foi cumprida e não informa ao juízo eventual inadimplemento. Simplesmente deixa a periodicidade da multa acumular um valor expressivo para depois vir a juízo mais interessado em receber o valor da muta do que requerer providências destinadas a forçar o cumprimento da obrigação, tal qual o uso de medidas de apoio. Ainda, é certo que há situações de abuso na fixação da multa, de sorte que o devedor acredita que tem razão e não quer, a luz do direito material, cumprir o comando jurisdicional que lhe foi imposto (mormente quando fixada em regime de tutela provisória, cuja decisão poderão em juízo de cognição exauriente, ser revista ou modificada). Recorre da decisão e assim o recorrerá enquanto lhe existir os recursos cabíveis. Em síntese, não há de se confundir abuso do direito de defesa com exercício do contraditório e ampla defesa. Os precedentes acima, ao examinar sensível tema, fixaram algumas premissas, tais como (i) a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada material, (ii) como critério de revisão, não basta a análise limitada entre a comparação do valor da obrigação e a soma da astreinte, sendo mais adequado o cotejo entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo devedor, (iii) em caráter excepcional, pode o juiz fixar um teto para cobrança da multa cominatória, (iv) há de se observar, quando da fixação da astreinte, a) o valor da obrigação e a importância do bem jurídico tutelado, b) o temo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade), c) a capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e d) a possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss). O cotejo das premissas acima não esgota a melhor análise do tema. Todavia, em vista de se consolidar o entendimento no sentido de que a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada, como forma de evitar a banalização do instituto, prudente o exame das circunstâncias supra citadas, as quais reverberam não só em critérios objetivos, mas, principalmente, na conduta tanto do credor quanto do devedor da obrigação no plano processual. __________ 1 Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. § 2º O valor da multa será devido ao exequente. § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. § 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.
quinta-feira, 28 de maio de 2020

Execução de alimentos, prisão e Covid-19

Texto de autoria de André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, o § 3º do art. 528 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que, no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, "se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão no prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". E o § 4º do mesmo dispositivo complementa que "a prisão será cumprida no regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns". Trata-se de uma mudança em relação ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) que, no § 1º do art. 733 apenas dispunha que "se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Como se percebe, não se estipulava qual deveria ser o regime da prisão e nem que o executado ser preso separadamente dos "presos comuns". Nesse ponto, é importante mencionar que o CPC/2015 acabou por superar uma dúvida que existia na vigência do CPC/1973 que dizia respeito à possibilidade de se decretar a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos que tinha origem em título extrajudicial. Para solucionar esta questão, atualmente, o parágrafo único do art. 911, do CPC/2015, admite expressamente a possibilidade de prisão prevista no art. 528, §§ 2º ao 7º, também para a execução fundada em títulos extrajudiciais do devedor de prestação de pagar alimentos. Entretanto, com a pandemia gerada pelo Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu uma "recomendação" aos magistrados relativa à prisão dos devedores de prestação alimentícia. Trata-se da Recomendação 62, de 17 de março de 2020, que "recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo". Embora tal recomendação seja predominantemente dirigida aos sistemas de justiça penal e socioeducativo, o seu art. 6º faz referência ao sistema de justiça civil. Confira-se: "Art. 6º: Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus" (grifos nossos). Não se trata de uma norma jurídica ou imposição aos magistrados, mas sim de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça que tem por objetivo reduzir riscos de que as infecções por Covid-19 se espalhem com maior velocidade, sobretudo no sistema prisional, comprometendo a integridade e a saúde de todos. Em 25 de março de 2020, poucos dias depois de ser editada a Recomendação n. 62/2020 do CNJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país os efeitos de uma liminar que garantiu prisão domiciliar aos presos nessa mesma condição (a de preso por dívida alimentícia) no estado do Ceará, em razão da pandemia de Covid-19. O pedido de extensão no habeas corpus, que tramita em segredo de Justiça, foi apresentado pela Defensoria Pública da União. As condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízes estaduais - inclusive quanto à duração -, levando em conta as medidas adotadas para a contenção da pandemia1. Em razão disso, tem havido decisões de suspensão de decreto prisional, de conversão do regime fechado para o regime domiciliar e há também Covid-19. Veja-se: "HABEAS CORPUS. Execução de alimentos. Prisão administrativa. Admissibilidade, pois decorrente do não pagamento da pensão alimentícia. No entanto, em razão do atual estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus e de modo a evitar exposição desnecessária ao risco de contaminação por Covid-19, excepcionalmente, concede-se a ordem, para suspender o decreto prisional, como medida de combate à disseminação do vírus. Ordem concedida. (TJSP; Habeas Corpus Cível 2052451-70.2020.8.26.0000; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Brodowski - Vara Única; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". "AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA/EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - Decisão que decretou a prisão civil do executado, ora agravante - Comprovação de pagamento parcial do débito - Desnecessidade de nova intimação pessoal do executado para pagamento, sendo suficiente a intimação por intermédio dos patronos constituídos no autos - Ciência inequívoca do executado acerca dos termos da execução ajuizada em abril de 2019, ante o espontâneo ingresso ao feito, em julho do mesmo ano - Débito exequendo que atende ao artigo 528, § 7º do Código de Processo Civil - Possibilidade de decreto de prisão civil do executado, que, entretanto, excepcionalmente, em virtude da pandemia do COVID-19, deve se dar em regime domiciliar - Decisão mantida - RECURSO DESPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.(TJSP; Agravo de Instrumento 2198643-06.2019.8.26.0000; Relator (a): Maria Salete Corrêa Dias; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". "HABEAS CORPUS". EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECRETO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO CITATÓRIO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 528 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SUPERVENIÊNCIA DA PANDEMIA - VÍRUS COVID 19. RECOMENDAÇÃO CNJ 62/20. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE. Embora não demonstrada ilegalidade ou abuso de poder, diante da superveniência da pandemia causada pelo vírus Covid-19 e da Recomendação CNJ nº 62/20, a execução da ordem de prisão civil do devedor de alimentos deve ser suspensa até que sejam cessadas as medidas de isolamento social determinadas pelas autoridades médicas para prevenção à propagação do vírusCovid-19. (TJSP; Habeas Corpus Cível 2004946-83.2020.8.26.0000; Relator (a): Maria do Carmo Honorio; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII - Nossa Senhora do Ó - 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". Por outro lado, a depender das peculiaridades de cada caso, há decisões que decretam a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos, mesmo com a pandemia do Covid-19 em seu auge, como se pode perceber pela leitura da ementa de julgado abaixo: "EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - Decisão que indeferiu a expedição de mandado de prisão - Inconformismo da exequente - Acolhimento - Débito comprovado - Inércia do executado no pagamento do débito ou apresentação de justificava - Esgotamento das diligências para localização de bens do devedor - Cabimento da prisão - Incidência do art. 528, §§ 3º e 7º, do Código de Processo Civil e da Súmula 309 do Colendo Superior Tribunal de Justiça - Decisão reformada - Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2010707-95.2020.8.26.0000; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 15/05/2020; Data de Registro: 18/05/2020)". Portanto, enquanto durar a pandemia do Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça recomenda que, se for o caso de se decretar a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos, o regime a ser adotado será preferencialmente o domiciliar e não o fechado como consta do § 4º do art. 528 do CPC/2015. Ainda, a depender do "contexto local de disseminação do vírus", cuja observância é recomendada pelo art. 6º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ, o decreto prisional pode ser suspenso ou não, conforme foi visto acima. __________ 1 STJ estende liminar e concede prisão domiciliar a todos os presos por dívida alimentícia no país. (Acesso em 27/3/2020). O número do processo não foi divulgado por se tratar de "segredo de justiça".
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto O Código de Processo Civil, em seu artigo 835, parágrafo segundo, bem como a lei 13.043/2014 (artigos 9, II, e 15, I, da lei 6830/80), equiparam expressamente a fiança bancária e o seguro garantia ao dinheiro, de modo que não deveriam haver tantas polêmicas acerca da possibilidade de substituição da penhora de dinheiro pela apólice de seguro garantia; notadamente nos casos em que o seguro garantia apresenta todos os requisitos necessários para honrar devidamente o pagamento do débito reconhecido em título executivo. Neste ponto, Teresa Arruda Alvim1 é didática ao expor que: "Reside neste parágrafo segundo do art. 835 mais uma prova de que a preferência pela penhora em dinheiro não tem caráter absoluto, como dissemos ao comentarmos, em conjunto, o inc. I e o parágrafo 1. Com efeito, ao equiparar a 'dinheiro' a fiança bancária e o seguro garantia judicial, para fins de substituição da penhora, o que o Novo Código de Processo Civil visou foi assegurar ao executado o direito de substituir qualquer penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial... a jurisprudência do STJ tem reconhecido esta possibilidade, a qual está mais afinada com a busca de uma execução proporcional e equilibrada, como defendemos ao longo de nossos comentários a diversos dispositivos atinentes à execução". Na mesma linha, quanto às execuções fiscais, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.06.2019, ao julgar o REsp 1.381.254-PR, bem sinalizou que: "Assim, o dinheiro, a fiança bancária e o seguro garantia são equiparados para os fins de substituição da penhora ou mesmo para garantia do valor da dívida ativa, seja ela tributária ou não tributária, sob a ótica alinhada do § 2º do art. 835 do CPC/2015 c/c o inciso II do art. 9º da Lei n. 6.830/1980, alterado pela Lei n. 13.043/2014. Por fim, não há razão jurídica para inviabilizar a aceitação do seguro garantia judicial, porque, em virtude da natureza precária do decreto de suspensão da exigibilidade do crédito não tributário (multa administrativa), o postulante poderá solicitar a revogação do decreto suspensivo caso em algum momento não viger ou se tornar insuficiente a garantia apresentada". Entretanto, apesar da literalidade das aludidas normas, inegável é que ainda há resistência quanto ao pleito de substituição da penhora de dinheiro pelo seguro garantia, especialmente nas diferentes esferas do contencioso tributário. Por isso, merece especial destaque o recentíssimo posicionamento da 10ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2072750-68.2020.8.26.0000, ocorrido em 16.05.2020, tendo sido relator o desembargador Torres de Carvalho, no qual, em processo fiscal envolvendo a cobrança de IPVA, se autorizou a substituição do depósito de dinheiro pelo seguro garantia, em virtude do contexto de crise em que o país está inserido: "IPVA. Ação anulatória. Locadora de automóveis com sede no Estado de Minas Gerais e diversas filiais, inclusive no Estado de São Paulo. Veículo registrado em Minas Gerais, mas à disposição para locação em São Paulo. LE nº 13.296/08, art. 6º, II. Suspensão da exigibilidade. Oferecimento de seguro garantia. Necessidade de levantamento de depósito judicial, com substituição da garantia, em razão de dificuldades financeiras enfrentadas pelo estado de calamidade decretado na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus. - 1. Suspensão da exigibilidade. Seguro Garantia. Quando do ajuizamento da ação, a autora pleiteou a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mediante apresentação de seguro garantia. Após intensos debates, em 3-4-2017 a 10ª Câmara de Direito Público, no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, em readequação, definiu que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário estaria condicionada ao depósito do montante integral e em dinheiro do valor discutido nos autos. O depósito foi feito no valor de R$-2.497.709,72, com concordância do Estado. - 2. Levantamento. Vinculação. Ainda que a possibilidade de apresentação do seguro para suspender o crédito tributário tenha sido debatida no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, as circunstâncias atuais permitem nova análise, sob outra perspectiva. As dificuldades financeiras que muitas empresas estão enfrentando em decorrência das restrições impostas na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus é fato notório, assim como as consequências para as atividades relacionadas ao turismo (indiretamente vinculada à locação de automóveis). Isso, somado ao fato de que a garantia apresentada é válida, não havendo risco ao Estado, autorizam o levantamento do depósito. - Tutela indeferida. Agravo provido, com observação". Em regra, os pedidos de substituição de penhora devem observar os requisitos dos artigos 847 e 848 do CPC/15, sendo certo que o artigo 835, parágrafo segundo, do mesmo diploma, claramente equiparou a fiança bancária e a apólice de seguro ao dinheiro; permitindo-se, assim, que esses instrumentos de garantia possam ser manejados na execução, desde que observem todos os requisitos necessários para honrar o pagamento de créditos líquidos, certos e exigíveis. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1321.
Texto de autoria de Rogerio Mollica O Código de Processo Civil de 2015 acabou por manter várias prerrogativas /privilégios da Fazenda Pública em juízo. De fato, os entes públicos continuam a possuir, por exemplo, prazos diferenciados (art. 183) e as sentenças contrárias são sujeitas à Remessa Necessária (art. 496). Entretanto, um de seus grandes privilégios, que era a fixação equitativa dos honorários advocatícios, não restou acolhida pelo CPC/2015. O CPC de 1973 previa a fixação não isonômica dos honorários advocatícios, quando a Fazenda Pública participava do processo. Se a Fazenda Pública fosse vencedora, os honorários advocatícios eram fixados, segundo a norma geral, entre 10% e 20% do valor da causa. Se vencida, os honorários eram fixados de forma equitativa, o que quase sempre representava a fixação de honorários módicos em causas de valor elevado. Nestes termos era a redação do § 4º do artigo 20 do CPC de 1973: "§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior." (g.n.) O Código de Processo Civil de 2.015 veio a corrigir tal falta de isonomia ao prever que nas causas em que a Fazenda Pública fosse parte, seja ela vencedora ou vencida, os honorários seriam fixados de forma escalonada, nos termos do artigo 85, § 3º. O novo Código somente permitiu a aplicação da equidade "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (§ 8º). Basta a simples leitura do dispositivo para verificar que a aplicação da equidade na fixação dos honorários advocatícios só pode se dar para aumentar honorários que seriam irrisórios. Entretanto, muitos juízes e Tribunais passaram a entender que o previsto no § 8º teria uma mão dupla, isto é, seria aplicado para aumentar honorários irrisórios e, também, poderia ser aplicado para diminuir honorários tidos por exorbitantes1. Em artigo nessa coluna, datado de 18/4/2019, comentei sobre o julgado da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela impossibilidade da utilização do § 8º para a diminuição de honorários advocatícios tidos por exorbitantes (REsp 1.746.072/PR). Infelizmente, tal julgado não se deu sob a égide dos recursos repetitivos, sendo que tal entendimento acaba não vinculando juízes e Tribunais, que continuam diuturnamente julgando de forma contrária a tal entendimento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. O professor Daniel Penteado de Castro, em artigo publicado nessa mesma coluna na semana passada (07/05), citou julgados da Primeira2 e da Segunda3 Turmas do Superior Tribunal de Justiça, que julgam Direito Público, em consonância com o entendimento da Segunda Seção desfavorável à possibilidade de aplicação da equidade para a redução dos honorários advocatícios. Entretanto, existem julgados dessas mesmas Turmas possibilitando a aplicação equitativa também para a redução dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO MEDIANTE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ASSENTIMENTO IMEDIATO DA FAZENDA PÚBLICA EXEQUENTE. CANCELAMENTO DO DÉBITO. CONDENAÇÃO DA FAZENDA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, EM R$ 4.000,00 MEDIANTE APRECIAÇÃO EQUITATIVA. PROCESSO SENTENCIADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FUX. VALOR DO DÉBITO EXEQUENDO SUPERIOR A R$ 2.700.000,00. DESCABIMENTO DA APLICAÇÃO DO ART. 85, § 8o. DO CÓDIGO FUX, UMA VEZ QUE NÃO SE TRATA DE CAUSA DE VALOR INESTIMÁVEL OU DE PROVEITO ECONÔMICO IRRISÓRIO. NAS AÇÕES DE VALOR PREFIXADO A VERBA HONORÁRIA NÃO DEVE SER ESTABELECIDA COM A EXCLUSÃO DESSE ELEMENTO QUANTITATIVO. OBSERVÂNCIA DO ART. 1o. DO REFERIDO CÓDIGO, DE FORMA A APLICAR AO CASO CONCRETO OS VALORES DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE PARA ADEQUAR O VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À REALIDADE DO OCORRIDO NO PROCESSO. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, PARA FIXAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 1% SOBRE O VALOR DA EXECUÇÃO. 1. Em execução fiscal extinta mediante exceção de pré-executividade não resistida, e sendo cancelada a própria inscrição do crédito em dívida ativa, por já ter ocorrido a citação do devedor, é cabível a condenação da parte exequente em custas sucumbenciais e honorários advocatícios. 2. No caso presente, o proveito econômico obtido pelo contribuinte é de R$ 2.717.008,23, de acordo com a Certidão de Dívida Ativa 1.215.928.910 (fls. 1) que foi cancelada pela Fazenda Pública Paulista após a citação da parte executada em face de ter sido exibida a prova de pagamento do débito, isso em incidente de exceção pré-executividade não resistida (conforme sentença de fls. 62). 3. Nesse contexto, uma primeira apreciação da situação mostra que não cabe a aplicação do art. 85, § 8o. do Código Fux, porquanto, como se vê, não se trata de causa de valor inestimável ou de irrisório o proveito econômico obtido, tendo em vista o valor envolvido na disputa. Poder-se-ia pensar que a hipótese deveria ser regulada, quanto aos honorários, pelas regras do § 3o. do art. 85 do Código Fux, mas isso acarretaria evidente distorção na fixação da verba honorária, tendo em vista que o trabalho profissional foi daqueles que podem ser classificados como sumários, simples ou descomplicados. 4. Essa orientação se mostraria, porém, excessivamente apegada à literalidade das regras legais. Seria um demasiado amor ao formalismo, desconsiderando a pressão dos fatos processuais, em apreço ao cumprimento da lei em situação que revela a sua acintosa inadequação. 5. O art. 1o. do Código Fux orienta que o processo civil observe princípios e valores, bem como a lei, significando isso a chamada justiça no caso concreto, influenciada pelas características e peculiaridades do fato-suporte da demanda, o que deve ser adequadamente ponderado. 6. Na hipótese em exame, como dito, inobstante o valor da causa (R$ 2.717.008,23), o labor advocatício foi bastante simples e descomplicado, tendo em vista que a mera informação de pagamento de dívida tributária, moveu a Fazenda Pública exequente à extinção da própria execução; não houve recurso, não houve instrução e tudo se resolveu quase de forma conciliatória. 7. Desse modo, atentando-se para ao princípio da dita justiça no caso concreto, que deve, sempre, reger a jurisdição, ele há de prevalecer sobre outras premissas, embora igualmente prezáveis e importantes. Neste caso, em razão da baixa complexidade da causa, da curta duração do processo e da ausência de maior dilação probatória, fixa-se em 1% a verba honorária advocatícia sobre o valor da execução. 8. Recurso Especial da Empresa parcialmente provido, para condenar a parte recorrida ao pagamento de honorários advocatícios ora fixados em 1% sobre o valor da execução." (g.n.) (REsp 1771147/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/9/2019, DJe 25/9/2019) "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. 1. No regime do CPC/1973, o arbitramento da verba honorária devida pelos entes públicos era feito sempre pelo critério da equidade, tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10% estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC/1973. 2. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, passará o juízo a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, § 3º, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação de sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico obtido pela parte vencedora; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação ou não for possível identificar o proveito econômico, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no § 6º, os limites e critérios do § 3º serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária - ou seja, desvinculado dos critérios acima - , teria ficado reservado para situações de caráter excepcionalíssimo, quando "inestimável" ou "irrisório" o proveito econômico, ou quando o valor da causa se revelar "muito baixo". 3. No caso concreto, a sucumbência do ente público foi gerada pelo acolhimento da singela Exceção de Pré-Executividade, na qual apenas se informou que o débito foi pago na época adequada. 4. O Tribunal de origem fixou honorários advocatícios abaixo do valor mínimo estabelecido no art. 85, § 3º, do CPC, almejado pela recorrente, porque "o legislador pretendeu que a apreciação equitativa do Magistrado (§ 8º do art. 85) ocorresse em hipóteses tanto de proveito econômico extremamente alto ou baixo, ou inestimável" e porque "entendimento diverso implicaria ofensa aos princípios da vedação do enriquecimento sem causa, razoabilidade e proporcionalidade" (fls. 108-109, e-STJ). 5. A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC - como qualquer norma, reconheça-se - não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico. 6. Assim, o referido dispositivo legal (art. 85, § 8º, do CPC/2015) deve ser interpretado de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC/1973 (atual art. 85, § 2º, do CPC/2015). 7. Conforme bem apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observa-se, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema. 8. A linha de raciocínio acima, diga-se de passagem, é a única que confere efetividade aos princípios constitucionais da independência dos poderes e da isonomia entre as partes - com efeito, é totalmente absurdo conceber que somente a parte exequente tenha de suportar a majoração dos honorários, quando a base de cálculo dessa verba se revelar ínfima, não existindo, em contrapartida, semelhante raciocínio na hipótese em que a verba honorária se mostrar excessiva ou viabilizar enriquecimento injustificável à luz da complexidade e relevância da matéria controvertida, bem como do trabalho realizado pelo advogado. 9. A prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo "equitativo" será em si mesmo contraditório. 10. Recurso Especial não provido.' (g.n.) (REsp 1789913/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/2/2019, DJe 11/3/2019) De fato, se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Conforme já visto, o legislador houve por bem afastar a equidade nesses casos e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo. Resumindo, o legislador procurou afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios, criando critérios objetivos para tal fixação. Certa ou errada, essa foi a opção do legislador e tem de ser respeitada. Não se concordando com tal escolha, cabe unicamente a opção da alteração legislativa. Não parece correta a possibilidade de aplicação pura e simples da equidade, sem previsão legal, quando os honorários parecerem exorbitantes. De fato, prevê o parágrafo único do artigo 140 do CPC de 2015 que "O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei". Para dirimir a controvérsia sobre a matéria em análise, no final de 2.019, o Recurso Especial nº 1.644.077 / PR foi remetido para julgamento pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em "razão da relevância da questão jurídica, ou da necessidade de prevenir divergência entre as Seções" (artigo 16, IV, do Regimento Interno do STJ). Desse modo, faz-se importante que a Corte Especial pacifique o entendimento quanto à possibilidade ou não da redução dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública, por meio da aplicação da equidade, para que se tenha segurança jurídica e se evite a interposição de uma infinidade de recursos questionando unicamente a fixação dos honorários advocatícios. __________ 1 O professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP José Rogério Cruz e Tucci mostra preocupação com os honorários advocatícios exorbitantes que podem advir da aplicação do § 2º do artigo 85 do CPC: "É evidente que, como advogado militante, sempre defendi a fixação de remuneração condizente com o trabalho profissional daquele que presta serviço essencial à administração da Justiça. Mas isso não significa, como é cediço, que o advogado obtenha, pelas circunstâncias da causa, um benefício financeiro maior do que aquele litigante que teve de ajuizar uma demanda e sagrou-se parcialmente vencedor." E na sequência o professor conclui que "(...) o novo regime de sucumbência, estabelecido no Código de Processo Civil em vigor, não deve constituir obstáculo ao acesso à Justiça. Daí ser necessário o aprimoramento de um critério seguro, que contorne a interpretação literal da lei, para resolver questões excepcionais, a evitar condenações esdrúxulas, que inviabilizam o caminho da tutela jurisdicional, garantia constitucional assegurada a todo cidadão!" ("Honorários do advogado não podem suplantar benefício do vencedor", publicado no site Consultor Jurídico em 16/7/2019). 2 AgInt no REsp 1824108/DF. 3 REsp 1.820.265/SP.
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Em pretérita edição desta coluna registramos a preocupação quanto a não aplicação, em determinados julgados, do art. 85, § 2º, do CPC/2015, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Em contrapartida, as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado1. Também noutra oportunidade trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20152. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Todavia prevaleceu o entendimento posto pela Segunda Seção do STJ, no sentido de que a aplicação de equidade no arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais fica reservada a única hipótese prevista no ordenamento, qual seja, o art. 85, § 8º, não havendo espaço a qualquer interpretação quando presente a hipótese do art. 85, § 2º: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido. 2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º). 3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria. 4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). 5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. 6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido." (STJ, REsp 1746072/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 13/02/2019, DJe 29/03/2019, grifou-se) De igual modo já decidiram a Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Turmas do STJ em recentíssimos julgados: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULAS 7/STJ E 283/STF. NÃO INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 85, §§ 2º E 3º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. 1. O recurso especial preenche os requisitos constitucionais e legais exigidos para a sua admissão, na medida em que a matéria não enseja o reexame de fatos e provas, assim como o mencionado recurso impugnou todos os fundamentos que ampararam o acórdão recorrido. Não há falar, portanto, na aplicação das Súmulas 7/STJ e 283/STF. 2. "Esta Corte Superior fixou o entendimento de que, na vigência do CPC/2015, o arbitramento de honorários advocatícios por apreciação equitativa, conforme o contido no § 8º do art. 85 do CPC/2015, somente tem guarida nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, não sendo essa a hipótese dos autos" (REsp 1.820.265/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/9/2019, DJe 16/9/2019)." 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1824108/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 09/03/2020, DJe 12/03/2020, grifou-se) "PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 85, § 2º E § 3º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. I - Na origem, o contribuinte apresentou exceção de pré-executividade, requerendo a extinção da execução fiscal movida pela Fazenda Nacional, sob o argumento de que o débito ora executado estava com a sua exigibilidade suspensa antes do ajuizamento do mencionado feito executivo. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, nas causas em que a Fazenda Pública for litigante, os honorários advocatícios devem ser fixados observando-se os parâmetros estampados no art. 85, § 2º, caput e incisos I a IV, do CPC/2015 e com os percentuais delimitados no § 3º do referido dispositivo jurídico. Precedentes: REsp 1.746.072/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019; AgInt no REsp 1.665.300/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017 e REsp 1.644.846/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 31/8/2017. III - Esta Corte Superior fixou o entendimento de que, na vigência do CPC/2015, o arbitramento de honorários advocatícios por apreciação equitativa, conforme o contido no § 8º do art. 85 do CPC/2015, somente tem guarida nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, não sendo essa a hipótese dos autos. Precedentes: AgInt no AREsp 1.187.650/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 30/4/2018; REsp 1.750.763/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe 12/12/2018 e AgInt no REsp 1.736.151/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/10/2018, DJe 6/11/2018. IV - Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais obedeça aos parâmetros previstos nos § 2º e § 3º do art. 85 do CPC/2015." (STJ, REsp 1820265/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 10/09/2019, grifou-se) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO MONITÓRIA CONVERTIDA EM AÇÃO DE COBRANÇA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES PERCENTUAIS PREVISTOS NO ART. 85 DO NCPC. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO E IRREGULARIDADES NO SANEAMENTO DO PROCESSO. INOVAÇÃO RECURSAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) 3. Nos termos do art. 85, § 2º, do NCPC, o percentual de 10% a 20% deve incidir sobre o valor da condenação ou sobre o proveito econômico obtido na demanda. Apenas nos casos em que não for possível a mensuração desses valores é que a base de cálculo a ser utilizada será o valor atualizado da causa. (...) 5. Agravo interno não provido. (...) a Segunda Seção do STJ reconheceu que o art. 85, § 2º, do NCPC é regra geral obrigatória no sentido de que os honorários advocatícios devem ser fixados sobre o valor da condenação ou do proveito econômico ou, não sendo possível identificá-lo, sobre o valor da causa. Na vigência do NCPC, os honorários advocatícios devem ser fixados pela equidade apenas nas hipóteses previstas no art. 85, § 8º, ou seja, nas causas de valor inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. (...) a Segunda Seção desta Corte consignou que afasta-se a possibilidade de se fixar os honorários advocatícios com base em equidade, em virtude de "valor da causa ou proveito econômico considerado excessivo", considerando-se a existência de comando legal expresso, que é a regra geral, determinando sua fixação em percentual entre 10% e 20%, salvo nos casos expressos no art. 85, § 8º, do NCPC. (...)" (STJ, AgInt no REsp 1850746/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 25/03/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM DESFAVOR DO AUTOR. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. CRITÉRIO DE EQUIDADE PREVISTO NO ART. 85, § 8º, DO CPC/2015. DESCABIMENTO. NÃO EVIDENCIADA A OCORRÊNCIA DE NENHUMA DAS HIPÓTESES LEGAIS NO CASO. LIMITAÇÃO ENTRE OS PERCENTUAIS DE 10% E 20% QUE SE IMPÕE. ART. 85, § 2º, DO CPC/2015. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ARBITRAMENTO DA VERBA HONORÁRIA NO PERCENTUAL DE 10% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. VALOR DA CAUSA QUE REFLETE O PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO COM A PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS TERCEIRO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO NA HIPÓTESE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior preconizada pela Segunda Seção assenta que "a expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo" (REsp 1.746.072/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019). 2. A verba honorária de sucumbência devida na espécie (...) deve observar os critérios estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC/2015, que limita a discricionariedade do julgador aos percentuais de, no mínimo, 10% e, no máximo, 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa, afigurando-se indevida a utilização do critério da equidade. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime, devendo ser analisado em caso concreto o caráter abusivo ou protelatório do recurso, o que não se verifica na hipótese. 4. Agravo interno desprovido. (...) Todavia, conforme se depreende da cognição da Segunda Seção acima colacionado, o critério da equidade foi restringido pelo CPC/2015, em seu art. 85, § 8º, aplicando-se apenas às hipóteses em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pela parte vencedora seja inestimável ou irrisório, ou o valor da causa seja muito baixo. (...)" (STJ, AgInt no REsp 1854791/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 20/04/2020, DJe 24/04/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. EQUIDADE. CRITÉRIO SUBSIDIÁRIO E EXCEPCIONAL. SÚMULA 83/STJ INAFASTÁVEL. 1.O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incide, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (...) os honorários advocatícios foram fixados nos termos do artigo 85, parágrafos 2° e 11, do Código de Processo Civil. In casu, não se mostra adequado o arbitramento da condenação em honorários advocatícios por apreciação equitativa, uma vez que não é inestimável nem irrisório o proveito econômico, e o valor da causa não é muito baixo. Com efeito, consigno, dentre outras, a seguinte alteração calçada nos parágrafos do art. 85 do CPC/2015: a base de cálculo dos honorários será o valor da condenação ou do proveito econômico obtido e, no caso de não haver estes dois, poderá ser adotado o valor atualizado da causa. (...) a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma excepcional e subsidiária, sedimentando quaisquer divergências acerca do tema. Segundo o Colegiado, o CPC de 2015 reduziu as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, as quais são restritas às causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo (CPC de 2015, artigo 85, § 8º). No voto condutor do acórdão, exarado pelo Ministro Raul Araújo, consignou-se que o artigo 85, § 2º, do CPC de 2015 veicula a regra geral e obrigatória (ordem de preferência) de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados entre 10% e 20%: (i) do valor da condenação; ou (ii) do proveito econômico obtido; ou (iii), não sendo possível mensurar o proveito econômico, do valor atualizado da causa. (...) (STJ, AgInt no AREsp 1539982/DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 30/03/2020, DJe 02/04/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR. 1. Consideram-se preclusas as matérias que, veiculadas no recurso especial e dirimidas na decisão agravada, não são reiteradas no agravo interno. Precedentes. 2. No julgamento do REsp nº 1746072/PR, a Segunda Seção desta Corte, em consonância com a legislação de regência, confirmou o entendimento de que os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa. 3. Agravo interno desprovido. (...) E, na linha da jurisprudência desta Casa, "O § 8º do art. 85 do NCPC somente será aplicável nas causas em que for impossível atribuir valor ao bem jurídico pleitado." (EDcl no AREsp 737.982/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 04/09/2017). Não se vislumbra, in casu, nenhuma das hipóteses previstas no § 8° do artigo 85 do CPC/15 e autorizativas da fixação dos honorários por apreciação equitativa. Assim, verifica-se que a Corte de origem, ao arbitrar a verba honorária em 10% sobre o valor da causa - fixado pelo Tribunal em R$1.277.905,22 (um milhão duzentos e setenta e sete mil novecentos e cinco reais e vinte e dois centavos), ante o acolhimento da impugnação ao valor da causa (fl. 816, e-STJ) -, decidiu de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (...)" (STJ, AgInt no REsp 1847876/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 23/03/2020, DJe 25/03/2020, grifou-se) Sem prejuízo de outros julgados do STJ à exaustão em igual sentido3 e, ainda, no âmbito da Justiça Estadual Paulista, oriundos das 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 20ª, 27ª, 31ª, 33ª, 35ª Câmaras de Direito Privado e, ainda, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial4, a recalcitrância de alguns julgados em aplicar arbitramento de honorários advocatícios por equidade nas hipóteses em que assim não previu o legislador chegou ao ponto de, recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 71, perante o Supremo Tribunal Federal. Embora referida ação tenha por objeto a declaração de constitucionalidade do art. 85, §§s 3º e 5º, do CPC/2015 (o qual estabelecem um percentual de honorários contra a fazenda pública, conforme o valor da condenação), o afastamento da aplicação de tais dispositivos se assentam na mesmíssima premissa de afastamento de aplicação do art. 85, 2º, do CPC/2015, quais sejam: Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Respeitados os entendimentos postos no raciocinou acima, não se pode fechar os olhos de que tal interpretação, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, é limitada ao deixar de considerar (e reafirmamos nesta oportunidade) que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente a pretensão autoral), que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão5; (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/2015) (iv) sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação mediante interpretação extensiva da equidade, prevista no art. 85, § 8º; (v) Até porque, o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que desnecessariamente congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não; (vi) No mais, o subjetivismo interpretativo daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição (que se espera aplicar o direito de forma uma), porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Por fim, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no art. 85, § 2º, do CPC/2015. Reservadas as razões da aplicação ou relativização causídica do art. 85, § 2º, do CPC/2015, espera-se que preceda referido julgamento acompanhado da oitiva e amplo debate em colaboração para formação do precedente, levando-se em consideração não só as razões acima alinhavadas, mas também examinada a matéria sob todas as óticas e pontos de vista, a enriquecer o debate democrático frente a tema que poderá gerar incerteza e insegurança jurídica acaso decidida a questão limitada a um ou poucos fundamentos, abrindo-se uma porteira de que, "excepcionalmente", a dado caso concreto observar-se-á o dispositivo, em outro não, a refletir na indesejada quebra de isonomia, previsibilidade e segurança jurídica esperada pelo Poder Judiciário. __________ 1 Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei? 2 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema. 3 No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1557929/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 23/03/2020, DJe 26/03/2020; AgInt no REsp 1774817/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 30/03/2020; AgInt no REsp 1803723/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 30/03/2020; AgInt no AREsp 1556549/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 16/03/2020, DJe 20/03/2020; AgInt no REsp 1742464/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 16/03/2020, DJe 20/03/2020; AgInt no AREsp 1504128/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/03/2020, DJe 02/04/2020; AgInt no REsp 1840691/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 09/03/2020, DJe 13/03/2020. 4 TJ/SP, Apelação Cível 1082534-14.2019.8.26.0100, Rel. A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 17/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1011344-35.2018.8.26.0032, Rel. A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 06/12/2019; TJSP, Apelação Cível 1001063-49.2019.8.26.0205, Rel. J.L. Mônaco da Silva, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 28/04/2020; TJSP, Apelação Cível 0070826-20.2011.8.26.0114, Rel. Ana Maria Baldy, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 27/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1003087-79.2018.8.26.0045, Rel. Mary Grün, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 14/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1124192-23.2016.8.26.0100, Rel. Benedito Antonio Okuno, 8ª Câmara de Direito Privado, j. 22/04/2020, TJSP; Apelação Cível 1042954-72.2017.8.26.0576; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/02/2020; Data de Registro: 27/02/2020; TJSP, Apelação 1131155-47.2016.8.26.0100, Rel. Álvaro Torres Júnior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 13/08/2018; TJSP, Apelação Cível 1007864-80.2018.8.26.0248, Rel. Alfredo Attié, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 11/07/2016; TJSP, Apelação Cível 4001850-71.2013.8.26.0032, Rel. Antonio Rigolin, 31ª Câmara de Direito Privado, DOE 28/08/2019; TJSP, Embargos de Declaração Cível 1014974-02.2018.8.26.0032, Rel. Sá Duarte, 33ª Câmara de Direito Privado, j. 20/10/2017; TJSP, Apelação Cível 0003555-83.2018.8.26.0587, Rel. Gilson Delgado Miranda, 35ª Câmara de Direito Privado, j. 27/04/2020; TJSP, Embargos de Declaração n. 2147665-93.2017.8.26.0000, Rel. Hamid Bdine, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13/08/2018. 5 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, o § 7º do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que "a audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei". Nada foi disposto no CPC/2015 acerca da possibilidade de realização de audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Por isso, havia controvérsia sobre possibilidade de realização de audiência por videoconferência para a tentativa de conciliação das partes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Aliás, como expõe o Enunciado n. 161 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais - FONAJE, é entendimento corrente que: "Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da lei 9.099/95. Por isso, merece comemoração a entrada em vigor, nesta última segunda-feira, 27 de abril de 2020, da lei 13.994, de 2020, que "altera a lei 9.099, de 26 de setembro de 1.995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis". Ela é oriunda do PL 1.679/2019, de autoria do deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP)1. A novíssima lei 13.994/20202 inseriu os parágrafos 1º e 2º no art. 22, da lei 9.099/953, que passou a ter a seguinte redação: "Art. 22. A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. § 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo. § 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes" (grifos nossos). Também foi alterado o art. 23, da lei 9.099/1995, que dispunha que "não comparecendo o demandado, o juiz togado proferirá sentença". Agora, com a nova redação, o art. 23 da Lei dos Juizados Especiais passou a dispor o seguinte: "Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o juiz togado proferirá sentença" (grifos nossos). São duas alterações importantes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, portanto, que parecem relevantes, em uma primeira análise: (i) a permissão da realização de audiência para tentativa de conciliação não presencial, ou seja, mediante a utilização de meios tecnológicos de transmissão de vídeo e som em tempo real, como, por exemplo, videoconferência; (ii) a recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença. A primeira delas é salutar, pois a possibilidade de realização de audiência de maneira não presencial pode e deve facilitar a vida de muitas pessoas que têm dificuldades para se deslocar até a sede do juízo para tentar conciliar com a parte contrária. Veio em bom momento esta lei, considerando-se que uma das principais maneiras de se evitar a propagação do covid-19 é o distanciamento social. Resta saber qual será o software utilizado para realizar a videoconferência. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a resolução 314, de 20 de abril de 2020, que, no § 2º do art. 6º estabeleceu que: "para realização de atos virtuais por meio de videoconferência está assegurada a utilização por todos os juízes e tribunais da ferramenta Cisco Webex, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio de seu sítio eletrônico na internet (www.cnj.jus.br/plataforma-videoconferencia-nacional), nos termos do Termo de Conferência Técnica n. 007/2020, ou outra ferramenta equivalente, e cujos arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados no andamento processual, com acesso às partes e aos procuradores". Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Conselho Superior da Magistratura, editou o Provimento CSM n. 2.554/2020, de 24 de abril de 2020, que, em seu art. 2º, § 3º, prescreve que: "os atos virtuais por videoconferência serão realizados por meio da plataforma Microsoft Teams". Ao que tudo indica, cabe ao Poder Judiciário, diante da lacuna legal, estabelecer qual o software a ser utilizado para a realização das audiências de conciliação por meio de videoconferência. Espera-se que exista uniformidade, neste particular, para que o jurisdicionado não seja prejudicado. A segunda alteração que parece ser relevante diz respeito à recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença (art. 23, da lei 9.099/1995, com a redação dada pela lei 13.994/2020). Neste aspecto específico, parece, em uma primeira análise, que a lei disse menos do que deveria dizer ou não foi clara o suficiente. Há questões que podem surgir quando da aplicação do art. 23, da Lei dos Juizados Especiais, e que aparentemente estão sem resposta. Por exemplo, o que deve acontecer se o demandado comparecer na sede do juízo mas não participar da tentativa de conciliação não presencial? Ou ainda, o que deve acontecer se o demandado não participar da tentativa de conciliação não presencial porque não tem acesso à internet, computador, celular ou tablet? E se o demandado não souber como utilizar o programa Cisco Webex ou o Microsoft Teams, apenas para mencionar os softwares utilizados pelo CNJ e pelo TJ/SP? Seria razoável - e constitucional - uma sentença açodada, interpretando-se que houve recusa do demandado em participar da audiência de conciliação? Enfim, tudo indica que a novíssima lei 13.994/2020 veio em bom momento, para facilitar a solução de conflitos nos Juizados Especiais Cíveis e privilegiar as formas consensuais de solução de litígios tais como a conciliação. Melhor ainda para todos que no momento atual em que vivemos estamos praticando o distanciamento social para evitar a rápida propagação do covid-19, pois as audiências poderão ser realizadas sem que as pessoas envolvidas tenham contato físico ou tenham que se deslocar até o fórum. Porém, ainda é necessário refletir como se dará a aplicação dessa novidade legislativa na prática, quais os softwares serão utilizados, como os jurisdicionados terão acesso aos tais "recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real" e o que deve ser considerado como "recusa a participar da tentativa de conciliação não presencial", para que não sejam violadas garantias fundamentais de todo cidadão, tais como a do acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) e a da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). __________ 1 Projeto de Lei 1679, de 2019. 2 Lei 13.994, de 24 de abril de 2020. 3 Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Em 22/10/2019, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1803251/SC, da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que a ação autônoma de exibição de documentos pode ser ajuizada adotando-se o rito da produção antecipada de provas, regido no artigo 381 e seguintes do CPC/15, bem como adotando-se o rito do procedimento comum, regido no artigo 318 e seguintes do CPC/15. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO QUE SE EXAURE NA APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS APONTADOS. INTERESSE E ADEQUAÇÃO PROCESSUAIS. VERIFICAÇÃO. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM E PRODUÇÃO DE PROVA ANTECIPADA. COEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em saber se, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, é possível o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, sob o rito do procedimento comum (arts. 318 e seguintes), ou, como compreenderam as instâncias ordinárias, a referida ação deve se sujeitar, necessariamente, para efeito de adequação e interesse processual, ao disposto em relação ao "procedimento" da "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes). 2. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que não reproduziu, em seu teor, o Livro III, afeto ao Processo Cautelar, então previsto no diploma processual de 1973, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à subsistência da ação autônoma de exibição de documentos, de natureza satisfativa (e eventualmente preparatória), sobretudo diante dos novos institutos processuais que instrumentalizam o direito material à prova, entre eles, no que importa à discussão em análise, a "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes) e a "exibição incidental de documentos e coisa" (arts 496 e seguintes). 3. O Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir, em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também, diretamente, as partes envolvidas no litígio. Nesse contexto, reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si - que não se confunde com os fatos que ela se destina a demonstrar, tampouco com as consequências jurídicas daí advindas a subsidiar (ou não) outra pretensão -, a lei adjetiva civil estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, o qual pode se dar incidentalmente, no bojo de um processo já instaurado entre as partes, ou por meio de uma ação autônoma (ação probatória lato sensu). 4. Para além das situações que revelem urgência e risco à prova, a pretensão posta na ação probatória autônoma pode, eventualmente, se exaurir na produção antecipada de determinada prova (meio de produção de prova) ou na apresentação/exibição de determinado documento ou coisa (meio de prova ou meio de obtenção de prova - caráter híbrido), a permitir que a parte demandante, diante da prova produzida ou do documento ou coisa apresentada, avalie sobre a existência de um direito passível de tutela e, segundo um juízo de conveniência, promova ou não a correlata ação. 4.1 Com vistas ao exercício do direito material à prova, consistente na produção antecipada de determinada prova, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu a possibilidade de se promover ação probatória autônoma, com as finalidades devidamente especificadas no art. 381. 4.2 Revela-se possível, ainda, que o direito material à prova consista não propriamente na produção antecipada de provas, mas no direito de exigir, em razão de lei ou de contrato, a exibição de documento ou coisa - já existente/já produzida - que se encontre na posse de outrem. 4.2.1 Para essa situação, afigura-se absolutamente viável - e tecnicamente mais adequado - o manejo de ação probatória autônoma de exibição de documento ou coisa, que, na falta de regramento específico, há de observar o procedimento comum, nos termos do art. 318 do novo Código de Processo Civil, aplicando-se, no que couber, pela especificidade, o disposto nos arts. 396 e seguintes, que se reportam à exibição de documentos ou coisa incidentalmente. 4.2.2 Também aqui não se exige o requisito da urgência, tampouco o caráter preparatório a uma ação dita principal, possuindo caráter exclusivamente satisfativo, tal como a jurisprudência e a doutrina nacional há muito reconheciam na postulação de tal ação sob a égide do CPC/1973. A pretensão, como assinalado, exaure-se na apresentação do documento ou coisa, sem nenhuma vinculação, ao menos imediata, com um dito pedido principal, não havendo se falar, por isso, em presunção de veracidade na hipótese de não exibição, preservada, contudo, a possibilidade de adoção de medidas coercitivas pelo juiz. 5. Reconhece-se, assim, que a ação de exibição de documentos subjacente, promovida pelo rito comum, denota, por parte do demandante, a existência de interesse de agir, inclusive sob a vertente adequação e utilidade da via eleita. 6. Registre-se que o cabimento da ação de exibição de documentos não impede o ajuizamento de ação de produção de antecipação de provas. 7. Recurso especial provido." (g.n.). A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgInt no AREsp 1376693/SP, da relatoria do ministro Raul Araújo, já havia proclamado o mesmo entendimento: "Nos termos da jurisprudência do STJ, "Admite-se o ajuizamento de ação autônoma para a exibição de documento, com base nos arts. 381 e 396 e seguintes do CPC, ou até mesmo pelo procedimento comum, previsto nos arts. 318 e seguintes do CPC. Entendimento apoiado nos enunciados n. 119 e 129 da II Jornada de Direito Processual Civil" (REsp 1.774.987/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe de 13/11/2018)." Daniel Assumpção Neves1, nesse contexto, já defendia que: "a exibição de documento ou coisa também pode se desenvolver por meio de uma ação probatória autônoma antecedente, quando presente no caso concreto um dos requisitos previstos no art. 381 do Novo CPC". Quanto à possibilidade do manejo do rito da produção antecipada de prova, a doutrina de Fredie Didier Jr. já sinalizava que: "a exibição de coisa ou documento contra a parte adversária poderá ocorrer por ação autônoma. Seria uma ação probatória autônoma, nos termos em que autorizada pelos artigos 381-383, CPC"2. Nesse cenário, importantíssimas são as sinalizações do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, as quais, além de admitirem a adoção do rito do procedimento comum previsto no artigo 318 e seguintes do CPC/15, demonstram ser viável que a ação autônoma de exibição de documentos também seja ajuizada com base no rito do artigo 381 e seguintes do CPC/15; desde que os requisitos processuais necessários estejam devidamente preenchidos. __________ 1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. v. único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 696. 2 DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. v.2. p. 258.
Texto de autoria de Rogerio Mollica O Código de Processo Civil de 2015 foi bastante festejado por procurar limitar a jurisprudência defensiva dos Tribunais, isto é, tentar desarmar as muitas armadilhas processuais existentes, incentivando sempre o julgamento do mérito dos recursos. Um dos dispositivos mais elogiados foi o artigo 1.007, § 4º, que prevê que: "§4º O recorrente que não comprovar, no ato da interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção". O artigo 1.007 procurou minimizar os receios dos recorrentes com o recolhimento das custas, proporcionando a sua complementação caso recolhida a menor e mesmo possibilitando sanar o vício no caso de preenchimento incorreto da guia de custas. Contudo, a grande inovação se deu com o parágrafo 4º ao prever a possibilidade de recolher as custas em dobro no caso de não terem sido recolhidas anteriormente. De fato, essa parece ser a mens legis da lei, se as custas deixaram de ser recolhidas, é dada ao recorrente a possibilidade de efetuar o recolhimento em dobro de seu valor. Entretanto, a redação do dispositivo, em sua interpretação literal, parece exigir que o recolhimento ocorra em dobro, mesmo que o recolhimento tenha ocorrido quando da interposição do recurso, só tendo havido o esquecimento quanto a juntada do comprovante. Duas situações são muito comuns nessa época de recolhimentos digitais, a juntada somente do espelho da guia de custas sem o comprovante do pagamento (ou mesmo o inverso) ou a juntada de comprovante de agendamento do pagamento (dentro do prazo recursal) e não do comprovante do efetivo pagamento. Nesses casos, parece que o correto seria a intimação para a comprovação da efetivação do pagamento, nos termos do parágrafo único artigo 932, ou, no caso de não ter ocorrido o pagamento dentro do prazo recursal, para a efetivação do pagamento em dobro, nos termos do § 4º do artigo 1.007 do Código de Processo Civil de 2015. Outro não é o entendimento de Luis Guilherme Aidar Bondioli: "Desde que o pagamento das despesas relativas ao processamento do recurso tenha sido efetivamente realizado dentro do prazo para recorrer, é de se admitir a sua comprovação ulterior, mesmo após esse prazo. Isso se afina com o comando do art. 932, parágrafo único, do CPC. Afinal, falta aqui mero documento comprobatório do preparo, efetivado no seu devido tempo. Em reforço, a previsão do § 6º do art. 1.007 do CPC quanto ao "justo impedimento" para a prova do preparo, o que não deixa dúvida quanto à possibilidade de comprovação tardia nessas circunstâncias. A prova ulterior do valor recolhido no seu devido tempo, não sujeita o recorrente à sanção do recolhimento dobrado (art. 1.007, § 4º, do CPC), que deve ser reservada apenas para o caso de ausência de qualquer pagamento no prazo para recorrer"1. No mesmo sentido também é o entendimento de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: "O § 4º do art. 1.007 do CPC trata da hipótese de ausência de preparo não contemplando o caso em que o recorrente efetuou o preparo, mas não o comprovou no momento da interposição do recurso. Em tal caso, não é necessário haver recolhimento em dobro, bastando ao recorrente simplesmente comprovar que já realizou o preparo. Tal hipótese é, enfim, de comprovação no prazo de cinco dias, e não de novo recolhimento em dobro; não se trata de ausência de preparo, mas de falta de comprovação de que já foi realizado. Cabe ao recorrente simplesmente demonstrar que o preparo já havia sido feito, mas ainda não comprovado"2. Entretanto, esse não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que nos casos de esquecimento da juntada da comprovação do pagamento das custas, exige o recolhimento em dobro: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. DESERÇÃO DO RECURSO. APRESENTAÇÃO DE COMPROVANTE DE AGENDAMENTO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO PREPARO EM DOBRO. ART. 1.007, § 4º, NCPC. NÃO COMPROVAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.2. Na falta de comprovação do recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, o recorrente será intimado para realizá-lo em dobro, sob pena de deserção, nos termos do art. 1.007, § 4º, do NCPC.3. No caso dos autos, houve apenas a apresentação do comprovante de agendamento e, mesmo após a intimação, a parte deixou de realizar o recolhimento do preparo em dobro. Deserção mantida.4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.5. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp n. 1.416.009/DF, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/2/2020, DJe 19/2/2020.) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUSTAS. FALTA DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE O CÓDIGO DE BARRAS E O COMPROVANTE DE PAGAMENTO. INTIMAÇÃO NA FORMA DO ART. 1.007, § 2º, DO CPC/2015. NÃO COMPROVAÇÃO DO CORRETO RECOLHIMENTO. DESERÇÃO. SÚMULA N. 187/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias" (§ 2º do art. 1.007 do CPC/2015). 2. Mesmo após intimação da parte para regularizar o preparo recursal, o recorrente limitou-se a trazer o comprovante de pagamento referente à guia anteriormente apresentada, sem, contudo, realizar o recolhimento em dobro, nos termos do art. 1.007, § 4º, do CPC/2015, o que atrai a aplicação da Súmula n. 187/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1836633/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 26/03/2020) "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREPARO. IRREGULARIDADE. INTIMAÇÃO PARA RECOLHIMENTO EM DOBRO. ART. 1007, § 4º, DO CPC/2015. NÃO ATENDIMENTO. APLICAÇÃO DA PENA DE DESERÇÃO. 1. Nos termos do art. 1.007, § 4º, do CPC/2015, não havendo a comprovação do recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, o recorrente será intimado para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. 2. No caso dos autos, intimou-se o recorrente para efetuar o recolhimento em dobro (fl. 284, e-STJ). Contudo, ele não cumpriu corretamente a determinação, tendo em vista que após o referido despacho "limitou-se a trazer às fls. 288/290 o comprovante de pagamento referente à guia anteriormente apresentada, sem, contudo, realizar o recolhimento em dobro, nos termos do art. 1.007, § 4º do CPC (fl. 312, e-STJ). 3. Agravo Interno não provido." (AgInt no REsp 1794596/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019) Mesmo que o recolhimento tenha de ser em dobro, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a leitura literal do dispositivo pode dar a impressão que o pagamento das custas teria de ser feito pelo triplo do valor. De fato, se não comprovado o efetivo recolhimento, a parte não é intimada para comprovar o recolhimento em dobro, mas sim para recolher o valor em dobro. Nessa hipótese absurda, quem nada recolhe deve pagar em dobro e quem recolhe e não comprova é obrigado a recolher o triplo do valor. Desse modo, a única interpretação que se pode dar à necessidade do recolhimento em dobro, é a comprovação do recolhimento inicial não comprovado anteriormente mais um novo recolhimento no mesmo valor. Portanto, apesar de se discordar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cabe ao recorrente ao ser intimado, juntar a guia de custas anteriormente recorrida e providenciar novo recolhimento, comprovando assim o recolhimento em dobro exigido pelo § 4º do artigo 1.007 do Código de Processo Civil, sob pena de seu recurso ser tido como deserto. __________ 1 Comentários ao Código de Processo Civil - arts. 994 a 1.044, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 76. O autor reitera que "O texto do § 4º do art. 1.007 do CPC não pode ser tomado ao pé da letra quando fala em "não comprovar, no ato da interposição do recurso, o recolhimento do preparo" nem pode ser lido de forma isolada, sobretudo, sem considerar o art. 932, parágrafo único, do CPC. Como já dito, admite-se prova ulterior do preparo tempestivo, quer no prazo para recorrer, quer quando já esgotado este (supra n. 66). Assim, é para a hipótese de ausência absoluta do pagamento das despesas recursais no prazo para recorrer, e não de mera falta de comprovação, que fica reservada a pena do recolhimento dobrado". (p.81) 2 Curso de Direito Processual Civil, 15ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 158.
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Em meio a realidade permanente do processo eletrônico (ao passo em que os tradicionais autos físicos paulatinamente caminham para as prateleiras dos museus), a expectativa legítima do jurisdicionado sempre o foi de confiar nas informações constantes (i) nos autos eletrônicos (estes, numerados em fls. ou atos processuais, consoante sistema eletrônico adotado pelo respectivo tribunal) e, via reflexa, (ii) nos dados apontados quando da consulta de determinado andamento processual (onde se verifica uma síntese dos andamentos ali cadastrados, datas de juntada de mandados e veiculação de intimações na imprensa oficial, etc.), base de dados esta que vem sendo utilizadas para a otimização de trabalhos e agendamento de prazos1. Inobstante o silogismo acima, certo é o firmamento de jurisprudência destinada a não entender a configuração de justa causa a informação equivocada lançada no andamento de determinado processo, em especial para efeito do cômputo de prazos processuais. Vale dizer, ainda que cadastrada equivocada informação no andamento de dado processo, tal erro (por vezes cadastrada por um servidor público) não é escusável para justificar eventual prejuízo sofrido pela parte que baseou o cômputo de determinado prazo com base na aludida informação. Todavia, recentemente a Corte Especial do STJ reafirmou entendimento havido há sete anos atrás. Originariamente, a Terceira Turma do STJ, manteve a intempestividade de Recurso Especial, ao fundamento de que as informações constantes do andamento processual, disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal a quo, seriam meramente informativas, razão pela qual não poderiam ser utilizadas para prorrogação ou devolução do prazo recursal. Sobreveio o manejo de agravo de despacho denegatório, seguido de agravo interno, todos denegados. Somente quando da interposição de embargos de divergência, desta feita a Corte Especial houve por modificar seu entendimento, consoante síntese abaixo: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. ANDAMENTO PROCESSUAL DISPONIBILIZADO PELA INTERNET. VENCIMENTO DO PRAZO RECURSAL INDICADO DE FORMA EQUIVOCADA NO ANDAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ERRO ALHEIO À VONTADE DA PARTE. CONSIDERAÇÃO PARA FINS DA CONTAGEM DE PRAZO. POSSIBILIDADE. JUSTA CAUSA PARA PRORROGAÇÃO DO PRAZO RECURSAL. ART. 183, §§ 1º E 2º, DO CPC/1973. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário. Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte. (REsp 1324432/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2012, DJe 10/05/2013). 2. Embargos de divergência providos." (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 688.615 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., DJE 9/3/2020, grifou-se) As razões do voto condutor prosseguem: "(...) O acórdão paradigma, proferido pela Corte Especial no REsp nº 1.324.432/SC, admitiu o uso das informações constantes do andamento processual disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de origem para aferição da tempestividade quando constatado erro na informação divulgada, hipótese em que se faz presente a justa causa para prorrogação do prazo, conforme regra prevista no art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança. (...) Eis a ementa do julgado: 'PROCESSUAL CIVIL. ANDAMENTO PROCESSUAL DISPONIBILIZADO PELA INTERNET. CONTAGEM DE PRAZO. BOA-FÉ. ART. 183, §§ 1º E 2º, DO CPC. APLICAÇÃO. 1. Hipótese em que as instâncias de origem entenderam que os Embargos à Execução são intempestivos, desconsiderando a data indicada no acompanhamento processual disponível na internet. 2. A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário. 3. Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte. 4. A Terceira Turma do STJ vem adotando essa orientação, com base não apenas no art. 183 do CPC, mas também na própria Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), por conta das "Informações processuais veiculadas na página eletrônica dos tribunais que, após o advento da Lei n.º 11.419/06, são consideradas oficiais" (trecho do voto condutor do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 960.280/RS, DJe 14.6.2011). 5. Não desconheço os precedentes em sentido contrário da Corte Especial que são adotados em julgados de outros colegiados do STJ, inclusive da Segunda Turma. 6. Ocorre que o julgado mais recente da Corte Especial é de 29.6.2007 (AgRg nos EREsp 514.412/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.8.2007), como consta do Comparativo de Jurisprudência do STJ. 7. Parece-me que a ampliação constante do uso da internet pelos operadores do Direito, especialmente em relação aos informativos de andamento processual colocados à disposição pelos Tribunais, sugere a revisão desse entendimento, em atenção à boa-fé objetiva que deve orientar a relação entre o Poder Público e os cidadãos, acolhida pela previsão do art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC. 8. Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam "meramente informativos" e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante (art. 183, caput, do CPC), induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal. 9. Recurso Especial provido. (REsp 1324432/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2012, DJe 10/05/2013). No presente caso, o acórdão proferido nos embargos de declaração foi publicado em 24/11/2014 (e-STJ fl. 265), iniciando-se o prazo para a interposição do recurso especial em 25/11/2014, com término no dia 09/12/2014. Entretanto, o Tribunal de origem indicou no andamento processual dos embargos de declaração o vencimento do prazo no dia 10/12/2014, conforme andamento juntado quando da interposição do agravo regimental e acostado às e-STJ fls. 335/336. Nota-se, pois, que a informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal de origem pode ter induzido a erro a parte ora embargante, não sendo razoável que seja prejudicada por fato alheio a sua vontade. Logo, deve ser admitido, de forma excepcional, a informação constante do andamento processual disponibilizado pelo Tribunal de origem para aferição da tempestividade do recurso, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança. Diante do exposto, dou provimento aos embargos de divergência para reconhecer a tempestividade do recurso especial interposto, determinando-se a devolução dos autos à Terceira Turma para prosseguimento na análise do recurso. (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 688.615 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., DJE 9/3/2020, grifou-se) O entendimento acima, portanto, revela a confiança legítima que deve ser posta no conteúdo das informações lançadas quando do cadastro de todo e qualquer andamento processual, posicionamento este que não foi reconhecido em segundo grau de jurisdição, tampouco quando da interposição de recurso especial, muito menos de seguido agravo contra despacho denegatório, malogrado, ainda, o agravo interno tido como penúltimo recurso interposto. Somente quando da interposição de derradeiros embargos de divergência a parte logrou o reconhecimento de justa causa apta a legitimar a tempestividade do recurso especial interposto. Logo, malgrada a festejada decisão acima, em termos práticos de rigor a prudência de conferência das informações constantes não só no andamento processual, mas também mediante consulta dos próprios autos eletrônicos em si, sob pena do jurisdicionado correr toda a via crucis recursal acima sintetizada, na expectativa, ainda, de aplicação do recente entendimento reafirmado pela Corte Especial. __________ 1 Diversos softwares e meios de atualização de acompanhamento processual agendam prazos, audiências e muitas providências com base na pesquisa limitada ao "andamento processual" e não na consulta do conteúdo dos autos eletrônicos em si.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Em artigo anterior publicado nesta coluna, foi apresentado o resultado do julgamento realizado em 5/2/2020 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a Reclamação n. 36.476/SP1. Por maioria, em conformidade com o voto da ministra relatora Nancy Andrighi, foi firmado o entendimento de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo. O julgamento tratou da interpretação do art. 988, do CPC (lei 13.105/2015), que estabelece em seu inciso IV que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência", conforme redação dada pela lei 13.256/2016. O voto vencedor da ministra relatora levou em consideração que, originalmente, a redação do inciso IV do art. 988 do CPC, nos termos da lei 13.105/2015, era a seguinte: "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência" (grifos nossos). No entendimento da maioria dos ministros da Corte Especial do STJ, a mudança inserida no inciso IV do art. 988 do CPC pela lei 13.256/2016 não foi por acaso: no texto anterior era cabível a reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos e no texto atual ela somente é admissível para garantir observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC). Em outras palavras, o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos foi retirado de maneira proposital e consciente do inciso IV do art. 988 do CPC e, por assim ser, não deve ser admitido nesta hipótese. Esta foi a posição majoritária e vencedora adotada pela ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Humberto Martins, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão. Cabe agora apresentar a posição vencida, sustentada pelos ministros Og Fernandes, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo. Para tanto, basta ler trecho do voto-vista do Min. Og Fernandes, dada a sua clareza: "(...) divirjo do voto da em. Relatora para assentar a viabilidade da reclamação como instrumento hábil para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos especiais repetitivos, desde que esgotadas as instâncias ordinárias, nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do Código de Processo Civil, tratando-se, pois, de mecanismo fundamental, pelo menos por ora, para o próprio sistema de precedentes estabelecido pelo legislador (...)". A propósito, cumpre lembrar que o art. 988, § 5º, II, do CPC, estabelece que é inadmissível a reclamação "proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias". A contrario sensu, portanto, caberia reclamação se esgotadas as instâncias ordinárias. Ou seja, a interpretação realizada pelo ministro Og Fernandes é a de que, se forem esgotadas as instâncias ordinárias, caberá reclamação para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos. Para tanto, segue o Ministro, "(...) O esgotamento das instâncias ordinárias pressupõe a interposição de agravo interno em face do pronunciamento do Tribunal de origem, conforme disposições do art. 1.030, § 2º, c/c o art. 988, § 5º, II, todos do CPC". Portanto, no entender da minoria formada por ocasião do julgamento da Reclamação n. 36.476/SP pela Corte Especial do STJ, caso a presidência de um Tribunal local não admita um recurso especial por entender que o acórdão impugnado está em harmonia com um tema firmado pela Corte Superior por meio da sistemática de julgamento de recursos repetitivos, a parte que se sentir prejudicada deve interpor o recurso de agravo interno a que se refere o § 2º do art. 1.030 do CPC para demonstrar que esgotou as instâncias ordinárias e depois deve ajuizar a reclamação nos termos do autorizado pelo inciso II do § 5º do art. 988 do mesmo diploma legal. Tal entendimento é baseado em sólida doutrina, podendo-se destacar a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: "Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias ordinárias, art. 988, § 5º, II, CPC/2015) e de jurisprudência vinculante" ("Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, Vol. XV, p. 140"). Diante disso, é importante registrar o entendimento que acabou por vencido em 5/2/2020 no âmbito da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que cabe reclamação para garantir a correta aplicação de tese firmada pelo STJ por meio da sistemática de julgamentos de recursos repetitivos nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do CPC, desde que esgotadas as instâncias ordinárias com a interposição do agravo interno a que se refere o art. 1.030, §2º, do mesmo diploma legal. Entretanto, vale lembrar que, por ora, o entendimento que prevalece - por maioria - no âmbito do STJ é aquele indicado no início deste texto: o de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo, mesmo que esgotadas as instâncias ordinárias. __________ 1 Fonte: STJ
Elias Marques de Medeiros Neto A Disregard Doctrine tem grande influência do jurista alemão Rolf Serick, autor da teoria denominada "durchgriff der juristichen personen" - penetração na pessoa jurídica. Segundo ele, as seguintes diretrizes devem ser observadas: A) desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando esta for abusivamente manipulada para desonrar obrigações legais ou contratuais, lesando terceiros; e B) o princípio da independência da pessoa jurídica em relação aos seus sócios deve prevalecer, só devendo ser afastado nas situações acima descritas. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aquela que permite ao magistrado desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus membros, sempre que ocorra, no caso concreto, fraude e abuso de direito. No Brasil, o instituto em tela guarda previsão no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990), no artigo 34 da lei 12.529/2011, no artigo 4º da lei 9.605/1998, no artigo 50 do Código Civil de 2002 e no artigo 14 da lei 12.846/2013. A recente edição da lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o artigo 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no artigo 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos". "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ("CDC"), bem como o artigo 4º da lei de proteção ao meio ambiente, por sua vez, avançam em relação à teoria clássica, sendo reflexos da chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Aqui se defende a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica apenas com a prova da insolvência da empresa, somada com a existência de um dano efetivo ao consumidor e/ou ao meio ambiente. É bem de ver que, além do caput do artigo 28 do CDC ir além da teoria clássica de Rolf Serick, permitindo hipóteses de incidência da Disregard Doctrine mais amplas que as do artigo 50 do Código Civil, é certo que o parágrafo quinto do aludido artigo, assim como o referido artigo 4 da lei de proteção ao meio ambiente, apresentam o simples requisito de demonstração de que a pessoa jurídica seria, de alguma forma, obstáculo para a defesa dos direitos a serem tutelados; no caso, dos consumidores e/ou do meio ambiente. E exatamente na linha do caput do artigo 28 do CDC, segue o artigo 34 da Lei nº 12.529/2011: "Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." E o artigo 14 da lei 12.846/2013, no âmbito de combate aos atos ilícitos de corrupção, prevê que: "A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa". Historicamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já bem diferenciou a aplicação das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica. Veja-se que, em regra, nos feitos meramente cíveis, não basta a prova da insolvência da sociedade. Os demais requisitos do artigo 50 do Código Civil devem estar presentes (encerramento irregular das atividades, confusão patrimonial, desvio de finalidade, dentre outros). No ordenamento pátrio ainda existem outras previsões no Código Tributário Nacional e na Consolidação das Leis do Trabalho, havendo dúvidas doutrinárias, todavia, quanto à sua genuína classificação como hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. O Código Tributário Nacional prevê, em seu artigo 135, que: "Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado" (CTN). E a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com a recente reforma ocorrida através da lei 13.467/17, estabelece em seu artigo 2º que: "§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes." (NR) Ao longo dos séculos de desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inegável é que as polêmicas e dúvidas não se restringiram ao campo do direito material. E, em síntese, os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil/2015 trazem algumas soluções procedimentais para encerrar polêmicas que se arrastavam há anos nos pretórios, tais como: (i) a impossibilidade de se decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica; (ii) a possibilidade de se aplicar o instituto, através da formação de um incidente, na fase de execução, assim como em outras fases processuais; (iii) a necessidade de uma prévia dilação probatória para se averiguar a existência dos requisitos para a aplicação do instituto, sendo certo que as pessoas a serem atingidas com a desconsideração deverão ser citadas para se defender neste incidente processual; (iv) possibilidade de manejo do agravo de instrumento; e (v) possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa. O Código de Processo Civil, ainda, em seu artigo 674, parágrafo segundo, III, claramente admite o manejo dos embargos de terceiro por parte do sócio e/ou administrador que venham a sofrer constrição de seus bens em processo do qual originalmente não eram parte; sinalizando, contudo, para o manejo dos embargos do devedor quando o sócio e/ou o administrador tiverem participado do processo e/ou do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Rogerio Mollica Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi a previsão do artigo 90, § 4º quanto a redução pela metade dos honorários advocatícios no caso do réu reconhecer a procedência do pedido e imediatamente cumprir a prestação reconhecida: "§ 4º - Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade". Nesses 4 anos de vigência do Código de Processo Civil parece ter se consolidado o entendimento de que tal previsão só seria cabível na fase de conhecimento do processo1. Uma dúvida que surgiu desde o início da vigência do novo Código foi se o referido benefício seria aplicável aos Entes Públicos em Juízo. De fato, é notório que os Entes Públicos não podem cumprir imediatamente suas obrigações de pagar, eis que os valores precisam ser incluídos no orçamento do ano seguinte e são pagos via ofícios Precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV), nos termos do artigo 100 da Constituição Federal. Portanto, mesmo que o Ente Público reconheça a procedência do pedido, não pode cumprir imediatamente a prestação reconhecida quanto ao pagamento de quantia. Por ser uma impossibilidade advinda da própria Constituição muito se questionou se a redução seria aplicável no caso do reconhecimento, com a expedição do Precatório/RPV. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que tal benefício não seria aplicável nos seguintes termos: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FAZENDA PÚBLICA. TÍTULO FORMADO EM AÇÃO COLETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. ART. 90, § 4º, DO CPC.IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabimento da redução prevista no artigo 90, § 4º do Código de Processo Civil de 2015 para os honorários advocatícios, ainda que o cumprimento de sentença não seja impugnado nem embargado. Precedente da Corte Especial.2. A redução dos honorários pela metade somente se justifica quando o réu, além de reconhecer a procedência do pedido, cumprir prontamente a prestação, o que não ocorre nas ações contra a Fazenda Pública, eis que sujeita a procedimento especial.3. Agravo de instrumento provido." (g.n.) (TRF4, AG 5040252-49.2016.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, julgado em 09/05/2017) Instado a se manifestar sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça decidiu da mesma forma, conforme se extraí da ementa de seu recentíssimo julgado: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO DE HONORÁRIOS PELA METADE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NÃO IMPUGNADO. ART. 90, § 4º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA. ART. 85, § 7º, DO CPC/2015. NORMA INCOMPATÍVEL COM A SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS. INCIDÊNCIA DE HONORÁRIOS. RECURSO REPETITIVO. TEMA 973. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se a previsão do § 4º do art. 90 do CPC/2015 se aplica aos cumprimentos de sentença não impugnados, total ou parcialmente, pela Fazenda Pública. 2. Da análise sistemática do diploma legal, verifica-se não haver espaço para a incidência da norma em comento no cumprimento de sentença, pois a aplicação de dispositivos legais relativos ao procedimento comum nos procedimentos especiais e no processo de execução é expressamente subsidiária, nos termos do parágrafo único do art. 318 do Código de Ritos. 3. Com relação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, há previsão específica de isenção de honorários em caso de ausência de impugnação, qual seja, o § 7º do art. 85 do CPC/2015. Portanto, o próprio Código de Processo Civil rege a hipótese de ausência de impugnação, não havendo de se cogitar a aplicação de outra disposição normativa de forma subsidiária. 4. Por outro lado, deve-se ressaltar que a previsão legal é incompatível com o procedimento de execução ao qual está sujeita a Fazenda Pública, por não haver possibilidade de adimplemento simultâneo da dívida reconhecida, ante a necessidade de expedição de precatório ou requisição de pequeno valor. 5. Não assiste razão à autarquia recorrente em pretender obter o mesmo benefício dos particulares. Primeiro, porque os entes públicos já possuem prerrogativas constitucionais e legais que os colocam em situação favorável em relação aos particulares. Segundo, porque o art. 90, § 4º, do CPC/2015 não se aplica ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, tendo em vista a existência de norma específica que isenta o executado do pagamento de honorários, em caso de pagamento voluntário do débito no prazo legal de 15 (quinze) dias (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015). 6. Impende ainda destacar que a Corte Especial, no julgamento do REsp 1.648.238/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, estabeleceu que o art. 85, § 7º, do CPC/2015 não afasta a aplicação do entendimento consolidado na Súmula 345 do STJ, de modo que são devidos honorários advocatícios nos procedimentos individuais de cumprimento de sentença decorrente de ação coletiva, ainda que não impugnados e promovidos em litisconsórcio. 7. Recurso especial a que se nega provimento". (g.n.) (REsp 1691843/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020) É de se concordar com o entendimento dos referidos Tribunais, eis que a lei prevê dois requisitos para a aplicação do benefício da redução dos honorários pela metade, o reconhecimento do pedido e o imediato cumprimento da obrigação. Não havendo o imediato cumprimento da obrigação de pagar quantia, não há que se falar na redução, sob pena de se criar mais um privilégio/prerrogativa para os Entes Públicos em juízo. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 236). Nesse mesmo diapasão é o entendimento do Enunciado nº 10 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: "o benefício do § 4º do art. 90 do CPC aplica-se apenas à fase de conhecimento".
Daniel Penteado de Castro Já foi abordado nesta coluna em outras oportunidades a aceitação pelos tribunais do cabimento de agravo de instrumento como meio de impugnação de decisão judicial em hipóteses além das previstas no rol taxativo do art. 1.015, do CPC, tal como decidido quanto decisões ligadas a (i) definição de competência (ii) decisões relativas à produção de provas1, assim como arbitramento de honorários periciais2 (iii) quando demonstrado risco de perecimento do direito3 assim como (iv) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução4. Em continuidade, quando do julgamento Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), decidiu a Corte Especial do STJ, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Frente ao quanto decidido acima em dezembro de 2.018, emergiram entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros e (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo - intervenção de terceiro e competência - é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: (i) o exame do elemento que prepondera na decisão; (ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; (iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: (i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; (ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado - se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; (iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 6- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFINE COMO CONSUMERISTA A RELAÇÃO JURÍDICA MANTIDA ENTRE AS PARTES E AFASTA A TESE DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, II, DO CPC/2015. MÉRITO DO PROCESSO. CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. CABIMENTO QUE ABRANGE AS DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO, AS DECISÕES ELENCADAS NO ART. 487 DO CPC/2015 E AS DEMAIS QUE DIGAM RESPEITO A SUBSTÂNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO. ENQUADRAMENTO FÁTICO-NORMATIVO DA RELAÇÃO DE DIREITO SUBSTANCIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA AO MÉRITO, SALVO SE DELA DECORRER UMA QUESTÃO DE MÉRITO, COMO O PRAZO PRESCRICIONAL À LUZ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NECESSIDADE DE EXAME CONJUNTO. 1- Ação proposta em 17/04/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2017 e atribuído à Relatora em 18/10/2017. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da controvérsia e afasta a prescrição com base nessa regra jurídica. 3- Embora se trate de conceito jurídico indeterminado, a decisão interlocutória que versa sobre mérito do processo que justifica o cabimento do recurso de agravo de instrumento fundado no art. 1.015, II, do CPC/2015, é aquela que: (i) resolve algum dos pedidos cumulados ou parcela de único pedido suscetível de decomposição, que caracterizam a decisão parcial de mérito; (ii) possui conteúdo que se amolda às demais hipóteses previstas no art. 487 do CPC/2015; ou (iii) diga respeito a substância da pretensão processual deduzida pela parte em juízo, ainda que não expressamente tipificada na lista do art. 487 do CPC. 4- O simples enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes, por si só, não diz respeito ao mérito do processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que poderão influenciar o resultado da controvérsia, mas, se a partir da subsunção entre fato e norma, houver pronunciamento judicial também sobre questão de mérito, como é a prescrição da pretensão deduzida pela parte, a definição da lei aplicável à espécie se incorpora ao mérito do processo, na medida em que não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil, devendo ambas as questões, na hipótese, ser examinadas conjuntamente. 5- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019) Em derradeira oportunidade comentamos outros julgados, após a consolidação do Tema 988/STJ, que afastaram o cabimento do recurso de agravo além das hipóteses taxativas previstas no art. 1.015, do CPC5. Ao que parecia haver colocado fim a questão no que toca ao cabimento do recurso de agravo, desta feita o STJ afetou três novos Recursos Especiais em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (REsp 1717213/MT, REsp 1707066/MT e REsp 1712231/MT). Incorporado ao Tema/Repetitivo n. 1.022, o STJ fixou a seguinte controvérsia submetida a julgamento: "Definir se é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em processo de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na lei 11.101/2005". Muito embora o art. 189, da lei 11.101/2005 assegure a aplicação subsidiária, no que couber, do Código de Processo Civil, sem prejuízo da decisão do REsp 1702725/RJ ao fixar a tese da "taxatividade mitigada" (Tema 988/STJ), quando da proposta de afetação acima, houve a distinção entre o quanto decidido pela Corte Especial e, de outra banda, o recurso de agravo tirado de processo sob o regime da recuperação judicial: "(...) 1. DA DISTINÇÃO ENTRE A PRESENTE CONTROVÉRSIA E AQUESTÃO VERSADA NO TEMA 988/STJ A questão jurídica delimitada para a apreciação da e. Corte Especial no Tema 988/STJ foi a seguinte: fixar a "natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e [verificar a] possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal" (Tema 988/STJ, REsp 1704520/MT, DJe 19/12/2018). Na ocasião, foi examinada a proposição segundo a qual, a despeito da enumeração aparentemente exaustiva do art. 1.015, seria possível extrair do sistema do Código de Processo a orientação geral de que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento se sujeitariam a uma dinâmica de relativa abertura. Essa tese foi acolhida pela Corte Especial, que reconheceu que a pedra angular da recorribilidade imediata das interlocutórias no sistema recursal do Código de Processo Civil consiste na regra da taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. Realmente, a partir de interpretação sistemática do novo CPC, a Corte Especial definiu que a essência do cabimento do agravo está pautada em critério objetivo, relacionado à urgência do provimento jurisdicional, que, por sua vez, "decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação" e a partir do que seria possível "a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias [...] sempre em caráter excepcional [...], independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações" (Tema 988/STJ, REsp 1704520/MT, Corte Especial, DJe 19/12/2018, sem destaque no original). Na ocasião, portanto, o labor da Corte Especial se concentrou exclusivamente sob a interpretação do sistema procedimental e recursal das regras gerais do CPC/15, não tendo sido enfrentado o cabimento do agravo em procedimentos especiais e seus sistemas recursais específicos. Há, portanto, nítido distinguishing com a tese firmada no Tema 988/STJ, haja vista a questão jurídica dos recursos especiais ora em análise se referir à matéria dos processos falimentares e recuperacionais, procedimento especial regido por sistema recursal próprio, no qual a averiguação do cabimento do agravo de instrumento envolve o exame de fatores diversos. Essa circunstância foi bem averiguada em recente julgado da e. Terceira Turma, no qual se destacou que "a lei 11.101/2005 tem normas de direito material e processual, instituindo um regime recursal próprio" (REsp 1786524/SE, Terceira Turma, DJe 29/04/2019, sem destaque no original), caracterizado pela aplicação apenas subsidiária das disposições gerais do Código de Processo Civil, conforme disposto pelo art. 189 da lei 11.101/05. Na mesma linha, julgado proferido pela e. 4ª Turma também reconheceu a distinção de objetos entre a questão jurídica ora em exame e aquela enfrentada pelo Tema 988/STJ, identificando que o propósito recursal dos recursos em tela é "definir se os ditames do CPC/2015, de forma supletiva, poderão ser aplicáveis, e em que extensão, ao sistema recursal da recuperação judicial" (REsp 1722866/MT, Quarta Turma, DJe 19/10/2018). Assim, por envolverem o exame de sistema recursal específico, os questionamentos suscitados nos presentes recursos não podem ser submetidos à aplicação imediata da solução preconizada no Tema 988/STJ. Dessa forma, como a questão aqui analisada possui contornos próprios e relaciona-se a campo peculiar de atuação, é necessário definir qual tratamento jurídico particular para o cabimento do agravo de instrumento no sistema processual da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, o que, por si só, já é suficiente para ensejar novo pronunciamento jurisdicional dessa Corte." (REsp 1.717.213/MT, Segunda Seção, Decisão de Proposta de Afetação para julgamento em sede de recurso especial repetitivo, DJe 23.09.2019) Portanto, alertado fica o jurisdicionado que, (i) malgrado o rol taxativo do art. 1.015 do CPC quanto ao cabimento do recurso de agravo, (ii) sem prejuízo do quanto decidido quando do julgamento do Tema 188/STJ ao inaugurar a denominada tese da "taxatividade mitigada", (iii) desta feita caberá ao STJ fixar nova tese (e de espectro de incidência distintos, nos dizeres da r. decisão acima), se cabe ou não o recurso de agravo a ser manejado contra decisões interlocutórias proferidas em processo de recuperação judicial e falência. Dúvida que fica ao novo capítulo de tormentosa controvérsia reside em saber se os fundamentos empregados para referendar a aludida "taxatividade mitigada" comunicar-se-ão, ou não, no bojo do procedimento previsto na lei 11.101/2005, a revelar nítida distinção entre o direito material e solução jurídica desenhada pelo direito processual. __________ 1 Agravo de Instrumento - Recentes julgados que autorizam a interposição do agravo de instrumento contra decisões referentes à competência. 2 O agravo de instrumento e os honorários periciais. 3 Recentes posições do Tribunal de Justiça de São Paulo relativizando o rol do artigo 1015 do CPC/15. 4 Agravo de instrumento de decisões proferidas nos embargos à execução. 5 Taxatividade mitigada quanto ao cabimento do recurso de agravo de instrumento: Novas decisões do STJ.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Como se sabe, o art. 988, do CPC (Lei 13.105/15), estabelece em seu inciso IV que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência", conforme redação dada pela lei n. 13.256/2016. Originalmente, a redação do inciso IV do art. 988 do CPC, tinha a seguinte redação conferida pela Lei n. 13.105/2015: "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência" (grifos nossos). A mudança inserida no inciso IV do art. 988 do CPC pela lei 13.256/16 não foi por acaso: no texto anterior era cabível a reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos e no texto atual ela somente é admissível para garantir observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC). Em outras palavras, o IRDR é espécie do gênero "precedentes proferidos em julgamentos de casos repetitivos". Basta pensar na hipótese de um recurso especial julgado pelo STJ na forma do art. 1.036 e seguintes do CPC, que é outra espécie do gênero "precedentes proferidos em julgamentos de casos repetitivos" e que não se confunde com o entendimento de um determinado tribunal firmado por meio de IRDR. Portanto, na redação atual do inciso IV do art. 988 do CPC (conferida pela lei 13.256/15), não se admite a reclamação para controlar a aplicação feita por um Tribunal local ou Tribunal Regional Federal de um tema firmado por meio da sistemática do julgamento dos recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Para melhor entendimento do que se acabou de afirmar, basta pensar em um acórdão proferido pelo TJ/SP que foi impugnado por um recurso especial (REsp) e a presidência da referida Corte não admitiu o referido recurso porque entendeu que ele está em harmonia com o Tema 658 firmado pelo STJ ao apreciar o REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos. Dessa decisão de inadmissão do REsp proferida pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cabe agravo interno nos termos do § 2º do art. 1.030 do CPC, a ser julgado pela Câmara Especial de Presidentes do TJ/SP. No exemplo acima fornecido, não caberá reclamação a ser proposta perante o STJ caso se entenda que o TJSP aplicou erroneamente o Tema 658 ao caso concreto com base no inciso IV do art. 988 do CPC exatamente porque tal dispositivo apenas admite a propositura de reclamação na hipótese de erro na aplicação de IRDR e IAC. Assim, caso a Câmara Especial de Presidentes do TJ/SP negue provimento ao agravo interno do art. 1.030, § 2º, não caberá reclamação. Quando muito, após o trânsito em julgado da decisão de mérito, caberá ação rescisória com fundamento no art. 966, § 5º, do CPC. Nesse sentido é que decidiu recentemente a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao examinar um caso idêntico ao do exemplo acima, em sessão de julgamento de 5/2/20, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita da decisão que julgou extinta sem resolução de mérito a reclamação 36.476/SP: "RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658). 2. Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de "casos repetitivos", os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos. 3. Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/15, o art. 988, IV, foi modificado pela lei 13.256/16: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de "casos repetitivos" foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele. 4. Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma lei 13.256/16, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade - consistente no esgotamento das instâncias ordinárias - à hipótese que acabara de excluir. 5. Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do CPC, com a redação dada pela lei 13.256/16, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação. 6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a lei 13.256/16 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição. 7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios. 8. Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto. 9. Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/15. 10. Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito." Diante disso, conforme a decisão acima referida da Corte Especial do STJ, ainda que por maioria de votos, está reduzido o cabimento da reclamação a que se refere o art. 988, inciso IV, do CPC. Assim, uma fez fixado o entendimento do STJ sobre determinado tema repetitivo, caberá aos tribunais inferiores e os juízes aplicarem tal entendimento e também controlarem tal aplicação. Se houver erro, restará aos inconformados e prejudicados a via da ação rescisória (CPC, art. 966, inciso V, § 5º).
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Sempre defendi que o magistrado que declarasse a ilicitude de determinada prova não deveria proferir a sentença, dado que teve contato com a prova considerada ilícita. Portanto, em muito boa hora veio a alteração da redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, cujo parágrafo quinto passa a prever que: "O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão". Excelente iniciativa do legislador, que coroa o sistema constitucional e processual brasileiro que prestigia o princípio da proibição da prova ilícita. O direito à produção da prova não pode ser absoluto, devendo ser limitado pela proibição ao uso da prova ilícita (art.5º, LVI, da Magna Carta). E isso como respeito ao próprio devido processo legal e em nome da adequada efetividade do processo. Mauro Cappelletti1, em brilhante estudo sobre o tema, na mesma vertente, já ministrou que: "Também uma moderna concepção probatória, segundo a qual todos os elementos de prova relevantes para a decisão deveriam poder ser submetidos à valoração crítica do juiz, admite, no entanto, hipóteses em que o direito à prova pode ceder frente a outros valores, em especial se estão garantidos constitucionalmente". Neste contexto, como já tivemos a oportunidade de defender, "é certo admitir que garantias constitucionais como a do devido processo legal, a da adequada tutela jurisdicional e a da não admissão da prova ilícita (arts. 5º, XXXV, LIV, LV e LVI, da Magna Carta) devem conviver e constituem uma espécie de limitador ao livre uso da prova no processo civil"2. Hernando Devis Echandia3, na mesma linha, enfatiza a necessidade de o direito à prova sofrer limitações diante da proibição ao uso da prova ilícita. Atualmente, a proibição da prova ilícita está refletida no art.5º, LVI, da Magna Carta, e no art. 369 do Código de Processo Civil; regras estas que estampam importante restrição ao livre exercício do direito à prova no processo civil brasileiro. O sistema probatório brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, de tal sorte que todo e qualquer instrumento de prova pode ser admitido no processo (arts. 155 do Código de Processo Penal e 369 do Código de Processo Civil). Mas o próprio art. 369 do Código de Processo Civil apresenta um grande limitador a essa liberdade probatória, o qual é justamente o da proibição ao uso da prova ilícita. Paulo Osternack do Amaral4, acerca do tema, bem ministra que "o ordenamento jurídico brasileiro veda o aproveitamento no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF/1988, art. 5, LVI). Trata-se da imposição pela constituição de um limite moral ao direito à prova, que norteia a conduta das partes e a atividade do juiz no processo. O código de processo civil contemplou em sede infraconstitucional a proibição de provas ilícitas a contrario sensu, ao admitir a produção de provas atípicas desde que sejam legais e moralmente legítimas". Mas o que é prova ilícita? Luiz Guilherme Marinoni5 define prova ilícita como: "A prova é ilícita quando viola uma norma, seja de direito material, seja de direito processual". João Batista Lopes assevera que a expressão "provas ilícitas" pode ser entendida em sentido lato, quando forem tais provas contrárias à Constituição, à legislação e aos bons costumes; e em sentido estrito, quando tais provas violem disposições legais, inclusive a Constituição. O mestre ainda aponta a existência de uma terceira corrente, que vincula as provas ilícitas à violação de direitos constitucionais essenciais6. O art. 157 do Código de Processo Penal nos apresenta uma definição de prova ilícita, a qual seria aquela que viola disposições legais e/ou constitucionais. Acerca da proibição constitucional da prova ilícita, Julio Fabbrini Mirabete7 leciona que: "Cortando cerce qualquer discussão a respeito da admissibilidade ou não de provas ilícitas em juízo, a Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Deu o legislador razão à corrente doutrinária que sustentava não ser possível ao juiz colocar como fundamento da sentença prova obtida ilicitamente. A partir da vigência da nova carta magna, pode-se afirmar que são totalmente inadmissíveis no processo civil e penal, tanto as provas ilegítimas, proibidas pelas normas de direito processual, quanto às provas ilícitas, obtidas com violação das normas de direito material. Estão assim proibidas as provas obtidas com violação de correspondência, de transmissão telegráfica e de dados, e com captação não autorizada judicialmente das conversas telefônicas (artigo 5, XII); com violação do domicílio, exceto nas hipóteses de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou determinação judicial (artigo 5, XI); com violação da intimidade, como as fonográficas, de fitas gravadas de contatos em caráter privado e sigiloso (art. 5, X); com abuso de poder, como a tortura, p.ex., com a prática de outros ilícitos penais, como furto, apropriação indébita, violação de sigilo profissional, etc...". Sobre o mandamento constitucional do art. 5º, LVI, Nelson Nery Jr. observa que sua aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo8; sendo certo que sua inobservância gera nulidade processual9. Neste passo, com claros efeitos no processo civil, relevantíssima é a alteração da redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, através da recente lei 13.964/2019, a qual prescreve que o magistrado que decretar a ilicitude de determinada prova não deverá proferir a sentença; em estreita homenagem aos princípios que regem o devido processo legal, e dentre eles o importante e relevante princípio da proibição da prova ilícita. A alteração em comento garante que o magistrado que proferir a sentença estará isento dos efeitos do contato com a informação contida na prova ilícita, em linha, portanto, com uma harmônica proteção ao princípio consagrado no inciso LVI do artigo 5º. da Magna Carta. Claro, todavia, que o parágrafo quinto do artigo 157 do Código de Processo Penal, em sua nova redação, não deverá ser considerado nas hipóteses em que o principio da proporcionalidade for adequadamente aplicado, em consonância com o que a doutrina e a jurisprudência, em hipóteses excepcionais, autorizam para os fins de relativizar os efeitos da proibição da prova ilícita em homenagem à proteção de um bem constitucionalmente mais relevante. Sérgio Shimura10, sobre o tema, leciona que basicamente duas correntes surgem diante da proibição da prova ilícita: (i) a que defende a vedação absoluta de tal prova; e (ii) a que adota o princípio da proporcionalidade, a qual busca verificar qual é o interesse que deve predominar em determinado caso, com vistas a se admitir, ou não, prova obtida por meio ilícito. Confira-se: "Uma primeira corrente (proibitiva ou obstativa) pugna pela vedação absoluta da prova ilegal ou obtida por meio ilícito. O fundamento dessa posição deita raízes nos direitos e garantias individuais, como o direito à intimidade, honra, imagem, domicílio, sigilo de correspondência e de comunicações. Uma segunda corrente, mais flexível, vale-se do princípio da proporcionalidade, conhecida como a do interesse predominante, admitindo a prova, conquanto ilícita ou ilegal, tudo a depender dos valores jurídicos e morais em discussão no caso concreto". Sobre o tema, Ada Pelegrini Grinover11 bem ministra que: "A teoria hoje predominante da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita, baseando no equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes". O princípio da proporcionalidade é apontado, assim, como o mecanismo pelo qual, no caso concreto, o magistrado poderá ponderar entre os valores constitucionalmente garantidos, podendo fazer uma escolha que acarretará, ou não, na mitigação da regra de não admissão da prova ilícita. Porém, como assevera Luiz Guilherme Marinoni12, a prova ilícita somente pode ser admitida em casos excepcionais, após a devida incidência do princípio da proporcionalidade, e somente quando for a única maneira de se tutelar bem maior. Teresa Arruda Alvim13, neste contexto, admite a relativização da ilicitude da prova para a proteção de direitos que envolvem menores: "A CF repele a prova obtida por meio ilícito. Enquadram-se, aí, as provas colhidas sem observância ao direito à inviolabilidade da intimidade, imagem, domicilio e correspondência, que é assegurado constitucionalmente. Assim, é ilícita a interceptação por terceiro de conversa telefônica, bem como de correspondência alheia, para utilizá-la no processo civil, ou a oitiva de testemunha mediante coação moral. Consideram-se lícitas, porém, a gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, ou a apresentação em juízo de correspondência de que a parte é destinatária, ou ainda a apreensão de computador que compõe o patrimônio público, para fins de apuração de ato de improbidade. Em razão do princípio da confidencialidade, que rege tanto a conciliação, quanto à mediação, considera-se ilícita a apresentação nos autos de documentos obtidos durante as audiências realizadas na tentativa de autocomposição entre as partes. Há controvérsia a respeito do aproveitamento da prova ilícita. Há aqueles que a inadmitem em qualquer hipótese, sustentando que sua ilicitude contaminaria o resultado do processo e as demais provas obtidas licitamente. Outros entendem que se deve punir a parte pelo cometimento do ilícito na obtenção da prova, mas aproveitá-la em razão do seu conteúdo, fazendo prevalecer, aos direitos individuais, o interesse público na efetividade do processo. E, por sua vez, há uma terceira corrente que adota posição intermediária, a que aderimos. Segundo esta, aquele que violou direito material para conseguir a prova ilícita deve responder pelo ato praticado, mas a prova deverá ser aproveitada, desde que confiável (não tenha sido obtida mediante tortura, uso de drogas, coação moral, por exemplo), inexistam outros meios de prova, e estejam em jogo interesses relevantes - como os que envolvem menores - que se sobreponham à violação da privacidade". A aplicação do princípio da proporcionalidade deve sempre ser excepcional e realmente justificada em casos concretos onde, de fato, a admissão de uma prova ilícita poderá garantir direito constitucional inequivocamente mais importante; e que de outra forma, sem tal prova, não poderia ser tutelado. Para as hipóteses de aplicação do princípio da proporcionalidade, a orientação do parágrafo quinto do artigo 157 do Código de Processo Penal, em sua nova redação, não poderá ser considerada. __________ 1 Cappelletti, Mauro. Processo, ideologia e sociedade. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa,1974. p. 560. 2 Medeiros Neto, Elias Marques de. Proibição da prova ilícita no processo civil brasileiro. São Paulo: Fiuza. 2010. p. 13. 3 Echandia, Hernando Devis. Pruebas ilícitas. Revista de Processo 32. Ano VIII. 1983. p. 83. 4 Amaral, Paulo Osternack. Provas. São Paulo: RT, 2015. p. 190. 5 Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 325. 6 Lopes, João Batista. Ob. Cit. p. 96. 7 Mirabete, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 8ª. Edição, 1997. p. 260 e 261. 8 Nery Jr., Nelson. Ob. Cit. p. 196. No mesmo sentido: Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 644. 9 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São Paulo: RT, 2007. 10 Shimura, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. In: Oliveira Neto, Olavo de; e Castro Lopes, Maria Elizabeth de (Coord.). Ob. Cit. p. 264. 11 Grinover, Ada Pellegrini; Fernandes, Antonio Scarance; Gomes Filho, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros, 3ª. Edição, 1993. p. 115 12 Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p. 327. 13 Wambier, Teresa Arruda Alvim; Conceição, Maria Lucia Lins; Ribeiro; Leonardo Ferres da Silva; e Mello, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 710.
Texto de autoria de Rogerio Mollica A comprovação do feriado local é uma das muitas armadilhas que vêm sendo armadas pelos Tribunais para a eliminação imediata de recursos. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de três artigos nessa coluna1. Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local2 e do Enunciado nº 663 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento restou vencido no Superior Tribunal de Justiça. No final de 2019 acreditava-se que a novela sobre a possibilidade ou não da comprovação posterior do feriado local estaria acabada, eis que foi exarado o seguinte acórdão pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. NECESSIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. 1. O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003 que "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso". A interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art. 932 do mesmo Código. 2. Assim, sob a vigência do CPC/2015, é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no ato de interposição do recurso. 3. Não se pode ignorar, todavia, o elastecido período em que vigorou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, o entendimento de que seria possível a comprovação posterior do feriado local, de modo que não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal, sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados. 4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais, como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais. 5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do CPC/2015. 6. No caso concreto, compulsando os autos, observa-se que, conforme documentação colacionada à fl. 918, os recorrentes, no âmbito do agravo interno, comprovaram a ocorrência de feriado local no dia 27/2/2017, segunda-feira de carnaval, motivo pelo qual, tendo o prazo recursal se iniciado em 15/2/2017 (quarta-feira), o recurso especial interposto em 9/3/2017 (quinta-feira) deve ser considerado tempestivo. 7. Recurso especial conhecido." (g.n.) (REsp 1813684/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2019, DJe 18/11/2019) Como se vê, restou pacificado o entendimento quanto a necessidade da prévia comprovação do feriado local, entretanto, modulou-se o julgado para que a exigência de tal comprovação só fosse requerida para os recursos interpostos a partir de 18/11/2019 (data da publicação do acórdão), conforme se extrai dos trechos grifados do referido julgado. Não tendo as partes recorrido do referido acórdão, para surpresa geral, no início do ano judiciário de 2.020, mais precisamente no dia 03/02/2.020, a novela ganhou mais um capítulo, eis que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por 7X3, decidiu: "A Corte Especial, por maioria, rejeitou a preliminar suscitada pelo Sr. Ministro Luis Felipe Salomão de não cabimento da questão de ordem e, ainda, por maioria, acolheu a questão de ordem para reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Portanto, como ocorre em toda boa novela, quando se esperava que a questão estivesse terminada, tivemos uma grande reviravolta, eis que agora restou decidido que a modulação só abrangeria os recursos que versassem sobre o feriado da segunda-feira de carnaval. Desse modo, todos os outros recursos abrangendo outro feriado local poderiam voltar a ser eliminados. Com isso, "os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito", que serviram de balizamento para a concessão da modulação restaram afastados para todos os outros feriados locais e mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça acaba se afastando da linha mestra do Código de Processo Civil de 2015, que é a remoção de obstáculos para o julgamento do mérito. Portanto, essa novela está longe de se encerrar, eis que agora a Corte Especial do STJ será instada a se manifestar se a modulação poderia ocorrer sobre cada um dos inúmeros feriados locais, eis que a fundamentação para a modulação para o feriado na segunda-feira de carnaval é o mesmo para a modulação quanto ao feriado de Corpus Christi, ao feriado do Dia do Servidor Público e a todo e qualquer feriado local. __________ 1 Colunas de 6/7/2017 e 25/10/2018 de minha autoria e de 16/8/2018 de autoria do professor André Pagani de Souza. 2 Neste sentido: Luis Guilherme Aidar Bondioli (Comentários ao Código de Processo Civil - arts. 994 a 1.044, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 68); Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.654); Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo, RT, 2016, p. 1063); Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 4, São Paulo: saraiva, 2017, p. 377). 3 Enunciado nº 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC".
André Pagani de Souza Como se sabe, o art. 976 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) quando houver, simultaneamente: "I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica". O art. 977, do CPC/2015, por sua vez, determina que o pedido de instauração deve ser dirigido ao presidente do Tribunal, sendo que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo Regimento Interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização da jurisprudência do Tribunal. Nos termos do art. 981 do referido diploma legal, após a distribuição do IRDR ao órgão competente para julgar o incidente, deverá ser realizado o seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976 acima mencionados ("I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica"). Caso o órgão competente para julgar o IRDR não vislumbre a presença dos dois requisitos acima mencionados, que devem estar presentes simultaneamente, nos termos do caput do art. 976 do CPC/2015, tal incidente não deve ser admitido. Questão de extrema relevância para o operador do direito é saber se tal decisão - a que não admite a instauração do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos necessários - é recorrível ou não. A resposta para tal pergunta não é fácil porque o CPC/2015 não oferece uma solução clara e direta para a questão, conforme se verá adiante. Um indício de que não caberia recurso desta decisão de inadmissão do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos legais está no § 3º do art. 976 do CPC/2015 que preceitua o seguinte: "§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado". Em outras palavras, a lei processual prescreve que a não admissão do IRDR não impede que o incidente seja novamente suscitado se, posteriormente, houver o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade. Outro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR pelo não preenchimento dos pressupostos legais é o comando do art. 987 do CPC/2015, pois ele prevê o cabimento de recurso especial ou extraordinário apenas da decisão que julga o mérito do incidente. Nessa linha de raciocínio, não caberia recurso da decisão que deixa de apreciar o mérito do IRDR. Somente a decisão que aprecia o mérito do incidente seria recorrível, nos termos do art. 987 do CPC/2015. Um terceiro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR está na própria Constituição Federal que, no inciso III dos artigos 102 e 105 estabelece que cabem recurso extraordinário e recurso especial, respectivamente, das causas decididas. Assim, se o mérito do IRDR não é objeto de decisão, também não caberia recurso especial ou extraordinário da decisão que não admite o incidente, exatamente porque não haveria "causa decidida". Nesse sentido manifestou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.631.846/DF, ao afirmar que, nas palavras da relatora Min. Nancy Andrighi: "Não há que se falar em causa decidida, que pressupõe a presença do caráter de definitividade do exame da questão litigiosa, se o próprio legislador previu, expressamente, a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido". Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão acima mencionado: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE INADMITE A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE. RECORRIBILIDADE AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR QUANDO SATISFEITO O REQUISITO AUSENTE POR OCASIÃO DO PRIMEIRO PEDIDO, SEM PRECLUSÃO. RECORRIBILIDADE AO STJ OU AO STF PREVISTA, ADEMAIS, SOMENTE PARA O ACÓRDÃO QUE JULGAR O MÉRITO DO INCIDENTE, MAS NÃO PARA O ACÓRDÃO QUE INADMITE O INCIDENTE. DE CAUSA DECIDIDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO. 1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) preliminarmente, se é cabível recurso especial do acórdão que inadmite a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR; (ii) se porventura superada a preliminar, se a instauração do IRDR tem como pressuposto obrigatório a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal. 2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15. 3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR. 4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido. 5- Recurso especial não conhecido" (STJ, 3ª Turma, REsp 1.631.846/DF, relatora para acórdão Min. Nancy Andrighi, não conheceram do recurso por maioria de votos, j. 05.11.2019). No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu que não deveria ser admitida a instauração de IRDR por não estar configurado o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade (I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica). Mais especificamente, o TJDFT entendeu que não havia no âmbito do Tribunal recurso pendente de julgamento sobre a mesma questão unicamente de direito. Por isso, não admitiu a instauração de IRDR. Enfim, trata-se de uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tomada por maioria de votos. Isto quer dizer, portanto, que ainda estamos longe de ter uma interpretação consolidada e uniformizada dos artigos 976 e seguintes do CPC/2015 que tratam do IRDR. Por ora, a decisão que prevaleceu no âmbito da Terceira Turma do STJ é a de que não cabe recurso especial contra acórdão que trata apenas da admissibilidade de IRDR.
Daniel Penteado de Castro O art. 530 do CPC/73 previa como recurso em espécie os chamados embargos infringentes, que operava como meio de impugnação cabível "(...) quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória". O cabimento de referido desafiava as hipóteses, portanto, contra (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. A despeito do CPC/2015 haver extirpado o cabimento de referido recurso, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, convocando-se outros dois julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever sus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Ainda, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime (diferentemente do regime anterior, reservado ao resultado não unânime de reforma da sentença), porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. E conforme já pudemos concluir noutra oportunidade1, extrai-se da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito2), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada3. E, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o quanto previsto no caput, do art. 942, de sorte que, basta o resultado do julgamento da apelalação por maioria de votos (sendo indiferente a não unanimidade quanto ao a votação ligada a reforma, manutenção da sentença ou até o exame de questões processuais ou ligadas a admissibilidade do recurso): "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. ART. 942, CAPUT, DO CPC. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DE QUESTÃO PRELIMINAR. APELAÇÃO ADESIVA. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1. Ação de indenização ajuizada contra os recorrentes visando à reparação de danos morais. 2. Controvérsia em torno da necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, na hipótese em que não há unanimidade no juízo de admissibilidade recursal. 3. Proclamado o resultado do julgamento das apelações no dia 9/6/2016, não há dúvidas acerca da incidência das normas insertas no Código de Processo Civil de 2015. 4. Consoante entendimento de ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção do STJ, diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença. 5. O art. 942 do CPC não determina a ampliação do julgamento apenas em relação às questões de mérito. 6. Na apelação, a técnica de ampliação do colegiado deve ser aplicada a qualquer julgamento não unânime, incluindo as questões preliminares relativas ao juízo de admissibilidade do recurso. 7. No caso, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum da sessão realizada no dia 9/6/2016, diante da ausência de unanimidade com relação à preliminar de não conhecimento da apelação interposta de forma adesiva pelo autor, inobservou o enunciado normativo inserto no art. 942 do CPC, sendo de rigor declarar a nulidade por "error in procedendo". 8. Ainda que a preliminar acolhida pelo voto minoritário careça de previsão legal, inviável ao Superior Tribunal de Justiça sanar a nulidade apontada, pois o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime quanto à preliminar. 9. Uma vez ampliado o colegiado, os novos julgadores convocados não ficam adstritos aos capítulos em torno dos quais se estabeleceu a divergência, competindo-lhes também a apreciação da integralidade das apelações. 10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA QUE SEJA CONVOCADA NOVA SESSÃO PARA PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO. (STJ, REsp 1.798.705-SC, Terceira Turma, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 22.10.2019, grifou-se). As razões do voto condutor deixam clara a mudança de regime se comparado aos chamados embargos infringentes, previsto no CPC/73: "(...) Registro, em primeiro lugar, que não há dúvidas quanto à incidência das regras insertas no Código de Processo Civil de 2015 ao presente caso, pois a proclamação do resultado do julgamento das apelações ocorreu no dia 9/6/2016. Em segundo lugar, consoante precedentes desta Corte, o fundamento utilizado pelo Tribunal de origem de que "a nova sistemática [do art. 942 do CPC] somente será cabível em caso de julgamento não unânime de apelação que reformar sentença de mérito" não merece prosperar. Com efeito, ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção do STJ já tiveram a oportunidade de afirmar que a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença, conforme decidiu o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração. (...) (REsp 1762236/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 15/03/2019) (...) (REsp 1.733.820/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 10/12/2018) Afastado esse fundamento, cumpre examinar a necessidade de observância da sistemática do art. 942 do CPC na hipótese em que não houve unanimidade quanto à preliminar de admissibilidade da apelação adesiva. Em sede doutrinária, é possível verificar a existência de inúmeras manifestações a respeito do tema. Alexandre Freitas Câmara, em artigo intitulado "A ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes" (Revista de Processo. vol. 282. Ano 43. p. 251-266. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018), elucida a questão da seguinte forma: Estabelece o art. 942 do CPC que [q]uando o resultado da apelação não for unanime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado à partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. Trata-se, aqui, de uma técnica de julgamento a ser aplicada naqueles casos em que a apelação - recurso que via de regra é julgado por uma turma composta de três magistrados, na forma do art. 941, § 2º, do CPC - será julgada por um colegiado maior, formado por cinco juízes. É que só assim se terá, após a constatação da existência da divergência entre os votos dos três magistrados que compõem a turma julgadora original, o acréscimo ao colegiado de julgadores "em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial". Não interessa, aqui, qual é a divergência que surja entre os integrantes da turma julgadora. Pode tratar-se de divergência manifestada no juízo de admissibilidade (por exemplo, se a apelação é ou não tempestiva) ou no juízo de mérito (quanto a se dar ou negar provimento ao recurso, por exemplo). Também não importa qual o resultado que prevaleceria se o julgamento se concluísse nos termos do voto predominante (se o recurso seria ou não conhecido; se a ele se daria provimento - total ou parcialmente - ou se seria o caso de lhe negar provimento). Tampouco importa se a divergência se deu a respeito de questão suscitada por alguma das partes ou apreciada de ofício por provocação do relator ou de outro integrante da turma julgadora. Seja qual for a divergência, será caso de ampliar-se o colegiado a quem incumbe julgar a apelação. Constatada a divergência, deve-se imediatamente determinar a ampliação do colegiado. Não se prossegue no julgamento com os três integrantes originais da turma julgadora nem se proclama resultado (mesmo porque, como facilmente se percebe, o julgamento ainda não acabou). A apelação, insista-se nesse ponto, ainda não está julgada quando se constata a divergência (ainda que esta se manifeste em um capítulo acessório do julgamento, como seria o caso de haver divergência sobre qual deve ser a majoração dos honorários nas hipóteses em que deve haver a fixação da assim chamada sucumbência recursal). Uma vez ampliado o colegiado, todos os cinco magistrados que o integram votam em todas as questões a serem conhecidas no julgamento da apelação. A atuação dos dois novos integrantes da turma julgadora não é limitada à matéria objeto da divergência (afinal, não se está aqui diante dos velhos embargos infringentes, estes sim limitados à matéria objeto da divergência). Devem eles, inclusive, pronunciar-se sobre matérias que já estavam votadas de forma unânime. Assim, por exemplo, se o colegiado (formado por três juizes) havia, por unanimidade, conhecido da apelação, e por maioria lhe dava provimento, os dois novos integrantes do colegiado devem se manifestar também sobre a admissibilidade do recurso. E nem se diga que essa questão já estaria superada, preclusa, pois a lei é expressa em estabelecer que os votos podem ser modificados até a proclamação do resultado (CPC, art. 941, § Io), o que permite afirmar, com absoluta segurança, que o julgamento ainda não se havia encerrado. E pode acontecer de os magistrados que compunham a turma julgadora original, depois da manifestação dos novos integrantes do colegiado, convencerem-se de que seus votos originariamente apresentados estavam equivocados, sendo-lhes expressamente autorizado que modifiquem seus votos (art. 942, § 2o). Do mesmo modo, tendo os novos julgadores proferido voto acerca da questão a cujo respeito havia sido instalada a divergência, e havendo outras questões, posteriores, a enfrentar, estas serão apreciadas e resolvidas por um colegiado já ampliado. Pense-se, por exemplo, em ter havido divergência acerca de uma preliminar de mérito, como é a prescrição (em processos nos quais se pretende a cobrança da dívida). Ampliado o colegiado e rejeitada a arguição de prescrição, deverá ser apreciado o restante do mérito do processo, o que se dará com a participação de cinco magistrados (e não só dos três originais). É que a divergência (seja ela qual for) implica a necessidade de ampliação do colegiado, fazendo com que a apelação (e não só a matéria divergente) tenha de ser julgada por um colegiado ampliado, fazendo-se necessária a participação de cinco magistrados (grifos acrescentados). (...) A necessidade de observância da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC no caso concreto é inescapável. Com efeito, o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador e deve ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime quanto à preliminar. Logo, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum da sessão realizada no dia 9/6/2016, diante da ausência de unanimidade com relação à preliminar de não conhecimento da apelação interposta de forma adesiva pelo autor, inobservou o enunciado normativo inserto no art. 942 do CPC, sendo de rigor declarar a nulidade desse julgamento por error in procedendo. (...)" (STJ, REsp 1.798.705-SC, Terceira Turma, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 22.10.2019, grifou-se). Da conclusão do julgado acima, extrai-se que (i) o art. 942 do CPC tem aptidão para permitir, no julgamento do recurso de apelação, a participação de novos julgadores (independentemente da não unanimidade dizer respeito ao mérito da demanda ou ao exame de outras questões processuais) e, (ii) os desembargadores convocados a integrar a votação também poderão examinar e votar em questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta. A margem do entendimento acima, uma dúvida ainda remanesce: referido entendimento há de se aplicar restritivamente ao julgamento, não unânime, do recurso de apelação ou, também reverberado quando do julgamento não unânime, da ação rescisória e agravo de instrumento tirado de decisão de julgamento parcial de mérito4? __________ 1 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 2 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 3 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 4  A dúvida é pertinente, dadas as limitações trazidas no art. 942, § 3º, I, e II, que restringem a aplicação da técnica do julgamento estendido na ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença e, ao agravo de instrumento que julga parcialmente o mérito (hipótese do art. 356, do CPC/2015), reservado a reforma da decisão: "Art. 942. (...) § 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito." Para Araken de Assis: "É descabido invocar o art. 942, § 3.°, II, para restringir o cabimento da ampliação do quórum da deliberação na apelação. Essa regra abrange unicamente o agravo de instrumento. Em tal caso, o recurso há de versar o mérito (art. 1.015, II) e logo acodem os exemplos dos arts. 354, parágrafo único, e 356, § 5.°, e pressupõe a reforma da decisão agravada. Entretanto, a exigência, compreensível perante a enumeração das decisões agraváveis, respeita somente a este recurso. Cumpre evitar a interpretação regressiva, evocando o cabimento dos embargos infringentes, para diminuir o campo de incidência do art. 942, caput. Um dos piores defeitos na interpretação da lei nova consiste em inculcar-lhe sentido idêntico ao da lei velha. Restrições interpretam-se literalmente. Assim, a reforma do provimento recorrido e a impugnação acerca do mérito é exigência restrita apenas ao caso do agravo de instrumento." (Manual dos recursos, 5. Ed. São Paulo: RT, 2018, p. 75, grifou-se) Em síntese, a despeito do julgamento antecipado parcial de mérito projetar idêntico resultado, ao jurisdicionado, de uma sentença que julga todos os pedidos numa única decisão, no plano recursal quis o legislador restringir a técnica do julgamento estendido quanto ao agravo tirado de decisão de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, § 5º).
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do recurso especial 1838009/RJ, ocorrido em 19/11/2019, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria do ministro Moura Ribeiro, decidiu que: "DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 50 DO CC/02. MEROS INDÍCIOS DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM NOS LIMITES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PARA A ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIA DE CARÁTER EXCEPCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Tendo o Tribunal Estadual se manifestado de forma clara e fundamentada acerca da matéria que lhe foi posta à apreciação, não há falar em ofensa ao art. 1.022 do NCPC. 3. A desconsideração da personalidade jurídica está subordinada a efetiva demonstração do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, e o benefício direto ou indireto obtido pelo sócio, circunstâncias que não se verificam no presente caso. Precedente. 4. Fatos rotulados de maliciosos, mas não examinados pela sentença e pelo acórdão, não podem ser apreciados por esta Corte. 5. Inexistentes os requisitos previstos nos art. 50 do CC/02, deve ser afastada a desconsideração da personalidade jurídica. 6. Recurso especial parcialmente provido." No julgado acima, há o reforço quanto à necessidade de demonstração, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, regido pelo CPC/15, da presença dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, para fins de efetivar-se a desconsideração pretendida. E a recente edição da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o artigo 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no artigo 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos." "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, portanto, ao exigir a efetiva comprovação dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil para fins de deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, está em linha com as diretrizes da também recente lei 13.874, de 20 de setembro de 2019.
Rogerio Mollica A Remessa Necessária é um tema que me é bastante caro, eis que foi o tema da minha dissertação de mestrado. No dia 17 de janeiro de 2019 já tive oportunidade de escrever nessa coluna sobre a necessidade da ocorrência da remessa nos casos de sentenças ilíquidas, independentemente do valor discutido. Naquela oportunidade verificamos que o Código de 2015 acabou por adotar o entendimento expresso na Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça1, que ainda na égide do CPC/1973, já exigia a liquidez da sentença para aplicar a restrição ao cabimento do reexame necessário. Vale recordar que no Anteprojeto do Novo Código, o artigo 478, § 4º, previa que "quando na sentença não se houver fixado valor, o reexame necessário, se for o caso, ocorrerá na fase de liquidação". Dessa forma, pela previsão do anteprojeto, se a sentença fosse ilíquida, não ocorreria a Remessa Necessária e essa somente ocorreria se na fase de liquidação fosse apurado que o valor discutido era superior ao valor de alçada da remessa. Sem dúvida, uma hipótese mais limitativa do instituto do que a prevista no Código de 2015. Entretanto, com aumento dos valores para o cabimento da remessa, principalmente para a União Federal, podemos ter processos com sentença ilíquida contrária à União, mas que evidentemente não discutem valores na casa de R$ 1 milhão (aproximadamente 1.000 salários mínimos). Nesses casos, em que apesar da iliquidez, a condenação ou o proveito econômico obtido na causa certamente não alcança esses patamares, seria cabível a Remessa Necessária? Verificamos que mesmo nesses casos, a doutrina entende que deve ocorrer a devolução oficial. Nesse sentido é o entendimento de João Francisco Naves da Fonseca: "(...) as decisões ilíquidas, independentemente do valor envolvido, não estão dispensadas da devolução oficial (Súmula 490 do STJ)"2. Foi citado no artigo inclusive o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça nesse mesmo sentido3. Entretanto, voltamos agora ao tema, pois quase um ano após o referido julgamento da 2ª Turma do STJ, a 1ª Turma acabou decidindo de forma diametralmente oposta: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. CPC/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC de 2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Não merece acolhimento a pretensão de reforma do julgado por negativa de prestação jurisdicional, porquanto, no acórdão impugnado, o Tribunal a quo apreciou fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, em sentido contrário à postulação recursal, o que não se confunde com o vício apontado. 3. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor da Autarquia Previdenciária após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015. 4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 5. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/15, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). 6. A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos Tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. 7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. 8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. 9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos, cifra que no ano de 2016, época da propositura da presente ação, superava R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais). 9. Recurso especial a que se nega provimento." (g.n.) (REsp 1735097/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) Esse julgado parece mais alinhado com a intenção do CPC de 2015 de limitar as hipóteses de cabimento da Remessa Necessária, eis que não faz nenhum sentido se exigir o reexame necessário em casos em que obviamente o valor discutido não passa nem perto dos novos limitadores previstos no artigo 496, §3º, do CPC de 2015. Desse modo, existindo essa divergência de entendimento entre as duas Turmas que julgam direito público, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto a necessidade ou não de realização da remessa necessária nesses casos, visando a segurança jurídica de todos. Vale recordar, que as sentenças sujeitas à remessa, não transitam em julgado4 até a realização do reexame necessário pelo Tribunal. __________ 1 Súmula 490 do STJ: "A dispensa do reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas". Dessa forma restou superado o entendimento de que "caso não seja líquida a condenação, o parâmetro deve ser o valor da causa" (AgRg no RESP nº 1.067.559/PR, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, in DJe de 13/04/2009). 2 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 97. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Zulmar Duarte de Oliveira Júnior (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p.594). 3 REsp 1741538/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018. 4 Súmula nº 423 do STF: "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex-officio", que se considera interposto "ex-lege"."
André Pagani de Souza O art. 304, caput, do CPC, dispõe que "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto recurso". Nessa hipótese, "o processo será extinto", conforme estabelece o § 1º do referido dispositivo legal. Muito se discutiu na doutrina se apenas a interposição do recurso cabível (agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inciso I) teria o condão de evitar que a decisão concessiva de tutela antecipada se tornasse estável ou se a prática que algum outro ato pelo réu também poderia impedir a tal estabilidade e a consequente extinção do processo. Cassio Scarpinella Bueno, por exemplo, sustenta o seguinte: "Questão interessante é saber se outras manifestações do réu, além da interposição de recurso, são bastantes para evitar a estabilização. A resposta merece ser positiva, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma expressa de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização, muito além, portanto, da interposição de agravo de instrumento contra a decisão concedida na primeira instância (art. 1.015, I). Destarte, desde que o réu, de alguma forma, manifeste-se contra a decisão que concedeu a tutela provisória, o processo, que começou na perspectiva de se limitar à petição inicial facilitada pelo caput do art. 303 (eis o 'benefício' de que trata o § 5º do art. 303), prosseguirá para que o magistrado, em amplo contraditório, aprofunde sua cognição e profira oportunamente decisão sobre a 'tutela final', apta a transitar materialmente em julgado. A hipótese, importa esclarecer, não tem o condão de infirmar a tutela antecipada já concedida. Ela, apenas, evita a sua estabilização nos termos do art. 304" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 321-322, sendo que os destaques são do original). Tal interpretação, em total harmonia com o modelo de processo cooperativo ambicionado pela lei 13.105, de 16/3/2015, não foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode depreender da ementa de julgado abaixo transcrita: PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. I - Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso. II - Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. III - A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. IV - A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado - o agravo de instrumento. V - Recurso especial provido. (STJ, Primeira Turma, REsp 1.797.365 / RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Regina Helena Costa, recurso especial provido, v.m., j. 3/10/2019, DJe 22/10/2019) Na ocasião, prevaleceu o seguinte entendimento: "A não utilização da via própria - agravo de instrumento - para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão, excetuando a hipótese da ação autônoma. Não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja, a preclusão. Isso porque, embora a apresentação de contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente, tal ato processual não se revela capaz de evitar que a decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar a estabilização, porque os institutos envolvidos - agravo de instrumento e contestação - são inconfundíveis. Interpretação diversa acabaria impondo requisitos cumulativos para o cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. Ora, tal conclusão não se revela razoável, porquanto a ausência de contestação já caracteriza a revelia e, em regra, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, tornando inócuo o inovador instituto. Outrossim, verifica-se que, durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla - 'não havendo impugnação' (sem explicitação do meio impugnativo) - e o art. 304 da lei 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa - 'não for interposto o respectivo recurso'. Logo, a interpretação ampliada do conceito caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional". O ministro Sérgio Kukina discordou da posição acima e proferiu voto-vencido, sustentando que "[...] pode-se concluir em favor de exegese mais dilargada do art. 304 do novo CPC, facultando-se ao réu oferecer resistência, não apenas por meio de recurso específico (notadamente o agravo de instrumento - art. 1.015, I, do CPC), mas também por meio da apresentação de contestação, tal como se operou no caso concreto. (...) Logo, a oportuna apresentação de peça contestatória, em que registrado o inconformismo da parte demandada, tanto quanto seu inequívoco desejo em prosseguir no debate sobre a pretensão autoral, revela-se, só por si, capaz de afastar o óbice da inércia do réu, enquanto elemento gerador da estabilização da tutela". Entretanto, apenas o Min. Gurgel de Faria concordou com o entendimento do Min. Sérgio Kukina, que acabou vencido. Portanto, de acordo com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, para que a tutela antecipada não estabilize, será necessária a interposição de agravo de instrumento da decisão que a concede. Qualquer outro ato praticado pelo réu será insuficiente para evitar a estabilização da decisão, que levará à extinção do processo. Assim, nesse caso, apenas por ação autônoma será possível atacar a decisão concessiva da tutela antecipada e acabar com sua estabilidade.
Daniel Penteado de Castro A fase de cumprimento de sentença de pagar quantia, prevista no art. 475-J, do CPC de 1973, previa a intimação do devedor para pagamento em quinze dias, sob pena da incidência de multa no percentual de dez por cento, a incidir sob o quantum debeatur atualizado1. O art. 523 do CPC de 2015 tornou mais rígida referida regra em relação ao devedor, para prever não só a multa de dez por cento caso a dívida deixe de ser paga no prazo de quinze dias, mas também cumulou o acréscimo de dez por cento sobre o quantum debeatur, a título de honorários advocatícios2. Resta saber, portanto, se para uma sentença prolatada sob vigência do CPC/73, quando do início do cumprimento de sentença observar-se-á o regime jurídico do código anterior ou, de outra banda, o quanto disposto no CPC/2015. A questão pode ser respondida ao se prever que a lei processual tem aplicação imediata (arts. 14 e 1.046, do CPC/2015) de sorte que, iniciado o cumprimento de sentença à luz da vigência do CPC/2015, há de ser observado o regime jurídico previsto nos arts. 523 e seguintes de referido diploma, independentemente da sentença que se visa o cumprimento haver sido prolatada quando vigente o CPC/73. Ainda, também sob outra perspectiva, decidiu o STJ em recente julgado também pela aplicação do CPC/2015, desta feita, sob o prisma de aplicação da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, cuja utilidade é deflagrada em situações de conflito de direito intertemporal: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. SENTENÇA EXEQUENDA PROFERIDA QUANDO VIGENTE O CPC/73. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA INICIADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NOVA. 1. Nos termos do art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Na linha dos precedentes desta Corte, "a aplicação da lei processual nova, como o CPC/2015, somente pode se dar aos atos processuais futuros e não àqueles já iniciados ou consumados, sob pena de indevida retroação da lei" (AgInt no AREsp 1016711/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017). 2. Como bem observa a doutrina, é possível a aplicação da norma processual superveniente a situações pendentes, desde que respeitada a eficácia do ato processual já praticado. Esse entendimento é corroborado pelo Enunciado Administrativo 4/STJ, in verbis: "Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial." 3. No caso concreto, embora a sentença exequenda tenha sido proferida na vigência do CPC/73, o cumprimento de sentença iniciou-se na vigência do CPC/2015, razão pela qual é aplicável a nova legislação. Assim, considerando que a agravante foi intimada e não efetuou o pagamento voluntário, o débito deve ser acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (art. 523, § 1º, do CPC/2015). (...)" (STJ, REsp n. 1.815.762/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 5/11/2019, v.u., grifou-se) O recente precedente acima soa acertado, porquanto não só em consonância com a inteligência do art. 14 do CPC/2015 (aplicação imediata da lei processual, quando de sua vigência) mas também para se reafirmar, na hipótese de conflito de direito intertemporal, a prevalência no sistema brasileiro da Teoria do Isolamento dos Autos Processuais. __________ 1 "Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação". 2 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. [V. arts. 517, e 782, §§ 3.º a 5.
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Luiz Guilherme Marinoni2 observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)." Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida de que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. Por isso, as manifestações jurisprudenciais autorizando a aplicação do artigo 190 do CPC/15 se mostram interessante norte para a consolidação dos contornos a serem observados pelas partes quando da celebração do negócio processual atípico. No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiou-se o negócio processual celebrado em execução, com efeitos quanto aos bens penhorados: "Agravo de Instrumento. Ação de execução por quantia certa. Decisão que determinou que as partes apresentassem nova minuta de acordo, com expressa previsão de quais garantias serão remidas, e observação de garantias prestadas em favor de terceiros, além de ordenar a expedição de ofício para cancelamento da ordem de liberação de hipotecas gravadas, tornando nula eventual averbação de levantamento cumprida em razão da decisão que homologou acordo entre as partes. Inconformismo. Acordo homologado que diz respeito a direitos que admitem autocomposição. Partes que podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Inteligência do art. 190 do CPC. Acordo que não afeta Ente Público. Homologação do acordo firmado entre as partes do feito executivo que deve permanecer. Decisão reformada. Agravo provido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2096470-98.2019.8.26.0000; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/07/2019; Data de Registro: 01/07/2019)" No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça do Amapá, permitiu-se o negócio processual, em ação de improbidade administrativa, no sentido de se fixar as consequências jurídicas para os atos em apuração na lide: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. POSSIBILIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DE VALIDADE. PARTES CAPAZES, FORMA E OBJETO LÍCITO. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA E SISTEMÁTICA DO ART. 17, § 1º, DA LEI Nº 8.429/1992. RECURSO PROVIDO. 1) A celebração de acordo em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa no sentido de fixar consequências jurídicas para os atos em apuração, configura claro exemplo de negócio jurídico processual atípico, previsto no art. 190 do Código de Processo Civil; 2) O negócio jurídico processual atípico, segundo a doutrina, possui três requisitos básicos de validade, quais sejam partes capazes, forma e objeto lícito; 3) A validade do negócio jurídico celebrado nos autos de ação de improbidade administrativa carece de uma interpretação mais atual, porquanto, após mais de 25 (vinte e cinco) anos desde a sua edição, período em que houve a aprovação dos mais variados diplomas legislativos, que contemplam inclusive acordos na esfera criminal, tem-se que uma simplória interpretação literal do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 destoa do ordenamento jurídico pátrio vigente, o que deve ser ponderado pelo intérprete no momento da aplicação da norma, sob pena de incorrer em evidente contradição com o sistema em que está incluso; 4) Estando presentes os requisitos de validade do acordo firmado em Ação de Improbidade Administrativa, a sua homologação é medida que se impõe; 5) Recurso provido. (TJ-AP - AI: 00035683920188030000 AP, Relator: Desembargadora SUELI PEREIRA PINI, Data de Julgamento: 10/09/2019, Tribunal)" No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para conferir efeito vinculante a laudo pericial: "Recurso - interesse recursal - Ausência - Celebração de negócio jurídico processual de sujeição das partes ao resultado de laudo pericial grafotécnico com titulo de credito - Validade, por versar sobre direitos disponíveis - Implemento da condição, com o reconhecimento da falsidade da assinatura aposta na cártula - Sujeição do réu à concordância com o cancelamento do protesto e com o pagamento de indenização por danos morais - Inocorrência de homologação da composição pelo Juízo -- Apelação não conhecida.  (TJSP;  Apelação Com Revisão 9115766-85.1999.8.26.0000; Relator (a): José Reynaldo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/06/2005; Data de Registro: 11/07/2005)". No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para redução de prazo para o cumprimento de tutela de urgência proferida em ação possessória: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela de urgência. Ação de imissão na posse. Consolidação da propriedade em favor do credor hipotecário e posterior alienação ao agravante, com fundamento na Lei Federal 9.514/97. Decisão que concedeu liminar para determinar a desocupação do imóvel em 60 dias, com a consequente imissão do arrematante na posse do bem. Irresignação. Partes que ajustaram previamente termo de ajustamento de conduta (TAC), prevendo prazo para desocupação voluntária que, não cumprido, possibilitaria a concessão judicial de liminar para desocupação no prazo reduzido de cinco dias. Cláusula contratual clara e expressa, da qual o ocupante livremente anuiu. Indeferimento da pretensão na origem, sob fundamento de que o prazo de 60 dias é decorrente da lei. Descabimento. A partir do advento do NCPC, é possível às partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses, incluindo redução de prazos processuais. Inteligência do art. 190 do NCPC. Negócio jurídico celebrado entre partes plenamente capazes. Atendimento aos princípios da autonomia privada e do pacta sunt servanda. Precedentes desta Corte. Decisão reformada para reduzir o prazo para desocupação, nos moldes ajustados. AGRAVO PROVIDO. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2269263-77.2018.8.26.0000; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2019; Data de Registro: 07/01/2019)" Os julgados prestigiaram a aplicação do artigo 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. Por outro lado, recentemente, julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo vetou a possibilidade de celebração de negócio processual fixando-se verba de honorários de sucumbência, na medida em que tal ato seria privativo do magistrado: "EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Honorários advocatícios sucumbenciais - Arbitramento nos moldes do art. 827 do CPC - Impossibilidade de as partes convencionarem a fixação dessa verba e o exequente inclui-la no valor da execução - Atividade privativa do magistrado na fixação e conforme os parâmetros da lei adjetiva - Recurso improvido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2213606-53.2018.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2019; Data de Registro: 07/02/2019)". É certo que o Poder Judiciário ainda terá o desafio de consolidar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
Rogerio Mollica As alterações promovidas no cabimento do recurso de agravo de instrumento foram sem dúvida as que geraram mais controvérsias na doutrina e na jurisprudência. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao prever que a taxatividade quanto ao cabimento do agravo de instrumento seria mitigada e possível nos casos urgentes não previstos no artigo 1.015 do Código de Processo Civil1 não só não pacificou as questões quanto ao cabimento do Agravo, mas acabou gerando uma insegurança jurídica muito grande, pois o cabimento do Agravo de instrumento passou a ter um caráter subjetivo bastante importante. Tal insegurança jurídica acaba por criar um efeito contrário ao pretendido pelo CPC/2015 quanto a limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. De fato, na dúvida as partes acabam interpondo agravo de instrumento em face de quase todas as decisões interlocutórias e ao Judiciário cabe analisar se a decisão seria agravável em face da existência da urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação2. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça vem sendo instado a decidir se diversas decisões interlocutórias, não previstas no rol do artigo 1.015 do CPC, poderiam ser passíveis de agravo de instrumento. Recentemente, o STJ decidiu que a decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo por prejudicialidade em relação a outro feito3 não seria passível de Agravo de Instrumento: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE NO ART. 1.015, I, DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE. INSTITUTOS JURÍDICOS ONTOLOGICAMENTE DISTINTOS. AUSÊNCIA DE CAUTELARIDADE. INEXISTÊNCIA DE RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. SUSPENSÃO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA QUE NÃO SE FUNDA EM URGÊNCIA, MAS EM SEGURANÇA JURÍDICA E NO RISCO DE PROLAÇÃO DE DECISÕES CONFLITANTES. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO QUE DEPENDE DA CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA NA AÇÃO DE CONHECIMENTO AJUIZADA PELO EXECUTADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1- Recurso especial interposto em 29/05/2018 e atribuído à Relatora em 12/09/2018. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, se é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, I, do CPC/15. 3- Embora o conceito de "decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória" seja bastante amplo e abrangente, não se pode incluir nessa cláusula de cabimento do recurso de agravo de instrumento questões relacionadas a institutos jurídicos ontologicamente distintos, como a suspensão do processo por prejudicialidade externa. 4- Da existência de natural relação de prejudicialidade entre a ação de conhecimento em que se impugna a existência do título e a ação executiva fundada nesse mesmo não decorre a conclusão de que a suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa esteja fundada em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre essa matéria diz respeito à tutela de urgência, na medida em que o valor que se pretende tutelar nessa hipótese é a segurança jurídica, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes, sem, contudo, descuidar dos princípios constitucionais da celeridade e da razoável duração do processo. 5- Cabe ao executado, na ação de conhecimento por ele ajuizada, demonstrar a presença dos requisitos processuais para a concessão de tutela provisória que suste a produção de efeitos do título em que se funda a execução, sendo essa decisão interlocutória - a que conceder ou não a tutela provisória pretendida - que poderá ser impugnada pelo agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15. 6- Não se conhece do recurso especial interposto pela divergência jurisprudencial quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão paradigma e o acórdão recorrido. 7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido." (g.n.) (REsp 1759015/RS, Rel. ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/9/2019) Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça segue "legislando" ao decidir quais decisões interlocutórias poderiam ser agraváveis desde logo e quais não. Por fim, parece claro que no caso específico julgado pelo STJ, não sendo cabível a interposição do Agravo de Instrumento pela previsão do artigo 1.015, I, do CPC, seria possível a sua interposição pelo parágrafo único do referido dispositivo, eis que tratava-se de decisão interlocutória prolatada em execução. __________ 1 Tema Repetitivo nº 988: "O rol do artigo 1.015 do CPC/15 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação". (REsp 1.704.520/MT, REsp 1.696.396/MT)." 2 Esse também é o entendimento dos processualistas André Roque, Luiz Dellore e Zulmar Duarte em artigo publicado na edição de 05 de agosto de 2019 deste site Migalhas: "Há grande instabilidade e insegurança em relação ao cabimento do recurso de agravo, sendo que o principal risco é se reconhecer a preclusão da interlocutória caso o agravo de instrumento não seja interposto. Assim, na dúvida, para evitar riscos, diante de uma análise de que há alguma "urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", melhor que o profissional interponha o agravo de instrumento. Infelizmente, é o que se tem hoje". 3 Sobre o tema recomendasse a leitura da versão comercial da tese de livre docência do professor Paulo Henrique dos Santos Lucon: Relação entre demandas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016.
André Pagani de Souza O art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), reconhece a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso, algo que já era admitido em sede jurisprudencial antes da entrada em vigor desse novo diploma processual. Ao se desconsiderar a personalidade jurídica, as duas pessoas, que antes eram consideradas distintas, passam a ser tratadas como uma só para a finalidade de se estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações. Este tratamento destinado a considerar como uma só pessoa o devedor originário que teve sua personalidade desconsiderada e o seu integrante (seja ele seu sócio ou administrator, pessoa jurídica ou física) deve perdurar até o final do processo em que se operou a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa segue transcrita: "RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EFEITOS DA DECISÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO OFERECIDOS POR EX-ACIONISTA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TAXA APLICÁVEL. JULGAMENTO: CPC/73. 1. Embargos à execução opostos em 19/6/2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/8/2015 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016. 2. O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) os efeitos da desconsideração inversa da personalidade jurídica da recorrente para responder pelos honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em embargos à execução oferecidos por sua ex-acionista; (iii) o excesso de execução, especificamente quanto ao termo inicial de incidência dos juros de mora e a taxa aplicável. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73. 4. No que tange à natureza jurídica dos embargos à execução, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que se trata de ação incidental de conhecimento, que dá origem a um processo autônomo, embora conexo ao processo de execução. 5. Essa interdependência entre as demandas - execução e embargos à execução - implica que os efeitos da decisão por meio da qual se reconhece a existência de um grupo econômico e se determina a desconsideração inversa da personalidade jurídica, enquanto medida voltada à maximização da responsabilidade patrimonial do devedor para a satisfação do credor, perduram até a extinção do processo de execução, vigorando, inclusive, nos embargos a ele oferecidos incidentalmente. 6. Hipótese em que, consubstanciada a unidade econômica entre a interessada e a recorrente, apta a incluir a segunda no polo passivo da execução movida contra a primeira, passam a ser ambas tratadas como uma só pessoa jurídica devedora, até a entrega ao credor da prestação consubstanciada no título executado. 7. O fato de a recorrente não ter participado, formalmente, dos embargos à execução oferecidos pela interessada, não tem o condão de afastar sua responsabilidade patrimonial, enquanto integrante do mesmo grupo econômico. 8. O entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção é no sentido de que o termo inicial dos juros moratórios, na cobrança de honorários de sucumbência, é a data em que o executado é intimado para pagamento na fase de cumprimento da sentença, caso a obrigação não seja adimplida de forma voluntária, bem como de que, nessa hipótese, devem ser calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC. 9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1733403/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 29/08/2019)". Assim, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica, tanto a pessoa jurídica quanto aquela outra pessoa que foi atingida pela decisão de desconsideração, passam a ser consideradas uma só e passam a responder pelas obrigações uma da outra. Nessa linha de raciocínio, se uma apresentou embargos e a outra não, isso não importa para fins de condenação de ambas ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que a autonomia patrimonial delas foi ignorada de propósito por ordem judicial. Portanto, merece aplausos o acórdão acima transcrito do Superior Tribunal de Justiça, que bem aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no processo sob comento, aplicando os seus efeitos até o final do processo, inclusive no tocante à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios.
Daniel Penteado de Castro Uma das formas de transformar em dinheiro determinado bem móvel ou imóvel, no curso do processo de execução ou fase de cumprimento de sentença e, após concluída a respectiva avaliação, reside na alienação, a qual pode ser realizada judicialmente por meio de leilão. Em outras palavras, por vezes ao exequente não lhe interessará adjudicar o bem penhorado e, por outro lado, necessário se faz encontrar alguém disposto a adquirir referido bem judicialmente por meio de leilão, a depositar nos autos o valor do lance vencedor, observadas as regras previstas nos arts. 879 a 903 do CPC. Tal ato processual por vezes praticados por um terceiro contribui para a satisfação da tutela executiva ao dar liquidez a um bem que não interessaria ao credor adjudicar, tudo isso em procedimento coordenado pelo juízo que preside a execução. Assinado o auto de arrematação, será expedida carta de arrematação ao terceiro que, depositando em juízo o valor do lance vencedor e comissão do leiloeiro, tornar-se-á o novo proprietário de referido bem. Ocorre que, por vezes, não obstante a arrematação perfeita e acabada, (i) pode emergir controvérsia acerca de eventual nulidade do leilão em desrespeito ao procedimento previsto nos arts. 879 a 903 do CPC ou, ainda, (ii) o reconhecimento de nulidade anterior a tal procedimento e reconhecida posteriormente, a exemplo de nulidade de citação ou outros vícios processuais. Ainda, poderia ocorrer a situação de julgamento de procedência dos embargos do devedor com o intuito de extinguir a execução ou cumprimento de sentença, muito embora já ultimada a arrematação do bem expropriado em favor de um terceiro, que inclusive já havia depositado em juízo o valor de referido bem. O CPC/73 previa que assinado o auto de arrematação, esta tornar-se-á perfeita e acabada, ainda que julgados procedentes os embargos do devedor. Por sua vez, o CPC/2015, não obstante prever disposição semelhante (e desde que não provocado o juízo em dez dias após a arrematação ou suscitado vício inerente ao procedimento de leilão)1, foi além, para também assegurar a irretratabilidade da arrematação não obstante reconhecido, a posteriori, eventuais vícios aptos a invalidar a arrematação já consolidada. Com isso, não obstante emergir o reconhecimento de vício processual, tal ato não tem o condão de macular a arrematação, a prejudicar o arrematante, estranho a lide e que, tão-somente contribuiu para transformar determinado bem em dinheiro no seio da tutela executiva. O quadro abaixo bem elucida o comparativo do CPC/2015 com o regime previsto no CPC/73: Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.§ 1 o A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito:I - por vício de nulidade;II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art. 746, §§ 1 o e 2 o );V - quando realizada por preço vil (art. 692);VI - nos casos previstos neste Código (art. 698).§ 2 o No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.§ 1º Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:I - invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;II - considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804 ;III - resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.§ 2º O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1º, se for provocado em até 10 (dez) dias após o aperfeiçoamento da arrematação.§ 3º Passado o prazo previsto no § 2º sem que tenha havido alegação de qualquer das situações previstas no § 1º, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem de entrega ou mandado de imissão na posse.§ 4º Após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.§ 5º O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito:I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital;II - se, antes de expedida a carta de arrematação ou a ordem de entrega, o executado alegar alguma das situações previstas no § 1º ;III - uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, desde que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação.§ 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem.  De igual sorte, a inovação posta no CPC/2015 é reforçada pela doutrina, no sentido de se impedir o desfazimento de arrematação já consolidada (observadas as exceções postas acima) e, consequentemente, assegurar a preciosa segurança jurídica frente aos efeitos de um leilão consolidado e coordenado pelo Poder Judiciário: "O Novo Código de Processo Civil extinguiu, pois, a figura dos embargos de segunda fase (embargos à arrematação, alienação e adjudicação), previstos no art. 746 do CPC/73 e, no seu lugar, previu essa ação autônoma que, por expressa disposição do caput, mesmo que bem sucedida, não terá o condão de refletir no desfazimento da arrematação, alienação ou adjudicação. Nesse passo, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, não será mais admitida a discussão da arrematação, alienação ou adjudicação dentro do processo executivo. Eventual vício terá de ser arguido em ação autônoma. Trata-se de técnica que, a nosso ver, visa a conferir mais segurança e atratividade às formas de expropriação." (WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, grifos nossos) "O caput do art. 903 tem por escopo dar efetividade e segurança às hastas públicas, dispondo que 'assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos'. (...) Correta a posição do legislador porque ao Estado compete preservar a regularidade das alienações judiciais, não podendo o arrematante, em relação ao bem arrematado, ficar à mercê do resultado dos embargos do devedor ou pior, de interminável ação autônoma em que se pretende a invalidade da arrematação. Na verdade, ao licitante interessa adquirir o bem anunciado livre e desembaraçado, e dar-lhe a destinação econômica que lhe aprouver, não se tornar proprietário de um bem sub judice, objeto de processo judicial, de resultado incerto, e que ordinariamente envolve custos elevados. Na medida em que, às vezes, é inevitável que se instaure uma demanda acerca da arrematação, compete ao Estado, no mínimo, preservar a alienação judicial, resolvendo-se eventual direito reconhecido em reparação de danos. (...) depois de fluído o prazo de dez dias para impugnação (§ 2º), ou resolvidas conclusivamente as objeções suscitadas em tal prazo, entregue o bem (se móvel), ou imitido na posse o arrematante (se imóvel), e expedida a correspondente carta, é que a arrematação estará efetivamente concluída. Não obstante, o sossego do arrematante pode não terminar aí, porque o § 4º estabelece que 'após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário'. O resultado dessa ação, no entanto, não afetará a validade e eficácia da arrematação, que subsistirá incólume, ficando apenas assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos, como está na parte final do caput." (SANTOS, Silas Silva [et al.]. Comentários ao código de processo civil: perspectiva da magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 903/904, grifos nossos) "Com isso, se ao final dos embargos à execução for verificado que o título não era hábil a iniciar a execução, a arrematação já realizada é preservada, resolvendo-se a questão em perdas e danos." (BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil - volume 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 765, grifos nossos) "Ocorre que, em relação a quaisquer vícios que não sejam aqueles intrínsecos ao procedimento do leilão judicial, seu reconhecimento não autorizará o desfazimento da arrematação, como estabelece de forma explícita o art. 903, caput, restando ao interessado a indenização por perdas e danos, à semelhança do que se verifica para os casos de acolhimento superveniente da impugnação ao cumprimento de sentença e dos embargos do executado. Em síntese, portanto, quaisquer matérias não apreciadas com cognição exauriente na execução poderão ser veiculadas mediante ação autônoma, mas unicamente os vícios intrínsecos ao procedimento do leilão judicial (v. item 6, supra) autorizam o desfazimento excepcional da arrematação." (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. 1 ed., São Paulo: Método, 2017, p. 454, grifos nossos). "Uma vez assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, 'ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma' prevista no § 4º do art. 903, assegurando-se, contudo, 'a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos' (CPC, art. 903, caput). Ou seja, o executado que se sagrar vitorioso em processo de embargos à execução ou ação desconstitutiva ou anulatória do título executivo, ou ainda ação declaratória de inexistência de débito, não terá o direito de receber de volta o bem que foi expropriado, restando-lhe, porém, a prerrogativa de acionar o exequente pelos danos sofridos pela execução que injustamente recaiu sobre ele." (GIANNICO, Maurício. Comentários ao código de processo civil: volume XVIII. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 150, grifos nossos) E, a luz da inovação posta, o tratamento da questão pelo Poder Judiciário não foi diferente, a imprimir maior segurança ao terceiro de boa-fé, arrematante de bem em leilão judicial, de sorte a impedir seja este prejudicado por ulterior nulidade ou fato que macule o prosseguimento da perseguição do crédito pelo então exequente: "DESPESAS CONDOMINIAIS - NULIDADE DE ATO JUDICIAL - ARREMATAÇÃO - Terceiro imbuído de boa-fé - Desfazimento da venda judicial - Impossibilidade - Ofensa ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica - Sentença mantida - Recurso desprovido. (...) Com efeito, o respeito ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica do adquirente de boa-fé, se impõe, uma vez que o imóvel foi arrematado por terceiro de inequívoca boa-fé e proferida decisão convalidando a arrematação (fls. 189), determinando o respectivo registro na matrícula do bem e expedido o mandado de imissão de posse. Assim, não é admissível que uma venda realizada com autorização expressa do Poder Judiciário e por ele próprio levada a efeito (inclusive com força de permitir a averbação na matrícula do bem para que passe a constar o adquirente como efetivo proprietário da coisa), possa ser desfeita em manifesto prejuízo a terceiro de boa-fé. Se o autor, em tese, sofreu algum indevido prejuízo por ato que possa ser imputado ao condomínio-réu, cabe a ele, a esta altura dos acontecimentos, buscar seu ressarcimento apenas em face da credora, mediante a comprovação da existência de perdas e danos. Não se afigura razoável, para dizer o mínimo, que seja agora violada a segurança jurídica que naturalmente decorre da arrematação judicial, sendo inclusive a sua razão de ser, e, especialmente, prejudique-se a boa-fé que ampara o terceiro adquirente." (TJSP; Apelação Cível 1027502-50.2017.8.26.0405; Relator Des. Claudio Hamilton; 25ª Câmara de Direito Privado; j. 14/11/2018; grifos nossos) "Agravo de instrumento - Ação de execução de título extrajudicial - Insurgência em face de decisão que indeferiu pedido do agravante para cancelamento da arrematação havida nos autos (matrículas nºs 44.710 e 30.937), consignando que eventual discussão em relação à propriedade dos bens arrematados deveria se dar pela via extrajudicial - Improcedência do inconformismo - Pretensão de desconstituição da arrematação em razão de acordo celebrado entre as partes, posteriormente à assinatura do auto de arrematação - Impossibilidade - Cartas de arrematação expedidas e registradas junto ao CRI - Inexistência de vício do ato judicial - Arrematação perfeita e acabada (art. 903, CPC) e registrada na matrícula dos imóveis - Precedentes - Hipótese de manutenção decisão hostilizada - Recurso desprovido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2152044-43.2018.8.26.0000; Relator Des. Jacob Valente; 12ª Câmara de Direito Privado; j. 09/04/2019; grifos nossos) "Agravo de Instrumento. Ação de execução de titulo extrajudicial. Execução e penhora de imóvel da executada Maria José Ribeiro que faleceu no tramite da execução. Assinado o auto de carta de arrematação, considera-se perfeita, acabada e irretratável (art. 903 do CPC/2015). Eventual procedência dos embargos oferecidos pelo executado, ou de eventual ação autônoma prevista no § 4º do art. 903, não ensejará o desfazimento da arrematação, tendo o executado direito apenas a haver do exequente a reparação dos prejuízos sofridos. Recurso desprovido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2228546-57.2017.8.26.0000; Relator Des. Morais Pucci; 35ª Câmara de Direito Privado; j. 03/04/2019; grifos nossos) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial - Arrematação que se considera perfeita, acabada e irretratável com a assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma em que o arrematante figurará como litisconsorte necessário - Art. 903, caput e parágrafo 4º, do NCPC - Direito do arrematante de boa-fé que, a princípio, se encontra resguardado, ressalvada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos - Tributos, de outro lado, que se sub-rogam ao preço da arrematação, nos termos do art. 130, do CTN - Decisão que autorizou a expedição de mandado de levantamento ao Município mantida - Recurso improvido, revogado o efeito suspensivo." (TJSP; Agravo de Instrumento 2246266-37.2017.8.26.0000; Relator Des. Lígia Araújo Bisogni; 14ª Câmara de Direito Privado; j. 16/03/2018; grifos nossos) "ALIENAÇÃO DE COISA COMUM - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - CITAÇÃO EDITALÍCIA REGULAR - REGULARIDADE FORMAL DA CONTESTAÇÃO POR NEGATIVA GERAL APRESENTADA PELO CURADOR ESPECIAL EM FACE DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 341 DO CPC2015 - REALIZADA A ARREMATAÇÃO E LEVADA A REGISTRO A RESPECTIVA CARTA, DEVE SER CONSIDERADA PERFEITA, ACABADA E IRRETRATÁVEL - POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE EVENTUAIS PREJUÍZOS EM AÇÃO AUTÔNOMA (CPC, ART. 903, 'CAPUT' E § 4º) - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO." (TJSP; Agravo de Instrumento 2188094-05.2017.8.26.0000; Relator Des. Theodureto Camargo; 8ª Câmara de Direito Privado; j. 19/12/2017; grifos nossos) Os entendimentos acima corroboram as lições da doutrina e, por sua vez, imprimem maior segurança jurídica a arrematação judicial, a tornar mais atrativa referida prática (em verdade até um nicho de mercado para a aquisição de bens em leilão judicial em boas oportunidades e movimentador da economia). Não se nega a pretensão do devedor, prejudicado por uma execução infundada - e tornada nula após a arrematação - valer de seus direitos contra o açodamento do ato executivo praticado pelo exequente. Todavia, ao terceiro arrematante, alheio à lide e que somente adquiriu o bem judicialmente (mercê em procedimento de leilão coordenado pelo próprio Poder Judiciário), a este deve ser preservado os efeitos da arrematação e direito de propriedade pela qual depositou o respectivo valor em juízo ao sagrar-se vencedor no certame. __________ 1 A rigor do quanto previsto no § 2º, do art. 903 do CPC/2015. Caso o vício inerente ao procedimento de leilão não seja suscitado em dez dias após a arrematação, caberá a propositura da ação prevista no § 4º, do art. 903, do CPC/2015.
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em acórdão publicado em 10/9/2019, referente ao agravo interno na petição 11838/MS, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgou que o incidente de resolução de demandas repetitivas não pode ser instaurado diretamente na Corte Superior, salvo nas hipóteses de competência originária do próprio Superior Tribunal de Justiça. O acordão, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, bem determina que: "AGRAVO INTERNO EM PETIÇÃO. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). INSTITUTO AFETO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DE TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA (ESTADUAIS OU REGIONAIS FEDERAIS). INSTAURAÇÃO DIRETA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE RESTRITA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS (ART. 976 DO CPC). JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NÃO ULTRAPASSADO. NÃO CABIMENTO DA INSTAURAÇÃO DO INSTITUTO. 1. O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. 2. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC. 3. Quando a reclamação não ultrapassa o juízo de admissibilidade, não cabe a instauração do incidente de demandas repetitivas no Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo interno desprovido". E bem destacou o Ministro Relator que: "[...] conforme se extrai da exposição de motivos do novo CPC, [...] o novo instituto foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores, relativamente aos recursos repetitivos. A essa conclusão igualmente se pode chegar a partir de uma interpretação sistemática do sistema de precedentes normatizado na novel legislação e dos dispositivos que regulamentam o IRDR". "Uma vez no exercício de competência originária [...] ou competência recursal ordinária [...], é possível que o STJ se depare com situações semelhantes àquelas que justificam, no âmbito dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica". "[...] o IRDR possui natureza de incidente processual, como seu próprio nome revela. Não se trata de ação originária, até porque não pode o legislador comum criar competências originárias para os tribunais, as quais estão previstas na Constituição Federal no caso dos tribunais superiores e tribunais regionais federais e, nas constituições estaduais, no caso dos tribunais de justiça. Assim, sua instauração requer a existência de demanda em curso no tribunal para que nela possa incidir". "A essa conclusão se chega também por força do que dispõe o parágrafo único do art. 978 do CPC, ao atribuir ao órgão colegiado incumbido de julgar o incidente competência para julgar igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente." Mas, afinal, o que é e qual é a importância do IRDR? O artigo 976 do CPC/15 disciplina que é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, cumulativamente, existirem repetitivos processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão única de direito e houver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Cassio Scarpinella Bueno1 doutrina que "o instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal competente para julgá-lo. Pode até ocorrer de haver recurso especial e/ou extraordinário para o STJ e/ou para o STF, respectivamente, viabilizando que o mérito do incidente alcance todo o território nacional". O mesmo professor ainda elucida que "O dispositivo evidencia que o objetivo do novel instituto é o de obter decisões iguais para casos (predominantemente) iguais. Não é por acaso, aliás, que o incidente é considerado, pelo inciso I do art. 928, como hipótese de julgamento de casos repetitivos. O incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança jurídica, papel próximo (e complementar) ao dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II). Não é por acaso, também, o destaque que a ele dá o inciso III do art. 927, que dispensa a menção aos diversos casos em que, naquele contexto, o incidente é referido ao longo de todo o CPC de 2015"2. Quanto aos requisitos para a instauração do incidente, Teresa Arruda Alvim3 ministra que: "Então, questões ditas de direito, quaestio juris, são predominantemente de direito. São aquelas em que não há discussão sobre os fatos porque, por exemplo, são comprováveis documentalmente. Ou, ainda, são aquelas situações em que os fatos já estão comprovados por várias espécies de provas e, não havendo dúvidas sobre o que ocorreu, e sobre como ocorreu, discute-se apenas sua qualificação jurídica... A nova lei exige que haja efetiva repetição de processos e não mera potencialidade de que os processos se multipliquem. Parece, todavia, que os objetivos do instituto ficariam inteiramente frustrados, se se exigisse, para a instauração do incidente, que já se tivesse instalado o caos na jurisprudência de primeiro grau, com milhares de sentenças resolvendo de modos diferentes a mesma questão de direito. Não. Se a lei exige que já haja processos "repetidos" em curso, é razoável que se entenda que bastem duas ou três dezenas, antevendo-se a inexorabilidade de a multiplicação destas ações passarem a ser muito maior". Conforme previsto no parágrafo quarto do artigo 976 do CPC/15, o incidente de resolução de demandas repetitivas é incabível quando um dos tribunais superiores, dentro de sua competência, já houver determinado a afetação de recurso para definição de tese quanto à matéria repetitiva. Caso o incidente de resolução de demandas repetitivas não seja admitido por ausência dos requisitos previstos no artigo 976 do CPC/15, é certo que, nos termos do parágrafo terceiro deste mesmo artigo, desde que os requisitos sejam futuramente preenchidos, o incidente poderá ser suscitado novamente. No âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas, o Ministério Público, quando não for o requerente, deve intervir de forma obrigatória no incidente e assumir sua titularidade em caso de desistência ou abandono por parte de quem o suscitou originalmente. De acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 976 do CPC/15, uma vez admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, o seu exame de mérito passar a ser o grande objetivo do julgador, de modo que a desistência ou abandono do processo que o originou não impede o almejado exame de mérito do incidente. Teresa Arruda Alvim4 ressalta que: "Existe evidente interesse público na criação e no bom funcionamento do instituto, que é capaz de gerar segurança jurídica e melhorar consideravelmente a performance do judiciário, poupando magistrados da verdadeira burocracia que é ter que decidir milhares de processos iguais. Por isto, este dispositivo diz que, mesmo se houver desistência ou abandono da causa no bojo da qual o incidente foi instaurado, o mérito do incidente deve ser decidido". Conforme prevê o artigo 977 do CPC/15, o pedido de instauração do incidente deve ser dirigido ao presidente do tribunal, sendo que tal pedido será feito por oficio quando realizado pelo juiz ou relator; e por petição, quando realizado pelas partes, pelo ministério público ou pela defensoria. O ofício ou a petição devem ser instruídos com todos os documentos necessários para demonstrar que estão presentes os requisitos para a instauração do incidente; sendo certo, ainda, que o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas caberá ao órgão competente do tribunal, de acordo com o seu regimento interno, para apreciar questões de uniformização de jurisprudência. De acordo com o parágrafo único do artigo 978 do CPC/15, o órgão colegiado que será designado para julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas, e fixar a respectiva tese jurídica, também deverá julgar igualmente o recurso, a remessa necessária, ou o processo de competência originária do qual se originou o incidente. O artigo 979 do CPC/15 preocupa-se com a publicidade da instauração e do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário. É orientação legal que o Conselho Nacional de Justiça providencie cadastro com a mais ampla e específica divulgação de informações quanto à tese objeto da instauração e do julgamento do incidente, dos recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário, devendo os tribunais manter banco eletrônico de dados atualizados e que possam ser enviados para fins de cadastro junto ao Conselho Nacional de Justiça. O artigo 980 do CPC/15 dispõe que o incidente deve ser julgado no prazo de até 1 (um) ano, sendo que apenas não terá preferência de julgamento em relação ao casos que envolvam réu preso e os habeas corpus. Caso o prazo de que trata o artigo 980 do CPC/15 não seja observado, o parágrafo único do mesmo artigo prevê que cessa a suspensão do trâmite dos processos que haviam sido sobrestados em razão do incidente, salvo se o relator, em decisão fundamentada, determinar de forma diversa. Teresa Arruda Alvim5 enfatiza que: "Não sendo julgado o incidente dentro deste prazo, voltam a tramitar os processos cujo curso tenha sido suspenso pelo relator, de acordo com o artigo seguinte. Esta suspensão pode permanecer, se houver decisão do relator neste sentido, evidentemente, fundamentada. Como todo prazo impróprio, seu descumprimento não gera consequências de ordem processual. No entanto, evidentemente, deve ser respeitado, principalmente num caso como este: a decisão do incidente abrangerá uma multiplicidade de processos cujo trâmite está suspenso. A demora no julgamento ofende, neste caso, escancaradamente a garantia da razoável duração do processo". Uma vez admitido o incidente, o relator determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no mesmo estado ou região dentro do âmbito de competência do tribunal. Além disso, o relator pode requisitar informações aos órgãos em cujos juízos tramitam processos referentes ao objeto do incidente, informações estas que devem ser disponibilizadas em até 15 (quinze) dias. O relator ainda deve intimar o ministério público para se manifestar em até 15 (quinze) dias. Nos termos do artigo 982, parágrafo segundo, do CPC/15, durante a suspensão de que trata o artigo 982, I, do CPC/15, a parte deve apresentar o pedido de tutela provisória de urgência perante o juízo no qual tramita o processo com trâmite sobrestado em razão do incidente. O artigo 982, parágrafos terceiro e quarto, do CPC/15, cuidam da possibilidade de qualquer um dos legitimados mencionados no artigo 977 do CPC/15 requererem ao tribunal superior, competente para a apreciação de futuro recurso especial ou extraordinário, que a suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 seja estendida a todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional, desde que versem sobre a mesma questão objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas suscitado, admitido e ainda pendente de julgamento por tribunal a quo. Independentemente dos limites de competência do tribunal no qual tramita o incidente de resolução de demandas repetitivas, o pedido de que trata o parágrafo terceiro do artigo 982 do CPC/15 pode ser apresentado por qualquer parte de processo em curso dentro do território nacional e no qual se debata a mesma questão de direito objeto de incidente já instaurado. O objetivo real dos parágrafos terceiros e quarto do artigo 982 do CPC/15 é possibilitar a ampliação dos efeitos da suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 a todos os processos individuais ou coletivos, no âmbito nacional, que tenham a mesma questão de direito objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado. Teresa Arruda Alvim6 observa que: "Identificando a segurança jurídica como um dos seus aspectos, aquele que se liga à previsibilidade, diz este dispositivo que aqueles que podem pedir para que o incidente seja instaurado - partes, MP, defensoria, juiz ou relator, podem pedir ao STJ ou ao STF, antes que o recurso especial ou extraordinário seja interposto, que todos os processos individuais ou coletivos, que estejam em curso no território nacional, sejam suspensos. Esta suspensão cessa, diz o parágrafo seguinte, se não for interposto recurso especial ou extraordinário. Se o relator não tem outra escolha, se não a de mandar suspender todos os processos que estejam tramitando na esfera de sua competência, já que esta é uma consequência natural do juízo de admissibilidade positivo do pedido de instauração do incidente de julgamento de demandas repetitivas, aqui, parece que as coisas se passam diferentemente. Este pedido não é automaticamente deferido pelo STF ou STF: deve-se avaliar se suspender todos os processos que estejam tramitando no país contribui, no caso concreto, para a realização do valor segurança jurídica. Fatores que podem ser levados em conta são: o número não tão expressivo de ações e, também, ter-se revelado tendência a que se decida predominantemente num certo sentido. Não sendo interpostos recurso especial ou extraordinário, voltam os processos, cujo trâmite for suspenso, a correr normalmente". O artigo 983 do CPC/15 prevê que o relator ouvirá as partes e os interessados na questão objeto do incidente suscitado, os quais terão o prazo de até 15 (quinze) dias para requerer a juntada de documentos e das diligências necessárias para o julgamento do incidente. Em seguida, o Ministério Público pode se manifestar no mesmo prazo de até 15 (quinze) dias. Para ter uma instrução mais completa do incidente, o relator pode se valer de audiência pública, com a oitiva de pessoas com experiência e conhecimento na matéria objeto do incidente. O amicus curiae é perfeitamente admitido no incidente de resolução de demandas repetitivas. Nos termos do parágrafo terceiro do artigo 138 do CPC/15, o amicus curiae pode, inclusive, apresentar recurso contra a decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. Cassio Scarpinella Bueno7 doutrina que "o dispositivo menciona que os outros interessados podem ser pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, o que traz à tona a figura do amicus curiae generalizada pelo art. 138. O interesse na manifestação em tais casos, importa destacar, é necessariamente o institucional e, portanto, inconfundível com o usual interesse jurídico que caracteriza as demais modalidades de intervenção de terceiro, tradicionais e novas, disciplinadas pelo CPC de 2015...Entendo que essas audiências públicas e a oitiva do amicus curiae merecem ser tratadas como as duas faces da mesma moeda, isto é, como técnicas que permitem a democratização (e, consequentemente, a legitimação) das decisões jurisdicionais tomadas em casos que, por definição, tendem a atingir uma infinidade de pessoas que não necessariamente far-se-ão representar pessoal e diretamente no processo em que será fixada a interpretação da questão jurídica. A audiência pública, esta é a verdade, é um local apropriado para que a participação do amicus curiae seja efetivada". Após a instrução, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. Uma vez julgado o incidente, nos termos do artigo 985 do CPC/15, a tese jurídica deve ser aplicada a todos os processos individuais ou coletivos, presentes e futuros, que versam sobre a mesma questão de direito e que estejam na área de jurisdição do tribunal, sendo que os processos que tramitam nos juizados especiais também deverão ser atingidos. Caso não seja observada a tese fixada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, caberá, inclusive, reclamação, conforme previsto nos artigos 985, parágrafo primeiro, e 988, IV, do CPC/15. O julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas pode ser objeto de recurso especial e extraordinário, nos termos do artigo 987 do CPC/15. Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 987 do CPC/15, o(s) recurso especial e/ou recurso extraordinário terá (ão) efeito suspensivo, além de presumir-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente referente à tese jurídica objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas. Uma vez julgado o recurso especial e/ou o recurso extraordinário, a tese jurídica fixada em sede de tribunal superior, nos termos do artigo 987 do CPC/15, deverá ser aplicada, no território nacional, em todos os processos individuais ou coletivos que versam sobre idêntica questão de direito. Conforme prevê o artigo 986 do CPC/15, é possível a revisão da tese jurídica firmada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, em procedimento a ser instaurado perante o mesmo tribunal, a pedido dos legitimados do artigo 977, III, do CPC/15 ou por iniciativa do próprio tribunal. __________ 1 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 635. 2 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 637. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1552. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1553. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1558. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1562. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 644.
Rogerio Mollica Um dos artigos mais comentado e estudado do Código de Processo Civil de 2015 é o artigo 139, IV, que prevê a possibilidade de adoção de medidas coercitivas atípicas. A doutrina, em sua maioria, defende a aplicação de tais medidas. Por todos, cita-se o professor Olavo de Oliveira Neto, que em recentíssima e prestigiada obra sobre o tema defende a possibilidade da apreensão de passaporte e da carteira de habilitação1. As medidas coercitivas atípicas vêm sendo bastante concedidas em primeira instância, entretanto, os Tribunais, com destaque para o Tribunal de Justiça de São Paulo2 e o Superior Tribunal de Justiça, vêm sistematicamente restringindo tais medidas. Uma dúvida que surge é se tais medidas poderiam ser requeridas pelos Entes Públicos em Execuções Fiscais. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem constantemente indeferindo o pedido de apreensão de Passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação em face de devedores em Executivos Fiscais, eis que tais medidas não guardariam pertinência com a cobrança dos débitos: "EXECUÇÃO FISCAL - Medidas coercitivas para satisfação de dívida tributária - Art. 139, inciso IV do NCPC - Insurgência contra a decisão do Juízo que deferiu as providências requeridas pela exequente - Pretensão de bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação, cancelamento de passaporte e inscrição do nome do devedor no SERASAJUD - Cabimento apenas desta última - Demais medidas que, sobre não se revelarem úteis à satisfação do débito, atentam contra os dizeres das Súmulas nºs 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal - Recurso provido em parte."(TJSP; Agravo de Instrumento 2138322-05.2019.8.26.0000; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Artur Nogueira - Vara Única; Data do Julgamento: 26/09/2019; Data de Registro: 26/09/2019) Entretanto, em recentíssima decisão o Superior Tribunal de Justiça afastou peremptoriamente a possibilidade da aplicação das medidas coercitivas atípicas do artigo 139, IV, do CPC nas Execuções Fiscais, eis que os Entes Públicos já gozam de muitos privilégios na cobrança dos seus créditos via executivos fiscais, conforme se extraí do seguinte trecho do voto: "(...) 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13.Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14.Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15.Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16.Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). (...)" (HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019) Desse modo não podem os Entes Públicos se valerem das medidas coercitivas atípicas para o recebimento de seus créditos, via executivos fiscais, que como é notório, não têm se mostrado efetivos na satisfação dos créditos públicos. __________ 1 Para o professor em sua obra O Poder Geral de Coerção (São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2019): "A medida coercitiva de apreensão do passaporte não atinge ao direito fundamental de liberdade de seu destinatário, mas apenas opera uma limitação quanto a sua livre circulação e mesmo assim em casos especialíssimos. Diante da ausência de regra infraconstitucional proibitiva da sua concessão, não há óbice para que o juiz a decrete com fulcro no Poder Geral de Coerção que lhe confere o art. 139, IV, do CPC. Mesmo para os que entendem que limitar a livre circulação implica em limitar a liberdade, não há como vedar ao magistrado a possibilidade de concedê-la com fulcro no Poder Geral de Coerção, uma vez que se trata de medida coercitiva cuja aplicação se limita a casos excepcionais, nos quais a conduta improba do seu destinatário faz com que o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional prevaleça sobre o direito fundamental à liberdade". (p. 318/319). Prossegue o professor: "Apreensão de carteira de habilitação é medida altamente recomendável porque exerce uma eficácia coercitiva naturalmente "seletiva", já que deixa de produzir efeitos concretos com relação ao devedor desafortunado e que não age de má-fé, mas alcança com força o devedor que age de má-fé e àqueles que deixam de cumprir uma determinação judicial". (p. 139). 2 Fernando da Fonseca Gajardoni e Augusto Martins Pereira analisaram 137 acórdãos do TJSP prolatados em 2017 e em 123 (89,79%) não foi permitida a aplicação de nenhuma das três modalidades mais conhecidas de medidas coercitivas atípicas (suspensão da CNH, apreensão de passaportes e bloqueio/cancelamento de cartão de crédito). ("Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJ/SP", in Reflexões sobre o Código de Processo Civil de 2015: uma contribuição dos membros do Centro de Estudos Avançados de Processo - Ceapro, São Paulo: Verbatim, 2018, p. 290).