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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Texto de autoria de Rogerio Mollica A comprovação do feriado local é uma das muitas armadilhas que vêm sendo armadas pelos Tribunais para a eliminação imediata de recursos. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de três artigos nessa coluna1. Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local2 e do Enunciado nº 663 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento restou vencido no Superior Tribunal de Justiça. No final de 2019 acreditava-se que a novela sobre a possibilidade ou não da comprovação posterior do feriado local estaria acabada, eis que foi exarado o seguinte acórdão pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. NECESSIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. 1. O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003 que "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso". A interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art. 932 do mesmo Código. 2. Assim, sob a vigência do CPC/2015, é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no ato de interposição do recurso. 3. Não se pode ignorar, todavia, o elastecido período em que vigorou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, o entendimento de que seria possível a comprovação posterior do feriado local, de modo que não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal, sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados. 4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais, como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais. 5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do CPC/2015. 6. No caso concreto, compulsando os autos, observa-se que, conforme documentação colacionada à fl. 918, os recorrentes, no âmbito do agravo interno, comprovaram a ocorrência de feriado local no dia 27/2/2017, segunda-feira de carnaval, motivo pelo qual, tendo o prazo recursal se iniciado em 15/2/2017 (quarta-feira), o recurso especial interposto em 9/3/2017 (quinta-feira) deve ser considerado tempestivo. 7. Recurso especial conhecido." (g.n.) (REsp 1813684/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2019, DJe 18/11/2019) Como se vê, restou pacificado o entendimento quanto a necessidade da prévia comprovação do feriado local, entretanto, modulou-se o julgado para que a exigência de tal comprovação só fosse requerida para os recursos interpostos a partir de 18/11/2019 (data da publicação do acórdão), conforme se extrai dos trechos grifados do referido julgado. Não tendo as partes recorrido do referido acórdão, para surpresa geral, no início do ano judiciário de 2.020, mais precisamente no dia 03/02/2.020, a novela ganhou mais um capítulo, eis que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por 7X3, decidiu: "A Corte Especial, por maioria, rejeitou a preliminar suscitada pelo Sr. Ministro Luis Felipe Salomão de não cabimento da questão de ordem e, ainda, por maioria, acolheu a questão de ordem para reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Portanto, como ocorre em toda boa novela, quando se esperava que a questão estivesse terminada, tivemos uma grande reviravolta, eis que agora restou decidido que a modulação só abrangeria os recursos que versassem sobre o feriado da segunda-feira de carnaval. Desse modo, todos os outros recursos abrangendo outro feriado local poderiam voltar a ser eliminados. Com isso, "os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito", que serviram de balizamento para a concessão da modulação restaram afastados para todos os outros feriados locais e mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça acaba se afastando da linha mestra do Código de Processo Civil de 2015, que é a remoção de obstáculos para o julgamento do mérito. Portanto, essa novela está longe de se encerrar, eis que agora a Corte Especial do STJ será instada a se manifestar se a modulação poderia ocorrer sobre cada um dos inúmeros feriados locais, eis que a fundamentação para a modulação para o feriado na segunda-feira de carnaval é o mesmo para a modulação quanto ao feriado de Corpus Christi, ao feriado do Dia do Servidor Público e a todo e qualquer feriado local. __________ 1 Colunas de 6/7/2017 e 25/10/2018 de minha autoria e de 16/8/2018 de autoria do professor André Pagani de Souza. 2 Neste sentido: Luis Guilherme Aidar Bondioli (Comentários ao Código de Processo Civil - arts. 994 a 1.044, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 68); Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.654); Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo, RT, 2016, p. 1063); Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 4, São Paulo: saraiva, 2017, p. 377). 3 Enunciado nº 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC".
André Pagani de Souza Como se sabe, o art. 976 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) quando houver, simultaneamente: "I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica". O art. 977, do CPC/2015, por sua vez, determina que o pedido de instauração deve ser dirigido ao presidente do Tribunal, sendo que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo Regimento Interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização da jurisprudência do Tribunal. Nos termos do art. 981 do referido diploma legal, após a distribuição do IRDR ao órgão competente para julgar o incidente, deverá ser realizado o seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976 acima mencionados ("I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica"). Caso o órgão competente para julgar o IRDR não vislumbre a presença dos dois requisitos acima mencionados, que devem estar presentes simultaneamente, nos termos do caput do art. 976 do CPC/2015, tal incidente não deve ser admitido. Questão de extrema relevância para o operador do direito é saber se tal decisão - a que não admite a instauração do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos necessários - é recorrível ou não. A resposta para tal pergunta não é fácil porque o CPC/2015 não oferece uma solução clara e direta para a questão, conforme se verá adiante. Um indício de que não caberia recurso desta decisão de inadmissão do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos legais está no § 3º do art. 976 do CPC/2015 que preceitua o seguinte: "§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado". Em outras palavras, a lei processual prescreve que a não admissão do IRDR não impede que o incidente seja novamente suscitado se, posteriormente, houver o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade. Outro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR pelo não preenchimento dos pressupostos legais é o comando do art. 987 do CPC/2015, pois ele prevê o cabimento de recurso especial ou extraordinário apenas da decisão que julga o mérito do incidente. Nessa linha de raciocínio, não caberia recurso da decisão que deixa de apreciar o mérito do IRDR. Somente a decisão que aprecia o mérito do incidente seria recorrível, nos termos do art. 987 do CPC/2015. Um terceiro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR está na própria Constituição Federal que, no inciso III dos artigos 102 e 105 estabelece que cabem recurso extraordinário e recurso especial, respectivamente, das causas decididas. Assim, se o mérito do IRDR não é objeto de decisão, também não caberia recurso especial ou extraordinário da decisão que não admite o incidente, exatamente porque não haveria "causa decidida". Nesse sentido manifestou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.631.846/DF, ao afirmar que, nas palavras da relatora Min. Nancy Andrighi: "Não há que se falar em causa decidida, que pressupõe a presença do caráter de definitividade do exame da questão litigiosa, se o próprio legislador previu, expressamente, a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido". Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão acima mencionado: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE INADMITE A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE. RECORRIBILIDADE AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR QUANDO SATISFEITO O REQUISITO AUSENTE POR OCASIÃO DO PRIMEIRO PEDIDO, SEM PRECLUSÃO. RECORRIBILIDADE AO STJ OU AO STF PREVISTA, ADEMAIS, SOMENTE PARA O ACÓRDÃO QUE JULGAR O MÉRITO DO INCIDENTE, MAS NÃO PARA O ACÓRDÃO QUE INADMITE O INCIDENTE. DE CAUSA DECIDIDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO. 1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) preliminarmente, se é cabível recurso especial do acórdão que inadmite a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR; (ii) se porventura superada a preliminar, se a instauração do IRDR tem como pressuposto obrigatório a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal. 2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15. 3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR. 4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido. 5- Recurso especial não conhecido" (STJ, 3ª Turma, REsp 1.631.846/DF, relatora para acórdão Min. Nancy Andrighi, não conheceram do recurso por maioria de votos, j. 05.11.2019). No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu que não deveria ser admitida a instauração de IRDR por não estar configurado o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade (I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica). Mais especificamente, o TJDFT entendeu que não havia no âmbito do Tribunal recurso pendente de julgamento sobre a mesma questão unicamente de direito. Por isso, não admitiu a instauração de IRDR. Enfim, trata-se de uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tomada por maioria de votos. Isto quer dizer, portanto, que ainda estamos longe de ter uma interpretação consolidada e uniformizada dos artigos 976 e seguintes do CPC/2015 que tratam do IRDR. Por ora, a decisão que prevaleceu no âmbito da Terceira Turma do STJ é a de que não cabe recurso especial contra acórdão que trata apenas da admissibilidade de IRDR.
Daniel Penteado de Castro O art. 530 do CPC/73 previa como recurso em espécie os chamados embargos infringentes, que operava como meio de impugnação cabível "(...) quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória". O cabimento de referido desafiava as hipóteses, portanto, contra (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. A despeito do CPC/2015 haver extirpado o cabimento de referido recurso, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, convocando-se outros dois julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever sus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Ainda, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime (diferentemente do regime anterior, reservado ao resultado não unânime de reforma da sentença), porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. E conforme já pudemos concluir noutra oportunidade1, extrai-se da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito2), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada3. E, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o quanto previsto no caput, do art. 942, de sorte que, basta o resultado do julgamento da apelalação por maioria de votos (sendo indiferente a não unanimidade quanto ao a votação ligada a reforma, manutenção da sentença ou até o exame de questões processuais ou ligadas a admissibilidade do recurso): "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. ART. 942, CAPUT, DO CPC. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DE QUESTÃO PRELIMINAR. APELAÇÃO ADESIVA. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1. Ação de indenização ajuizada contra os recorrentes visando à reparação de danos morais. 2. Controvérsia em torno da necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, na hipótese em que não há unanimidade no juízo de admissibilidade recursal. 3. Proclamado o resultado do julgamento das apelações no dia 9/6/2016, não há dúvidas acerca da incidência das normas insertas no Código de Processo Civil de 2015. 4. Consoante entendimento de ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção do STJ, diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença. 5. O art. 942 do CPC não determina a ampliação do julgamento apenas em relação às questões de mérito. 6. Na apelação, a técnica de ampliação do colegiado deve ser aplicada a qualquer julgamento não unânime, incluindo as questões preliminares relativas ao juízo de admissibilidade do recurso. 7. No caso, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum da sessão realizada no dia 9/6/2016, diante da ausência de unanimidade com relação à preliminar de não conhecimento da apelação interposta de forma adesiva pelo autor, inobservou o enunciado normativo inserto no art. 942 do CPC, sendo de rigor declarar a nulidade por "error in procedendo". 8. Ainda que a preliminar acolhida pelo voto minoritário careça de previsão legal, inviável ao Superior Tribunal de Justiça sanar a nulidade apontada, pois o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime quanto à preliminar. 9. Uma vez ampliado o colegiado, os novos julgadores convocados não ficam adstritos aos capítulos em torno dos quais se estabeleceu a divergência, competindo-lhes também a apreciação da integralidade das apelações. 10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA QUE SEJA CONVOCADA NOVA SESSÃO PARA PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO. (STJ, REsp 1.798.705-SC, Terceira Turma, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 22.10.2019, grifou-se). As razões do voto condutor deixam clara a mudança de regime se comparado aos chamados embargos infringentes, previsto no CPC/73: "(...) Registro, em primeiro lugar, que não há dúvidas quanto à incidência das regras insertas no Código de Processo Civil de 2015 ao presente caso, pois a proclamação do resultado do julgamento das apelações ocorreu no dia 9/6/2016. Em segundo lugar, consoante precedentes desta Corte, o fundamento utilizado pelo Tribunal de origem de que "a nova sistemática [do art. 942 do CPC] somente será cabível em caso de julgamento não unânime de apelação que reformar sentença de mérito" não merece prosperar. Com efeito, ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção do STJ já tiveram a oportunidade de afirmar que a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença, conforme decidiu o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração. (...) (REsp 1762236/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 15/03/2019) (...) (REsp 1.733.820/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 10/12/2018) Afastado esse fundamento, cumpre examinar a necessidade de observância da sistemática do art. 942 do CPC na hipótese em que não houve unanimidade quanto à preliminar de admissibilidade da apelação adesiva. Em sede doutrinária, é possível verificar a existência de inúmeras manifestações a respeito do tema. Alexandre Freitas Câmara, em artigo intitulado "A ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes" (Revista de Processo. vol. 282. Ano 43. p. 251-266. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018), elucida a questão da seguinte forma: Estabelece o art. 942 do CPC que [q]uando o resultado da apelação não for unanime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado à partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. Trata-se, aqui, de uma técnica de julgamento a ser aplicada naqueles casos em que a apelação - recurso que via de regra é julgado por uma turma composta de três magistrados, na forma do art. 941, § 2º, do CPC - será julgada por um colegiado maior, formado por cinco juízes. É que só assim se terá, após a constatação da existência da divergência entre os votos dos três magistrados que compõem a turma julgadora original, o acréscimo ao colegiado de julgadores "em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial". Não interessa, aqui, qual é a divergência que surja entre os integrantes da turma julgadora. Pode tratar-se de divergência manifestada no juízo de admissibilidade (por exemplo, se a apelação é ou não tempestiva) ou no juízo de mérito (quanto a se dar ou negar provimento ao recurso, por exemplo). Também não importa qual o resultado que prevaleceria se o julgamento se concluísse nos termos do voto predominante (se o recurso seria ou não conhecido; se a ele se daria provimento - total ou parcialmente - ou se seria o caso de lhe negar provimento). Tampouco importa se a divergência se deu a respeito de questão suscitada por alguma das partes ou apreciada de ofício por provocação do relator ou de outro integrante da turma julgadora. Seja qual for a divergência, será caso de ampliar-se o colegiado a quem incumbe julgar a apelação. Constatada a divergência, deve-se imediatamente determinar a ampliação do colegiado. Não se prossegue no julgamento com os três integrantes originais da turma julgadora nem se proclama resultado (mesmo porque, como facilmente se percebe, o julgamento ainda não acabou). A apelação, insista-se nesse ponto, ainda não está julgada quando se constata a divergência (ainda que esta se manifeste em um capítulo acessório do julgamento, como seria o caso de haver divergência sobre qual deve ser a majoração dos honorários nas hipóteses em que deve haver a fixação da assim chamada sucumbência recursal). Uma vez ampliado o colegiado, todos os cinco magistrados que o integram votam em todas as questões a serem conhecidas no julgamento da apelação. A atuação dos dois novos integrantes da turma julgadora não é limitada à matéria objeto da divergência (afinal, não se está aqui diante dos velhos embargos infringentes, estes sim limitados à matéria objeto da divergência). Devem eles, inclusive, pronunciar-se sobre matérias que já estavam votadas de forma unânime. Assim, por exemplo, se o colegiado (formado por três juizes) havia, por unanimidade, conhecido da apelação, e por maioria lhe dava provimento, os dois novos integrantes do colegiado devem se manifestar também sobre a admissibilidade do recurso. E nem se diga que essa questão já estaria superada, preclusa, pois a lei é expressa em estabelecer que os votos podem ser modificados até a proclamação do resultado (CPC, art. 941, § Io), o que permite afirmar, com absoluta segurança, que o julgamento ainda não se havia encerrado. E pode acontecer de os magistrados que compunham a turma julgadora original, depois da manifestação dos novos integrantes do colegiado, convencerem-se de que seus votos originariamente apresentados estavam equivocados, sendo-lhes expressamente autorizado que modifiquem seus votos (art. 942, § 2o). Do mesmo modo, tendo os novos julgadores proferido voto acerca da questão a cujo respeito havia sido instalada a divergência, e havendo outras questões, posteriores, a enfrentar, estas serão apreciadas e resolvidas por um colegiado já ampliado. Pense-se, por exemplo, em ter havido divergência acerca de uma preliminar de mérito, como é a prescrição (em processos nos quais se pretende a cobrança da dívida). Ampliado o colegiado e rejeitada a arguição de prescrição, deverá ser apreciado o restante do mérito do processo, o que se dará com a participação de cinco magistrados (e não só dos três originais). É que a divergência (seja ela qual for) implica a necessidade de ampliação do colegiado, fazendo com que a apelação (e não só a matéria divergente) tenha de ser julgada por um colegiado ampliado, fazendo-se necessária a participação de cinco magistrados (grifos acrescentados). (...) A necessidade de observância da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC no caso concreto é inescapável. Com efeito, o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador e deve ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime quanto à preliminar. Logo, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum da sessão realizada no dia 9/6/2016, diante da ausência de unanimidade com relação à preliminar de não conhecimento da apelação interposta de forma adesiva pelo autor, inobservou o enunciado normativo inserto no art. 942 do CPC, sendo de rigor declarar a nulidade desse julgamento por error in procedendo. (...)" (STJ, REsp 1.798.705-SC, Terceira Turma, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 22.10.2019, grifou-se). Da conclusão do julgado acima, extrai-se que (i) o art. 942 do CPC tem aptidão para permitir, no julgamento do recurso de apelação, a participação de novos julgadores (independentemente da não unanimidade dizer respeito ao mérito da demanda ou ao exame de outras questões processuais) e, (ii) os desembargadores convocados a integrar a votação também poderão examinar e votar em questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta. A margem do entendimento acima, uma dúvida ainda remanesce: referido entendimento há de se aplicar restritivamente ao julgamento, não unânime, do recurso de apelação ou, também reverberado quando do julgamento não unânime, da ação rescisória e agravo de instrumento tirado de decisão de julgamento parcial de mérito4? __________ 1 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 2 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 3 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 4  A dúvida é pertinente, dadas as limitações trazidas no art. 942, § 3º, I, e II, que restringem a aplicação da técnica do julgamento estendido na ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença e, ao agravo de instrumento que julga parcialmente o mérito (hipótese do art. 356, do CPC/2015), reservado a reforma da decisão: "Art. 942. (...) § 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito." Para Araken de Assis: "É descabido invocar o art. 942, § 3.°, II, para restringir o cabimento da ampliação do quórum da deliberação na apelação. Essa regra abrange unicamente o agravo de instrumento. Em tal caso, o recurso há de versar o mérito (art. 1.015, II) e logo acodem os exemplos dos arts. 354, parágrafo único, e 356, § 5.°, e pressupõe a reforma da decisão agravada. Entretanto, a exigência, compreensível perante a enumeração das decisões agraváveis, respeita somente a este recurso. Cumpre evitar a interpretação regressiva, evocando o cabimento dos embargos infringentes, para diminuir o campo de incidência do art. 942, caput. Um dos piores defeitos na interpretação da lei nova consiste em inculcar-lhe sentido idêntico ao da lei velha. Restrições interpretam-se literalmente. Assim, a reforma do provimento recorrido e a impugnação acerca do mérito é exigência restrita apenas ao caso do agravo de instrumento." (Manual dos recursos, 5. Ed. São Paulo: RT, 2018, p. 75, grifou-se) Em síntese, a despeito do julgamento antecipado parcial de mérito projetar idêntico resultado, ao jurisdicionado, de uma sentença que julga todos os pedidos numa única decisão, no plano recursal quis o legislador restringir a técnica do julgamento estendido quanto ao agravo tirado de decisão de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, § 5º).
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do recurso especial 1838009/RJ, ocorrido em 19/11/2019, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria do ministro Moura Ribeiro, decidiu que: "DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 50 DO CC/02. MEROS INDÍCIOS DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM NOS LIMITES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PARA A ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIA DE CARÁTER EXCEPCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Tendo o Tribunal Estadual se manifestado de forma clara e fundamentada acerca da matéria que lhe foi posta à apreciação, não há falar em ofensa ao art. 1.022 do NCPC. 3. A desconsideração da personalidade jurídica está subordinada a efetiva demonstração do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, e o benefício direto ou indireto obtido pelo sócio, circunstâncias que não se verificam no presente caso. Precedente. 4. Fatos rotulados de maliciosos, mas não examinados pela sentença e pelo acórdão, não podem ser apreciados por esta Corte. 5. Inexistentes os requisitos previstos nos art. 50 do CC/02, deve ser afastada a desconsideração da personalidade jurídica. 6. Recurso especial parcialmente provido." No julgado acima, há o reforço quanto à necessidade de demonstração, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, regido pelo CPC/15, da presença dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, para fins de efetivar-se a desconsideração pretendida. E a recente edição da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o artigo 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no artigo 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos." "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, portanto, ao exigir a efetiva comprovação dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil para fins de deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, está em linha com as diretrizes da também recente lei 13.874, de 20 de setembro de 2019.
Rogerio Mollica A Remessa Necessária é um tema que me é bastante caro, eis que foi o tema da minha dissertação de mestrado. No dia 17 de janeiro de 2019 já tive oportunidade de escrever nessa coluna sobre a necessidade da ocorrência da remessa nos casos de sentenças ilíquidas, independentemente do valor discutido. Naquela oportunidade verificamos que o Código de 2015 acabou por adotar o entendimento expresso na Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça1, que ainda na égide do CPC/1973, já exigia a liquidez da sentença para aplicar a restrição ao cabimento do reexame necessário. Vale recordar que no Anteprojeto do Novo Código, o artigo 478, § 4º, previa que "quando na sentença não se houver fixado valor, o reexame necessário, se for o caso, ocorrerá na fase de liquidação". Dessa forma, pela previsão do anteprojeto, se a sentença fosse ilíquida, não ocorreria a Remessa Necessária e essa somente ocorreria se na fase de liquidação fosse apurado que o valor discutido era superior ao valor de alçada da remessa. Sem dúvida, uma hipótese mais limitativa do instituto do que a prevista no Código de 2015. Entretanto, com aumento dos valores para o cabimento da remessa, principalmente para a União Federal, podemos ter processos com sentença ilíquida contrária à União, mas que evidentemente não discutem valores na casa de R$ 1 milhão (aproximadamente 1.000 salários mínimos). Nesses casos, em que apesar da iliquidez, a condenação ou o proveito econômico obtido na causa certamente não alcança esses patamares, seria cabível a Remessa Necessária? Verificamos que mesmo nesses casos, a doutrina entende que deve ocorrer a devolução oficial. Nesse sentido é o entendimento de João Francisco Naves da Fonseca: "(...) as decisões ilíquidas, independentemente do valor envolvido, não estão dispensadas da devolução oficial (Súmula 490 do STJ)"2. Foi citado no artigo inclusive o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça nesse mesmo sentido3. Entretanto, voltamos agora ao tema, pois quase um ano após o referido julgamento da 2ª Turma do STJ, a 1ª Turma acabou decidindo de forma diametralmente oposta: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. CPC/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC de 2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Não merece acolhimento a pretensão de reforma do julgado por negativa de prestação jurisdicional, porquanto, no acórdão impugnado, o Tribunal a quo apreciou fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, em sentido contrário à postulação recursal, o que não se confunde com o vício apontado. 3. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor da Autarquia Previdenciária após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015. 4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 5. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/15, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). 6. A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos Tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. 7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. 8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. 9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos, cifra que no ano de 2016, época da propositura da presente ação, superava R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais). 9. Recurso especial a que se nega provimento." (g.n.) (REsp 1735097/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) Esse julgado parece mais alinhado com a intenção do CPC de 2015 de limitar as hipóteses de cabimento da Remessa Necessária, eis que não faz nenhum sentido se exigir o reexame necessário em casos em que obviamente o valor discutido não passa nem perto dos novos limitadores previstos no artigo 496, §3º, do CPC de 2015. Desse modo, existindo essa divergência de entendimento entre as duas Turmas que julgam direito público, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto a necessidade ou não de realização da remessa necessária nesses casos, visando a segurança jurídica de todos. Vale recordar, que as sentenças sujeitas à remessa, não transitam em julgado4 até a realização do reexame necessário pelo Tribunal. __________ 1 Súmula 490 do STJ: "A dispensa do reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas". Dessa forma restou superado o entendimento de que "caso não seja líquida a condenação, o parâmetro deve ser o valor da causa" (AgRg no RESP nº 1.067.559/PR, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, in DJe de 13/04/2009). 2 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 97. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Zulmar Duarte de Oliveira Júnior (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p.594). 3 REsp 1741538/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018. 4 Súmula nº 423 do STF: "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex-officio", que se considera interposto "ex-lege"."
André Pagani de Souza O art. 304, caput, do CPC, dispõe que "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto recurso". Nessa hipótese, "o processo será extinto", conforme estabelece o § 1º do referido dispositivo legal. Muito se discutiu na doutrina se apenas a interposição do recurso cabível (agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inciso I) teria o condão de evitar que a decisão concessiva de tutela antecipada se tornasse estável ou se a prática que algum outro ato pelo réu também poderia impedir a tal estabilidade e a consequente extinção do processo. Cassio Scarpinella Bueno, por exemplo, sustenta o seguinte: "Questão interessante é saber se outras manifestações do réu, além da interposição de recurso, são bastantes para evitar a estabilização. A resposta merece ser positiva, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma expressa de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização, muito além, portanto, da interposição de agravo de instrumento contra a decisão concedida na primeira instância (art. 1.015, I). Destarte, desde que o réu, de alguma forma, manifeste-se contra a decisão que concedeu a tutela provisória, o processo, que começou na perspectiva de se limitar à petição inicial facilitada pelo caput do art. 303 (eis o 'benefício' de que trata o § 5º do art. 303), prosseguirá para que o magistrado, em amplo contraditório, aprofunde sua cognição e profira oportunamente decisão sobre a 'tutela final', apta a transitar materialmente em julgado. A hipótese, importa esclarecer, não tem o condão de infirmar a tutela antecipada já concedida. Ela, apenas, evita a sua estabilização nos termos do art. 304" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 321-322, sendo que os destaques são do original). Tal interpretação, em total harmonia com o modelo de processo cooperativo ambicionado pela lei 13.105, de 16/3/2015, não foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode depreender da ementa de julgado abaixo transcrita: PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. I - Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso. II - Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. III - A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. IV - A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado - o agravo de instrumento. V - Recurso especial provido. (STJ, Primeira Turma, REsp 1.797.365 / RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Regina Helena Costa, recurso especial provido, v.m., j. 3/10/2019, DJe 22/10/2019) Na ocasião, prevaleceu o seguinte entendimento: "A não utilização da via própria - agravo de instrumento - para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão, excetuando a hipótese da ação autônoma. Não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja, a preclusão. Isso porque, embora a apresentação de contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente, tal ato processual não se revela capaz de evitar que a decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar a estabilização, porque os institutos envolvidos - agravo de instrumento e contestação - são inconfundíveis. Interpretação diversa acabaria impondo requisitos cumulativos para o cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. Ora, tal conclusão não se revela razoável, porquanto a ausência de contestação já caracteriza a revelia e, em regra, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, tornando inócuo o inovador instituto. Outrossim, verifica-se que, durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla - 'não havendo impugnação' (sem explicitação do meio impugnativo) - e o art. 304 da lei 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa - 'não for interposto o respectivo recurso'. Logo, a interpretação ampliada do conceito caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional". O ministro Sérgio Kukina discordou da posição acima e proferiu voto-vencido, sustentando que "[...] pode-se concluir em favor de exegese mais dilargada do art. 304 do novo CPC, facultando-se ao réu oferecer resistência, não apenas por meio de recurso específico (notadamente o agravo de instrumento - art. 1.015, I, do CPC), mas também por meio da apresentação de contestação, tal como se operou no caso concreto. (...) Logo, a oportuna apresentação de peça contestatória, em que registrado o inconformismo da parte demandada, tanto quanto seu inequívoco desejo em prosseguir no debate sobre a pretensão autoral, revela-se, só por si, capaz de afastar o óbice da inércia do réu, enquanto elemento gerador da estabilização da tutela". Entretanto, apenas o Min. Gurgel de Faria concordou com o entendimento do Min. Sérgio Kukina, que acabou vencido. Portanto, de acordo com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, para que a tutela antecipada não estabilize, será necessária a interposição de agravo de instrumento da decisão que a concede. Qualquer outro ato praticado pelo réu será insuficiente para evitar a estabilização da decisão, que levará à extinção do processo. Assim, nesse caso, apenas por ação autônoma será possível atacar a decisão concessiva da tutela antecipada e acabar com sua estabilidade.
Daniel Penteado de Castro A fase de cumprimento de sentença de pagar quantia, prevista no art. 475-J, do CPC de 1973, previa a intimação do devedor para pagamento em quinze dias, sob pena da incidência de multa no percentual de dez por cento, a incidir sob o quantum debeatur atualizado1. O art. 523 do CPC de 2015 tornou mais rígida referida regra em relação ao devedor, para prever não só a multa de dez por cento caso a dívida deixe de ser paga no prazo de quinze dias, mas também cumulou o acréscimo de dez por cento sobre o quantum debeatur, a título de honorários advocatícios2. Resta saber, portanto, se para uma sentença prolatada sob vigência do CPC/73, quando do início do cumprimento de sentença observar-se-á o regime jurídico do código anterior ou, de outra banda, o quanto disposto no CPC/2015. A questão pode ser respondida ao se prever que a lei processual tem aplicação imediata (arts. 14 e 1.046, do CPC/2015) de sorte que, iniciado o cumprimento de sentença à luz da vigência do CPC/2015, há de ser observado o regime jurídico previsto nos arts. 523 e seguintes de referido diploma, independentemente da sentença que se visa o cumprimento haver sido prolatada quando vigente o CPC/73. Ainda, também sob outra perspectiva, decidiu o STJ em recente julgado também pela aplicação do CPC/2015, desta feita, sob o prisma de aplicação da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, cuja utilidade é deflagrada em situações de conflito de direito intertemporal: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. SENTENÇA EXEQUENDA PROFERIDA QUANDO VIGENTE O CPC/73. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA INICIADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NOVA. 1. Nos termos do art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Na linha dos precedentes desta Corte, "a aplicação da lei processual nova, como o CPC/2015, somente pode se dar aos atos processuais futuros e não àqueles já iniciados ou consumados, sob pena de indevida retroação da lei" (AgInt no AREsp 1016711/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017). 2. Como bem observa a doutrina, é possível a aplicação da norma processual superveniente a situações pendentes, desde que respeitada a eficácia do ato processual já praticado. Esse entendimento é corroborado pelo Enunciado Administrativo 4/STJ, in verbis: "Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial." 3. No caso concreto, embora a sentença exequenda tenha sido proferida na vigência do CPC/73, o cumprimento de sentença iniciou-se na vigência do CPC/2015, razão pela qual é aplicável a nova legislação. Assim, considerando que a agravante foi intimada e não efetuou o pagamento voluntário, o débito deve ser acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (art. 523, § 1º, do CPC/2015). (...)" (STJ, REsp n. 1.815.762/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 5/11/2019, v.u., grifou-se) O recente precedente acima soa acertado, porquanto não só em consonância com a inteligência do art. 14 do CPC/2015 (aplicação imediata da lei processual, quando de sua vigência) mas também para se reafirmar, na hipótese de conflito de direito intertemporal, a prevalência no sistema brasileiro da Teoria do Isolamento dos Autos Processuais. __________ 1 "Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação". 2 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. [V. arts. 517, e 782, §§ 3.º a 5.
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Luiz Guilherme Marinoni2 observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)." Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida de que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. Por isso, as manifestações jurisprudenciais autorizando a aplicação do artigo 190 do CPC/15 se mostram interessante norte para a consolidação dos contornos a serem observados pelas partes quando da celebração do negócio processual atípico. No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiou-se o negócio processual celebrado em execução, com efeitos quanto aos bens penhorados: "Agravo de Instrumento. Ação de execução por quantia certa. Decisão que determinou que as partes apresentassem nova minuta de acordo, com expressa previsão de quais garantias serão remidas, e observação de garantias prestadas em favor de terceiros, além de ordenar a expedição de ofício para cancelamento da ordem de liberação de hipotecas gravadas, tornando nula eventual averbação de levantamento cumprida em razão da decisão que homologou acordo entre as partes. Inconformismo. Acordo homologado que diz respeito a direitos que admitem autocomposição. Partes que podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Inteligência do art. 190 do CPC. Acordo que não afeta Ente Público. Homologação do acordo firmado entre as partes do feito executivo que deve permanecer. Decisão reformada. Agravo provido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2096470-98.2019.8.26.0000; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/07/2019; Data de Registro: 01/07/2019)" No julgado abaixo, do Tribunal de Justiça do Amapá, permitiu-se o negócio processual, em ação de improbidade administrativa, no sentido de se fixar as consequências jurídicas para os atos em apuração na lide: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. POSSIBILIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DE VALIDADE. PARTES CAPAZES, FORMA E OBJETO LÍCITO. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA E SISTEMÁTICA DO ART. 17, § 1º, DA LEI Nº 8.429/1992. RECURSO PROVIDO. 1) A celebração de acordo em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa no sentido de fixar consequências jurídicas para os atos em apuração, configura claro exemplo de negócio jurídico processual atípico, previsto no art. 190 do Código de Processo Civil; 2) O negócio jurídico processual atípico, segundo a doutrina, possui três requisitos básicos de validade, quais sejam partes capazes, forma e objeto lícito; 3) A validade do negócio jurídico celebrado nos autos de ação de improbidade administrativa carece de uma interpretação mais atual, porquanto, após mais de 25 (vinte e cinco) anos desde a sua edição, período em que houve a aprovação dos mais variados diplomas legislativos, que contemplam inclusive acordos na esfera criminal, tem-se que uma simplória interpretação literal do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 destoa do ordenamento jurídico pátrio vigente, o que deve ser ponderado pelo intérprete no momento da aplicação da norma, sob pena de incorrer em evidente contradição com o sistema em que está incluso; 4) Estando presentes os requisitos de validade do acordo firmado em Ação de Improbidade Administrativa, a sua homologação é medida que se impõe; 5) Recurso provido. (TJ-AP - AI: 00035683920188030000 AP, Relator: Desembargadora SUELI PEREIRA PINI, Data de Julgamento: 10/09/2019, Tribunal)" No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para conferir efeito vinculante a laudo pericial: "Recurso - interesse recursal - Ausência - Celebração de negócio jurídico processual de sujeição das partes ao resultado de laudo pericial grafotécnico com titulo de credito - Validade, por versar sobre direitos disponíveis - Implemento da condição, com o reconhecimento da falsidade da assinatura aposta na cártula - Sujeição do réu à concordância com o cancelamento do protesto e com o pagamento de indenização por danos morais - Inocorrência de homologação da composição pelo Juízo -- Apelação não conhecida.  (TJSP;  Apelação Com Revisão 9115766-85.1999.8.26.0000; Relator (a): José Reynaldo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/06/2005; Data de Registro: 11/07/2005)". No julgamento abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, permitiu-se a negociação processual para redução de prazo para o cumprimento de tutela de urgência proferida em ação possessória: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela de urgência. Ação de imissão na posse. Consolidação da propriedade em favor do credor hipotecário e posterior alienação ao agravante, com fundamento na Lei Federal 9.514/97. Decisão que concedeu liminar para determinar a desocupação do imóvel em 60 dias, com a consequente imissão do arrematante na posse do bem. Irresignação. Partes que ajustaram previamente termo de ajustamento de conduta (TAC), prevendo prazo para desocupação voluntária que, não cumprido, possibilitaria a concessão judicial de liminar para desocupação no prazo reduzido de cinco dias. Cláusula contratual clara e expressa, da qual o ocupante livremente anuiu. Indeferimento da pretensão na origem, sob fundamento de que o prazo de 60 dias é decorrente da lei. Descabimento. A partir do advento do NCPC, é possível às partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses, incluindo redução de prazos processuais. Inteligência do art. 190 do NCPC. Negócio jurídico celebrado entre partes plenamente capazes. Atendimento aos princípios da autonomia privada e do pacta sunt servanda. Precedentes desta Corte. Decisão reformada para reduzir o prazo para desocupação, nos moldes ajustados. AGRAVO PROVIDO. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2269263-77.2018.8.26.0000; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2019; Data de Registro: 07/01/2019)" Os julgados prestigiaram a aplicação do artigo 190 do CPC/15, e buscaram traçar uma leitura em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. Por outro lado, recentemente, julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo vetou a possibilidade de celebração de negócio processual fixando-se verba de honorários de sucumbência, na medida em que tal ato seria privativo do magistrado: "EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Honorários advocatícios sucumbenciais - Arbitramento nos moldes do art. 827 do CPC - Impossibilidade de as partes convencionarem a fixação dessa verba e o exequente inclui-la no valor da execução - Atividade privativa do magistrado na fixação e conforme os parâmetros da lei adjetiva - Recurso improvido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2213606-53.2018.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2019; Data de Registro: 07/02/2019)". É certo que o Poder Judiciário ainda terá o desafio de consolidar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
Rogerio Mollica As alterações promovidas no cabimento do recurso de agravo de instrumento foram sem dúvida as que geraram mais controvérsias na doutrina e na jurisprudência. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao prever que a taxatividade quanto ao cabimento do agravo de instrumento seria mitigada e possível nos casos urgentes não previstos no artigo 1.015 do Código de Processo Civil1 não só não pacificou as questões quanto ao cabimento do Agravo, mas acabou gerando uma insegurança jurídica muito grande, pois o cabimento do Agravo de instrumento passou a ter um caráter subjetivo bastante importante. Tal insegurança jurídica acaba por criar um efeito contrário ao pretendido pelo CPC/2015 quanto a limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. De fato, na dúvida as partes acabam interpondo agravo de instrumento em face de quase todas as decisões interlocutórias e ao Judiciário cabe analisar se a decisão seria agravável em face da existência da urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação2. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça vem sendo instado a decidir se diversas decisões interlocutórias, não previstas no rol do artigo 1.015 do CPC, poderiam ser passíveis de agravo de instrumento. Recentemente, o STJ decidiu que a decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo por prejudicialidade em relação a outro feito3 não seria passível de Agravo de Instrumento: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE NO ART. 1.015, I, DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE. INSTITUTOS JURÍDICOS ONTOLOGICAMENTE DISTINTOS. AUSÊNCIA DE CAUTELARIDADE. INEXISTÊNCIA DE RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. SUSPENSÃO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA QUE NÃO SE FUNDA EM URGÊNCIA, MAS EM SEGURANÇA JURÍDICA E NO RISCO DE PROLAÇÃO DE DECISÕES CONFLITANTES. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO QUE DEPENDE DA CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA NA AÇÃO DE CONHECIMENTO AJUIZADA PELO EXECUTADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1- Recurso especial interposto em 29/05/2018 e atribuído à Relatora em 12/09/2018. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, se é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, I, do CPC/15. 3- Embora o conceito de "decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória" seja bastante amplo e abrangente, não se pode incluir nessa cláusula de cabimento do recurso de agravo de instrumento questões relacionadas a institutos jurídicos ontologicamente distintos, como a suspensão do processo por prejudicialidade externa. 4- Da existência de natural relação de prejudicialidade entre a ação de conhecimento em que se impugna a existência do título e a ação executiva fundada nesse mesmo não decorre a conclusão de que a suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa esteja fundada em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre essa matéria diz respeito à tutela de urgência, na medida em que o valor que se pretende tutelar nessa hipótese é a segurança jurídica, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes, sem, contudo, descuidar dos princípios constitucionais da celeridade e da razoável duração do processo. 5- Cabe ao executado, na ação de conhecimento por ele ajuizada, demonstrar a presença dos requisitos processuais para a concessão de tutela provisória que suste a produção de efeitos do título em que se funda a execução, sendo essa decisão interlocutória - a que conceder ou não a tutela provisória pretendida - que poderá ser impugnada pelo agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15. 6- Não se conhece do recurso especial interposto pela divergência jurisprudencial quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão paradigma e o acórdão recorrido. 7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido." (g.n.) (REsp 1759015/RS, Rel. ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/9/2019) Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça segue "legislando" ao decidir quais decisões interlocutórias poderiam ser agraváveis desde logo e quais não. Por fim, parece claro que no caso específico julgado pelo STJ, não sendo cabível a interposição do Agravo de Instrumento pela previsão do artigo 1.015, I, do CPC, seria possível a sua interposição pelo parágrafo único do referido dispositivo, eis que tratava-se de decisão interlocutória prolatada em execução. __________ 1 Tema Repetitivo nº 988: "O rol do artigo 1.015 do CPC/15 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação". (REsp 1.704.520/MT, REsp 1.696.396/MT)." 2 Esse também é o entendimento dos processualistas André Roque, Luiz Dellore e Zulmar Duarte em artigo publicado na edição de 05 de agosto de 2019 deste site Migalhas: "Há grande instabilidade e insegurança em relação ao cabimento do recurso de agravo, sendo que o principal risco é se reconhecer a preclusão da interlocutória caso o agravo de instrumento não seja interposto. Assim, na dúvida, para evitar riscos, diante de uma análise de que há alguma "urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", melhor que o profissional interponha o agravo de instrumento. Infelizmente, é o que se tem hoje". 3 Sobre o tema recomendasse a leitura da versão comercial da tese de livre docência do professor Paulo Henrique dos Santos Lucon: Relação entre demandas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016.
André Pagani de Souza O art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), reconhece a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso, algo que já era admitido em sede jurisprudencial antes da entrada em vigor desse novo diploma processual. Ao se desconsiderar a personalidade jurídica, as duas pessoas, que antes eram consideradas distintas, passam a ser tratadas como uma só para a finalidade de se estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações. Este tratamento destinado a considerar como uma só pessoa o devedor originário que teve sua personalidade desconsiderada e o seu integrante (seja ele seu sócio ou administrator, pessoa jurídica ou física) deve perdurar até o final do processo em que se operou a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa segue transcrita: "RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EFEITOS DA DECISÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO OFERECIDOS POR EX-ACIONISTA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TAXA APLICÁVEL. JULGAMENTO: CPC/73. 1. Embargos à execução opostos em 19/6/2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/8/2015 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016. 2. O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) os efeitos da desconsideração inversa da personalidade jurídica da recorrente para responder pelos honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em embargos à execução oferecidos por sua ex-acionista; (iii) o excesso de execução, especificamente quanto ao termo inicial de incidência dos juros de mora e a taxa aplicável. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC/73. 4. No que tange à natureza jurídica dos embargos à execução, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que se trata de ação incidental de conhecimento, que dá origem a um processo autônomo, embora conexo ao processo de execução. 5. Essa interdependência entre as demandas - execução e embargos à execução - implica que os efeitos da decisão por meio da qual se reconhece a existência de um grupo econômico e se determina a desconsideração inversa da personalidade jurídica, enquanto medida voltada à maximização da responsabilidade patrimonial do devedor para a satisfação do credor, perduram até a extinção do processo de execução, vigorando, inclusive, nos embargos a ele oferecidos incidentalmente. 6. Hipótese em que, consubstanciada a unidade econômica entre a interessada e a recorrente, apta a incluir a segunda no polo passivo da execução movida contra a primeira, passam a ser ambas tratadas como uma só pessoa jurídica devedora, até a entrega ao credor da prestação consubstanciada no título executado. 7. O fato de a recorrente não ter participado, formalmente, dos embargos à execução oferecidos pela interessada, não tem o condão de afastar sua responsabilidade patrimonial, enquanto integrante do mesmo grupo econômico. 8. O entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção é no sentido de que o termo inicial dos juros moratórios, na cobrança de honorários de sucumbência, é a data em que o executado é intimado para pagamento na fase de cumprimento da sentença, caso a obrigação não seja adimplida de forma voluntária, bem como de que, nessa hipótese, devem ser calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC. 9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1733403/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 29/08/2019)". Assim, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica, tanto a pessoa jurídica quanto aquela outra pessoa que foi atingida pela decisão de desconsideração, passam a ser consideradas uma só e passam a responder pelas obrigações uma da outra. Nessa linha de raciocínio, se uma apresentou embargos e a outra não, isso não importa para fins de condenação de ambas ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que a autonomia patrimonial delas foi ignorada de propósito por ordem judicial. Portanto, merece aplausos o acórdão acima transcrito do Superior Tribunal de Justiça, que bem aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no processo sob comento, aplicando os seus efeitos até o final do processo, inclusive no tocante à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios.
Daniel Penteado de Castro Uma das formas de transformar em dinheiro determinado bem móvel ou imóvel, no curso do processo de execução ou fase de cumprimento de sentença e, após concluída a respectiva avaliação, reside na alienação, a qual pode ser realizada judicialmente por meio de leilão. Em outras palavras, por vezes ao exequente não lhe interessará adjudicar o bem penhorado e, por outro lado, necessário se faz encontrar alguém disposto a adquirir referido bem judicialmente por meio de leilão, a depositar nos autos o valor do lance vencedor, observadas as regras previstas nos arts. 879 a 903 do CPC. Tal ato processual por vezes praticados por um terceiro contribui para a satisfação da tutela executiva ao dar liquidez a um bem que não interessaria ao credor adjudicar, tudo isso em procedimento coordenado pelo juízo que preside a execução. Assinado o auto de arrematação, será expedida carta de arrematação ao terceiro que, depositando em juízo o valor do lance vencedor e comissão do leiloeiro, tornar-se-á o novo proprietário de referido bem. Ocorre que, por vezes, não obstante a arrematação perfeita e acabada, (i) pode emergir controvérsia acerca de eventual nulidade do leilão em desrespeito ao procedimento previsto nos arts. 879 a 903 do CPC ou, ainda, (ii) o reconhecimento de nulidade anterior a tal procedimento e reconhecida posteriormente, a exemplo de nulidade de citação ou outros vícios processuais. Ainda, poderia ocorrer a situação de julgamento de procedência dos embargos do devedor com o intuito de extinguir a execução ou cumprimento de sentença, muito embora já ultimada a arrematação do bem expropriado em favor de um terceiro, que inclusive já havia depositado em juízo o valor de referido bem. O CPC/73 previa que assinado o auto de arrematação, esta tornar-se-á perfeita e acabada, ainda que julgados procedentes os embargos do devedor. Por sua vez, o CPC/2015, não obstante prever disposição semelhante (e desde que não provocado o juízo em dez dias após a arrematação ou suscitado vício inerente ao procedimento de leilão)1, foi além, para também assegurar a irretratabilidade da arrematação não obstante reconhecido, a posteriori, eventuais vícios aptos a invalidar a arrematação já consolidada. Com isso, não obstante emergir o reconhecimento de vício processual, tal ato não tem o condão de macular a arrematação, a prejudicar o arrematante, estranho a lide e que, tão-somente contribuiu para transformar determinado bem em dinheiro no seio da tutela executiva. O quadro abaixo bem elucida o comparativo do CPC/2015 com o regime previsto no CPC/73: Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.§ 1 o A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito:I - por vício de nulidade;II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art. 746, §§ 1 o e 2 o );V - quando realizada por preço vil (art. 692);VI - nos casos previstos neste Código (art. 698).§ 2 o No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.§ 1º Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:I - invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;II - considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804 ;III - resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.§ 2º O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1º, se for provocado em até 10 (dez) dias após o aperfeiçoamento da arrematação.§ 3º Passado o prazo previsto no § 2º sem que tenha havido alegação de qualquer das situações previstas no § 1º, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem de entrega ou mandado de imissão na posse.§ 4º Após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.§ 5º O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito:I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital;II - se, antes de expedida a carta de arrematação ou a ordem de entrega, o executado alegar alguma das situações previstas no § 1º ;III - uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, desde que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação.§ 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do bem.  De igual sorte, a inovação posta no CPC/2015 é reforçada pela doutrina, no sentido de se impedir o desfazimento de arrematação já consolidada (observadas as exceções postas acima) e, consequentemente, assegurar a preciosa segurança jurídica frente aos efeitos de um leilão consolidado e coordenado pelo Poder Judiciário: "O Novo Código de Processo Civil extinguiu, pois, a figura dos embargos de segunda fase (embargos à arrematação, alienação e adjudicação), previstos no art. 746 do CPC/73 e, no seu lugar, previu essa ação autônoma que, por expressa disposição do caput, mesmo que bem sucedida, não terá o condão de refletir no desfazimento da arrematação, alienação ou adjudicação. Nesse passo, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, não será mais admitida a discussão da arrematação, alienação ou adjudicação dentro do processo executivo. Eventual vício terá de ser arguido em ação autônoma. Trata-se de técnica que, a nosso ver, visa a conferir mais segurança e atratividade às formas de expropriação." (WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, grifos nossos) "O caput do art. 903 tem por escopo dar efetividade e segurança às hastas públicas, dispondo que 'assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos'. (...) Correta a posição do legislador porque ao Estado compete preservar a regularidade das alienações judiciais, não podendo o arrematante, em relação ao bem arrematado, ficar à mercê do resultado dos embargos do devedor ou pior, de interminável ação autônoma em que se pretende a invalidade da arrematação. Na verdade, ao licitante interessa adquirir o bem anunciado livre e desembaraçado, e dar-lhe a destinação econômica que lhe aprouver, não se tornar proprietário de um bem sub judice, objeto de processo judicial, de resultado incerto, e que ordinariamente envolve custos elevados. Na medida em que, às vezes, é inevitável que se instaure uma demanda acerca da arrematação, compete ao Estado, no mínimo, preservar a alienação judicial, resolvendo-se eventual direito reconhecido em reparação de danos. (...) depois de fluído o prazo de dez dias para impugnação (§ 2º), ou resolvidas conclusivamente as objeções suscitadas em tal prazo, entregue o bem (se móvel), ou imitido na posse o arrematante (se imóvel), e expedida a correspondente carta, é que a arrematação estará efetivamente concluída. Não obstante, o sossego do arrematante pode não terminar aí, porque o § 4º estabelece que 'após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário'. O resultado dessa ação, no entanto, não afetará a validade e eficácia da arrematação, que subsistirá incólume, ficando apenas assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos, como está na parte final do caput." (SANTOS, Silas Silva [et al.]. Comentários ao código de processo civil: perspectiva da magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 903/904, grifos nossos) "Com isso, se ao final dos embargos à execução for verificado que o título não era hábil a iniciar a execução, a arrematação já realizada é preservada, resolvendo-se a questão em perdas e danos." (BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil - volume 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 765, grifos nossos) "Ocorre que, em relação a quaisquer vícios que não sejam aqueles intrínsecos ao procedimento do leilão judicial, seu reconhecimento não autorizará o desfazimento da arrematação, como estabelece de forma explícita o art. 903, caput, restando ao interessado a indenização por perdas e danos, à semelhança do que se verifica para os casos de acolhimento superveniente da impugnação ao cumprimento de sentença e dos embargos do executado. Em síntese, portanto, quaisquer matérias não apreciadas com cognição exauriente na execução poderão ser veiculadas mediante ação autônoma, mas unicamente os vícios intrínsecos ao procedimento do leilão judicial (v. item 6, supra) autorizam o desfazimento excepcional da arrematação." (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. 1 ed., São Paulo: Método, 2017, p. 454, grifos nossos). "Uma vez assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, 'ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma' prevista no § 4º do art. 903, assegurando-se, contudo, 'a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos' (CPC, art. 903, caput). Ou seja, o executado que se sagrar vitorioso em processo de embargos à execução ou ação desconstitutiva ou anulatória do título executivo, ou ainda ação declaratória de inexistência de débito, não terá o direito de receber de volta o bem que foi expropriado, restando-lhe, porém, a prerrogativa de acionar o exequente pelos danos sofridos pela execução que injustamente recaiu sobre ele." (GIANNICO, Maurício. Comentários ao código de processo civil: volume XVIII. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 150, grifos nossos) E, a luz da inovação posta, o tratamento da questão pelo Poder Judiciário não foi diferente, a imprimir maior segurança ao terceiro de boa-fé, arrematante de bem em leilão judicial, de sorte a impedir seja este prejudicado por ulterior nulidade ou fato que macule o prosseguimento da perseguição do crédito pelo então exequente: "DESPESAS CONDOMINIAIS - NULIDADE DE ATO JUDICIAL - ARREMATAÇÃO - Terceiro imbuído de boa-fé - Desfazimento da venda judicial - Impossibilidade - Ofensa ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica - Sentença mantida - Recurso desprovido. (...) Com efeito, o respeito ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica do adquirente de boa-fé, se impõe, uma vez que o imóvel foi arrematado por terceiro de inequívoca boa-fé e proferida decisão convalidando a arrematação (fls. 189), determinando o respectivo registro na matrícula do bem e expedido o mandado de imissão de posse. Assim, não é admissível que uma venda realizada com autorização expressa do Poder Judiciário e por ele próprio levada a efeito (inclusive com força de permitir a averbação na matrícula do bem para que passe a constar o adquirente como efetivo proprietário da coisa), possa ser desfeita em manifesto prejuízo a terceiro de boa-fé. Se o autor, em tese, sofreu algum indevido prejuízo por ato que possa ser imputado ao condomínio-réu, cabe a ele, a esta altura dos acontecimentos, buscar seu ressarcimento apenas em face da credora, mediante a comprovação da existência de perdas e danos. Não se afigura razoável, para dizer o mínimo, que seja agora violada a segurança jurídica que naturalmente decorre da arrematação judicial, sendo inclusive a sua razão de ser, e, especialmente, prejudique-se a boa-fé que ampara o terceiro adquirente." (TJSP; Apelação Cível 1027502-50.2017.8.26.0405; Relator Des. Claudio Hamilton; 25ª Câmara de Direito Privado; j. 14/11/2018; grifos nossos) "Agravo de instrumento - Ação de execução de título extrajudicial - Insurgência em face de decisão que indeferiu pedido do agravante para cancelamento da arrematação havida nos autos (matrículas nºs 44.710 e 30.937), consignando que eventual discussão em relação à propriedade dos bens arrematados deveria se dar pela via extrajudicial - Improcedência do inconformismo - Pretensão de desconstituição da arrematação em razão de acordo celebrado entre as partes, posteriormente à assinatura do auto de arrematação - Impossibilidade - Cartas de arrematação expedidas e registradas junto ao CRI - Inexistência de vício do ato judicial - Arrematação perfeita e acabada (art. 903, CPC) e registrada na matrícula dos imóveis - Precedentes - Hipótese de manutenção decisão hostilizada - Recurso desprovido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2152044-43.2018.8.26.0000; Relator Des. Jacob Valente; 12ª Câmara de Direito Privado; j. 09/04/2019; grifos nossos) "Agravo de Instrumento. Ação de execução de titulo extrajudicial. Execução e penhora de imóvel da executada Maria José Ribeiro que faleceu no tramite da execução. Assinado o auto de carta de arrematação, considera-se perfeita, acabada e irretratável (art. 903 do CPC/2015). Eventual procedência dos embargos oferecidos pelo executado, ou de eventual ação autônoma prevista no § 4º do art. 903, não ensejará o desfazimento da arrematação, tendo o executado direito apenas a haver do exequente a reparação dos prejuízos sofridos. Recurso desprovido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2228546-57.2017.8.26.0000; Relator Des. Morais Pucci; 35ª Câmara de Direito Privado; j. 03/04/2019; grifos nossos) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial - Arrematação que se considera perfeita, acabada e irretratável com a assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma em que o arrematante figurará como litisconsorte necessário - Art. 903, caput e parágrafo 4º, do NCPC - Direito do arrematante de boa-fé que, a princípio, se encontra resguardado, ressalvada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos - Tributos, de outro lado, que se sub-rogam ao preço da arrematação, nos termos do art. 130, do CTN - Decisão que autorizou a expedição de mandado de levantamento ao Município mantida - Recurso improvido, revogado o efeito suspensivo." (TJSP; Agravo de Instrumento 2246266-37.2017.8.26.0000; Relator Des. Lígia Araújo Bisogni; 14ª Câmara de Direito Privado; j. 16/03/2018; grifos nossos) "ALIENAÇÃO DE COISA COMUM - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - CITAÇÃO EDITALÍCIA REGULAR - REGULARIDADE FORMAL DA CONTESTAÇÃO POR NEGATIVA GERAL APRESENTADA PELO CURADOR ESPECIAL EM FACE DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 341 DO CPC2015 - REALIZADA A ARREMATAÇÃO E LEVADA A REGISTRO A RESPECTIVA CARTA, DEVE SER CONSIDERADA PERFEITA, ACABADA E IRRETRATÁVEL - POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE EVENTUAIS PREJUÍZOS EM AÇÃO AUTÔNOMA (CPC, ART. 903, 'CAPUT' E § 4º) - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO." (TJSP; Agravo de Instrumento 2188094-05.2017.8.26.0000; Relator Des. Theodureto Camargo; 8ª Câmara de Direito Privado; j. 19/12/2017; grifos nossos) Os entendimentos acima corroboram as lições da doutrina e, por sua vez, imprimem maior segurança jurídica a arrematação judicial, a tornar mais atrativa referida prática (em verdade até um nicho de mercado para a aquisição de bens em leilão judicial em boas oportunidades e movimentador da economia). Não se nega a pretensão do devedor, prejudicado por uma execução infundada - e tornada nula após a arrematação - valer de seus direitos contra o açodamento do ato executivo praticado pelo exequente. Todavia, ao terceiro arrematante, alheio à lide e que somente adquiriu o bem judicialmente (mercê em procedimento de leilão coordenado pelo próprio Poder Judiciário), a este deve ser preservado os efeitos da arrematação e direito de propriedade pela qual depositou o respectivo valor em juízo ao sagrar-se vencedor no certame. __________ 1 A rigor do quanto previsto no § 2º, do art. 903 do CPC/2015. Caso o vício inerente ao procedimento de leilão não seja suscitado em dez dias após a arrematação, caberá a propositura da ação prevista no § 4º, do art. 903, do CPC/2015.
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em acórdão publicado em 10/9/2019, referente ao agravo interno na petição 11838/MS, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgou que o incidente de resolução de demandas repetitivas não pode ser instaurado diretamente na Corte Superior, salvo nas hipóteses de competência originária do próprio Superior Tribunal de Justiça. O acordão, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, bem determina que: "AGRAVO INTERNO EM PETIÇÃO. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). INSTITUTO AFETO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DE TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA (ESTADUAIS OU REGIONAIS FEDERAIS). INSTAURAÇÃO DIRETA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE RESTRITA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS (ART. 976 DO CPC). JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NÃO ULTRAPASSADO. NÃO CABIMENTO DA INSTAURAÇÃO DO INSTITUTO. 1. O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. 2. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC. 3. Quando a reclamação não ultrapassa o juízo de admissibilidade, não cabe a instauração do incidente de demandas repetitivas no Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo interno desprovido". E bem destacou o Ministro Relator que: "[...] conforme se extrai da exposição de motivos do novo CPC, [...] o novo instituto foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores, relativamente aos recursos repetitivos. A essa conclusão igualmente se pode chegar a partir de uma interpretação sistemática do sistema de precedentes normatizado na novel legislação e dos dispositivos que regulamentam o IRDR". "Uma vez no exercício de competência originária [...] ou competência recursal ordinária [...], é possível que o STJ se depare com situações semelhantes àquelas que justificam, no âmbito dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica". "[...] o IRDR possui natureza de incidente processual, como seu próprio nome revela. Não se trata de ação originária, até porque não pode o legislador comum criar competências originárias para os tribunais, as quais estão previstas na Constituição Federal no caso dos tribunais superiores e tribunais regionais federais e, nas constituições estaduais, no caso dos tribunais de justiça. Assim, sua instauração requer a existência de demanda em curso no tribunal para que nela possa incidir". "A essa conclusão se chega também por força do que dispõe o parágrafo único do art. 978 do CPC, ao atribuir ao órgão colegiado incumbido de julgar o incidente competência para julgar igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente." Mas, afinal, o que é e qual é a importância do IRDR? O artigo 976 do CPC/15 disciplina que é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, cumulativamente, existirem repetitivos processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão única de direito e houver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Cassio Scarpinella Bueno1 doutrina que "o instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal competente para julgá-lo. Pode até ocorrer de haver recurso especial e/ou extraordinário para o STJ e/ou para o STF, respectivamente, viabilizando que o mérito do incidente alcance todo o território nacional". O mesmo professor ainda elucida que "O dispositivo evidencia que o objetivo do novel instituto é o de obter decisões iguais para casos (predominantemente) iguais. Não é por acaso, aliás, que o incidente é considerado, pelo inciso I do art. 928, como hipótese de julgamento de casos repetitivos. O incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança jurídica, papel próximo (e complementar) ao dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II). Não é por acaso, também, o destaque que a ele dá o inciso III do art. 927, que dispensa a menção aos diversos casos em que, naquele contexto, o incidente é referido ao longo de todo o CPC de 2015"2. Quanto aos requisitos para a instauração do incidente, Teresa Arruda Alvim3 ministra que: "Então, questões ditas de direito, quaestio juris, são predominantemente de direito. São aquelas em que não há discussão sobre os fatos porque, por exemplo, são comprováveis documentalmente. Ou, ainda, são aquelas situações em que os fatos já estão comprovados por várias espécies de provas e, não havendo dúvidas sobre o que ocorreu, e sobre como ocorreu, discute-se apenas sua qualificação jurídica... A nova lei exige que haja efetiva repetição de processos e não mera potencialidade de que os processos se multipliquem. Parece, todavia, que os objetivos do instituto ficariam inteiramente frustrados, se se exigisse, para a instauração do incidente, que já se tivesse instalado o caos na jurisprudência de primeiro grau, com milhares de sentenças resolvendo de modos diferentes a mesma questão de direito. Não. Se a lei exige que já haja processos "repetidos" em curso, é razoável que se entenda que bastem duas ou três dezenas, antevendo-se a inexorabilidade de a multiplicação destas ações passarem a ser muito maior". Conforme previsto no parágrafo quarto do artigo 976 do CPC/15, o incidente de resolução de demandas repetitivas é incabível quando um dos tribunais superiores, dentro de sua competência, já houver determinado a afetação de recurso para definição de tese quanto à matéria repetitiva. Caso o incidente de resolução de demandas repetitivas não seja admitido por ausência dos requisitos previstos no artigo 976 do CPC/15, é certo que, nos termos do parágrafo terceiro deste mesmo artigo, desde que os requisitos sejam futuramente preenchidos, o incidente poderá ser suscitado novamente. No âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas, o Ministério Público, quando não for o requerente, deve intervir de forma obrigatória no incidente e assumir sua titularidade em caso de desistência ou abandono por parte de quem o suscitou originalmente. De acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 976 do CPC/15, uma vez admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, o seu exame de mérito passar a ser o grande objetivo do julgador, de modo que a desistência ou abandono do processo que o originou não impede o almejado exame de mérito do incidente. Teresa Arruda Alvim4 ressalta que: "Existe evidente interesse público na criação e no bom funcionamento do instituto, que é capaz de gerar segurança jurídica e melhorar consideravelmente a performance do judiciário, poupando magistrados da verdadeira burocracia que é ter que decidir milhares de processos iguais. Por isto, este dispositivo diz que, mesmo se houver desistência ou abandono da causa no bojo da qual o incidente foi instaurado, o mérito do incidente deve ser decidido". Conforme prevê o artigo 977 do CPC/15, o pedido de instauração do incidente deve ser dirigido ao presidente do tribunal, sendo que tal pedido será feito por oficio quando realizado pelo juiz ou relator; e por petição, quando realizado pelas partes, pelo ministério público ou pela defensoria. O ofício ou a petição devem ser instruídos com todos os documentos necessários para demonstrar que estão presentes os requisitos para a instauração do incidente; sendo certo, ainda, que o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas caberá ao órgão competente do tribunal, de acordo com o seu regimento interno, para apreciar questões de uniformização de jurisprudência. De acordo com o parágrafo único do artigo 978 do CPC/15, o órgão colegiado que será designado para julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas, e fixar a respectiva tese jurídica, também deverá julgar igualmente o recurso, a remessa necessária, ou o processo de competência originária do qual se originou o incidente. O artigo 979 do CPC/15 preocupa-se com a publicidade da instauração e do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário. É orientação legal que o Conselho Nacional de Justiça providencie cadastro com a mais ampla e específica divulgação de informações quanto à tese objeto da instauração e do julgamento do incidente, dos recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário, devendo os tribunais manter banco eletrônico de dados atualizados e que possam ser enviados para fins de cadastro junto ao Conselho Nacional de Justiça. O artigo 980 do CPC/15 dispõe que o incidente deve ser julgado no prazo de até 1 (um) ano, sendo que apenas não terá preferência de julgamento em relação ao casos que envolvam réu preso e os habeas corpus. Caso o prazo de que trata o artigo 980 do CPC/15 não seja observado, o parágrafo único do mesmo artigo prevê que cessa a suspensão do trâmite dos processos que haviam sido sobrestados em razão do incidente, salvo se o relator, em decisão fundamentada, determinar de forma diversa. Teresa Arruda Alvim5 enfatiza que: "Não sendo julgado o incidente dentro deste prazo, voltam a tramitar os processos cujo curso tenha sido suspenso pelo relator, de acordo com o artigo seguinte. Esta suspensão pode permanecer, se houver decisão do relator neste sentido, evidentemente, fundamentada. Como todo prazo impróprio, seu descumprimento não gera consequências de ordem processual. No entanto, evidentemente, deve ser respeitado, principalmente num caso como este: a decisão do incidente abrangerá uma multiplicidade de processos cujo trâmite está suspenso. A demora no julgamento ofende, neste caso, escancaradamente a garantia da razoável duração do processo". Uma vez admitido o incidente, o relator determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no mesmo estado ou região dentro do âmbito de competência do tribunal. Além disso, o relator pode requisitar informações aos órgãos em cujos juízos tramitam processos referentes ao objeto do incidente, informações estas que devem ser disponibilizadas em até 15 (quinze) dias. O relator ainda deve intimar o ministério público para se manifestar em até 15 (quinze) dias. Nos termos do artigo 982, parágrafo segundo, do CPC/15, durante a suspensão de que trata o artigo 982, I, do CPC/15, a parte deve apresentar o pedido de tutela provisória de urgência perante o juízo no qual tramita o processo com trâmite sobrestado em razão do incidente. O artigo 982, parágrafos terceiro e quarto, do CPC/15, cuidam da possibilidade de qualquer um dos legitimados mencionados no artigo 977 do CPC/15 requererem ao tribunal superior, competente para a apreciação de futuro recurso especial ou extraordinário, que a suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 seja estendida a todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional, desde que versem sobre a mesma questão objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas suscitado, admitido e ainda pendente de julgamento por tribunal a quo. Independentemente dos limites de competência do tribunal no qual tramita o incidente de resolução de demandas repetitivas, o pedido de que trata o parágrafo terceiro do artigo 982 do CPC/15 pode ser apresentado por qualquer parte de processo em curso dentro do território nacional e no qual se debata a mesma questão de direito objeto de incidente já instaurado. O objetivo real dos parágrafos terceiros e quarto do artigo 982 do CPC/15 é possibilitar a ampliação dos efeitos da suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 a todos os processos individuais ou coletivos, no âmbito nacional, que tenham a mesma questão de direito objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado. Teresa Arruda Alvim6 observa que: "Identificando a segurança jurídica como um dos seus aspectos, aquele que se liga à previsibilidade, diz este dispositivo que aqueles que podem pedir para que o incidente seja instaurado - partes, MP, defensoria, juiz ou relator, podem pedir ao STJ ou ao STF, antes que o recurso especial ou extraordinário seja interposto, que todos os processos individuais ou coletivos, que estejam em curso no território nacional, sejam suspensos. Esta suspensão cessa, diz o parágrafo seguinte, se não for interposto recurso especial ou extraordinário. Se o relator não tem outra escolha, se não a de mandar suspender todos os processos que estejam tramitando na esfera de sua competência, já que esta é uma consequência natural do juízo de admissibilidade positivo do pedido de instauração do incidente de julgamento de demandas repetitivas, aqui, parece que as coisas se passam diferentemente. Este pedido não é automaticamente deferido pelo STF ou STF: deve-se avaliar se suspender todos os processos que estejam tramitando no país contribui, no caso concreto, para a realização do valor segurança jurídica. Fatores que podem ser levados em conta são: o número não tão expressivo de ações e, também, ter-se revelado tendência a que se decida predominantemente num certo sentido. Não sendo interpostos recurso especial ou extraordinário, voltam os processos, cujo trâmite for suspenso, a correr normalmente". O artigo 983 do CPC/15 prevê que o relator ouvirá as partes e os interessados na questão objeto do incidente suscitado, os quais terão o prazo de até 15 (quinze) dias para requerer a juntada de documentos e das diligências necessárias para o julgamento do incidente. Em seguida, o Ministério Público pode se manifestar no mesmo prazo de até 15 (quinze) dias. Para ter uma instrução mais completa do incidente, o relator pode se valer de audiência pública, com a oitiva de pessoas com experiência e conhecimento na matéria objeto do incidente. O amicus curiae é perfeitamente admitido no incidente de resolução de demandas repetitivas. Nos termos do parágrafo terceiro do artigo 138 do CPC/15, o amicus curiae pode, inclusive, apresentar recurso contra a decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. Cassio Scarpinella Bueno7 doutrina que "o dispositivo menciona que os outros interessados podem ser pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, o que traz à tona a figura do amicus curiae generalizada pelo art. 138. O interesse na manifestação em tais casos, importa destacar, é necessariamente o institucional e, portanto, inconfundível com o usual interesse jurídico que caracteriza as demais modalidades de intervenção de terceiro, tradicionais e novas, disciplinadas pelo CPC de 2015...Entendo que essas audiências públicas e a oitiva do amicus curiae merecem ser tratadas como as duas faces da mesma moeda, isto é, como técnicas que permitem a democratização (e, consequentemente, a legitimação) das decisões jurisdicionais tomadas em casos que, por definição, tendem a atingir uma infinidade de pessoas que não necessariamente far-se-ão representar pessoal e diretamente no processo em que será fixada a interpretação da questão jurídica. A audiência pública, esta é a verdade, é um local apropriado para que a participação do amicus curiae seja efetivada". Após a instrução, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. Uma vez julgado o incidente, nos termos do artigo 985 do CPC/15, a tese jurídica deve ser aplicada a todos os processos individuais ou coletivos, presentes e futuros, que versam sobre a mesma questão de direito e que estejam na área de jurisdição do tribunal, sendo que os processos que tramitam nos juizados especiais também deverão ser atingidos. Caso não seja observada a tese fixada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, caberá, inclusive, reclamação, conforme previsto nos artigos 985, parágrafo primeiro, e 988, IV, do CPC/15. O julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas pode ser objeto de recurso especial e extraordinário, nos termos do artigo 987 do CPC/15. Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 987 do CPC/15, o(s) recurso especial e/ou recurso extraordinário terá (ão) efeito suspensivo, além de presumir-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente referente à tese jurídica objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas. Uma vez julgado o recurso especial e/ou o recurso extraordinário, a tese jurídica fixada em sede de tribunal superior, nos termos do artigo 987 do CPC/15, deverá ser aplicada, no território nacional, em todos os processos individuais ou coletivos que versam sobre idêntica questão de direito. Conforme prevê o artigo 986 do CPC/15, é possível a revisão da tese jurídica firmada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, em procedimento a ser instaurado perante o mesmo tribunal, a pedido dos legitimados do artigo 977, III, do CPC/15 ou por iniciativa do próprio tribunal. __________ 1 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 635. 2 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 637. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1552. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1553. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1558. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1562. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 644.
Rogerio Mollica Um dos artigos mais comentado e estudado do Código de Processo Civil de 2015 é o artigo 139, IV, que prevê a possibilidade de adoção de medidas coercitivas atípicas. A doutrina, em sua maioria, defende a aplicação de tais medidas. Por todos, cita-se o professor Olavo de Oliveira Neto, que em recentíssima e prestigiada obra sobre o tema defende a possibilidade da apreensão de passaporte e da carteira de habilitação1. As medidas coercitivas atípicas vêm sendo bastante concedidas em primeira instância, entretanto, os Tribunais, com destaque para o Tribunal de Justiça de São Paulo2 e o Superior Tribunal de Justiça, vêm sistematicamente restringindo tais medidas. Uma dúvida que surge é se tais medidas poderiam ser requeridas pelos Entes Públicos em Execuções Fiscais. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem constantemente indeferindo o pedido de apreensão de Passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação em face de devedores em Executivos Fiscais, eis que tais medidas não guardariam pertinência com a cobrança dos débitos: "EXECUÇÃO FISCAL - Medidas coercitivas para satisfação de dívida tributária - Art. 139, inciso IV do NCPC - Insurgência contra a decisão do Juízo que deferiu as providências requeridas pela exequente - Pretensão de bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação, cancelamento de passaporte e inscrição do nome do devedor no SERASAJUD - Cabimento apenas desta última - Demais medidas que, sobre não se revelarem úteis à satisfação do débito, atentam contra os dizeres das Súmulas nºs 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal - Recurso provido em parte."(TJSP; Agravo de Instrumento 2138322-05.2019.8.26.0000; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Artur Nogueira - Vara Única; Data do Julgamento: 26/09/2019; Data de Registro: 26/09/2019) Entretanto, em recentíssima decisão o Superior Tribunal de Justiça afastou peremptoriamente a possibilidade da aplicação das medidas coercitivas atípicas do artigo 139, IV, do CPC nas Execuções Fiscais, eis que os Entes Públicos já gozam de muitos privilégios na cobrança dos seus créditos via executivos fiscais, conforme se extraí do seguinte trecho do voto: "(...) 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13.Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14.Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15.Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16.Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). (...)" (HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019) Desse modo não podem os Entes Públicos se valerem das medidas coercitivas atípicas para o recebimento de seus créditos, via executivos fiscais, que como é notório, não têm se mostrado efetivos na satisfação dos créditos públicos. __________ 1 Para o professor em sua obra O Poder Geral de Coerção (São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2019): "A medida coercitiva de apreensão do passaporte não atinge ao direito fundamental de liberdade de seu destinatário, mas apenas opera uma limitação quanto a sua livre circulação e mesmo assim em casos especialíssimos. Diante da ausência de regra infraconstitucional proibitiva da sua concessão, não há óbice para que o juiz a decrete com fulcro no Poder Geral de Coerção que lhe confere o art. 139, IV, do CPC. Mesmo para os que entendem que limitar a livre circulação implica em limitar a liberdade, não há como vedar ao magistrado a possibilidade de concedê-la com fulcro no Poder Geral de Coerção, uma vez que se trata de medida coercitiva cuja aplicação se limita a casos excepcionais, nos quais a conduta improba do seu destinatário faz com que o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional prevaleça sobre o direito fundamental à liberdade". (p. 318/319). Prossegue o professor: "Apreensão de carteira de habilitação é medida altamente recomendável porque exerce uma eficácia coercitiva naturalmente "seletiva", já que deixa de produzir efeitos concretos com relação ao devedor desafortunado e que não age de má-fé, mas alcança com força o devedor que age de má-fé e àqueles que deixam de cumprir uma determinação judicial". (p. 139). 2 Fernando da Fonseca Gajardoni e Augusto Martins Pereira analisaram 137 acórdãos do TJSP prolatados em 2017 e em 123 (89,79%) não foi permitida a aplicação de nenhuma das três modalidades mais conhecidas de medidas coercitivas atípicas (suspensão da CNH, apreensão de passaportes e bloqueio/cancelamento de cartão de crédito). ("Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJ/SP", in Reflexões sobre o Código de Processo Civil de 2015: uma contribuição dos membros do Centro de Estudos Avançados de Processo - Ceapro, São Paulo: Verbatim, 2018, p. 290).
Daniel Penteado de Castro Em outras oportunidades postas nesta coluna pudemos comentar situações de aceitação pelos tribunais do cabimento de agravo de instrumento como meio de impugnação de decisão judicial em hipóteses além das previstas no rol taxativo do art. 1.015, do CPC, tal como decidido quanto decisões ligadas a (i) definição de competência (ii) decisões relativas à produção de provas1, assim como arbitramento de honorários periciais2 (iii) quando demonstrado risco de perecimento do direito3 assim como (iv) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução4. Mediante julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT, decidiu a Corte Especial do STJ, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante do quanto decidido acima em dezembro de 2.018, emergiram entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros e (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo - intervenção de terceiro e competência - é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: (i) o exame do elemento que prepondera na decisão; (ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; (iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: (i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; (ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado - se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; (iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 6- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFINE COMO CONSUMERISTA A RELAÇÃO JURÍDICA MANTIDA ENTRE AS PARTES E AFASTA A TESE DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, II, DO CPC/2015. MÉRITO DO PROCESSO. CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. CABIMENTO QUE ABRANGE AS DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO, AS DECISÕES ELENCADAS NO ART. 487 DO CPC/2015 E AS DEMAIS QUE DIGAM RESPEITO A SUBSTÂNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO. ENQUADRAMENTO FÁTICO-NORMATIVO DA RELAÇÃO DE DIREITO SUBSTANCIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA AO MÉRITO, SALVO SE DELA DECORRER UMA QUESTÃO DE MÉRITO, COMO O PRAZO PRESCRICIONAL À LUZ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NECESSIDADE DE EXAME CONJUNTO. 1- Ação proposta em 17/04/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2017 e atribuído à Relatora em 18/10/2017. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da controvérsia e afasta a prescrição com base nessa regra jurídica. 3- Embora se trate de conceito jurídico indeterminado, a decisão interlocutória que versa sobre mérito do processo que justifica o cabimento do recurso de agravo de instrumento fundado no art. 1.015, II, do CPC/2015, é aquela que: (i) resolve algum dos pedidos cumulados ou parcela de único pedido suscetível de decomposição, que caracterizam a decisão parcial de mérito; (ii) possui conteúdo que se amolda às demais hipóteses previstas no art. 487 do CPC/2015; ou (iii) diga respeito a substância da pretensão processual deduzida pela parte em juízo, ainda que não expressamente tipificada na lista do art. 487 do CPC. 4- O simples enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes, por si só, não diz respeito ao mérito do processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que poderão influenciar o resultado da controvérsia, mas, se a partir da subsunção entre fato e norma, houver pronunciamento judicial também sobre questão de mérito, como é a prescrição da pretensão deduzida pela parte, a definição da lei aplicável à espécie se incorpora ao mérito do processo, na medida em que não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil, devendo ambas as questões, na hipótese, ser examinadas conjuntamente. 5- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019) Ainda, recentemente o STJ também referendou o entendimento de cabimento de agravo de instrumento (iii) interposto contra decisão que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de que, muito embora no perfil do CPC/2015 deixe de compor condição da ação, tal questão compõe parcela de mérito em discussão no processo: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE. ART. 1.015, II, CPC/15. 1- Ação proposta em 03/04/2017. Recurso especial interposto em 23/02/2018 e atribuído à Relatora em 16/08/2018. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 3- Ao admitir expressamente a possibilidade de decisões parciais de mérito quando uma parcela de um pedido suscetível de decomposição puder ser solucionada antecipadamente, o CPC/15 passou a exigir o exame detalhado dos elementos que compõem o pedido, especialmente em virtude da possibilidade de impugnação imediata por agravo de instrumento da decisão interlocutória que versar sobre mérito do processo (art. 1.015, II, CPC/15). 4- Para o adequado exame do conteúdo do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito, como, por exemplo, os aspectos temporais que permitem identificar a ocorrência de prescrição ou decadência e, ainda, os termos inicial e final da relação jurídica de direito material. Precedentes. 5- O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina brasileira, que reconhecia o fenômeno como um aspecto do mérito do processo, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/15, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação. 6- A possibilidade jurídica do pedido após o CPC/15, pois, compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, CPC/15. 7- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/8/2019, DJe 15/8/2019) Frente a tais entendimento, poder-se-ia acreditar que a maioria das decisões interlocutórias passariam a ser impugnadas por meio do recurso de agravo, seja por força da interpretação extensiva do art. 1.015 do CPC, seja em razão do entendimento firmado pela Corte Especial do STJ quando do julgamento do REsp 1704520/MT acima citado, condutor da tese de taxatividade mitigada. Todavia, duas recentes decisões afastaram o cabimento do manejo de agravo de instrumento. A primeira, (i) a repudiar o cabimento de agravo tirado de decisão interlocutória que fixou ponto controvertido e deferiu a produção de provas: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO CONTRA DECISÃO QUE, NO CASO, FIXOU PONTO CONTROVERTIDO E DEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVAS. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 356, I E II, § 5º, C/C O ART. 1.015, II, DO CPC/2015. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO NCPC. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte já assentou o entendimento de que "é possível ao Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Ademais, com a interposição do agravo regimental, fica superada a alegação de nulidade pela violação ao referido princípio, ante a devolução da matéria à apreciação pelo Órgão Julgador" (AgRg no REsp n. 1.113.982/PB, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 29/8/2014). 2. Consoante dispõe o art. 356, caput, I e II, e § 5º, do CPC/2015, o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrarem-se incontroversos ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355, sendo a decisão proferida com base neste artigo impugnável por agravo de instrumento. 3. No caso, conforme asseverou o acórdão recorrido, a decisão do Juízo singular não ingressou no mérito, justamente porque entendeu pela necessidade de dilação probatória, deferindo as provas testemunhal e pericial. Logo, não havendo questão incontroversa que possibilitasse a prolação de decisão de mérito, inviável se falar, por conseguinte, na impugnação do referido decisum por meio de agravo de instrumento, por não estar configurada a hipótese do art. 1.015, II, do CPC/2015. 4. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não se verifica na hipótese. 5. Agravo interno desprovido." (STJ, AgInt no AREsp 1411485/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 1/7/2019, DJe 6/8/2019) A segunda, (ii) repeliu o cabimento de agravo contra decisão que, na segunda fase do procedimento especial da ação de prestação de contas, nomeou perito e deferiu a produção de prova pericial: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM SEGUNDA FASE DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTEÚDO NÃO ABRANGIDO PELO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. ATIVIDADES JURISDICIONAIS DESENVOLVIDAS NAS DUAS FASES DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. NATUREZA JURÍDICA COGNITIVA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE SOMENTE SE INICIA APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL, SEJA QUANTO AO DEVER DE PRESTAR OU DE EXIGIR CONTAS, SEJA QUANTO A APURAÇÃO DE CRÉDITO, DÉBITO E EXISTÊNCIA DE SALDO. INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL PREVISTO NO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA IMPUGNADA. INAPLICABILIDADE DA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA. 1- Recurso especial interposto em 05/09/2018 e atribuído à Relatora em 18/7/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15. 3- A ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental diferenciada, em que a primeira fase visa discutir a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas e a segunda fase julga a própria prestação das contas a partir das receitas, despesas e eventual saldo, de modo que a atividade jurisdicional desenvolvida em ambas as fases possui natureza jurídica cognitiva própria da fase de conhecimento, tendo em vista a necessidade de acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. 4- A fase de cumprimento da sentença e, eventualmente, de liquidação da sentença na ação de prestação de contas apenas pode ser deflagrada após a prolação da sentença proferida na segunda fase dessa ação, oportunidade em que a cognição acerca do dever de prestar ou de exigir e a apuração de créditos, débitos e existência de saldo estarão definitivamente julgadas, viabilizando, se necessário, a liquidação da sentença condenatória e a cobrança do valor apurado sob a forma de cumprimento da sentença. 5- Na hipótese, a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal estabelecido para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, sim, aplica-se o regime recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15), que não admite a recorribilidade imediata da decisão interlocutória com o referido conteúdo, não se aplicando, ademais, a tese da taxatividade mitigada por se tratar de decisão interlocutória publicada anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos. 6- Recurso especial conhecido e desprovido." (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, terceira turma, j. 20/08/2019, DJe 22/08/2019) Respeitado entendimento em sentido contrário, os critérios definidores da aludida taxatividade mitigada parecem não se coadunar com a preciosa segurança jurídica, de sorte a restar ao jurisdicionado verdadeiro teste laboratorial no ímpeto de aventurar-se perante o Poder Judiciário quanto a interpretação da hipótese de interposição do agravo estar sujeita ou não a aplicação de referida tese. Melhor seria manter corrente interpretativa de cabimento do agravo mediante demonstração de dano irreparável ou perecimento do direito, ou, ainda, nas hipóteses que não há espaço procedimental para a interposição de futuro recurso de apelação (e devolução da matéria recursal), a exemplo da expressa previsão do parágrafo único, do art. 1.015, do CPC. O que se espera à luz das interpretações que recaem sobre a aplicação da taxatividade mitigada é a preservação da jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, do CPC), em especial ao quanto já decidido no que toca a interpretação de cabimento, ou não, do recurso de agravo em situações que transcendem o rol taxativo do art. 1.015 do CPC. __________ 1 Agravo de Instrumento - Recentes julgados que autorizam a interposição do agravo de instrumento contra decisões referentes à competência. 2 O agravo de instrumento e os honorários periciais. 3 Recentes posições do Tribunal de Justiça de São Paulo relativizando o rol do artigo 1015 do CPC/15. 4 Agravo de instrumento de decisões proferidas nos embargos à execução.
André Pagani de Souza O art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015) dispõe que incumbe ao juiz: "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". Com base nesse dispositivo, é possível encontrar várias decisões proferidas pelos Tribunais Superiores determinando a restrição do direito de dirigir e de viajar ao exterior de pessoas que figuram como executadas em processos de execução por quantia certa. Tais decisões já foram objeto de diversos artigos publicados nesta coluna do "CPC na Prática". Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em um processo de execução fiscal, vedou a utilização de tais expedientes (apreender passaporte e suspender carteira de habilitação para dirigir) contra um executado, conforme noticiado no Informativo de Jurisprudência 0654, de 13/9/2019, pois o exequente já têm em seu favor inúmeros privilégios concedidos pela Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/1.980) para receber seu crédito. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). (HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/6/2019, DJe 15/08/2019, grifos nossos). Digno de nota, portanto, o julgado acima ementado do Superior Tribunal de Justiça que estabelece distinção, para fins de incidência do art. 139, inciso IV, do CPC, entre a execução fiscal regida pela lei 6.830/1.980 e o próprio Código de Processo Civil.
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 23/4/2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o Agravo de Instrumento n. 2053491-24.2019.8.26.0000, tendo-se decidido que: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PENHORA. PREFERÊNCIA LEGAL. Tentativa de bloqueio de recursos financeiros da agravante frustrada. A falta de dinheiro em conta é demonstração de que a ordem estabelecida pelo art. 835 do CPC foi observada. Competia ao devedor indicar outros bens antecedentes passíveis de penhora, o que não foi feito. PENHORA DE FATURAMENTO. Penhora sobre o faturamento no valor mensal de 30% da receita. Percentual excessivo e põe em risco a atividade econômica explorada pela sociedade. Art. 866 do CPC. Penhora reduzida para 5% do faturamento bruto mensal da pessoa jurídica. Decisão reformada. Recurso provido em parte." Em especial, o julgado enfatiza a importância do administrador judicial para a elaboração de um plano de constrição eficiente, sendo tal trabalho essencial para a fixação do percentual a ser observado na realização da penhora: "Na penhora de faturamento, o administrador deverá submeter à aprovação judicial a base de cálculo, o percentual e o tempo de constrição, corroborado por documentos e informações necessárias para a formação do plano de pagamento para satisfação do credor". O mesmo posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo é presente no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2177466-54.2017.8.26.0000, ocorrido em 13.12.2017, e no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2159588-53.2016.8.26.0000, ocorrido em 31/8/2016: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE FATURAMENTO. Penhora sobre o faturamento no valor mensal de 20% da receita. Alegação comprovada de que o percentual é excessivo e põe em risco a atividade econômica explorada pela sociedade. Art. 866 do CPC/15. Penhora reduzida para 5% do faturamento bruto mensal da pessoa jurídica. ENCARGO DE DEPOSITÁRIO. Recusa pela agravante sob fundamento de que não gerencia a empresa e não está apta ao cumprimento. Possibilidade. Súmula n. 319 do STJ. Precedentes. Incidência das regras do §3º do art. 866 e art. 869, §2º, do CPC. Havendo recusa do exequente e do executado, o magistrado deve nomear terceiro para que lhe preste contas periódicas e execute a medida constritiva. Decisão reformada. Recurso provido." "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE FATURAMENTO. Regularidade. Pressupostos atendidos. Inexistência de outros bens passíveis de penhora. Ausência de demonstração de que a penhora inviabiliza o exercício da atividade empresarial. Penhora mantida. Compatibilização dos princípios da menor onerosidade do devedor com o da efetividade da execução. Administrador que deverá demonstrar que o percentual da penhora compromete a sua sobrevivência ou mesmo inviabiliza a atividade econômica quando formular e apresentar o plano de pagamento do credor. Art. 866 do CPC/15. Recurso improvido". Na penhora de faturamento, a exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado. O artigo 866 do CPC/15 inspira reflexão sobre a necessidade de um procedimento cuidadoso na realização da penhora de faturamento; razão pela qual, com acerto, agem os tribunais quando exigem a nomeação de administrador e a elaboração de plano de pagamento para a fixação do percentual da constrição: "Execução fiscal. Penhora. Dinheiro em conta corrente. Não cabimento. Equivalência à penhora do estabelecimento. Comprometimento do capital de giro. Caráter excepcional não configurado. Equiparação à penhora de faturamento. Necessidade de nomeação de um depositário administrador. Artigos 677 e 678 do Código de Processo Civil". (TJ/SP, AG n. 9038193-92.2004.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto dos Santos Bedaque, Primeira Câmara, julgado em 28/5/2004). Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. Logo de início já é possível perceber que a penhora de faturamento não pode dispensar a figura de um administrador, a quem se incumbe à importante tarefa de elaborar um plano de atuação e pagamento ao credor. Ora, se a lei determina que o magistrado deva nomear um administrador para que ele estude a melhor forma de a constrição sobre o faturamento ocorrer, então claro é que o magistrado não pode dizer - sem ouvir um expert - qual é o percentual do faturamento que será penhorado, bem como qual é a base de cálculo que será utilizada para fins de incidência daquele percentual. O magistrado não deve fixar percentual, e nem a forma de constrição, sem ouvir previamente o administrador depositário nomeado; cabendo a este último, como expert, e não ao juiz, dar o devido direcionamento técnico para chegar-se à maneira mais eficiente de se satisfazer o credor, e da forma menos onerosa possível ao devedor. Ao magistrado cabe, após o seu devido juízo de ponderação, e após o regular contraditório entre as partes, chancelar o plano de atuação e pagamento elaborado pelo administrador, bem como fiscalizar a atuação deste último; tudo de modo a zelar-se pela efetividade da tutela executiva.
Daniel Penteado de Castro O cumprimento de decisão judicial ligada a obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa sofreu significativas mudanças no perfil do CPC/2015. Dentre algumas inovações, a expressa menção de que a resistência injustificada ao cumprimento da obrigação pode dar ensejo a responsabilização por crime de desobediência (art. 536, § 3º), e, no que tange ao regime da multa cominatória (astreinte), a possibilidade de sua execução imediata e nos próprios autos, porém autorizado o levantamento respectivo somente após o trânsito em julgado de sentença favorável (art. 537, §§s 2º ao 4º). Por sua vez, o STJ, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1333988/SP, sob o rito do então art. 543-C, do CPC/73, firmou a tese de que não caberia a incidência de astreinte em ação de exibição de documentos1, entendimento este cristalizado na inteligência da súmula 372 de referida corte superior: "na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação de multa cominatória". Em que pese o entendimento acima, os novéis arts. 139, IV e, 400, do CPC/2015 expressamente preveem: "Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: (...) Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. Aparente conflito entre a Súmula 372/STJ e a inteligência do art. 400 do CPC ensejou a proposta de afetação do recurso especial 1.763.463/MG (Tema n. 1.000), de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA COMINATÓRIA. TEMA 705/STJ. SUPERVENIÊNCIA NOVA DISCIPLINA DA MATÉRIA. ART. 400 DO CPC/2015. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE NOVA TESE. 1. Existência de tese firmada no julgamento do Tema 705/STJ, na vigência do CPC/1973, no sentido do "descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível". 2. Superveniência de nova disciplina legal da matéria no art. 400, p. u., do CPC/2015, que assim estatuiu: "sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". 3. Necessidade de novo enfrentamento da controvérsia com base no CPC/2015. 4. Delimitação da nova controvérsia: "cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015". 5. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/2015. (...) Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C) e, por unanimidade, suspender a tramitação de processos em todo território nacional, conforme proposta do Sr. Ministro Relator, a fim de consolidar entendimento sobre a seguinte controvérsia: cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015. (ProAfR no REsp 1.763.462/MG e REsp 1777553/SP, Tema Repetitivo n. 1000, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 30.10.2018, DJe 06.11.2018) Em que pese pender o julgamento do recurso especial repetitivo acima, a sinalizar ou não uma mudança de entendimento do STJ, é certo que, recentemente, entendeu-se pelo cabimento da multa cominatória (astreinte) em decisão destinada a compelir o devedor da obrigação a exibir informações e dados de sua exclusiva guarda: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA AJUIZADA EM FACE DE PROVEDOR DE ACESSO A INTERNET. ORDEM JUDICIAL PARA FORNECIMENTO DE DADOS VISANDO À IDENTIFICAÇÃO DE USUÁRIO (TERCEIRO), DE MODO A VIABILIZAR FUTURA AÇÃO INDENIZATÓRIA. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. SÚMULA 372/STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A multa cominatória (também chamada de astreintes, multa coercitiva ou multa diária) é penalidade pecuniária que caracteriza medida executiva de coerção indireta, pois seu único escopo é compelir o devedor a realizar a obrigação de fazer ou a não realizar determinado comportamento. Cuida-se de uma medida atípica de apoio à decisão judicial, de caráter meramente persuasório e instrumental, não caracterizando um fim em si mesmo. 2. No que diz respeito à obrigação de fazer, seu objeto consiste na adoção de comportamento ativo que não se destina preponderantemente a transferir a posse ou titularidade de coisa ou soma ao titular do direito. Para sua constatação, é necessário investigar, dentre os diversos aspectos da prestação (fazer, entregar, pagar), em qual deles reside o núcleo do interesse objetivo. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se que a pretensão cautelar reside no fornecimento de dados para identificação de suposto ofensor da imagem da sociedade de economia federal e de seus dirigentes. Assim, evidencia-se a preponderância da obrigação de fazer, consistente no ato de identificação do usuário do serviço de internet. 4. Tal obrigação, certificada mediante decisão judicial, não se confunde com a pretensão cautelar de exibição de documento, a qual era regulada pelo artigo 844 do CPC de 1973. Isso porque os autores da cautelar inominada não buscaram a exibição de um documento específico, mas, sim, o fornecimento de informações aptas a identificação do tomador do serviço prestado pela requerida, sendo certo que, desde 2009, já havia recomendação do Comitê Gestor de Internet no Brasil no sentido de que os provedores de acesso mantivessem, por um prazo mínimo de três anos, os dados de conexão e comunicação realizadas por meio de seus equipamentos. 5. Além do mais, as sanções processuais aplicáveis à recusa de exibição de documento - presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e busca e apreensão (artigos 359 e 362 do CPC de 1973) -, revelam-se evidentemente inócuas na espécie. É que os fatos narrados na inicial - a serem oportunamente examinados em ação própria - dizem respeito a terceiro (o usuário a ser identificado pela requerida), inexistindo, outrossim, documento a ser objeto de busca e apreensão, pois o fornecimento das informações pleiteadas pelas supostas vítimas reclama, tão somente, pesquisa no sistema informatizado da ré. 6. As citadas peculiaridades, extraídas do caso concreto, constituem distinguishing apto a afastar a incidência do entendimento plasmado na Súmula 372/STJ ("na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória") e reafirmado no Recurso Especial repetitivo 1.333.988/SP ("descabimento de multa cominatória a exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível"). 7. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.560.976/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 30.05.2019, grifou-se) Consoante se depreende do voto condutor, a identificação de ofensor de usuário de internet não se confunde com a pretensão de exibição de documento. Em outras palavras, o acesso a dada informação é medida que se distingue da apresentação do documento em si: "(...) É que os fatos narrados na inicial - a serem oportunamente examinados em ação própria - dizem respeito a terceiro (o usuário a ser identificado pela requerida), inexistindo, outrossim, documento a ser objeto de busca e apreensão, pois o fornecimento das informações pleiteadas pelas supostas vítimas reclama, tão-somente, pesquisa no sistema informatizado da ré. Tais peculiaridades, extraídas do caso concreto, constituem, a meu ver, distinguishing apto a afastar a incidência do entendimento plasmado na Súmula 372/STJ ("na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória") e reafirmado no Recurso Especial repetitivo 1.333.988/SP ("descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível"). Conforme cediço e se extrai do âmbito do julgamento do AgInt no REsp 1.705.306/RS (Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 07.06.2018, DJe 01.08.2018), a ratio decidendi de recurso repetitivo não pode se estender, de forma genérica e automática, a hipóteses em que diversos os fatos relevantes da causa. No tocante à Súmula 372/STJ - e ao repetitivo -, a ratio decidendi de ambos reside no cabimento da busca e apreensão e da presunção de veracidade como meios suficientes para garantir a efetivação da decisão judicial de exibição de documento, motivo pelo qual considerada excessiva a utilização da multa cominatória. O presente caso, entretanto, consoante ressaltado alhures, não diz respeito à exibição de documento, revelando-se, ademais, inócuas as sanções processuais referidas nos precedentes que serviram de base à Súmula 372/STJ. Nessa ordem de ideias, deve ser mantido o acórdão estadual que, confirmando sentença de procedência da ação cautelar satisfativa, considerou cabida a multa cominatória na hipótese. (...)" O entendimento acima se valeu da técnica de distinguising, para afastar o entendimento consolidado no Recurso Especial Repetitivo n. 1.333.988/SP, no sentido de dizer que distinção se extrai da circunstância de que o acesso a dada informação não se confunde com a exibição de documento em si. Muito embora, sob a perspectiva do jurisdicionado, que busca a produção de determinada prova documental, o que importa é o acesso ao seu conteúdo (sendo por vezes indiferente a exibição do documento em si, que em verdade servirá como meio de prova), o precedente acima sinaliza a possibilidade de aplicação da astreinte quando provocado o Poder Judiciário com vistas a se obter o acesso de dados e informações resistida a exibição pela parte. Resta ainda o julgamento do Tema 1.000 supra citado, o qual definirá se deve ou ser mantida a vedação de cabimento de astreinte na medida cautelar de exibição de documentos, lembrando que, já na vigência do CPC/2015, o STJ reafirmou a tese de que é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança da multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer2. __________ 1 RECURSO ESPECIAL  REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.  CADERNETA DE POUPANÇA.  CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.  EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 1.2. "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada." 2. Caso concreto: Exclusão das astreintes. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO." REsp 1333988/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Paulo de tarso Sanseverino, DJe 11.04.2014. 2 AgInt no REsp 1.714.838/MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJE 23.10.2018 e AgInt no AREsp 1.152.963/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJE 8/3/2018.
Rogerio Mollica Uma das grandes novidades do Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis. Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis? Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida. O professor André Vasconcelos Roque da UERJ entende que "Considerando-se que esse ato para o qual é intimado o devedor (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir efeitos no processo, inibindo as próximas etapas do cumprimento de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do executado (art. 523, 3º) e a abertura de prazo para impugnação (art. 525, caput), parece que o prazo deve ser qualificado como processual computando-se apenas nos dias úteis. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p.726)1. Já o professor Sérgio Shimura da PUC/SP e Desembargador do TJSP entende que "cuidando-se de prazo para 'pagamento', em rigor não há atividade preponderantemente técnica ou postulatória a exigir a presença - indispensável - do advogado. Depende quase que exclusivamente da vontade ou situação do próprio executado. Daí porque o prazo de 15 dias há de fluir de modo ininterrupto, e não apenas nos dias úteis." (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.356)2. Em artigo já publicado nesta coluna3, o professor Elias Marques de Medeiros Neto teve a oportunidade de defender a fixação do prazo em dias úteis após o Conselho da Justiça Federal ter aprovado o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Em recentíssimo acórdão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015: "RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ART. 523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corridos, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015. 2. O art. 523 do CPC/2015 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". 3. Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento da sentença no respectivo prazo legal. 3.1. Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual. 3.2. Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis. 4. Em análise do tema, a I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, de seguinte teor: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". 5. Recurso especial provido. (REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis do prazo previsto no artigo 523 do CPC/2015 para a segurança jurídica de todos. __________ 1 Também favoráveis à fixação do prazo em dias úteis: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, 16 ed., São Paulo: RT, 2016, p. 1.392) e Cássio Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 445). 2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682. 3 Publicação em 19/10/2017.
André Pagani de Souza O art. 489, § 1º, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015) estabelece que não se considera fundamentada a decisão judicial que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". Como se sabe, considerar uma decisão como sendo não fundamentada é algo gravíssimo e pode configurar uma nulidade porque um pronunciamento judicial com esta característica viola, a um só tempo, o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal (CF), e o art. 11, do CPC de 2015. Portanto, é de fundamental importância saber qual o "precedente" invocado pela parte gera o dever para o órgão jurisdicional de "demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento", caso se decida deixar de seguí-lo. Não se trata de atividade meramente acadêmica e despida de efeitos práticos conceituar o que é um "precedente" e o que seria um "precedente vinculante". Afinal, a qual espécie de "precedente" o art. 489, § 1º, inciso VI está fazendo referência? A resposta para esta pergunta pode levar à constatação de que uma decisão judicial deve ser considerada nula (ou não) por violar o art. 93, inciso IX, da CF, bem como o art. 11 do CPC de 2015. Com efeito, há decisões que são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de processos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros processos. Tais decisões têm caráter meramente persuasivo e não necessariamente vinculante. Com maior ênfase, o art. 927, do CPC de 2015, enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Assim, os pronunciamentos judiciais mencionados no art. 927 do CPC de 2015 seriam precedentes, conforme já se conceituou acima, qualificados de observância obrigatória pelos órgãos jurisdicionais. Ou seja, as decisões mencionadas no art. 927 de 2015 seriam precedentes vinculantes. Note-se que, mesmo se considerando apenas o universo das decisões mencionadas no art. 927 do CPC de 2015, há aqueles que sustentam que apenas os pronunciamentos dos incisos I e II seriam verdadeiramente vinculantes, pois as decisões do STF proferidas em controle concentrado de constitucionalidade vinculam por autorização constitucional (art. 102, § 2º) e os enunciados de súmula vinculante também vinculam por decorrência do art. 103-A da CF. As demais decisões do art. 927 (incisos III a V) teriam forte caráter persuasivo, mas não vinculariam, uma vez que o caput utiliza o verbo "observar" em vez do verbo "vincular", como o fez quando quis que a observância fosse obrigatória no § 3º do art. 947 do CPC de 2015 (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). De qualquer modo, tudo indica que os tribunais estão fazendo uma distinção entre o que é simplesmente precedente e aquilo que deve ser considerado precedente vinculante. Tanto isso é verdade que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.427.771/SP, não declarou a nulidade de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, na sua fundamentação, deixou de analisar todos os precedentes, acórdãos e sentenças suscitados pelas partes, para demonstrar a existência de distinção entre eles e o processo sob julgamento da Corte Bandeirante. Confira-se, a propósito, o trecho da ementa do acórdão em questão: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS. DEVER DE MOTIVAÇÃO. ART. 927 DO CPC. ACÓRDÃO E SENTENÇA DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. NÃO CONSTAM DO ROL PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE ANÁLISE PORMENORIZADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REVISÃO INVIÁVEL. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 3. O julgador não é obrigado a discorrer sobre todos os argumentos levantados pelas partes, mas sim decidir a contento, nos limites da lide que lhe foi proposta, fundamentando o seu entendimento de acordo com o seu livre convencimento, baseado nos aspectos pertinentes à hipótese sub judice e com a legislação que entender aplicável ao caso concreto. 4. Com exceção dos precedentes vinculantes previstos no rol do art. 927 do CPC, inexiste obrigação do julgador em analisar e afastar todos os precedentes, acórdãos e sentenças, suscitados pelas partes. (...) (AgInt no AREsp 1427771/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/6/2019, DJe 27/6/2019, grifos nossos)". Como se pode perceber, no processo acima referido, a parte recorrente havia invocado em seu favor uma sentença e um acórdão que, no seu entendimento, se amoldariam aos fatos sob apreciação do órgão jurisdicional e que, por serem decisões anteriores, deveriam ser considerados como precedentes para a decisão que deveria ser tomada na hipótese sob julgamento. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), simplesmente ignorou as decisões apresentadas pelo recorrente e invocadas como precedentes, dando uma outra solução para o processo. Por isso, foi interposto recurso especial para o STJ sob o argumento de que teria sido violado o inciso VI do § 1º do art. 489 do CPC de 2015, uma vez que o TJSP teria deixado de seguir precedente "sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, confirmou o entendimento do TJSP de que não há dever de análise pormenorizada de precedentes invocados pelas partes se estes não forem precedentes vinculantes. E mais, apontou a Corte Superior que precedentes vinculantes, para tal finalidade, são aqueles constantes do rol do art. 927 do CPC de 2015. Veja-se, a propósito, trecho da decisão da lavra do Min. Luis Felipe Salomão, que comprova o quanto afirmado até aqui: "(...) 3. Além disso, conforme o que constou da decisão recorrida, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não possui a obrigação de se manifestar sobre a similitude entre o presente feito que aquilo que restou decidido na sentença proferida no processo 1016457-28.2016.8.26.0100 e acórdão no feito 1110926-66.2016.8.26.0100, uma vez que tais precedentes não possuem caráter vinculante. Com efeito, verifica-se que a referida sentença, bem como o acórdão supracitado não constam do rol do art. 927 do CPC, o qual aponta lista dos precedentes qualificados de observância obrigatória dos julgadores, os quais, quando não aplicados, necessitam de distinção expressa e fundamentada para terem afastados. Logo, os julgados citados pelo agravante não possuem efeito vinculante, possuindo efeito apenas persuasivo, os quais, repisa-se, não precisam ser detalhadamente analisados e/ou afastados pelo magistrado, inexistindo qualquer violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC (...)" (grifos nossos). Logo, o Superior Tribunal de Justiça faz uma distinção entre precedentes (que teriam caráter meramente persuasivo) e precedentes vinculantes (que seriam qualificados de observância obrigatória pelo art. 927 do CPC de 2015). Se a parte invocar os primeiros (os precedentes) em seu favor e o órgão jurisdicional entender que eles não devem ser levados em consideração na decisão, inexiste necessidade de, na fundamentação da decisão, explicar a distinção entre os precedentes invocados e o caso concreto. Por outro lado, se a parte invocar em seu favor os precedentes qualificados de observância obrigatória pelo art. 927 do CPC de 2015 (os precedentes vinculantes), o órgão jurisdicional deverá cumprir o comando do inciso VI do § 1º do art. 489 do CPC de 2015 se quiser deixar de seguir aquilo que foi invocado, devendo "demonstrar a distinção do caso em julgamento ou a superação do entendimento".
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 31/7/2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o agravo de instrumento n. 2113575-88.2019.8.26.0000, tendo sido relator o desembargador Azuma Nishi, sendo certo que: (i) autorizou-se a aplicação do artigo 468, I, do CPC/15 para determinar a substituição de perito pela falta de formação técnica para a elaboração do laudo; e (ii) se consignou que o perito não pode terceirizar seus trabalhos a outros especialistas; não sendo tal prática permitida pelo ordenamento processual: "Em decisão saneadora, o D. Magistrado a quo determinou a realização da perícia técnica, indicando, para tanto, a advogada (...), que apresentou proposta de honorários no importe de R$ (...), apresentando o nome do engenheiro (...) para auxiliá-la. Em ato subsequente, os agravantes manifestaram-se contrários à indicação, bem como a proposta de remuneração apresentada ante sua exorbitância e ausência de justificativa para seu arbitramento, postulando a substituição da Dra. (...) pelo engenheiro (...), que deveria apresentar sua proposta. O MM. Juízo de Direito indeferiu o pleito ao argumento de que cabe ao julgador a nomeação de perito de sua confiança e que detenha conhecimento técnico adequado à realização da perícia. Pois bem. 4. No caso concreto, instada a se manifestar, a Dra. (...) defendeu deter conhecimento jurídico específico na área de propriedade industrial, bem como o subsídio acerca do conhecimento estrutural que será prestado pelo assistente de sua equipe. Ademais, a título exemplificativo, mencionou as ações que atuou na qualidade de perita judicial. Respeitado posicionamento em sentido contrário, o desfecho da lide demanda a nomeação de perito com conhecimento técnico específico para averiguar a composição e operacionalidade do misturador de argamassa, em busca dos indícios de ocorrência de contrafação. A meu ver, a nomeação de perita com amplos conhecimentos na área de propriedade industrial e/ou vasta atuação em demandas cujo objeto seja violação de patente, não lhe confere a capacidade técnica exigida para o exercício do múnus. Com efeito, nomear profissional da área jurídica confere à perícia contornos predominantemente jurídicos, o que se confunde com o próprio exercício da advocacia. Não se olvida que a competência para dirimir a controvérsia é do juiz da causa, não cabendo ao expert atestar a existência ou não da contrafação. Dito de outro modo, o conhecimento técnico detido pela perita não é condizente com os fatos relevantes para julgamento, tendo em vista que se busca nos autos a elucidação quanto às semelhanças e distinções dos bens ora confrontados. "Outrossim, definir se há ou não contrafação, do ponto de vista jurídico campo em que se destaca o conhecimento científico da perita nomeada acaba por se confundir com o julgamento do próprio mérito da demanda judicial. Isso, porque, a conclusão por meio de subsunção do fato à norma, a fim de caracterizar o produto da recorrente como objeto de contrafação, não pode ser compreendido no conceito de fato estranho à ciência jurídica para fins de produção probatória, mas corresponde com absoluta da exatidão ao munis da jurisdição." Somado a isso, tem-se que a nomeação de assistente da área de engenharia, integrante da equipe de trabalho da perita nomeada, apenas confirma a falta de conhecimentos específicos e qualificação necessária para realização do laudo pericial. Como se não bastasse, o C. Superior Tribunal de Justiça assentou, no mesmo julgado, que "a lei não admite que a indicação dos demais peritos seja terceirizada, pois não há previsão para que o perito 'subnomeie' auxiliares de outras áreas de conhecimento; essa nomeação, quando necessária, caberá ao juiz. Isso porque todos os peritos envolvidos na realização da perícia complexa devem atender os mesmos deveres e se sujeitar às mesmas responsabilidade, gozando do mesmo status jurídico de perito expert da confiança do Juízo". A propósito, neste sentido já se manifestou esta C. Câmara Reservada de Direito Empresarial: "Agravo de instrumento. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SUBSTITUIÇÃO DE PERITO. Recurso que deve ser admitido em virtude da subsunção ao conceito de urgência adotado pelo STJ, no julgamento do REsp n. 1.704.520/MT. Mérito. Hipótese em que a perita nomeada afirmou sua expertise no fato de ter atuado em outros feitos e informou que a realização dos trabalhos será acompanhada por engenheiro. Formação jurídica que não é suficiente para satisfazer a exigência de conhecimento técnico ou científico especializado no objeto da perícia. Requisito que não pode ser suprido pelo auxílio de terceiros. Substituição que se impõe, nos termos do art. 468, I, do CPC. Decisão reformada. Recurso provido. 3 Patente de invenção Ação inibitória Afirmação de violação da propriedade industrial a partir da prática de procedimentos sofisticados envolvidos na formulação de fabricação de fungicida Perita nomeada que não possui formação na área Insurgência de ambas as partes Exegese do artigo 468, inciso I do CPC de 2015. Precedente doutrinário e jurisprudencial. Decisão reformada Recurso provido". Assim, por mais notória que seja sua capacidade técnica neste ramo, de rigor o acolhimento do presente recurso para que seja efetuada a substituição da profissional nomeada, por outro que detenha formação na área envolvida na perícia, com arrimo no artigo 468, inciso I do Código de Processo Civil de 2015. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso". Quando for necessário, para a demonstração de determinado fato alegado, conhecer-se tema técnico e/ou científico específico, o magistrado deve determinar a realização da prova pericial, a qual se dará através do trabalho de um perito; um especialista no tema técnico referente ao fato alegado. João Batista Lopes leciona que "de modo geral, a demonstração dos fatos faz-se por documentos ou depoimentos. Às vezes, porém, a prova documental e a oral se mostram insuficientes para o perfeito esclarecimento das alegações formuladas pelas partes. Tal se dá quando a apuração dos fatos envolve matéria técnica que refoge ao conhecimento do homem comum, a exigir o concurso de profissionais especializados ou pessoas experimentadas. É a pericia, que pode assim ser conceituada: trata-se de espécie de prova, produzida mediante o concurso de profissionais especializados ou pessoas experientes". (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 130). O artigo 464 do CPC de 2015 sinaliza que a perícia pode consistir em exame, vistoria ou avaliação. "Exame é a espécie de perícia que recai sobre coisas ou pessoas com a finalidade de verificação de fatos ou circunstâncias de interesse da causa (...). Vistoria é a inspeção realizada sobre imóveis para constatação de circunstâncias relevantes para o desate da causa (...). Avaliação é a fixação ou estimação do valor de mercado de coisas móveis ou imóveis, direitos e obrigações em processos de execução (avaliação dos bens penhorados) ou em inventários". (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 130). Pela regra legal, o magistrado deve indeferir a perícia quando: (i) a prova não depender de conhecimento técnico especializado; (ii) diante das outras produzidas, a prova pericial se mostrar desnecessária; e (iii) não for possível realizar o exame, a vistoria ou avaliação, diante das particularidades do caso concreto. É evidente, contudo, que o magistrado deve observar se os fatos objeto de prova exigem conhecimento técnico especializado. E caso este tipo de conhecimento seja necessário, prudente é que o juiz determine a realização da prova pericial, sob pena de configurar-se, no caso concreto, cerceamento de defesa. O magistrado deve, em decisão motivada, designar o perito especializado para a produção da prova técnica, já fixando, na mesma decisão, o prazo necessário para a entrega do laudo. Em quinze dias, contados da intimação da decisão acima referida, as partes podem arguir o impedimento ou a suspensão do perito (caso haja elemento para isso), indicar seu assistente técnico e apresentar quesitos a serem respondidos pelo perito. O parágrafo primeiro do artigo 465 do CPC de 2015 merece aplausos, pois apresenta o momento específico para que as partes possam questionar a imparcialidade do perito para a elaboração do laudo pericial. Aplicam-se ao perito as mesmas causas de impedimento e suspeição do juiz. Nesta linha leciona Luiz Guilherme Marinoni: "A prova pericial é realizada por perito. Chama-se assim a pessoa - física ou jurídica - que, contando com a confiança do juiz, é convocada para, no processo, esclarecer algum ponto que exija o conhecimento técnico especial. Acima de tudo, o perito deve ter idoneidade moral e, assim, ser da confiança do juiz. Note-se que o juiz julga com base no laudo técnico, e o jurisdicionado tem direito fundamental a um julgamento idôneo. Se é assim, não deve o juiz julgar a partir de laudo pericial assinado por pessoa que não mereça confiança, já que estaria entregando à parte prestação jurisdicional não idônea. O juiz, quando precisa de laudo pericial, não deve deixar que a definição de um fato seja feita por qualquer pessoa, como se não lhe importassem a qualidade e a idoneidade da resposta jurisdicional. Além da idoneidade, o perito deve contar com conhecimento técnico suficiente (...). Ora, se as partes têm direito a um juiz imparcial, obviamente também tem direito a um perito imparcial. É fundamental que o perito seja técnica e moralmente idôneo para que o juiz possa formar um convencimento adequado a respeito dos fatos e para que as partes, por consequência lógica, sejam realmente atendidas por um juiz imparcial. É nesse sentido que se diz que o juiz deve, antes de julgar o litígio, julgar o próprio perito. Aplicam-se ao perito - no intuito de assegurar sua imparcialidade - as mesmas causas de impedimento e suspeição atinentes ao juiz". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 795). Com a apresentação de impugnação ao perito, em razão de suspeição ou impedimento, o juiz, após regular contraditório, julgará o pedido de afastamento do especialista. Note-se que o perito também precisa ser qualificado e ter a habilitação acadêmica e profissional necessárias para dirigir adequadamente a formação do laudo pericial. Daí a importância do parágrafo segundo do artigo 465 do CPC de 2015, que determina que o perito apresente, em cinco dias contados de sua intimação, sua proposta de honorários, seu currículo, com a comprovação de sua especialização, e seus contatos profissionais. Caso as partes, após conhecerem a formação técnica do perito, tenham fundamento para questionar sua adequação para a elaboração do trabalho pericial relativo ao caso concreto, devem, no nosso entendimento, dentro do prazo do parágrafo terceiro do artigo 465 do CPC de 2015, apresentar o pleito de substituição do perito. Como regra geral, o perito deve ser pessoa física. Mas o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser possível a nomeação de estabelecimento oficial para perícia com natureza médica (AgRg no Ag 38839/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 07.02.1995, DJ 20.03.1995, p. 6121). O perito deve demonstrar habilidade técnica, conhecimento acadêmico e todo o profissionalismo necessário para conduzir os trabalhos periciais, com imparcialidade e cumprimento exemplar dos prazos fixados pelo magistrado. Como auxiliar do juízo que é, deve o perito agir com idoneidade moral e sempre de forma diligente. Também, por motivo considerado legítimo, pode o perito apresentar ao juiz sua recusa em desenvolver o trabalho pericial. Caberá ao magistrado verificar, no caso concreto, se o motivo apresentado pelo perito realmente justifica sua recusa em realizar os seus trabalhos em favor do Poder Judiciário. "Porém, em regra, o perito deverá ser dispensado ao se recusar do encargo. Em primeiro lugar, porque haverá outros especialistas disponíveis, que terão evidente interesse em prestar a prova. Em segundo lugar, porque a contrariedade do perito é indicativo de que forçá-lo a fazer a prova redundará em perícia mal feita, cujos resultados não merecerão confiança". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 803). E como já acima assinalado, o perito é auxiliar do juízo, de modo que deve ser imparcial e está submetido às hipóteses de impedimento e/ou suspeição, "valendo para tanto os mesmos motivos que tornam o juiz impedido ou suspeito...". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. p. 804). Com a apresentação de impugnação ao perito, em razão de suspeição ou impedimento, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 465 do CPC de 2015, o juiz, após regular contraditório, julgará o pedido de afastamento do especialista, devendo nomear novo perito, caso as hipóteses de impedimento e/ou suspeição estejam presentes no caso. E, nos termos do artigo 468 do CPC/15, o perito pode ser substituído quando carecer de conhecimento técnico ou científico para o desenvolvimento dos trabalhos e/ou quando, sem motivo legítimo, deixar de apresentar o laudo pericial dentro do prazo determinado pelo magistrado. Luiz Guilherme Marinoni ministra que "o perito deve ser substituído, ainda que sem requerimento do interessado, quando carecer de conhecimento técnico ou científico, ou quando, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. A primeira das hipóteses é inquestionavelmente caso de substituição do perito. A essência da prova pericial está exatamente no conhecimento técnico especializado. Se ele não possui conhecimento sobre a matéria que envolverá a perícia, não há sentido em se permitir a sua participação no processo". (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2 ed. rev. São Paulo: RT, 2011. P. 804). Conforme apontado acima, em nosso entendimento, o momento adequado para a parte questionar o conhecimento técnico e/ou científico do perito é assim que tiver condições de conhecer a formação e experiência do profissional; sendo que, após o perito ter apresentado o seu currículo, com a comprovação de sua especialização (parágrafo segundo do artigo 465 do CPC), a parte terá condições de apresentar, de forma fundamentada, eventual pleito de substituição do perito, nos termos do artigo 468, I, do CPC, e dentro do prazo do parágrafo terceiro do artigo 465 do CPC, prazo este que nos parece o mais adequado para a efetivação da impugnação, pois coincide, inclusive, com o prazo estipulado para a manifestação quanto à proposta de honorários do expert. Como já pontuado, é fundamental que o magistrado se atente para a necessidade de o profissional ter formação técnica e experiência compatível com a complexidade da perícia: "Ao nomear o perito, deve o juiz atentar para a natureza dos fatos a provar e agir cum grano salis, aferindo se a perícia reclama conhecimentos específicos de profissionais qualificados e habilitados em lei, dando à norma interpretação teleológica e valorativa" (REsp 130790/RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 05.08.1999, DJ 13.09.1999, p. 67); "A perícia contábil deve ser efetuada por contador (profissional portador de diploma universitário) devidamente inscrito no Conselho de Contabilidade, e não por técnico em contabilidade ou administrador de empresas" (REsp 115566/ES, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 18/8/1997, DJ 15/9/1997, p. 44341); "Na exegese dos parágrafos do art. 145, CPC, deve o juiz atentar para a natureza dos fatos a provar e agir cum grano salis, aferindo se a perícia reclama conhecimentos específicos de profissionais qualificados e habilitados em lei, dando a norma interpretação teleológica e valorativa" (REsp 7782/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 29/10/1991, DJ 2/12/1991, p. 17540). Não se pode, todavia, afastar a hipótese de o perito apenas se mostrar inabilitado para a realização da perícia no desenrolar dos trabalhos; os quais podem se revelar mais complexos do que o magistrado, as partes e o próprio perito poderiam originalmente imaginar. Neste contexto, caso o próprio perito não venha a requerer sua substituição, caberá ao magistrado, seja antes ou logo depois da entrega do laudo pericial, e sempre se observado o contraditório, substituir o perito que acabou por se mostrar absolutamente carecedor dos conhecimentos necessários para a conclusão do trabalho pericial. É muito importante que o trabalho do perito, na hipótese acima, venha a realmente demonstrar que ele merece ser substituído por falta de conhecimento técnico ou científico para a conclusão da perícia, devendo-se nomear outro perito para a condução da prova. Caso o trabalho apresentado pelo perito seja incompleto e/ou não satisfatório, mas, na verdade, não revele absoluta carência de conhecimento técnico e/ou científico pelo profissional, é certo que o magistrado poderá determinar a prestação de esclarecimentos pelo perito e/ou decidir pela realização de uma segunda perícia; sem se adotar a drástica providência da substituição do perito originalmente nomeado. O Superior Tribunal de Justiça, além das hipóteses do artigo 468 do CPC, já julgou pela possibilidade de substituição do perito quando abalado o elo de confiança entre ele e o magistrado: "O perito judicial é um auxiliar do Juízo e não um servidor público. Logo, sua desconstituição dispensa a instauração de qualquer processo administrativo ou argüição por parte do magistrado que o nomeou, não lhe sendo facultado a ampla defesa ou o contraditório nestes casos, pois seu afastamento da função pode se dar ex officio e ad nutum, quando não houver mais o elo de confiança. Isto pode ocorrer em razão da precariedade do vínculo entre ele e o poder público, já que seu auxílio é eventual. Além desta hipótese, sua desconstituição poderá ocorrer naquelas elencadas no art. 424, do CPC ("O perito pode ser substituído quando: I - carecer de conhecimento técnico ou científico; II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado"). Estas são espécies expressas no texto da lei. Porém, a quebra da confiança entre o perito e o magistrado é espécie intrínseca do elo, que se baseia no critério personalíssimo da escolha do profissional para a função. Assim como pode o juiz nomeá-lo, pode removê-lo a qualquer momento" (RMS 12963/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 21/10/2004, DJ 6/12/2004, p. 311). Quando aplicada a hipótese do inciso II do artigo 468 do CPC, o magistrado deve comunicar o fato à corporação profissional do perito, podendo, ainda, aplicar sanção ao perito, nos termos do parágrafo primeiro. Os parágrafos segundo e terceiro do artigo 468 do CPC revelam a necessidade de o perito substituído devolver à parte, que adiantou os honorários periciais, os valores por ele recebidos em virtude de trabalho não realizado e/ou considerado imprestável pelo próprio magistrado, restituição esta que deverá ser determinada em decisão judicial devidamente motivada. Finalmente, a se reforçar a necessidade da formação técnica do perito, vale algumas notas sobre o artigo 473 do CPC/15. Como verdadeiro reflexo do princípio do contraditório, o artigo 473 do CPC de 2015 apresenta um roteiro mínimo para que o perito possa formular e apresentar o seu laudo pericial, sendo certo que a essência do artigo está na necessidade de o resultado da prova ser claro e conclusivo; apto, enfim, para permitir um diálogo possível entre os sujeitos do processo quanto à questão técnica debatida. O laudo deve conter: (i) a exposição do objeto da perícia; (ii) a análise técnica ou científica realizada pelo perito, com a indicação do método utilizado e a demonstração de que tal método é aceito pela comunidade de profissionais que atuam na área de conhecimento da prova; (iii) resposta clara e conclusiva quanto a todos os quesitos apresentados pelo magistrado e pelos demais sujeitos do processo, com a indicação de como chegou nos resultados alcançados; sempre adotando-se linguagem simples e raciocínio lógico. A prova é técnica, logo não cabe ao perito emitir opiniões pessoais e/ou tecer comentários genéricos sobre as questões eminentemente de direito referentes ao processo. A missão do perito é esclarecer, na qualidade de auxiliar do magistrado, os pontos técnicos e científicos que são o objeto da prova realizada.
André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O art. 926 dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o segundo dispositivo enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. À luz desses dois dispositivos, principalmente, afirma-se que o CPC de 2015 impõe a valorização da jurisprudência. Com efeito, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). Por esse motivo, para concretizar os anseios dos dispositivos acima mencionados, o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015, estabelece o seguinte: "Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: (...) Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento" Ou seja, como decorrência dos comandos do art. 926 e 927, os órgãos jurisdicionais não podem deixar de se manifestar sobre um precedente aplicável, em tese, a um processo que está sob seu julgamento. Nesse caso, há duas opções para o órgão jurisdicional: (i) aplicar o precedente invocado ou (ii) demonstrar a distinção entre a hipótese concreta e o precedente invocado (ou, como preferem alguns, fazer o distinguishing). O que não pode e não deve acontecer é, simplesmente, o órgão jurisdicional ignorar um precedente aplicável a um processo que está sob sua responsabilidade de julgar, sob pena de se configurar uma flagrante omissão na sua atuação. Em um julgado proferido em um passado não muito distante, a União Federal teve que interpor uma série de embargos de declaração (com base na alegação de omissão e invocando o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015) para que, finalmente, o Superior Tribunal de Justiça reconhecesse a existência de um tema de repercussão geral já fixado precedentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Grosso modo, isso significa afirmar que os embargos de declaratórios foram manejados para que o Superior Tribunal de Justiça "valorizasse" a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A ementa do julgado é a seguinte: "PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS/DÉCIMOS. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES COMISSIONADAS ENTRE 8/4/1998 E 4/9/2001. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PRETÓRIO EXCELSO. PRONUNCIAMENTO PELA IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n. 638.115/CE, declarou a impossibilidade de incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas exercidas no período compreendido entre a edição da Lei n. 9.624/98 e da MP n. 2.225-45/2001. 2. Necessidade a adequação do acórdão embargado para reconhecer a ilegalidade da incorporação de quintos por servidores pelo exercício de funções gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a Medida Provisória 2.225-45/2001, respeitada a modulação dos efeitos da decisão para desobrigar a devolução de valores percebidos de boa-fé. Precedentes. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes. (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1420183/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 26/02/2019, grifo nosso)" Com efeito, em um processo em que um servidor público federal discutia com a União Federal a incorporação aos seus vencimentos de "quintos decorrentes de exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas", o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incorporação dos referidos "quintos" aos vencimentos da parte. Porém, a União Federal recorreu dessa decisão alegando que o Supremo Tribunal Federal havia decidido em outro processo, com reconhecimento de repercussão geral, a incorporação de tais quintos era indevida. Afirmou, assim, a União Federal que o Superior Tribunal de Justiça não poderia contrariar o entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no julgamento do RE 638.111/CE de que "ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período de 8/4/1998 a 4/9/2001. Em outras palavras, no julgamento cuja ementa está acima transcrita, o Superior Tribunal de Justiça deixou de aplicar o Tema de Repercussão Geral n. 395 ("incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas") objeto do julgamento do RE 638.111/CE, sem apresentar qualquer justificativa para tanto e sem fazer o chamado distinguishing. Por isso, ficou configurada a flagrante omissão do Superior Tribunal de Justiça, que deveria ter conhecimento do tema de repercussão geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal e que, também, deveria ter aplicado esta decisão precedente ao caso sob sua responsabilidade de julgamento, como forma de valorização da jurisprudência. Assim, os embargos de declaração, interpostos com base no inciso I do parágrafo único do art. 1.022 do CPC de 2015, foram instrumento fundamental para que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fosse respeitada, suprindo-se a omissão apontada e conferindo ao sistema processual civil brasileiro as tão almejadas estabilidade, integridade e coerência (art. 926, do CPC de 2015), "valorizando-se a jurisprudência".  
Rogerio Mollica Em artigo já publicado nesta coluna1, tive a oportunidade de defender que a Sucumbência Recursal só poderia se dar em caso de não conhecimento ou improvimento do Recurso. Em caso de provimento integral do recurso, somente se operaria a inversão dos ônus sucumbenciais, sem a majoração dos honorários. Recentemente o Superior Tribunal de Justiça lançou a edição nº 129 do Jurisprudência em Teses tendo reafirmado: "A majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.2" A consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça prevê, de forma acertada, que só teremos sucumbência recursal no caso do recurso não ser conhecido ou improvido. Portanto, no caso de provimento do recurso, teríamos somente a inversão dos honorários, sem a majoração recursal3. Tal entendimento é contrário ao Enunciado nº 243 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que prevê: "No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal". A Doutrina ainda diverge sobre o assunto, conforme se extraí do entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "Já no caso de provimento total do recurso, o tribunal deverá inverter a condenação inicial e fixar os honorários recursais, em razão do tratamento isonômico exigido pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, afinal, não existe sentido admitir a fixação de honorários no caso de improvimento do recurso, mas não no caso de seu provimento". (Os honorários advocatícios pela sucumbência recursal no CPC/2015, in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador, JusPodivm, 2015, p. 727). No Tribunal de Justiça de São Paulo também temos diversos recentes julgados em que não só se invertem os ônus sucumbenciais, como também fixam honorários recursais: "Ação de cumprimento de sentença emitida na ação civil pública na qual a Telefônica foi condenada a pagar as participações acionárias dos contratos de expansão firmados no período de 25/08/1996 a 30/06/1997. Improcedência. Recurso da ré objetivando a inversão do ônus da sucumbência - Possibilidade - Caso em que o contrato não se insere nos limites definidos na ação coletiva, não tendo a parte o direito postulado - Inteligência do art. 85, caput, do CPC - Arbitramento de honorários recursais em R$ 150,00 - Provimento". (g.n.)(TJSP; Apelação Cível 1014815-34.2016.8.26.0451; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/06/2019; Data de Registro: 29/06/2019) "REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÕES. SERVIDORES ESTADUAIS APOSENTADOS. RECÁLCULO DOS ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO TENDO POR BASE DE CÁLCULO OS VENCIMENTOS INTEGRAIS, OU SEJA, A SOMA DO SALÁRIO BASE COM TODAS AS VERBAS NÃO EVENTUAIS. ACOLHIMENTO INTEGRAL DO PEDIDO, EMBORA A SENTENÇA SEJA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. EQUÍVOCO NA CONDENAÇÃO DOS AUTORES AOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, INCLUSIVE POR SEREM BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. REEXAME NECESSÁRIO OCORRE POR SE TRATAR DE SENTENÇA ILÍQUIDA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.960/2009 NO TOCANTE À ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO QUANTUM DEBEATUR, POIS A TR FOI DECLARADA INCONSTITUCIONAL, DEVENDO SER ADOTADO O IPCA-E. REFORMA PARCIAL DO JULGAMENTO. Os adicionais por tempo de serviço (ATS) devem ter por base de cálculo os "vencimentos integrais", conceito representado pela soma do salário padrão com as demais verbas remuneratórias não eventuais, transitórias ou precárias, cômputo este que inclui as gratificações e os adicionais pagos em caráter geral, denotando escopo de reajuste salarial, sendo vedada, apenas, a incidência recíproca entre as verbas de mesma natureza. Uniformização de Jurisprudência. Inteligência do artigo 129 da Constituição Estadual e do artigo 37, inciso XIV, da Constituição Federal. É devido o pagamento das diferenças pretéritas, sob a ressalva da prescrição quinquenal. Ação julgada improcedente em 1º grau. Sentença reformada. Necessária observância do decidido nos autos da Assunção de Competência nº 0087273-47.2005.8.26.0000, julgada pela C. Turma Especial de Direito Público desta E. Corte, conforme preconiza o artigo 927, inciso V, do CPC e Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 193.485-1/6. Os consectários legais incidentes sobre as diferenças pretéritas devem estar em sintonia com o entendimento consolidado pelo E. STF por ocasião do julgamento do Tema nº 810, com repercussão geral reconhecida, sendo inaplicável o índice de correção monetária previsto na Lei nº 11.960/2009, já que a Taxa Referencial (TR) não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, devendo ser adotado o IPCA-E. Inversão da sucumbência, com arbitramento dos honorários advocatícios recursais. APELAÇÃO DOS AUTORES PROVIDA, REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO DA FAZENDA ESTADUAL NÃO PROVIDOS." (g.n.) (TJSP; Apelação Cível 0045659-53.2012.8.26.0053; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 10ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 24/06/2019; Data de Registro: 24/06/2019) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tal tese, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de verdadeiramente uniformizar o entendimento quanto a impossibilidade de majoração dos honorários advocatícios em caso de provimento do recurso, com inversão dos ônus sucumbenciais. __________ 1 Publicação em 23/11/2017. 2 Tal entendimento é baseado nos seguintes julgados: AgInt nos EDcl no REsp 1746254/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 21/06/2019; AgInt no REsp 1757742/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 23/05/2019 AgInt no AREsp 1424719/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019; AgInt no REsp 1797038/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019; AgInt no REsp 1771319/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 09/04/2019; AgInt no AREsp 1297942/MS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2019, DJe 20/03/2019. 3 Esse também é o entendimento de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 299) e Ronaldo Cramer (Comentários ao Código de Processo Civil, Coordenador Cássio Scarpinella Bueno, vol, 1, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 448). Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes defende que no provimento do recurso há uma nova fixação de honorários e que deve levar em conta todo o trabalho realizado (Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 171).
Daniel Penteado de Castro Os chamados embargos infringentes foram extirpados como recurso em espécie no CPC/2015. Por sua vez, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). A continuidade do julgamento pode ser realizada na mesma sessão em que instaurada a divergência, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). A par da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Em resumo, extrai-se as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2. E, em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o julgamento por maioria de votos, ainda que tirado de recurso de agravo de instrumento interposto em incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial, também está sujeito a observância da inteligência do art. 942 do CPC: Nesse contexto decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INCIDENTAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. APLICAÇÃO. (...) 5. No caso de haver pronunciamento a respeito do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015. 6. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões." (STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.) Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor: "(...) Vale lembrar, no ponto, que, de acordo com o artigo 189 da LREF, o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber. A Corte de origem afastou a aplicação da técnica de ampliação de julgamento ao entendimento de que não houve a reforma de decisão que julgou parcialmente o mérito nos termos exigidos pelo dispositivo acima mencionado: Ademais, esta 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial tem entendido ser caso de julgamento estendido no processo recuperacional apenas quando se discute e se reforma decisão a respeito da homologação do plano, conforme se extrai do seguinte julgado, a saber: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRARIEDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. A decisão recorrida deixou claros os motivos do convencimento da Turma Julgadora para a manutenção do crédito do agravado no quadro geral de credores como indicado pelo Administrador Judicial. A matéria em julgamento diz respeito a um incidente do processo de recuperação judicial, cujo mérito, se de mérito se pode falar, é a homologação do Plano de Recuperação ou a Falência. Mérito, no sentido que tem o art. 942, § 3º, inc. II, do NCPC, é o mérito do processo de conhecimento e não dos incidentes do processo. Basta ver que a Lei nesse ponto se refere a 'decisão que julgar parcialmente o mérito', que tudo indica se refere ao julgamento previsto no art. 356 do Código. O mérito não se identifica no incidente, mas na causa principal em julgamento. (...)" (fl. 2.352, e-STJ - grifou-se). Essa não parece a melhor interpretação a ser dada ao incidente de impugnação de crédito. Com efeito, apesar da nomenclatura "incidente", a impugnação ao crédito não é um mero incidente processual na recuperação judicial, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, que segue o rito dos artigos 13 e 15 da LREF. Observa-se que há previsão de produção de provas e, caso necessário, a realização de audiência de instrução e julgamento (art. 15, IV, da LREF), procedimentos típicos dos processos de conhecimento. (...) É possível concluir, em vista desses fundamentos, que o agravo de instrumento que, por maioria, reforma decisão proferida em impugnação que se pronuncia acerca da validade e classificação do crédito se inclui na regra legal de aplicação da técnica de julgamento ampliado, pois: (i) o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber; (ii) a impugnação de crédito é uma ação incidental de natureza declaratória, em que o mérito se traduz na definição da validade do título e sua classificação; (iii) a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito tem natureza de sentença, fazendo o agravo de instrumento as vezes de apelação, e (iv) se a decisão se pronuncia quanto à validade do título e a classificação do crédito, há julgamento de mérito. Cumpre sublinhar que, na hipótese dos autos, a decisão objeto do agravo de instrumento concluiu que "a multa decorrente da rescisão contratual é crédito extraconcursal e não se submete ao plano de recuperação judicial" (fl. 206, e-STJ), julgando improcedentes os pedidos e extinguindo o incidente com resolução de mérito. Houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual. Nesse contexto, não há como afastar a aplicação do artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, propiciando o aprofundamento da discussão a respeito da controvérsia jurídica sobre a qual houve dissidência. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a nulidade do acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicada, por ora, a análise das demais questões. (STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.) O entendimento acima soa acertado, porquanto independentemente do rotulo em que se veicula determinada tutela jurisdicional (ação autônoma ou incidente processual), é indubitável que o quanto decidido trata-se de mérito em ação incidental, decisão esta sujeita a formação de coisa julgada material. E, se o viés do legislador ao prever no art. 942, caput, como uma das hipóteses de aplicação do julgamento estendido o resultado não unânime do recurso de apelação (sem distinção alguma se o conteúdo recai ou não sobre exame de mérito), por mais razão que na situação ora tratada, o meio de impugnação cabível que faria as vezes ao acesso ao segundo grau de jurisdição - agravo tirado de decisão que julga incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial - também há de sujeitar-se a referida regra. Questão que resta a dúvida (e ousamos neste brevíssimo ensaio responder) diz respeito ao cabimento ou não de sustentação oral no agravo de instrumento tirado da decisão de julgamento do incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial. Entendemos que a resposta soa afirmativa, a se guardar a mesma simetria com a previsão de cabimento de sustentação oral em recurso de apelação (CPC, art. 937, I). Muito embora o meio de impugnação seja o recurso de agravo, a devolução da matéria recursal - na hipótese de agravo tirado de julgamento de incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial - diz respeito ao mérito de uma ação incidental que, tal qual no recurso de apelação, há de se assegurar a prerrogativa cabimento de sustentação oral. __________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do recurso especial 1799572/SC, ocorrido em 9/5/2019, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que o magistrado, com base no princípio da cooperação, deve zelar por um processo efetivo e que tenha duração razoável; enfatizando-se, em especial, o dever de auxílio que o juiz deve observar no decorrer da execução. Veja-se: "TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. I - O pedido de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, tal como o SerasaJUD, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/2015, não pode ser recusado pelo Poder Judiciário sob o argumento de que tal medida é inviável em via de execução fiscal. II - Tal entendimento vai de encontro com o objetivo de promover a razoável duração do processo e a cooperação processual. Além disso, compete ao juízo da execução fiscal tomar as medidas necessárias para a solução satisfativa do feito, conforme interpretação dos arts. 4º, 6º e 139, IV, todos do CPC/2015. III - Recurso especial provido." Enfatiza o ministro Francisco Falcão, em seu voto, que: "A medida de inclusão do nome do devedor no cadastro de inadimplentes encontra previsão expressa no art. 782, § 3º, do CPC/2015 (...). Com efeito, tal medida concretiza o princípio da efetividade do processo, possuindo respaldo basilar nas Normas Fundamentais do Processo Civil, considerando que "as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa" (art. 4º do CPC/2015) e o dever de cooperação processual, direcionado igualmente ao Poder Judiciário, "para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (art. 6º do CPC/2015)." Bem em linha com esse recente acórdão do STJ, vale lembrar que o princípio da cooperação está previsto no artigo 6º do novo CPC/15 e não há dúvida de que este princípio também é destinado ao magistrado na sua relação com os demais sujeitos processuais, sendo esta a leitura que bem faz a doutrina processual portuguesa: "A ideia de cooperação no CPC de Portugal como um dever processual é bem ressaltada pelo processualista português Miguel Teixeira de Sousa, para quem se pode extrair desse princípio positivado basicamente quatro principais deveres do órgão judicial: a) dever de esclarecimento; b) dever de prevenção; c) dever de consultar as partes; e d) dever de auxiliar as partes"1. No direito processual português, o princípio da cooperação está positivado no artigo 7º do Código de Processo Civil de Portugal/2013: "na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio". Fredie Didier Jr., acerca do princípio da cooperação no direito processual português, bem sinaliza que "é fonte direta de situações jurídicas ativas e passivas, típicas e atípicas, para todos os sujeitos processuais, inclusive para o órgão jurisdicional"2. Abílio Neto3 ainda sobre o princípio da cooperação no direito processual português, ressalta que a aplicação deste princípio vincula o órgão jurisdicional em sua relação com as partes, transformando-se em verdadeiro dever, o qual "desdobra-se em dois deveres essenciais: um é o dever de esclarecimento ou de consulta, isto é, o dever de o tribunal esclarecer junto das partes as eventuais dúvidas que tenha sobre suas alegações ou posições em juízo, de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de esclarecimento de uma situação e não a verdade sobre ela apurada; o outro é o dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as informar sobre aspectos de direito ou de fato que por elas não foram considerados...". Fernando Pereira Rodrigues4 sustenta que o princípio da cooperação "consiste no dever imposto aos magistrados, aos mandatários, às partes e a terceiros intervenientes acidentais no processo, de prestarem o seu contributo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio". Neste passo, enfatizando o dever de auxilio que o magistrado deve observar na execução, o STJ bem sinaliza pela necessária aplicação do princípio da cooperação para reger a conduta do juiz no processo, em total consonância com a majoritária doutrina que escreve sobre o tema. __________ 1 ZUFELATO, Camilo. Análise Comparativa da cooperação e colaboração entre os sujeitos processuais nos projetos de novo cpc, in: Freire, Alexandre; Dantas, Bruno; Nunes, Dierle; Didier Jr., Fredie; Medina, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; Camargo, Luiz Henrique Volpe; Oliveira, Pedro Miranda de . Novas Tendencias do Processo Civil. Salvador: Jus Podium, 2013. p. 113). 2 DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra editora, 2010. p. 109. 3 NETO, Abilio. Novo código de processo civil anotado. 2ª. Edição. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 92. 4 RODRIGUES, Fernando Pereira. O novo processo civil e os princípios estruturantes. Coimbra: Almedina, 2013. p. 113.
Rogerio Mollica Uma das maiores e mais comemoradas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, que possibilita ao sócio se manifestar previamente sobre as alegações do requerente, no prazo de 15 dias, e com ampla possibilidade probatória, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015. O professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Alexandre Freitas Câmara cita a importância da criação do instituto para o nosso ordenamento jurídico: "Importante, ainda, é registrar que este incidente vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório do processo de formação da decisão que define sua responsabilidade patrimonial, o que contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial (o que só seria admitido, em caráter absolutamente excepcional, nas hipóteses em que se profere decisão concessiva de tutela provisória, e mesmo assim somente nos casos nos quais não se pode aguardar pelo pronunciamento prévio do demandado). Ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permite àquele que está na iminência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no processo se é ou não legítimo que seu 'patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica." (O novo Processo Civil Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 95) Uma dúvida que surgiu é se tal Incidente seria aplicável às Execuções Fiscais. Em recentíssimo acórdão assim decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida. III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014). V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido." (g.n.) (REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019) O entendimento peremptório da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça quando ao não cabimento do Incidente em Execução Fiscal não parece ser o mais correto. O mais adequado parece ser o entendimento da 1ª Turma, que em recente julgado somente afastou o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional), mas manteve a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no artigo 50 do Código Civil: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO "DE FATO". INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE. 1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à lei 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.5. Recurso especial da sociedade empresária provido." (g.n.) (Recurso Especial nº 1.775.269 - PR, Rel. Ministro Gurgel de faria, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. u., in DJe de 1/3/2019) Portanto, no caso de desconsideração da personalidade jurídica baseada no artigo 50 do Código Civil, em que se verifica o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, faz-se necessária a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Desse modo, espera-se que em breve a Primeira Sessão do Superior Tribunal de Justiça pacifique a questão para que tenhamos a definição em que situações será aplicado o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais.  
Daniel Penteado de Castro O art. 489, § 1º, III, do CPC/2015 trouxe importante inovação ao elencar, dentre as hipóteses de não se considerar fundamentada (e, evidentemente, violadora do Princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais, também de previsão constitucional do art. 93, IX, da CF), a decisão judicial que "(...) invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão". Muito embora tal hipótese atuava para exemplificar, nos bancos acadêmicos e reforçada pela doutrina, como circunstância de decisão não fundamentada, foi necessário o legislador tornar o exemplo acadêmico em dispositivo de lei. Com o advento da novel regra a doutrina corrobora os reclamos anteriores, no sentido de repudiar decisões em que se empregam fundamentos genéricos, sem, contudo, projetá-los ao caso concreto ou em confronto com os elementos presentes nos autos: "O terceiro exemplo a que se refere o Código de Processo Civil diz respeito ao julgado que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (art. 489, § 1º, III). (...) O dispositivo em tela, na verdade, visa a coibir situação diversa: aquela na qual o julgador lança mão de uma fundamentação genérica, inútil e meramente formal. Exemplos: "presentes os pressupostos legais, defiro a liminar"; "inadmito o recurso especial, porque o acórdão recorrido formou a sua convicção com base nas provas e circunstâncias fáticas próprias do caso sub judice (Súmula 7 do STJ)". Decisões desse tipo constituem tautologias e desprezam a garantia constitucional, porque não são substancialmente motivadas." (FONSECA, João Francisco Naves da. In: GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil - volume IX (arts. 485-508). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 55/56, grifou-se). A própria magistratura, ao comentar dito dispositivo, chama a atenção a odiável prática que deve ser repelida. A obra abaixo referenciada, foi integralmente escrita por magistrados: "O inciso III cuida da decisão que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra. Na verdade, o legislador mostrou-se sensível ao fato de que, em tempos de produção em série, em que, para afastar a morosidade da justiça, louvam-se as estatísticas, a produtividade do juiz, muitas vezes são exaradas decisões padrão, com termos vazios, que serviriam a 'fundamentar' qualquer outra decisão. O julgador não desce ao caso concreto. Aplica-se a decisão-padrão sem examinar as características próprias da controvérsia. Por exemplo: 'verossímil a alegação do autor e sendo ele hipossuficiente, inverto o ônus da prova'. No mais das vezes, a hipótese do inciso III confunde-se com a do inciso I. É a paráfrase de textos normativos ou sua repetição, quase sempre, que permite a adoção de decisões-padrão" (OLIVEIRA, Swarai Cervone de. In: SANTOS, Silas Silva; CUNHA, Fernando Antonio Maia da; CARVALHO FILHO, Milton Paulo de; RIGOLIN, Antonio (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil: perspectivas da magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 520/521). A luz da vigência do CPC/2015, felizmente o E.STJ, atento a tamanha teratologia, já repeliu a estirpe de decisões padrões: "RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. A decisão que determina a quebra de sigilo fiscal e bancário deve conter fundamentação concreta, justificando a razão pela qual a medida deva recair sobre a pessoa a quem é dirigida. 2. Carece de fundamentação a decisão genérica, que não enfrenta os fatos particulares do caso, podendo servir a qualquer outro. 3. Recurso ordinário provido, para anular a decisão que impôs a quebra dos sigilos fiscal e bancário da recorrente, determinando que, caso a medida já tenha sido efetuada, sejam desentranhados dos autos os elementos de informação dela decorrentes." (STJ, RMS 51273/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 11/12/2018, DJe 01/02/2019, grifou-se) "PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL OU OUTRA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. DANO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESACATO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. MERA REMISSÃO À MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. (...) 2. A técnica de fundamentação per relationem - aceita por esta Corte - não dispensa considerações, ainda que mínimas, por parte do Magistrado acerca dos elementos concretos do fato sub análise, sendo insuficiente a mera remissão ao parecer ministerial, sob pena de autorização de decisão padrão que se amoldaria a todas as manifestações do Parquet (Precedentes). (...)" (STJ, HC 457303/TO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJE 03.10.2018, v.u., grifou-se) PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. DECISÃO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DESNECESSIDADE DE EXTENSA FUNDAMENTAÇÃO. 2. MOTIVAÇÃO GENÉRICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO NULA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, não sendo caso de absolvição sumária, a motivação acerca das teses defensivas formuladas no bojo da resposta à acusação deve ser sucinta, de forma a não se traduzir em indevido julgamento prematuro da causa. 2. No entanto, da leitura da decisão impugnada, verifica-se esta é genérica e não identifica o que está sendo refutado. Cuida-se de decisão padrão, aplicável a qualquer caso. Certo é que a decisão que serve para qualquer hipótese acaba por não analisar de forma individualizada o pleito do acusado, a denotar a apontada nulidade por ausência de fundamentação. Como é cediço, "é essencial que o julgador demonstre que conhece os autos e os pleitos das partes. Não se admite decisão teratológica, genérica ou desvinculada da realidade processual. O exame detido do processo é pré-requisito para um julgamento justo e equânime". (HC 375.180/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017) 3. Recurso em habeas corpus provido, para anular a decisão que analisou a resposta à acusação, devendo outra ser proferida de forma individualizada e fundamentada." (STJ, RHC 95550/PA, Rel. Min Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20.06.2018, v.u., grifou-se) Certamente não é essa restrição ilegítima de acesso à justiça compactuada pela Corte Cidadã. A abstração de se aplicar como fundamentação de inadmissibilidade do recurso especial slogans lançados ao vento, à exemplo de "violação a súmula 7" ou "ausência de cotejo analítico" acima, sem substrato mínimo ao caso concreto, por si só já viola o art. 489. § 1º, III. De igual sorte, tamanha a teratologia de decisões padrão que a parte prejudicada por eventual conteúdo decisório nela presente sequer terá condições de compreender o porquê do livre convencimento restou assentado nas premissas ali lançadas, porquanto tais premissas se encontram divorciadas de qualquer elemento (ou indicação de fls.) presentes nos autos ou à luz da análise do caso concreto, a inviabilizar o amplo acesso à justiça. Neste caso, tem-se o livre convencimento, porém sem motivação, o que também agride o art. 371 do CPC. Portanto, fica a esperança dos precedentes acima citados não só serem observados, mas também reproduzido tal ratio decidendi em situações congêneres (CPC, art. 926, caput), com vistas a iniciar o desenvolvimento de uma cultura de repúdio a decisão padrão, decisão esta que não há mal algum na reprodução de suas premissas em diversas demandas, desde que cotejada a aplicação de tais premissas, verdadeiramente, a luz do caso concreto em exame.  
André Pagani de Souza Os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O primeiro artigo dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o art. 927 enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. A partir da leitura dos dispositivos acima mencionados, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698). Nesse sentido, é possível afirmar que os artigos 926 e 927, do CPC de 2015, propõe uma "valorização da jurisprudência". Em outras palavras, confere-se uma importância significativa ao entendimento dominante de determinado tribunal sobre certos temas em certo período de tempo na medida em que os juízes e tribunais são exortados a observar as decisões mencionadas nos incisos I a V do art. 927 e ao passo que se impõe aos tribunais o dever de uniformizar a jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente. Tanto é verdade o que foi afirmado acima que ao longo do CPC de 2015 é possível encontrar dispositivos que buscam reforçar e concretizar a proposta de "valorização da jurisprudência" lançada pelos arts. 926 e 927. Confira-se, a título meramente ilustrativo, as seguintes hipóteses do CPC de 2015: a) Concessão de tutela provisória da evidência (art. 311, II); b) Improcedência liminar do pedido (art. 332); c) Dispensa da remessa necessária (art. 496, § 4º); d) Dispensa de caução no cumprimento provisório (art. 521, IV); e) Atuação monocrática do relator (art. 932); f) Decisão em incidente de assunção de competência (art. 947, § 3º); g) Julgamento monocrático de conflito de competência (art. 955, p. único); h) Cabimento de reclamação (art. 988); i) Incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985); j) Julgamento de recursos repetitivos (art. 1.040); k) Fundamentação das decisões (art. 489, § 1º, V e VI); l) Embargos de declaração para decisões que não aplicarem (art. 1.022, p. único, I). Em todos os dispositivos acima, é possível verificar que o CPC de 2015, de uma maneira sistemática e proposital, busca concretizar a diretriz de que a jurisprudência deve ser uniformizada e também coerente, estável e íntegra. Aliás, diga-se de passagem, não podia ser diferente, pois a Constituição Federal consagra o princípio da isonomia (CF, art. 5º, "caput" e inciso I) e também o da segurança jurídica (CF, art. 5º, inciso, XXXVI). Em outras palavras, tanto a Constituição Federal como o CPC de 2015 impõem que pessoas em situações iguais merecem decisões iguais, conferindo-se maior segurança e previsibilidade ao sistema processual civil. Por isso, causa surpresa a informação veiculada pelo jornal "Estado de São Paulo", em 18 de fevereiro de 2019, de que 52% (cinquenta e dois por cento) dos magistrados de primeira instância no Brasil não levam a jurisprudência em conta em seus julgamentos (Acesso em 5 de junho de 2019). Tal informação foi extraída de pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros e coordenada pelo Ministro Luís Felipe Salomão (STJ) intitulada "Quem somos: a magistratura que queremos" (Acesso em 05 de junho de 2019). Com efeito, para que a valorização da jurisprudência seja uma realidade, torna-se imprescindível que todos os envolvidos com a prestação jurisdicional (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, defensores públicos etc.) levem em consideração, ao realizarem o seu trabalho, a jurisprudência. Caso contrário, o resultado já é conhecido por todos: insegurança jurídica, incoerência, instabilidade e assim por diante. Em razão da importância da valorização da jurisprudência para o bom funcionamento do sistema processual atual, nos próximos artigos trataremos da necessária relação entre os "precedentes" e os dispositivos acima mencionados extraídos do CPC de 2015: art. 311, II; art. 332; art. 496, § 4º; art. 521, IV; art. 932; art. 947, § 3º; art. 955, p. único; art. 988; art. 985; art. 1.040; art. 489, § 1º, V e VI; art. 1.022, p. único, I. Cada qual a sua maneira deixa claro que não se pode ignorar a jurisprudência ao se trabalhar com o direito processual civil.  
Elias Marques de Medeiros Neto Em recente julgamento do Recurso Especial 1.760.966/SP, ocorrido em 4/12/2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que a apresentação de impugnação pela parte ré - tal qual a contestação - já seria elemento suficiente para evitar a estabilização da tutela provisória antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC/15; não sendo exclusivamente necessário interpor, na visão do julgado em tela, o recurso de agravo de instrumento para impedir tal estabilização. Veja-se: "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 do CPC/2015, torna-se estável somente se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Inicialmente cumpre salientar que uma das grandes novidades trazidas pelo novo diploma processual civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, disciplinada no referido art. 303. Nos termos do art. 304 do CPC/2015, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução do mérito. O referido instituto, que foi inspirado no référé do Direito francês, serve para abarcar aquelas situações em que as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença). Em outras palavras, o autor fica satisfeito com a simples antecipação dos efeitos da tutela satisfativa e o réu não possui interesse em prosseguir no processo e discutir o direito alegado na inicial. A ideia central do instituto, portanto, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Sem embargo de posições em sentido contrário, o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela. Ora, não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. Com efeito, admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada." Na mesma linha de pensamento é a doutrina do Professor Daniel Mitidiero, que bem pontua que: "se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização de audiência de conciliação ou mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Esta solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo" (Breves Comentários ao Novo CPC, Teresa Arruda Alvim... (et al.) Coord., São Paulo: RT, 2015. Pag. 789). O professor Cassio Scarpinella Bueno, no mesmo norte, leciona que: "a melhor resposta é a de aceitar interpretação ampliativa do texto do caput do art. 304 do CPC. Qualquer manifestação expressa do réu em sentido contrário à tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida no sentido de inviabilizar a incidência do art. 304...". (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 708). Com acerto, portanto, é a percepção do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no julgamento do referido recurso especial, no sentido de que: "É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença." O relevante citado julgamento do Recurso Especial 1.760.966/SP é a primeira manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre a estabilização da tutela provisória antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC/15, sendo um importante marco para a construção da melhor linha de interpretação desta norma processual.  
Rogerio Mollica É do nosso ordenamento a total impenhorabilidade dos salários, exceto para o pagamento de prestações alimentícias. O artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 1943 previa que os salários seriam absolutamente impenhoráveis. Já o artigo 843, IV do Código de Processo Civil de 2.015 suprimiu o termo "absolutamente" e agora consta que são impenhoráveis: "IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º." O parágrafo § 2º excetua o caso de prestação alimentícia e inova ao possibilitar a penhora de salário superior a 50 salários mínimos. Nesses três anos de vigência do Código de Processo Civil, o que se tem visto é a flexibilização de tal dispositivo, permitindo-se a penhora de salários em outras situações não previstas pelo Código de Processo Civil. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de dois artigos nessa coluna, nas datas de 28/2/2019 e 11/10/2018. Entretanto, faz-se necessária a volta a esse tema, pois tivemos outros recentes julgados sobre o tema. Nos Embargos de Divergência nº 1.518.169 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça assentou em outubro de 2018 que "4. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes." Já em Fevereiro de 2019 a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que: "3. As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2°), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade."1 E esse parece ser o ponto central da discussão, por mais que se concorde com a flexibilização da penhora de salários2, ela é totalmente contrária à lei, quando ocorre em dívidas não alimentícias ou em salários inferiores a 50 salários mínimos. Se não se concorda com a previsão legal, ou se declara a lei inconstitucional ou se modifica a lei. É preocupante que a jurisprudência passe a interpretar o Código de Processo Civil de uma forma totalmente contrária à expressa previsão da lei. Recentemente, tivemos também a interpretação do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de forma totalmente contrária à prevista pelo legislador3. Por mais que se concorde que existem hipóteses em que deve ser autorizada a interposição de agravo de instrumento e que não foram contempladas pelas previsões do artigo 1.015 do CPC, essa foi uma opção do legislador, e salvo melhor juízo, sua alteração demandaria uma modificação legislativa e não um julgamento contrário à expressa previsão legal. E o entendimento pela flexibilização das regras de penhorabilidade de salários é o que vem prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) Em 23/4/2019 foi proferido julgamento pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (acórdão pendente de publicação - AResp 1.336.881) dando provimento ao Agravo Interno para determinar que a natureza da dívida e a alta renda do Executado autorizam a penhora de 15% do salário para a quitação de aluguéis residenciais. Criou-se assim, um critério subjetivo que seria a análise de percentual de salário que seria capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Pela expressa previsão do Código de Processo Civil esse valor seria de 50 salários mínimos e somente o percentual que suplantar esse valor pode ser penhorado. Entretanto, pelo entendimento jurisprudencial, se dez salários forem suficientes para dar guarida à dignidade do devedor, os outros 40 salários poderiam ser penhorados. Portanto, por mais que esses julgados possam ter feito "Justiça" no caso concreto, eles trazem grande insegurança jurídica ao contrariar expressa previsão legal e criam um caráter subjetivo inexistente no CPC. __________ 1 AgIn no RESP 1.407.062/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, DJE 08/4/2019. 2 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320). 3 REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.  
Daniel Penteado de Castro Uma das inovações introduzidas no CPC/2015 diz respeito ao cabimento de ação rescisória pautada em prova nova. A hipótese antes prevista no art. 485, VII do CPC/731 foi reproduzida parcialmente no artigo 966, VII, porém substituída a expressão "documento novo" por "prova nova": "Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; A inovação soa impactante. Isso porque a hipótese, antes renegada a existência de documento novo, restou expandida ao conceito de prova nova, cuja amplitude contemplaria no mínimo as provas em espécie rotuladas no CPC/2015: ata notarial (art. 384), depoimento pessoal (arts. 385 a 388), confissão (arts. 389 a 395), documental (arts. 405 a 438), testemunhal (art. 442 a 463) e pericial (arts. 464 a 480). Ainda, o CPC de 2015, por meio do art. 975, § 2º, determinou, na hipótese de ação rescisória fundada em prova nova, que "(...) o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo". E recentemente o STJ decidiu que se encontra dentro do conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, a prova testemunhal: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCISO VII, CPC/2015. PROVA NOVA. PROVA TESTEMUNHAL. CABIMENTO. DECADÊNCIA. ART. 975, § 2º, CPC/2015. AFASTAMENTO. TERMO INICIAL DIFERENCIADO. DATA DA DESCOBERTA DA PROVA. RETORNO DOS AUTOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Recurso especial oriundo de ação rescisória, fundada no artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, na qual a autora noticia a descoberta de testemunhas novas, julgada extinta pelo Tribunal de origem em virtude do reconhecimento da decadência, por entender que testemunhas não se enquadram no conceito de "prova nova". 3. Cinge-se a controvérsia a definir se a prova testemunhal obtida em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão rescindenda está incluída no conceito de "prova nova" a que se refere o artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a ser considerado, para fins de contagem do prazo decadencial, o termo inicial especial previsto no artigo 975, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (data da descoberta da prova nova). 4. O Código de Processo Civil de 2015, com o nítido propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. 5. No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Doutrina. 6. Nas ações rescisórias fundadas na obtenção de prova nova, o termo inicial do prazo decadencial é diferenciado, qual seja, a data da descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 7. Recurso especial provido." (REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se) O voto condutor bem apontou as razões que lastrearam o acórdão recorrido, sob a preocupação de que a admissibilidade de prova testemunhal com dentro do espectro de prova nova desafia o cabimento de ação rescisória. "Segundo o Tribunal de origem, "(...) Não há como aplicar o § 2º, do art. 975, do CPC, porque a hipótese modelada no dispositivo diz respeito a descobrir 'prova nova' e não testemunhas novas. A redação encaminha o intérprete a reconhecer que se refere a fato provado ou documento existente e não coisa a ser apurada e dependente de confirmação, como é o caso de prova oral a ser produzida. Essa interpretação que a autora pretende que prevaleça poderá ampliar de forma demasiada o fim de um processo, na medida em que ao invés de dois anos do trânsito em julgado, permanece a instabilidade pela chance de ação rescisória por mais cinco anos e tudo isso por um elemento abstrato, como eventual e suposto conhecimento de testemunhas. É muito frágil a tese e depõe contra os princípios constitucionais da celeridade ou do prazo razoável de duração (art. 5º, XXXV, da CF e LXXVIII, da Constituição Federal)" (e-STJ fl. 593)." Todavia, prevaleceu entendimento em sentido contrário, conforme se extrai do voto condutor: "(...) Assiste razão à recorrente no ponto. De fato, com o nítido o propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, o novo diploma processual passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. (...) Logo, de acordo com o novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Nesse sentido são as lições da doutrina abalizada: "(...) Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. Mas, da mesma forma que ocorria em relação ao documento novo, por prova nova deve entender-se aquela que já existia quando da prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, ou que dele não pôde fazer uso - portanto, não cabe, no caso, dar início a nova perícia judicial, por exemplo. São enquadráveis, portanto, neste dispositivo, apenas os documentos, os depoimentos e os testemunhos. (...)". (NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pág. 2.060 - grifou-se) (...) No caso em apreço, tendo sido as testemunhas novas alegadamente encontradas em 1/7/2017 e 30/10/2017, e considerando ainda a data do trânsito em julgado da sentença rescindenda (15/7/2014), no momento da propositura da demanda (14/12/2017) ainda não tinha se esgotado o prazo legal de decadência aplicável à hipótese. Imperioso, desse modo, o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, afastada a decadência, prossiga no processamento da ação rescisória como entender de direito. (...)" (REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se) Muito embora o julgado acima tenha se limitado a examinar se a prova testemunhal se enquadra no conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, caberá, desta feita ao tribunal a quo perquirir se a descoberta da prova testemunhal se enquadra em literal hipótese em que a parte desconhecia a testemunha ou, ainda, limitado se encontrava o acesso a aludida pessoa. Em verdade, o ônus da prova neste aspecto cognitivo deve recair ao autor da ação rescisória, questão esta de fundamental importância para exame preliminar se à época da demanda seria ou não inviável o acesso a testemunha, a ponto de se aproximar do conceito de prova nova. Do contrário, tal qual alertado pelo tribunal a quo, no precedente acima referenciado, corre-se o risco de escancarar o cabimento da ação rescisória, senão a relativizar a preclusão processual. Tudo isso, para uma prova que, uma vez admitida, ainda é desconhecido o que será revelado, podendo tal prova em nada contribuir para a modificação do julgado. Respeitado entendimento em sentido contrário, o que se espera é que a corte cidadã aplique seu próprio precedente em outras situações congêneres aptas a questionar a discussão se a prova testemunha se enquadra no conceito de prova nova, para efeito do cabimento de ação rescisória. __________ 1 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: "(...) VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;"