COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

"Plenário virtual" e sustentação oral no STF

O Supremo Tribunal http://federal (SThttp://f) realiza julgamentos por meio de um "plenário virtual". Como qualquer julgamento realizado por órgãos do Poder Judiciário, deve haver o rigoroso cumprimento do que está estabelecido na Constituição http://federal, no art. 93, inciso IX, bem como no art. 5º, inciso LV. Nunca é demais lembrar o que está escrito no inciso IX, do art. 93, da Constituição http://federal, com a redação dada pela Emenda n. 45/2004 (a chamada "Reforma do Poder Judiciário"): "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação" (grifos nossos). Em outras palavras, as sessões de julgamento devem ser públicas, seja no SThttp://f ou qualquer outro tribunal brasileiro. Isso significa afirmar que está assegurado o princípio da publicidade durante os julgamentos do Poder Judiciário. Também é importante relembrar o que está no art. 5º, inciso LV, da Constituição http://federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (grifos nossos). Ou seja, a parte em um processo judicial, no qual acontecem "os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário", têm assegurado pela Constituição http://federal que serão observados o princípio do contraditório e também o princípio da ampla defesa. Como se sabe, cabe ao ordenamento jurídico infraconstitucional concretizar os princípios acima mencionados (publicidade, contraditório e ampla defesa), insculpidos no art. 93, inciso IX, e no art. 5º, inciso LX, da Constituição http://federal. Nesse sentido, é eloquente o art. 1º, do Código de Processo Civil (CPC), ao estabelecer de maneira cristalina que "O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República http://federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código". Tanto isso é verdade que, no capítulo destinado às "Normas http://fundamentais do Processo Civil" o art. 7º, do CPC, preceitua que "o juiz deve zelar pelo efetivo contraditório" e o art. 8º, do mesmo diploma legal, impõe ao juiz o dever de resguardar e promover a "publicidade". Seria desnecessário repetir o que está na Constituição http://federal, no art. 93, inciso IX e no art. 5º, inciso LV, se eles não fossem tão maltratados. Como é frequente o desrespeito a tais mandamentos constitucionais, o próprio legislador, ao elaborar o atual Código de Processo Civil, preferiu repetir expressamente que tais princípios são importantes e que devem ser observados. Por isso eles são repetidos em diversas passagens do CPC e também aqui. No que diz respeito aos julgamentos realizados pelo Poder Judiciário, sobretudo pelo SThttp://f para julgar recursos extraordinários, parece ser claro que também devem ser respeitados os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade. Assim, o art. 937, do CPC, também buscou concretizar tais mandamentos constitucionais da seguinte forma: "Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021 : (...) IV - no Recurso Extraordinário" (grifos nossos). Em outras palavras, na sessão de julgamento do recurso extraordinário, que deve ser pública, tanto o recorrente como o recorrido têm o direito de sustentar oralmente as suas razões, em ordem sucessiva. Ou seja, primeiro o recorrente sustenta suas razões e depois o recorrido o faz. Parece um detalhe de menor importância afirmar que a palavra será dada sucessivamente ao recorrente e ao recorrido, mas não é. Trata-se, pura e simplesmente, de concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O recorrido deve falar depois do recorrente porque ele deve se manifestar somente depois de conhecer o teor da manifestação do recorrente. Somente se isso acontecer é que se poderá afirmar que foi assegurada a ampla defesa do recorrido, quando ele se defendeu depois de ouvir todos os argumentos e alegações do recorrente. Se isso não acontecer, pode ter até acontecido uma defesa dos seus interesses, mas não foi ampla. E, assim, viola-se a Constituição http://federal. Da mesma forma, se o recorrido não tiver a palavra concedida depois de o recorrente já ter feito uso dela, também foi violado o princípio do contraditório. Isso porque tal princípio está intimamente ligado à ideia de participação no processo com possibilidades reais e concretas de influenciar no seu resultado. Se o recorrido fez uso da palavra antes do recorrente, teve cerceado o seu direito de influenciar no resultado do julgamento, pois sustentou oralmente suas razões sem saber o inteiro teor da manifestação do recorrente. O problema é que as normas que disciplinam o Plenário virtual e a realização de sustentações orais nos julgamentos do SThttp://f não dão a devida atenção para o disposto no art. 937, do CPC, bem como para os artigos 93, inciso IX e 5º, inciso LV, conforme se demonstrará adiante. A primeira norma que merece destaque para tratar da disciplina do plenário virtual e das sustentações orais nos julgamentos é a Resolução n. 642, de 14 de junho de 20191. Tal resolução "dispõe sobre o julgamento de processos em lista nas sessões presenciais e virtuais do SThttp://f". No que diz respeito às sessões virtuais, o art. 2º da referida norma, na sua redação original, estabelece que: "Art. 2º. As sessões virtuais serão realizadas semanalmente e terão início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 (cinco) dias úteis exigido no art. 935 do Código de Processo Civil entre a data da publicação da pauta no DJe, com a divulgação das listas no sítio eletrônico do Tribunal, e o início do julgamento § 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 5 (cinco) dias úteis para se manifestar. § 2º A conclusão dos votos registrados pelos ministros será disponibilizada automaticamente, na forma de resumo de julgamento, no sítio eletrônico do SThttp://f. § 3º Considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º. § 4º A ementa, o relatório e o voto somente serão tornados públicos com a publicação do acórdão do julgamento. § 5º O início da sessão de julgamento definirá a composição do Plenário e das Turmas. § 6º Os votos serão computados na ordem cronológica das manifestações". No que diz respeito às sustentações orais, em um primeiro momento, a resolução 642/2019 excluiu a possibilidade de ocorrer tais atos processuais durante as sessões de julgamento no ambiente virtual. Veja-se, a propósito, o teor do art. 4º, inciso III e § 1º, da referida norma, em sua redação original: "Art. 4º. Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de: (...) III - sustentação oral realizado por qualquer das partes, desde que requerido após a publicação da pauta de julgamento e até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão, cabendo ao relator, nos casos cabíveis, deferir o pedido. § 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para o julgamento presencial, com publicação de nova pauta". Pois bem, de acordo com a redação original da resolução 642, de 14 de junho de 2019, não cabia sustentação oral em julgamentos realizados no ambiente virtual. Mas aí veio a pandemia causada pelo Covid-19 e com ela a Resolução n. 669, de 19 de março de 2020, que alterou a resolução n. 642/2019 e deu outras providências. A novidade introduzida pela Resolução n. 669, de 19 de março de 20202, é a de que foi permitida a realização de sustentação oral nos julgamentos feitos por meio do ambiente virtual. Ou seja, foi excluído o inciso III do art. 4º da resolução  642/2019 e acrescidos os arts. 5º-A e 5º-B que passaram a disciplinar as sustentações orais em ambiente virtual no SThttp://f. Confira-se: "Art. 5º-A Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral previstas no regimento interno do Tribunal, fica facultado à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, à Defensoria Pública da União, aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual. § 1º O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral em processos submetidos a julgamento em ambiente eletrônico deverão enviar formulário preenchido e assinado digitalmente, juntamente com o respectivo arquivo de sustentação oral. § 2º O link para preenchimento do formulário e envio do arquivo eletrônico estará disponível na página principal do site do SThttp://f. § 3º O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser áudio ou vídeo, devendo observar o tempo regimental de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Secretaria Geral da Presidência, sob pena de ser desconsiderado. § 4º O advogado e o procurador firmarão termo de declaração de que se encontram devidamente habilitados nos autos e de responsabilidade pelo conteúdo do arquivo enviado. Art. 5º-B Em caso de excepcional urgência, o Presidente do Supremo Tribunal http://federal e os Presidentes das Turmas poderão convocar sessão virtual extraordinária, com prazos fixados no respectivo ato convocatório. § 1º O relator solicitará ao presidente do colegiado a convocação de sessão virtual extraordinária indicando a excepcional urgência do caso. § 2º O disposto no art. 2º, caput e § 1º, não se aplica à sessão virtual extraordinária, devendo o ato convocatório fixar o seu período de início e término. § 3º Convocada a sessão, o processo será apresentado em mesa, gerando andamento processual com a informação do período da sessão. § 4º O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral por meio eletrônico deverão encaminhá-la até o início da sessão virtual extraordinária" (grifos nossos). De acordo com os dispositivos acima transcritos, o advogado ou procurador que pretender realizar sustentação oral durante a sessão de julgamento em ambiente virtual, deve enviar antes do início do julgamento o arquivo eletrônico de vídeo e áudio contendo a sua manifestação. Verifica-se, evidentemente, uma violação do art. 937, do CPC, segundo o qual os advogados e procuradores que desejarem fazer sustentação oral das razões recursais farão o uso da palavra após a apresentação do relatório, sendo dada a palavra, sucessivamente, ao recorrente e, depois, ao recorrido. Viola-se, como já apontado, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Outro problema que se verifica da simples leitura dos dispositivos acima transcritos é o de que os advogados e procuradores não podem fazer esclarecimentos no curso dos julgamentos, como costuma acontecer na sessão de julgamento realizada em caráter presencial e aberta ao público. Mais uma vez, são maltratadas normas fundamentais do processo civil acima referidas. Por essas e outras razões, em 22 de abril de 2020, veio a Resolução n. 6753, do SThttp://f. O art. 5º-A, da Resolução 642/2019, sofreu as seguintes alterações: "(...) Art. 2º Os §§ 1º e 2º do art. 5º-A da Resolução nº 642, de 14 de junho de 2019, passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 5º-A............. § 1º O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico do SThttp://f, gerando protocolo de recebimento e andamento processual. § 2º As sustentações orais por meio eletrônico serão automaticamente disponibilizadas no sistema de votação dos Ministros e ficarão disponíveis no sítio eletrônico do SThttp://f durante a sessão de julgamento." Art. 3º http://ficam acrescidos os §§ 5º e 6º ao art. 5º-A da Resolução nº 642, de 14 de junho de 2019: "Art. 5º-A............. .............................. § 5º A Assessoria do Plenário e as Turmas certificarão nos autos o não atendimento das exigências previstas nos §§ 3º e 4º. § 6º Iniciada a sessão virtual, os advogados e procuradores poderão realizar esclarecimentos exclusivamente sobre matéria de fato, por meio do sistema de peticionamento eletrônico do SThttp://f, os quais serão automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos Ministros." Como é possível perceber, houve um louvável esforço para resolver os problemas apontados na Resolução anterior. Em primeiro lugar, impõe-se que o arquivo contendo a sustentação oral das partes seja disponibilizado no sítio eletrônico do SThttp://f durante a sessão de julgamento (resolução 642/2019, art. 5ºA, § 2º). Em segundo lugar, foi assegurado aos advogados e procuradores o direito de fazer "esclarecimentos exclusivamente de fatos" durante a sessão de julgamento em ambiente virtual, por meio do sistema de peticionamento eletrônico (Resolução n. 642/2019, art. 5ºA, § 6º). Entretanto, não ficou resolvido totalmente o problema de observância do princípio do contraditório e da também o da ampla defesa consagrados no art. 937, do CPC, quando asseguram que primeiro será dada a palavra ao recorrente e depois ao recorrido, ou seja, sucessivamente. Pense-se, por exemplo, no caso de o recorrente apresentar o vídeo da sustentação oral no último dia da sessão de julgamento virtual. Como o recorrido vai conseguir falar sobre tal sustentação oral? Posteriormente, veio uma outra alteração na Resolução n. 642/2020, por meio da Resolução n. 684, de 21 de maio de 20204, para afirmar que o § 1º do art. 2º da referida norma passará a ter a seguinte redação: "§ 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 6 (seis) dias úteis para se manifestar". Isto é, a duração da sessão de julgamento virtual passou de 5 (cinco) dias úteis para 6 (seis) dias úteis5. Enfim, permanece não solucionado o problema de não ser observada a imposição de que as sustentações orais de recorrente e recorrido aconteçam de modo sucessivo. Este problema guarda semelhança com outro que já existia na vigência do art. 554 do CPC/19736. Como o dispositivo legal em questão bem destaca, a exemplo do que faz o art. 937 do CPC atual, as razões a serem sustentadas são as do recurso e não outras quaisquer que a parte ou seu advogado tenham identificado após a sua interposição. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery são categóricos ao afirmarem que "a sustentação oral não se presta a permitir que a parte traga fundamentação distinta daquela que está contida no arrazoado que acompanha a interposição do recurso"7. Apesar disso, pode acontecer de a parte mesmo assim veicular razões novas em sua sustentação oral ou até mesmo alertar os julgadores da existência de matérias cognoscíveis de ofício ainda não apreciadas8. É importante que o recorrido fale depois do recorrente para poder se manifestar sobre tudo o que foi colocado para debate e apreciação do tribunal em matéria recursal, inclusive no curso da sustentação oral de quem interpôs o recurso. Semelhante questão se coloca na apresentação de manifestação oral durante a audiência de instrução e julgamento a que se refere o art. 364, do CPC atual, que dispõe o seguinte: "Art. 364. http://finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz" (grifos nossos). Ao final da audiência, o juiz deve dar a palavra ao autor e ao réu, sucessivamente, para apresentarem suas razões finais, antes de proferir o julgamento. Caso entenda que a demanda é complexa, pode o juiz facultar às partes a apresentação de memoriais escritos, no lugar das razões finais que deveriam ser apresentadas oralmente ao final da audiência de instrução e julgamento. Note-se que, nesse caso, a apresentação de memoriais também deve ser sucessiva e não simultânea, justamente por causa da necessária observância do princípio do contraditório, da ampla defesa e da publicidade. Conforme bem observam Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, "realmente, conferindo ao réu o privilégio de manifestar-se por derradeiro, sempre sucessivamente ao pronunciamento do autor, o contraditório somente se aperfeiçoará ante a cientificação do réu das razões precedentemente expedidas pelo antagonista. Estas, por sua vez, devem ser, desde logo, e antecedentemente, encartadas nos autos, a fim de que, publicizadas, se façam devidamente conhecidas. Não fosse assim, e o processo estaria destituído de sua precípua finalidade, com a sua clarificada estrutura dialética cedendo passo à escuridão do sigilo, certamente a própria negação da imperiosidade da paridade de armas em todo o iter procedimental"9. No âmbito recursal, à luz de tudo o que foi exposto, a mesma estrutura dialética deve ser rigorosamente observada, dando-se primeiro a palavra ao recorrente e depois ao recorrido, tendo tornada pública a manifestação do recorrente feita em primeiro lugar, para que o recorrido possa se manifestar levando em consideração o que seu adversário sustentou. Em suma, não deve haver prazo comum ou simultâneo, para as partes apresentarem arquivos contendo a gravação em áudio ou vídeo da sua sustentação oral, como dá a entender o art. 5º-A, § 1º, da resolução 642, de 14 de junho de 2019. Por força do art. 93, inciso IX, do art. 5º, inciso LV, ambos da Constituição http://federal, bem como do art. 937, do CPC atual, a apresentação de sustentação oral das razões recursais deve ser feita de modo sucessivo (primeiro o recorrente e depois o recorrido), sendo que é imprescindível que seja tornada pública em primeiro lugar a sustentação oral do recorrente, para depois começar a fluir o prazo para apresentação de sustentação oral por parte do recorrido. Por óbvio, seria possível trazer mais outra série de reflexões sobre a disciplina legal "plenário virtual" do SThttp://f (por exemplo, a questionável possibilidade de um ato normativo do SThttp://f alterar o CPC e ir contra a Chttp://f ou o fato de não haver a publicidade necessária da sessão para saber se os julgadores de fato estão sendo verdadeiramente expostos à sustentação oral como a lei quer que aconteça), mas isso pode ficar para uma outra oportunidade. __________ 1 Resolução 642, de 14 de junho de 2019. (acesso em 24.02.2021). 2 Resolução 669, de 19 de março de 2020. (acesso em 24.02.2021) 3 Resolução 675, de 22 de abril de 2020. (acesso em 24.02.2021) 4 Resolução 684, de 21 de maio de 2020. (acesso em 24.02.2021) 5 Vale mencionar que depois ainda for promulgada a resolução 690, de 1 de julho de 2020, para tratar de aspectos relativos à ata de julgamento, bem como o Procedimento Judiciário n. 11, de 4 de agosto de 2020 , para regulamentar o envio e formatos dos arquivos enviados ao STJ pelos advogados e procuradores. 6 CPC/1973, art. 554: "Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, se o recurso não de embargos declaratórios ou de agravo de instrumento, dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos cada um, a fim de sustentarem as razões do recurso". 7 Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 811. 8 MARTINS, Sandro Gilbert. Sustentação oral. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. V. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 418. 9 TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Indevido processo legal decorrente da apresentação simultânea de memoriais.Revista dos tribunais, n. 662. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 29.
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656/RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que: "3-  Embora  existissem  negócios  jurídicos  processuais  típicos no CPC/73,  é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral  de  negociação  por  meio  da qual se concedem às partes mais poderes  para  convencionar  sobre  matéria  processual, modificando substancialmente  a  disciplina  legal  sobre  o tema, especialmente porque  se  passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos. 4-  O  novo  CPC,  pois,  pretende  melhor  equilibrar a constante e histórica  tensão entre os antagônicos fenômenos do contratualismo e do  publicismo processual, de modo a permitir uma maior participação e  contribuição  das partes para a obtenção da tutela jurisdicional efetiva,  célere  e  justa,  sem despir o juiz, todavia, de uma gama suficientemente  ampla de poderes essenciais para que se atinja esse resultado,  o que inclui, evidentemente, a possibilidade do controle de  validade dos referidos acordos pelo Poder Judiciário, que poderá negar a sua aplicação, por exemplo, se houver nulidade. 5- Dentre os poderes atribuídos ao juiz para o controle dos negócios jurídicos processuais celebrados entre as partes está o de delimitar precisamente o seu objeto e abrangência, cabendo-lhe decotar, quando necessário,  as questões que não foram expressamente pactuadas pelas partes  e  que, por isso mesmo, não podem ser subtraídas do exame do Poder Judiciário. (...). 8- Admitir que o referido acordo, que sequer se pode conceituar como um  negócio  processual  puro, pois o seu objeto é o próprio direito material  que  se  discute  e  que  se  pretende  obter  na  ação de inventário,  impediria  novo  exame  do  valor  a  ser  destinado ao herdeiro  pelo  Poder  Judiciário,  resultaria na conclusão de que o juiz  teria  se tornado igualmente sujeito do negócio avençado entre as  partes  e, como é cediço, o juiz nunca foi, não é e nem tampouco poderá  ser  sujeito  de negócio jurídico material ou processual que lhe  seja  dado  conhecer  no exercício da judicatura, especialmente porque  os  negócios jurídicos processuais atípicos autorizados pelo novo  CPC são apenas os bilaterais, isto é, àqueles celebrados entre os sujeitos processuais parciais. 9- A interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser  restritiva,  de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de  questões  relacionadas  ao  direito  material  ou processual que obviamente  desbordem  do  objeto convencionado entre os litigantes, sob  pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC." O acórdão consolida o entendimento de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".  Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".  Luiz Guilherme Marinoni2observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."  Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...".  Cassio Scarpinella Bueno4 doutrina que os negócios processuais podem versar, por exemplo, sobre escolha de conciliador, mediador e da câmara de mediação, suspensão do processo, escolha do perito, escolha do administrador depositário, e redução de prazos.  Para Fredie Didier Jr.5, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do artigo 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim6, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (artigos 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais.  Fredie Didier Jr.7, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos.  Humberto Theodoro Jr8. defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"9. Doutrina, ainda, que: "Por sua vez, para além dos elementos intrínsecos do ato, viu-se que o juiz deve apreciar os limites dos atos, os quais, neste trabalho, foram identificados como sendo: os direitos fundamentais, as garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros".10  Neste cenário, sem dúvida merece grande destaque o julgamento do REsp n. 1738656 / RJ, pois já sinaliza um campo de direção, por parte do Superior Tribunal de Justiça, acerca do entendimento da Corte Superior sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 217. 5 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402. 7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388. 8 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 9 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152. 10 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
A sucumbência recursal é um dos institutos do Código de Processo Civil de 2015 que mais gera controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Em artigo de minha autoria e publicado, em 10/09/2020, nessa coluna tive oportunidade de analisar acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou a incidência de sucumbência recursal no caso da parte não sucumbente somente recorrer para a majoração dos honorários advocatícios1. Esse era o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO QUE, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, INADMITIRA O RECURSO ESPECIAL, PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL, NA HIPÓTESE. ART. 1.042 DO CPC/2015. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO, POR INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ARBITRAMENTO, NA ORIGEM, APENAS EM FAVOR DA PARTE AUTORA, VENCEDORA DA LIDE, ORA AGRAVANTE. MAJORAÇÃO, PELA DECISÃO AGRAVADA, DOS HONORÁRIOS ANTERIORMENTE FIXADOS, AGORA EM FAVOR DO INSS, EM FACE DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Agravo em Recurso Especial interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. A decisão ora agravada não conheceu do Agravo em Recurso Especial, ante a sua intempestividade, majorando os honorários de advogado - fixados, pela instância de origem, em favor do autor, vencedor da lide, ora agravante - em favor do INSS, réu sucumbente na ação. (...) VI. Na forma da jurisprudência, 'o recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária. O texto do §11 do art. 85 do CPC/15, prevê, expressamente, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias ordinárias, como na espécie, não haverá incidência da referida regra' (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 31/08/2017). VII. Como o texto do § 11 do art. 85 do CPC/2015 prevê, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', não há que se majorar, no caso, os honorários advocatícios, nos termos do aludido dispositivo legal, em favor do INSS, sucumbente no feito, uma vez que não houve prévia fixação, pelas instâncias ordinárias, de honorários de advogado em desfavor da parte autora, ora agravante, vencedora da lide, mas, sim, em favor dela. VIII. Agravo interno parcialmente provido, apenas para excluir a majoração de honorários advocatícios em desfavor da parte ora agravante, vencedora da lide" (AgInt no AREsp 1.561.715/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/4/2020, DJe 24/4/2020) No mesmo sentido é o entendimento da Segunda Seção do STJ:  "recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação, que não seja conhecido, rejeitado ou não provido, não implica honorários recursais para a parte contrária" (STJ-2ª Seção, ED no REsp 1.625.812-EDcl-AgInt-EDcl, Min. Ricardo Cueva, j. 30.06.2020, DJ 04.08.2020)2. Quando a matéria parecia pacificada, surge novo julgado da mesma Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, com entendimento diametralmente oposto ao entendimento anteriormente citado, conforme se depreende da ementa do julgado: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. VIOLAÇÃO A NORMATIVO FEDERAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO VENCEDOR DA DEMANDA. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESPROVIMENTO. POSSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DE VERBA RECURSAL EM SEU DESFAVOR. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SÚMULA 284/STF. 1. É cabível a condenação em honorários recursais no julgamento de apelação interposta pela parte que, embora vencedora na demanda, recorra para o fim de majoração dos honorários sucumbenciais estipulados em seu favor. Inteligência do art. 85, § 11, do CPC/2015. 2. Não se conhece do recurso especial que se fundamenta na existência de divergência jurisprudencial, mas se limita, para a demonstração da similitude fático-jurídica, à mera transcrição de ementas e de trechos de votos, assim como tampouco indica qual preceito legal fora interpretado de modo dissentâneo. Hipótese, por extensão, da Súmula 284/STF. 3. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. (AREsp 1566177/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 21/09/2020) Do voto do relator podemos destacar o presente trecho: "Esse há de ser o entendimento também para a hipótese do vencedor de toda a demanda: se apesar disso a parte insiste em recorrer somente com o intuito de aumentar o ganho obtido com os honorários, mas isso especificamente não lhe é dado, o advogado da parte adversária merece ser remunerado por ter evitado que o seu constituinte tivesse um agravamento na sua situação processual. Como referido antes, se assim não for se estará criando em favor de uma das partes o privilégio de recorrer livremente sem que possa vir a ter nenhum decréscimo financeiro com a desventura do recurso, inclusive com eventuais acessos às instâncias superiores." A leitura do artigo § 11 do artigo 85 parece afastar tal possibilidade, pois o dispositivo prevê que o "tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente". No caso julgado, o Vencedor não foi condenado ao pagamento de honorários em primeira instância, logo, não pode ser condenado ao pagamento de Sucumbência Recursal ao ter seu recurso para majoração dos honorários não conhecido ou improvido. Esse novo entendimento da Colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça pode até ser mais justo, entretanto, quer nos parecer que a fixação originária de sucumbência recursal, demandaria uma alteração legislativa, com expressa previsão de tal possibilidade no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. Dada a divergência do entendimento da Segunda Turma com o entendimento da Segunda Seção, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça analise o tema e pacifique o entendimento sobre o cabimento ou não de honorários recursais nesses casos. __________ 1 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios. 2 No mesmo sentido é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carilho Lopes: "Se o recurso for interposto exclusivamente para discutir o valor ou outra questão referente a uma sanção proces­sual (multa, honorários advocatícios, reembolso de despesas, etc. - supra, n. 119), não é cabível o arbitramento de honorários recursais." (Comentários ao Código de Processo Civil, V. II, Das Partes e dos Procuradores, 2ª Edição, São Paulo: Saraiva, página 189).
O chamado processo de execução pressupõe uma prévia crise de inadimplemento. O credor busca receber o seu crédito, quando por vezes, já frustrada a tentativa de recebimento extrajudicial, a buscar como última alternativa o Poder Judiciário, cujos atos de coerção a serem aplicados se destinarão à satisfação da tutela executiva. A racionalidade acima parece óbvia, até porque rígidos são os requisitos necessários a aparelhar o manejo do processo de execução que, pelas razões acima, é moldado a satisfazer a tutela executiva de forma rápida, célere e na esperança de imprimir efetividade. Nesse contexto o art. 782, § 3º, do CPC assegura a parte requerer a inclusão do nome do executado no rol de cadastro de inadimplentes, providência esta que permanecerá (i) até que se tenha notícia nos autos do pagamento da dívida, (ii) garantida da execução ou (iii) alguma das hipóteses que autoriza a extinção da tutela executiva1. Em outras palavras, a medida busca propiciar coerção sobre a esfera do devedor, a ponto de forçá-lo a comparecer em juízo, dar alguma satisfação sobre a dívida inadimplida, lembrando que tal medida coercitiva pode ser revogada pelo próprio magistrado. A despeito da inteligência do art. 782, § 3º não condicionar seu deferimento a nenhuma hipótese taxativa, é certo que tal requerimento restou indeferido ao fundamento de existir meios técnicos e expertise do exequente em promover a inscrição direta do nome do devedor junto aos órgãos de proteção de crédito. Todavia, referida decisão restou reformada pela 3ª Turma do STJ: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. REQUERIMENTO DE INCLUSÃO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO CPC/2015. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE INDEFERE O PLEITO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA DAS PARTES REQUERENTES. IMPOSSIBILIDADE. NORMA QUE DEVE SER INTERPRETADA DE FORMA A GARANTIR AMPLA EFICÁCIA À EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA. 1. Ação de execução de título executivo extrajudicial, tendo em vista o inadimplemento de débitos locatícios. 2. Ação ajuizada em 18/1/17. Recurso especial concluso ao gabinete em 08/09/2020. Julgamento: CPC/15. 3. O propósito recursal é definir se o requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/15) pode ser indeferido sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito. 4. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. 5. O dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. Ademais, depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto. 6. Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual. 7. Na espécie, o indeferimento do pleito pelo Tribunal de origem deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/15. 8. Assim, impõe-se o retorno dos autos à origem para que seja analisada, na hipótese concreta dos autos, a necessidade de se deferir a inclusão do nome da devedora nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, independentemente das condições econômicas das exequentes para, por si próprias, promoverem tal inscrição. 9. É possível ao julgador, contudo, ao determinar a inclusão do nome do devedor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/15, que atribua ao mesmo - desde que observada a condição econômica daquele que o requer - a responsabilidade pelo pagamento das custas relativas à referida inscrição." (STJ, REsp n. 1887.712-DF, Terceira Turma, j. 27.10.2020, v.u., grifou-se)  Com mais vagar, o voto condutor bem analisa:  (...) 5. Com efeito, o CPC/15 prevê um rol variado de medidas executivas típicas e, em evidente inovação, prevê a possibilidade de serem empregadas, também, medidas executivas atípicas para se obter a satisfação da obrigação, não delineadas previamente no diploma legal. 6. Tais medidas visam a garantir maior celeridade e efetividade ao processo, uma vez que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". 7. Com isso, o legislador optou por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material. 8. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. 9. Tal medida - também uma inovação trazida pelo CPC/15 - é salutar, pois tende a inibir a inadimplência venal que usa do trâmite judicial para procrastinar a satisfação da obrigação (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.749). 10. De fato, o apontamento do nome do devedor nos cadastros de maus pagadores representa inegável limitação de crédito, de maneira que a medida pode atuar de forma positiva no cumprimento, por parte daquele, da obrigação inadimplida, afinal, a inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento ou se for garantida a execução (art. 782, § 4º, do CPC/15). 11. Por este motivo é que se elucida que na execução indireta (medidas atípicas), as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor (REsp 1.788.950/MT, 3ª Turma, DJe 26/4/19). 12. Salienta-se que o dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. (...) 16. Não se descura, tampouco, de que, nos termos do art. 6º do CPC/2015, todos os sujeitos do processo - aí incluindo-se o julgador - devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 17. Vale lembrar que esta 3ª Turma, recentemente, analisou a questão sob a ótica da necessidade de se haver um prévio requerimento extrajudicial da parte antes do pleito judicial fundado no art. 782, § 3º, do CPC/15. Em conclusão, entendeu-se que não há qualquer óbice para que o requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, sem a necessidade de ter havido prévio requerimento extrajudicial. 18. Em seu voto, o min. relator bem elucidou que: Ocorre que, conquanto o magistrado não esteja obrigado a deferir a medida executiva prevista no referido dispositivo, não se revela legítimo o fundamento adotado pelas instâncias ordinárias no caso ora em julgamento, no sentido de que "o acionamento do aparato judiciário somente se justifica se o credor não conseguir obter administrativamente a averbação da existência da ação nos referidos cadastros" (e-STJ, fl. 42). Ora, além de o Tribunal de origem ter criado um requisito não previsto em lei para a adoção da medida executiva de negativação do nome do devedor, tal entendimento está na contramão de toda a sistemática trazida com o novo Código de Processo Civil, em que se busca a máxima efetividade da tutela jurisdicional prestada, conforme já destacado. Com efeito, em decorrência do princípio da efetividade do processo, a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015, que possibilita a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes, deve ser interpretada de forma a garantir maior amplitude possível à concretização da tutela executiva, não sendo razoável que o Poder Judiciário imponha restrição ao implemento dessa medida sem qualquer fundamento plausível e em manifesto descompasso com o propósito defendido pelo novo CPC, especialmente em casos como o presente, em que as tentativas de satisfação do crédito foram todas frustradas. Não se olvida que nada impede que o credor requeira extrajudicialmente a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Todavia, também não há qualquer óbice para que esse requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, como possibilita expressamente o art. 782, § 3º, do CPC/2015 (REsp 1.835.778/PR, 3ª Turma, DJe 06/02/2020) (grifos acrescentados). 19. Importante salientar que o indeferimento do pleito pelo TJDFT deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015."(grifou-se)  O entendimento acima soa acertado. Respeitado entendimento em sentido contrário, soa temerário ao intérprete exigir requisitos onde o legislador não criou, até porque o processo de execução é aparelhado a serviço do credor inadimplido (Princípio da Execução), a caber ao Poder Judiciário o manejo de técnicas e mecanismos destinados à satisfação da tutela executiva, reservado ao devedor, sempre, o exercício do contraditório e ampla defesa. Inverter tal lógica significa fomentar a inadimplência, senão mitigar o já difícil e tortuoso caminho da efetividade da tutela executiva2. _____________ 1 Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá. § 1º O oficial de justiça poderá cumprir os atos executivos determinados pelo juiz também nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região metropolitana. § 2º Sempre que, para efetivar a execução, for necessário o emprego de força policial, o juiz a requisitará. § 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. § 4º A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento, se for garantida a execução ou se a execução for extinta por qualquer outro motivo. § 5º O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.  2 É certo que falta dados empíricos a demonstrar o que é mais comum no cenário brasileiro: crises de inadimplemento que culminam em dezenas de ações de execução cuja tentativa de satisfação do crédito se arrasta por anos ou, de outra banda, eventual abuso por parte de magistrados quanto a aplicação das medidas executivas? A resposta a tais indagações deveria ser condição primária para toda e qualquer tentativa interpretativa quanto ao comando da lei, em especial a limitação de medidas executivas atípicas.
Como se sabe, nos termos do art. 135, do CPC, com a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser determinada a citação da pessoa jurídica, do sócio ou do administrador para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Entretanto, se a hipótese for de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade falida, não deve haver suspensão do processo principal conforme dispõe o § 3º do art. 134 do CPC, em razão do disposto no parágrafo único do art. 82-A, da lei 11.101/2005, com a redação dada pela nova lei 14.112/2020. O teor do art. 82-A, da lei 11.101/2005, é o seguinte: "Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)" (grifos nossos). Em outras palavras, se o juízo falimentar determinar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o processo de falência não deve ser suspenso (não se aplica o § 3º do art. 134, do CPC). É dizer, o processo de falência deve continuar mesmo com a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. E mais: não só o processo de falência deve continuar em relação à sociedade falida, mas também os demais processos contra os sócios, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - SUSPENSÃO - Decisão agravada que determinou a paralisação do feito executivo até o trânsito em julgado da decisão que estendeu os efeitos da falência aos sócios, ora executados - Inadmissibilidade - Desconsideração da personalidade jurídica, ainda que realizada no âmbito do juízo falimentar, que não obsta o prosseguimento das execuções individuais perante os sócios da falida, afetando apenas certas relações jurídicas - Art. 50 do CC/02 - Mesmo nos casos mais graves, em que há decreto de indisponibilidade de bens, é clara a jurisprudência de que esta medida apenas visa evitar a dilapidação patrimonial do devedor, não o prosseguimento de cobranças individuais, estranhas à empresa falida - Decisão reformada - Recurso provido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2190987-61.2020.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/12/2020; Data de Registro: 16/12/2020) Assim, quanto aos integrantes da pessoa jurídica "(...) mesmo nos casos mais graves em que há decretação de indisponibilidade de bens dos sócios, nos termos do art. 82, §2º da lei 11.101/05 não há óbice, a princípio, ao prosseguimento de outros feitos executivos individuais em face dos sócios, inclusive com constrições, sendo certo que tal determinação tem como objetivo primordial obstar a dilapidação patrimonial do sócio devedor (...)". Por fim, no tocante ao processo principal (o de falência), também não há que se falar em suspensão, pois vários atos precisam ser praticados com celeridade para salvaguardar os interesses dos credores, como agora está disposto no art. 82-A, da lei 11.101/2005, com a nova redação dada pela nova lei 14.112/2020.
O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal está em linha com doutrina que já tivemos a oportunidade de defender. Conforme notícia no site do Supremo Tribunal Federal: "Por decisão majoritária, o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou a possibilidade de a Fazenda Nacional tornar indisponíveis, administrativamente, bens dos contribuintes devedores para garantir o pagamento dos débitos fiscais a serem executados. No entanto, também por maioria dos votos, admitiu a averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora. A decisão foi tomada na tarde desta quarta-feira (9.12.20), durante o julgamento conjunto de seis ações diretas de inconstitucionalidade. As ações foram ajuizadas pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 5881), pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ADI 5886), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (ADI 5890), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5925), pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 5931) e pela Confederação Nacional do Transporte (ADI 5932)."1 A lei 13.606/18 e a Portaria 33 da PGFN dialogam com os princípios da efetividade e eficiência, buscando-se um modelo que permita à Fazenda Nacional localizar, previamente ao ajuizamento da execução fiscal, bens do devedor, além de prever expressamente que caso não sejam localizados bens do devedor, a Procuradoria da Fazenda Nacional pode ficar dispensada de ajuizar a execução fiscal. Uma vez formado o título executivo em favor da Fazenda Nacional, o devedor será notificado para pagar o débito em 5 (cinco) dias. Caso não seja pago o débito, a Fazenda Pública poderá: (i) comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e (ii) averbar, inclusive por meio eletrônico, o título executivo nos registros de bens e direitos sujeitos ao arresto ou à penhora. E é certo que a redação Portaria 33 da PGFN já havia esclarecido o alcance dos efeitos da averbação pré-executória, sendo certo que os bens que forem objeto de tal "apontamento" não podem ser considerados "indisponíveis" nos termos do inciso II do parágrafo terceiro do artigo 20-B da lei 13.606/18. Isto porque, como já defendemos, nem mesmo a futura penhora de um bem, no trâmite da execução, pode o tornar indisponível para fins legais. O bem penhorado ainda pode ser objeto de negócio jurídico, por exemplo. A penhora apenas rege a preferência do credor quando da excussão do bem constrito, bem como individualiza a parte do patrimônio do devedor que está atrelada à determinada execução. Assim, nos termos da própria Portaria 33 da PGFN, como já defendemos, o termo "indisponível" usado para fins da lei 13.606/18 parece mais sinalizar a intenção do Poder Público de dar publicidade da existência do crédito em favor da Fazenda Pública, evitando-se futura e eventual fraude à execução, bem como parece já individualizar a parte do patrimônio do devedor que estará sujeita à futura penhora na execução fiscal que deverá ser ajuizada. Não se trata propriamente de uma indisponibilidade. E foi nesta linha que caminhou o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo-se válida a dinâmica da averbação pré-executória, mas ressalvando-se, acertadamente, que tal averbação não gera indisponibilidade de patrimônio.     __________ 1 Plenário veda indisponibilidade de bens dos devedores da Fazenda Pública, mas admite averbação.
Um dos temas mais controvertidos do Código de Processo Civil de 2015 é o agravo de instrumento, o rol supostamente taxativo previsto no artigo 1.015 e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a "taxatividade mitigada" de tal rol.                                        Esse é o tópico mais estudado em relação ao CPC/2015 e já foi objeto de muitos artigos em nossa coluna. A partir do momento em que o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a interposição de agravo de instrumento em hipóteses não previstas pelo artigo 1.015, a Corte passou a ser instada a decidir em quais oportunidade seria possível a interposição do agravo de instrumento fora das hipóteses previstas. A referida novela ganhou mais um capítulo com o recentíssimo julgamento da Segunda Seção do STJ quanto ao cabimento do Agravo de Instrumento no processo de recuperação judicial e na falência. Tal tema já foi objeto de análise pelo professor Daniel Penteado de Castro, em artigo publicado nesta coluna no dia 05 de março de 20201. Em referido artigo foi exposto que a questão havia sido afetada para julgamento da Segunda Seção do STJ, eis que na Recuperação Judicial e na Falência não poderia ser aplicada, de imediato, a tese firmada no Tema 988/STJ, quanto a taxatividade mitigada. Em 03/12/2020 a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu a seguinte tese: "É cabível agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, CPC"2. A Segunda Seção entendeu que a melhor interpretação é que a recorribilidade imediata por agravo das decisões interlocutórias não abrange apenas a liquidação e a execução previstas no CPC/2015, ao contrário, contemplam também processos que, porquanto disciplinados por legislação extravagante, possuam natureza jurídica de liquidação e execução, como é o caso dos processos de recuperação judicial e falimentar. Nesse mesmo sentido já tínhamos entendimentos do próprio Superior Tribunal de Justiça3 e era o entendimento majoritário de nossa doutrina4. Definiu-se também a modulação dos efeitos da tese jurídica da seguinte forma: A tese jurídica se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão que fixou a tese e a todos os agravos de instrumento interpostos antes da fixação da tese, ainda que se encontrem pendentes de julgamento ao tempo da publicação deste acórdão, excluindo-se, tão somente, os agravos de instrumento que não foram conhecidos pelos Tribunais Estaduais ou Regionais Federais por decisão judicial transitada em julgado. O tema agora resolvido na esfera judicial, será também objeto de alteração legislativa, caso não ocorra veto presidencial no PL nº 4.458/2020, na parte que trata da inclusão no artigo 189 da Lei de Falência e Recuperação Judicial da seguinte previsão: "as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa." Desse modo, restará plenamente garantida a possibilidade de interposição de agravo de instrumento em face de todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência. __________ 1 O distinguishing da taxatividade mitigada quanto ao cabimento de recurso de agravo de instrumento em processos envolvendo recuperação judicial e falência. 2 Recursos Especiais nºs 1.707.066 e 1.717.213. Acórdãos previstos para serem publicados em 10/12/2020. 3 Recurso Especial nº 1.722.866 (Rel. Min. Luis Felipe Salomão). Nesse mesmo sentido também é o Enunciado nº 69 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "A hipótese do art. 1.015, parágrafo único, do CPC abrange os processos concursais, de falência e recuperação".   4 Por todos, cita-se o professor Paulo Henrique dos Santos Lucon em artigo publicado no próprio site Migalhas: "É imperativo compatibilizar as particularidades da recuperação judicial e da falência com os princípios constitucionais e não há lógica em esperar o recurso de apelação para que se recorra de certas decisões interlocutórias, razão pela qual a exceção contida no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC, o qual flexibiliza a lógica da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, deve abranger hipóteses não expressamente previstas na LRF, para que seja reconhecida a possibilidade de interposição de agravo de instrumento ainda que fora das hipóteses previstas na aludida lei. Não aceitar tal interpretação extensiva, poderá resultar na retomada de antiga prática que será prejudicial ao sistema, qual seja, a de impetração de mandado de segurança contra decisões interlocutórias proferidas pelo juízo falimentar ou pelo juízo recuperacional. Tal prática poderá ensejar a indesejável demora no tramite de todo o processo, considerando os prazos alongados existentes para a impetração do writ, o que também não respalda o princípio da celeridade que deverá reger os procedimentos previstos na LRF."  
O tema honorários advocatícios tem ocupado espaço de recentes contribuições postas no bojo da presente coluna. Já foram referenciados julgados da Primeira à Quarta Turmas do STJ, que entenderam por afastar a aplicação da regra de equidade (art. 85, § 8º do CPC) nas hipóteses que não se enquadram na situação objetiva ali prevista pelo legislador, a prevalecer a inteligência do art. 85, § 2º do CPC1-2. Apontamos também recente julgado da Quarta Turma do STJ, forte em não se importar quanto a condenação milionária da verba honorária advocatícia aplicada, pois em verdade estava a cumprir fielmente com o comando previsto no art. 85, § 2º, do CPC3. Por sinal, tal questão específica consolidou o Tema n. 1046, por meio do qual o STJ, nos recursos especiais n. 1812301/SC e 1822171/SC, por meio do v. acórdão de 17.03.2020, publicado aos 26.03.2020, afetou, sob o regime de recursos repetitivos, o julgamento da seguinte questão jurídica: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015." O Professor Rogério Mollica também já contribuiu com a presente coluna ao tratar da sucumbência recursal e julgamento de embargos de declaração4, sem prejuízo de outro notável artigo quanto a impossibilidade de aplicação de sucumbência recursal na hipótese do recurso, improvido, ter por objeto exclusivo a majoração da verba honorária advocatícia anteriormente fixada5. Recentemente o STJ decidiu acerca da possibilidade ou não de majoração da verba honorária advocatícia (regra prevista no art. 85, § 11º, do CPC) quando, em havendo sucumbência recíproca, sobrevier recurso de uma ou ambas as partes: "AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. 2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. 3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que "[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". 4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui. 5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria. 6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência. 7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso. 8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC. 9. Agravo interno não provido." (AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.495.369/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 01.09.2020, grifou-se) Referido julgado, por unanimidade, bem observou: "(...) 4. No entanto, com a devida venia, penso que a sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC. De início, é importante ressaltar que, à luz do disposto no art. 22 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB), os honorários advocatícios contratuais - em que a parte convenciona livremente com o seu patrono - não se confundem com os sucumbenciais - que são devidos pelo derrotado na demanda, à luz da disposição contida na norma processual de regência. (...) Ademais, importante ressaltar que o novo Código de Processo Civil, no parágrafo 14 do art. 85, é expresso no sentido de que "[o]s honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial", de modo que não se aplica o entendimento desta Corte Superior, firmado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, de que "[o]s honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte" (Súmula 306/STJ). Sobre a questão, a doutrina de José Miguel Garcia Medina também aponta para essa solução, de que, havendo sucumbência recíproca, cada uma das partes é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência do patrono da parte contrária. Confira-se:  I. Honorários advocatícios e sucumbência recíproca. Os honorários advocatícios "pertencem ao advogado" (art. 23 da Lei 8.906/1994). Os honorários são remuneração pelo trabalho do advogado, tendo caráter alimentar. Assim, se ambas as partes forem sucumbentes, deverão ser condenadas a pagar ao advogado da outra o valor do honorários respectivos. Como credor dos honorários é o advogado (e não a parte por ele representada), os honorários devidos aos advogados de partes adversárias não podem ser compensados. Nesse sentido, o CPC/2015 dispõe que é vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). O art. 86 do CPC/2015, assim, deve ser compreendido a partir da leitura do § 14 do art. 85 do CPC/2015 (cf. também comentário ao art. 85 do CPC/2015). (In.: Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 192 - g.n.)  Assim, penso que, no tocante aos honorários de sucumbência, a relação jurídica se estabelece entre a parte e o advogado da parte contrária - e não entre a parte e o seu próprio causídico -, sob pena de exsurgirem situações incongruentes e de conflito de interesses, a seguir apontadas. (...) Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor. Insta salientar que essa providência também afasta qualquer tipo de conflito de interesses entre as partes e os advogados que as representam quando há o deferimento de gratuidade de justiça, tal como apontado alhures. Para se demonstrar o acerto da sistemática que ora se propõe, no caso dos autos - honorários de sucumbência fixados em R$ 100.000,00, o autor responsável por 20% das despesas, e o réu, arcando com 80% das despesas -; o autor deverá pagar R$ 20.000,00 devidamente corrigidos ao advogado do réu, ao passo que o réu deverá pagar ao advogado do autor R$ 80.000,00, devidamente corrigidos. Nesse contexto, ressoa inequívoco, a meu juízo, que estar caracterizada a sucumbência recíproca, por si só, não constitui óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC, nos casos em que estiverem presentes os requisitos para tal providência. A majoração, todavia, deverá incidir tão somente a parcela dos honorários de sucumbência que couber ao advogado que pode se beneficiar da regra contida no mencionado dispositivo legal (no caso, R$ 80.000,00), sob pena de, em determinadas situações, se majorar indevidamente a verba honorária de sucumbência do patrono da parte contrária. (...)"  O julgado supra citado compõe mais um capítulo do tormentoso tema "honorários advocatícios", desta feita, para afirmar e esclarecer que (i) sucumbência recíproca, diferentemente do regime do CPC/73, não significa determinar que "cada parte arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais do respectivo patrono" ou, ainda, "a compensação da verba honorária sucumbencial" (ponto inclusive vedado pelo art. 85, § 14, do CPC),  mas sim que, por se tratar de relações jurídicas distintas, a parcela sucumbente de cada parte há de ser paga ao patrono do ex adverso. Ainda, referido julgado complementa que, (ii) a majoração da verba honorária advocatícia recursal (art. 85, § 11º), também se aplica à hipótese de sucumbência recíproca, desde que a) a decisão recorrida tenha sido publicada sob a vigência do CPC/2015 (18/03/2016), b) o recurso não seja conhecido integralmente ou improvido, singularmente ou pelo colegiado competente e, c) haja sido fixada pretérita condenação na verba honorária advocatícia pelo juízo ou tribunal a quo, observados os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º, do art. 85 do CPC. __________ 1 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema. 2 Honorários advocatícios por equidade além da previsão legal: 1ª a 4ª Turmas do STJ já afastaram interpretação extensiva. Agora Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF. 3 Honorários Advocatícios por Equidade em Demanda de Valor Milionário. 4 Sucumbência recursal e o julgamento dos embargos de declaração. 5 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios.
A resolução n. 354, de 19/11/2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dispõe sobre "o cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial e dá outras providências". Mais especificamente, o art. 1º esclarece que "esta resolução regulamenta a realização de audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de primeira e segunda instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral, bem como nos Tribunais Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal". Vale notar que as "audiências telepresenciais" são definidas pela própria resolução em questão como sendo "as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias" (art. 2º, inc. II). Por sua vez, a "videoconferência" é definida como "comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias" (art. 2º, inc. I). No que diz respeito à possibilidade de realização e audiência de conciliação e mediação, o art. 3º, inc. IV, da referida resolução, estabelece que "as audiências telepresenciais serão determinadas pelo juízo, a requerimento das partes, se conveniente ou viável, ou, de ofício, nos casos de: (...) IV - conciliação ou mediação". Apesar de ser louvável a tentativa de buscar disciplinar a realização de atos processuais por meios telepresenciais, a resolução n. 354, de 19/11/2020, do CNJ, deixou de tratar com a objetividade e clareza necessárias de uma questão fundamental para toda e qualquer audiência de mediação ou conciliação: a confidencialidade. Com efeito, é crucial que o tema da confidencialidade seja enfrentado quando se estabelece que um juízo pode determinar a realização de audiência de conciliação ou mediação por meio de uma audiência telepresencial. Como é cediço, a audiência realizada por meio presencial pode ser gravada por quaisquer das pessoas que estejam dela participando e o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo recomenda a sua gravação em material divulgado em seu site na rede mundial. Assim, seria necessário compatibilizar o disposto no art. 3º, inc. IV, da resolução n. 354/2020, do CNJ, com o art. 136, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe: "Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes. § 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às sus funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundo da conciliação ou da mediação" (grifos nossos). O princípio da confidencialidade também está estampado no Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, anexo à resolução n. 125/2010, do CNJ, que foi alterado aos 4 de fevereiro de 2013 pelo Anexo III, que dispõe o seguinte em seu art. 1º, inciso I: "São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais, confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. I - Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese" (grifos nossos). A lei 13.140, de 26 de junho de 2015, também conhecida como Lei de Mediação, igualmente, estabelece em seu art. 2º, inc. VII, que a mediação será orientada pelo princípio da confidencialidade. Ou seja, com tantos dispositivos legais frisando que deverá ser observado o princípio da confidencialidade na realização da audiência de mediação e conciliação, o Conselho Nacional de Justiça poderia ter aproveitado a oportunidade para disciplinar a maneira pela qual será assegurada esta confidencialidade nas audiências de mediação e conciliação que serão realizadas pela forma telepresencial. Tal confidencialidade é importante para que as partes sintam-se livres para participar da mediação ou da conciliação e assim seja aumentada a probabilidade de sucesso na tentativa da resolução consensual do conflito. Se a audiência for realizada de maneira telepresencial, como permite a resolução n. 354/2020, as partes deveriam ter a garantia de que o registro ou a gravação da audiência não chegassem ao conhecimento de ninguém, inclusive do juiz. Se isso não acontecer, confidencialidade será mais uma palavra vazia de significado no CPC de 2015.
O parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 estabelece que, uma vez concedida a tutela provisória antecipada antecedente, "o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar". Questão interessante que se pontua é se o prazo de 15 dias referido acima apenas tem sua contagem iniciada após intimação judicial específica para tanto, bem como se essa intimação só deve ocorrer após a segurança de que não houve no caso concreto o fenômeno da estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15. No recentíssimo julgamento do Recurso Especial1.766.376/TO, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a abertura do prazo de que trata o parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 exige intimação judicial específica, bem como, expressamente, declarou que essa intimação só deve ocorrer caso o réu tenha evitado a estabilização da tutela nos termos do artigo 304 do CPC/15; e isso porque, conforme razões do voto da Ministra relatora, caso o réu não venha a se opor à concessão da tutela provisória antecipada antecedente, com a consequente estabilização dessa tutela provisória, não haveria motivo processual para o autor aditar sua petição inicial, uma vez que o processo será extinto nos termos do parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15. Veja-se:  "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. PROCEDIMENTO. ARTS. 303 E 304 DO CPC/15. ADITAMENTO DA INICIAL. INTIMAÇÃO ESPECÍFICA. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO E DA ECONOMIA PROCESSUAL. ARTS. 4º, 139, IX, 321, CAPUT, 304, CAPUT E § 1º, e 1.003, § 5º, do CPC/15. PETIÇÃO. JUNTADA. CONTEÚDO. CONHECIMENTO INEQUÍVOCO. HIPÓTESE CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. Ação de tutela antecipada em caráter antecedente, na qual se pleiteia o cumprimento de contrato de prestação de serviços, fornecimento e instalação de sistemas de controle de acesso, provedor de internet, telefonia VOIP e de monitoramento digital de imagens. 2. Recurso especial interposto em 17/07/17 e concluso ao gabinete em 14/09/18. Julgamento: CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em determinar se a juntada de petição pelo autor após a concessão da tutela antecipada antecedente é apta a: a) configurar a ciência inequívoca da parte a respeito de seu conteúdo e; b) demarcar o início do prazo de 15 (quinze) dias para o aditamento da petição inicial previsto no art. 303, § 1º, I, do CPC/15.  4. Nosso direito processual civil é instrumental e adota o sistema da legalidade das formas, de modo que é preciso que seu rigorismo formal seja observado com vistas a se oferecer segurança jurídica e previsibilidade à atuação do juiz e das partes, sendo abrandado quando o ato atingir a finalidade que motiva sua vigência. 5. A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente o conhecimento dos atos e dos termos do processo permite a cada litigante encontrar os meios necessários e legítimos à proteção de seus interesses. 6. No processo eletrônico, a ciência pessoal de todo o conteúdo do processo é presumida, em regra, com a intimação formal. Precedente. 7. Excepciona-se essa regra na juntada superveniente de petição cujo conteúdo revele a indispensável ciência de todo o conteúdo decisório, isto é, o inequívoco conhecimento da decisão e a plena ciência da parte de que deve tomar alguma atitude processual. Precedentes. 8. No CPC/15, a tutela provisória passa a ser uma técnica aplicada na relação processual de conhecimento ou de execução, mas que, na forma do art. 303, pode ser também requerida em caráter antecedente à própria formação da relação jurídica processual da tutela definitiva. 9. O propósito da previsão dos arts. 303 e 304 do CPC é, especificamente, proporcionar oportunidade à estabilização da medida provisória satisfativa, valorizando a economia processual por evitar o desenvolvimento de um processo de cognição plena e exauriente, quando as partes se contentarem com o provimento sumário para solucionar a lide. 10. O procedimento da tutela provisória é, portanto, eventualmente autônomo em relação à tutela definitiva, pois, para a superação dessa autonomia, é preciso que o requerido recorra da decisão que concede a antecipação da tutela, sob pena de a tutela estabilizar-se e o processo ser extinto. 11. Como, na inicial da tutela antecipada antecedente, o autor somente faz a indicação do pedido de tutela final, existe a previsão de que deve complementar sua argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro maior fixado pelo juiz. 12. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial, não são concomitantes, mas subsequentes. 13. Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo. 14. Como a interposição do agravo de instrumento é eventual e representa o marco indispensável para a passagem do "procedimento provisório" para o da tutela definitiva, impõe-se a intimação específica do autor para que tome conhecimento desta circunstância, sendo indicada expressa e precisamente a necessidade de que complemente sua argumentação e pedidos. 15. Na hipótese dos autos, o conteúdo da petição juntada pelo autor, na qual requer a aplicação de multa em razão do descumprimento da tutela antecipada, não permite concluir por seu conhecimento inequívoco da determinação de aditar a inicial. 16. Além disso, a intimação do autor para o aditamento da inicial e o início do prazo de 15 (quinze) dias para a prática desse ato, previstos no art. 303, § 1º, I, do CPC/15, exigem intimação específica com indicação precisa da emenda necessária, como realizado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição. 17. Recurso especial desprovido." (g.n.). O julgado acima, sem dúvida, é de enorme importância, pois ajuda a solucionar um claro conflito entre o prazo do artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, e a possibilidade de estabilização da tutela antecipada de que trata o artigo 304 do CPC/15. Até mesmo por economia processual, e em nome do princípio da eficiência de que trata o artigo 8º do CPC/15, faz todo o sentido exigir que o autor apenas proceda ao aditamento da petição inicial se o feito não estiver estabilizado nos termos do artigo 304 do CPC/15; dado que caso a tutela tenha se estabilizado, o processo será naturalmente extinto, conforme prevê o parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves1 leciona que: "o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, de certa forma conflita com a estabilização da tutela antecipada prevista no artigo 304 do novo cpc. Dentro da normalidade, o autor será intimado da concessão da tutela antecipada antes de o réu ser citado, de forma que se for computado o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, fatalmente o pedido de tutela antecipada já terá se convertido em processo principal quando o réu tiver a oportunidade de deixar de se irresignar contra a decisão concessiva. E nesse caso a extinção não será meramente do pedido de tutela provisória de urgência, mas sim do próprio processo principal. É possível até mesmo argumentar que, antes de saber se haverá ou não estabilização da tutela antecipada, não se pode exigir do autor a emenda de sua petição inicial, o que só se tornaria necessário se soubesse, diante da postura do réu, que o processo prosseguirá". (g.n.).     Fundamental, portanto, até mesmo para a segurança jurídica, foi a orientação dada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema em tela, adotando-se o norte de que: (i) a abertura do prazo de que trata o artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, exige intimação específica; e (ii) tal intimação só deverá se dar se não ocorrer a estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15.  *** ____________ 1 Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodium, 2016. p. 448.
Na Coluna de 16 de maio de 2019 foi trazido o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. Já em texto datado de 13 de agosto do corrente ano foi comentado o julgado proferido nos autos do RESP 1.815.055/SP, que causou perplexidade na comunidade jurídica com o entendimento, dessa vez restritivo da mesma previsão legal, no sentido de que não seria possível penhorar salário para pagamento de dívida decorrente de honorários advocatícios.2 Voltamos ao tema, pois recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que salário poderia ser penhorado para o pagamento de débitos condominiais, eis que tais débitos equivaleriam a verbas alimentares: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPESAS CONDOMINIAIS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO "ON LINE" DE CONTAS EM NOME DA DEVEDORA ANTES DA PENHORA DO IMÓVEL ATRELADO AO DÉBITO EXEQUENDO. INCIDÊNCIA DO ART. 835 DO CPC. NECESSIDADE DA MITIGAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DO SALÁRIO DA AGRAVANTE DIANTE DO DÉBITO CONDOMINIAL, EQUIVALENTE A CARÁTER ALIMENTAR. OBSERVAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE SOBRA SALARIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. Agravo de instrumento improvido, nos termos do acórdão.  (TJ/SP;  Agravo de Instrumento 2166485-58.2020.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Bárbara d'Oeste - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/09/2020; Data de Registro: 12/09/2020) Do referido julgado se extraí a conclusão de que "Embora o crédito condominial não possua caráter alimentar, a este equivale, pelo fato de que o condomínio depende unicamente da arrecadação das cotas-partes mensais no rateio, de maneira que o inadimplemento de um condômino onera indevidamente aos demais. Desse modo, o proprietário de imóvel sob regime de condomínio edilício deve honrar suas obrigações sob pena de inviabilizar o custeio essencial para a existência e manutenção do condomínio". Veja-se onde o ativismo judicial nessa matéria pode nos levar, pois com o afastamento do texto expresso da lei, temos julgados entendendo que os honorários advocatícios não teriam natureza alimentar e, por outro lado, que despesas condominiais equivaleriam a verba alimentar. É claro que todos que residem em condomínios sofrem com a inadimplência de outros condôminos, eis que o rateio das despesas acaba tendo de ser feito entre um número menor de unidades, sobrecarregando os adimplentes, principalmente nos edifícios com um menor número de unidades. Assim, no caso específico, o acórdão teria feito "justiça" ao tentar evitar a sobrecarga dos outros condôminos. Entretanto, por mais que se possa concordar com a flexibilização da penhora de salários3, fato é que o legislador optou, no artigo 833 do CPC/15, por manter várias causas de impenhorabilidades. Os vencimentos no montante de até cinquenta salários mínimos mensais são tidos por impenhoráveis.  A exceção seria para o pagamento de prestações alimentícias. Logo, ao se decidir que a prestação condominial seria equivalente à verba alimentícia, o acórdão, na melhor das intenções de assegurar o recebimento pelo credor, parece se distanciar da expressa previsão legal.  Desse modo, não se concordando com a previsão legal, deve-se buscar a alteração da lei pelo trâmite legislativo próprio. Simplesmente se afastar da expressa previsão legal pode até trazer o resultado esperado no caso concreto, mas acaba gerando grande insegurança e enfraquecendo o sistema jurídico como um todo. _______________ 1 Clique aqui  2 Clique aqui 3 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320).  
O CPC/2015 tornou obrigatória a realização de audiência de tentativa de conciliação e mediação prevista no art. 334. O art. 319, VII, impõe como requisito da petição inicial, sob pena de seu indeferimento (art. 321, parágrafo único), o autor optar pela realização ou não da audiência de tentativa de mediação ou conciliação, ao passo em que o art. 334 e §§s estabelecem que referida audiência não se realizará (i) quando a petição inicial não preencher seus requisitos iniciais ou não for a hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332), (ii) nas causas em que a autocomposição não for admissível1 e, (iii) desde que tanto o autor, quanto o réu se manifestem contrariamente nos autos a realização da aludida audiência2. O não comparecimento a referida audiência, realizada necessariamente por conciliador ou mediador, implica na imposição de multa à parte faltante, como ato atentatório à dignidade da justiça3. O estímulo pelas de realização da audiência de mediação ou conciliação obrigatória também é erigida à categoria de norma fundamental do processo civil (art. 3º, § 3º), além de compor um poder-dever do magistrado (art. 139, V). Portanto, o fomento ao intuito conciliatório foi opção política do legislador tendo como principal premissa as vantagens da realização de um acordo e imediata pacificação do conflito. Há também quem se oponha a obrigatoriedade de referida audiência sustentando argumentos, como a intransigência das partes em conciliar quando o conflito chegou a ponto de se judicializar, o custo de tempo e deslocamento (mercê num pais de dimensões continentais como o Brasil) para uma audiência em que uma das partes por vezes já é adversa à conciliação ou mediação e, por parte da magistratura, justificativas ligadas à demora para realização de referido encontro frente à inúmeras pautas de audiência já existentes, a percepção de que diante da narrativa da petição inicial a probabilidade de autocomposição é remota, a falta de estrutura, etc., fundamentos estes já apresentadas por juízes de primeira instância em decisões que dispensaram a realização da audiência obrigatória4. E, como já pudemos destacar em outra oportunidade5, alguns tribunais já decidiram não ser dever do magistrado a realização de aludida audiência quando verificado desinteresse por uma das partes, ou, ainda, há de se afastar a aplicação do art. 334, § 8º quando uma das partes reiteradamente postula pela ausência desinteresse na realização de referida audiência. Todavia, recentemente a Primeira Turma do STJ decidiu pela aplicação da multa prevista no art. 334, § 8º do CPC, frente ao não comparecimento de uma das partes na audiência de tentativa de conciliação: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECUSO ESPECIAL. A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO É FASE OBRIGATÓRIA DO PROCESSO CIVIL ATUAL. NOVA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA MULTIPORTAS. VALORIZAÇÃO DA COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL. TAREFA A SER IMPLEMENTADA PELO JUIZ DO FEITO. AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO DO INSS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 2% SOBRE O VALOR DA CAUSA. ART. 334, § 8o. DO CPC/2015. INTERESSE DO AUTOR NA REALIZAÇÃO DO ATO. MULTA DEVIDA. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação. O objetivo dessa auspiciosa inovação é hipervalorizar da concertación de interesses inter partes, em claro desfavor do vetusto incentivo ao demandismo. Mas isso somente se pode alcançar por meio da atuação inteligente dos Juízes das causas, motivados pelos ideais da equidade, da razoabilidade, da economia e da justiça do caso concreto. 2. Em seus artigos iniciais, o Código de Processo Civil prescreve que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3o., § 2o. do CPC/2015), recomendando que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução harmoniosa de conflitos sejam estimulados por Juízes, Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público (art. 3o., § 3o. do CPC/2015), inclusive no curso do processo judicial (art. 139, V do CPC/2015). Esses dispositivos do CPC pressupõem que os Julgadores abram as mentes para a metodologia contemporânea prestigiadora da visão instrumentalista do processo, levando-o, progressivamente, a deixar de ser um objetivo em si mesmo. 3. Reafirmando esse escopo, o CPC/2015, em seu art. 334, estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou de mediação após a citação do réu. Excepcionando a sua realização, tão somente, na hipótese de o direito controvertido não admitir autocomposição ou na hipótese de ambas as partes manifestarem, expressa 4. O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova Lei Processual Civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra de 1994, que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (art. 125, IV do CPC/1973 com redação dada pela Lei 8.952/1994), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente. 5. Rememore-se, aqui, aquela conhecida - mas esquecida - recomendação do jurista alemão Rudolph von Iherin (1818-1892), no seu famoso livro O Espírito do Direito Romano, observando que o Direito só existe no processo de sua realização. Se não passa à realidade da visa social, o que existe apenas nas leis e sobre o papel não é mais do que o simulacro ou um fantasma do Direito, não é mais do que meras palavras. Isso que dizer que, se o Juiz não assegurar a eficácia das concepções jurídicas que instituem as garantias das partes, tudo a que o Direito serve e as promessas que formula resultarão inócuas e inúteis. 6. No caso dos autos, o INSS manifestou desinteresse na realização da audiência, contudo, a parte autora manifestou o seu interesse, o que torna obrigatória a realização da audiência de conciliação, com a indispensável presença das partes. Comporta frisar que o processo judicial não é mais concebido como um duelo, uma luta entre dois contendores ou um jogo de habilidades ou espertezas. Exatamente por isso, não se deixará a sua efetividade ao sabor ou ao alvedrio de qualquer dos seus atores, porque a justiça que por meio dele se realiza acha-se sob a responsabilidade do Juiz e constitui, inclusive, o macro-objetivo do seu mister. 7. Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, inevitável a aplicação da multa prevista no art. 334, § 8o. do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do Direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça." (STJ, RESP n. 1769949/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08.09.2020, v.u., grifou-se) Em voto vista da lavra do Ministro Benedito Gonçalves, restaram acrescidos outros fundamentos além dos acima citados e que encabeçaram o voto condutor: "(...) Assim, em razão de expressa disposição legal, a audiência de conciliação só não se realizará quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse, ou se a hipótese não admitir autocomposição. Desta forma, ambas as partes têm oportunidade para manifestar o desinteresse na audiência de composição, e por não se manifestarem estão sujeitos à penalidade pela ausência injustificada, como dispõe o §8º daquele artigo: "§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado". (destaquei) No caso dos autos, a audiência de conciliação foi designada após o prazo previsto no artigo 334, sendo a Autarquia Previdenciária, ora recorrente, intimada, pessoalmente, apresentou petição noticiando o desinteresse na composição consensual, contudo, deixou de observar que a parte autora, ora recorrida, mantinha o seu interesse na conciliação. Dessarte, o desinteresse na audiência por qualquer das partes deve ser expresso, não podendo o silêncio do autor ser interpretado como sendo interesse na composição. Na hipótese, conforme consignado no acórdão recorrido, não há nos autos manifestação da impossibilidade de comparecimento do ora recorrente na audiência. Importante registrar, que a manifestação de desinteresse na realização da audiência de conciliação apresentada pelo INSS não pode ser confundida com a justificativa da impossibilidade de comparecer ao ato, tratando-se de procedimentos com finalidade distintas, uma não se equiparando a outra. De ressaltar, que a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual. A ausência injustificada de quaisquer das partes à audiência de conciliação designada no juízo a quo, enseja a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Desse modo, a multa pelo não comparecimento em audiência deve ser mantida, porquanto, ainda que o Instituto Nacional do Seguro Social tenha peticionado o seu desinteresse na conciliação, nos termos do artigo 334, § 4º, inciso I, do CPC/2015, a audiência só não ocorre "se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual". Assim, considerando que a parte Autora, ora recorrida, não manifestou desinteresse, não ocorreu o cancelamento da audiência, motivo pelo qual o não comparecimento do INSS, ora recorrente se deu de forma injustificada. Logo, não há razão para a alteração do acórdão recorrido. Ante o exposto, acompanho o Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho para negar provimento ao recurso especial do INSS. É como voto.(...)" O julgado acima, se cotejado com os entendimento em sentido contrário, já revelados nesta coluna, apontam a divergência de tratamento que vem sendo dado à disciplina do art. 334 do Código de Processo Civil. Embora o tema seja relativamente novo, sob o prisma de amadurecimento e experiência em torno da obrigatoriedade de realização de audiência de tentativa de conciliação (em especial as questões que gravitam em torno de sua dispensa), impõe-se um entendimento uniforme para situações semelhantes que, acertado ou não, será aplicado a todos os jurisdicionados, sob pena de ferir a isonomia, previsibilidade e segurança jurídica, desafio este também confiado ao Código de Processo Civil de 2015 (arts. 926, 927 e 489, § 1º, V e VI) de onde se espera que as cortes superiores ao final uniformizem a interpretação dispensada à matéria. __________ 1 "Andou bem o legislador em evitar a distinção entre direitos disponíveis e indisponíveis pois mesmo nestes há possibilidade de autocomposição em relação às modalidades e prazos do cumprimento da obrigação. Por outro lado, é possível que o acordo seja parcial, cobrindo apenas a parte disponível do objeto litigioso". GRINOVER, Ada Pellegrini. In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 66. 2 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I, 58 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 803. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 251. 4 Outros magistrados, valendo-se de interpretação sobre a amplitude do poder de flexibilização procedimental (art. 139, VI), postergam a realização da audiência de tentativa de conciliação obrigatória para oportuno momento processual distinto da fase postulatória. 5 Audiência de tentativa de conciliação ou mediação obrigatória?
quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Será o fim do princípio da realidade?*

Como bem ensina Humberto Theodoro Jr., "quando se afirma que toda execução é real, quer-se com isso dizer que, no direito processual civil moderno, a atividade jurisdicional executiva incide, direta e exclusivamente, sobre o patrimônio, e não sobre a pessoa do devedor"1. Tal princípio está consagrado no art. 789, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), que estabelece que "O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei". A restrição ao princípio, conhecida por todos, está no art. 5º, inciso LXVII, que prevê, em casos excepcionais, a prisão do devedor de alimentos. Cumpre observar que tal princípio também é conhecido por "princípio da responsabilidade patrimonial", conforme a lição de Araken de Assis: "De ordinário, à execução contemporânea confere-se de exclusivo caráter real. Visa a execução, segundo opinião comum, ao patrimônio do executado. Efetivamente, a diretriz deriva do art. 789 do NCPC, que assenta o princípio da responsabilidade patrimonial do executado"2. Este princípio também está consagrado pelo art. 391 do Código Civil, ao estabelecer expressamente que "pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor". A solução que o próprio CPC/2015 dá para a hipótese de não serem encontrados bens penhoráveis do devedor está no seu art. 921, inciso III: o processo deve ser suspenso. Tal dispositivo está alinhado com o art. 789, do CPC/2015, pois o devedor também responde com seus bens futuros pelo cumprimento de suas obrigações. Assim, se ele ganhar na loteria, herdar algum bem ou trabalhar e construir um patrimônio, por exemplo, haverá penhora de "tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios" (CPC/2015, art. 831). Mas, nem todo mundo se conforma com esta suspensão do processo por não se encontrar bens do devedor prevista no inciso III do art. 921 do CPC/2015, como sabemos. Frequentemente é invocado o "princípio da efetividade", consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Em outras palavras, afirma-se que o direito do credor foi lesado e ele também tem direito "fundamental" a uma tutela jurisdicional efetiva3. Nesse contexto é que aparece em cena, de maneira triunfante no palco do processo, o art. 139, inciso IV, do CPC/2015, como se fosse o salvador da pátria para garantir a efetividade da execução. Encontrado na Parte Geral do CPC/2015, bem longe dos dispositivos relativos ao cumprimento de sentença e daqueles relativos ao processo de execução, o art. 139, que versa sobre os "poderes do juiz", dispõe que incumbe-lhe "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária" (inciso IV). Com base nesse dispositivo (CPC/2015, art. 139, inciso IV), passou-se a determinar a apreensão de passaportes e de Carteira Nacional de Habilitação para dirigir veículos automotores, cancelamento de cartões de crédito, proibição de participar de concursos públicos e uma série de outras medidas que parecem encontrar limites apenas na imaginação dos operadores do direito. Pretendemos aqui tratar apenas da apreensão de passaporte que, com o devido respeito aos que entendem o contrário, viola a liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, de qualquer cidadão. Nesse sentido, em acórdão já conhecido por muitos, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou contra a apreensão de passaporte como medida coercitiva para "compelir" um devedor a pagar uma dívida civil. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. (...) 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. (...) 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido. (RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018, grifos nossos)". Com efeito, o princípio da realidade (ou da responsabilidade patrimonial) é uma conquista da nossa sociedade, já que "não tolera o direito moderno a prisão civil por dívidas"4. Não se pode cercear o direito de ir e vir simplesmente pelo fato de alguém não ter pago uma dívida civil (que não esteja relacionada a alimentos). Diz-se que é uma conquista da nossa sociedade a proibição de cercear a liberdade de locomoção de alguém em razão de uma dívida civil porque é, infelizmente, conhecida a prática de se reter os documentos de alguém para forçá-lo a pagar uma dívida, ainda que não exista patrimônio ou condições mínimas para a satisfação da obrigação pecuniária. A história está cheia de exemplos tristes dessa prática, desde a antiguidade até os dias atuais, em que alguém não consegue pagar uma dívida, mas também não consegue se desvincular do credor para conseguir uma oportunidade melhor de sobrevivência porque seus pertences estão retidos e sua liberdade de locomoção cerceada. Recentemente, porém, o Superior Tribunal de Justiça determinou a manutenção e ordem de apreensão de passaporte, mesmo sabendo que o devedor de aluguéis em atraso não tinha patrimônio para pagar a dívida. Veja-se: "HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL (ALUGUÉIS). MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO PENHORÁVEL NAS VÁRIAS DILIGÊNCIAS REALIZADAS. PRETENSÃO MANIFESTADA PELA DEVEDORA DE FIXAR RESIDÊNCIA FORA DO PAÍS. RISCO DE TORNAR INALCANÇÁVEL O SEU PATRIMÔNIO. RAZOABILIDADE NO CASO CONCRETO DA SUSPENSÃO DA CNH E DA APREENSÃO DO PASSAPORTE DA DEVEDORA. 1. Controvérsia em torno da legalidade da decisão que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e a apreensão do passaporte da paciente no curso do processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas. 2. "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019). 3. Possível extrair da pretensão de residência fora do país uma forma de blindagem do patrimônio do devedor, não deixando, pelo verificado no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, pretendendo-se incrementá-lo fora do país, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro. 4. Razoabilidade das medidas coercitivas adotadas, limitadas temporalmente pela Corte de origem até a indicação de bens à penhora ou a realização do ato constritivo, não se configurando, pois, ilegalidade a ser reparada na via do habeas corpus. 5. HABEAS CORPUS DENEGADO. (STJ, HC 597.069-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, TERCEIRA TURMA julgado em 22/09/2020, denegaram a ordem, v.u., grifos nossos)". É importante observar a partir da leitura da ementa do julgado acima transcrita que o Tribunal reconheceu que a executada não tinha bens passíveis de penhora. Veja-se, a propósito, o trecho do acórdão: "(...) Na hipótese dos autos, o próprio impetrante reconhece que a executada teria intenção de residir fora do Brasil, alegando, inclusive, que ela lá já estaria no Exterior, apesar de não confirmada documentalmente a informação, conforme já aludido. Pode-se daí extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio, não deixando, pelo que se verificou no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, e vindo a pretender residir fora do país e para lá levar o seu patrimônio e, quiçá, lá incrementá-lo, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro. Nessa perspectiva, seriam legítimas e razoáveis as medidas coercitivas adotadas, limitadas temporalmente pela Corte de origem até a indicação de bens à penhora ou a realização do ato constritivo, não se configurando, pois, ilegalidade a ser reparada na via do habeas corpus (...)" (grifos nossos). Ora, a solução que o sistema jurídico dá para a hipótese de o exequente não localizar bens penhoráveis do executado está prevista no art. 921, inciso III, do CPC/2015, ou seja, a execução deve ser suspensa. Tanto isso é verdade que o próprio julgado que se invoca para embasar medida tão extremada de apreensão de passaporte - o REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019 - ressalta expressamente que deve haver "indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável". Trata-se de uma obviedade que salta aos olhos: se o devedor não tem patrimônio, suspende-se a execução (CPC/2015, art. 921, inciso III) e se o devedor tem patrimônio, mas há indícios de que ele está sendo ocultado, aí a solução deve ser outra que não a suspensão do processo. Porém, no caso concreto, em que o Superior Tribunal de Justiça reputou não haver qualquer ilegalidade (quiçá inconstitucionalidade) na apreensão de passaporte, reconheceu-se que o devedor não tem bens e mesmo assim se aplicou a medida de apreensão de passaporte. Saiu-se, portanto, do plano da coerção e partiu-se para o plano da punição, cerceando-se o direito de locomoção de um cidadão por uma dívida de aluguel. E pior, ainda, partiu-se para o perigoso campo das ilações ao comentar a viagem para o exterior da devedora: "(...) pode-se, daí, extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio (...)". Com o devido respeito, não há como se extrair do fato de que alguém que não tem patrimônio queira blindar o seu patrimônio indo para Portugal exatamente pelo fato de que esse alguém não tem patrimônio. Enfim, de qualquer ângulo que se examine a questão, é muito difícil sustentar a constitucionalidade e legalidade de uma medida de apreensão de passaporte de um cidadão brasileiro que não conseguiu pagar uma dívida de aluguel, mas que demonstrou preencher todos os requisitos para obtenção do documento previstos no art. 20 do decreto 1983/1996, conforme mencionado no corpo do acórdão sob comento. Qualquer um está sujeito às vicissitudes da vida, independentemente do seu caráter. Uma dívida pode não ser paga porque houve uma doença na família, uma demissão inesperada ou alguma outra tragédia. É lícito proibir esta pessoa de viajar - cercear a sua liberdade de locomoção - para tentar uma vida melhor em outro lugar, ainda que seja no exterior (Portugal)? A resposta para esta pergunta não está na interpretação isolada do inciso IV do art. 139 do CPC/2015. Ele deve ser interpretado em conjunto com o art. 789 e o 921, inciso III, do mesmo diploma legal. Também deve ser interpretado levando-se em consideração o art. 391, do Código Civil, bem como o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal ("LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"). Ainda, não se pode esquecer do disposto no art. 20, do Decreto 1983/1996, que estabelece os requisitos para obtenção de passaporte brasileiro. O que se quer dizer é que deve ser feito um processo sistemático de interpretação do direito. Segundo Carlos Maximiliano, "consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as consequências, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma. (...) Possui todo corpo diversos órgãos; porém a autonomia das funções não importa separação; operam-se, coordenados, os movimentos, e é difícil, por isso mesmo, compreender bem um elemento sem conhecer os outros, sem os comparar, verificar a recíproca interdependência, por mais que à primeira vista pareça imperceptível. O processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes"5. Não se pode aplicar um artigo da lei que agrade intérprete e ignorar os demais que não o agradam. Em suma, o art. 139, inciso IV, do CPC/2015 não pode ser interpretado de maneira isolada do restante do ordenamento jurídico, sem se esquecer do princípio da realidade consagrado pelo art. 789, do mesmo diploma legal. Também não se pode esquecer que o art. 921, inciso III, do CPC/2015, determina a suspensão do processo caso o devedor não tenha bens penhoráveis. Ainda, não se pode esquecer que a Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXVII, proíbe a prisão civil por dívidas, salvo hipóteses excepcionais de não pagamento injustificado de prestação alimentícia. O direito de locomoção, portanto, é direito fundamental e cláusula pétrea de nossa Constituição Federal. Há limites para efetividade do processo de execução. A prática de apreender o documento de alguém, cerceando a sua liberdade de locomoção, pelo simples fato de essa pessoa ter uma dívida que não consegue pagar é repugnante. Lembrem-se, credores, que o mundo dá voltas e um dia os senhores poderão estar no lugar do devedor. Nesse momento, sentirão saudades do princípio da realidade. Mas, aí, pode ser tarde demais, de tanto que ele foi relativizado até ser esquecido... __________ *Este artigo está sendo redigido em 28/10/2020, mesmo dia em que foi inserida na pauta de julgamentos do STF a ADI n. 5.941, que pugna pela inconstitucionalidade do art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015, entre outros dispositivos legais. Portanto, no momento da redação do artigo é desconhecido o resultado do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade acima mencionada. 1 THEODORO JR., Humberto. "Curso de Direito Processual Civil", vol. III. 51ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 238. 2 ASSIS, Araken de. "Manual da Execução". São Paulo: Revista dos Tribunais. 18ª ed. 2016. p. 145. 3 GUERRA, Marcelo Lima. "Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 99-105. 4 THEODORO JR., Humberto. "Curso de Direito Processual Civi". vol. 3. 51ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 238. 5 MAXIMILIANO, Carlos. "Hermenêutica e aplicação do direito". 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 128. Ver também: DINIZ, Maria Helena. "Compêndio de introdução à ciência do direito". 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 434.
O dia 22/10/2020 está previsto como a data de início do julgamento da ADI 5941, na qual se alega a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15, e que, nas próprias palavras do Ministro Luiz Fux, trata de matéria: "de grande relevância, apresentando especial significado para a ordem social e a segurança jurídica"1. A Procuradoria Geral da República, em parecer apresentado nos autos em dezembro de 2018, sinalizou seu entendimento de que o artigo 139, IV, do CPC/15 deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. Nessa linha: "a Procuradoria-Geral da República opina pela procedência do pedido, para que se confira interpretação conforme aos arts. 39-IV, 297, 380, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536-caput e §1º, 773 da Lei 13.105/2015, de forma que o juiz possa aplicar, subsidiariamente e de forma fundamentada, medidas atípicas de caráter estritamente patrimonial, excluídas as que importem em restrição às liberdades individuais como, por exemplo, a apreensão de carteira nacional de habilitação, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em certames e licitações públicas"2. No campo doutrinário, vale lembrar que o Professor Araken de Assis3 defende categoricamente a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15 quando aplicado para restringir direitos e relativizar o princípio da responsabilidade patrimonial: "Razões políticas de relevo recomendam a tipicidade desses meios executivos. O fundamento constitucional é claro: ninguém pode ser privado da sua liberdade e de seus bens, reza o artigo 5, LIV, da CF/88, sem o devido processo legal. Entende-se por tipicidade do meio executório a sua previsão em lei em sentido formal. Por conseguinte, não é dado ao órgão judiciário: (a) criar meio executório não previsto em lei formal e (b) empregar meio executório, conquanto legalmente previsto, em desacordo com a correlação instrumental com determinado bem. (...). Na verdade, a apreensão da carteira nacional de habilitação, tornando ilícita a condução de veículos automotores, bem como as medidas congêneres arroladas, representa simples pena... A existência de dívidas insatisfeitas, ou a execução forçada e infrutífera de créditos, não constitui pretexto hábil para constranger o obrigado e o executado através de medidas que, caso previstas expressis verbis, incorreriam em grave violação ao princípio estruturante da dignidade da pessoa humana e dificilmente subsistiriam incólumes ao controle concentrado de constitucionalidade pelo STF". Já tivemos a oportunidade de sustentar que o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 pode e deve ser utilizado pelo juiz, em total observância aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, para antecipar providências, no curso da execução, que facilitem a localização de onde estão e quais são os bens penhoráveis do devedor. Medidas atípicas, no curso da ação de execução por quantia certa contra devedor solvente, sempre devem estar relacionadas com a promoção de atos que guardem relação direta com a satisfação do débito. E, em sentido semelhante, é a doutrina do Professor Eduardo Talamini4, que defende corretamente que o artigo 139, IV, do CPC/15: "não se trata de poder ilimitado que o juiz recebe. Fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento proíba... Depois, as providências adotadas devem guardar relação de utilidade, adequação e proporcionalidade com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior do que o necessário (...). Em todo e qualquer caso em que incida o poder geral em questão, será indispensável, no seu exercício, a consideração da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência da medida... Uma última consideração merece aqui ser feita. O poder de adoção de medidas atípicas é instrumento de efetivação das decisões. Sua função é essencialmente executiva: propiciar a tutela a que o jurisdicionado tem direito, nos limites do devido processual legal e material. Não se trata de puro instrumento de afirmação da autoridade judicial nem de meio de punição à afronta a essa autoridade. Para isso existem sanções específicas. Em muitas das medidas atípicas extravagantes cuja aplicação foi amplamente noticiada ou mesmo gerou repercussão nacional (bloqueio de whatsapp, apreensão de passaporte, cancelamento de cartão de crédito, suspensão de CNH, corte de luz de repartição pública...), muito mais do que o verdadeiro escopo executivo, o que se constatou foi uma reação enérgica de juízes que se viram afrontados em sua autoridade. Não é justificável desrespeitar a jurisdição. Mas as sanções aplicáveis a quem a desrespeita, repita-se, são outras, que não as medidas atípicas do artigo 139, IV. Ao mesmo tempo em que episódios como esses se multiplicam, assiste-se também a uma relativa resistência judiciária na aplicação de mecanismos fundamentais para a identificação e preservação do patrimônio penhorável ou para a adequada incidência dos mecanismos expropriatórios. Alguns exemplos, entre muitos: (i) decisões que se negam a dar aplicação devida ao bloqueio de ativos...; (ii) decisões que recusam autorização para inscrever o devedor (...) no cadastro de inadimplentes; (iii) decisões que alargam indevidamente as hipóteses de impenhorabilidade. O risco é o de se estabelecer um sistema de tutela executiva esquizofrênica: cioso de sua autoridade, mas incapaz de produzir resultados concretos". Vale lembrar que a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque os seguintes acórdãos: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes." (AgInt no REsp 1837680 / SP, relator Ministro Moura Ribeiro). "É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". (AgInt no REsp 1837309 / SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino). A data de 22/10/2020 é relevantíssima, pois marcará o início da consolidação do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre um dos temas mais polêmicos oriundos da vigência do CPC/15, qual seja, os limites de aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do CPC/15. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 ASSIS, Araken. Cabimento e adequação dos meios executórios atípicos; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 127 e 131. 4 TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas e sua incidência nas diferentes modalidades de execução; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 31 e 56/57.
A fixação da Sucumbência Recursal ainda é um dos pontos mais controvertidos no Código de Processo Civil de 2015. Por ser um instituto novo em nosso ordenamento, ainda suscita muitas dúvidas na comunidade jurídica. Uma das controvérsias é se a fixação poderia ocorrer também no julgamento de Embargos de Declaração. A doutrina tende a afastar tal possibilidade. Luiz Henrique Volpe Camargo entende que "Também não cabe a fixação de honorários pela interposição de embargos de declaração, seja em primeiro grau, seja em grau recursal. O propósito desse específico recurso é integrar o pronunciamento judicial embargado, de modo que os honorários, quando cabíveis, devem ser fixados na decisão, sentença ou acórdão objeto de tal recurso e não na que o julgar". (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 322)1.  Entretanto, nossos Tribunais têm possibilitado tal condenação, no caso da decisão embargada não ter fixado honorários recursais. Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça prolatou o acórdão assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. MARCO TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC/2015. PUBLICAÇÃO DO JULGAMENTO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Uma vez certo que os direitos subjetivos decorrem da concretização dos requisitos legais previstos pelo direito objetivo vigente. Eventual direito aos honorários advocatícios recursais será devido quando os requisitos previstos no art. 85, § 11, do CPC/2015 se materializam após o início de vigência deste novo Código. Por isso, nos termos do Enunciado Administrativo n. 7/STJ: "somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC". 2. No caso, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973; porém, o acórdão a quo foi publicado durante a vigência do CPC/2015. 3. Logo, o pagamento de honorários advocatícios recursais é devido, pois os requisitos do art. 85, § 11, do CPC/2015 foram preenchidos. 4. Embargos de divergência providos. (EAREsp 1402331/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2020, DJe 15/09/2020) O julgado inova ao prever que nos casos em que não poderia ocorrer a majoração no julgamento colegiado, eis que o recurso foi interposto antes da vigência do CPC/2015, caberia a majoração no julgamento dos Embargos de Declaração2. Tal julgado ratifica o entendimento anterior da Segunda Seção da Corte3, no sentido da possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais em julgamentos de Embargos de Declaração e Agravos Internos, no caso em que não tivesse ocorrido a majoração nas decisões monocráticas. A lógica é o cabimento de uma única condenação em sucumbência recursal em cada instância4, sendo assim, no caso em apreço, não tendo ocorrido a condenação no julgamento da apelação, caberia a fixação nos Embargos de Declaração. No caso em análise, a sentença foi prolatada na vigência do CPC/73, logo não caberia a condenação em honorários sucumbenciais quando do julgamento da apelação. Entretanto, o acórdão que julgou a apelação foi prolatado já na vigência do CPC/2015, então entendeu o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que poderia ocorrer a condenação em honorários sucumbenciais no julgamento dos Embargos de Declaração opostos em face do acórdão já prolatado na vigência do CPC/2015. Portanto, os Embargantes devem estar cientes de que a oposição dos embargos de declaração pode ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1026, § 2º, do CPC, bem como a fixação de honorários recursais, no caso de não ter ocorrido tal fixação anteriormente na decisão embargada. __________ 1 No mesmo sentido é o entendimento de Luiz Dellore (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 299). 2 O Supremo Tribunal Federal já havia decidido pelo cabimento de honorários sucumbenciais em Embargos de Declaração (RE nº 929.925 AgR-ED/RS, rel. Min. Luiz Fux, 7.6.2016). 3 Agravo Interno nos Embargos de Divergência nº 1.539.725/DF (Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, in DJe de 19/10/2017). 4 Exceto nos casos de interposição de Embargos de Divergência, quando teria início um novo grau recursal (Agravo Interno nos Embargos de Divergência nº 1.539.725/DF, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, in DJe de 19/10/2017).
Os chamados embargos infringentes, previstos no art. 530, do CPC/1973, tinham natureza jurídica de recurso em espécie, cabível contra (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, quando do julgamento do recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. Referido meio de impugnação de decisão judicial restou extirpado do CPC/2015, a sobrevir a chamada técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC, cujas hipóteses de cabimento são mais amplas e, ainda, não se trata de recurso em espécie, mas técnica a ser observada pela turma julgadora quando de suas hipóteses de cabimento1. Em síntese, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido se em confronto com o regime dos embargos infringentes antes previstos no CPC/1973: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito2), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados, (iii) cabimento quando do julgamento de agravo de instrumento, tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada3, (iv) tal técnica há de ser observada pela turma julgadora ex officio, porquanto não se trata de modalidade recursal, tal como o era o regime dos embargos infringentes, relegados pelo CPC/2015, sem prejuízo de assegurar-se (v) ainda, "(...) às partes e eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores." (art. 942, caput). Dentre as controvérsias que gravitam em torno do julgamento estendido, já pudemos colacionar julgados do STJ perfilhando o entendimento de que a) os votos prolatados poderão ser revistos e modificados pelos julgadores, quando da ampliação do colegiado por força do julgamento estendido4, b) o cabimento de referida técnica quando do julgamento de agravo de instrumento, resultado de provimento por maioria de votos, tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito na recuperação judicial5, c) assim como, a divergência apta a autorizar o julgamento estendido ter amplitude tanto sobre o mérito da demanda (quando do julgamento da apelação) quanto a outras questões processuais e, ainda, os desembargadores convocados a integrar a votação poderão examinar e votar questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta6. E, d) em nossa última contribuição a esta coluna, referenciamos o quanto decidido pelo STJ quando do julgamento do REsp n. 1833497/TO, ao firmar a tese, por maioria de votos, do cabimento da técnica de julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração, com efeitos infringentes7. Referido acórdão, disponibilizado após a publicação da coluna acima referenciada, teve como votos vencidos os prolatados pela Ministra Nancy Andrighi e pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a prevalecer o voto vencedor encabeçado pelo Ministro Marco Aurélio Belizze, acompanhados pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SEGUNDA INSTÂNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A controvérsia recursal cinge-se a decidir sobre: i) a nulidade do julgamento da apelação por ausência de intimação prévia do Ministério Público; ii) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; e iii) a necessidade de ampliação do quórum do órgão julgador (art. 942 do CPC/2015) quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, a ausência de intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamento o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015. 4. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial. 5. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 6. Recurso especial parcialmente provido." (STJ, REsp n. 1833497/TO, Terceira Turma, maioria de votos, DJ 25.08.2020) Do voto vencido e declarado, consta a seguinte fundamentação: "(...) A propósito, uma das principais inovações do novo Código de Processo Civil na ordem do julgamento nos tribunais foi a revogação dos embargos infringentes e sua substituição pela técnica do julgamento ampliado. Segundo o art. 942do CPC/15, quando o julgamento da apelação for não unânime, ele terá prosseguimento em sessão designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Essa técnica de julgamento veio, de fato, a substituir os antigos embargos infringentes, compartilhando com esse instituto, no entanto, o propósito de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, por meio da ampliação dos debates sobre questões jurídicas controvertidas que tenham sido, num primeiro momento, decididas de modo não unânime nos tribunais. Todavia, diferentemente do que ocorria com o extinto recurso - que tinha como requisito de admissibilidade a necessidade de o Tribunal reformar sentença de mérito -, a técnica do art. 942 do CPC/15 exige apenas que se verifique a ocorrência de julgamento não unânime, independentemente de a decisão impugnada ter sido mantida ou reformada. (...) Alinhavando as premissas anteriormente deduzidas, verifica-se que, uma vez publicado o acórdão unânime do julgamento da apelação, não é mais possível a alteração dos votos pelos desembargadores envolvidos em sua apreciação, exceto se, em decorrência da existência do reconhecimento da existência de omissão, contradição ou obscuridade, se verificar a necessidade de se julgar novamente a apelação. A consequência lógica que pode ser deduzida é a de que a incidência da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/15 na apreciação dos embargos de declaração - diferentemente da hipótese em que é a própria apelação que está em exame - ocorre de acordo com o resultado do referido julgamento - portanto, secundum eventum litis - e unicamente na hipótese de serem acolhidos, por maioria, para nova análise da apelação. A doutrina corrobora essa afirmativa, aduzindo que, na divergência que resultar o não acolhimento dos embargos ou a que ensejar o acolhimento com o mero esclarecimento do acórdão da apelação, não haverá ensejo para a ampliação do julgamento, já que, nesses casos, não há novo exame da apelação. Existe, pois, somente uma hipótese em que, por suas peculiaridades, se pode cogitar da aplicação da técnica do art. 942 no julgamento dos embargos de declaração, que é a de serem os embargos acolhidos, por maioria, com efeitos infringentes. É o que se infere do seguinte excerto doutrinário: [...] sendo rejeitados os embargos, por unanimidade ou maioria, pouco importa, não haverá a incidência da técnica. O mérito do acórdão embargado, nestas circunstâncias, não se altera. Logo, não existe qualquer respaldo legal para sua aplicação. Quando houver provimento, apenas para esclarecer o julgado embargado, parece-nos, do mesmo modo e pelo mesmo motivo, que a técnica não pode ser cogitada. A vexata quaestio surge no julgamento de embargos em que, seja por unanimidade, seja por maioria, é emprestado efeito infringente. (SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Conversa sobre processo: elogio ao Art. 942 do CPC: o uso saudável da técnica, Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio/ago. 2017) FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA se posicionam no mesmo sentido, asseverando que "o art. 942 do CPC somente incide se o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar alteração do resultado do julgamento anterior", pois, "se o órgão julgador decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de declaração, não se aplica o disposto no referido art. 942", da mesma forma que "se o órgão julgador rejeitar os embargos por maioria ou os acolher apenas para esclarecer obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material, sem alterar o resultado anterior, ainda que por maioria de votos, não incide o art. 942 do CPC" (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99). Essa orientação foi recentemente acolhida pela Terceira Turma (REsp 1841584/SP, Terceira Turma, DJe 13/12/2019). Assim, somente com o efetivo acolhimento, por maioria, dos embargos e com a atribuição de efeitos infringentes, do qual resulta nova apreciação da apelação, é que o Tribunal de origem deve adotar a técnica de ampliação do julgamento. (...)". Todavia, entendemos há de prevalecer o entendimento posto no voto condutor: "(...) De início, acompanho a eminente relatora no que diz respeito às conclusões de não ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e de ausência de prejuízo concreto decorrente da não manifestação prévia do Ministério Público, em relação ao julgamento da apelação. Todavia, entendo que a controvérsia atinente ao art. 942 do CPC/2015 merece tratamento jurídico diverso da solução apresentada por Sua Excelência, pelos fundamentos que exponho doravante, não descurando de destacar a percuciência com a qual abordou a questão. Como bem salientado no voto da relatora, o extinto recurso de embargos infringentes (previsto nos arts. 530 e seguintes do CPC/1973) e a técnica de julgamento de prevista no art. 942 do CPC/2015 assemelham-se no ponto em que possuem como escopo precípuo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, com a formação de uma maioria qualificada - de forma a melhor debater a matéria que, a priori, tenha sido decidida de forma não unânime nos tribunais -, com a ressalva das diferenças ontológicas que sobre eles recaem. A alteração legislativa perpetrada transmudou o extinto recurso, que tinha como pressuposto a reforma da sentença de mérito, em técnica processual, que, por sua vez, consoante o disposto no caput, pressupõe tão somente o julgamento não unânime da apelação e a possibilidade de inversão do resultado inicial, independentemente de ter sido reformada ou não a sentença. Enfatiza-se, também, que essa técnica processual não caracteriza novo julgamento, mas sim continuidade daquele no qual não houve unanimidade, sendo que a aplicação desse regramento é um poder-dever do órgão julgador oriundo do voto vencido. (...) Aliás, ressaltou a eminente Ministra o entendimento já externado por esta Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.798.705/SC, segundo o qual "o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime". (...) Outrossim, impende anotar que os aclaratórios são dotados de efeito integrativo, o qual visa complementar a decisão embargada, a ela se aderindo a fundamentação constante do julgamento dos embargos, constituindo um julgado uno. Acerca dessa característica peculiar dos embargos, destaco o entendimento por mim proferido no voto dos EREsp n. 1.290.283/GO, seguido pela maioria dos membros da Segunda Seção (DJe 22/5/2018), no qual ficou consignado serem "cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença". Naquela oportunidade, citei a doutrina de Bernardo Pimentel Souza, que entendo pertinente replicar neste feito, segundo a qual "como o aresto proferido no recurso de declaração integra o acórdão embargado, é possível concluir pela existência de julgamento indireto da apelação e da ação rescisória" (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cabíveis e à ação rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 515). Não obstante aquela questão debatida seja atinente ao cabimento dos extintos embargos infringentes, penso que a lógica jurídica lá utilizada amolda-se, também, à hipótese dos autos, que trata da técnica de julgamento ampliado. Isso porque, como visto inicialmente, ambos os institutos processuais possuem, igualmente, o propósito de formação, após a prolação de voto dissidente, de uma maioria qualificada, além de remanescer inalterado o caráter integrativo dos embargos. Desse modo, amparado em tais premissas e mantendo a mesma linha de raciocínio, penso que a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo). (...) A propósito, já decidiu a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.841.584/SP (DJe 13/12/2019), em que discutia essa questão em relação ao agravo de instrumento, assentando-se que, "em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a convocação de outros julgadores para compor o colegiado (técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015) somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito". No que tange ao mencionado precedente, embora tenha sido utilizado pela eminente relatora para corroborar a tese formada em seu voto, a situação nele debatida (originária de agravo de instrumento) é distinta do cenário do presente caso (proveniente de apelação), não servindo, na minha compreensão, de supedâneo à hipótese em estudo, haja vista o tratamento diverso dispensado pelo CPC/2015 ao agravo de instrumento e à apelação. (...) Concluo, portanto, que a técnica de julgamento preconizada no caput do art. 942 do CPC/2015 deve ser observada nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado inicial da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo). Na hipótese dos autos, constata-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, por unanimidade, deu provimento à apelação do CONDOMÍNIO RESIDENCIAL MONT BLANC para, reformando a sentença, julgar improcedentes os pedidos de indenização por danos material e estético formulados por V. O. C. (MENOR), VALÉRIA DE OLIVEIRA COSTA e R. M. DA C. Ato contínuo, o TJTO, ao receber uma segunda petição dos recorrentes como embargos de declaração, rejeitou o recurso, por maioria de votos. No voto vencido, o Juiz convocado Zacarias Leonardo, entendendo que "a tese da inadequação da instalação da trave não foi suficientemente discutida", acolheu os declaratórios para, sanando a omissão mencionada, negar provimento à apelação, mantendo incólume a sentença condenatória (e-STJ, fls. 654-656). Vê-se, assim, que o voto vencido prolatado no julgamentos dos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação tem o condão de alterar o resultado inicial daquele julgamento colegiado (no qual se reformou a sentença), afigurando-se de rigor a aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/2015. Por derradeiro, fica prejudicada a análise da questão meritória, em virtude da necessidade de devolução do presente feito à origem para rejulgamento dos embargos de declaração rejeitados por maioria. Ante o exposto, pedindo vênia à Ministra relatora, dela divirjo em parte para dar parcial provimento ao recurso especial, a fim de determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins para que dê continuidade ao julgamento não unânime dos embargos de declaração, como entender de direito, aplicando a técnica prevista no art. 942 do CPC/2015. É como voto." (STJ, REsp n. 1833497/TO, Terceira Turma, maioria de votos, DJ 25.08.2020, grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, soa acertado o quanto decidido, por maioria de votos, pelo STJ, diante da circunstância, no caso concreto, de que (i) a divergência instaurada para acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos modificativos (independentemente de ser voto condutor ou vencido na votação dos embargos) teve o condão de alterar o julgamento do recurso de apelação, a modificar o placar de votação da apelação de 3 x 0 para 2 x 1, no sentido de reformar a sentença. Logo, (ii), é o que basta, in casu, para impor a observância da técnica de julgamento estendido, ex vi ao que reza o caput do art. 942, em especial a hipótese que prevê "(...) quando o resultado da apelação não unânime(...)" (grifou-se). Acaso resultado não unânime de julgamento da apelação fosse proclamado quando de seu julgamento originário, ninguém duvidaria da necessária observância do art. 942 do CPC. De sorte que, tendo o julgamento do embargos de declaração a função integrativa à decisão embargada (e, nesse ponto, ambos os votos supra citados perfilham o mesmo entendimento), em sendo o resultado final da apelação o de maioria de votos, embora quando do julgamento dos embargos de declaração, tal circunstância por si só não ilide a aplicação da técnica de julgamento estendido. Em síntese, em havendo julgamento da apelação, por maioria de votos, é o que basta para observância do julgamento estendido, seja o resultado da apelação proclamado quando de seu julgamento, seja quando do julgamento dos embargos de declaração (dada sua função integrativa), com efeitos modificativos. Embora o STJ tenha decidido pela anulação do acórdão com vistas a determinar seja instaurado o julgamento estendido, o entendimento supra citado não afasta a hipótese de, na eventualidade de acolher-se em segundo grau de jurisdição embargos de declaração, que implique na alteração do resultado da apelação, para maioria de votos, há de assegurar-se a possibilidade de prolação de sustentação oral, na forma que garante o art. 942, caput, do CPC8. __________ 1 Nos termos do art. 942 do CPC, o julgamento estendido há de ser observado, "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. 2 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. 3 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos não há como negar a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 4 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 5 Aplicação da técnica de julgamento estendido em agravo de instrumento tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito. 6 Julgamento não unânime no recurso de apelação é suficiente para aplicação da técnica de julgamento estendido. 7 Cabimento da técnica do julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração. 8 Outra solução seria o acolhimento dos Embargos de Declaração, para, em nova sessão de julgamento, e ampliado o colegiado, por força do julgamento estendido, observar-se  o asseguramento da sustentação oral.
O art. 346, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que "os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial". Assim, se o réu for citado regularmente e não contestar a ação, ele será considerado revel, nos termos do art. 344, do CPC/2015, sendo que não haverá necessidade de intimá-lo dos atos processuais subsequentes que forem praticados durante a fase de conhecimento, conforme o já mencionado art. 346, do mesmo diploma legal. A regra acima mencionada, aparentemente, conflita com a regra do art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, que prescreve, para a fase de cumprimento de sentença, que "o devedor será intimado para cumprir a sentença (...) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos", salvo na hipótese de o réu ter sido citado por edital para o processo de conhecimento. Em outras palavras, apesar de o art. 346 determinar que o réu revel não precisa ser intimado dos atos processuais, o art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, preceitua que no início do cumprimento de sentença o réu revel (exceto o que foi citado por edital) deve ser intimado para cumprimento da decisão judicial por meio de carta com aviso de recebimento. Diante disso, pergunta-se: o que deve prevalecer? A interpretação literal do art. 346, do CPC/2015, para todo o processo de conhecimento, inclusive para a fase de cumprimento de sentença? Ou, a interpretação que leva em consideração o inciso II do § 2º do art. 513 do mesmo diploma legal, no sentido de que, na fase de conhecimento não há necessidade de intimação mas, para o início da fase de cumprimento de sentença, é necessário intimar o réu revel que não foi citado por edital pessoalmente pelo correio por meio de carta com aviso de recebimento? Note-se que as perguntas acima formuladas são bastante pertinentes pois, na vigência do CPC/1973, o art. 322, com a redação dada pela lei 11.280/06, tinha a seguinte redação: "Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar". Portanto, na vigência do Código de Processo Civil de 193, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que seria dispensada a intimação do réu para a fase de cumprimento de sentença. Confira-se, a propósito, a ementa: "RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RÉU REVEL, CITADO PESSOALMENTE NA AÇÃO DE CONHECIMENTO, QUE NÃO CONSTITUIU ADVOGADO NOS AUTOS NEM APRESENTOU CONTESTAÇÃO. LEI Nº 11.232/05. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 322 DO CPC. 1. O artigo 535 do Código de Processo Civil não resta malferido quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 322 do Código de Processo Civil, será dispensado da intimação dos atos processuais o réu revel que não constituiu advogado nos autos. 3. Após a edição da Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia fundada em título judicial desenvolve-se no mesmo processo em que o direito subjetivo foi certificado, de forma que a revelia decretada na fase anterior, ante a inércia do réu que fora citado pessoalmente, dispensará a intimação pessoal do devedor para dar cumprimento à sentença. 4. Recurso especial improvido. (REsp 1241749/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 13/10/2011, grifos nossos)". Contudo, com a entrada em vigor do CPC/2015, foi expressamente inserido no diploma processual o já mencionado inciso II do parágrafo segundo do art. 513, que categoricamente determina que o devedor será intimado para cumprir a sentença por carta com aviso de recebimento quando não tiver procurador constituído nos autos. Tal disposição pertence ao CPC/2015 e não encontra correspondente no CPC/1973. Portanto, atualmente, ainda que o réu tenha sido citado pessoalmente para o processo de conhecimento, não tenha apresentado defesa e seja considerado revel, ele deve ser intimado pessoalmente por carta com aviso de recebimento (por não ter procurador constituído nos autos) para o início da fase de cumprimento de sentença. Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida em 02 de junho de 2020. Veja-se, a propósito, a ementa do acórdão: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REVELIA NA FASE COGNITIVA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS DEVEDORES POR CARTA PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. REGRA ESPECÍFICA DO CPC DE 2015. REGISTROS DOUTRINÁRIOS. 1. Controvérsia em torno da necessidade de intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo em que os réus, citados pessoalmente, permaneceram revéis. 2. Em regra, intimação para cumprimento da sentença, consoante o CPC/2015, realiza-se na pessoa do advogado do devedor (art. 513, § 2.º, inciso I, do CPC/2015) 3. Em se tratando de parte sem procurador constituído, aí incluindo-se o revel que tenha sido pessoalmente intimado, quedando-se inerte, o inciso II do §2º do art. 513 do CPC fora claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá "por carta com aviso de recebimento". 4. Pouco espaço deixou a nova lei processual para outra interpretação, pois ressalvara, apenas, a hipótese em que o revel fora citado fictamente, exigindo, ainda assim, em relação a este nova intimação para o cumprimento da sentença, em que pese na via do edital. 5. Correto, assim, o acórdão recorrido em afastar nesta hipótese a incidência do quanto prescreve o art. 346 do CPC. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1760914/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020, grifos nossos)". A interpretação dada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015 está em harmonia com o Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e extremamente valorizado pelo diploma processual em vigor, como se percebe da simples leitura 7º, 9º e 10, entre outros. Assim, a decisão da Corte Superior acima referida é digna de aplausos e absolutamente correta.
O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil. Para Fernando da Fonseca Gajardoni1, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, sendo que "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da Justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)". Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno2, no sentido de que o artigo 139 revela "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiariedades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiariedades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional".        Teresa Arruda Alvim3, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell4, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Como visto, já há rica polêmica quanto à aplicação do inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15. A doutrina e a jurisprudência terão importante papel na definição dos limites da aplicação dos meios atípicos de execução. Nesse contexto, são de enorme importância os entendimentos do Poder Judiciário sobre os limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque algumas das diretrizes aplicadas. Em 23/6/2020, no julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que:  "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio". Em 23/3/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o ministro Moura Ribeiro, julgou-se no sentido de que: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes".  Em 13/2/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837309 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que: "É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade".  Em 19/8/2019, no julgamento do AgInt no REsp 1785726 / DF, tendo sido relator o ministro Marco Aurélio Bellizze, julgou-se no sentido de que:  "Nos  termos  do  art.  139,  IV,  do  CPC/2015,  incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias  necessárias  para  assegurar  o cumprimento de ordem judicial,  inclusive  nas  ações  que tenham  por  objeto prestação pecuniária. "Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos,   a   decisão   deve   ser   fundamentada   e  sujeita  ao contraditório,  demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente. No  caso,  segundo assinalou o órgão julgador, após esgotados os meios  típicos  de  satisfação  da dívida, a fim de reforçar os atos tendentes  ao  cumprimento  da  obrigação  reconhecida  pelo  título judicial, optou o magistrado por eleger medida indutiva e coercitiva que  considerou   adequada,   necessária,   razoável   e  proporcional.  Esse entendimento  foi encampado pelo Tribunal local, que ainda ressaltou o  fato  de que o executado possui alto padrão de vida, incompatível com  a  alegada ausência de patrimônio para arcar com o pagamento da indenização   decorrente  do  acidente  que  provocou". Em 23/4/2019, no julgamento do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "O  propósito  recursal  é  definir  se  a  suspensão da carteira nacional  de  habilitação  e  a retenção do passaporte do devedor de obrigação  de  pagar  quantia  são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. A  interposição  de  recurso  especial não é cabível com base em suposta  violação  de  dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo  que  não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. O  Código  de  Processo  Civil  de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe  ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias   necessárias  para  assegurar  o cumprimento  de  ordem  judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). A  interpretação  sistemática  do  ordenamento  jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de  qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. De  acordo  com  o  entendimento  do  STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em   nenhuma   circunstância   poderão  se  distanciar  dos  ditames constitucionais,  apenas  sendo possível a implementação de comandos não  discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se  a  existência  de  indícios  de que o devedor possua patrimônio   expropriável,  tais  medidas  sejam  adotadas  de  modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às   especificidades   da  hipótese  concreta,  com  observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". Como visto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já vem delineando requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, almejando construir uma técnica de conformidade entre este dispositivo e os princípios presentes nos artigos 4, 6, 8 e 9 do CPC/15.   __________ 1 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil, Questões Controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142. 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 4 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
Dentre as muitas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a sucumbência recursal foi uma das mais aplaudidas e comemoradas pela doutrina e pelos operadores do Direito. Passados mais de quatro anos da entrada em vigor do CPC, ainda não seu viu uma diminuição acentuada no número de recursos, talvez até pela majoração tímida que os tribunais promovem nos honorários, nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC. Entretanto, a sucumbência recursal, por ser um instituto novo, acaba gerando sempre muitas dúvidas nos operadores. Um dos questionamentos é se o recurso da parte vencedora que somente verse sobre o aumento dos honorários advocatícios estaria sujeito a sucumbência recursal. Veja-se o exemplo bem comum, do autor ter a ação julgada totalmente procedente e a sentença condenar o réu a pagar R$ 10 milhões e com a fixação dos honorários em R$ 10 mil, nos termos do § 8º do artigo 85 do CPC.  Tão somente o autor, não sucumbente, apela para a fixação dos honorários, nos termos do § 2º do artigo 85, isto é, entre 10 e 20%. Se o recurso de apelação é provido, teremos uma nova fixação dos honorários e que já deverá levar em conta o trabalho adicional realizado no Tribunal, assim, não há que se falar em sucumbência recursal, mas em nova fixação dos honorários advocatícios1.  Dúvida surge se o recurso de apelação não for conhecido ou rejeitado pelo tribunal. Nesse caso caberia fixação de honorários recursais? A leitura do artigo § 11 do artigo 85 parece afastar tal possibilidade, pois o dispositivo prevê que o "tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente". No exemplo proposto, o autor não foi condenado ao pagamento de honorários em primeira instância, logo, não pode ser condenado ao pagamento de sucumbência recursal ao ter seu recurso para majoração dos honorários não conhecido ou improvido.  Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO QUE, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, INADMITIRA O RECURSO ESPECIAL, PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL, NA HIPÓTESE. ART. 1.042 DO CPC/2015. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO, POR INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ARBITRAMENTO, NA ORIGEM, APENAS EM FAVOR DA PARTE AUTORA, VENCEDORA DA LIDE, ORA AGRAVANTE. MAJORAÇÃO, PELA DECISÃO AGRAVADA, DOS HONORÁRIOS ANTERIORMENTE FIXADOS, AGORA EM FAVOR DO INSS, EM FACE DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Agravo em Recurso Especial interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. A decisão ora agravada não conheceu do Agravo em Recurso Especial, ante a sua intempestividade, majorando os honorários de advogado - fixados, pela instância de origem, em favor do autor, vencedor da lide, ora agravante - em favor do INSS, réu sucumbente na ação. (...) VI. Na forma da jurisprudência, 'o recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária. O texto do §11 do art. 85 do CPC/15, prevê, expressamente, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias ordinárias, como na espécie, não haverá incidência da referida regra' (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 31/08/2017). VII. Como o texto do § 11 do art. 85 do CPC/2015 prevê, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', não há que se majorar, no caso, os honorários advocatícios, nos termos do aludido dispositivo legal, em favor do INSS, sucumbente no feito, uma vez que não houve prévia fixação, pelas instâncias ordinárias, de honorários de advogado em desfavor da parte autora, ora agravante, vencedora da lide, mas, sim, em favor dela. VIII. Agravo interno parcialmente provido, apenas para excluir a majoração de honorários advocatícios em desfavor da parte ora agravante, vencedora da lide" (AgInt no AREsp 1.561.715/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/4/2020, DJe 24/4/2020)2.  Nesses casos, até pode-se almejar a fixação originária de sucumbência recursal, mas para isso seria necessária uma alteração legislativa, com expressa previsão de tal possibilidade no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. __________ 1 Nesse sentido também é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 179/180. 2 No mesmo sentido de que  o "recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação, que não seja conhecido, rejeitado ou não provido, não implica honorários recursais para a parte contrária" (STJ-2ª Seção, ED no REsp 1.625.812-EDcl-AgInt-EDcl, Min. Ricardo Cueva, j. 30.06.2020, DJ 04.08.2020).
A técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem sido objeto de inúmeras controvérsias. Referida técnica substituiu o então art. 530 do CPC/73, o qual previa como recurso em espécie, os chamados embargos infringentes, cujas hipóteses de cabimento se voltava a, (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, quando do julgamento do recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória.  Por sua vez, a alcunhada técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC, têm hipóteses de cabimento mais ampla, a sequer tratar-se de recurso em espécie e referida técnica aplicar-se ex oficio pela turma julgadora, de sorte que, "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput).  O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º).  Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Portanto, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados, (iii) cabimento quando do julgamento de agravo de instrumento,  tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2, (iv) tal técnica há de ser observada pela turma julgadora ex officio¸ porquanto não se trata de modalidade recursal, tal como o era o regime dos embargos infringentes, relegados pelo CPC/2015, sem prejuízo de assegurar-se (v) ainda, "(...) às partes e eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". (art. 942, caput).  Dentre as controvérsias que gravitam em torno do julgamento estendido, já pudemos colacionar julgados do STJ perfilhando o entendimento de que a) os votos prolatados poderão ser revistos e modificados pelos julgadores, quando da ampliação do colegiado por força do julgamento estendido3, b) o cabimento de referida técnica quando do julgamento de agravo de instrumento, resultado de provimento por maioria de votos, tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito na recuperação judicial4, c) assim como, a divergência apta a autorizar o julgamento estendido ter amplitude tanto sobre o mérito da demanda (quando do julgamento da apelação) quanto a outras questões processuais e, ainda, os desembargadores convocados a integrar a votação poderão examinar e votar questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta5. Recentemente, a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp n. 1833497/TO, aos 25.08.2020, decidiu, por maioria de votos, o cabimento da técnica de julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração, com efeitos infringentes. Explica-se: sendo o julgamento estendido a continuidade do julgamento e, em vista da função integrativa dos embargos de declaração, uma vez providos os embargos de declaração, com efeitos modificativos, significa dizer que na eventualidade de tal questão, examinada sob o prisma infringente, restar decidida por maioria de votos, há de se observar a ampliação do julgamento. Um exemplo pode ser dado quando o recurso de apelação veicula duas pretensões de reforma da sentença de procedência, prolatada em primeiro grau e condenatória a indenização por danos morais e materiais: a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido de dano moral e improcedente o pedido de dano material. Ao julgar a apelação o tribunal decide pela reforma e improcedência do pedido de dano material e, por um lapso, deixa de apreciar o pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Sobrevém a oposição de embargos de declaração, com efeitos modificativos, destinado a examinar a omissão, consistente na ausência de exame e decisão ligada ao pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Após vistas a parte contrária (CPC, art. 1.023, § 2º, do CPC/2015), os embargos são providos, por maioria de votos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pleito de danos morais.  Por óbvio que tivesse o pleito de reforma da sentença quanto aos danos morais sido examinados e decidida a reforma da sentença, por maioria de votos, quando do julgamento do recurso de apelação, ninguém duvidaria quanto ao cabimento da técnica prevista no art. 942 do CPC. Mutatis mutandis¸ uma vez apreciado tal pleito por ocasião do julgamento dos embargos de declaração e decidida a reforma da sentença, por maioria, acertada a decisão do STJ em, neste caso, seguir-se a aplicação da técnica de julgamento estendido6.  Na hipótese acima, embora atípico, uma vez observado o regime do julgamento estendido, há de assegurar-se a possibilidade de prolação de sustentação oral, na forma que garante o art. 942, caput, do CPC, muito embora decidida a questão, por maioria de votos, quando do julgamento dos embargos de declaração7. __________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 3 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 4 Aplicação da técnica de julgamento estendido em agravo de instrumento tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito. 5 Julgamento não unânime no recurso de apelação é suficiente para aplicação da técnica de julgamento estendido. 6 O v. acórdão supra citado ainda será redigido e oportunamente disponibilizado, tendo sido vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto vencedor encabeçado pelo Ministro Marco Aurélio Belizze, acompanhados pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. 7 Outra solução seria o acolhimento dos Embargos de Declaração, para, em nova sessão de julgamento, compor a turma julgadora os demais integrantes que passarão a votar, por força do julgamento estendido, observado o asseguramento da sustentação oral.
Como se sabe, o art. 50, caput, do Código Civil (CC), estabelece que: "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso" (grifos nossos). Em outras palavras, o art. 50, do CC, dispõe que, se houver abuso de personalidade jurídica, os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações serão estendidos aos bens particulares de administradores ou sócios da pessoa jurídica originariamente devedora. Apesar de a lei afirmar que os efeitos das obrigações da pessoa jurídica serão estendidos aos bens de sócios e administradores se houver abuso de personalidade, na verdade o que tem acontecido é que tais efeitos são estendidos às pessoas físicas dos sócios e administradores (e não apenas aos seus bens). Em julgado recente, como se verá adiante, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou a manutenção de decisão judicial que determinou que os sócios de pessoa jurídica incluídos do polo passivo da demanda originária por decisão de desconsideração da personalidade jurídica fossem proibidos de sair do país sem prévia garantia da execução. Destaque-se que, no caso concreto, a demanda originária era uma ação de cobrança promovida contra uma pessoa jurídica que celebrou acordo judicial e não cumpriu, dando ensejo ao cumprimento de sentença, durante o qual foi requerida e deferida a desconsideração da personalidade jurídica para aplicar o já mencionado art. 50, do CC. Diante das tentativas frustradas de receber o crédito da pessoa jurídica e de seus sócios, bem como de indícios de que os executados possuíam patrimônio executável, foi determinada a "comunicação à Polícia Federal para anotação de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução". A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça apresentou-se insensível ao argumento de que os sócios tinham filhos no exterior e precisavam também viajar a trabalho, pois atuam na área de comércio exterior. Acabou prevalecendo o entendimento de que deslocamentos internacionais "certamente acarretam dispêndios incompatíveis com a alegação de falta de recursos". Apesar de ser questionável o fato de uma ordem judicial poder impedir um devedor de viajar ao exterior para visitar seu filho (que também acaba sendo prejudicado) ou para trabalhar e assim manter sua própria subsistência, o que se busca demonstrar aqui é que com a desconsideração da personalidade jurídica, os efeitos das obrigações que eram da pessoa jurídica pode ser estendidos ao patrimônio do sócio e podem ser sentidos fisicamente pela própria pessoa do sócio, com a aplicação combinada do art. 50, do CC, com o art. 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC). Confira-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "HABEAS CORPUS". PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC. RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA GARANTIA DA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. ATENDIMENTO ÀS DIRETRIZES FIXADAS PELAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. 1. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, não é cabível a impetração de "habeas corpus" como sucedâneo de recurso próprio, salvo nos casos de manifesta ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, quando a ordem poderá ser concedida de ofício. Precedentes. 2. Esta Corte Superior de Justiça, pelas suas duas Turmas da Seção de Direito Privado, tem reconhecido que o acautelamento de passaporte é medida capaz de limitar a liberdade de locomoção do indivíduo, o que pode significar constrangimento ilegal e arbitrário, passível de ser analisado pela via do "habeas corpus" 3. A adoção desta medida coercitiva atípica, no âmbito do processo de execução, não configura, em si, ofensa direta ao direito de ir e vir do indivíduo, razão pela qual a eventual abusividade ou ilegitimidade da ordem deve ser examinada no caso concreto. 4. Segundo as diretrizes fixadas pela Terceira Turma desta Corte, diante da existência de indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio (REsp 1.782.418/RJ e REsp 1788950/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgados em 23/4/2019, DJe 26/4/2019). 5. In casu, a Corte estadual analisou a questão nos moldes estatuídos pelo STJ, não se denotando arbitrariedade na medida coercitiva adotada com fundamento no art. 139, IV, do CPC, pois evidenciada a inefetividade das medidas típicas adotadas, bem como desconsiderada a personalidade jurídica da empresa devedora, uma vez constatada a sua utilização como escudo para frustrar a satisfação do crédito exequendo. 6. Ausência, ademais, de indicação de meio executivo alternativo menos gravoso e mais eficaz pelos executados, conforme lhes incumbia, nos termos do parágrafo único do art. 805 do CPC/2015. 7. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, INEXISTINDO SUBSTRATO PARA O DEFERIMENTO DA ORDEM DE OFÍCIO. (STJ, 3ª Turma, HC 558.313/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, não conheceram do habeas corpus e indeferiram a ordem de ofício, votação unânime, j. 23.06.2020, sem os destaques). Em suma, os sócios acabaram sofrendo restrições para viajar ao exterior em razão dos efeitos de uma obrigação que originariamente era da pessoa jurídica da qual fazem parte. Portanto, os efeitos das obrigações, na desconsideração da personalidade jurídica, são estendidos apenas para o patrimônio dos sócios mas também para a pessoa física dos sócios. Agora, é forçoso reconhecer que a decisão do Superior Tribunal de Justiça tem tudo para ser inócua, pois a restrição para viajar ao exterior em tempos de pandemia e com a dificuldade que os brasileiros estão tendo para serem aceitos em outros países atinge quase todos nesse momento (e não apenas os sócios da pessoa jurídica executada).
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, foi publicado o ato conjunto n. 3/2020 do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, no sentido de disciplinar a aplicação do artigo 356 do CPC/15 na dinâmica do processo trabalhista. Dentre os tópicos do aludido ato conjunto, destacam-se, para fins da presente reflexão, os abaixo: "Art. 1° - O juiz decidirá parcialmente o mérito, nas hipóteses do art. 356 do CPC/2015. Art. 2º - Caberá recurso ordinário da decisão que julgar parcialmente o mérito, aplicando-se as regras relativas ao depósito recursal e ao pagamento das custas processuais. § 1º O recurso ordinário e as contrarrazões serão recebidos nos autos principais. § 2º A autuação do processo na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial, a ser feita pela Vara do Trabalho, somente será realizada depois de proferido pelo magistrado o despacho nos autos principais determinando a remessa do recurso à instância superior. § 3º Constará dos autos do processo suplementar, autuado na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial, cópia do inteiro teor do processo principal. § 4º Na autuação do processo suplementar é obrigatória a indicação, como referência, do número do processo principal. § 5º A Secretaria da Vara do Trabalho lavrará certidão nos autos do processo principal informando a existência de processo suplementar autuado na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial." (g.n.). É bem de ver que o importante citado ato conjunto aponta que, nos feitos de natureza trabalhista, o recurso cabível contra a decisão parcial de mérito, proferida nos termos do artigo 356 do CPC/15, é o recurso ordinário; disciplinado no artigo 895 da CLT e tipicamente manejado contra as sentenças proferidas pelos juízes do trabalho. Em uma simples comparação com a dinâmica do processo civil, pode-se afirmar que o recurso ordinário da CLT tem a natural função do recurso de apelação, previsto no artigo 1009 do CPC/15. Nesta linha, não há dúvida de que o mencionado ato conjunto fortalece a percepção de que a natureza da decisão do artigo 356 do CPC/15 é a mesma da sentença final, em especial por apontar ser o recurso ordinário o apelo cabível contra esses provimentos jurisdicionais. Não se olvida aqui que o artigo 356 do CPC/15 prevê expressamente o manejo do agravo de instrumento para se recorrer das decisões interlocutórias parciais de mérito, sendo certo que é o recurso do artigo 1015 do CPC/15 que deve ser naturalmente utilizado nos casos em que o código de processo civil incide direta e principalmente. Mas, certo é que a sinalização do Poder Judiciário do Trabalho nos leva à mesma reflexão que já foi apresentada nesta coluna em artigo publicado em 31.08.2017, especialmente no que se refere aos efeitos do recurso de agravo de instrumento que deve ser interposto contra a decisão de que trata o artigo 356 do CPC/15; e isto porque se esta decisão tem a mesma natureza da sentença final a ser proferida pelo magistrado, não haveria porque prever efeitos diferentes para os respectivos recursos cabíveis. O Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO)1 possui enunciado com a seguinte previsão: "O efeito suspensivo automático do art. 1.012 aplica-se ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial do mérito". (art. 356) A razão do enunciado se baseia na premissa de que a natureza da decisão interlocutória parcial de mérito se mostra similar ao da sentença final de mérito, tal qual também consigna o aludido ato conjunto n. 3/2020. Assim sendo, o CPC/15 não poderia tratar de forma desigual os efeitos dos respectivos recursos a serem interpostos contra esses referidos pronunciamentos judiciais. A decisão interlocutória parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do CPC/15, tem a natureza de uma verdadeira sentença, não se diferenciando, em essência, do pronunciamento judicial de que trata o artigo 487 do CPC/15. Teresa Arruda Alvim2 bem observa que: "O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão interlocutória de mérito. (...). Embora a decisão que julga antecipadamente parte do mérito tenha conteúdo de sentença (art. 487, I), o recurso dela cabível é o agravo de instrumento, para permitir que o processo prossiga em primeiro grau, em relação aos pedidos ou a parte do pedido não julgados". Cassio Scarpinella Bueno3 bem lembra que "não sendo o caso de extinção total ou parcial do processo, nem de julgamento antecipado total do mérito, cabe ao magistrado verificar se o caso concreto amolda-se no que o CPC de 2015 passou a identificar como julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356). Aqui também, o que o magistrado buscará, ainda que em parte, é o proferimento de sentença nos moldes do inciso I do art. 487". Neste contexto, o legislador não poderia tratar de forma abruptamente diferente os efeitos dos recursos que devem ser utilizados para provocar a revisão da sentença e da decisão interlocutória de mérito, dada a mesma essência existente nesses dois pronunciamentos judiciais. Se a apelação, interposta contra sentença, deve ser recebida com o duplo efeito, nos termos do artigo 1012 do CPC/15, razoável seria afirmar que o agravo de instrumento, para a hipótese de ser interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15, também deveria ser recebido com o duplo efeito; sendo admitido com efeito suspensivo automático. Não se olvida, aqui, que o legislador se preocupou muito com a efetividade, a celeridade e a eficiência dos atos jurisdicionais, conforme bem se nota da leitura dos artigos 4 e 8 do CPC/15. Mas, por outro lado, a segurança jurídica, o devido processo legal e a proporcionalidade são importantes princípios que devem nortear a leitura constitucional do processo civil (art. 1 do CPC/15), de modo que se o legislador optou, em regra, conferir efeito suspensivo automático ao recurso de apelação (artigo 1012 do CPC/15) interposto contra a sentença final de mérito, não parece coerente - inclusive do ponto de vista de sistema - permitir que o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito (artigo 356 do CPC/15) tenha o seu curso sem o efeito suspensivo automático do artigo 1012 do CPC/15. A incoerência se agrava, ao se notar que o artigo 356 do CPC/15 prevê inclusive, em seu paragrafo segundo, que a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto. Essa previsão permite a absurda conclusão de que a decisão parcial de mérito seria, em tese, mais forte, para fins de execução imediata, que uma sentença final de mérito, proferida após a devida instrução probatória. Este artigo não necessariamente defende que o sistema processual ideal é aquele que prevê que a sentença de mérito deva ser recorrida através de recurso de apelação que tenha o efeito suspensivo automático. Mas, defende sim, com todas as letras, que se o legislador optou por conferir efeito suspensivo automático para o recurso de apelação, não existe razão cientifica para retirar a previsão de efeito suspensivo automático para o agravo de instrumento a ser manejado contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15, que nada mais representa do que uma verdadeira sentença parcial antecipada de mérito. E nessa linha, de coerência sistêmica, as hipóteses excepcionais previstas no próprio artigo 1012 do CPC/15, nas quais a apelação deve ser recebida apenas com efeito devolutivo, também se aplicariam, em tese, ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15. Essa visão estaria, no nosso humilde ver, em linha com uma leitura constitucional do processo civil, bem proclamada pela professora Teresa Arruda Alvim4 como "linha mestra fundamental da construção do novo sistema processual civil brasileiro. Um dos objetivos que se teve ao se elaborar este novo código foi o de situa-lo, expressa e explicitamente, num contexto normativo mais amplo, em que a constituição federal ocupa o principal papel". __________ 1 Ceapro. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 688. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 331. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 60.
Texto de autoria de Rogerio Mollica Na coluna de 16 de maio de 2019 foi trazido entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. No dia 03 de agosto corrente a comunidade jurídica foi surpreendida com o entendimento, dessa vez restritivo da mesma previsão legal, no sentido de que não seria possível penhorar salário para pagamento de dívida decorrente de honorários advocatícios. Segundo o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, pelo apertado placar de 7X6, a exceção à regra da impenhorabilidade de verba alimentar para pagamento de prestação alimentícia, prevista no § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil compreenderia somente alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários, não abarcando os honorários advocatícios2. Segundo a Relatora haveria "uma imprecisão na definição das expressões 'verba de natureza alimentar' e 'prestações alimentícias'". De acordo com a Ministra, os honorários advocatícios são verba de natureza alimentar, mas não prestação alimentícia, e por isso não há possibilidade de penhora do salário do credor3. Tal julgado causou perplexidade, pois prevalecia naquela Corte entendimento diametralmente oposto: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA INCIDENTE SOBRE VERBA SALARIAL. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabilidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia, que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar (CPC/2015, art. 85, § 14). 2. A Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1.732.927/DF (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 12/02/2019, DJe de 22/03/2019), decidiu que o julgador, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto, poderá admitir ou não a penhora de parte da verba alimentar, ou limitá-la a percentual razoável, sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial. No caso, a Corte local entendeu ser possível a penhora de parte do salário da agravante para o adimplemento de honorários advocatícios, em conformidade com a orientação desta Corte, que admite a mitigação da impenhorabilidade das verbas salariais no caso de dívida alimentar, como são considerados os honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1595030/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 01/07/2020)4 Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça pareceu se afastar de previsão expressa da Lei. De fato, o § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 prevê que a impenhorabilidade deve ser afastada quando se tratar de penhora para o pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem. A origem alimentícia dos honorários advocatícios é fora de dúvida e foi reafirmada pelo próprio Código de Processo Civil em seu artigo 85, § 14. Portanto, não há na lei qualquer distinção quanto à natureza da prestação ou verba alimentar que viabiliza a constrição sobre salários, sendo despropositada a limitação perpetrada pelo Superior Tribunal de Justiça5. Como a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é composta pelos 15 Ministros mais antigos do Tribunal e como só 13 Ministros votaram (o placar foi de 7X6), é de se esperar que ainda se tenha muita insegurança jurídica quanto ao tema, já que esses dois Ministros, que não participaram do referido julgamento, podem decidir a questão de forma contrária ao recentíssimo entendimento, no caso de termos um novo julgamento sobre o tema. __________ 1 A mitigação da penhora dos salários pelo Superior Tribunal de Justiça. 2 RESP nº 1.815.055/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, com acórdão pendente de publicação. 3 STJ: Corte Especial nega penhora de salário para pagamento de honorários advocatícios. 4 Cumpre Ressaltar que a própria Ministra Relatora Nancy Andrighi alterou seu entendimento, pois entendia que "(...) os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, têm natureza alimentícia, admite a possibilidade de penhora de verbas remuneratórias para a satisfação do crédito correspondente. 5. É possível determinar o desconto em folha de pagamento do devedor para conferir efetividade ao direito do credor de receber a verba alimentar. 6. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 1440495/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 06/02/2017). 5 Segundo o professor José Rogerio Cruz e Tucci "(...)a prestação a alimentos, devida ao advogado como contraprestação de seu trabalho, à guisa de honorários, é de inferior relevância, vale dizer, de segunda classe... Ora, com o devido respeito, é de invocar-se o velho e sábio aforismo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer distinções)!" (Alimentos do advogado são de segunda classe numa recente decisão do STJ, publicado na Revista Consultor Jurídico de 11/08/2020).
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Não é de hoje a necessidade da presença do prequestionamento, como um dos requisitos necessários a admissibilidade do recurso especial (CF, art. 105, III) e recurso extraordinário (CF, art. 102, III), a implicar que a matéria infraconstitucional ou constitucional veiculada nos recursos especial ou extraordinário, respectivamente, tenha sido previamente debatida pelas instâncias inferiores. O CPC/ 2015 trouxe duas inovações pontuais ao tema, ao tratar, no art. 941, § 3º, que o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão, para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento, assim como a redação do art. 1.025, caput, ao estatuir considerar-se "(...) incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que, os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade"1. Recentemente o STJ entendeu restar prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação (e desprezados no julgamento do respectivo recurso), desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. "PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM EXPOSIÇÃO DE MAIS DE UM FUNDAMENTO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO COM BASE EM APENAS UM FUNDAMENTO, DEIXANDO-SE DE EXAMINAR OS DEMAIS. REVERSÃO DO ACÓRDÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA EM DECISÃO MONOCRÁTICA NO STJ. AGRAVO REGIMENTAL QUE VENTILA FUNDAMENTOS DESPREZADOS NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA INTERNA NO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PARCIALMENTE PROVIDOS PARA DAR POR PREQUESTIONADAS QUESTÕES JURÍDICAS REITERADAS NAS CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. I - Cuida-se de embargos de divergência por meio dos quais pretendem os embargantes a uniformização do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no tocante à resposta ao seguinte questionamento: consideram-se prequestionados o(s) fundamento(s) das razões de apelação desprezados no acórdão que deu integral provimento ao recurso? II - À luz do acórdão da C. Primeira Turma deste Tribunal, o recurso especial não atendeu ao requisito especial do prequestionamento quanto aos temas de (i) não fluência do prazo prescricional na ausência de liquidez do título executivo; (ii) não ocorrência de inércia dos exequentes; e (iii) execução movida por incapaz, contra o qual não corre a prescrição. III - Lidando com situação jurídica idêntica à dos presentes autos, assentou o acórdão paradigma (EREsp n. 1.144.667/RS), julgado por esta C. Corte Especial em 7/3/2018 e da relatoria do e. Min. Felix Fisher, que "a questão levantada nas instâncias ordinárias, e não examinada, mas cuja pretensão foi acolhida por outro fundamento, deve ser considerada como prequestionada quando trazidas em sede de contrarrazões". IV - Portanto, existem duas linhas de pensamento em rota de colisão no Superior Tribunal de Justiça, revelando-se de todo pertinente o recurso de embargos de divergência, em ordem a remarcar o entendimento que já havia sido proclamado no julgamento do paradigma invocado. Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios. V - A questão precisa ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica do recorrente, critérios de identificação do interesse recursal. Não se trata de temática afeta a esta ou aquela legislação processual (CPC/73 ou CPC/15), mas de questão antecedente, verdadeiro fundamento teórico da disciplina recursal. Só quem perde, algo ou tudo, tem interesse em impugnar a decisão, desde que possa obter, pelo recurso, melhora na sua situação jurídica. Precedente: AgInt no REsp n. 1.478.792/PR, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 2/2/2018. Doutrina: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. V. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 516; MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1276. VI - É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer. VII - Tenho por bem compor a divergência entre os acórdãos confrontados adotando o entendimento do acórdão paradigma, segundo o qual se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. VIII - Embargos de divergência conhecidos e parcialmente providos a fim de dar por prequestionada a matéria relativa à não ocorrência de prescrição em razão da iliquidez do título executivo, cassando o v. acórdão de fls. 293-294, para que seja realizada nova análise do tema prescrição." (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 227.767-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, j. 17/06/2020, v.u., grifou-se) O voto condutor merece destaque ao seguinte trecho: "Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios. A questão precisa ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica do recorrente, critérios de identificação do interesse recursal. Não se trata de temática afeta a esta ou aquela legislação processual (CPC/73 ou CPC/15), mas de questão antecedente, verdadeiro fundamento teórico da disciplina recursal. Só quem perde, algo ou tudo, tem interesse em impugnar a decisão, desde que possa obter, pelo recurso, melhora na sua situação jurídica. (...) É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer. Se se comportaram corretamente e, mais ainda, se tomaram o cuidado de averbar nas contrarrazões do especial o fundamento descartado no julgamento da apelação - registre-se, aqui, que tal cautela ocorreu apenas em relação ao fundamento da iliquidez do título executivo - não há como deles cobrar algo a mais. Fizeram o que se esperava para manter viva a temática. Pontue-se, ademais, que a exigência de oposição de embargos declaratórios a fim de inutilmente prequestionar matéria que sequer se sabe se voltará a ser abordada vai de encontro à tendência vigente mesmo antes do atual Código de Processo Civil de desestimular a desnecessária utilização das vias recursais. Assim, tenho por bem compor a divergência entre os acórdãos confrontados adotando o entendimento do acórdão paradigma, segundo o qual se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. Se é assim, os embargos de divergência merecem parcial provimento, na na medida em que apenas um dos fundamentos tidos por não prequestionados pela C. Primeira Turma foi efetivamente reiterado nas contrarrazões do recurso especial: o referente à iliquidez o título executivo. (...)" O precedente supra citado ilustra nova interpretação do STJ quando a aferição da presença do pré-questionamento, desta feita, sob a ótica de considerar-se pré-questionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto o recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. __________ 1 A se coroar o teor da súmula n. 98 do STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório".
Texto de autoria de André Pagani de Souza Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), havia uma distinção importante entre a forma de executar uma obrigação de pagar alimentos. Caso tal obrigação fosse fundada em título judicial, era permitida a prisão do devedor como força de coerção para se obter o seu cumprimento forçado no curso do processo. Por outro lado, se a obrigação de pagar alimentos estivesse prevista em um título extrajudicial, havia controvérsia sobre a possibilidade de prisão do devedor de prestação alimentícia. A título meramente ilustrativo, vale mencionar dois julgados que apresentam o entendimento de que era vedada a prisão do devedor de prestação alimentícia, caso a obrigação fosse proveniente de título executivo extrajudicial. Confira-se: "Habeas corpus. Título executivo extrajudicial. Escritura pública. Alimentos. Art. 733 do Código de Processo Civil. 1. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de 'sentença ou decisão que fixa os alimentos provisionais'. 2. Habeas corpus concedido" (3ª T., HC nº 22401/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20/8/2002). "O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do poder judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais. (STJ. HC 22401/SP)" (TJMT, AI nº 48302/2014, Capital, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. em 23/7/2014, DJMT de 28/7/2014, p. 75). Também vale mencionar, como exemplo da controvérsia que existia, uma ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça proferido em momento anterior ao CPC/2015, no qual se admitia a prisão do devedor, mesmo se a obrigação de pagar alimentos estivesse prevista em título executivo extrajudicial. "RECURSO ESPECIAL - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO - DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS - EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO - DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE. 1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito - dever de sustento dos pais a bem dos filhos. 2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011. 3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça. (REsp 1285254/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 01/08/2013)". Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o entendimento de que não seria possível a prisão do devedor de alimentos na execução fundada em título extrajudicial foi definitivamente superado devido ao disposto no parágrafo único do art. 911, do CPC/2015. Veja-se: "Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2º a 7º do art. 528 (dispositivo que trata da possibilidade de prisão do devedor)" Como se sabe, os §§ 2º ao 7º do art. 528, do CPC/2015, versam exatamente sobre a possibilidade de prisão do devedor no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar alimentos. Com efeito, nos termos do § 3º do mencionado artigo, está disposto que: "se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão no prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Diante disso, não restam dúvidas de que deve ser admitida a prisão do devedor na execução de alimentos fundada em título extrajudicial na vigência do CPC/2015 em razão do disposto no parágrafo único do art. 911 do referido diploma legal.
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 16.06.2020, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná autorizou a penhora do percentual de 15% sobre a receita bruta do devedor. Veja-se: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA. ART. 866 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUISITOS PREENCHIDOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL DE CONSTRIÇÃO PARA 30%. VIABILIDADE PARCIAL. POSSIBILIDADE DE AUMENTO DA PENHORA DE 9% PARA 15% SOBRE O FATURAMENTO BRUTO SEM PREJUDICAR AS ATIVIDADES EMPRESARIAIS, CONFORME LAUDO DO ADMINISTRADOR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJPR, 16ª CÂMARA CÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0046139-28.2019.8.16.0000). Sempre houve uma dúvida se essa modalidade de penhora, hoje prevista no artigo 866 do CPC/15, deveria incidir sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida do devedor. A dúvida, na verdade, se mostra facilmente resolvida na medida em que essa modalidade de penhora depende da nomeação e do trabalho de um expert, que, na qualidade de administrador para fins do artigo 866 do CPC/15, deverá formular um plano de pagamento do débito executado, que possa garantir o adimplemento satisfatório da dívida e, ao mesmo tempo, possibilitar que o devedor prossiga em suas atividades. Em outras palavras, na medida em que o administrador indicará o percentual adequado para o bloqueio de parte do faturamento do devedor, caberá a ele dosar se o melhor, no caso concreto, é a incidência de tal percentual sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida. Vale lembrar que o art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da Lei n. 11.382/2006, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade, na ocasião, no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida". O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15. Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade online, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15. E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa. Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor1, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador. E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica. A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado. O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi2, em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora3. E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes."4 Como lembra Araken de Assis5, o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora. Carlos Henrique Abrão6 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade". Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se diretamente sobre a receita bruta, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo. Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento. ____________ 1 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 2 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3. 4 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 5 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 6 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62.
O Código de Processo Civil de 2.015 (CPC/2015) alargou o alcance da Produção Antecipada de Prova prevendo uma ação de caráter genérico, autônomo e amplo a possibilitar a coleta antecipada de qualquer tipo de prova. Ganhando o instituto uma maior importância em nosso ordenamento é claro que surgem muitas controvérsias em sua aplicação, sendo que uma das principais é a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que prevê que "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário."1 Cumpre desde logo ressaltar que a inadmissão à apresentação pura e simples de defesa se mostra inconstitucional e ilegal2. Entretanto, no presente artigo pretendemos focar na impossibilidade da interposição de recursos, exceto contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário. Tal entendimento é totalmente contrário ao estabelecido no artigo 5º, § LV, da Constituição Federal, que prevê expressamente que "são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Entretanto, temos muitos julgados aplicando literalmente a previsão supra citada e não conhecendo de recursos em Produção Antecipada de Provas: "AGRAVO DE INSTRUMENTO Produção antecipada de provas. Decisão que determina expedição de mandado de busca e apreensão de documentos faltantes e listados pela autora - A agravada ajuizou em face do agravante ação de produção de provas (exibição de documentos), que não admite defesa ou recurso, de modo que ausente o requisito objetivo de admissibilidade do recurso, qual seja, o seu cabimento Exegese do § 4º do art. 382 do NCPC Precedentes desta corte de Justiça - Recurso não conhecido." (TJSP; Agravo de Instrumento nº 2012313-61.2020.8.26.0000; Relator Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; 37ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 14/02/2020; Data de Registro: 14/02/2020) A Doutrina, como não poderia deixar de ser, se mostra contrária a tal injustificável limitação recursal. Nesse sentido é o entendimento do professor Flávio Luiz Yarshell: "Também foi infeliz a disposição que pretendeu restringir o cabimento de recurso, limitada que foi à hipótese da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada da prova. De forma semelhante ao que foi dito sobre a defesa do réu, aqui a lei pareceu ignorar que o deferimento da antecipação pode violar direitos constitucionalmente assegurados, como sigilo, intimidade e privacidade. Ou seja: a lei parece ter partido da falsa premissa de que o deferimento da prova jamais poderia acarretar prejuízo para o demandado; o que é clamoroso equívoco. Portanto, na premissa de que a decisão que deferir a prova também pode ensejar interesse recursal, a supressão legal - tanto mais porque gera injustificado desequilíbrio entre os litigantes - deve, mais uma vez, ser interpretado à luz da Constituição Federal e dos limites trazidos pelo § 2º do art. 382: só não há interesse recursal para tratar de aspectos relativos à valoração da prova ou ao mérito da decisão (salvo, de novo, se isso levar à inadmissibilidade da prova ou de sua antecipação), Em último caso, se não couber recurso, haverá de caber medida impugnativa autônoma. Além disso, no curso do processo é possível, em tese, que haja atos de caráter decisório - sobre competência, composição da relação processual, de deferimento ou indeferimento de quesitos, de nomeação de perito incapaz ou suspeito, apenas para ilustrar - gerar prejuízo imediato e não apenas potencial. Eles ensejarão recurso de agravo na forma de instrumento, pela simples razão de que, como a sentença nada resolverá sobre o mérito, isso tende a tornar realmente desnecessário eventual recurso de apelação; donde não haver como concentrar a impugnação para o final. Nem seria sustentável - porque irracional - que o autor tivesse a faculdade e ônus de apelar exclusivamente para suscitar as irregularidades cometidas ao longo do processo."3 Entretanto, em recentes decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu a apresentação de recursos fora da previsão legal, conforme se depreende dos seguintes julgados: "PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - CABIMENTO DE RECURSO CONTRA DECISÃO QUE CAUSA GRAVAME À PARTE - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - Avaliação do imóvel situado na Av. Francisco Morato, São Paulo - Decisão agravada que indeferiu o pedido de complementação do laudo e de esclarecimentos do perito, considerando as avaliações particulares apresentadas pela agravante - Inconformismo da parte - Acolhimento - Pronunciamento que ostenta cunho decisório, passível de agravo de instrumento, tendo em vista que o próprio perito destacou que o método involutivo é que mais se aproxima ao valor de mercado - Agravante que tem direito aos haveres na dissolução da sociedade OTAPAN EMPRENDIMENTOS, na proporção de suas quotas sociais, levando-se em conta o valor da universalidade do patrimônio, incluindo todos os bens corpóreos e incorpóreos, ativos e passivos, a fim de que o quinhão represente, efetivamente, a participação da agravante na sociedade - RECURSO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2011569-66.2020.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/06/2020; Data de Registro: 02/07/2020) "APELAÇÃO. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. Sentença homologatória de prova pericial. Insurgência pela ré. Cabimento. Prova pericial antecipada para identificação de defeitos construtivos em imóvel. Despacho que determinou a realização da perícia e a citação da ré, sem que tenha havido efetivo cumprimento do ato citatório, efetivado após a conclusão da prova e entrega do laudo. Nulidade arguida na contestação, primeira oportunidade em que a ré falou nos autos, sem apreciação, sendo proferida sentença homologatória do laudo. Limitações à defesa e recurso (art. 382, §3º CPC) que dizem respeito ao direito material, objeto de futura demanda, mas não às condições de admissibilidade e observância a requisitos de realização da própria prova a ser antecipada. Ausência de oportunização à ré à formulação de quesitos, indicação de assistente técnico e efetivo acompanhamento à realização da perícia que resultou em violação ao devido processo legal. Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1001871-55.2016.8.26.0562; Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2020; Data de Registro: 29/06/2020) Desse modo, é de se concordar com os referidos julgados do TJSP, eis que o que não cabe em produção antecipada é a valoração da prova e recursos quanto ao resultado da prova produzida, entretanto, questões de ordem pública e quanto ao cabimento e a realização da prova devem ser passíveis de recurso, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 382, § 4º do Código de Processo Civil de 2015. ____________ 1 Cássio Scarpinella Bueno aponta que "Os Projetos do Senado (art. 368, § 4º) e da Câmara (art. 389, § 4º), contudo, previam a recorribilidade também nos casos de indeferimento parcial. Trata-se, assim, de mais um caso em que a etapa final dos trabalhos legislativos gerou inconstitucionalidade formal, porque extrapola os limites do apuro da técnica legislativa ou redacional. É o caso de aceitar, por isso, a recorribilidade em ambas as hipóteses, aplicando-se, à hipótese o inciso XIII do art. 1.015." (Novo Código de Processo Civil anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 349).2 Neste sentido é o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini em seu Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 374.3 In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.042. No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "O mesmo se diga do cabimento de recurso, sendo inadmissível tornar o juiz um pequeno soberano na produção da prova sem que exageros e/ou ilegalidades possam ser revistas pelo tribunal de segundo grau. O juiz determina a oitiva de testemunha incapaz e a parte não pode recorrer? O juiz admite a produção de prova ilícita e não há como impugnar a decisão? O juiz fixa os honorários periciais num valor estratosférico e ninguém poderá recorrer? Fica realmente difícil explicar a opção do legislador sem ofender frontalmente o princípio do contraditório. Nota-se que a previsão do art. 382, § 4º do Novo CPC prevê a irrecorribilidade de decisões proferidas na ação autônoma probatória, somente admitindo a apelação contra a sentença que inadmitir totalmente a produção da prova e com isso extinguir o processo. Nem mesmo o indeferimento parcial é recorrível, porque embora seja realizado por meio de uma decisão interlocutória de mérito se afasta a aplicação do art. 1.015, II do Novo CPC pela expressa previsão de irrecorribilidade. Como se nota, não se trata de irrecorribilidade por agravo, mas de irrecorribilidade por qualquer espécie recursal." (Manual de Direito processual Civil, 8ª ed., Salvador: Juspodvim, 2016, p.682). Já Fredie Didier Jr. discorda quanto ao não cabimento de agravo em caso de indeferimento parcial: "Se a decisão rejeitar totalmente a produção da prova, o caso é de sentença apelável - daí a expressa previsão legal. Se, porém, o requerente cumular pedidos - produção de mais de uma prova - e o juiz não admitir, por decisão interlocutória, a produção de apenas uma delas, o caso é de agravo de instrumento - está-se diante de uma decisão interlocutória de mérito (art. 1.015, II, CPC) (Produção Antecipada da Prova, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5 - Direito Probatório, coord. Marco Félix Jobim e William Santos Ferreira, 3ª ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 730). Já em sentido contrário e muito mais restritivo Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello entendem que "será impugnável por meio de agravo de instrumento decisão acerca da exibição ou posse de documento ou coisa (art. 1.015, VI, NCPC). Contra as demais decisões, cujo conteúdo não esteja relacionado no art. 1.015 do NCPC, não será cabível o agravo de instrumento. Em razão disso, sentindo-se prejudicado, o interessado poderá lançar mão de mandado de segurança contra ato judicial. Poderá, ainda, impugnar a decisão em preliminar de apelação ou contrarrazões." (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 738).
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Tema já tratado em diversas oportunidades nesta coluna diz respeito aplicação do art. 85, § 2º, do CPC/2015, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. As hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento1 de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado2. Também noutra oportunidade trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20153. Ainda, foram trazidos julgados da Primeira a Quarta Turma do STJ, assim como de inúmeras câmaras que compõe o TJSP, fortes em limitar a aplicação de honorários advocatícios por equidade restrita a hipótese do art. 85, § 8º4, sem prejuízo, ainda, do brilhante artigo do Professor Rogério Molicca destacando que, em relação à Fazenda Pública, o tema restou afetado para julgamento pela Corte Especial. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. A despeito da Primeira a Quarta Turma do STJ já haverem afastado o entendimento acima, cumpre trazer a colação recentíssimo julgado, forte em frisar que, ainda que verba honorária advocatícia reflita quantia milionária, tal circunstância não tem o condão de afastar a regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA. FIXAÇÃO EQUITATIVA. NÃO CABIMENTO. LIMITES PERCENTUAIS. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. VALOR DA CAUSA. BASE DE CÁLCULO. DECISÃO MANTIDA. 1. Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. Precedentes da Terceira e Quarta Turmas e da Segunda Seção do STJ. 2. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85] aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito". 3. No caso concreto, à míngua de provimento condenatório e de se fazer possível aferir o proveito econômico obtido pela parte vencedora, a verba honorária foi arbitrada em percentual incidente sobre o valor da causa, estipulado pela própria agravante, no percentual mínimo previsto na lei processual. 4. Agravo interno desprovido." (STJ, REsp 1.711.273/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, V.u., j. 2.7.2020) Referido julgado, por unanimidade, bem observou: "(...) Defende, outrossim, que "[r]estabelecer o comando da sentença significa condenar a ora Agravante a pagar a título de honorários sucumbenciais o montante absurdo, desarrazoado, desproporcional, kafkiano de R$ 16.800.739,60 (dezesseis milhões, oitocentos mil, setecentos e trinta e nove reais e sessenta centavos)" (e-STJ, fl. 1.058). Desenvolve argumentos no sentido de que a verba honorária arbitrada na decisão evidencia exorbitância, sobretudo ante as peculiaridades do caso concreto, em que se deu a extinção prematura do processo. Sustenta que o pagamento dessa quantia em favor de seu ex-adverso importa enriquecimento imerecido, contrariando o comando do art. 884 do CC/2002. (...) Como demonstra a decisão agravada, o entendimento ali prestigiado encontra suporte na orientação firmada em precedente da Segunda Seção do STJ, no sentido de que a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/2015 é subsidiária, somente autorizada nas hipóteses estritamente previstas no dispositivo, quais sejam "(i) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (ii) o valor da causa for muito baixo" (item 5, parte final, da ementa do acórdão proferido no citado REsp n. 1742072/PR, rel. Min. RAUL ARAÚJO). Cabe reiterar que o valor da causa foi estipulado pela própria recorrente, sendo que eventual exorbitância da verba honorária, calculada sobre a referida base de cálculo, resulta de seu próprio comportamento, agora contraditório. Não se trata, pois, de quantia exorbitante, absurda, desarrazoada ou desproporcional. O pedido formulado na inicial, por sua vez, foi de condenação da aqui agravada no pagamento da importância líquida total de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais), o mesmo valor atribuído à causa (e-STJ, fl. 30). Logo, fossem os pedidos julgados procedentes, decerto que a verba honorária devida pela agravada aos patronos da agravante seria fixada em, no mínimo, 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o que demonstra sua razoabilidade e, sobretudo, isonomia com o valor arbitrado na decisão agravada. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno." Igual entendimento restou reafirmado nos votos vistas destacados pelos Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo. Em outras palavras: a discussão é vazia e limitada sob a ótica de julgar se honorários arbitrados na cifra de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais) soam ou não exorbitantes. A razão é simples, tal arbitramento decorre da regra do art. 85, § 2º, a impedir qualquer interpretação contrária a tal regra objetiva. Ademais, respeitados entendimentos em sentido contrário, não se pode fechar os olhos de que tal interpretação, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, é limitada ao deixar de considerar (e reafirmamos nesta oportunidade) que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente a pretensão autoral), que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão5; (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes por vezes são resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/2015); (iv) sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação mediante interpretação extensiva da equidade, prevista no art. 85, § 8º; (v) Até porque, o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que desnecessariamente congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não; (vi) No mais, o subjetivismo interpretativo daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição (que se espera aplicar o direito de forma uma), porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Ainda, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no art. 85, § 2º, do CPC/2015. Logo, soa acertado o julgado acima citado, ainda que logrou êxito o causídico, diante de seu labor, tornar-se credor de mais de dez milhões de reais a título de verba honorária advocatícia, porquanto dura lex, sed lex. _____________ 1 clique aqui 2 clique aqui 3 clique aqui 4 clique aqui 5 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre.
Texto de autoria de André Pagani de Souza É curioso como alguns intérpretes da lei têm a tendência de interpretar algo introduzindo na sua interpretação elementos que gostariam que existissem no texto legal, mas não existem. Inventa-se algo que não está escrito na lei, mas que se gostaria que estivesse escrito lá. Mas não está. O art. 10, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), estabelece que: "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". Por acaso, o atento leitor do parágrafo acima, conseguiu enxergar a palavra "jurídico" após a palavra "fundamento"? Pois é. Nem eu. O que se lê depois de "fundamento" é "a respeito do qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar". Pode parecer engraçado ter que explicar algo que parece óbvio, mas não é. Em julgado que passou a ser repetido recentemente - ainda bem que é só um julgado - o Superior Tribunal de Justiça introduziu uma palavra nova no art. 10 do Código de Processo Civil, logo depois de "fundamento". Trata-se da palavra "jurídico". Mas, pode isso? Claro que não. Quem fez a lei e tinha legitimidade para tanto foi o Poder Legislativo. Não cabe ao Poder Judiciário alterar a lei e introduzir nela algo que não está escrito sob o pretexto de "interpretar". Confira-se, a propósito, a ementa do julgado do Superior Tribunal de Justiça por meio do qual se colocou no art. 10 do Código de Processo Civil algo que não estava lá escrito: "RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADOTOU FUNDAMENTO DIVERSO DO ADOTADO PELA SENTENÇA, COM BASE EM NOVA SITUAÇÃO DE FATO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ART. 10 DO CPC/2015. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO PARA OITIVA DA PARTE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. "O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação -, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (EDcl no Resp n° 1.280.825/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.) 2. O art. 933 do CPC/2015, em sintonia com o multicitado art. 10, veda a decisão surpresa no âmbito dos tribunais, assinalando que, seja pela ocorrência de fato superveniente, seja por vislumbrar matéria apreciável de ofício ainda não examinada, deverá o julgador abrir vista, antes de julgar o recurso, para que as partes possam se manifestar. 3. Não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação. 4. Na hipótese, o Tribunal de origem, valendo-se de fundamento jurídico novo - prova documental de que o bem alienado fiduciariamente tinha sido arrecadado ou se encontraria em poder do devedor -, acabou incorrendo no vício da decisão surpresa, vulnerando o direito ao contraditório substancial da parte, justamente por adotar tese - consubstanciada em situação de fato - sobre a qual a parte não teve oportunidade de se manifestar, principalmente para tentar influenciar o julgamento, fazendo prova do que seria necessário para afastar o argumento que conduziu a conclusão do Tribunal a quo em sentido oposto à sua pretensão. 5. No entanto, ainda que se trate de um processo cooperativo e voltado ao contraditório efetivo, não se faz necessária a manifestação das partes quando a oitiva não puder influenciar na solução da causa ou quando o provimento lhe for favorável, notadamente em razão dos princípios da duração razoável do processo e da economia processual. 6. No presente caso, ainda que não exista prova documental sobre a localização do equipamento (se foi arrecadado ou se está em poder do devedor ou de terceiros), tal fato não tem o condão de obstaculizar o pedido de restituição, haja vista que, conforme os ditames da lei, se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, deverá o requerente receber o valor da avaliação do bem ou, em caso de venda, o respectivo preço (art. 86, I, da Lei n° 11.101/05). 7. Recurso especial provido. (REsp 1755266/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 20/11/2018, grifos nossos)". Com o devido respeito, a "interpretação" feita pelo Superior Tribunal de Justiça relativa ao art. 10 do Código de Processo Civil de 2015 não é a melhor. Não está escrito no art. 10 do Código de Processo Civil que o juiz não pode decidir com base em "fundamento jurídico" a respeito do qual não deu às partes a oportunidade de se manifestar. O que está escrito é "fundamento". E só. Se o legislador - alguém com legitimidade para criar leis e eleito por meio do voto popular para exercer sua função - quisesse delimitar que tipo de fundamento não poderia surpreender as partes em um processo civil, ele (ou ela) teriam colocado esse limite. Mas não o fizeram e não caberia ao juiz fazê-lo. Juiz não é legislador ou, pelo menos, não deveria ser, pois não foi eleito para isso, data maxima venia. O art. 10 do CPC/2015, como se sabe, tem raiz na Constituição Federal. Trata-se de concretização do Princípio do Contraditório, consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Confira-se: "LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". O Princípio do Contraditório é destinado às partes e ao juiz. As partes têm o direito de participar do processo (pedindo, alegando, provando) com oportunidades reais de influenciar no seu resultado final. O juiz, por sua vez, tem o dever de zelar para que o contraditório (e as oportunidades de participação a ele inerentes) seja garantido durante todo o curso do processo. Se o juiz não dá oportunidade para as partes se manifestarem e participarem do processo com chances concretas de influenciar no seu resultado, viola o Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Com efeito, há muito tempo, o Princípio do Contraditório não se resume apenas ao binômio informação- reação. Não basta informar a parte de que algo contra ela foi pedido perante o Poder Judiciário e dar oportunidade para ela reagir. Tem que dar para a parte reais e concretas possibilidades de participar de todo o processo e de influenciar no seu resultado. Por isso é que se procura concentrar a definição do Princípio do Contraditório em um trinômio (informação-reação-participação). Por tais razões é que, se o juiz esconde das partes aquilo que se passa pela sua cabeça, omite dos demais sujeitos do processo o enquadramento legal que pretende dar aos fatos, ele na verdade está lhes vedando a oportunidade de influência no resultado final do processo e, por consequência, negando vigência ao Princípio do Contraditório e ao inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Isso nada tem a ver com o brocardo iura novit curia. Por óbvio, o juiz sabe o direito e as leis. É dever do juiz saber as leis assim como as partes não podem alegar que desconhecem o ordenamento jurídico. Em outras palavras, o juiz pode - e deve - aplicar a lei que bem entender aos fatos que lhe são apresentados pelas partes no processo. O que o juiz não pode fazer - porque o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal não deixa - é aplicar as leis ao caso concreto sem antes dar oportunidade de as partes se manifestarem sobre o enquadramento legal que entende ser o correto e mais adequado aos fatos. E não adianta dizer que isso vai contra a "razoável duração do processo" que estaria no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, pois dar mais 15 (quinze) dias para alguém falar não vai deixar o processo mais ou menos "razoavelmente" demorado. Não é o contraditório que atrasa o processo. É a falta de técnica. Na hipótese do julgado cuja ementa foi acima transcrita, um juiz de primeiro grau viu os fatos e entendeu que a lei aplicável era uma. Já em segundo grau, o desembargador viu os mesmos fatos e entendeu que a lei aplicável era outra. Ora, se nem os membros do Poder Judiciário se entendem sobre qual é a lei aplicável em relação a determinados fatos em um processo, como é que as partes poderão participar com chances reais e concretas de influenciar no seu resultado? Todos os sujeitos do processo devem agir com lealdade para que o resultado seja o melhor possível. Assim, só há uma saída: cooperação. O juiz tem que cooperar com as partes, facilitando, na medida do possível, o cumprimento do seu papel. E as partes e seus advogados devem fazer o mesmo, cooperando com o juiz. É daí que decorre o Princípio da não-surpresa, como corolário de algo maior, que é o Princípio do Contraditório. Se continuar a ser feita essa interpretação apequenada do art. 10 do Código de Processo Civil por órgãos fracionários do STJ, mais críticas surgirão. De qualquer forma, cabe ao Supremo Tribunal Federal ser o guardião do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e não ao Superior Tribunal de Justiça. No final das constas, trata-se de uma questão Constitucional e não apenas infraconstitucional. Portanto, a última palavra ainda não foi dada e o debate está longe do fim.