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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
O art. 346, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que "os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial". Assim, se o réu for citado regularmente e não contestar a ação, ele será considerado revel, nos termos do art. 344, do CPC/2015, sendo que não haverá necessidade de intimá-lo dos atos processuais subsequentes que forem praticados durante a fase de conhecimento, conforme o já mencionado art. 346, do mesmo diploma legal. A regra acima mencionada, aparentemente, conflita com a regra do art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, que prescreve, para a fase de cumprimento de sentença, que "o devedor será intimado para cumprir a sentença (...) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos", salvo na hipótese de o réu ter sido citado por edital para o processo de conhecimento. Em outras palavras, apesar de o art. 346 determinar que o réu revel não precisa ser intimado dos atos processuais, o art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, preceitua que no início do cumprimento de sentença o réu revel (exceto o que foi citado por edital) deve ser intimado para cumprimento da decisão judicial por meio de carta com aviso de recebimento. Diante disso, pergunta-se: o que deve prevalecer? A interpretação literal do art. 346, do CPC/2015, para todo o processo de conhecimento, inclusive para a fase de cumprimento de sentença? Ou, a interpretação que leva em consideração o inciso II do § 2º do art. 513 do mesmo diploma legal, no sentido de que, na fase de conhecimento não há necessidade de intimação mas, para o início da fase de cumprimento de sentença, é necessário intimar o réu revel que não foi citado por edital pessoalmente pelo correio por meio de carta com aviso de recebimento? Note-se que as perguntas acima formuladas são bastante pertinentes pois, na vigência do CPC/1973, o art. 322, com a redação dada pela lei 11.280/06, tinha a seguinte redação: "Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar". Portanto, na vigência do Código de Processo Civil de 193, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que seria dispensada a intimação do réu para a fase de cumprimento de sentença. Confira-se, a propósito, a ementa: "RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RÉU REVEL, CITADO PESSOALMENTE NA AÇÃO DE CONHECIMENTO, QUE NÃO CONSTITUIU ADVOGADO NOS AUTOS NEM APRESENTOU CONTESTAÇÃO. LEI Nº 11.232/05. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 322 DO CPC. 1. O artigo 535 do Código de Processo Civil não resta malferido quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 322 do Código de Processo Civil, será dispensado da intimação dos atos processuais o réu revel que não constituiu advogado nos autos. 3. Após a edição da Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia fundada em título judicial desenvolve-se no mesmo processo em que o direito subjetivo foi certificado, de forma que a revelia decretada na fase anterior, ante a inércia do réu que fora citado pessoalmente, dispensará a intimação pessoal do devedor para dar cumprimento à sentença. 4. Recurso especial improvido. (REsp 1241749/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 13/10/2011, grifos nossos)". Contudo, com a entrada em vigor do CPC/2015, foi expressamente inserido no diploma processual o já mencionado inciso II do parágrafo segundo do art. 513, que categoricamente determina que o devedor será intimado para cumprir a sentença por carta com aviso de recebimento quando não tiver procurador constituído nos autos. Tal disposição pertence ao CPC/2015 e não encontra correspondente no CPC/1973. Portanto, atualmente, ainda que o réu tenha sido citado pessoalmente para o processo de conhecimento, não tenha apresentado defesa e seja considerado revel, ele deve ser intimado pessoalmente por carta com aviso de recebimento (por não ter procurador constituído nos autos) para o início da fase de cumprimento de sentença. Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida em 02 de junho de 2020. Veja-se, a propósito, a ementa do acórdão: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REVELIA NA FASE COGNITIVA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS DEVEDORES POR CARTA PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. REGRA ESPECÍFICA DO CPC DE 2015. REGISTROS DOUTRINÁRIOS. 1. Controvérsia em torno da necessidade de intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo em que os réus, citados pessoalmente, permaneceram revéis. 2. Em regra, intimação para cumprimento da sentença, consoante o CPC/2015, realiza-se na pessoa do advogado do devedor (art. 513, § 2.º, inciso I, do CPC/2015) 3. Em se tratando de parte sem procurador constituído, aí incluindo-se o revel que tenha sido pessoalmente intimado, quedando-se inerte, o inciso II do §2º do art. 513 do CPC fora claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá "por carta com aviso de recebimento". 4. Pouco espaço deixou a nova lei processual para outra interpretação, pois ressalvara, apenas, a hipótese em que o revel fora citado fictamente, exigindo, ainda assim, em relação a este nova intimação para o cumprimento da sentença, em que pese na via do edital. 5. Correto, assim, o acórdão recorrido em afastar nesta hipótese a incidência do quanto prescreve o art. 346 do CPC. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1760914/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020, grifos nossos)". A interpretação dada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015 está em harmonia com o Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e extremamente valorizado pelo diploma processual em vigor, como se percebe da simples leitura 7º, 9º e 10, entre outros. Assim, a decisão da Corte Superior acima referida é digna de aplausos e absolutamente correta.
O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil. Para Fernando da Fonseca Gajardoni1, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, sendo que "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da Justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)". Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno2, no sentido de que o artigo 139 revela "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiariedades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiariedades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional".        Teresa Arruda Alvim3, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell4, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Como visto, já há rica polêmica quanto à aplicação do inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15. A doutrina e a jurisprudência terão importante papel na definição dos limites da aplicação dos meios atípicos de execução. Nesse contexto, são de enorme importância os entendimentos do Poder Judiciário sobre os limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque algumas das diretrizes aplicadas. Em 23/6/2020, no julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que:  "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio". Em 23/3/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o ministro Moura Ribeiro, julgou-se no sentido de que: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes".  Em 13/2/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837309 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que: "É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade".  Em 19/8/2019, no julgamento do AgInt no REsp 1785726 / DF, tendo sido relator o ministro Marco Aurélio Bellizze, julgou-se no sentido de que:  "Nos  termos  do  art.  139,  IV,  do  CPC/2015,  incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias  necessárias  para  assegurar  o cumprimento de ordem judicial,  inclusive  nas  ações  que tenham  por  objeto prestação pecuniária. "Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos,   a   decisão   deve   ser   fundamentada   e  sujeita  ao contraditório,  demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente. No  caso,  segundo assinalou o órgão julgador, após esgotados os meios  típicos  de  satisfação  da dívida, a fim de reforçar os atos tendentes  ao  cumprimento  da  obrigação  reconhecida  pelo  título judicial, optou o magistrado por eleger medida indutiva e coercitiva que  considerou   adequada,   necessária,   razoável   e  proporcional.  Esse entendimento  foi encampado pelo Tribunal local, que ainda ressaltou o  fato  de que o executado possui alto padrão de vida, incompatível com  a  alegada ausência de patrimônio para arcar com o pagamento da indenização   decorrente  do  acidente  que  provocou". Em 23/4/2019, no julgamento do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "O  propósito  recursal  é  definir  se  a  suspensão da carteira nacional  de  habilitação  e  a retenção do passaporte do devedor de obrigação  de  pagar  quantia  são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. A  interposição  de  recurso  especial não é cabível com base em suposta  violação  de  dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo  que  não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. O  Código  de  Processo  Civil  de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe  ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias   necessárias  para  assegurar  o cumprimento  de  ordem  judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). A  interpretação  sistemática  do  ordenamento  jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de  qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. De  acordo  com  o  entendimento  do  STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em   nenhuma   circunstância   poderão  se  distanciar  dos  ditames constitucionais,  apenas  sendo possível a implementação de comandos não  discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se  a  existência  de  indícios  de que o devedor possua patrimônio   expropriável,  tais  medidas  sejam  adotadas  de  modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às   especificidades   da  hipótese  concreta,  com  observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". Como visto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já vem delineando requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, almejando construir uma técnica de conformidade entre este dispositivo e os princípios presentes nos artigos 4, 6, 8 e 9 do CPC/15.   __________ 1 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil, Questões Controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142. 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 4 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
Dentre as muitas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a sucumbência recursal foi uma das mais aplaudidas e comemoradas pela doutrina e pelos operadores do Direito. Passados mais de quatro anos da entrada em vigor do CPC, ainda não seu viu uma diminuição acentuada no número de recursos, talvez até pela majoração tímida que os tribunais promovem nos honorários, nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC. Entretanto, a sucumbência recursal, por ser um instituto novo, acaba gerando sempre muitas dúvidas nos operadores. Um dos questionamentos é se o recurso da parte vencedora que somente verse sobre o aumento dos honorários advocatícios estaria sujeito a sucumbência recursal. Veja-se o exemplo bem comum, do autor ter a ação julgada totalmente procedente e a sentença condenar o réu a pagar R$ 10 milhões e com a fixação dos honorários em R$ 10 mil, nos termos do § 8º do artigo 85 do CPC.  Tão somente o autor, não sucumbente, apela para a fixação dos honorários, nos termos do § 2º do artigo 85, isto é, entre 10 e 20%. Se o recurso de apelação é provido, teremos uma nova fixação dos honorários e que já deverá levar em conta o trabalho adicional realizado no Tribunal, assim, não há que se falar em sucumbência recursal, mas em nova fixação dos honorários advocatícios1.  Dúvida surge se o recurso de apelação não for conhecido ou rejeitado pelo tribunal. Nesse caso caberia fixação de honorários recursais? A leitura do artigo § 11 do artigo 85 parece afastar tal possibilidade, pois o dispositivo prevê que o "tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente". No exemplo proposto, o autor não foi condenado ao pagamento de honorários em primeira instância, logo, não pode ser condenado ao pagamento de sucumbência recursal ao ter seu recurso para majoração dos honorários não conhecido ou improvido.  Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO QUE, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, INADMITIRA O RECURSO ESPECIAL, PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL, NA HIPÓTESE. ART. 1.042 DO CPC/2015. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO, POR INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ARBITRAMENTO, NA ORIGEM, APENAS EM FAVOR DA PARTE AUTORA, VENCEDORA DA LIDE, ORA AGRAVANTE. MAJORAÇÃO, PELA DECISÃO AGRAVADA, DOS HONORÁRIOS ANTERIORMENTE FIXADOS, AGORA EM FAVOR DO INSS, EM FACE DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Agravo em Recurso Especial interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. A decisão ora agravada não conheceu do Agravo em Recurso Especial, ante a sua intempestividade, majorando os honorários de advogado - fixados, pela instância de origem, em favor do autor, vencedor da lide, ora agravante - em favor do INSS, réu sucumbente na ação. (...) VI. Na forma da jurisprudência, 'o recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária. O texto do §11 do art. 85 do CPC/15, prevê, expressamente, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias ordinárias, como na espécie, não haverá incidência da referida regra' (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 31/08/2017). VII. Como o texto do § 11 do art. 85 do CPC/2015 prevê, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', não há que se majorar, no caso, os honorários advocatícios, nos termos do aludido dispositivo legal, em favor do INSS, sucumbente no feito, uma vez que não houve prévia fixação, pelas instâncias ordinárias, de honorários de advogado em desfavor da parte autora, ora agravante, vencedora da lide, mas, sim, em favor dela. VIII. Agravo interno parcialmente provido, apenas para excluir a majoração de honorários advocatícios em desfavor da parte ora agravante, vencedora da lide" (AgInt no AREsp 1.561.715/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/4/2020, DJe 24/4/2020)2.  Nesses casos, até pode-se almejar a fixação originária de sucumbência recursal, mas para isso seria necessária uma alteração legislativa, com expressa previsão de tal possibilidade no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. __________ 1 Nesse sentido também é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 179/180. 2 No mesmo sentido de que  o "recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação, que não seja conhecido, rejeitado ou não provido, não implica honorários recursais para a parte contrária" (STJ-2ª Seção, ED no REsp 1.625.812-EDcl-AgInt-EDcl, Min. Ricardo Cueva, j. 30.06.2020, DJ 04.08.2020).
A técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem sido objeto de inúmeras controvérsias. Referida técnica substituiu o então art. 530 do CPC/73, o qual previa como recurso em espécie, os chamados embargos infringentes, cujas hipóteses de cabimento se voltava a, (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, quando do julgamento do recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória.  Por sua vez, a alcunhada técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC, têm hipóteses de cabimento mais ampla, a sequer tratar-se de recurso em espécie e referida técnica aplicar-se ex oficio pela turma julgadora, de sorte que, "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput).  O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º).  Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. Portanto, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados, (iii) cabimento quando do julgamento de agravo de instrumento,  tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2, (iv) tal técnica há de ser observada pela turma julgadora ex officio¸ porquanto não se trata de modalidade recursal, tal como o era o regime dos embargos infringentes, relegados pelo CPC/2015, sem prejuízo de assegurar-se (v) ainda, "(...) às partes e eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". (art. 942, caput).  Dentre as controvérsias que gravitam em torno do julgamento estendido, já pudemos colacionar julgados do STJ perfilhando o entendimento de que a) os votos prolatados poderão ser revistos e modificados pelos julgadores, quando da ampliação do colegiado por força do julgamento estendido3, b) o cabimento de referida técnica quando do julgamento de agravo de instrumento, resultado de provimento por maioria de votos, tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito na recuperação judicial4, c) assim como, a divergência apta a autorizar o julgamento estendido ter amplitude tanto sobre o mérito da demanda (quando do julgamento da apelação) quanto a outras questões processuais e, ainda, os desembargadores convocados a integrar a votação poderão examinar e votar questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta5. Recentemente, a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp n. 1833497/TO, aos 25.08.2020, decidiu, por maioria de votos, o cabimento da técnica de julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração, com efeitos infringentes. Explica-se: sendo o julgamento estendido a continuidade do julgamento e, em vista da função integrativa dos embargos de declaração, uma vez providos os embargos de declaração, com efeitos modificativos, significa dizer que na eventualidade de tal questão, examinada sob o prisma infringente, restar decidida por maioria de votos, há de se observar a ampliação do julgamento. Um exemplo pode ser dado quando o recurso de apelação veicula duas pretensões de reforma da sentença de procedência, prolatada em primeiro grau e condenatória a indenização por danos morais e materiais: a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido de dano moral e improcedente o pedido de dano material. Ao julgar a apelação o tribunal decide pela reforma e improcedência do pedido de dano material e, por um lapso, deixa de apreciar o pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Sobrevém a oposição de embargos de declaração, com efeitos modificativos, destinado a examinar a omissão, consistente na ausência de exame e decisão ligada ao pleito de reforma da sentença referente aos danos morais. Após vistas a parte contrária (CPC, art. 1.023, § 2º, do CPC/2015), os embargos são providos, por maioria de votos, para reformar a sentença e julgar improcedente o pleito de danos morais.  Por óbvio que tivesse o pleito de reforma da sentença quanto aos danos morais sido examinados e decidida a reforma da sentença, por maioria de votos, quando do julgamento do recurso de apelação, ninguém duvidaria quanto ao cabimento da técnica prevista no art. 942 do CPC. Mutatis mutandis¸ uma vez apreciado tal pleito por ocasião do julgamento dos embargos de declaração e decidida a reforma da sentença, por maioria, acertada a decisão do STJ em, neste caso, seguir-se a aplicação da técnica de julgamento estendido6.  Na hipótese acima, embora atípico, uma vez observado o regime do julgamento estendido, há de assegurar-se a possibilidade de prolação de sustentação oral, na forma que garante o art. 942, caput, do CPC, muito embora decidida a questão, por maioria de votos, quando do julgamento dos embargos de declaração7. __________ 1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes. 2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 3 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 4 Aplicação da técnica de julgamento estendido em agravo de instrumento tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito. 5 Julgamento não unânime no recurso de apelação é suficiente para aplicação da técnica de julgamento estendido. 6 O v. acórdão supra citado ainda será redigido e oportunamente disponibilizado, tendo sido vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto vencedor encabeçado pelo Ministro Marco Aurélio Belizze, acompanhados pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. 7 Outra solução seria o acolhimento dos Embargos de Declaração, para, em nova sessão de julgamento, compor a turma julgadora os demais integrantes que passarão a votar, por força do julgamento estendido, observado o asseguramento da sustentação oral.
Como se sabe, o art. 50, caput, do Código Civil (CC), estabelece que: "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso" (grifos nossos). Em outras palavras, o art. 50, do CC, dispõe que, se houver abuso de personalidade jurídica, os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações serão estendidos aos bens particulares de administradores ou sócios da pessoa jurídica originariamente devedora. Apesar de a lei afirmar que os efeitos das obrigações da pessoa jurídica serão estendidos aos bens de sócios e administradores se houver abuso de personalidade, na verdade o que tem acontecido é que tais efeitos são estendidos às pessoas físicas dos sócios e administradores (e não apenas aos seus bens). Em julgado recente, como se verá adiante, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou a manutenção de decisão judicial que determinou que os sócios de pessoa jurídica incluídos do polo passivo da demanda originária por decisão de desconsideração da personalidade jurídica fossem proibidos de sair do país sem prévia garantia da execução. Destaque-se que, no caso concreto, a demanda originária era uma ação de cobrança promovida contra uma pessoa jurídica que celebrou acordo judicial e não cumpriu, dando ensejo ao cumprimento de sentença, durante o qual foi requerida e deferida a desconsideração da personalidade jurídica para aplicar o já mencionado art. 50, do CC. Diante das tentativas frustradas de receber o crédito da pessoa jurídica e de seus sócios, bem como de indícios de que os executados possuíam patrimônio executável, foi determinada a "comunicação à Polícia Federal para anotação de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução". A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça apresentou-se insensível ao argumento de que os sócios tinham filhos no exterior e precisavam também viajar a trabalho, pois atuam na área de comércio exterior. Acabou prevalecendo o entendimento de que deslocamentos internacionais "certamente acarretam dispêndios incompatíveis com a alegação de falta de recursos". Apesar de ser questionável o fato de uma ordem judicial poder impedir um devedor de viajar ao exterior para visitar seu filho (que também acaba sendo prejudicado) ou para trabalhar e assim manter sua própria subsistência, o que se busca demonstrar aqui é que com a desconsideração da personalidade jurídica, os efeitos das obrigações que eram da pessoa jurídica pode ser estendidos ao patrimônio do sócio e podem ser sentidos fisicamente pela própria pessoa do sócio, com a aplicação combinada do art. 50, do CC, com o art. 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC). Confira-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "HABEAS CORPUS". PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC. RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA GARANTIA DA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. ATENDIMENTO ÀS DIRETRIZES FIXADAS PELAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. 1. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, não é cabível a impetração de "habeas corpus" como sucedâneo de recurso próprio, salvo nos casos de manifesta ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, quando a ordem poderá ser concedida de ofício. Precedentes. 2. Esta Corte Superior de Justiça, pelas suas duas Turmas da Seção de Direito Privado, tem reconhecido que o acautelamento de passaporte é medida capaz de limitar a liberdade de locomoção do indivíduo, o que pode significar constrangimento ilegal e arbitrário, passível de ser analisado pela via do "habeas corpus" 3. A adoção desta medida coercitiva atípica, no âmbito do processo de execução, não configura, em si, ofensa direta ao direito de ir e vir do indivíduo, razão pela qual a eventual abusividade ou ilegitimidade da ordem deve ser examinada no caso concreto. 4. Segundo as diretrizes fixadas pela Terceira Turma desta Corte, diante da existência de indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio (REsp 1.782.418/RJ e REsp 1788950/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgados em 23/4/2019, DJe 26/4/2019). 5. In casu, a Corte estadual analisou a questão nos moldes estatuídos pelo STJ, não se denotando arbitrariedade na medida coercitiva adotada com fundamento no art. 139, IV, do CPC, pois evidenciada a inefetividade das medidas típicas adotadas, bem como desconsiderada a personalidade jurídica da empresa devedora, uma vez constatada a sua utilização como escudo para frustrar a satisfação do crédito exequendo. 6. Ausência, ademais, de indicação de meio executivo alternativo menos gravoso e mais eficaz pelos executados, conforme lhes incumbia, nos termos do parágrafo único do art. 805 do CPC/2015. 7. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, INEXISTINDO SUBSTRATO PARA O DEFERIMENTO DA ORDEM DE OFÍCIO. (STJ, 3ª Turma, HC 558.313/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, não conheceram do habeas corpus e indeferiram a ordem de ofício, votação unânime, j. 23.06.2020, sem os destaques). Em suma, os sócios acabaram sofrendo restrições para viajar ao exterior em razão dos efeitos de uma obrigação que originariamente era da pessoa jurídica da qual fazem parte. Portanto, os efeitos das obrigações, na desconsideração da personalidade jurídica, são estendidos apenas para o patrimônio dos sócios mas também para a pessoa física dos sócios. Agora, é forçoso reconhecer que a decisão do Superior Tribunal de Justiça tem tudo para ser inócua, pois a restrição para viajar ao exterior em tempos de pandemia e com a dificuldade que os brasileiros estão tendo para serem aceitos em outros países atinge quase todos nesse momento (e não apenas os sócios da pessoa jurídica executada).
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, foi publicado o ato conjunto n. 3/2020 do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, no sentido de disciplinar a aplicação do artigo 356 do CPC/15 na dinâmica do processo trabalhista. Dentre os tópicos do aludido ato conjunto, destacam-se, para fins da presente reflexão, os abaixo: "Art. 1° - O juiz decidirá parcialmente o mérito, nas hipóteses do art. 356 do CPC/2015. Art. 2º - Caberá recurso ordinário da decisão que julgar parcialmente o mérito, aplicando-se as regras relativas ao depósito recursal e ao pagamento das custas processuais. § 1º O recurso ordinário e as contrarrazões serão recebidos nos autos principais. § 2º A autuação do processo na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial, a ser feita pela Vara do Trabalho, somente será realizada depois de proferido pelo magistrado o despacho nos autos principais determinando a remessa do recurso à instância superior. § 3º Constará dos autos do processo suplementar, autuado na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial, cópia do inteiro teor do processo principal. § 4º Na autuação do processo suplementar é obrigatória a indicação, como referência, do número do processo principal. § 5º A Secretaria da Vara do Trabalho lavrará certidão nos autos do processo principal informando a existência de processo suplementar autuado na classe 12760 - Recurso de Julgamento Parcial." (g.n.). É bem de ver que o importante citado ato conjunto aponta que, nos feitos de natureza trabalhista, o recurso cabível contra a decisão parcial de mérito, proferida nos termos do artigo 356 do CPC/15, é o recurso ordinário; disciplinado no artigo 895 da CLT e tipicamente manejado contra as sentenças proferidas pelos juízes do trabalho. Em uma simples comparação com a dinâmica do processo civil, pode-se afirmar que o recurso ordinário da CLT tem a natural função do recurso de apelação, previsto no artigo 1009 do CPC/15. Nesta linha, não há dúvida de que o mencionado ato conjunto fortalece a percepção de que a natureza da decisão do artigo 356 do CPC/15 é a mesma da sentença final, em especial por apontar ser o recurso ordinário o apelo cabível contra esses provimentos jurisdicionais. Não se olvida aqui que o artigo 356 do CPC/15 prevê expressamente o manejo do agravo de instrumento para se recorrer das decisões interlocutórias parciais de mérito, sendo certo que é o recurso do artigo 1015 do CPC/15 que deve ser naturalmente utilizado nos casos em que o código de processo civil incide direta e principalmente. Mas, certo é que a sinalização do Poder Judiciário do Trabalho nos leva à mesma reflexão que já foi apresentada nesta coluna em artigo publicado em 31.08.2017, especialmente no que se refere aos efeitos do recurso de agravo de instrumento que deve ser interposto contra a decisão de que trata o artigo 356 do CPC/15; e isto porque se esta decisão tem a mesma natureza da sentença final a ser proferida pelo magistrado, não haveria porque prever efeitos diferentes para os respectivos recursos cabíveis. O Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO)1 possui enunciado com a seguinte previsão: "O efeito suspensivo automático do art. 1.012 aplica-se ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial do mérito". (art. 356) A razão do enunciado se baseia na premissa de que a natureza da decisão interlocutória parcial de mérito se mostra similar ao da sentença final de mérito, tal qual também consigna o aludido ato conjunto n. 3/2020. Assim sendo, o CPC/15 não poderia tratar de forma desigual os efeitos dos respectivos recursos a serem interpostos contra esses referidos pronunciamentos judiciais. A decisão interlocutória parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do CPC/15, tem a natureza de uma verdadeira sentença, não se diferenciando, em essência, do pronunciamento judicial de que trata o artigo 487 do CPC/15. Teresa Arruda Alvim2 bem observa que: "O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão interlocutória de mérito. (...). Embora a decisão que julga antecipadamente parte do mérito tenha conteúdo de sentença (art. 487, I), o recurso dela cabível é o agravo de instrumento, para permitir que o processo prossiga em primeiro grau, em relação aos pedidos ou a parte do pedido não julgados". Cassio Scarpinella Bueno3 bem lembra que "não sendo o caso de extinção total ou parcial do processo, nem de julgamento antecipado total do mérito, cabe ao magistrado verificar se o caso concreto amolda-se no que o CPC de 2015 passou a identificar como julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356). Aqui também, o que o magistrado buscará, ainda que em parte, é o proferimento de sentença nos moldes do inciso I do art. 487". Neste contexto, o legislador não poderia tratar de forma abruptamente diferente os efeitos dos recursos que devem ser utilizados para provocar a revisão da sentença e da decisão interlocutória de mérito, dada a mesma essência existente nesses dois pronunciamentos judiciais. Se a apelação, interposta contra sentença, deve ser recebida com o duplo efeito, nos termos do artigo 1012 do CPC/15, razoável seria afirmar que o agravo de instrumento, para a hipótese de ser interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15, também deveria ser recebido com o duplo efeito; sendo admitido com efeito suspensivo automático. Não se olvida, aqui, que o legislador se preocupou muito com a efetividade, a celeridade e a eficiência dos atos jurisdicionais, conforme bem se nota da leitura dos artigos 4 e 8 do CPC/15. Mas, por outro lado, a segurança jurídica, o devido processo legal e a proporcionalidade são importantes princípios que devem nortear a leitura constitucional do processo civil (art. 1 do CPC/15), de modo que se o legislador optou, em regra, conferir efeito suspensivo automático ao recurso de apelação (artigo 1012 do CPC/15) interposto contra a sentença final de mérito, não parece coerente - inclusive do ponto de vista de sistema - permitir que o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito (artigo 356 do CPC/15) tenha o seu curso sem o efeito suspensivo automático do artigo 1012 do CPC/15. A incoerência se agrava, ao se notar que o artigo 356 do CPC/15 prevê inclusive, em seu paragrafo segundo, que a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto. Essa previsão permite a absurda conclusão de que a decisão parcial de mérito seria, em tese, mais forte, para fins de execução imediata, que uma sentença final de mérito, proferida após a devida instrução probatória. Este artigo não necessariamente defende que o sistema processual ideal é aquele que prevê que a sentença de mérito deva ser recorrida através de recurso de apelação que tenha o efeito suspensivo automático. Mas, defende sim, com todas as letras, que se o legislador optou por conferir efeito suspensivo automático para o recurso de apelação, não existe razão cientifica para retirar a previsão de efeito suspensivo automático para o agravo de instrumento a ser manejado contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15, que nada mais representa do que uma verdadeira sentença parcial antecipada de mérito. E nessa linha, de coerência sistêmica, as hipóteses excepcionais previstas no próprio artigo 1012 do CPC/15, nas quais a apelação deve ser recebida apenas com efeito devolutivo, também se aplicariam, em tese, ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do CPC/15. Essa visão estaria, no nosso humilde ver, em linha com uma leitura constitucional do processo civil, bem proclamada pela professora Teresa Arruda Alvim4 como "linha mestra fundamental da construção do novo sistema processual civil brasileiro. Um dos objetivos que se teve ao se elaborar este novo código foi o de situa-lo, expressa e explicitamente, num contexto normativo mais amplo, em que a constituição federal ocupa o principal papel". __________ 1 Ceapro. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 688. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 331. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 60.
Texto de autoria de Rogerio Mollica Na coluna de 16 de maio de 2019 foi trazido entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. No dia 03 de agosto corrente a comunidade jurídica foi surpreendida com o entendimento, dessa vez restritivo da mesma previsão legal, no sentido de que não seria possível penhorar salário para pagamento de dívida decorrente de honorários advocatícios. Segundo o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, pelo apertado placar de 7X6, a exceção à regra da impenhorabilidade de verba alimentar para pagamento de prestação alimentícia, prevista no § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil compreenderia somente alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários, não abarcando os honorários advocatícios2. Segundo a Relatora haveria "uma imprecisão na definição das expressões 'verba de natureza alimentar' e 'prestações alimentícias'". De acordo com a Ministra, os honorários advocatícios são verba de natureza alimentar, mas não prestação alimentícia, e por isso não há possibilidade de penhora do salário do credor3. Tal julgado causou perplexidade, pois prevalecia naquela Corte entendimento diametralmente oposto: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA INCIDENTE SOBRE VERBA SALARIAL. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabilidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia, que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar (CPC/2015, art. 85, § 14). 2. A Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1.732.927/DF (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 12/02/2019, DJe de 22/03/2019), decidiu que o julgador, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto, poderá admitir ou não a penhora de parte da verba alimentar, ou limitá-la a percentual razoável, sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial. No caso, a Corte local entendeu ser possível a penhora de parte do salário da agravante para o adimplemento de honorários advocatícios, em conformidade com a orientação desta Corte, que admite a mitigação da impenhorabilidade das verbas salariais no caso de dívida alimentar, como são considerados os honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1595030/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 01/07/2020)4 Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça pareceu se afastar de previsão expressa da Lei. De fato, o § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 prevê que a impenhorabilidade deve ser afastada quando se tratar de penhora para o pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem. A origem alimentícia dos honorários advocatícios é fora de dúvida e foi reafirmada pelo próprio Código de Processo Civil em seu artigo 85, § 14. Portanto, não há na lei qualquer distinção quanto à natureza da prestação ou verba alimentar que viabiliza a constrição sobre salários, sendo despropositada a limitação perpetrada pelo Superior Tribunal de Justiça5. Como a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é composta pelos 15 Ministros mais antigos do Tribunal e como só 13 Ministros votaram (o placar foi de 7X6), é de se esperar que ainda se tenha muita insegurança jurídica quanto ao tema, já que esses dois Ministros, que não participaram do referido julgamento, podem decidir a questão de forma contrária ao recentíssimo entendimento, no caso de termos um novo julgamento sobre o tema. __________ 1 A mitigação da penhora dos salários pelo Superior Tribunal de Justiça. 2 RESP nº 1.815.055/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, com acórdão pendente de publicação. 3 STJ: Corte Especial nega penhora de salário para pagamento de honorários advocatícios. 4 Cumpre Ressaltar que a própria Ministra Relatora Nancy Andrighi alterou seu entendimento, pois entendia que "(...) os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, têm natureza alimentícia, admite a possibilidade de penhora de verbas remuneratórias para a satisfação do crédito correspondente. 5. É possível determinar o desconto em folha de pagamento do devedor para conferir efetividade ao direito do credor de receber a verba alimentar. 6. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 1440495/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 06/02/2017). 5 Segundo o professor José Rogerio Cruz e Tucci "(...)a prestação a alimentos, devida ao advogado como contraprestação de seu trabalho, à guisa de honorários, é de inferior relevância, vale dizer, de segunda classe... Ora, com o devido respeito, é de invocar-se o velho e sábio aforismo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer distinções)!" (Alimentos do advogado são de segunda classe numa recente decisão do STJ, publicado na Revista Consultor Jurídico de 11/08/2020).
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Não é de hoje a necessidade da presença do prequestionamento, como um dos requisitos necessários a admissibilidade do recurso especial (CF, art. 105, III) e recurso extraordinário (CF, art. 102, III), a implicar que a matéria infraconstitucional ou constitucional veiculada nos recursos especial ou extraordinário, respectivamente, tenha sido previamente debatida pelas instâncias inferiores. O CPC/ 2015 trouxe duas inovações pontuais ao tema, ao tratar, no art. 941, § 3º, que o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão, para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento, assim como a redação do art. 1.025, caput, ao estatuir considerar-se "(...) incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que, os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade"1. Recentemente o STJ entendeu restar prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação (e desprezados no julgamento do respectivo recurso), desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. "PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM EXPOSIÇÃO DE MAIS DE UM FUNDAMENTO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO COM BASE EM APENAS UM FUNDAMENTO, DEIXANDO-SE DE EXAMINAR OS DEMAIS. REVERSÃO DO ACÓRDÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA EM DECISÃO MONOCRÁTICA NO STJ. AGRAVO REGIMENTAL QUE VENTILA FUNDAMENTOS DESPREZADOS NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA INTERNA NO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PARCIALMENTE PROVIDOS PARA DAR POR PREQUESTIONADAS QUESTÕES JURÍDICAS REITERADAS NAS CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. I - Cuida-se de embargos de divergência por meio dos quais pretendem os embargantes a uniformização do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no tocante à resposta ao seguinte questionamento: consideram-se prequestionados o(s) fundamento(s) das razões de apelação desprezados no acórdão que deu integral provimento ao recurso? II - À luz do acórdão da C. Primeira Turma deste Tribunal, o recurso especial não atendeu ao requisito especial do prequestionamento quanto aos temas de (i) não fluência do prazo prescricional na ausência de liquidez do título executivo; (ii) não ocorrência de inércia dos exequentes; e (iii) execução movida por incapaz, contra o qual não corre a prescrição. III - Lidando com situação jurídica idêntica à dos presentes autos, assentou o acórdão paradigma (EREsp n. 1.144.667/RS), julgado por esta C. Corte Especial em 7/3/2018 e da relatoria do e. Min. Felix Fisher, que "a questão levantada nas instâncias ordinárias, e não examinada, mas cuja pretensão foi acolhida por outro fundamento, deve ser considerada como prequestionada quando trazidas em sede de contrarrazões". IV - Portanto, existem duas linhas de pensamento em rota de colisão no Superior Tribunal de Justiça, revelando-se de todo pertinente o recurso de embargos de divergência, em ordem a remarcar o entendimento que já havia sido proclamado no julgamento do paradigma invocado. Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios. V - A questão precisa ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica do recorrente, critérios de identificação do interesse recursal. Não se trata de temática afeta a esta ou aquela legislação processual (CPC/73 ou CPC/15), mas de questão antecedente, verdadeiro fundamento teórico da disciplina recursal. Só quem perde, algo ou tudo, tem interesse em impugnar a decisão, desde que possa obter, pelo recurso, melhora na sua situação jurídica. Precedente: AgInt no REsp n. 1.478.792/PR, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 2/2/2018. Doutrina: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. V. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 516; MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1276. VI - É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer. VII - Tenho por bem compor a divergência entre os acórdãos confrontados adotando o entendimento do acórdão paradigma, segundo o qual se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. VIII - Embargos de divergência conhecidos e parcialmente providos a fim de dar por prequestionada a matéria relativa à não ocorrência de prescrição em razão da iliquidez do título executivo, cassando o v. acórdão de fls. 293-294, para que seja realizada nova análise do tema prescrição." (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 227.767-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, j. 17/06/2020, v.u., grifou-se) O voto condutor merece destaque ao seguinte trecho: "Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios. A questão precisa ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica do recorrente, critérios de identificação do interesse recursal. Não se trata de temática afeta a esta ou aquela legislação processual (CPC/73 ou CPC/15), mas de questão antecedente, verdadeiro fundamento teórico da disciplina recursal. Só quem perde, algo ou tudo, tem interesse em impugnar a decisão, desde que possa obter, pelo recurso, melhora na sua situação jurídica. (...) É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer. Se se comportaram corretamente e, mais ainda, se tomaram o cuidado de averbar nas contrarrazões do especial o fundamento descartado no julgamento da apelação - registre-se, aqui, que tal cautela ocorreu apenas em relação ao fundamento da iliquidez do título executivo - não há como deles cobrar algo a mais. Fizeram o que se esperava para manter viva a temática. Pontue-se, ademais, que a exigência de oposição de embargos declaratórios a fim de inutilmente prequestionar matéria que sequer se sabe se voltará a ser abordada vai de encontro à tendência vigente mesmo antes do atual Código de Processo Civil de desestimular a desnecessária utilização das vias recursais. Assim, tenho por bem compor a divergência entre os acórdãos confrontados adotando o entendimento do acórdão paradigma, segundo o qual se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. Se é assim, os embargos de divergência merecem parcial provimento, na na medida em que apenas um dos fundamentos tidos por não prequestionados pela C. Primeira Turma foi efetivamente reiterado nas contrarrazões do recurso especial: o referente à iliquidez o título executivo. (...)" O precedente supra citado ilustra nova interpretação do STJ quando a aferição da presença do pré-questionamento, desta feita, sob a ótica de considerar-se pré-questionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto o recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. __________ 1 A se coroar o teor da súmula n. 98 do STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório".
Texto de autoria de André Pagani de Souza Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), havia uma distinção importante entre a forma de executar uma obrigação de pagar alimentos. Caso tal obrigação fosse fundada em título judicial, era permitida a prisão do devedor como força de coerção para se obter o seu cumprimento forçado no curso do processo. Por outro lado, se a obrigação de pagar alimentos estivesse prevista em um título extrajudicial, havia controvérsia sobre a possibilidade de prisão do devedor de prestação alimentícia. A título meramente ilustrativo, vale mencionar dois julgados que apresentam o entendimento de que era vedada a prisão do devedor de prestação alimentícia, caso a obrigação fosse proveniente de título executivo extrajudicial. Confira-se: "Habeas corpus. Título executivo extrajudicial. Escritura pública. Alimentos. Art. 733 do Código de Processo Civil. 1. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de 'sentença ou decisão que fixa os alimentos provisionais'. 2. Habeas corpus concedido" (3ª T., HC nº 22401/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20/8/2002). "O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do poder judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais. (STJ. HC 22401/SP)" (TJMT, AI nº 48302/2014, Capital, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. em 23/7/2014, DJMT de 28/7/2014, p. 75). Também vale mencionar, como exemplo da controvérsia que existia, uma ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça proferido em momento anterior ao CPC/2015, no qual se admitia a prisão do devedor, mesmo se a obrigação de pagar alimentos estivesse prevista em título executivo extrajudicial. "RECURSO ESPECIAL - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO - DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS - EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO - DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE. 1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito - dever de sustento dos pais a bem dos filhos. 2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011. 3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça. (REsp 1285254/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 01/08/2013)". Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o entendimento de que não seria possível a prisão do devedor de alimentos na execução fundada em título extrajudicial foi definitivamente superado devido ao disposto no parágrafo único do art. 911, do CPC/2015. Veja-se: "Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2º a 7º do art. 528 (dispositivo que trata da possibilidade de prisão do devedor)" Como se sabe, os §§ 2º ao 7º do art. 528, do CPC/2015, versam exatamente sobre a possibilidade de prisão do devedor no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar alimentos. Com efeito, nos termos do § 3º do mencionado artigo, está disposto que: "se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão no prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Diante disso, não restam dúvidas de que deve ser admitida a prisão do devedor na execução de alimentos fundada em título extrajudicial na vigência do CPC/2015 em razão do disposto no parágrafo único do art. 911 do referido diploma legal.
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, em 16.06.2020, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná autorizou a penhora do percentual de 15% sobre a receita bruta do devedor. Veja-se: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA. ART. 866 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUISITOS PREENCHIDOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL DE CONSTRIÇÃO PARA 30%. VIABILIDADE PARCIAL. POSSIBILIDADE DE AUMENTO DA PENHORA DE 9% PARA 15% SOBRE O FATURAMENTO BRUTO SEM PREJUDICAR AS ATIVIDADES EMPRESARIAIS, CONFORME LAUDO DO ADMINISTRADOR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJPR, 16ª CÂMARA CÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0046139-28.2019.8.16.0000). Sempre houve uma dúvida se essa modalidade de penhora, hoje prevista no artigo 866 do CPC/15, deveria incidir sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida do devedor. A dúvida, na verdade, se mostra facilmente resolvida na medida em que essa modalidade de penhora depende da nomeação e do trabalho de um expert, que, na qualidade de administrador para fins do artigo 866 do CPC/15, deverá formular um plano de pagamento do débito executado, que possa garantir o adimplemento satisfatório da dívida e, ao mesmo tempo, possibilitar que o devedor prossiga em suas atividades. Em outras palavras, na medida em que o administrador indicará o percentual adequado para o bloqueio de parte do faturamento do devedor, caberá a ele dosar se o melhor, no caso concreto, é a incidência de tal percentual sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida. Vale lembrar que o art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da Lei n. 11.382/2006, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade, na ocasião, no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida". O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15. Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade online, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15. E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa. Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor1, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador. E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica. A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado. O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi2, em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora3. E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes."4 Como lembra Araken de Assis5, o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora. Carlos Henrique Abrão6 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade". Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se diretamente sobre a receita bruta, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo. Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento. ____________ 1 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 2 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3. 4 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 5 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 6 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62.
O Código de Processo Civil de 2.015 (CPC/2015) alargou o alcance da Produção Antecipada de Prova prevendo uma ação de caráter genérico, autônomo e amplo a possibilitar a coleta antecipada de qualquer tipo de prova. Ganhando o instituto uma maior importância em nosso ordenamento é claro que surgem muitas controvérsias em sua aplicação, sendo que uma das principais é a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que prevê que "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário."1 Cumpre desde logo ressaltar que a inadmissão à apresentação pura e simples de defesa se mostra inconstitucional e ilegal2. Entretanto, no presente artigo pretendemos focar na impossibilidade da interposição de recursos, exceto contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário. Tal entendimento é totalmente contrário ao estabelecido no artigo 5º, § LV, da Constituição Federal, que prevê expressamente que "são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Entretanto, temos muitos julgados aplicando literalmente a previsão supra citada e não conhecendo de recursos em Produção Antecipada de Provas: "AGRAVO DE INSTRUMENTO Produção antecipada de provas. Decisão que determina expedição de mandado de busca e apreensão de documentos faltantes e listados pela autora - A agravada ajuizou em face do agravante ação de produção de provas (exibição de documentos), que não admite defesa ou recurso, de modo que ausente o requisito objetivo de admissibilidade do recurso, qual seja, o seu cabimento Exegese do § 4º do art. 382 do NCPC Precedentes desta corte de Justiça - Recurso não conhecido." (TJSP; Agravo de Instrumento nº 2012313-61.2020.8.26.0000; Relator Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; 37ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 14/02/2020; Data de Registro: 14/02/2020) A Doutrina, como não poderia deixar de ser, se mostra contrária a tal injustificável limitação recursal. Nesse sentido é o entendimento do professor Flávio Luiz Yarshell: "Também foi infeliz a disposição que pretendeu restringir o cabimento de recurso, limitada que foi à hipótese da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada da prova. De forma semelhante ao que foi dito sobre a defesa do réu, aqui a lei pareceu ignorar que o deferimento da antecipação pode violar direitos constitucionalmente assegurados, como sigilo, intimidade e privacidade. Ou seja: a lei parece ter partido da falsa premissa de que o deferimento da prova jamais poderia acarretar prejuízo para o demandado; o que é clamoroso equívoco. Portanto, na premissa de que a decisão que deferir a prova também pode ensejar interesse recursal, a supressão legal - tanto mais porque gera injustificado desequilíbrio entre os litigantes - deve, mais uma vez, ser interpretado à luz da Constituição Federal e dos limites trazidos pelo § 2º do art. 382: só não há interesse recursal para tratar de aspectos relativos à valoração da prova ou ao mérito da decisão (salvo, de novo, se isso levar à inadmissibilidade da prova ou de sua antecipação), Em último caso, se não couber recurso, haverá de caber medida impugnativa autônoma. Além disso, no curso do processo é possível, em tese, que haja atos de caráter decisório - sobre competência, composição da relação processual, de deferimento ou indeferimento de quesitos, de nomeação de perito incapaz ou suspeito, apenas para ilustrar - gerar prejuízo imediato e não apenas potencial. Eles ensejarão recurso de agravo na forma de instrumento, pela simples razão de que, como a sentença nada resolverá sobre o mérito, isso tende a tornar realmente desnecessário eventual recurso de apelação; donde não haver como concentrar a impugnação para o final. Nem seria sustentável - porque irracional - que o autor tivesse a faculdade e ônus de apelar exclusivamente para suscitar as irregularidades cometidas ao longo do processo."3 Entretanto, em recentes decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu a apresentação de recursos fora da previsão legal, conforme se depreende dos seguintes julgados: "PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - CABIMENTO DE RECURSO CONTRA DECISÃO QUE CAUSA GRAVAME À PARTE - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - Avaliação do imóvel situado na Av. Francisco Morato, São Paulo - Decisão agravada que indeferiu o pedido de complementação do laudo e de esclarecimentos do perito, considerando as avaliações particulares apresentadas pela agravante - Inconformismo da parte - Acolhimento - Pronunciamento que ostenta cunho decisório, passível de agravo de instrumento, tendo em vista que o próprio perito destacou que o método involutivo é que mais se aproxima ao valor de mercado - Agravante que tem direito aos haveres na dissolução da sociedade OTAPAN EMPRENDIMENTOS, na proporção de suas quotas sociais, levando-se em conta o valor da universalidade do patrimônio, incluindo todos os bens corpóreos e incorpóreos, ativos e passivos, a fim de que o quinhão represente, efetivamente, a participação da agravante na sociedade - RECURSO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2011569-66.2020.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/06/2020; Data de Registro: 02/07/2020) "APELAÇÃO. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. Sentença homologatória de prova pericial. Insurgência pela ré. Cabimento. Prova pericial antecipada para identificação de defeitos construtivos em imóvel. Despacho que determinou a realização da perícia e a citação da ré, sem que tenha havido efetivo cumprimento do ato citatório, efetivado após a conclusão da prova e entrega do laudo. Nulidade arguida na contestação, primeira oportunidade em que a ré falou nos autos, sem apreciação, sendo proferida sentença homologatória do laudo. Limitações à defesa e recurso (art. 382, §3º CPC) que dizem respeito ao direito material, objeto de futura demanda, mas não às condições de admissibilidade e observância a requisitos de realização da própria prova a ser antecipada. Ausência de oportunização à ré à formulação de quesitos, indicação de assistente técnico e efetivo acompanhamento à realização da perícia que resultou em violação ao devido processo legal. Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1001871-55.2016.8.26.0562; Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2020; Data de Registro: 29/06/2020) Desse modo, é de se concordar com os referidos julgados do TJSP, eis que o que não cabe em produção antecipada é a valoração da prova e recursos quanto ao resultado da prova produzida, entretanto, questões de ordem pública e quanto ao cabimento e a realização da prova devem ser passíveis de recurso, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 382, § 4º do Código de Processo Civil de 2015. ____________ 1 Cássio Scarpinella Bueno aponta que "Os Projetos do Senado (art. 368, § 4º) e da Câmara (art. 389, § 4º), contudo, previam a recorribilidade também nos casos de indeferimento parcial. Trata-se, assim, de mais um caso em que a etapa final dos trabalhos legislativos gerou inconstitucionalidade formal, porque extrapola os limites do apuro da técnica legislativa ou redacional. É o caso de aceitar, por isso, a recorribilidade em ambas as hipóteses, aplicando-se, à hipótese o inciso XIII do art. 1.015." (Novo Código de Processo Civil anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 349).2 Neste sentido é o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini em seu Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 374.3 In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.042. No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "O mesmo se diga do cabimento de recurso, sendo inadmissível tornar o juiz um pequeno soberano na produção da prova sem que exageros e/ou ilegalidades possam ser revistas pelo tribunal de segundo grau. O juiz determina a oitiva de testemunha incapaz e a parte não pode recorrer? O juiz admite a produção de prova ilícita e não há como impugnar a decisão? O juiz fixa os honorários periciais num valor estratosférico e ninguém poderá recorrer? Fica realmente difícil explicar a opção do legislador sem ofender frontalmente o princípio do contraditório. Nota-se que a previsão do art. 382, § 4º do Novo CPC prevê a irrecorribilidade de decisões proferidas na ação autônoma probatória, somente admitindo a apelação contra a sentença que inadmitir totalmente a produção da prova e com isso extinguir o processo. Nem mesmo o indeferimento parcial é recorrível, porque embora seja realizado por meio de uma decisão interlocutória de mérito se afasta a aplicação do art. 1.015, II do Novo CPC pela expressa previsão de irrecorribilidade. Como se nota, não se trata de irrecorribilidade por agravo, mas de irrecorribilidade por qualquer espécie recursal." (Manual de Direito processual Civil, 8ª ed., Salvador: Juspodvim, 2016, p.682). Já Fredie Didier Jr. discorda quanto ao não cabimento de agravo em caso de indeferimento parcial: "Se a decisão rejeitar totalmente a produção da prova, o caso é de sentença apelável - daí a expressa previsão legal. Se, porém, o requerente cumular pedidos - produção de mais de uma prova - e o juiz não admitir, por decisão interlocutória, a produção de apenas uma delas, o caso é de agravo de instrumento - está-se diante de uma decisão interlocutória de mérito (art. 1.015, II, CPC) (Produção Antecipada da Prova, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5 - Direito Probatório, coord. Marco Félix Jobim e William Santos Ferreira, 3ª ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 730). Já em sentido contrário e muito mais restritivo Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello entendem que "será impugnável por meio de agravo de instrumento decisão acerca da exibição ou posse de documento ou coisa (art. 1.015, VI, NCPC). Contra as demais decisões, cujo conteúdo não esteja relacionado no art. 1.015 do NCPC, não será cabível o agravo de instrumento. Em razão disso, sentindo-se prejudicado, o interessado poderá lançar mão de mandado de segurança contra ato judicial. Poderá, ainda, impugnar a decisão em preliminar de apelação ou contrarrazões." (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 738).
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Tema já tratado em diversas oportunidades nesta coluna diz respeito aplicação do art. 85, § 2º, do CPC/2015, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. As hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento1 de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado2. Também noutra oportunidade trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20153. Ainda, foram trazidos julgados da Primeira a Quarta Turma do STJ, assim como de inúmeras câmaras que compõe o TJSP, fortes em limitar a aplicação de honorários advocatícios por equidade restrita a hipótese do art. 85, § 8º4, sem prejuízo, ainda, do brilhante artigo do Professor Rogério Molicca destacando que, em relação à Fazenda Pública, o tema restou afetado para julgamento pela Corte Especial. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. A despeito da Primeira a Quarta Turma do STJ já haverem afastado o entendimento acima, cumpre trazer a colação recentíssimo julgado, forte em frisar que, ainda que verba honorária advocatícia reflita quantia milionária, tal circunstância não tem o condão de afastar a regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA. FIXAÇÃO EQUITATIVA. NÃO CABIMENTO. LIMITES PERCENTUAIS. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. VALOR DA CAUSA. BASE DE CÁLCULO. DECISÃO MANTIDA. 1. Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. Precedentes da Terceira e Quarta Turmas e da Segunda Seção do STJ. 2. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85] aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito". 3. No caso concreto, à míngua de provimento condenatório e de se fazer possível aferir o proveito econômico obtido pela parte vencedora, a verba honorária foi arbitrada em percentual incidente sobre o valor da causa, estipulado pela própria agravante, no percentual mínimo previsto na lei processual. 4. Agravo interno desprovido." (STJ, REsp 1.711.273/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, V.u., j. 2.7.2020) Referido julgado, por unanimidade, bem observou: "(...) Defende, outrossim, que "[r]estabelecer o comando da sentença significa condenar a ora Agravante a pagar a título de honorários sucumbenciais o montante absurdo, desarrazoado, desproporcional, kafkiano de R$ 16.800.739,60 (dezesseis milhões, oitocentos mil, setecentos e trinta e nove reais e sessenta centavos)" (e-STJ, fl. 1.058). Desenvolve argumentos no sentido de que a verba honorária arbitrada na decisão evidencia exorbitância, sobretudo ante as peculiaridades do caso concreto, em que se deu a extinção prematura do processo. Sustenta que o pagamento dessa quantia em favor de seu ex-adverso importa enriquecimento imerecido, contrariando o comando do art. 884 do CC/2002. (...) Como demonstra a decisão agravada, o entendimento ali prestigiado encontra suporte na orientação firmada em precedente da Segunda Seção do STJ, no sentido de que a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/2015 é subsidiária, somente autorizada nas hipóteses estritamente previstas no dispositivo, quais sejam "(i) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (ii) o valor da causa for muito baixo" (item 5, parte final, da ementa do acórdão proferido no citado REsp n. 1742072/PR, rel. Min. RAUL ARAÚJO). Cabe reiterar que o valor da causa foi estipulado pela própria recorrente, sendo que eventual exorbitância da verba honorária, calculada sobre a referida base de cálculo, resulta de seu próprio comportamento, agora contraditório. Não se trata, pois, de quantia exorbitante, absurda, desarrazoada ou desproporcional. O pedido formulado na inicial, por sua vez, foi de condenação da aqui agravada no pagamento da importância líquida total de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais), o mesmo valor atribuído à causa (e-STJ, fl. 30). Logo, fossem os pedidos julgados procedentes, decerto que a verba honorária devida pela agravada aos patronos da agravante seria fixada em, no mínimo, 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o que demonstra sua razoabilidade e, sobretudo, isonomia com o valor arbitrado na decisão agravada. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno." Igual entendimento restou reafirmado nos votos vistas destacados pelos Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo. Em outras palavras: a discussão é vazia e limitada sob a ótica de julgar se honorários arbitrados na cifra de R$ 168.007.396,00 (cento e sessenta e oito milhões, sete mil, trezentos e noventa e seis reais) soam ou não exorbitantes. A razão é simples, tal arbitramento decorre da regra do art. 85, § 2º, a impedir qualquer interpretação contrária a tal regra objetiva. Ademais, respeitados entendimentos em sentido contrário, não se pode fechar os olhos de que tal interpretação, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, é limitada ao deixar de considerar (e reafirmamos nesta oportunidade) que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente a pretensão autoral), que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão5; (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes por vezes são resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/2015); (iv) sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação mediante interpretação extensiva da equidade, prevista no art. 85, § 8º; (v) Até porque, o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que desnecessariamente congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não; (vi) No mais, o subjetivismo interpretativo daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição (que se espera aplicar o direito de forma uma), porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Ainda, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no art. 85, § 2º, do CPC/2015. Logo, soa acertado o julgado acima citado, ainda que logrou êxito o causídico, diante de seu labor, tornar-se credor de mais de dez milhões de reais a título de verba honorária advocatícia, porquanto dura lex, sed lex. _____________ 1 clique aqui 2 clique aqui 3 clique aqui 4 clique aqui 5 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre.
Texto de autoria de André Pagani de Souza É curioso como alguns intérpretes da lei têm a tendência de interpretar algo introduzindo na sua interpretação elementos que gostariam que existissem no texto legal, mas não existem. Inventa-se algo que não está escrito na lei, mas que se gostaria que estivesse escrito lá. Mas não está. O art. 10, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), estabelece que: "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". Por acaso, o atento leitor do parágrafo acima, conseguiu enxergar a palavra "jurídico" após a palavra "fundamento"? Pois é. Nem eu. O que se lê depois de "fundamento" é "a respeito do qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar". Pode parecer engraçado ter que explicar algo que parece óbvio, mas não é. Em julgado que passou a ser repetido recentemente - ainda bem que é só um julgado - o Superior Tribunal de Justiça introduziu uma palavra nova no art. 10 do Código de Processo Civil, logo depois de "fundamento". Trata-se da palavra "jurídico". Mas, pode isso? Claro que não. Quem fez a lei e tinha legitimidade para tanto foi o Poder Legislativo. Não cabe ao Poder Judiciário alterar a lei e introduzir nela algo que não está escrito sob o pretexto de "interpretar". Confira-se, a propósito, a ementa do julgado do Superior Tribunal de Justiça por meio do qual se colocou no art. 10 do Código de Processo Civil algo que não estava lá escrito: "RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADOTOU FUNDAMENTO DIVERSO DO ADOTADO PELA SENTENÇA, COM BASE EM NOVA SITUAÇÃO DE FATO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ART. 10 DO CPC/2015. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO PARA OITIVA DA PARTE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. "O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação -, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (EDcl no Resp n° 1.280.825/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.) 2. O art. 933 do CPC/2015, em sintonia com o multicitado art. 10, veda a decisão surpresa no âmbito dos tribunais, assinalando que, seja pela ocorrência de fato superveniente, seja por vislumbrar matéria apreciável de ofício ainda não examinada, deverá o julgador abrir vista, antes de julgar o recurso, para que as partes possam se manifestar. 3. Não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação. 4. Na hipótese, o Tribunal de origem, valendo-se de fundamento jurídico novo - prova documental de que o bem alienado fiduciariamente tinha sido arrecadado ou se encontraria em poder do devedor -, acabou incorrendo no vício da decisão surpresa, vulnerando o direito ao contraditório substancial da parte, justamente por adotar tese - consubstanciada em situação de fato - sobre a qual a parte não teve oportunidade de se manifestar, principalmente para tentar influenciar o julgamento, fazendo prova do que seria necessário para afastar o argumento que conduziu a conclusão do Tribunal a quo em sentido oposto à sua pretensão. 5. No entanto, ainda que se trate de um processo cooperativo e voltado ao contraditório efetivo, não se faz necessária a manifestação das partes quando a oitiva não puder influenciar na solução da causa ou quando o provimento lhe for favorável, notadamente em razão dos princípios da duração razoável do processo e da economia processual. 6. No presente caso, ainda que não exista prova documental sobre a localização do equipamento (se foi arrecadado ou se está em poder do devedor ou de terceiros), tal fato não tem o condão de obstaculizar o pedido de restituição, haja vista que, conforme os ditames da lei, se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, deverá o requerente receber o valor da avaliação do bem ou, em caso de venda, o respectivo preço (art. 86, I, da Lei n° 11.101/05). 7. Recurso especial provido. (REsp 1755266/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 20/11/2018, grifos nossos)". Com o devido respeito, a "interpretação" feita pelo Superior Tribunal de Justiça relativa ao art. 10 do Código de Processo Civil de 2015 não é a melhor. Não está escrito no art. 10 do Código de Processo Civil que o juiz não pode decidir com base em "fundamento jurídico" a respeito do qual não deu às partes a oportunidade de se manifestar. O que está escrito é "fundamento". E só. Se o legislador - alguém com legitimidade para criar leis e eleito por meio do voto popular para exercer sua função - quisesse delimitar que tipo de fundamento não poderia surpreender as partes em um processo civil, ele (ou ela) teriam colocado esse limite. Mas não o fizeram e não caberia ao juiz fazê-lo. Juiz não é legislador ou, pelo menos, não deveria ser, pois não foi eleito para isso, data maxima venia. O art. 10 do CPC/2015, como se sabe, tem raiz na Constituição Federal. Trata-se de concretização do Princípio do Contraditório, consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Confira-se: "LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". O Princípio do Contraditório é destinado às partes e ao juiz. As partes têm o direito de participar do processo (pedindo, alegando, provando) com oportunidades reais de influenciar no seu resultado final. O juiz, por sua vez, tem o dever de zelar para que o contraditório (e as oportunidades de participação a ele inerentes) seja garantido durante todo o curso do processo. Se o juiz não dá oportunidade para as partes se manifestarem e participarem do processo com chances concretas de influenciar no seu resultado, viola o Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Com efeito, há muito tempo, o Princípio do Contraditório não se resume apenas ao binômio informação- reação. Não basta informar a parte de que algo contra ela foi pedido perante o Poder Judiciário e dar oportunidade para ela reagir. Tem que dar para a parte reais e concretas possibilidades de participar de todo o processo e de influenciar no seu resultado. Por isso é que se procura concentrar a definição do Princípio do Contraditório em um trinômio (informação-reação-participação). Por tais razões é que, se o juiz esconde das partes aquilo que se passa pela sua cabeça, omite dos demais sujeitos do processo o enquadramento legal que pretende dar aos fatos, ele na verdade está lhes vedando a oportunidade de influência no resultado final do processo e, por consequência, negando vigência ao Princípio do Contraditório e ao inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Isso nada tem a ver com o brocardo iura novit curia. Por óbvio, o juiz sabe o direito e as leis. É dever do juiz saber as leis assim como as partes não podem alegar que desconhecem o ordenamento jurídico. Em outras palavras, o juiz pode - e deve - aplicar a lei que bem entender aos fatos que lhe são apresentados pelas partes no processo. O que o juiz não pode fazer - porque o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal não deixa - é aplicar as leis ao caso concreto sem antes dar oportunidade de as partes se manifestarem sobre o enquadramento legal que entende ser o correto e mais adequado aos fatos. E não adianta dizer que isso vai contra a "razoável duração do processo" que estaria no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, pois dar mais 15 (quinze) dias para alguém falar não vai deixar o processo mais ou menos "razoavelmente" demorado. Não é o contraditório que atrasa o processo. É a falta de técnica. Na hipótese do julgado cuja ementa foi acima transcrita, um juiz de primeiro grau viu os fatos e entendeu que a lei aplicável era uma. Já em segundo grau, o desembargador viu os mesmos fatos e entendeu que a lei aplicável era outra. Ora, se nem os membros do Poder Judiciário se entendem sobre qual é a lei aplicável em relação a determinados fatos em um processo, como é que as partes poderão participar com chances reais e concretas de influenciar no seu resultado? Todos os sujeitos do processo devem agir com lealdade para que o resultado seja o melhor possível. Assim, só há uma saída: cooperação. O juiz tem que cooperar com as partes, facilitando, na medida do possível, o cumprimento do seu papel. E as partes e seus advogados devem fazer o mesmo, cooperando com o juiz. É daí que decorre o Princípio da não-surpresa, como corolário de algo maior, que é o Princípio do Contraditório. Se continuar a ser feita essa interpretação apequenada do art. 10 do Código de Processo Civil por órgãos fracionários do STJ, mais críticas surgirão. De qualquer forma, cabe ao Supremo Tribunal Federal ser o guardião do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e não ao Superior Tribunal de Justiça. No final das constas, trata-se de uma questão Constitucional e não apenas infraconstitucional. Portanto, a última palavra ainda não foi dada e o debate está longe do fim.
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Já como consequência natural da modernização da prática de atos negociais e processuais, ganham precioso destaque temas como a validade de documentos eletrônicos, os requisitos para a utilização da assinatura no formato digital e as premissas para a segura prática de atos processuais no formato eletrônico. A relevância dos temas acima muito se potencializa em tempos de pandemia, nos quais vivemos os efeitos da Covid-19, com a necessidade de utilizarmos ferramentas digitais, plataformas que permitam a segura prática de atos processuais com o trâmite eletrônico, e adotarmos com enorme frequência os instrumentos da informática, tais como os que garantem as reuniões, audiências e julgamentos virtuais/telepresenciais. Neste cenário, merece atenção a análise de recentes julgamentos do Poder Judiciário acerca da validade do uso da assinatura digital em contratos para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1495920/DF, Terceira Turma, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018, enfrentou a questão, tendo sinalizado positivamente pela possibilidade de os contratos contarem com assinatura digital e poderem ser considerados, nesta linha, título executivo extrajudicial, para fins do artigo 784, III, do CPC/15: "RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em "numerus clausus", deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO." O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contudo, em recentes acórdãos, alerta para a necessidade de a entidade certificadora da assinatura digital ser previamente credenciada, nos termos da MP 2.200-2/2001 e da lei 11.419/2006. Em 11/4/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289091-25.2019.8.26.0000, 11ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Marino Neto, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou que: "EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL CÉDULA DE CRÉDITO CONTRATO ELETRÔNICO ENTRE PARTICULARES COM ASSINATURA DIGITAL (...)- DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE CONVERSÃO DA EXECUÇÃO PARA AÇÃO DE COBRANÇA, EM RAZÃO DA IRREGULARIDADE DA ASSINATURA DIGITAL DO TÍTULO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Assinatura digital certificada por entidade não credenciada pela autoridade certificadora - Insurgência do exequente - Alegação de higidez e segurança da assinatura - Não acolhimento - Autoridade Certificadora não credenciada no órgão competente - Artigo 1º, §2º, inciso III, alínea "a" e art. 4ª, inciso VI, da lei 11.419/2006 - Decisão mantida". Em 23/1/2020, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2289089-55.2019.8.26.0000, 14ª. Câmara de Direito Privado, tendo sido relator o Desembargador Achile Alesina, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no mesmo sentido, julgou que: "No caso vertente, em pesquisa efetuada no "site" do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, verificou-se que a entidade certificadora (...), responsável pela certificação das assinaturas digitais do contrato em causa, não consta da lista de "Entidades Credenciadas" perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil, em razão do seu descredenciamento. Tem-se, pois, que não restou demonstrada a autenticidade das assinaturas digitais imputadas ao devedor, em razão da ausência de credenciamento da entidade certificadora. E não demonstrou o agravante que o título fora emitido quanto esta estava regular. Desse modo, não há que se falar em título executivo, mostrando-se acertada a decisão proferida pela magistrada a quo, que em observância ao princípio da cooperação, determinou a conversão do feito em ação de cobrança, se assim providenciado pela parte interessada." Portanto, o Poder Judiciário já tem positivas demonstrações de que a assinatura digital pode ser adotada para fins de caracterização do preenchimento dos requisitos do artigo 784, III, do CPC/15; havendo, contudo, posições judiciais que indicam a necessidade de cautela quanto à escolha da entidade certificadora, a qual, de acordo com os julgados acima, deveria estar previamente credenciada nos termos da legislação vigente.
Texto de autoria de Rogerio Mollica Uma das maiores e mais comemoradas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), que possibilita ao sócio se manifestar previamente sobre as alegações do requerente, no prazo de 15 dias, e com ampla possibilidade probatória, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015. Por ser um instituto recente, ainda suscita muitas dúvidas, sendo que uma das principais é se haveria a condenação em honorários advocatícios em Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Em 30 de março de 2.017, o processualista e amigo André Pagani de Souza escreveu primoroso artigo nessa coluna criticando o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo1 contrário à fixação dos honorários advocatícios. Faz-se necessária a volta ao tema, eis que recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a apreciar a referida tese e decidiu, por maioria, nos seguintes termos: "RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. ART. 85, § 1º, DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Precedentes. 2. Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente. 3. Recurso especial provido." (REsp 1845536/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020) É bem verdade que sob a vigência do antigo CPC a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já havia fixado o entendimento de que "A jurisprudência desta Corte entende que a melhor exegese do § 1º. do art. 20 do CPC/1973 não permite, por ausência de previsão nele contida, a incidência de honorários advocatícios em incidente processual ou recurso"2. A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça também se baseia no entendimento de que o § 1º, do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015 traria um rol taxativo das hipóteses de cabimento da condenação em honorários advocatícios e essas hipóteses não abarcariam o IDPJ. Entretanto, trata-se, na verdade, de um rol meramente exemplificativo, considerando-se que em outras passagens do Código também é prevista a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, tais como no parágrafo único do art. 129, que trata da denunciação da lide. A doutrina vem, majoritariamente, se posicionando de forma contrária ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, pela possibilidade da condenação da parte vencida no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica ao pagamento de honorários advocatícios: "Em virtude de se tratar de exercício de direito de ação e de sua própria natureza jurídica, a decisão proferida acerca do pedido de desconsideração da personalidade jurídica exige a condenação da parte vencida ao pagamento dos ônus sucumbenciais". ( Primeiros comentários ao código de processo civil [livro eletrônico] / Teresa Arruda Alvim ... [et al.]. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020). "A desconsideração da personalidade jurídica é espécie de intervenção de terceiros que se dá por ação (art. 2.º). É indiferente que o CPC/2015 lhe atribua a terminologia de "incidente". Por suas características, parece inegável que é ação incidental - e não mero "incidente" (Luiz Henrique Volpe Camargo. In: Antônio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, p. 235). Disso resulta que a decisão que julgar a ação incidental condenará o vencido (art. 85, caput) ao pagamento das despesas processuais a favor do autor e honorários advocatícios a favor do advogado do vencedor (art. 85, caput e §14 c/c art. 23 da Lei 8.906/1994). Sendo procedente o pedido de desconsideração, caberá ao sócio (na desconsideração tradicional) ou à pessoa jurídica (na desconsideração inversa) arcar com as despesas e honorários. De outro lado, sendo improcedente o pedido de desconsideração, caberá ao autor do pedido arcar com as despesas e honorários do advogado do sócio (na desconsideração tradicional) ou da pessoa jurídica (na desconsideração inversa)". (Luiz Henrique Volpe Camargo, in Breves comentários ao código de processo civil [livro eletrônico] / coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.]. -- 2. ed. -- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). "Afinal, uma vez citado o réu, ele irá constituir advogado, ingressar no feito e, exemplificativamente, apresentar defesa para demonstrar a inexistência de atos de confusão patrimonial que justificariam a inaplicabilidade do instituto no caso concreto. Há uma decorrência lógica de que o autor, que propôs a demanda, caso derrotado, remunere as custas e os honorários advocatícios ao réu (e vice-versa)". (Christian Garcia Vieira, in Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 183). Desse modo, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça volte a analisar o tema, agora já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, e pacifique o entendimento sobre o cabimento ou não da fixação de honorários advocatícios no Incidente de Desconsideração de Demandas Repetitivas. __________ 1 Agravo de Instrumento nº 2230826-35.2016.8.26.0000 julgado, em 7/2/2017, pela 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. Cabe consignar que temos também decisões do TJ/SP favoráveis à condenação em honorários advocatícios, tal qual no Agravo de Instrumento nº 2240166-32.2018.8.26.0000 (28ª Câmara de Direito Privado) e no Agravo de Instrumento nª 2201737- 30.2017.8.26.0000 (22ª Câmara de Direito Privado) 2 EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/3/2017, DJe 5/4/2017.
quinta-feira, 4 de junho de 2020

O tratamento da astreinte na visão do STJ

Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro A multa cominatória fixada pelo juiz com vistas a compelir o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer, restou disciplinada no art. 537 do CPC/2015, de sorte que a nova redação do art. 437 (antes, art. 461-A, do CPC/73) inovou ao (i) prever a revisão do valor da multa referente as prestações vincendas (art. 537, § 1º), (ii) estabeleceu alguns critérios para a análise da revisão como a insuficiência ou quando ser tornou excessiva, assim como o exame do cumprimento parcial do devedor ou justa causa para o respectivo inadimplemento, assim como (iii) a exigibilidade imediata da multa, porém condicionado seu levantamento após trânsito em julgado da sentença favorável à parte1. Antes da vigência do CPC/2015 a Segunda Seção do STJ já havia consolidado o Tema n. 706, quando do julgamento do Recurso Especial 1333988/SP, afetado sob o rito de recurso especial repetitivo, para assim fixar a tese de que "a decisão que comina astreinte não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada". Muito embora referido tema tenha sido examinado antes da vigência do CPC/2015, tal entendimento parece ter se mantido. E, dentre as novas balizas trazidas na redação do art. 537 do CPC/2015, o tratamento dado pelo STJ ao tema vem observando outros requisitos quanto ao exame e alcance dos pleitos de revisão da astreinte. Nesse sentido colaciona-se os recentíssimos julgados a respeito do tema: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes. 3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. 4. Razoabilidade e proporcionalidade das multas cominatórias aplicadas em virtude do reiterado descumprimento de ordens judiciais. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. 6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial. Precedentes. 7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal. 8. Hipótese em que a limitação pretendida não se justifica, diante da qualificada recalcitrância da instituição financeira em promover a simples retirada do nome do autor de cadastro restritivo de crédito, associada à inadequada postura adotada durante toda a fase de cumprimento do julgado. 9. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. 10. Recurso especial não provido. (...) Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do (...) No caso em apreço, a má conduta atribuída à instituição financeira foi ainda agravada por alguns fatores, dos quais merecem ser destacados os seguintes: a) a recalcitrância perdurou pelo longo período de 27/10/2014 a 18/9/2015; b) a simples retirada do nome de uma pessoa de cadastro restritivo de crédito não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional, a justificar a exasperação do prazo concedido pelo juízo para tal providência e c) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial. Na espécie, o credor também não tinha meios de mitigar o seu próprio prejuízo, tampouco se poderia exigir do juízo a adoção de outras formas de cumprimento da obrigação. Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão manter a execução pelo valor originariamente apresentado pelo credor. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. A respeito do tema, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero assim prelecionam:"(...) A tutela jurisdicional tem de ser efetiva. Trata-se de imposição que respeita aos próprios fundamentos do Estado Constitucional, já que é facílimo perceber que a força normativa do Direito fica obviamente combalida quando esse carece de atualidade. Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica - um ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se conhece. A efetividade da tutela jurisdicional diz respeito ao resultado do processo." (Código de processo civil comentado [livro eletrônico], 6. ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 - grifou-se) Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem judicial seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses, devendo ser admitida a fixação de um teto apenas em situações excepcionais, constatadas a partir das especificidades do caso concretamente examinado. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto. (...)" (STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020, grifou-se) "RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALORES BLOQUEADOS. BACEN-JUD. TRANSFERÊNCIA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes. 3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. 4. Razoabilidade e proporcionalidade da multa cominatória aplicada em virtude do descumprimento, por 280 (duzentos e oitenta) dias, da ordem judicial de transferência de numerário bloqueado via BacenJus. 5. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que, para nela não incidir, basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. 6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial. Precedentes. 7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal. 8. O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de configurar crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto nos arts. 600 do CPC/1973 e 774 do CPC/2015. 9. Hipótese em que a desobediência à ordem judicial foi ainda agravada pelos seguintes fatores: a) a recalcitrância perdurou por 280 (duzentos e oitenta) dias; b) a instituição financeira apenada atuou de forma a obstar a efetividade de execução proposta contra empresa do seu próprio grupo econômico; c) a simples transferência de numerário entre contas-correntes não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional a justificar a exasperação do prazo de 24 (vinte e quatro) horas concedido pelo juízo e d) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial, senão que a instituição financeira confiava no afastamento da multa ou na sua redução por esta Corte Superior. 10. Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem de transferência de numerário seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses. 11. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. 12. Recurso especial de AUREO HOEFLING DE JESUS provido. 13. Recurso especial do BANCO SANTANDER parcialmente provido. (...) 5) Do valor da multa cominatória Registra-se, de início, que a pretensão de reduzir o valor da multa aplicada ao recorrente está amparada nos arts. 8º e 537, § 1º, I, do Código de Processo Civil de 2015, ao argumento de que, apesar da limitação das astreintes ao teto de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil reais), essa quantia ainda se afigura manifestamente desarrazoada. Além disso, consta do acórdão recorrido que, "a despeito de o Estado-Juiz não ter indicado o dispositivo legal, a multa em exame foi determinada sob os auspícios da lei, qual seja, o art. 461, caput, e § 5º do Código Buzaid, incidente à época dos fatos" (e-STJ fl. 1.829 - grifou-se). (...) Dito isso, cumpre asseverar que a multa cominatória, de execução indireta, é imposta para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente nas ações de obrigação de fazer ou não fazer. Em virtude da sua natureza inibitória, destina-se a impedir a violação de um direito, de forma imediata e definitiva. Logo, o valor e a periodicidade das astreintes devem ser de tal ordem que sejam hábeis a forçar o réu, em geral resistente, a cumprir a obrigação na forma específica. Ademais, por ser um instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, a decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. (...) Atualmente, a tese firmada sob a égide da legislação processual revogada conta com o respaldo do Código de Processo Civil de 2015, que assim disciplinou a matéria: "Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento." (grifou-se) A respeito do montante da multa diária, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que o valor das astreintes deve guardar relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, evitando-se, assim, o desvirtuamento da medida coercitiva, que poderia i) ser mais atrativa ao demandado, por ser a transgressão mais lucrativa que o cumprimento da obrigação (insuficiência da penalidade), ou ii) ser mais vantajosa ao demandante, que enriqueceria abruptamente às custas do réu (penalidade excessiva). Com efeito, a multa cominatória tem por finalidade constranger o devedor a adotar um comportamento tendente à implementação da obrigação, e não servir de compensação pela deliberada inadimplência. Assim, para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. A esse respeito, confiram-se: REsp nº 1.475.157/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6/10/2014, e AgRg no AREsp nº 394.283/SC, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 26/2/2016. No caso em apreço, a prestação a ser adimplida consistia na transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, equivalente a R$ 673.018,84 (seiscentos e setenta e três mil e dezoito reais e oitenta e quatro centavos), a revelar que não há desproporcionalidade na multa diária estabelecida, ao final, após a sua redução determinada em sede recursal, em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de descumprimento da ordem judicial. Não se pode olvidar que a multa cominatória, como bem observou o Ministro Sidnei Beneti no julgamento do REsp nº 1.200.856/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, "visa, em suma, a constranger o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação que lhe é imposta (em caráter liminar ou não), sob pena de, assim não o fazendo, ser obrigado a arcar com uma situação ainda mais desfavorável", funcionando, pois, como meio de coerção capaz de garantir a efetividade do processo mediante concretização da tutela específica. Ademais, a elevada quantia verificada ao final não resulta, na espécie, da desproporcionalidade da multa aplicada, mas da recalcitrância da instituição financeira demandada, que, não obstante a simplicidade da ordem judicial, optou por não lhe dar efetivo cumprimento por inacreditáveis 280 (duzentos e oitenta) dias. Mas não é só! Diante da resistência da instituição financeira em efetuar a transferência dos valores bloqueados para uma conta judicial vinculada ao juízo, o magistrado de primeiro grau de jurisdição proferiu novo despacho determinando que a penhora em dinheiro fosse efetuada por oficial de justiça, na "boca do caixa". O resultado do imbróglio daí resultante está resumido na certidão exarada pelo Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial: (...) De todo o relato apresentado, é possível concluir que, além de não haver desproporcionalidade no valor da multa aplicada, não foi ela fixada em quantia suficiente para alcançar o verdadeiro intento do instituto, seja quanto ao propósito de buscar a satisfação da tutela específica, seja quanto ao escopo de garantir plena observância ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais. A modificação do valor da multa cominatória, na espécie, serviria para incutir no recorrente a certeza de que a sua "estratégia" realmente funciona. Seria incentivar a sua conduta, com indesejados reflexos sobre a credibilidade do Poder Judiciário. Anota-se, em complemento, que a exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. No caso, uma simples ordem de transferência de numerário que não implicava sequer o imediato levantamento de valores. Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto no art. 600 do Código de Processo Civil de 1973: (...) Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão afastar o teto fixado pelo Tribunal de origem, admitindo-se o prosseguimento da execução pelo seu valor integral. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. (...)" (STJ, REsp 1840693/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020) De um lado, a revisão da astreinte ao argumento raso de que tal valor se mostra excessivo revela um incentivo ao devedor para insistir no cumprimento de sua obrigação, vez que uma vez consolidado o entendimento de que as multas vencidas não transitam em julgado, basta o devedor descumprir sua obrigação, aguardar que o montante acumulado se torne excessivo e, posteriormente socorrer-se ao órgão revisor para postular sua redução. Por outro lado, há situações também onde o credor, uma vez fixada a astreite e sua periodicidade, sequer acompanha se a obrigação foi cumprida e não informa ao juízo eventual inadimplemento. Simplesmente deixa a periodicidade da multa acumular um valor expressivo para depois vir a juízo mais interessado em receber o valor da muta do que requerer providências destinadas a forçar o cumprimento da obrigação, tal qual o uso de medidas de apoio. Ainda, é certo que há situações de abuso na fixação da multa, de sorte que o devedor acredita que tem razão e não quer, a luz do direito material, cumprir o comando jurisdicional que lhe foi imposto (mormente quando fixada em regime de tutela provisória, cuja decisão poderão em juízo de cognição exauriente, ser revista ou modificada). Recorre da decisão e assim o recorrerá enquanto lhe existir os recursos cabíveis. Em síntese, não há de se confundir abuso do direito de defesa com exercício do contraditório e ampla defesa. Os precedentes acima, ao examinar sensível tema, fixaram algumas premissas, tais como (i) a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada material, (ii) como critério de revisão, não basta a análise limitada entre a comparação do valor da obrigação e a soma da astreinte, sendo mais adequado o cotejo entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo devedor, (iii) em caráter excepcional, pode o juiz fixar um teto para cobrança da multa cominatória, (iv) há de se observar, quando da fixação da astreinte, a) o valor da obrigação e a importância do bem jurídico tutelado, b) o temo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade), c) a capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e d) a possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss). O cotejo das premissas acima não esgota a melhor análise do tema. Todavia, em vista de se consolidar o entendimento no sentido de que a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada, como forma de evitar a banalização do instituto, prudente o exame das circunstâncias supra citadas, as quais reverberam não só em critérios objetivos, mas, principalmente, na conduta tanto do credor quanto do devedor da obrigação no plano processual. __________ 1 Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. § 2º O valor da multa será devido ao exequente. § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. § 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.
quinta-feira, 28 de maio de 2020

Execução de alimentos, prisão e Covid-19

Texto de autoria de André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, o § 3º do art. 528 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que, no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, "se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão no prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". E o § 4º do mesmo dispositivo complementa que "a prisão será cumprida no regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns". Trata-se de uma mudança em relação ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) que, no § 1º do art. 733 apenas dispunha que "se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Como se percebe, não se estipulava qual deveria ser o regime da prisão e nem que o executado ser preso separadamente dos "presos comuns". Nesse ponto, é importante mencionar que o CPC/2015 acabou por superar uma dúvida que existia na vigência do CPC/1973 que dizia respeito à possibilidade de se decretar a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos que tinha origem em título extrajudicial. Para solucionar esta questão, atualmente, o parágrafo único do art. 911, do CPC/2015, admite expressamente a possibilidade de prisão prevista no art. 528, §§ 2º ao 7º, também para a execução fundada em títulos extrajudiciais do devedor de prestação de pagar alimentos. Entretanto, com a pandemia gerada pelo Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu uma "recomendação" aos magistrados relativa à prisão dos devedores de prestação alimentícia. Trata-se da Recomendação 62, de 17 de março de 2020, que "recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo". Embora tal recomendação seja predominantemente dirigida aos sistemas de justiça penal e socioeducativo, o seu art. 6º faz referência ao sistema de justiça civil. Confira-se: "Art. 6º: Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus" (grifos nossos). Não se trata de uma norma jurídica ou imposição aos magistrados, mas sim de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça que tem por objetivo reduzir riscos de que as infecções por Covid-19 se espalhem com maior velocidade, sobretudo no sistema prisional, comprometendo a integridade e a saúde de todos. Em 25 de março de 2020, poucos dias depois de ser editada a Recomendação n. 62/2020 do CNJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país os efeitos de uma liminar que garantiu prisão domiciliar aos presos nessa mesma condição (a de preso por dívida alimentícia) no estado do Ceará, em razão da pandemia de Covid-19. O pedido de extensão no habeas corpus, que tramita em segredo de Justiça, foi apresentado pela Defensoria Pública da União. As condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízes estaduais - inclusive quanto à duração -, levando em conta as medidas adotadas para a contenção da pandemia1. Em razão disso, tem havido decisões de suspensão de decreto prisional, de conversão do regime fechado para o regime domiciliar e há também Covid-19. Veja-se: "HABEAS CORPUS. Execução de alimentos. Prisão administrativa. Admissibilidade, pois decorrente do não pagamento da pensão alimentícia. No entanto, em razão do atual estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus e de modo a evitar exposição desnecessária ao risco de contaminação por Covid-19, excepcionalmente, concede-se a ordem, para suspender o decreto prisional, como medida de combate à disseminação do vírus. Ordem concedida. (TJSP; Habeas Corpus Cível 2052451-70.2020.8.26.0000; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Brodowski - Vara Única; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". "AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA/EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - Decisão que decretou a prisão civil do executado, ora agravante - Comprovação de pagamento parcial do débito - Desnecessidade de nova intimação pessoal do executado para pagamento, sendo suficiente a intimação por intermédio dos patronos constituídos no autos - Ciência inequívoca do executado acerca dos termos da execução ajuizada em abril de 2019, ante o espontâneo ingresso ao feito, em julho do mesmo ano - Débito exequendo que atende ao artigo 528, § 7º do Código de Processo Civil - Possibilidade de decreto de prisão civil do executado, que, entretanto, excepcionalmente, em virtude da pandemia do COVID-19, deve se dar em regime domiciliar - Decisão mantida - RECURSO DESPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.(TJSP; Agravo de Instrumento 2198643-06.2019.8.26.0000; Relator (a): Maria Salete Corrêa Dias; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". "HABEAS CORPUS". EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECRETO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO CITATÓRIO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 528 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SUPERVENIÊNCIA DA PANDEMIA - VÍRUS COVID 19. RECOMENDAÇÃO CNJ 62/20. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE. Embora não demonstrada ilegalidade ou abuso de poder, diante da superveniência da pandemia causada pelo vírus Covid-19 e da Recomendação CNJ nº 62/20, a execução da ordem de prisão civil do devedor de alimentos deve ser suspensa até que sejam cessadas as medidas de isolamento social determinadas pelas autoridades médicas para prevenção à propagação do vírusCovid-19. (TJSP; Habeas Corpus Cível 2004946-83.2020.8.26.0000; Relator (a): Maria do Carmo Honorio; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII - Nossa Senhora do Ó - 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 19/05/2020; Data de Registro: 19/05/2020)". Por outro lado, a depender das peculiaridades de cada caso, há decisões que decretam a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos, mesmo com a pandemia do Covid-19 em seu auge, como se pode perceber pela leitura da ementa de julgado abaixo: "EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - Decisão que indeferiu a expedição de mandado de prisão - Inconformismo da exequente - Acolhimento - Débito comprovado - Inércia do executado no pagamento do débito ou apresentação de justificava - Esgotamento das diligências para localização de bens do devedor - Cabimento da prisão - Incidência do art. 528, §§ 3º e 7º, do Código de Processo Civil e da Súmula 309 do Colendo Superior Tribunal de Justiça - Decisão reformada - Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2010707-95.2020.8.26.0000; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 15/05/2020; Data de Registro: 18/05/2020)". Portanto, enquanto durar a pandemia do Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça recomenda que, se for o caso de se decretar a prisão do devedor de obrigação de prestar alimentos, o regime a ser adotado será preferencialmente o domiciliar e não o fechado como consta do § 4º do art. 528 do CPC/2015. Ainda, a depender do "contexto local de disseminação do vírus", cuja observância é recomendada pelo art. 6º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ, o decreto prisional pode ser suspenso ou não, conforme foi visto acima. __________ 1 STJ estende liminar e concede prisão domiciliar a todos os presos por dívida alimentícia no país. (Acesso em 27/3/2020). O número do processo não foi divulgado por se tratar de "segredo de justiça".
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto O Código de Processo Civil, em seu artigo 835, parágrafo segundo, bem como a lei 13.043/2014 (artigos 9, II, e 15, I, da lei 6830/80), equiparam expressamente a fiança bancária e o seguro garantia ao dinheiro, de modo que não deveriam haver tantas polêmicas acerca da possibilidade de substituição da penhora de dinheiro pela apólice de seguro garantia; notadamente nos casos em que o seguro garantia apresenta todos os requisitos necessários para honrar devidamente o pagamento do débito reconhecido em título executivo. Neste ponto, Teresa Arruda Alvim1 é didática ao expor que: "Reside neste parágrafo segundo do art. 835 mais uma prova de que a preferência pela penhora em dinheiro não tem caráter absoluto, como dissemos ao comentarmos, em conjunto, o inc. I e o parágrafo 1. Com efeito, ao equiparar a 'dinheiro' a fiança bancária e o seguro garantia judicial, para fins de substituição da penhora, o que o Novo Código de Processo Civil visou foi assegurar ao executado o direito de substituir qualquer penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial... a jurisprudência do STJ tem reconhecido esta possibilidade, a qual está mais afinada com a busca de uma execução proporcional e equilibrada, como defendemos ao longo de nossos comentários a diversos dispositivos atinentes à execução". Na mesma linha, quanto às execuções fiscais, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.06.2019, ao julgar o REsp 1.381.254-PR, bem sinalizou que: "Assim, o dinheiro, a fiança bancária e o seguro garantia são equiparados para os fins de substituição da penhora ou mesmo para garantia do valor da dívida ativa, seja ela tributária ou não tributária, sob a ótica alinhada do § 2º do art. 835 do CPC/2015 c/c o inciso II do art. 9º da Lei n. 6.830/1980, alterado pela Lei n. 13.043/2014. Por fim, não há razão jurídica para inviabilizar a aceitação do seguro garantia judicial, porque, em virtude da natureza precária do decreto de suspensão da exigibilidade do crédito não tributário (multa administrativa), o postulante poderá solicitar a revogação do decreto suspensivo caso em algum momento não viger ou se tornar insuficiente a garantia apresentada". Entretanto, apesar da literalidade das aludidas normas, inegável é que ainda há resistência quanto ao pleito de substituição da penhora de dinheiro pelo seguro garantia, especialmente nas diferentes esferas do contencioso tributário. Por isso, merece especial destaque o recentíssimo posicionamento da 10ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2072750-68.2020.8.26.0000, ocorrido em 16.05.2020, tendo sido relator o desembargador Torres de Carvalho, no qual, em processo fiscal envolvendo a cobrança de IPVA, se autorizou a substituição do depósito de dinheiro pelo seguro garantia, em virtude do contexto de crise em que o país está inserido: "IPVA. Ação anulatória. Locadora de automóveis com sede no Estado de Minas Gerais e diversas filiais, inclusive no Estado de São Paulo. Veículo registrado em Minas Gerais, mas à disposição para locação em São Paulo. LE nº 13.296/08, art. 6º, II. Suspensão da exigibilidade. Oferecimento de seguro garantia. Necessidade de levantamento de depósito judicial, com substituição da garantia, em razão de dificuldades financeiras enfrentadas pelo estado de calamidade decretado na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus. - 1. Suspensão da exigibilidade. Seguro Garantia. Quando do ajuizamento da ação, a autora pleiteou a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mediante apresentação de seguro garantia. Após intensos debates, em 3-4-2017 a 10ª Câmara de Direito Público, no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, em readequação, definiu que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário estaria condicionada ao depósito do montante integral e em dinheiro do valor discutido nos autos. O depósito foi feito no valor de R$-2.497.709,72, com concordância do Estado. - 2. Levantamento. Vinculação. Ainda que a possibilidade de apresentação do seguro para suspender o crédito tributário tenha sido debatida no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, as circunstâncias atuais permitem nova análise, sob outra perspectiva. As dificuldades financeiras que muitas empresas estão enfrentando em decorrência das restrições impostas na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus é fato notório, assim como as consequências para as atividades relacionadas ao turismo (indiretamente vinculada à locação de automóveis). Isso, somado ao fato de que a garantia apresentada é válida, não havendo risco ao Estado, autorizam o levantamento do depósito. - Tutela indeferida. Agravo provido, com observação". Em regra, os pedidos de substituição de penhora devem observar os requisitos dos artigos 847 e 848 do CPC/15, sendo certo que o artigo 835, parágrafo segundo, do mesmo diploma, claramente equiparou a fiança bancária e a apólice de seguro ao dinheiro; permitindo-se, assim, que esses instrumentos de garantia possam ser manejados na execução, desde que observem todos os requisitos necessários para honrar o pagamento de créditos líquidos, certos e exigíveis. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1321.
Texto de autoria de Rogerio Mollica O Código de Processo Civil de 2015 acabou por manter várias prerrogativas /privilégios da Fazenda Pública em juízo. De fato, os entes públicos continuam a possuir, por exemplo, prazos diferenciados (art. 183) e as sentenças contrárias são sujeitas à Remessa Necessária (art. 496). Entretanto, um de seus grandes privilégios, que era a fixação equitativa dos honorários advocatícios, não restou acolhida pelo CPC/2015. O CPC de 1973 previa a fixação não isonômica dos honorários advocatícios, quando a Fazenda Pública participava do processo. Se a Fazenda Pública fosse vencedora, os honorários advocatícios eram fixados, segundo a norma geral, entre 10% e 20% do valor da causa. Se vencida, os honorários eram fixados de forma equitativa, o que quase sempre representava a fixação de honorários módicos em causas de valor elevado. Nestes termos era a redação do § 4º do artigo 20 do CPC de 1973: "§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior." (g.n.) O Código de Processo Civil de 2.015 veio a corrigir tal falta de isonomia ao prever que nas causas em que a Fazenda Pública fosse parte, seja ela vencedora ou vencida, os honorários seriam fixados de forma escalonada, nos termos do artigo 85, § 3º. O novo Código somente permitiu a aplicação da equidade "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (§ 8º). Basta a simples leitura do dispositivo para verificar que a aplicação da equidade na fixação dos honorários advocatícios só pode se dar para aumentar honorários que seriam irrisórios. Entretanto, muitos juízes e Tribunais passaram a entender que o previsto no § 8º teria uma mão dupla, isto é, seria aplicado para aumentar honorários irrisórios e, também, poderia ser aplicado para diminuir honorários tidos por exorbitantes1. Em artigo nessa coluna, datado de 18/4/2019, comentei sobre o julgado da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela impossibilidade da utilização do § 8º para a diminuição de honorários advocatícios tidos por exorbitantes (REsp 1.746.072/PR). Infelizmente, tal julgado não se deu sob a égide dos recursos repetitivos, sendo que tal entendimento acaba não vinculando juízes e Tribunais, que continuam diuturnamente julgando de forma contrária a tal entendimento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. O professor Daniel Penteado de Castro, em artigo publicado nessa mesma coluna na semana passada (07/05), citou julgados da Primeira2 e da Segunda3 Turmas do Superior Tribunal de Justiça, que julgam Direito Público, em consonância com o entendimento da Segunda Seção desfavorável à possibilidade de aplicação da equidade para a redução dos honorários advocatícios. Entretanto, existem julgados dessas mesmas Turmas possibilitando a aplicação equitativa também para a redução dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO MEDIANTE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ASSENTIMENTO IMEDIATO DA FAZENDA PÚBLICA EXEQUENTE. CANCELAMENTO DO DÉBITO. CONDENAÇÃO DA FAZENDA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, EM R$ 4.000,00 MEDIANTE APRECIAÇÃO EQUITATIVA. PROCESSO SENTENCIADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FUX. VALOR DO DÉBITO EXEQUENDO SUPERIOR A R$ 2.700.000,00. DESCABIMENTO DA APLICAÇÃO DO ART. 85, § 8o. DO CÓDIGO FUX, UMA VEZ QUE NÃO SE TRATA DE CAUSA DE VALOR INESTIMÁVEL OU DE PROVEITO ECONÔMICO IRRISÓRIO. NAS AÇÕES DE VALOR PREFIXADO A VERBA HONORÁRIA NÃO DEVE SER ESTABELECIDA COM A EXCLUSÃO DESSE ELEMENTO QUANTITATIVO. OBSERVÂNCIA DO ART. 1o. DO REFERIDO CÓDIGO, DE FORMA A APLICAR AO CASO CONCRETO OS VALORES DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE PARA ADEQUAR O VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À REALIDADE DO OCORRIDO NO PROCESSO. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, PARA FIXAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 1% SOBRE O VALOR DA EXECUÇÃO. 1. Em execução fiscal extinta mediante exceção de pré-executividade não resistida, e sendo cancelada a própria inscrição do crédito em dívida ativa, por já ter ocorrido a citação do devedor, é cabível a condenação da parte exequente em custas sucumbenciais e honorários advocatícios. 2. No caso presente, o proveito econômico obtido pelo contribuinte é de R$ 2.717.008,23, de acordo com a Certidão de Dívida Ativa 1.215.928.910 (fls. 1) que foi cancelada pela Fazenda Pública Paulista após a citação da parte executada em face de ter sido exibida a prova de pagamento do débito, isso em incidente de exceção pré-executividade não resistida (conforme sentença de fls. 62). 3. Nesse contexto, uma primeira apreciação da situação mostra que não cabe a aplicação do art. 85, § 8o. do Código Fux, porquanto, como se vê, não se trata de causa de valor inestimável ou de irrisório o proveito econômico obtido, tendo em vista o valor envolvido na disputa. Poder-se-ia pensar que a hipótese deveria ser regulada, quanto aos honorários, pelas regras do § 3o. do art. 85 do Código Fux, mas isso acarretaria evidente distorção na fixação da verba honorária, tendo em vista que o trabalho profissional foi daqueles que podem ser classificados como sumários, simples ou descomplicados. 4. Essa orientação se mostraria, porém, excessivamente apegada à literalidade das regras legais. Seria um demasiado amor ao formalismo, desconsiderando a pressão dos fatos processuais, em apreço ao cumprimento da lei em situação que revela a sua acintosa inadequação. 5. O art. 1o. do Código Fux orienta que o processo civil observe princípios e valores, bem como a lei, significando isso a chamada justiça no caso concreto, influenciada pelas características e peculiaridades do fato-suporte da demanda, o que deve ser adequadamente ponderado. 6. Na hipótese em exame, como dito, inobstante o valor da causa (R$ 2.717.008,23), o labor advocatício foi bastante simples e descomplicado, tendo em vista que a mera informação de pagamento de dívida tributária, moveu a Fazenda Pública exequente à extinção da própria execução; não houve recurso, não houve instrução e tudo se resolveu quase de forma conciliatória. 7. Desse modo, atentando-se para ao princípio da dita justiça no caso concreto, que deve, sempre, reger a jurisdição, ele há de prevalecer sobre outras premissas, embora igualmente prezáveis e importantes. Neste caso, em razão da baixa complexidade da causa, da curta duração do processo e da ausência de maior dilação probatória, fixa-se em 1% a verba honorária advocatícia sobre o valor da execução. 8. Recurso Especial da Empresa parcialmente provido, para condenar a parte recorrida ao pagamento de honorários advocatícios ora fixados em 1% sobre o valor da execução." (g.n.) (REsp 1771147/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/9/2019, DJe 25/9/2019) "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. 1. No regime do CPC/1973, o arbitramento da verba honorária devida pelos entes públicos era feito sempre pelo critério da equidade, tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10% estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC/1973. 2. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, passará o juízo a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, § 3º, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação de sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico obtido pela parte vencedora; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação ou não for possível identificar o proveito econômico, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no § 6º, os limites e critérios do § 3º serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária - ou seja, desvinculado dos critérios acima - , teria ficado reservado para situações de caráter excepcionalíssimo, quando "inestimável" ou "irrisório" o proveito econômico, ou quando o valor da causa se revelar "muito baixo". 3. No caso concreto, a sucumbência do ente público foi gerada pelo acolhimento da singela Exceção de Pré-Executividade, na qual apenas se informou que o débito foi pago na época adequada. 4. O Tribunal de origem fixou honorários advocatícios abaixo do valor mínimo estabelecido no art. 85, § 3º, do CPC, almejado pela recorrente, porque "o legislador pretendeu que a apreciação equitativa do Magistrado (§ 8º do art. 85) ocorresse em hipóteses tanto de proveito econômico extremamente alto ou baixo, ou inestimável" e porque "entendimento diverso implicaria ofensa aos princípios da vedação do enriquecimento sem causa, razoabilidade e proporcionalidade" (fls. 108-109, e-STJ). 5. A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC - como qualquer norma, reconheça-se - não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico. 6. Assim, o referido dispositivo legal (art. 85, § 8º, do CPC/2015) deve ser interpretado de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC/1973 (atual art. 85, § 2º, do CPC/2015). 7. Conforme bem apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observa-se, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema. 8. A linha de raciocínio acima, diga-se de passagem, é a única que confere efetividade aos princípios constitucionais da independência dos poderes e da isonomia entre as partes - com efeito, é totalmente absurdo conceber que somente a parte exequente tenha de suportar a majoração dos honorários, quando a base de cálculo dessa verba se revelar ínfima, não existindo, em contrapartida, semelhante raciocínio na hipótese em que a verba honorária se mostrar excessiva ou viabilizar enriquecimento injustificável à luz da complexidade e relevância da matéria controvertida, bem como do trabalho realizado pelo advogado. 9. A prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo "equitativo" será em si mesmo contraditório. 10. Recurso Especial não provido.' (g.n.) (REsp 1789913/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/2/2019, DJe 11/3/2019) De fato, se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Conforme já visto, o legislador houve por bem afastar a equidade nesses casos e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo. Resumindo, o legislador procurou afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios, criando critérios objetivos para tal fixação. Certa ou errada, essa foi a opção do legislador e tem de ser respeitada. Não se concordando com tal escolha, cabe unicamente a opção da alteração legislativa. Não parece correta a possibilidade de aplicação pura e simples da equidade, sem previsão legal, quando os honorários parecerem exorbitantes. De fato, prevê o parágrafo único do artigo 140 do CPC de 2015 que "O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei". Para dirimir a controvérsia sobre a matéria em análise, no final de 2.019, o Recurso Especial nº 1.644.077 / PR foi remetido para julgamento pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em "razão da relevância da questão jurídica, ou da necessidade de prevenir divergência entre as Seções" (artigo 16, IV, do Regimento Interno do STJ). Desse modo, faz-se importante que a Corte Especial pacifique o entendimento quanto à possibilidade ou não da redução dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública, por meio da aplicação da equidade, para que se tenha segurança jurídica e se evite a interposição de uma infinidade de recursos questionando unicamente a fixação dos honorários advocatícios. __________ 1 O professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP José Rogério Cruz e Tucci mostra preocupação com os honorários advocatícios exorbitantes que podem advir da aplicação do § 2º do artigo 85 do CPC: "É evidente que, como advogado militante, sempre defendi a fixação de remuneração condizente com o trabalho profissional daquele que presta serviço essencial à administração da Justiça. Mas isso não significa, como é cediço, que o advogado obtenha, pelas circunstâncias da causa, um benefício financeiro maior do que aquele litigante que teve de ajuizar uma demanda e sagrou-se parcialmente vencedor." E na sequência o professor conclui que "(...) o novo regime de sucumbência, estabelecido no Código de Processo Civil em vigor, não deve constituir obstáculo ao acesso à Justiça. Daí ser necessário o aprimoramento de um critério seguro, que contorne a interpretação literal da lei, para resolver questões excepcionais, a evitar condenações esdrúxulas, que inviabilizam o caminho da tutela jurisdicional, garantia constitucional assegurada a todo cidadão!" ("Honorários do advogado não podem suplantar benefício do vencedor", publicado no site Consultor Jurídico em 16/7/2019). 2 AgInt no REsp 1824108/DF. 3 REsp 1.820.265/SP.
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Em pretérita edição desta coluna registramos a preocupação quanto a não aplicação, em determinados julgados, do art. 85, § 2º, do CPC/2015, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Em contrapartida, as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se). A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado1. Também noutra oportunidade trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20152. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Todavia prevaleceu o entendimento posto pela Segunda Seção do STJ, no sentido de que a aplicação de equidade no arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais fica reservada a única hipótese prevista no ordenamento, qual seja, o art. 85, § 8º, não havendo espaço a qualquer interpretação quando presente a hipótese do art. 85, § 2º: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido. 2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º). 3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria. 4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). 5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. 6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido." (STJ, REsp 1746072/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 13/02/2019, DJe 29/03/2019, grifou-se) De igual modo já decidiram a Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Turmas do STJ em recentíssimos julgados: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULAS 7/STJ E 283/STF. NÃO INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 85, §§ 2º E 3º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. 1. O recurso especial preenche os requisitos constitucionais e legais exigidos para a sua admissão, na medida em que a matéria não enseja o reexame de fatos e provas, assim como o mencionado recurso impugnou todos os fundamentos que ampararam o acórdão recorrido. Não há falar, portanto, na aplicação das Súmulas 7/STJ e 283/STF. 2. "Esta Corte Superior fixou o entendimento de que, na vigência do CPC/2015, o arbitramento de honorários advocatícios por apreciação equitativa, conforme o contido no § 8º do art. 85 do CPC/2015, somente tem guarida nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, não sendo essa a hipótese dos autos" (REsp 1.820.265/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/9/2019, DJe 16/9/2019)." 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1824108/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 09/03/2020, DJe 12/03/2020, grifou-se) "PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 85, § 2º E § 3º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. I - Na origem, o contribuinte apresentou exceção de pré-executividade, requerendo a extinção da execução fiscal movida pela Fazenda Nacional, sob o argumento de que o débito ora executado estava com a sua exigibilidade suspensa antes do ajuizamento do mencionado feito executivo. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, nas causas em que a Fazenda Pública for litigante, os honorários advocatícios devem ser fixados observando-se os parâmetros estampados no art. 85, § 2º, caput e incisos I a IV, do CPC/2015 e com os percentuais delimitados no § 3º do referido dispositivo jurídico. Precedentes: REsp 1.746.072/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019; AgInt no REsp 1.665.300/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017 e REsp 1.644.846/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 31/8/2017. III - Esta Corte Superior fixou o entendimento de que, na vigência do CPC/2015, o arbitramento de honorários advocatícios por apreciação equitativa, conforme o contido no § 8º do art. 85 do CPC/2015, somente tem guarida nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, não sendo essa a hipótese dos autos. Precedentes: AgInt no AREsp 1.187.650/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 30/4/2018; REsp 1.750.763/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe 12/12/2018 e AgInt no REsp 1.736.151/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/10/2018, DJe 6/11/2018. IV - Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais obedeça aos parâmetros previstos nos § 2º e § 3º do art. 85 do CPC/2015." (STJ, REsp 1820265/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 10/09/2019, grifou-se) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO MONITÓRIA CONVERTIDA EM AÇÃO DE COBRANÇA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES PERCENTUAIS PREVISTOS NO ART. 85 DO NCPC. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO E IRREGULARIDADES NO SANEAMENTO DO PROCESSO. INOVAÇÃO RECURSAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) 3. Nos termos do art. 85, § 2º, do NCPC, o percentual de 10% a 20% deve incidir sobre o valor da condenação ou sobre o proveito econômico obtido na demanda. Apenas nos casos em que não for possível a mensuração desses valores é que a base de cálculo a ser utilizada será o valor atualizado da causa. (...) 5. Agravo interno não provido. (...) a Segunda Seção do STJ reconheceu que o art. 85, § 2º, do NCPC é regra geral obrigatória no sentido de que os honorários advocatícios devem ser fixados sobre o valor da condenação ou do proveito econômico ou, não sendo possível identificá-lo, sobre o valor da causa. Na vigência do NCPC, os honorários advocatícios devem ser fixados pela equidade apenas nas hipóteses previstas no art. 85, § 8º, ou seja, nas causas de valor inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. (...) a Segunda Seção desta Corte consignou que afasta-se a possibilidade de se fixar os honorários advocatícios com base em equidade, em virtude de "valor da causa ou proveito econômico considerado excessivo", considerando-se a existência de comando legal expresso, que é a regra geral, determinando sua fixação em percentual entre 10% e 20%, salvo nos casos expressos no art. 85, § 8º, do NCPC. (...)" (STJ, AgInt no REsp 1850746/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 25/03/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM DESFAVOR DO AUTOR. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. CRITÉRIO DE EQUIDADE PREVISTO NO ART. 85, § 8º, DO CPC/2015. DESCABIMENTO. NÃO EVIDENCIADA A OCORRÊNCIA DE NENHUMA DAS HIPÓTESES LEGAIS NO CASO. LIMITAÇÃO ENTRE OS PERCENTUAIS DE 10% E 20% QUE SE IMPÕE. ART. 85, § 2º, DO CPC/2015. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ARBITRAMENTO DA VERBA HONORÁRIA NO PERCENTUAL DE 10% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. VALOR DA CAUSA QUE REFLETE O PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO COM A PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS TERCEIRO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO NA HIPÓTESE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior preconizada pela Segunda Seção assenta que "a expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo" (REsp 1.746.072/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019). 2. A verba honorária de sucumbência devida na espécie (...) deve observar os critérios estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC/2015, que limita a discricionariedade do julgador aos percentuais de, no mínimo, 10% e, no máximo, 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa, afigurando-se indevida a utilização do critério da equidade. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime, devendo ser analisado em caso concreto o caráter abusivo ou protelatório do recurso, o que não se verifica na hipótese. 4. Agravo interno desprovido. (...) Todavia, conforme se depreende da cognição da Segunda Seção acima colacionado, o critério da equidade foi restringido pelo CPC/2015, em seu art. 85, § 8º, aplicando-se apenas às hipóteses em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pela parte vencedora seja inestimável ou irrisório, ou o valor da causa seja muito baixo. (...)" (STJ, AgInt no REsp 1854791/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 20/04/2020, DJe 24/04/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. EQUIDADE. CRITÉRIO SUBSIDIÁRIO E EXCEPCIONAL. SÚMULA 83/STJ INAFASTÁVEL. 1.O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incide, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (...) os honorários advocatícios foram fixados nos termos do artigo 85, parágrafos 2° e 11, do Código de Processo Civil. In casu, não se mostra adequado o arbitramento da condenação em honorários advocatícios por apreciação equitativa, uma vez que não é inestimável nem irrisório o proveito econômico, e o valor da causa não é muito baixo. Com efeito, consigno, dentre outras, a seguinte alteração calçada nos parágrafos do art. 85 do CPC/2015: a base de cálculo dos honorários será o valor da condenação ou do proveito econômico obtido e, no caso de não haver estes dois, poderá ser adotado o valor atualizado da causa. (...) a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma excepcional e subsidiária, sedimentando quaisquer divergências acerca do tema. Segundo o Colegiado, o CPC de 2015 reduziu as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, as quais são restritas às causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo (CPC de 2015, artigo 85, § 8º). No voto condutor do acórdão, exarado pelo Ministro Raul Araújo, consignou-se que o artigo 85, § 2º, do CPC de 2015 veicula a regra geral e obrigatória (ordem de preferência) de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados entre 10% e 20%: (i) do valor da condenação; ou (ii) do proveito econômico obtido; ou (iii), não sendo possível mensurar o proveito econômico, do valor atualizado da causa. (...) (STJ, AgInt no AREsp 1539982/DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 30/03/2020, DJe 02/04/2020, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR. 1. Consideram-se preclusas as matérias que, veiculadas no recurso especial e dirimidas na decisão agravada, não são reiteradas no agravo interno. Precedentes. 2. No julgamento do REsp nº 1746072/PR, a Segunda Seção desta Corte, em consonância com a legislação de regência, confirmou o entendimento de que os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa. 3. Agravo interno desprovido. (...) E, na linha da jurisprudência desta Casa, "O § 8º do art. 85 do NCPC somente será aplicável nas causas em que for impossível atribuir valor ao bem jurídico pleitado." (EDcl no AREsp 737.982/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 04/09/2017). Não se vislumbra, in casu, nenhuma das hipóteses previstas no § 8° do artigo 85 do CPC/15 e autorizativas da fixação dos honorários por apreciação equitativa. Assim, verifica-se que a Corte de origem, ao arbitrar a verba honorária em 10% sobre o valor da causa - fixado pelo Tribunal em R$1.277.905,22 (um milhão duzentos e setenta e sete mil novecentos e cinco reais e vinte e dois centavos), ante o acolhimento da impugnação ao valor da causa (fl. 816, e-STJ) -, decidiu de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (...)" (STJ, AgInt no REsp 1847876/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 23/03/2020, DJe 25/03/2020, grifou-se) Sem prejuízo de outros julgados do STJ à exaustão em igual sentido3 e, ainda, no âmbito da Justiça Estadual Paulista, oriundos das 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 20ª, 27ª, 31ª, 33ª, 35ª Câmaras de Direito Privado e, ainda, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial4, a recalcitrância de alguns julgados em aplicar arbitramento de honorários advocatícios por equidade nas hipóteses em que assim não previu o legislador chegou ao ponto de, recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 71, perante o Supremo Tribunal Federal. Embora referida ação tenha por objeto a declaração de constitucionalidade do art. 85, §§s 3º e 5º, do CPC/2015 (o qual estabelecem um percentual de honorários contra a fazenda pública, conforme o valor da condenação), o afastamento da aplicação de tais dispositivos se assentam na mesmíssima premissa de afastamento de aplicação do art. 85, 2º, do CPC/2015, quais sejam: Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Respeitados os entendimentos postos no raciocinou acima, não se pode fechar os olhos de que tal interpretação, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, é limitada ao deixar de considerar (e reafirmamos nesta oportunidade) que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente a pretensão autoral), que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão5; (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/2015) (iv) sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação mediante interpretação extensiva da equidade, prevista no art. 85, § 8º; (v) Até porque, o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que desnecessariamente congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não; (vi) No mais, o subjetivismo interpretativo daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição (que se espera aplicar o direito de forma uma), porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro. Por fim, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/2015. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no art. 85, § 2º, do CPC/2015. Reservadas as razões da aplicação ou relativização causídica do art. 85, § 2º, do CPC/2015, espera-se que preceda referido julgamento acompanhado da oitiva e amplo debate em colaboração para formação do precedente, levando-se em consideração não só as razões acima alinhavadas, mas também examinada a matéria sob todas as óticas e pontos de vista, a enriquecer o debate democrático frente a tema que poderá gerar incerteza e insegurança jurídica acaso decidida a questão limitada a um ou poucos fundamentos, abrindo-se uma porteira de que, "excepcionalmente", a dado caso concreto observar-se-á o dispositivo, em outro não, a refletir na indesejada quebra de isonomia, previsibilidade e segurança jurídica esperada pelo Poder Judiciário. __________ 1 Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei? 2 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema. 3 No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1557929/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 23/03/2020, DJe 26/03/2020; AgInt no REsp 1774817/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 30/03/2020; AgInt no REsp 1803723/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 23/03/2020, DJe 30/03/2020; AgInt no AREsp 1556549/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 16/03/2020, DJe 20/03/2020; AgInt no REsp 1742464/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 16/03/2020, DJe 20/03/2020; AgInt no AREsp 1504128/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/03/2020, DJe 02/04/2020; AgInt no REsp 1840691/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 09/03/2020, DJe 13/03/2020. 4 TJ/SP, Apelação Cível 1082534-14.2019.8.26.0100, Rel. A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 17/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1011344-35.2018.8.26.0032, Rel. A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 06/12/2019; TJSP, Apelação Cível 1001063-49.2019.8.26.0205, Rel. J.L. Mônaco da Silva, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 28/04/2020; TJSP, Apelação Cível 0070826-20.2011.8.26.0114, Rel. Ana Maria Baldy, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 27/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1003087-79.2018.8.26.0045, Rel. Mary Grün, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 14/04/2020; TJSP, Apelação Cível 1124192-23.2016.8.26.0100, Rel. Benedito Antonio Okuno, 8ª Câmara de Direito Privado, j. 22/04/2020, TJSP; Apelação Cível 1042954-72.2017.8.26.0576; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/02/2020; Data de Registro: 27/02/2020; TJSP, Apelação 1131155-47.2016.8.26.0100, Rel. Álvaro Torres Júnior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 13/08/2018; TJSP, Apelação Cível 1007864-80.2018.8.26.0248, Rel. Alfredo Attié, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 11/07/2016; TJSP, Apelação Cível 4001850-71.2013.8.26.0032, Rel. Antonio Rigolin, 31ª Câmara de Direito Privado, DOE 28/08/2019; TJSP, Embargos de Declaração Cível 1014974-02.2018.8.26.0032, Rel. Sá Duarte, 33ª Câmara de Direito Privado, j. 20/10/2017; TJSP, Apelação Cível 0003555-83.2018.8.26.0587, Rel. Gilson Delgado Miranda, 35ª Câmara de Direito Privado, j. 27/04/2020; TJSP, Embargos de Declaração n. 2147665-93.2017.8.26.0000, Rel. Hamid Bdine, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13/08/2018. 5 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. "O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir", tradução livre.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Como é de conhecimento geral, o § 7º do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que "a audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei". Nada foi disposto no CPC/2015 acerca da possibilidade de realização de audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Por isso, havia controvérsia sobre possibilidade de realização de audiência por videoconferência para a tentativa de conciliação das partes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Aliás, como expõe o Enunciado n. 161 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais - FONAJE, é entendimento corrente que: "Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da lei 9.099/95. Por isso, merece comemoração a entrada em vigor, nesta última segunda-feira, 27 de abril de 2020, da lei 13.994, de 2020, que "altera a lei 9.099, de 26 de setembro de 1.995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis". Ela é oriunda do PL 1.679/2019, de autoria do deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP)1. A novíssima lei 13.994/20202 inseriu os parágrafos 1º e 2º no art. 22, da lei 9.099/953, que passou a ter a seguinte redação: "Art. 22. A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. § 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo. § 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes" (grifos nossos). Também foi alterado o art. 23, da lei 9.099/1995, que dispunha que "não comparecendo o demandado, o juiz togado proferirá sentença". Agora, com a nova redação, o art. 23 da Lei dos Juizados Especiais passou a dispor o seguinte: "Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o juiz togado proferirá sentença" (grifos nossos). São duas alterações importantes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, portanto, que parecem relevantes, em uma primeira análise: (i) a permissão da realização de audiência para tentativa de conciliação não presencial, ou seja, mediante a utilização de meios tecnológicos de transmissão de vídeo e som em tempo real, como, por exemplo, videoconferência; (ii) a recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença. A primeira delas é salutar, pois a possibilidade de realização de audiência de maneira não presencial pode e deve facilitar a vida de muitas pessoas que têm dificuldades para se deslocar até a sede do juízo para tentar conciliar com a parte contrária. Veio em bom momento esta lei, considerando-se que uma das principais maneiras de se evitar a propagação do covid-19 é o distanciamento social. Resta saber qual será o software utilizado para realizar a videoconferência. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a resolução 314, de 20 de abril de 2020, que, no § 2º do art. 6º estabeleceu que: "para realização de atos virtuais por meio de videoconferência está assegurada a utilização por todos os juízes e tribunais da ferramenta Cisco Webex, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio de seu sítio eletrônico na internet (www.cnj.jus.br/plataforma-videoconferencia-nacional), nos termos do Termo de Conferência Técnica n. 007/2020, ou outra ferramenta equivalente, e cujos arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados no andamento processual, com acesso às partes e aos procuradores". Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Conselho Superior da Magistratura, editou o Provimento CSM n. 2.554/2020, de 24 de abril de 2020, que, em seu art. 2º, § 3º, prescreve que: "os atos virtuais por videoconferência serão realizados por meio da plataforma Microsoft Teams". Ao que tudo indica, cabe ao Poder Judiciário, diante da lacuna legal, estabelecer qual o software a ser utilizado para a realização das audiências de conciliação por meio de videoconferência. Espera-se que exista uniformidade, neste particular, para que o jurisdicionado não seja prejudicado. A segunda alteração que parece ser relevante diz respeito à recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença (art. 23, da lei 9.099/1995, com a redação dada pela lei 13.994/2020). Neste aspecto específico, parece, em uma primeira análise, que a lei disse menos do que deveria dizer ou não foi clara o suficiente. Há questões que podem surgir quando da aplicação do art. 23, da Lei dos Juizados Especiais, e que aparentemente estão sem resposta. Por exemplo, o que deve acontecer se o demandado comparecer na sede do juízo mas não participar da tentativa de conciliação não presencial? Ou ainda, o que deve acontecer se o demandado não participar da tentativa de conciliação não presencial porque não tem acesso à internet, computador, celular ou tablet? E se o demandado não souber como utilizar o programa Cisco Webex ou o Microsoft Teams, apenas para mencionar os softwares utilizados pelo CNJ e pelo TJ/SP? Seria razoável - e constitucional - uma sentença açodada, interpretando-se que houve recusa do demandado em participar da audiência de conciliação? Enfim, tudo indica que a novíssima lei 13.994/2020 veio em bom momento, para facilitar a solução de conflitos nos Juizados Especiais Cíveis e privilegiar as formas consensuais de solução de litígios tais como a conciliação. Melhor ainda para todos que no momento atual em que vivemos estamos praticando o distanciamento social para evitar a rápida propagação do covid-19, pois as audiências poderão ser realizadas sem que as pessoas envolvidas tenham contato físico ou tenham que se deslocar até o fórum. Porém, ainda é necessário refletir como se dará a aplicação dessa novidade legislativa na prática, quais os softwares serão utilizados, como os jurisdicionados terão acesso aos tais "recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real" e o que deve ser considerado como "recusa a participar da tentativa de conciliação não presencial", para que não sejam violadas garantias fundamentais de todo cidadão, tais como a do acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) e a da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). __________ 1 Projeto de Lei 1679, de 2019. 2 Lei 13.994, de 24 de abril de 2020. 3 Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Em 22/10/2019, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1803251/SC, da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que a ação autônoma de exibição de documentos pode ser ajuizada adotando-se o rito da produção antecipada de provas, regido no artigo 381 e seguintes do CPC/15, bem como adotando-se o rito do procedimento comum, regido no artigo 318 e seguintes do CPC/15. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO QUE SE EXAURE NA APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS APONTADOS. INTERESSE E ADEQUAÇÃO PROCESSUAIS. VERIFICAÇÃO. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM E PRODUÇÃO DE PROVA ANTECIPADA. COEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em saber se, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, é possível o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, sob o rito do procedimento comum (arts. 318 e seguintes), ou, como compreenderam as instâncias ordinárias, a referida ação deve se sujeitar, necessariamente, para efeito de adequação e interesse processual, ao disposto em relação ao "procedimento" da "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes). 2. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que não reproduziu, em seu teor, o Livro III, afeto ao Processo Cautelar, então previsto no diploma processual de 1973, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à subsistência da ação autônoma de exibição de documentos, de natureza satisfativa (e eventualmente preparatória), sobretudo diante dos novos institutos processuais que instrumentalizam o direito material à prova, entre eles, no que importa à discussão em análise, a "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes) e a "exibição incidental de documentos e coisa" (arts 496 e seguintes). 3. O Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir, em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também, diretamente, as partes envolvidas no litígio. Nesse contexto, reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si - que não se confunde com os fatos que ela se destina a demonstrar, tampouco com as consequências jurídicas daí advindas a subsidiar (ou não) outra pretensão -, a lei adjetiva civil estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, o qual pode se dar incidentalmente, no bojo de um processo já instaurado entre as partes, ou por meio de uma ação autônoma (ação probatória lato sensu). 4. Para além das situações que revelem urgência e risco à prova, a pretensão posta na ação probatória autônoma pode, eventualmente, se exaurir na produção antecipada de determinada prova (meio de produção de prova) ou na apresentação/exibição de determinado documento ou coisa (meio de prova ou meio de obtenção de prova - caráter híbrido), a permitir que a parte demandante, diante da prova produzida ou do documento ou coisa apresentada, avalie sobre a existência de um direito passível de tutela e, segundo um juízo de conveniência, promova ou não a correlata ação. 4.1 Com vistas ao exercício do direito material à prova, consistente na produção antecipada de determinada prova, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu a possibilidade de se promover ação probatória autônoma, com as finalidades devidamente especificadas no art. 381. 4.2 Revela-se possível, ainda, que o direito material à prova consista não propriamente na produção antecipada de provas, mas no direito de exigir, em razão de lei ou de contrato, a exibição de documento ou coisa - já existente/já produzida - que se encontre na posse de outrem. 4.2.1 Para essa situação, afigura-se absolutamente viável - e tecnicamente mais adequado - o manejo de ação probatória autônoma de exibição de documento ou coisa, que, na falta de regramento específico, há de observar o procedimento comum, nos termos do art. 318 do novo Código de Processo Civil, aplicando-se, no que couber, pela especificidade, o disposto nos arts. 396 e seguintes, que se reportam à exibição de documentos ou coisa incidentalmente. 4.2.2 Também aqui não se exige o requisito da urgência, tampouco o caráter preparatório a uma ação dita principal, possuindo caráter exclusivamente satisfativo, tal como a jurisprudência e a doutrina nacional há muito reconheciam na postulação de tal ação sob a égide do CPC/1973. A pretensão, como assinalado, exaure-se na apresentação do documento ou coisa, sem nenhuma vinculação, ao menos imediata, com um dito pedido principal, não havendo se falar, por isso, em presunção de veracidade na hipótese de não exibição, preservada, contudo, a possibilidade de adoção de medidas coercitivas pelo juiz. 5. Reconhece-se, assim, que a ação de exibição de documentos subjacente, promovida pelo rito comum, denota, por parte do demandante, a existência de interesse de agir, inclusive sob a vertente adequação e utilidade da via eleita. 6. Registre-se que o cabimento da ação de exibição de documentos não impede o ajuizamento de ação de produção de antecipação de provas. 7. Recurso especial provido." (g.n.). A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgInt no AREsp 1376693/SP, da relatoria do ministro Raul Araújo, já havia proclamado o mesmo entendimento: "Nos termos da jurisprudência do STJ, "Admite-se o ajuizamento de ação autônoma para a exibição de documento, com base nos arts. 381 e 396 e seguintes do CPC, ou até mesmo pelo procedimento comum, previsto nos arts. 318 e seguintes do CPC. Entendimento apoiado nos enunciados n. 119 e 129 da II Jornada de Direito Processual Civil" (REsp 1.774.987/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe de 13/11/2018)." Daniel Assumpção Neves1, nesse contexto, já defendia que: "a exibição de documento ou coisa também pode se desenvolver por meio de uma ação probatória autônoma antecedente, quando presente no caso concreto um dos requisitos previstos no art. 381 do Novo CPC". Quanto à possibilidade do manejo do rito da produção antecipada de prova, a doutrina de Fredie Didier Jr. já sinalizava que: "a exibição de coisa ou documento contra a parte adversária poderá ocorrer por ação autônoma. Seria uma ação probatória autônoma, nos termos em que autorizada pelos artigos 381-383, CPC"2. Nesse cenário, importantíssimas são as sinalizações do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, as quais, além de admitirem a adoção do rito do procedimento comum previsto no artigo 318 e seguintes do CPC/15, demonstram ser viável que a ação autônoma de exibição de documentos também seja ajuizada com base no rito do artigo 381 e seguintes do CPC/15; desde que os requisitos processuais necessários estejam devidamente preenchidos. __________ 1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. v. único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 696. 2 DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. v.2. p. 258.
Texto de autoria de Rogerio Mollica O Código de Processo Civil de 2015 foi bastante festejado por procurar limitar a jurisprudência defensiva dos Tribunais, isto é, tentar desarmar as muitas armadilhas processuais existentes, incentivando sempre o julgamento do mérito dos recursos. Um dos dispositivos mais elogiados foi o artigo 1.007, § 4º, que prevê que: "§4º O recorrente que não comprovar, no ato da interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção". O artigo 1.007 procurou minimizar os receios dos recorrentes com o recolhimento das custas, proporcionando a sua complementação caso recolhida a menor e mesmo possibilitando sanar o vício no caso de preenchimento incorreto da guia de custas. Contudo, a grande inovação se deu com o parágrafo 4º ao prever a possibilidade de recolher as custas em dobro no caso de não terem sido recolhidas anteriormente. De fato, essa parece ser a mens legis da lei, se as custas deixaram de ser recolhidas, é dada ao recorrente a possibilidade de efetuar o recolhimento em dobro de seu valor. Entretanto, a redação do dispositivo, em sua interpretação literal, parece exigir que o recolhimento ocorra em dobro, mesmo que o recolhimento tenha ocorrido quando da interposição do recurso, só tendo havido o esquecimento quanto a juntada do comprovante. Duas situações são muito comuns nessa época de recolhimentos digitais, a juntada somente do espelho da guia de custas sem o comprovante do pagamento (ou mesmo o inverso) ou a juntada de comprovante de agendamento do pagamento (dentro do prazo recursal) e não do comprovante do efetivo pagamento. Nesses casos, parece que o correto seria a intimação para a comprovação da efetivação do pagamento, nos termos do parágrafo único artigo 932, ou, no caso de não ter ocorrido o pagamento dentro do prazo recursal, para a efetivação do pagamento em dobro, nos termos do § 4º do artigo 1.007 do Código de Processo Civil de 2015. Outro não é o entendimento de Luis Guilherme Aidar Bondioli: "Desde que o pagamento das despesas relativas ao processamento do recurso tenha sido efetivamente realizado dentro do prazo para recorrer, é de se admitir a sua comprovação ulterior, mesmo após esse prazo. Isso se afina com o comando do art. 932, parágrafo único, do CPC. Afinal, falta aqui mero documento comprobatório do preparo, efetivado no seu devido tempo. Em reforço, a previsão do § 6º do art. 1.007 do CPC quanto ao "justo impedimento" para a prova do preparo, o que não deixa dúvida quanto à possibilidade de comprovação tardia nessas circunstâncias. A prova ulterior do valor recolhido no seu devido tempo, não sujeita o recorrente à sanção do recolhimento dobrado (art. 1.007, § 4º, do CPC), que deve ser reservada apenas para o caso de ausência de qualquer pagamento no prazo para recorrer"1. No mesmo sentido também é o entendimento de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: "O § 4º do art. 1.007 do CPC trata da hipótese de ausência de preparo não contemplando o caso em que o recorrente efetuou o preparo, mas não o comprovou no momento da interposição do recurso. Em tal caso, não é necessário haver recolhimento em dobro, bastando ao recorrente simplesmente comprovar que já realizou o preparo. Tal hipótese é, enfim, de comprovação no prazo de cinco dias, e não de novo recolhimento em dobro; não se trata de ausência de preparo, mas de falta de comprovação de que já foi realizado. Cabe ao recorrente simplesmente demonstrar que o preparo já havia sido feito, mas ainda não comprovado"2. Entretanto, esse não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que nos casos de esquecimento da juntada da comprovação do pagamento das custas, exige o recolhimento em dobro: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. DESERÇÃO DO RECURSO. APRESENTAÇÃO DE COMPROVANTE DE AGENDAMENTO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO PREPARO EM DOBRO. ART. 1.007, § 4º, NCPC. NÃO COMPROVAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.2. Na falta de comprovação do recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, o recorrente será intimado para realizá-lo em dobro, sob pena de deserção, nos termos do art. 1.007, § 4º, do NCPC.3. No caso dos autos, houve apenas a apresentação do comprovante de agendamento e, mesmo após a intimação, a parte deixou de realizar o recolhimento do preparo em dobro. Deserção mantida.4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.5. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp n. 1.416.009/DF, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/2/2020, DJe 19/2/2020.) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUSTAS. FALTA DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE O CÓDIGO DE BARRAS E O COMPROVANTE DE PAGAMENTO. INTIMAÇÃO NA FORMA DO ART. 1.007, § 2º, DO CPC/2015. NÃO COMPROVAÇÃO DO CORRETO RECOLHIMENTO. DESERÇÃO. SÚMULA N. 187/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias" (§ 2º do art. 1.007 do CPC/2015). 2. Mesmo após intimação da parte para regularizar o preparo recursal, o recorrente limitou-se a trazer o comprovante de pagamento referente à guia anteriormente apresentada, sem, contudo, realizar o recolhimento em dobro, nos termos do art. 1.007, § 4º, do CPC/2015, o que atrai a aplicação da Súmula n. 187/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1836633/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 26/03/2020) "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREPARO. IRREGULARIDADE. INTIMAÇÃO PARA RECOLHIMENTO EM DOBRO. ART. 1007, § 4º, DO CPC/2015. NÃO ATENDIMENTO. APLICAÇÃO DA PENA DE DESERÇÃO. 1. Nos termos do art. 1.007, § 4º, do CPC/2015, não havendo a comprovação do recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, o recorrente será intimado para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. 2. No caso dos autos, intimou-se o recorrente para efetuar o recolhimento em dobro (fl. 284, e-STJ). Contudo, ele não cumpriu corretamente a determinação, tendo em vista que após o referido despacho "limitou-se a trazer às fls. 288/290 o comprovante de pagamento referente à guia anteriormente apresentada, sem, contudo, realizar o recolhimento em dobro, nos termos do art. 1.007, § 4º do CPC (fl. 312, e-STJ). 3. Agravo Interno não provido." (AgInt no REsp 1794596/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019) Mesmo que o recolhimento tenha de ser em dobro, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a leitura literal do dispositivo pode dar a impressão que o pagamento das custas teria de ser feito pelo triplo do valor. De fato, se não comprovado o efetivo recolhimento, a parte não é intimada para comprovar o recolhimento em dobro, mas sim para recolher o valor em dobro. Nessa hipótese absurda, quem nada recolhe deve pagar em dobro e quem recolhe e não comprova é obrigado a recolher o triplo do valor. Desse modo, a única interpretação que se pode dar à necessidade do recolhimento em dobro, é a comprovação do recolhimento inicial não comprovado anteriormente mais um novo recolhimento no mesmo valor. Portanto, apesar de se discordar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cabe ao recorrente ao ser intimado, juntar a guia de custas anteriormente recorrida e providenciar novo recolhimento, comprovando assim o recolhimento em dobro exigido pelo § 4º do artigo 1.007 do Código de Processo Civil, sob pena de seu recurso ser tido como deserto. __________ 1 Comentários ao Código de Processo Civil - arts. 994 a 1.044, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 76. O autor reitera que "O texto do § 4º do art. 1.007 do CPC não pode ser tomado ao pé da letra quando fala em "não comprovar, no ato da interposição do recurso, o recolhimento do preparo" nem pode ser lido de forma isolada, sobretudo, sem considerar o art. 932, parágrafo único, do CPC. Como já dito, admite-se prova ulterior do preparo tempestivo, quer no prazo para recorrer, quer quando já esgotado este (supra n. 66). Assim, é para a hipótese de ausência absoluta do pagamento das despesas recursais no prazo para recorrer, e não de mera falta de comprovação, que fica reservada a pena do recolhimento dobrado". (p.81) 2 Curso de Direito Processual Civil, 15ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 158.
Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro Em meio a realidade permanente do processo eletrônico (ao passo em que os tradicionais autos físicos paulatinamente caminham para as prateleiras dos museus), a expectativa legítima do jurisdicionado sempre o foi de confiar nas informações constantes (i) nos autos eletrônicos (estes, numerados em fls. ou atos processuais, consoante sistema eletrônico adotado pelo respectivo tribunal) e, via reflexa, (ii) nos dados apontados quando da consulta de determinado andamento processual (onde se verifica uma síntese dos andamentos ali cadastrados, datas de juntada de mandados e veiculação de intimações na imprensa oficial, etc.), base de dados esta que vem sendo utilizadas para a otimização de trabalhos e agendamento de prazos1. Inobstante o silogismo acima, certo é o firmamento de jurisprudência destinada a não entender a configuração de justa causa a informação equivocada lançada no andamento de determinado processo, em especial para efeito do cômputo de prazos processuais. Vale dizer, ainda que cadastrada equivocada informação no andamento de dado processo, tal erro (por vezes cadastrada por um servidor público) não é escusável para justificar eventual prejuízo sofrido pela parte que baseou o cômputo de determinado prazo com base na aludida informação. Todavia, recentemente a Corte Especial do STJ reafirmou entendimento havido há sete anos atrás. Originariamente, a Terceira Turma do STJ, manteve a intempestividade de Recurso Especial, ao fundamento de que as informações constantes do andamento processual, disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal a quo, seriam meramente informativas, razão pela qual não poderiam ser utilizadas para prorrogação ou devolução do prazo recursal. Sobreveio o manejo de agravo de despacho denegatório, seguido de agravo interno, todos denegados. Somente quando da interposição de embargos de divergência, desta feita a Corte Especial houve por modificar seu entendimento, consoante síntese abaixo: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. ANDAMENTO PROCESSUAL DISPONIBILIZADO PELA INTERNET. VENCIMENTO DO PRAZO RECURSAL INDICADO DE FORMA EQUIVOCADA NO ANDAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ERRO ALHEIO À VONTADE DA PARTE. CONSIDERAÇÃO PARA FINS DA CONTAGEM DE PRAZO. POSSIBILIDADE. JUSTA CAUSA PARA PRORROGAÇÃO DO PRAZO RECURSAL. ART. 183, §§ 1º E 2º, DO CPC/1973. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário. Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte. (REsp 1324432/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2012, DJe 10/05/2013). 2. Embargos de divergência providos." (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 688.615 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., DJE 9/3/2020, grifou-se) As razões do voto condutor prosseguem: "(...) O acórdão paradigma, proferido pela Corte Especial no REsp nº 1.324.432/SC, admitiu o uso das informações constantes do andamento processual disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de origem para aferição da tempestividade quando constatado erro na informação divulgada, hipótese em que se faz presente a justa causa para prorrogação do prazo, conforme regra prevista no art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança. (...) Eis a ementa do julgado: 'PROCESSUAL CIVIL. ANDAMENTO PROCESSUAL DISPONIBILIZADO PELA INTERNET. CONTAGEM DE PRAZO. BOA-FÉ. ART. 183, §§ 1º E 2º, DO CPC. APLICAÇÃO. 1. Hipótese em que as instâncias de origem entenderam que os Embargos à Execução são intempestivos, desconsiderando a data indicada no acompanhamento processual disponível na internet. 2. A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário. 3. Ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte. 4. A Terceira Turma do STJ vem adotando essa orientação, com base não apenas no art. 183 do CPC, mas também na própria Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), por conta das "Informações processuais veiculadas na página eletrônica dos tribunais que, após o advento da Lei n.º 11.419/06, são consideradas oficiais" (trecho do voto condutor do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 960.280/RS, DJe 14.6.2011). 5. Não desconheço os precedentes em sentido contrário da Corte Especial que são adotados em julgados de outros colegiados do STJ, inclusive da Segunda Turma. 6. Ocorre que o julgado mais recente da Corte Especial é de 29.6.2007 (AgRg nos EREsp 514.412/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.8.2007), como consta do Comparativo de Jurisprudência do STJ. 7. Parece-me que a ampliação constante do uso da internet pelos operadores do Direito, especialmente em relação aos informativos de andamento processual colocados à disposição pelos Tribunais, sugere a revisão desse entendimento, em atenção à boa-fé objetiva que deve orientar a relação entre o Poder Público e os cidadãos, acolhida pela previsão do art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC. 8. Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam "meramente informativos" e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante (art. 183, caput, do CPC), induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal. 9. Recurso Especial provido. (REsp 1324432/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2012, DJe 10/05/2013). No presente caso, o acórdão proferido nos embargos de declaração foi publicado em 24/11/2014 (e-STJ fl. 265), iniciando-se o prazo para a interposição do recurso especial em 25/11/2014, com término no dia 09/12/2014. Entretanto, o Tribunal de origem indicou no andamento processual dos embargos de declaração o vencimento do prazo no dia 10/12/2014, conforme andamento juntado quando da interposição do agravo regimental e acostado às e-STJ fls. 335/336. Nota-se, pois, que a informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal de origem pode ter induzido a erro a parte ora embargante, não sendo razoável que seja prejudicada por fato alheio a sua vontade. Logo, deve ser admitido, de forma excepcional, a informação constante do andamento processual disponibilizado pelo Tribunal de origem para aferição da tempestividade do recurso, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança. Diante do exposto, dou provimento aos embargos de divergência para reconhecer a tempestividade do recurso especial interposto, determinando-se a devolução dos autos à Terceira Turma para prosseguimento na análise do recurso. (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 688.615 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., DJE 9/3/2020, grifou-se) O entendimento acima, portanto, revela a confiança legítima que deve ser posta no conteúdo das informações lançadas quando do cadastro de todo e qualquer andamento processual, posicionamento este que não foi reconhecido em segundo grau de jurisdição, tampouco quando da interposição de recurso especial, muito menos de seguido agravo contra despacho denegatório, malogrado, ainda, o agravo interno tido como penúltimo recurso interposto. Somente quando da interposição de derradeiros embargos de divergência a parte logrou o reconhecimento de justa causa apta a legitimar a tempestividade do recurso especial interposto. Logo, malgrada a festejada decisão acima, em termos práticos de rigor a prudência de conferência das informações constantes não só no andamento processual, mas também mediante consulta dos próprios autos eletrônicos em si, sob pena do jurisdicionado correr toda a via crucis recursal acima sintetizada, na expectativa, ainda, de aplicação do recente entendimento reafirmado pela Corte Especial. __________ 1 Diversos softwares e meios de atualização de acompanhamento processual agendam prazos, audiências e muitas providências com base na pesquisa limitada ao "andamento processual" e não na consulta do conteúdo dos autos eletrônicos em si.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Em artigo anterior publicado nesta coluna, foi apresentado o resultado do julgamento realizado em 5/2/2020 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a Reclamação n. 36.476/SP1. Por maioria, em conformidade com o voto da ministra relatora Nancy Andrighi, foi firmado o entendimento de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo. O julgamento tratou da interpretação do art. 988, do CPC (lei 13.105/2015), que estabelece em seu inciso IV que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência", conforme redação dada pela lei 13.256/2016. O voto vencedor da ministra relatora levou em consideração que, originalmente, a redação do inciso IV do art. 988 do CPC, nos termos da lei 13.105/2015, era a seguinte: "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência" (grifos nossos). No entendimento da maioria dos ministros da Corte Especial do STJ, a mudança inserida no inciso IV do art. 988 do CPC pela lei 13.256/2016 não foi por acaso: no texto anterior era cabível a reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos e no texto atual ela somente é admissível para garantir observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC). Em outras palavras, o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos foi retirado de maneira proposital e consciente do inciso IV do art. 988 do CPC e, por assim ser, não deve ser admitido nesta hipótese. Esta foi a posição majoritária e vencedora adotada pela ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Humberto Martins, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão. Cabe agora apresentar a posição vencida, sustentada pelos ministros Og Fernandes, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo. Para tanto, basta ler trecho do voto-vista do Min. Og Fernandes, dada a sua clareza: "(...) divirjo do voto da em. Relatora para assentar a viabilidade da reclamação como instrumento hábil para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos especiais repetitivos, desde que esgotadas as instâncias ordinárias, nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do Código de Processo Civil, tratando-se, pois, de mecanismo fundamental, pelo menos por ora, para o próprio sistema de precedentes estabelecido pelo legislador (...)". A propósito, cumpre lembrar que o art. 988, § 5º, II, do CPC, estabelece que é inadmissível a reclamação "proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias". A contrario sensu, portanto, caberia reclamação se esgotadas as instâncias ordinárias. Ou seja, a interpretação realizada pelo ministro Og Fernandes é a de que, se forem esgotadas as instâncias ordinárias, caberá reclamação para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos. Para tanto, segue o Ministro, "(...) O esgotamento das instâncias ordinárias pressupõe a interposição de agravo interno em face do pronunciamento do Tribunal de origem, conforme disposições do art. 1.030, § 2º, c/c o art. 988, § 5º, II, todos do CPC". Portanto, no entender da minoria formada por ocasião do julgamento da Reclamação n. 36.476/SP pela Corte Especial do STJ, caso a presidência de um Tribunal local não admita um recurso especial por entender que o acórdão impugnado está em harmonia com um tema firmado pela Corte Superior por meio da sistemática de julgamento de recursos repetitivos, a parte que se sentir prejudicada deve interpor o recurso de agravo interno a que se refere o § 2º do art. 1.030 do CPC para demonstrar que esgotou as instâncias ordinárias e depois deve ajuizar a reclamação nos termos do autorizado pelo inciso II do § 5º do art. 988 do mesmo diploma legal. Tal entendimento é baseado em sólida doutrina, podendo-se destacar a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: "Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias ordinárias, art. 988, § 5º, II, CPC/2015) e de jurisprudência vinculante" ("Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, Vol. XV, p. 140"). Diante disso, é importante registrar o entendimento que acabou por vencido em 5/2/2020 no âmbito da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que cabe reclamação para garantir a correta aplicação de tese firmada pelo STJ por meio da sistemática de julgamentos de recursos repetitivos nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do CPC, desde que esgotadas as instâncias ordinárias com a interposição do agravo interno a que se refere o art. 1.030, §2º, do mesmo diploma legal. Entretanto, vale lembrar que, por ora, o entendimento que prevalece - por maioria - no âmbito do STJ é aquele indicado no início deste texto: o de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo, mesmo que esgotadas as instâncias ordinárias. __________ 1 Fonte: STJ
Elias Marques de Medeiros Neto A Disregard Doctrine tem grande influência do jurista alemão Rolf Serick, autor da teoria denominada "durchgriff der juristichen personen" - penetração na pessoa jurídica. Segundo ele, as seguintes diretrizes devem ser observadas: A) desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando esta for abusivamente manipulada para desonrar obrigações legais ou contratuais, lesando terceiros; e B) o princípio da independência da pessoa jurídica em relação aos seus sócios deve prevalecer, só devendo ser afastado nas situações acima descritas. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aquela que permite ao magistrado desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus membros, sempre que ocorra, no caso concreto, fraude e abuso de direito. No Brasil, o instituto em tela guarda previsão no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990), no artigo 34 da lei 12.529/2011, no artigo 4º da lei 9.605/1998, no artigo 50 do Código Civil de 2002 e no artigo 14 da lei 12.846/2013. A recente edição da lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o artigo 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no artigo 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos". "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ("CDC"), bem como o artigo 4º da lei de proteção ao meio ambiente, por sua vez, avançam em relação à teoria clássica, sendo reflexos da chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Aqui se defende a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica apenas com a prova da insolvência da empresa, somada com a existência de um dano efetivo ao consumidor e/ou ao meio ambiente. É bem de ver que, além do caput do artigo 28 do CDC ir além da teoria clássica de Rolf Serick, permitindo hipóteses de incidência da Disregard Doctrine mais amplas que as do artigo 50 do Código Civil, é certo que o parágrafo quinto do aludido artigo, assim como o referido artigo 4 da lei de proteção ao meio ambiente, apresentam o simples requisito de demonstração de que a pessoa jurídica seria, de alguma forma, obstáculo para a defesa dos direitos a serem tutelados; no caso, dos consumidores e/ou do meio ambiente. E exatamente na linha do caput do artigo 28 do CDC, segue o artigo 34 da Lei nº 12.529/2011: "Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." E o artigo 14 da lei 12.846/2013, no âmbito de combate aos atos ilícitos de corrupção, prevê que: "A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa". Historicamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já bem diferenciou a aplicação das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica. Veja-se que, em regra, nos feitos meramente cíveis, não basta a prova da insolvência da sociedade. Os demais requisitos do artigo 50 do Código Civil devem estar presentes (encerramento irregular das atividades, confusão patrimonial, desvio de finalidade, dentre outros). No ordenamento pátrio ainda existem outras previsões no Código Tributário Nacional e na Consolidação das Leis do Trabalho, havendo dúvidas doutrinárias, todavia, quanto à sua genuína classificação como hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. O Código Tributário Nacional prevê, em seu artigo 135, que: "Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado" (CTN). E a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com a recente reforma ocorrida através da lei 13.467/17, estabelece em seu artigo 2º que: "§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes." (NR) Ao longo dos séculos de desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inegável é que as polêmicas e dúvidas não se restringiram ao campo do direito material. E, em síntese, os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil/2015 trazem algumas soluções procedimentais para encerrar polêmicas que se arrastavam há anos nos pretórios, tais como: (i) a impossibilidade de se decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica; (ii) a possibilidade de se aplicar o instituto, através da formação de um incidente, na fase de execução, assim como em outras fases processuais; (iii) a necessidade de uma prévia dilação probatória para se averiguar a existência dos requisitos para a aplicação do instituto, sendo certo que as pessoas a serem atingidas com a desconsideração deverão ser citadas para se defender neste incidente processual; (iv) possibilidade de manejo do agravo de instrumento; e (v) possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa. O Código de Processo Civil, ainda, em seu artigo 674, parágrafo segundo, III, claramente admite o manejo dos embargos de terceiro por parte do sócio e/ou administrador que venham a sofrer constrição de seus bens em processo do qual originalmente não eram parte; sinalizando, contudo, para o manejo dos embargos do devedor quando o sócio e/ou o administrador tiverem participado do processo e/ou do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Rogerio Mollica Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi a previsão do artigo 90, § 4º quanto a redução pela metade dos honorários advocatícios no caso do réu reconhecer a procedência do pedido e imediatamente cumprir a prestação reconhecida: "§ 4º - Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade". Nesses 4 anos de vigência do Código de Processo Civil parece ter se consolidado o entendimento de que tal previsão só seria cabível na fase de conhecimento do processo1. Uma dúvida que surgiu desde o início da vigência do novo Código foi se o referido benefício seria aplicável aos Entes Públicos em Juízo. De fato, é notório que os Entes Públicos não podem cumprir imediatamente suas obrigações de pagar, eis que os valores precisam ser incluídos no orçamento do ano seguinte e são pagos via ofícios Precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV), nos termos do artigo 100 da Constituição Federal. Portanto, mesmo que o Ente Público reconheça a procedência do pedido, não pode cumprir imediatamente a prestação reconhecida quanto ao pagamento de quantia. Por ser uma impossibilidade advinda da própria Constituição muito se questionou se a redução seria aplicável no caso do reconhecimento, com a expedição do Precatório/RPV. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que tal benefício não seria aplicável nos seguintes termos: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FAZENDA PÚBLICA. TÍTULO FORMADO EM AÇÃO COLETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. ART. 90, § 4º, DO CPC.IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabimento da redução prevista no artigo 90, § 4º do Código de Processo Civil de 2015 para os honorários advocatícios, ainda que o cumprimento de sentença não seja impugnado nem embargado. Precedente da Corte Especial.2. A redução dos honorários pela metade somente se justifica quando o réu, além de reconhecer a procedência do pedido, cumprir prontamente a prestação, o que não ocorre nas ações contra a Fazenda Pública, eis que sujeita a procedimento especial.3. Agravo de instrumento provido." (g.n.) (TRF4, AG 5040252-49.2016.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, julgado em 09/05/2017) Instado a se manifestar sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça decidiu da mesma forma, conforme se extraí da ementa de seu recentíssimo julgado: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO DE HONORÁRIOS PELA METADE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NÃO IMPUGNADO. ART. 90, § 4º, DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA. ART. 85, § 7º, DO CPC/2015. NORMA INCOMPATÍVEL COM A SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS. INCIDÊNCIA DE HONORÁRIOS. RECURSO REPETITIVO. TEMA 973. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se a previsão do § 4º do art. 90 do CPC/2015 se aplica aos cumprimentos de sentença não impugnados, total ou parcialmente, pela Fazenda Pública. 2. Da análise sistemática do diploma legal, verifica-se não haver espaço para a incidência da norma em comento no cumprimento de sentença, pois a aplicação de dispositivos legais relativos ao procedimento comum nos procedimentos especiais e no processo de execução é expressamente subsidiária, nos termos do parágrafo único do art. 318 do Código de Ritos. 3. Com relação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, há previsão específica de isenção de honorários em caso de ausência de impugnação, qual seja, o § 7º do art. 85 do CPC/2015. Portanto, o próprio Código de Processo Civil rege a hipótese de ausência de impugnação, não havendo de se cogitar a aplicação de outra disposição normativa de forma subsidiária. 4. Por outro lado, deve-se ressaltar que a previsão legal é incompatível com o procedimento de execução ao qual está sujeita a Fazenda Pública, por não haver possibilidade de adimplemento simultâneo da dívida reconhecida, ante a necessidade de expedição de precatório ou requisição de pequeno valor. 5. Não assiste razão à autarquia recorrente em pretender obter o mesmo benefício dos particulares. Primeiro, porque os entes públicos já possuem prerrogativas constitucionais e legais que os colocam em situação favorável em relação aos particulares. Segundo, porque o art. 90, § 4º, do CPC/2015 não se aplica ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, tendo em vista a existência de norma específica que isenta o executado do pagamento de honorários, em caso de pagamento voluntário do débito no prazo legal de 15 (quinze) dias (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015). 6. Impende ainda destacar que a Corte Especial, no julgamento do REsp 1.648.238/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, estabeleceu que o art. 85, § 7º, do CPC/2015 não afasta a aplicação do entendimento consolidado na Súmula 345 do STJ, de modo que são devidos honorários advocatícios nos procedimentos individuais de cumprimento de sentença decorrente de ação coletiva, ainda que não impugnados e promovidos em litisconsórcio. 7. Recurso especial a que se nega provimento". (g.n.) (REsp 1691843/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020) É de se concordar com o entendimento dos referidos Tribunais, eis que a lei prevê dois requisitos para a aplicação do benefício da redução dos honorários pela metade, o reconhecimento do pedido e o imediato cumprimento da obrigação. Não havendo o imediato cumprimento da obrigação de pagar quantia, não há que se falar na redução, sob pena de se criar mais um privilégio/prerrogativa para os Entes Públicos em juízo. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 236). Nesse mesmo diapasão é o entendimento do Enunciado nº 10 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: "o benefício do § 4º do art. 90 do CPC aplica-se apenas à fase de conhecimento".
Daniel Penteado de Castro Já foi abordado nesta coluna em outras oportunidades a aceitação pelos tribunais do cabimento de agravo de instrumento como meio de impugnação de decisão judicial em hipóteses além das previstas no rol taxativo do art. 1.015, do CPC, tal como decidido quanto decisões ligadas a (i) definição de competência (ii) decisões relativas à produção de provas1, assim como arbitramento de honorários periciais2 (iii) quando demonstrado risco de perecimento do direito3 assim como (iv) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução4. Em continuidade, quando do julgamento Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), decidiu a Corte Especial do STJ, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Frente ao quanto decidido acima em dezembro de 2.018, emergiram entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros e (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo - intervenção de terceiro e competência - é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: (i) o exame do elemento que prepondera na decisão; (ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; (iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: (i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; (ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado - se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; (iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 6- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019) "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFINE COMO CONSUMERISTA A RELAÇÃO JURÍDICA MANTIDA ENTRE AS PARTES E AFASTA A TESE DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, II, DO CPC/2015. MÉRITO DO PROCESSO. CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. CABIMENTO QUE ABRANGE AS DECISÕES PARCIAIS DE MÉRITO, AS DECISÕES ELENCADAS NO ART. 487 DO CPC/2015 E AS DEMAIS QUE DIGAM RESPEITO A SUBSTÂNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO. ENQUADRAMENTO FÁTICO-NORMATIVO DA RELAÇÃO DE DIREITO SUBSTANCIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA AO MÉRITO, SALVO SE DELA DECORRER UMA QUESTÃO DE MÉRITO, COMO O PRAZO PRESCRICIONAL À LUZ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NECESSIDADE DE EXAME CONJUNTO. 1- Ação proposta em 17/04/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2017 e atribuído à Relatora em 18/10/2017. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da controvérsia e afasta a prescrição com base nessa regra jurídica. 3- Embora se trate de conceito jurídico indeterminado, a decisão interlocutória que versa sobre mérito do processo que justifica o cabimento do recurso de agravo de instrumento fundado no art. 1.015, II, do CPC/2015, é aquela que: (i) resolve algum dos pedidos cumulados ou parcela de único pedido suscetível de decomposição, que caracterizam a decisão parcial de mérito; (ii) possui conteúdo que se amolda às demais hipóteses previstas no art. 487 do CPC/2015; ou (iii) diga respeito a substância da pretensão processual deduzida pela parte em juízo, ainda que não expressamente tipificada na lista do art. 487 do CPC. 4- O simples enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes, por si só, não diz respeito ao mérito do processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que poderão influenciar o resultado da controvérsia, mas, se a partir da subsunção entre fato e norma, houver pronunciamento judicial também sobre questão de mérito, como é a prescrição da pretensão deduzida pela parte, a definição da lei aplicável à espécie se incorpora ao mérito do processo, na medida em que não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil, devendo ambas as questões, na hipótese, ser examinadas conjuntamente. 5- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019) Em derradeira oportunidade comentamos outros julgados, após a consolidação do Tema 988/STJ, que afastaram o cabimento do recurso de agravo além das hipóteses taxativas previstas no art. 1.015, do CPC5. Ao que parecia haver colocado fim a questão no que toca ao cabimento do recurso de agravo, desta feita o STJ afetou três novos Recursos Especiais em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (REsp 1717213/MT, REsp 1707066/MT e REsp 1712231/MT). Incorporado ao Tema/Repetitivo n. 1.022, o STJ fixou a seguinte controvérsia submetida a julgamento: "Definir se é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em processo de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na lei 11.101/2005". Muito embora o art. 189, da lei 11.101/2005 assegure a aplicação subsidiária, no que couber, do Código de Processo Civil, sem prejuízo da decisão do REsp 1702725/RJ ao fixar a tese da "taxatividade mitigada" (Tema 988/STJ), quando da proposta de afetação acima, houve a distinção entre o quanto decidido pela Corte Especial e, de outra banda, o recurso de agravo tirado de processo sob o regime da recuperação judicial: "(...) 1. DA DISTINÇÃO ENTRE A PRESENTE CONTROVÉRSIA E AQUESTÃO VERSADA NO TEMA 988/STJ A questão jurídica delimitada para a apreciação da e. Corte Especial no Tema 988/STJ foi a seguinte: fixar a "natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e [verificar a] possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal" (Tema 988/STJ, REsp 1704520/MT, DJe 19/12/2018). Na ocasião, foi examinada a proposição segundo a qual, a despeito da enumeração aparentemente exaustiva do art. 1.015, seria possível extrair do sistema do Código de Processo a orientação geral de que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento se sujeitariam a uma dinâmica de relativa abertura. Essa tese foi acolhida pela Corte Especial, que reconheceu que a pedra angular da recorribilidade imediata das interlocutórias no sistema recursal do Código de Processo Civil consiste na regra da taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. Realmente, a partir de interpretação sistemática do novo CPC, a Corte Especial definiu que a essência do cabimento do agravo está pautada em critério objetivo, relacionado à urgência do provimento jurisdicional, que, por sua vez, "decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação" e a partir do que seria possível "a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias [...] sempre em caráter excepcional [...], independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações" (Tema 988/STJ, REsp 1704520/MT, Corte Especial, DJe 19/12/2018, sem destaque no original). Na ocasião, portanto, o labor da Corte Especial se concentrou exclusivamente sob a interpretação do sistema procedimental e recursal das regras gerais do CPC/15, não tendo sido enfrentado o cabimento do agravo em procedimentos especiais e seus sistemas recursais específicos. Há, portanto, nítido distinguishing com a tese firmada no Tema 988/STJ, haja vista a questão jurídica dos recursos especiais ora em análise se referir à matéria dos processos falimentares e recuperacionais, procedimento especial regido por sistema recursal próprio, no qual a averiguação do cabimento do agravo de instrumento envolve o exame de fatores diversos. Essa circunstância foi bem averiguada em recente julgado da e. Terceira Turma, no qual se destacou que "a lei 11.101/2005 tem normas de direito material e processual, instituindo um regime recursal próprio" (REsp 1786524/SE, Terceira Turma, DJe 29/04/2019, sem destaque no original), caracterizado pela aplicação apenas subsidiária das disposições gerais do Código de Processo Civil, conforme disposto pelo art. 189 da lei 11.101/05. Na mesma linha, julgado proferido pela e. 4ª Turma também reconheceu a distinção de objetos entre a questão jurídica ora em exame e aquela enfrentada pelo Tema 988/STJ, identificando que o propósito recursal dos recursos em tela é "definir se os ditames do CPC/2015, de forma supletiva, poderão ser aplicáveis, e em que extensão, ao sistema recursal da recuperação judicial" (REsp 1722866/MT, Quarta Turma, DJe 19/10/2018). Assim, por envolverem o exame de sistema recursal específico, os questionamentos suscitados nos presentes recursos não podem ser submetidos à aplicação imediata da solução preconizada no Tema 988/STJ. Dessa forma, como a questão aqui analisada possui contornos próprios e relaciona-se a campo peculiar de atuação, é necessário definir qual tratamento jurídico particular para o cabimento do agravo de instrumento no sistema processual da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, o que, por si só, já é suficiente para ensejar novo pronunciamento jurisdicional dessa Corte." (REsp 1.717.213/MT, Segunda Seção, Decisão de Proposta de Afetação para julgamento em sede de recurso especial repetitivo, DJe 23.09.2019) Portanto, alertado fica o jurisdicionado que, (i) malgrado o rol taxativo do art. 1.015 do CPC quanto ao cabimento do recurso de agravo, (ii) sem prejuízo do quanto decidido quando do julgamento do Tema 188/STJ ao inaugurar a denominada tese da "taxatividade mitigada", (iii) desta feita caberá ao STJ fixar nova tese (e de espectro de incidência distintos, nos dizeres da r. decisão acima), se cabe ou não o recurso de agravo a ser manejado contra decisões interlocutórias proferidas em processo de recuperação judicial e falência. Dúvida que fica ao novo capítulo de tormentosa controvérsia reside em saber se os fundamentos empregados para referendar a aludida "taxatividade mitigada" comunicar-se-ão, ou não, no bojo do procedimento previsto na lei 11.101/2005, a revelar nítida distinção entre o direito material e solução jurídica desenhada pelo direito processual. __________ 1 Agravo de Instrumento - Recentes julgados que autorizam a interposição do agravo de instrumento contra decisões referentes à competência. 2 O agravo de instrumento e os honorários periciais. 3 Recentes posições do Tribunal de Justiça de São Paulo relativizando o rol do artigo 1015 do CPC/15. 4 Agravo de instrumento de decisões proferidas nos embargos à execução. 5 Taxatividade mitigada quanto ao cabimento do recurso de agravo de instrumento: Novas decisões do STJ.
Texto de autoria de André Pagani de Souza Como se sabe, o art. 988, do CPC (Lei 13.105/15), estabelece em seu inciso IV que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência", conforme redação dada pela lei n. 13.256/2016. Originalmente, a redação do inciso IV do art. 988 do CPC, tinha a seguinte redação conferida pela Lei n. 13.105/2015: "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência" (grifos nossos). A mudança inserida no inciso IV do art. 988 do CPC pela lei 13.256/16 não foi por acaso: no texto anterior era cabível a reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos e no texto atual ela somente é admissível para garantir observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC). Em outras palavras, o IRDR é espécie do gênero "precedentes proferidos em julgamentos de casos repetitivos". Basta pensar na hipótese de um recurso especial julgado pelo STJ na forma do art. 1.036 e seguintes do CPC, que é outra espécie do gênero "precedentes proferidos em julgamentos de casos repetitivos" e que não se confunde com o entendimento de um determinado tribunal firmado por meio de IRDR. Portanto, na redação atual do inciso IV do art. 988 do CPC (conferida pela lei 13.256/15), não se admite a reclamação para controlar a aplicação feita por um Tribunal local ou Tribunal Regional Federal de um tema firmado por meio da sistemática do julgamento dos recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Para melhor entendimento do que se acabou de afirmar, basta pensar em um acórdão proferido pelo TJ/SP que foi impugnado por um recurso especial (REsp) e a presidência da referida Corte não admitiu o referido recurso porque entendeu que ele está em harmonia com o Tema 658 firmado pelo STJ ao apreciar o REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos. Dessa decisão de inadmissão do REsp proferida pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cabe agravo interno nos termos do § 2º do art. 1.030 do CPC, a ser julgado pela Câmara Especial de Presidentes do TJ/SP. No exemplo acima fornecido, não caberá reclamação a ser proposta perante o STJ caso se entenda que o TJSP aplicou erroneamente o Tema 658 ao caso concreto com base no inciso IV do art. 988 do CPC exatamente porque tal dispositivo apenas admite a propositura de reclamação na hipótese de erro na aplicação de IRDR e IAC. Assim, caso a Câmara Especial de Presidentes do TJ/SP negue provimento ao agravo interno do art. 1.030, § 2º, não caberá reclamação. Quando muito, após o trânsito em julgado da decisão de mérito, caberá ação rescisória com fundamento no art. 966, § 5º, do CPC. Nesse sentido é que decidiu recentemente a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao examinar um caso idêntico ao do exemplo acima, em sessão de julgamento de 5/2/20, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita da decisão que julgou extinta sem resolução de mérito a reclamação 36.476/SP: "RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658). 2. Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de "casos repetitivos", os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos. 3. Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/15, o art. 988, IV, foi modificado pela lei 13.256/16: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de "casos repetitivos" foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele. 4. Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma lei 13.256/16, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade - consistente no esgotamento das instâncias ordinárias - à hipótese que acabara de excluir. 5. Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do CPC, com a redação dada pela lei 13.256/16, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação. 6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a lei 13.256/16 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição. 7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios. 8. Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto. 9. Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/15. 10. Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito." Diante disso, conforme a decisão acima referida da Corte Especial do STJ, ainda que por maioria de votos, está reduzido o cabimento da reclamação a que se refere o art. 988, inciso IV, do CPC. Assim, uma fez fixado o entendimento do STJ sobre determinado tema repetitivo, caberá aos tribunais inferiores e os juízes aplicarem tal entendimento e também controlarem tal aplicação. Se houver erro, restará aos inconformados e prejudicados a via da ação rescisória (CPC, art. 966, inciso V, § 5º).
Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto Sempre defendi que o magistrado que declarasse a ilicitude de determinada prova não deveria proferir a sentença, dado que teve contato com a prova considerada ilícita. Portanto, em muito boa hora veio a alteração da redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, cujo parágrafo quinto passa a prever que: "O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão". Excelente iniciativa do legislador, que coroa o sistema constitucional e processual brasileiro que prestigia o princípio da proibição da prova ilícita. O direito à produção da prova não pode ser absoluto, devendo ser limitado pela proibição ao uso da prova ilícita (art.5º, LVI, da Magna Carta). E isso como respeito ao próprio devido processo legal e em nome da adequada efetividade do processo. Mauro Cappelletti1, em brilhante estudo sobre o tema, na mesma vertente, já ministrou que: "Também uma moderna concepção probatória, segundo a qual todos os elementos de prova relevantes para a decisão deveriam poder ser submetidos à valoração crítica do juiz, admite, no entanto, hipóteses em que o direito à prova pode ceder frente a outros valores, em especial se estão garantidos constitucionalmente". Neste contexto, como já tivemos a oportunidade de defender, "é certo admitir que garantias constitucionais como a do devido processo legal, a da adequada tutela jurisdicional e a da não admissão da prova ilícita (arts. 5º, XXXV, LIV, LV e LVI, da Magna Carta) devem conviver e constituem uma espécie de limitador ao livre uso da prova no processo civil"2. Hernando Devis Echandia3, na mesma linha, enfatiza a necessidade de o direito à prova sofrer limitações diante da proibição ao uso da prova ilícita. Atualmente, a proibição da prova ilícita está refletida no art.5º, LVI, da Magna Carta, e no art. 369 do Código de Processo Civil; regras estas que estampam importante restrição ao livre exercício do direito à prova no processo civil brasileiro. O sistema probatório brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, de tal sorte que todo e qualquer instrumento de prova pode ser admitido no processo (arts. 155 do Código de Processo Penal e 369 do Código de Processo Civil). Mas o próprio art. 369 do Código de Processo Civil apresenta um grande limitador a essa liberdade probatória, o qual é justamente o da proibição ao uso da prova ilícita. Paulo Osternack do Amaral4, acerca do tema, bem ministra que "o ordenamento jurídico brasileiro veda o aproveitamento no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF/1988, art. 5, LVI). Trata-se da imposição pela constituição de um limite moral ao direito à prova, que norteia a conduta das partes e a atividade do juiz no processo. O código de processo civil contemplou em sede infraconstitucional a proibição de provas ilícitas a contrario sensu, ao admitir a produção de provas atípicas desde que sejam legais e moralmente legítimas". Mas o que é prova ilícita? Luiz Guilherme Marinoni5 define prova ilícita como: "A prova é ilícita quando viola uma norma, seja de direito material, seja de direito processual". João Batista Lopes assevera que a expressão "provas ilícitas" pode ser entendida em sentido lato, quando forem tais provas contrárias à Constituição, à legislação e aos bons costumes; e em sentido estrito, quando tais provas violem disposições legais, inclusive a Constituição. O mestre ainda aponta a existência de uma terceira corrente, que vincula as provas ilícitas à violação de direitos constitucionais essenciais6. O art. 157 do Código de Processo Penal nos apresenta uma definição de prova ilícita, a qual seria aquela que viola disposições legais e/ou constitucionais. Acerca da proibição constitucional da prova ilícita, Julio Fabbrini Mirabete7 leciona que: "Cortando cerce qualquer discussão a respeito da admissibilidade ou não de provas ilícitas em juízo, a Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Deu o legislador razão à corrente doutrinária que sustentava não ser possível ao juiz colocar como fundamento da sentença prova obtida ilicitamente. A partir da vigência da nova carta magna, pode-se afirmar que são totalmente inadmissíveis no processo civil e penal, tanto as provas ilegítimas, proibidas pelas normas de direito processual, quanto às provas ilícitas, obtidas com violação das normas de direito material. Estão assim proibidas as provas obtidas com violação de correspondência, de transmissão telegráfica e de dados, e com captação não autorizada judicialmente das conversas telefônicas (artigo 5, XII); com violação do domicílio, exceto nas hipóteses de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou determinação judicial (artigo 5, XI); com violação da intimidade, como as fonográficas, de fitas gravadas de contatos em caráter privado e sigiloso (art. 5, X); com abuso de poder, como a tortura, p.ex., com a prática de outros ilícitos penais, como furto, apropriação indébita, violação de sigilo profissional, etc...". Sobre o mandamento constitucional do art. 5º, LVI, Nelson Nery Jr. observa que sua aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo8; sendo certo que sua inobservância gera nulidade processual9. Neste passo, com claros efeitos no processo civil, relevantíssima é a alteração da redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, através da recente lei 13.964/2019, a qual prescreve que o magistrado que decretar a ilicitude de determinada prova não deverá proferir a sentença; em estreita homenagem aos princípios que regem o devido processo legal, e dentre eles o importante e relevante princípio da proibição da prova ilícita. A alteração em comento garante que o magistrado que proferir a sentença estará isento dos efeitos do contato com a informação contida na prova ilícita, em linha, portanto, com uma harmônica proteção ao princípio consagrado no inciso LVI do artigo 5º. da Magna Carta. Claro, todavia, que o parágrafo quinto do artigo 157 do Código de Processo Penal, em sua nova redação, não deverá ser considerado nas hipóteses em que o principio da proporcionalidade for adequadamente aplicado, em consonância com o que a doutrina e a jurisprudência, em hipóteses excepcionais, autorizam para os fins de relativizar os efeitos da proibição da prova ilícita em homenagem à proteção de um bem constitucionalmente mais relevante. Sérgio Shimura10, sobre o tema, leciona que basicamente duas correntes surgem diante da proibição da prova ilícita: (i) a que defende a vedação absoluta de tal prova; e (ii) a que adota o princípio da proporcionalidade, a qual busca verificar qual é o interesse que deve predominar em determinado caso, com vistas a se admitir, ou não, prova obtida por meio ilícito. Confira-se: "Uma primeira corrente (proibitiva ou obstativa) pugna pela vedação absoluta da prova ilegal ou obtida por meio ilícito. O fundamento dessa posição deita raízes nos direitos e garantias individuais, como o direito à intimidade, honra, imagem, domicílio, sigilo de correspondência e de comunicações. Uma segunda corrente, mais flexível, vale-se do princípio da proporcionalidade, conhecida como a do interesse predominante, admitindo a prova, conquanto ilícita ou ilegal, tudo a depender dos valores jurídicos e morais em discussão no caso concreto". Sobre o tema, Ada Pelegrini Grinover11 bem ministra que: "A teoria hoje predominante da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita, baseando no equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes". O princípio da proporcionalidade é apontado, assim, como o mecanismo pelo qual, no caso concreto, o magistrado poderá ponderar entre os valores constitucionalmente garantidos, podendo fazer uma escolha que acarretará, ou não, na mitigação da regra de não admissão da prova ilícita. Porém, como assevera Luiz Guilherme Marinoni12, a prova ilícita somente pode ser admitida em casos excepcionais, após a devida incidência do princípio da proporcionalidade, e somente quando for a única maneira de se tutelar bem maior. Teresa Arruda Alvim13, neste contexto, admite a relativização da ilicitude da prova para a proteção de direitos que envolvem menores: "A CF repele a prova obtida por meio ilícito. Enquadram-se, aí, as provas colhidas sem observância ao direito à inviolabilidade da intimidade, imagem, domicilio e correspondência, que é assegurado constitucionalmente. Assim, é ilícita a interceptação por terceiro de conversa telefônica, bem como de correspondência alheia, para utilizá-la no processo civil, ou a oitiva de testemunha mediante coação moral. Consideram-se lícitas, porém, a gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, ou a apresentação em juízo de correspondência de que a parte é destinatária, ou ainda a apreensão de computador que compõe o patrimônio público, para fins de apuração de ato de improbidade. Em razão do princípio da confidencialidade, que rege tanto a conciliação, quanto à mediação, considera-se ilícita a apresentação nos autos de documentos obtidos durante as audiências realizadas na tentativa de autocomposição entre as partes. Há controvérsia a respeito do aproveitamento da prova ilícita. Há aqueles que a inadmitem em qualquer hipótese, sustentando que sua ilicitude contaminaria o resultado do processo e as demais provas obtidas licitamente. Outros entendem que se deve punir a parte pelo cometimento do ilícito na obtenção da prova, mas aproveitá-la em razão do seu conteúdo, fazendo prevalecer, aos direitos individuais, o interesse público na efetividade do processo. E, por sua vez, há uma terceira corrente que adota posição intermediária, a que aderimos. Segundo esta, aquele que violou direito material para conseguir a prova ilícita deve responder pelo ato praticado, mas a prova deverá ser aproveitada, desde que confiável (não tenha sido obtida mediante tortura, uso de drogas, coação moral, por exemplo), inexistam outros meios de prova, e estejam em jogo interesses relevantes - como os que envolvem menores - que se sobreponham à violação da privacidade". A aplicação do princípio da proporcionalidade deve sempre ser excepcional e realmente justificada em casos concretos onde, de fato, a admissão de uma prova ilícita poderá garantir direito constitucional inequivocamente mais importante; e que de outra forma, sem tal prova, não poderia ser tutelado. Para as hipóteses de aplicação do princípio da proporcionalidade, a orientação do parágrafo quinto do artigo 157 do Código de Processo Penal, em sua nova redação, não poderá ser considerada. __________ 1 Cappelletti, Mauro. Processo, ideologia e sociedade. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa,1974. p. 560. 2 Medeiros Neto, Elias Marques de. Proibição da prova ilícita no processo civil brasileiro. São Paulo: Fiuza. 2010. p. 13. 3 Echandia, Hernando Devis. Pruebas ilícitas. Revista de Processo 32. Ano VIII. 1983. p. 83. 4 Amaral, Paulo Osternack. Provas. São Paulo: RT, 2015. p. 190. 5 Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 325. 6 Lopes, João Batista. Ob. Cit. p. 96. 7 Mirabete, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 8ª. Edição, 1997. p. 260 e 261. 8 Nery Jr., Nelson. Ob. Cit. p. 196. No mesmo sentido: Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 644. 9 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São Paulo: RT, 2007. 10 Shimura, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. In: Oliveira Neto, Olavo de; e Castro Lopes, Maria Elizabeth de (Coord.). Ob. Cit. p. 264. 11 Grinover, Ada Pellegrini; Fernandes, Antonio Scarance; Gomes Filho, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros, 3ª. Edição, 1993. p. 115 12 Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p. 327. 13 Wambier, Teresa Arruda Alvim; Conceição, Maria Lucia Lins; Ribeiro; Leonardo Ferres da Silva; e Mello, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 710.