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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
O art. 655-B, do CPC/73 autorizava a penhora de bem indivisível, a assegurar a meação do cônjuge alheio à execução sobre o produto obtido com a alienação do bem1. O CPC/2015 aperfeiçoou tal regra por força do art. 843, para assegurar (i) não só a meação do cônjuge, mas também a quota-parte do coproprietário alheio à execução. Ainda, o (ii) § 2º do novel dispositivo passou a prever que o ato de expropriação sobre o bem indivisível não se materializará em valor inferior a avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário2. Em outras palavras, se o imóvel que o devedor detém 30% restar penhorado (sendo 70% pertencente a terceiro, alheio à execução), e avaliada a integralidade do bem em 100, a expropriação patrimonial há de respeitar a integralidade da avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário. Logo, referido bem não poderá ser alienado por menos de 70, em relação a quota-parte do coproprietário. Questão recentemente examinada pelo STJ diz respeito a fração da penhora do bem indivisível. Vale dizer, na medida em que autorizada a venda forçada da integralidade do bem (e sobre referido produto há de se assegurar a quota-parte devida ao coproprietário, alheio à execução), emergiu a controvérsia se aludida penhora há de incidir sobre a totalidade do bem (daí contemplando a quota-parte tanto do terceiro quanto do devedor) ou somente sobre o percentual de propriedade do devedor. Nesse sentido decidiu a terceira turma do E. STJ: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM IMÓVEL INDIVISÍVEL EM REGIME DE COPROPRIEDADE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM POR INTEIRO. POSSIBILIDADE. ART. 843 DO CPC/2015. CONSTRIÇÃO. LIMITES. QUOTA-PARTE TITULARIZADA PELO DEVEDOR. 1. Cumprimento de sentença em 10/04/2013. Recurso especial interposto em 01/04/2019 e concluso ao gabinete em 21/08/2019. 2. O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor. 3. O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar da penhora e alienação judicial de bem indivisível, ampliou o regime anteriormente previsto no CPC/1973. 4. Sob o novo quadro normativo, é autorizada a alienação judicial do bem indivisível, em sua integralidade, em qualquer hipótese de copropriedade. Ademais, resguarda-se ao coproprietário alheio à execução o direito de preferência na arrematação do bem ou, caso não o queira, a compensação financeira pela sua quota-parte, agora apurada segundo o valor da avaliação, não mais sobre o preço obtido na alienação judicial (art. 843 do CPC/15). 5. Nesse novo regramento, a oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou coproprietário que não seja devedor nem responsável pelo adimplemento da obrigação se tornou despicienda, na medida em que a lei os confere proteção automática. Basta, de fato, que sejam oportunamente intimados da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do CPC/15, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório. 6. Ainda, a fim de que seja plenamente resguardado o interesse do coproprietário do bem indivisível alheio à execução, a própria penhora não pode avançar sobre o seu quinhão, devendo ficar adstrita à quota-parte titularizada pelo devedor. 7. Com efeito, a penhora é um ato de afetação, por meio do qual são individualizados, apreendidos e depositados bens do devedor, que ficarão à disposição do órgão judicial para realizar o objetivo da execução, que é a satisfação do credor. 8. Trata-se, pois, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor, que, à toda evidência, não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados. 9. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se) O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou: "(...) O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor. (...) 3. À época, a solução legal se focou na questão do devedor casado, incorporando-se ao CPC/73 o art. 655-B, que passou a autorizar a alienação, por inteiro, do bem indivisível de propriedade comum do devedor e seu cônjuge, protegendo-se a meação deste ao lhe ser destinado parte do valor auferido com a venda. 4. Veja-se o que dispunha o artigo: "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem". 5. Consoante elucida a doutrina, o objetivo da norma em comento foi, à toda evidência, o de estimular a aquisição do bem indivisível no procedimento de alienação judicial, haja vista que a alternativa - qual seja, a criação de um condomínio entre o cônjuge alheio à execução e o adquirente - despertaria pouco ou quase nenhum interesse entre possíveis licitantes. (...) 8. Sob o mesmo móvel de proporcionar mais efetividade à execução, ao passo em que se concilia o interesse de quem dela não participa, o Código de Processo Civil de 2015 conservou a norma ora em análise, e, indo além, a ampliou, a fim de abranger outras situações condominiais que não aquela decorrente do regime de casamento. 9. Com efeito, atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem. (...) 11. É de se notar, aliás, que o novo diploma processual, para além de estender as hipóteses em que admitida a expropriação de bem indiviso quando há coproprietário alheio à execução, também reforçou a proteção a esse terceiro que não é devedor nem responsável pelo pagamento do débito. 12. Por um lado, a Lei agora expressamente garante ao coproprietário direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua propriedade mediante a compensação financeira (§ 1º). 13. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no regime anterior. 14. Deveras, como já se pronunciou essa Corte, "essa nova disposição legal (...) amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado" (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019, grifou-se). (...) 22. Entrementes, impõe destacar que o pleno resguardo do interesse do coproprietário do bem indivisível - inclusive para o fim de tornar  desnecessária a oposição de embargos de terceiro -, exige, também, que a própria penhora não avance sobre seu quinhão, limitando-se à quota-parte titularizada pelo devedor. 23. De fato, não se pode olvidar que "a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440, grifou-se). 24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução. Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor. 25. Nessa ordem de ideias, é indubitável que esse gravame judicial não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados. 26. Daí porque, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora deve cingir-se à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do credor. 27. Ao coproprietário do bem indivisível até pode ser imposta a extinção do condomínio e a conversão de seu direito real de propriedade pelo equivalente em dinheiro - como visto, por uma necessidade de conferir eficiência ao processo executivo -, porém, até que isso ocorra, quando ultimada a alienação judicial, sua parcela do bem deve permanecer livre e desembaraçada. 28. Em resumo, como afirma Humberto THEODORO JÚNIOR, "a penhora (...) não vai além da quota ideal do executado. O imóvel é alienado judicialmente por inteiro, como meio de liquidar a quota penhorada" (op. cit., p. 512). (...) 33. Como se observa, entendeu o Tribunal de origem que o fato de a penhora ter recaído apenas sobre a quota-parte da executada constituiria óbice à posterior alienação judicial do bem em sua integralidade. 34. Ocorre que, consoante discorrido neste voto, outra não poderia ser a extensão da penhora que não a precisa parcela pertencente à devedora. 35. Com efeito, como apenas o quinhão desta responde pela presente execução, não poderia a penhora recair sobre o bem por inteiro, porquanto isso implicaria injusto e desnecessário gravame à quota da coproprietária, até que fosse efetivada a alienação judicial e, com isso, se lhe entregasse o equivalente monetário. 36. Dessa maneira, não subsiste, na espécie, o mencionado impedimento à alienação do imóvel como um todo, sendo de rigor, portanto, o acolhimento do presente recurso especial. (...)" (STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se). Portanto, a despeito da ausência de previsão legal quanto a controvérsia ora posta, a interpretação dada pela terceira turma do STJ (i) autoriza a penhora limitada ao quinhão pertencente ao devedor, (ii) muito embora, quando da alienação judicial, esta terá o efeito de contemplar a integralidade do bem penhorado, a daí também englobar a quota-parte do coproprietário alheio à execução, assegurado ao mesmo o recebimento integral de seu respectivo quinhão, na proporção da avaliação judicial. __________ 1 "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem."  2 "§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação."
quinta-feira, 27 de maio de 2021

Impenhorabilidade de salário

Como se sabe, o "caput" do art. 649 do Código de Processo Civil, de 1973 (CPC/1973), assim dispunha: "Art. 649. São absolutamente impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo colocava os "salários" nesse rol. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, de 2015 (CPC/2015), o art. 833, passou a dispor o seguinte: "Art. 833. São impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo continuou a inserir os "salários" na lista dos bens impenhoráveis. Não precisa ser muito atento para notar que, de 1973 para 2015, foi retirada a palavra "absolutamente" do "caput" da lista das impenhorabilidades do Código de Processo Civil (CPC). Isso não passou despercebido pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto que a Corte Especial, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp n. 1.582.475/MG, autorizou a penhora de 30% (trinta por cento) do salário de um servidor público executado que tinha renda mensal de R$ 33.153,04, mas se recusava a pagar ao exequente (credor de uma verba não alimentar) o que lhe era devido. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS.CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018)". Com efeito, há, de um lado, o direito fundamental do devedor de ter sua dignidade respeitada e não perder o seu único meio de subsistência. Porém, de outro lado, não menos importante, há o direito fundamental do credor à tutela executiva. Conforme muito bem observado pelo Ministro Relator do acórdão cuja ementa foi acima transcrita "(...) Caso se afirmasse que os vencimentos do devedor, nestes autos, são 100% impenhoráveis, estar-se-ia chancelando o comportamento de qualquer pessoa que, sendo servidor público, assalariado ou aposentado, ainda que fosse muito bem remunerada, gastasse todas as suas rendas e deixasse de pagar todas as suas dívidas, sem qualquer justificativa (...)". Está aí a importância da retirada da palavra "absolutamente" da afirmação constante no art. 833, inciso IV, do CPC/2015: o salário não é 100% (cem por cento) impenhorável. Em outras palavras, o salário não é absolutamente impenhorável. Também o credor tem direito a uma vida digna e isso inclui o direito à uma tutela executiva efetiva. Não podemos nos esquecer que os credores também podem estar passando por uma situação de necessidade - ainda mais durante essa pandemia do COVID-19 - e não apenas os devedores. Assim, é difícil sustentar hoje em dia que haveria bens absolutamente ou 100% impenhoráveis no art. 833, do CPC/2015 à luz da jurisprudência e da própria realidade em que estamos vivendo.
Em 6/4/2021, o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") enfrentou novamente a questão dos requisitos necessários para a aplicação das medidas executivas atípicas previstas no artigo 139, IV, do CPC/15. Naquele julgamento, a 3ª. Turma do STJ, ao apreciar o REsp 1896421 / SP, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, entendeu que as medidas atípicas devem ser subsidiariamente aplicadas, sendo condicionadas à presença de indícios de que exista patrimônio penhorável, além da necessidade de o magistrado aplicá-las com a observância dos princípios da proporcionalidade, motivação e contraditório. Veja-se:  "2. O propósito recursal é definir se é possível, na hipótese, a adoção de medidas executivas atípicas pelo juiz condutor do processo. 3. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 4. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 7. Situação concreta em que as circunstâncias definidas neste julgamento não foram devidamente sopesadas pelo Tribunal de origem, sendo de rigor a reforma do julgado". Adotando linha semelhante, em 10/05/2021, no julgamento do AgInt no AREsp 1752004 / PR, a 3ª. Turma do STJ, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, entendeu que não seria cabível a aplicação de medidas executivas atípicas em caso concreto no qual não se demonstrou o requisito de ocultação de bens por parte do devedor, bem como não se mostrava eficiente ou efetiva a aplicação das medidas pretendidas para fins de obtenção do almejado pagamento. Veja-se: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. SUSPENSÃO DA CNH E CARTÃO DE CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DE MANOBRAS PARA O DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. AUSÊNCIA DE EFETIVIDADE AO CUMPRIMENTO DO CRÉDITO BUSCADO. MEDIDAS ATÍPICAS INCABÍVEIS NO CASO CONCRETO. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO." De igual modo, em 29.03.2021, no julgamento do AgInt no REsp 1799638 / SP, a mesma 3ª. Turma do STJ, tendo aqui sido relator o Ministro Moura Ribeiro, enfatizou que são requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15: "i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica deve ser utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do contraditório e o postulado da proporcionalidade". De alguma maneira, vale dizer, os julgados acima se alinham com a parcela da doutrina que já alertava sobre cuidados necessários para a adoção das medidas executivas atípicas em nosso sistema processual. Teresa Arruda Alvim1 enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória".  Flávio Luiz Yarshell2, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Na medida em que o Supremo Tribunal Federal enfrentará em breve a relevante questão da constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15 (ADI 5941), as recentes posições da 3ª Turma do STJ certamente ganham relevante destaque para auxiliar no necessário norte de como compatibilizar o referido dispositivo processual com as normas fundamentais do nosso diploma processual.  __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
O artigo 535 traz as regras da impugnação à execução/cumprimento de sentença por parte da Fazenda Pública e repete vários dispositivos presentes no artigo 525, que trata do tema em relação aos particulares. Desse modo, o artigo 535, § 2º, do Código de Processo Civil, praticamente repete as disposições do artigo 525, § 4º e 5º, ao prever: "§ 2º Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição". A comprovação desde logo do valor do excesso se mostra importante para evitar alegações meramente protelatórias e para possibilitar o prosseguimento do feito em relação ao valor incontroverso. A existência de tal previsão também para a Fazenda Pública foi saudada pela doutrina1 , eis que sob a égide do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça havia firmado entendimento que a referida exigência não poderia ser oposta à Fazenda Pública. E com a previsão expressa do artigo 535, § 2º, do CPC estaria superado tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça2-3, firmado nos autos do RESP nº 1.387.248/SC4, julgado como repetitivo. Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça voltou a relativizar a previsão legal e possibilitar a juntada posterior dos cálculos por parte da Fazenda Pública: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE CÁLCULOS. ART. 535, § 2º, DO CPC. CONCESSÃO DE PRAZO PARA O MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Em regra, a ausência de indicação do valor que a Fazenda Pública entende como devido na impugnação enseja o não conhecimento da arguição de excesso, por existência de previsão legal específica nesse sentido (art. 535, § 2º, do CPC). 2. No entanto, tal previsão legal não afasta o poder-dever de o magistrado averiguar a exatidão dos cálculos à luz do título judicial que lastreia o cumprimento de sentença, quando verificar a possibilidade de existência de excesso de execução. Precedentes. 3. Em que pese ao fundamento utilizado pelo acórdão para a concessão de prazo para a apresentação da planilha de cálculos ter sido a deficiência no corpo de servidores da respectiva procuradoria, a posição firmada no acórdão recorrido encontra-se dentro das atribuições do órgão julgador em prezar pela regularidade da execução. 4. Nesse sentido, se é cabível a remessa dos autos à contadoria do juízo para a verificação dos cálculos, é razoável a concessão de prazo para apresentação da respectiva planilha pela Fazenda Pública, documento que pode inclusive vir a facilitar o trabalho daquele órgão auxiliar em eventual necessidade de manifestação. Precedente (REsp 1726382/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 24/05/2018). 5. Recurso especial a que se nega provimento." (Recurso Especial nº 1887589 /GO, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, v.u., julgado em 06/04/2021) Da fundamentação do referido julgado cabe destacar o seguinte trecho: "Assim, em regra, a ausência de indicação do valor que a Fazenda Pública entende como devido na impugnação enseja o não conhecimento da arguição de excesso, por existência de previsão legal específica nesse sentido (art. 535, §2º, do CPC). No entanto, tal previsão legal não afasta o poder-dever de o magistrado averiguar a exatidão dos cálculos à luz do título judicial que lastreia o cumprimento de sentença, quando verificar a possibilidade de existência de excesso de execução. Tal entendimento encontra respaldo inclusive no próprio Código de Ritos, em seu art. 526, §§ 1º e 2º, cuja aplicação é cabível nos cumprimentos de sentença contra a Fazenda Pública, com as devidas adaptações, conforme precedentes acima destacados. À vista desse contexto, em que pese o fundamento utilizado pelo acórdão para a concessão de prazo para a apresentação da planilha de cálculos ter sido a deficiência no corpo de servidores da respectiva procuradoria, entendo que a posição firmada no acórdão recorrido se encontra dentro das atribuições do órgão julgador em prezar pela regularidade da execução. Nesse sentido, se é cabível a remessa dos autos à contadoria do juízo para a verificação dos cálculos, é razoável a concessão de prazo para apresentação da respectiva planilha pela Fazenda Pública, documento que pode inclusive vir a facilitar o trabalho daquele órgão auxiliar em eventual necessidade de manifestação." Conforme se depreende de tal trecho, a decisão parece afastar o fundamento de dar um privilégio ao ente público, que teria uma deficiência de funcionários para dar ênfase à efetividade e ao julgamento de mérito5. Nesse sentido, parece ser uma tese defensável, desde que aplicada também em favor dos particulares e não somente em favor da Fazenda Pública. Entretanto, o que preocupa é logo na sequência a citação à decisão proferida no REsp 1726382/MT (Rel. Ministro Herman Benjamin Segunda Turma, DJe 24/05/2018), que prevê em sua ementa: "(...) O paradigma considerou as peculiaridades fáticas e jurídicas existentes quando a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal figuram como devedores nos processos de execução (lato sensu), muitas vezes não dispondo dos mesmos meios técnicos (representação judicial) e materiais para a defesa dos seus interesses em relação aos particulares. O interesse na proteção do patrimônio público justificaria a realização do discrimen quanto ao rigor da apresentação da impugnação dos cálculos de liquidação exclusivamente no momento da petição de impugnação ou dos Embargos à Execução. (...)" Tal julgado escancara mais um privilégio aos Entes Públicos em juízo. Desse modo, o entendimento quanto a possibilidade de juntada posterior da comprovação do excesso à execução/cumprimento de sentença pode ser visto com bons olhos se for aplicável indistintamente a todos, entretanto, não pode se transformar em mais um dos privilégios dos Entes Públicos em juízo. __________ 1 "(...) é importante no tocante ao tema o § 2º do art. 535 do Novo CPC, que expressamente exige da Fazenda Pública a declaração de imediato do valor que entende devido quando alegar excesso de execução em sua defesa executiva. Realmente não havia qualquer justificativa para mais uma prerrogativa da Fazenda Pública em juízo, e nesse sentido o dispositivo deve ser efusivamente saudado." (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil - volume único, 8ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1272). 2 "O disposto no § 2º do art. 535 do CPC supera o entendimento do STJ, firmado no julgamento do RESP 1.387.248/SC, submetido ao regime dos recursos repetitivos. Ali o STJ conclui que a exceptio declinatória quanti não se aplica à Fazenda Pública". Tal entendimento do STJ, manifestado sob a égide do CPC/1973, não prevalece mais diante do CPC/2015. É que no § 2º do art. 535 está expresso que, "Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição".  (Leonardo Carneiro da Cunha, a Fazenda Pública em juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 349). 3 "Dessa forma, encontra-se superado o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.387.248/SC, que, interpretando o art. 741 do CPC/73 à luz do princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, concluiu que a exceptio declinatória quanti não se aplicava à fazenda Pública, ou seja, o juiz não podia rejeitar liminarmente os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública com fundamento em excesso de execução (inc. V do art. 741 c/c o art. 743, ambos do CPC/73), ainda que não declarasse o valor que entendia correto. Nesse sentido, confira-se o Parecer PGFN/CRJ 325/2016 e o Parecer PGFN/CRJ 923/2016 (sigiloso). Neste último parecer (Parecer PGFN/CRJ 923/2016 - sigiloso), inclusive, orienta-se os Procuradores da Fazenda Nacional a não apresentarem impugnação ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda Pública, se, uma vez requisitados os cálculos à Receita Federal nos moldes da Portaria Conjunta PGFN/RFB 14/2013, restarem ausentes ou insuficientes os elementos fornecidos à defesa." (Adriano Oliveira Chaves, Novo Código de processo Civil comentado na prática da Fazenda Nacional/ Rogerio Campos... [et al], 1. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 736). 4 Tal julgado recebeu críticas de Daniel Amorim Assumpção Neves: "Num mistério insondável que bem demonstra o nível de insegurança jurídica proporcionado pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão de sua Corte Especial decidiu-se, ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, pela inaplicabilidade de tal exigência nos embargos à execução contra a Fazenda Pública com o singelo fundamento de que o art. 475-L, § 2.º, do CPC/1973 não havia sido reproduzido no art. 741 do mesmo diploma legal, acolhendo alegação da Fazenda Nacional de que os credores elaboram cálculos muitas vezes com base em documentos que sequer constam dos autos e que não se deveria admitir a transferência do ônus de localizar os documentos ao executado no exíguo prazo de defesa. O Superior Tribunal de Justiça afirmou ainda que, levando-se em conta o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos, a fazenda Pública não poderia ter o ônus previsto no art. 475-L, § 2.º, do CPC/1973. Em termos de conteúdo, o julgamento é criticável, porque, se o exequente apresenta cálculo sem juntar os documentos necessários à sua elaboração, é óbvio que o juiz não deve admitir os cálculos e muito menos inverter os ônus de elaborá-los. E essa realidade não é privilégio da Fazenda Pública, mas regra aplicável a qualquer executado. Caso contrário, bastaria ao exequente juntar aos autos cálculos sem qualquer base conhecida e com isso desencadear a execução. Por outro lado, afirmar-se que a indisponibilidade do interesse público não admite julgamento por presunção é repetir o velho e equivocado mantra de que a Fazenda Púbica só defende, em juízo, direitos indisponíveis. O mais grave, entretanto, não é a fragilidade dos argumentos utilizados, mas a citação como precedentes desse entendimento de dois julgados da 1.ª Turma em que se decidiu exatamente o contrário, ou seja, pela aplicação da exigência nos embargos à execução contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 739-A, § 5.º, do CPC/1973, por se tratar de dever legal que atinge todos os executados. E ainda pior, se é que isso é possível, outras turmas do tribunal seguiram o mesmo entendimento dos "precedentes" mencionados no julgamento da Corte Especial.  O resultado é que todos os órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça competentes para enfrentar a matéria têm precedentes unânimes em um determinado sentido e quando a Corte Especial decide a matéria jurídica, o faz em sentido contrário, e ainda cita como precedentes julgamentos contrários ao entendimento consagrado no próprio julgado. Assim realmente fica difícil." (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil - volume único, 8ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1271/1272).   5 André Vasconcelos Roque defende que "O CPC/2015 estabelece, como um de seus princípios fundamentais, a preponderância do julgamento do mérito (art. 4.º). Desse modo, se o ente público alega excesso de execução, mas deixa de indicar o valor que entende correto ou não apresenta o demonstrativo discriminado do crédito, deverá o julgador conceder prazo razoável para que tal vício seja sanado e, apenas na hipótese de desatendimento à determinação judicial, aplicar as consequências previstas no § 2º, deixando de conhecer do excesso de execução invocado." (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 803/804).
O incidente de resolução de demandas repetitivas, introduzido pelo CPC em vigor, é cabível quando houver (i) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão, unicamente de direito e, (ii) houver risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica (art. 976 do CPC). Referida técnica compõe o chamado microssistema de julgamento de casos repetitivos, estes, na dicção do art. 928, I e II, do CPC, alberga tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto o julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, disciplinados nos arts. 1.036 e seguintes do CPC. Consoante leciona Andre Vasconcelos Roque: "O termo 'casos repetitivos' é utilizado por outras dez vezes ao longo do CPC/2015, no art. 12, § 2º, II (para exclusão dos casos repetitivos da ordem de prioridade cronológica de conclusão); no art. 311, II (como requisito para a concessão da tutela de evidência), no art. 521, IV (como hipótese de dispensa de caução no cumprimento provisório de sentença); no art. 927, §§ 2º a 4º (que tratam das cautelas necessárias em caso de revisão da tese jurídica anteriormente firmada); no parágrafo único do próprio art. 928 (para dispor que o julgamento de casos repetitivos pode tanto tratar de questão comum de direito material quanto processual); no art. 955, parágrafo único, II (como requisito para o julgamento em decisão monocrática do conflito de competência); no art. 966, § 5º (para admitir ação rescisória contra decisão transitada em julgado que se baseou em padrão decisório objetivo sem realizar a devida distinção) e no art. 1.022, parágrafo único, I (para indicar que há omissão, passível de ser objeto de embargos de declaração, quando decisão deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos."1 Tais técnicas buscam dentre outras premissas, facilitar o caminho processual do jurisdicionado cujo direito se encontra amparado em decisão consolidada em sede de julgamento de casos repetitivos. Nesse contexto pondera Andre Vasconcelos Roque: "A definição da tese em IRDR ou recurso repetitivo autoriza: (i) a concessão da tutela de evidência (art. 311, II); (ii) o julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332, II e III); (iii) a dispensa de remessa necessária (art. 496, § 4º, II e III); (iv) o julgamento monocrático pelo relator (art. 932, IV, b e c; V, b e c); (v) a decisão monocrática em conflito de competência (art. 955, parágrafo único, II) e; (vi) a oposição de embargos de declaração, sob o fundamento de omissão, quando a decisão embargada não tiver se manifestado sobre a tese firmada em IRDR ou recurso repetitivo."2 Todavia, a par de algumas semelhanças de tratamento entre o IRDR e o precedente firmado em sede de julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, não se pode olvidar uma de suas diferenças, qual seja, sobre a decisão que julga o IRDR, a eventual recurso especial ou extraordinário interposto será atribuído efeito suspensivo automático. Nesse sentido decidiu recentemente a Segunda Turma do STJ: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ARTS. 982, § 5º, E 987, §§ 1º E 2º, DO CPC. RECURSO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se a suspensão dos feitos cessa tão logo julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo TJ/TRF, com a aplicação imediata da tese, ou se é necessário aguardar o julgamento dos recursos excepcionais eventualmente interpostos. 2. No caso dos recursos repetitivos, os arts. 1.039 e 1.040 do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes apenas à publicação do acórdão paradigma. Além disso, os acórdãos proferidos sob a sistemática dos recursos repetitivos não são impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo automático. 3. Por sua vez, a sistemática legal do IRDR é diversa, pois o Código de Ritos estabelece, no art. 982, § 5º, que a suspensão dos processos pendentes, no âmbito do IRDR, apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente. 4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. 5. Apesar de tanto o IRDR quanto os recursos repetitivos comporem o microssistema de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC), a distinção de tratamento legal entre os dois institutos justifica-se pela recorribilidade diferenciada de ambos. De fato, enquanto, de um lado, o IRDR ainda pode ser combatido por REsp e RE, os quais, quando julgados, uniformizam a questão em todo o território nacional, os recursos repetitivos firmados nas instâncias superiores apenas podem ser objeto de embargos de declaração, quando cabíveis e de recurso extraordinário, contudo, este. sem efeito suspensivo automático. 6. Admitir o prosseguimento dos processos pendentes antes do julgamento dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobretudo recursos. Isso porque, caso se admita a continuação dos processos até então suspensos, os sujeitos inconformados com o posicionamento firmado no julgamento do IRDR terão que interpor recursos a fim de evitar a formação de coisa julgada antes do posicionamento definitivo dos tribunais superiores. 7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede-se, assim, a existência - e eventual trânsito em julgado - de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR. 8. Em suma, interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado. O raciocínio, no ponto, é idêntico ao aplicado pela jurisprudência do STF e do STJ ao RE com repercussão geral e aos recursos repetitivos, pois o julgamento do REsp ou RE contra acórdão de IRDR é impugnável apenas por embargos de declaração, os quais, como visto, não impedem a imediata aplicação da tese firmada. 9. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se aguarde o julgamento dos recursos extraordinários interpostos (não o trânsito em julgado, mas apenas o julgamento do REsp e/ou RE) contra o acórdão proferido no IRDR n. 0329745-15.2015.8.24.0023." (STJ, RESP n. 1869867/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, v.u., j. 20.04.2021) A decisão acima soa acertada, porquanto em consonância a inteligência do art. 987, § 1º e § 2º do CPC, de sorte que o STJ deixou de conferir qualquer interpretação analógica ou quanto previsto em lei. De toda sorte, dada a atribuição do chamado efeito suspensivo automático, uma vez pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, tirado de acórdão que decide o IRDR, de igual modo não se aplicam os dispositivos do CPC acima mencionados (v. g., concessão da tutela da evidência quando o direito da parte é fundado em decisão prolatada em sede de julgamento de casos repetitivos - art. 311, II, do CPC). Por sua vez, , a ementa supra citada também deixa claro que "(...)  interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado." Logo, o efeito suspensivo automático terá amplitude até julgamento do RE ou REsp tirado do acórdão que julgou o IRDR. Consumado referido julgamento, o jurisdicionado poderá se valer do precedente firmado por meio de diversas passagens do CPC que lhe favorecem (a exemplo da não observância do reexame necessário quando a decisão contrária à Fazenda Pública é fundada em precedente firmado em casos repetitivos - art. 496, § 4º, II e III, dentre outras acima citadas). __________ 1 GAJARONI, Fernando da Fonseca. DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Execução e recursos - comentários ao CPC de 2015, 2. Ed. São Paulo: 2018, p. 804) 2 Op. cit., p. 805, grifou-se.
Como se sabe, o § 1º do art. 536 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), traz um rol exemplificativo de medidas executivas que podem ser utilizadas para a obtenção do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa ("para atender ao disposto no caput,  o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial"). Dentre tais medidas a serem empregadas para a execução forçada de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, está prevista a multa (também conhecida como astreinte ou multa cominatória). Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "a multa deve ser compreendida como uma das diversas técnicas executivas com viés coercitivo que tem como finalidade convencer o executado de que é melhor acatar a decisão do magistrado, performando como lhe é determinado, seja para fins (preferencialmente) de obtenção da tutela específica ou, quando menos, para obtenção do resultado prático equivalente"1. O art. 537, do CPC/2015, trata especificamente desta multa e de sua disciplina processual, ao esclarecer logo em seu caput que "A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito". Cumpre observar que esta multa mencionada no § 1º do art. 536 e no art. 537, ambos do CPC/2015, não representa uma novidade em relação ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973). O art. 461, § 5º, do CPC/1973, estabelecia igualmente que "para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial". E o § 4º do mesmo dispositivo dispunha que "o juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente e compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para cumprimento do preceito". Porém, teve uma alteração na disciplina da multa entre o CPC/2015 e o CPC/1973 que está dando o que falar! Foi publicada no "site" do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma notícia para divulgar uma decisão tomada nos autos do EARESP n. 650.536/RJ. O título da notícia publicada em 09.04.2021 é o seguinte: "Desproporção do valor ou enriquecimento ilícito justificam a revisão de astreintes a qualquer tempo"2. Esta notícia, como era de se esperar, teve repercussão entre os estudiosos do direito processual civil, como se percebe no artigo de Flávia Pereira Ribeiro e Fernanda Zambrotta, publicado no Migalhas em 16.04.20213. A alteração legislativa que está no cerne da polêmica diz respeito à possibilidade de revisão do valor da multa. O § 6º do art. 461, do CPC/1973 prescrevia que "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Já o § 1º do art. 537, do CPC/2015, dispõe que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)"4. Note-se bem: no ordenamento anterior o juiz estava autorizado a modificar o valor da multa, sem especificar se era o valor das multas vencidas ou das vincendas ou de ambas. No ordenamento atual, o CPC/2015 confere poder para o juiz modificar apenas o valor das multas vincendas. Em outras palavras, em uma interpretação literal do § 1º do art. 537, o juiz atual não pode modificar o valor das multas que já venceram. Esta interpretação de que não é possível ao juiz reduzir o valor das multas que já venceram é adotada por parte da doutrina, como se pode depreender da lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, ao mencionarem: "(...) A redução, porém, não pode ter efeitos retroativos, atingindo valores que já incindindo; só se reduz multas vincendas"5. Também avessa à hipótese de se modificar o valor da multa após o seu vencimento é a lição de Paulo Henrique dos Santos Lucon, para quem "(...) Decisão judicial existe para ser cumprida e não para ser objeto de infindáveis recursos. Minorar multa diária depois de tantos anos de litígio somente incentiva o obrigado a não cumprir suas obrigações e sendo a educação um dos escopos sociais da jurisdição, tem o efeito pedagógico negativo de fazer com que os outros devedores deixem igualmente de cumprir ordens judiciais"6. Pois bem, pela notícia que foi publicada no "site" do STJ em 09.04.2021, a Corte Especial decidiu que o valor da multa pode, sim, ser alterado após o seu vencimento. "No caso dos autos, o ministro lembrou que, na fase de conhecimento - a ação discutia o reembolso de despesas médicas por operadora de plano de saúde -, o TJRJ determinou o pagamento de R$ 19,3 mil e fixou multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento de ordem. Não havendo, portanto, empecilho para a reanálise das astreintes, Raul Araújo apontou que a multa cominatória de mais de R$ 730 mil ultrapassou, em muito, o valor da obrigação principal. Assim, segundo o voto do relator, a Corte Especial estabeleceu astreintes de R$ 100 mil". Em suma, nos termos da notícia veiculada pelo STJ sobre o acórdão do EARESP 650.536/RJ ainda não publicado, "instrumento legal para forçar o cumprimento de uma decisão judicial, as astreintes (multa cominatória) podem ter o seu valor revisto a qualquer tempo, a pedido ou por iniciativa do próprio juízo, sempre que se mostrar desproporcional ou desarrazoado, ou causar enriquecimento ilícito a uma das partes"7. Obviamente, seria necessário ter acesso à íntegra do acórdão para se tecer maiores comentários à recente decisão da Corte Especial do STJ, mas parece que a decisão tomada está mais alinhada à segura lição de Cassio Scarpinella Bueno, para quem: "Assim, de forma bem direta, a multa é arbitrada com a expectativa de que seja suficiente e compatível para obter do executado o fazer ou não fazer desejado pelo exequente em prazo razoável (art. 537, caput). Na exata medida em que ela não se mostre capaz de levar àquele resultado ou próximo a ele ('tutela específica ou resultado prático equivalente', respectivamente), não há motivo para entender que a multa incida de maneira estática indeterminadamente. Ela deve ser majorada ou alterada sua periodicidade para o atingimento daquela finalidade. Se, mesmo assim, o direito do exequente não for satisfeito, o caso é de adoção de outras medidas de apoio em substituição à multa para, ainda assim, (tentar) perseguir a tutela específica ou quando menos o resultado prático equivalente. Na impossibilidade (ou se esta for a vontade do exequente), a solução reside na conversão da obrigação da obrigação em perdas e danos"8. Em suma, não apenas o comportamento do executado deve ser levado em consideração para modificação do valor da multa, mas também o comportamento do exequente. Este último não pode aguardar por tempo indefinido o início da cobrança dos valores relativos à multa que o favoreçam sem tomar providências que lhe cabem para a satisfação do seu direito. Tal multa tem natureza coercitiva e não tem o objetivo de enriquecimento sem causa. Por outro lado, por mais que se concorde com este raciocínio e esta ordem de ideias, rever a multa já vencida contrariaria a letra fria do § 1º do art. 537 do CPC/2015 que autoriza apenas a modificação das multas vincendas. Aguardemos a publicação do acórdão do EARESP 650.536/RJ para sabermos exatamente, com todos os detalhes, como este problema foi superado pela Corte Especial do STJ... __________ 1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 10ª edição, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 545. 2 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021). 3 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021) 4 Grifos nossos. 5 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo código de processo civil comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 584. 6 Cassio Scarpinella Bueno (org.), Comentários ao código de processo civil, v. 2. In: Paulo Henrique dos Santos Lucon, Comentários ao art. 537, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 763. 7 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021). 8 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 552.
Não é de hoje a dúvida acerca da natureza da exigência da assinatura de duas testemunhas no documento particular, para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15. Relevante é a dúvida se, previamente ao ajuizamento da execução, a parte exequente pode solicitar que duas pessoas examinem o documento particular e assinem o contrato na qualidade de testemunhas, ainda que elas não tenham acompanhado presencialmente as negociações e a assinatura, pelas partes, do negócio entabulado. O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema, tendo já sinalizado que as testemunhas referidas no artigo 784, III, do CPC/15 seriam meramente "instrumentárias", não havendo óbice para que firmem o documento posteriormente ao ato de assinatura das partes. Veja-se, neste sentido, o acórdão do AgInt no AREsp 807883, da relatoria do ministro Lázaro Guimarães, em caso julgado em 7/8/2018 pela 4ª. Turma: "De acordo com a jurisprudência desta Corte, "o  fato de as testemunhas do documento  particular  não  estarem presentes ao ato de sua formação  não  retira  a  sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem  ser  feitas  em  momento  posterior  ao  ato  de  criação  do título  executivo    extrajudicial,    sendo    as   testemunhas   meramente  instrumentárias"  (REsp 541.267/RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini,  Quarta  Turma,  DJ  de 17/10/2005; AgInt no AREsp 1.183.668/SP, Rel. Ministro  Luis  Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2018,  DJe de 9/3/2018)". Há julgado da Corte Superior, inclusive, dispensando a exigência da assinatura das duas testemunhas, quando o devedor não impugna a existência do contrato que estipula dívida líquida, certa e exigível, conforme se nota do acórdão do AgInt no REsp 1870540 / MT, da relatoria do Ministro Raul Araujo, em caso julgado em 14/9/2020 pela 4ª. Turma: "A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à  substância do ato, cujo escopo é o de aferir a existência e a  validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter  absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e  pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que tal condição de eficácia executiva poderá ser suprida." (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015).  2. Na hipótese, o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, e seguindo a jurisprudência do  STJ, concluiu que "(...) essa situação mitigadora é evidente, na medida em que o excipiente/agravante não nega a assinatura do contrato, tampouco a existência do negócio entabulado". Em sede doutrinária, já havia posições sustentando essa linha de interpretação do artigo 784, III, do CPC/15, conforme lição clara da Professora Teresa Arruda Alvim1: "Tais testemunhas, consoante crescente jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ, tem sido consideradas como meramente instrumentárias, daí a possibilidade de assinatura posterior das testemunhas não desnatura o título executivo. Noutras palavras, o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial".   José Miguel Garcia Medina2, igualmente, aponta que: "já se decidiu que as testemunhas que subscreveram o documento particular considerado título executivo são meramente instrumentárias, e que não afeta a higidez do título executivo a falta de identificação das mesmas ou o fato de estarem suas assinaturas ilegíveis. Vê-se, portanto, que a jurisprudência tem sido flexível, quanto à formação do título executivo, em tais casos, o que, segundo pensamos, decorre do fato de ter-se adotado, em tal hipótese, um tipo aberto para a configuração do título executivo". Não se desconhece a existência de doutrina divergente, mas parece-nos que a posição que predomina no Superior Tribunal de Justiça, quanto a este tema, é a mais acertada, notadamente em casos em que estão presentes os requisitos do artigo 783 do CPC/15  (dívida certa, líquida e exigível); tendo em vista o espírito das normas fundamentais do sistema processual brasileiro, que almejam uma maior efetividade e eficiência do processo civil, incluindo-se a necessidade de duração razoável na fase de execução (artigos 4 e 8 do CPC/15).  __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1246. 2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo CPC comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 1108.
A crise do processo civil pode ser bastante evidenciada na dificuldade em se conseguir localizar bens dos devedores. Muitas vezes se consegue o provimento jurisdicional, mas não se consegue o seu cumprimento pela ausência de bens. Desse modo, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque. Por exemplo, na coluna de 16 de maio de 2019 foi exposto o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem ampliando outra previsão, a do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da "quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos". Na verdade, nunca se entendeu a diferenciação pretendida pelo legislador, eis que se o valor estivesse na caderneta de poupança não poderia ser penhorado e se estivesse em outra aplicação, mesmo das mais conservadoras, seria penhorado. Esse seria um benefício para compensar a baixíssima remuneração da caderneta de poupança frente às outras possibilidades de investimento? Quando da promulgação do Código de 1973 até pode se entender melhor essa opção, eis que existiam parcas opções de investimentos e a caderneta de poupança era a mais utilizada. Entretanto, essa não é mais a nossa realidade atual. Daniel Amorim Assumpção Neves entende que o dispositivo legal "cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de investimento financeiro que, se não é o mais lucrativo entre todos os oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render o dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.2 Já o professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Gilson Delgado Miranda entende que "a impenhorabilidade restringe-se a tal espécie de aplicação financeira, não se admitindo, à evidência, interpretação extensiva de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira."3 O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade deve ser lida de forma ampliada: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. ALCANCE. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). 2. "É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente a aplicação em caderneta de poupança, mas, também, a mantida em fundo de investimento, em conta-corrente ou guardada em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude" (AgInt no REsp 1858456/RO, rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 18/06/2020). 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1880586/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 06/04/2021)4 Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a ampliação é vasta, abrangendo não somente outras aplicações financeiras, mas também numerário em conta corrente e guardado em papel-moeda. Por fim, cumpre recordar que por mais que tal ampliação pareça atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador, acaba por dificultar e muito os bloqueios on-line de numerário, já que não são muitos devedores que possuem em conta corrente e em aplicações financeiras valor superior a R$ 40 mil, complicando ainda mais o tortuoso caminho do credor na busca da satisfação de seu crédito. __________ 1 Disponível aqui. 2 Comentários ao Código de Processo Civil - vol. XVII (arts. 824 a 875): Da Execução por quantia certa, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 176. 3 Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, v. 3, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 650. 4 Existem julgados no mesmo sentido da 2ª Turma (REsp 1710162/RS), 3ª Turma (AgInt no REsp 1886463/RS) e 4ª Turma (AgInt no AREsp 1717962/SP). Na vigência do CPC/73 o Superior Tribunal de Justiça também possui julgados com a aplicação extensiva (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 19/12/2014).
Estabelece a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, a garantia de que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Por sua vez, o CPC/2.015 inovou para trazer no art. 489, § 1º, incisos I a VI, situações que, uma vez configuradas, implicam violação ao Princípio Constitucional da Fundamentação das Decisões Judiciais. Em verdade, tais hipóteses refletem reivindicação da doutrina no escopo de dar exemplos de violação ao princípio constitucional. Foi necessário tornar alguns exemplos, desta feita em lei, tal qual se compõe os incisos do art. 489, § 1º1. Em especial a regra prevista no art. 489, § 1º, VI, ao estabelecer não se considerar fundamentada a decisão que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" parece convidar a leitura de todo e qualquer precedente suscitado pela parte é suficiente a impor a observância de aludido comando. Todavia, outro foi o entendimento da Terceira Turma do STJ, ao limitar o alcance de aludida norma somente a precedentes e súmulas vinculantes: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS E JUNTADA DE DOCUMENTOS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSEADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELO DISSENSO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF. 1- Ação ajuizada em 28/09/2007. Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 09/08/2017. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 3- A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. 4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. (...) 10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido." (STJ, REsp 1.698.774/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. 01.09.2020, v.u., grifou-se). Em especial o voto condutor, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, pontua: "(...) EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (...) 01) Nas razões de seu recurso especial, alega a recorrente que teria invocado, na apelação, uma série de julgados abonadores de sua tese de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, que não teriam sido observados pelo TJ/RS por ocasião do julgamento do referido recurso. 02) Argumenta a recorrente, em razão disso, que teria ocorrido violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, na medida em que somente seria lícito ao TJ/RS afastar-se do entendimento contido nos julgados do TJ/SP e do TJ/DFT se houvesse fundamentação relacionada à distinção em relação à hipótese em exame ou à superação do entendimento materializado naqueles julgados. 03) O dispositivo legal alegadamente violado possui o seguinte conteúdo: Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 04) Examinando-se o conteúdo do referido dispositivo legal, verifica-se que a nova lei processual exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado na hipótese em que pretenda ele se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, a saber, que demonstre a existência de distinção entre a hipótese que lhe fora submetida e o paradigma invocado ou de superação do entendimento firmado no paradigma invocado. 05) Denota-se, pois, que o art. 489, §1º, VI, do CPC/15, possui, em sua essência, uma indissociável relação com o sistema de precedentes tonificado pela nova legislação processual, razão pela qual a interpretação sobre o conteúdo e a abrangência daquele dispositivo deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos. 06) Quanto ao ponto, anote-se a precisa lição de Daniel Amorim Assumpção Neves: No inciso VI do §1º do art. 489 do CPC, há previsão de que não se considera fundamentada decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação do entendimento. Lamenta-se a utilização do termo jurisprudência ao lado de súmula e precedente, não se devendo misturar a abstração e generalidade da jurisprudência com o caráter objetivo e individualizado da súmula e do precedente. De qualquer forma, como a aplicabilidade do dispositivo legal é limitada à eficácia vinculante do julgamento ou da súmula, a remissão à jurisprudência perde o sentido e torna-se inaplicável. Diferentemente do que ocorre com o inciso antecedente, o inciso VI do §1º do art. 489 do CPC não se aplica a súmulas e precedentes meramente persuasivos (Enunciado 11 da ENFAM: "Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332"), porque, nesse caso, o juiz pode simplesmente deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique a sua decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 883/884). 07) Na hipótese em exame, dado que a recorrente invocou, para o julgamento da apelação perante o TJ/RS, apenas julgados proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT no mesmo sentido de sua tese recursal de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, o acórdão recorrido não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também não estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15. (...)" Na linha do quanto decidido acima, não obstante a generalidade de extensão do art. 489, § 1º, V e VI, o STJ limitou sua abrangência ao que cunhou chamar de "precedentes vinculantes", além das súmulas vinculantes, cuja leitura do Enunciado n. 11, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) dispõe: "Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332." Em outras palavras, o dever de fundamentação, quando o magistrado deixa de aplicar precedente suscitado pela parte, restringe-se aos precedentes descritos nos arts. 9272 e 332, IV3, do CPC. Ou seja, em tese não há vinculação alguma do órgão julgador a precedentes já formados pela turma ou câmara, tampouco obrigatoriedade de se fundamentar por quais razões precedentes pretéritos restaram superados (overruling) ou, ainda, sua distinção ao caso concreto. Respeitado entendimento em sentido contrário, é evidente que não soa razoável o julgador justificar o afastamento, um a um, de todos os precedentes suscitados pela parte ou, quando do emprego de determinado precedente, tenha que identificar cada um ao caso concreto, mas se espera, no mínimo, que seja destacado o fio condutor que se amolda ao caso concreto, as razões de decidir, a ratio decidendi ou as razões de sua superação. Embora num primeiro momento tal providência possa soar mais trabalhosa no desiderato de respeitar o princípio da fundamentação judicial, na forma prevista no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC, tal medida certamente reflete em melhor diálogo no seio do próprio Poder Judiciário, ciente da forma como vem sendo examinado, decidido e aplicado o direito, a se integrar uma jurisdição que se espera, seja uma. É desejável que a jurisdição, sendo una, deve conceder idêntico "remédio jurídico" a situações congêneres, sob pena de perpetuar a odiosa coexistência de jurisprudência lotérica, instável e violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade, a conceber um cenário onde o jurisdicionado (valendo-se de um cardápio de entendimentos distintos sobre a mesma matéria) aproveita-se do julgado que melhor lhe socorre, porquanto fatalmente é o próprio Poder Judiciário que alimenta dita esperança. Sob o prisma de se coroar o quanto disposto no art. 926 do CPC, resta à jurisprudência tornar-se estável quanto a literal interpretação do art. 489, § 1º, V e VI, o qual convida a uma mudança de cultura cujo ônus não deve recair somente ao Poder Judiciário, mas também ao jurisdicionado, sob a perspectiva de, em colaboração, provocar o órgão jurisdicional com vistas a se obter, gradualmente e por meio de atividade integrativa, a uniformidade de decisões judiciais acerca de matérias já examinadas e decididas. __________ 1 Art. 489.  São elementos essenciais da sentença: (.) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.  2 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.  3 Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
O art. 523, do Código de Processo Civil (CPC/2015), estabelece que "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". E o parágrafo primeiro, do mesmo dispositivo, dispõe: "§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento". Pois bem, em 9/3/2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio de acórdão da lavra do Min. Moura Ribeiro, entendeu que o pronunciamento judicial a que se refere o art. 523, do CPC/2015, não teria conteúdo decisório, não teria o condão de causar gravame ao executado e, portanto, não poderia ser impugnado por meio de agravo de instrumento nos termos do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado acima referido: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO PARA PAGAMENTO, SOB PENA DE MULTA E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. As decisões proferidas em liquidação ou cumprimento de sentença, execução e inventário, são impugnáveis por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do NCPC). 3. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o início da fase de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa passou a depender de provocação do credor. Assim, a intimação do devedor para pagamento é consectário legal do requerimento, e, portanto, irrecorrível, por se tratar de mero despacho de expediente, pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1837211/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021)" Sem entrar na discussão sobre se, na vigência do Código de Processo Civil anterior, o início da fase de cumprimento de sentença dependeria ou não de requerimento do credor, pois o propósito aqui é discutir a aplicação do CPC/2015, a decisão acima parece merecer reparos. Com o devido respeito, o pronunciamento judicial que determina a intimação do executado para pagamento não é um despacho de "mero expediente". Nem de longe o juiz pratica um ato sem consequências "(...) pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo (...)". É importante que o juiz tenha consciência das consequências de seus atos.. Uma delas, que não consta do acórdão do STJ acima ementado, está no art. 517, do CPC/2015 ("A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523"). Tanto é verdade que a decisão à qual se refere o art. 523, do CPC/2015, tem conteúdo decisório e potencial de gravame para o executado que o art. 524, do mesmo diploma legal, nos seus parágrafos 1º e 2º, determinam que o juiz fique atendo ao valor apresentado pelo exequente antes de se determinar a intimação. Veja-se: "Art. 524. (...) § 1º Quando o valor apontado no demonstrativo aparentemente exceder os limites da condenação, a execução será iniciada pelo valor pretendido, mas a penhora terá por base a importância que o juiz entender adequada. § 2º Para a verificação dos cálculos, o juiz poderá valer-se de contabilista do juízo, que terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para efetuá-la, exceto se outro lhe for determinado". Como se pode perceber, o próprio CPC/2015 parte do pressuposto que o início da execução sem qualquer controle pelo juiz, como se ele estivesse apenas "impulsionando o processo", poderia causar prejuízos para a parte e até determina que ele utilize os serviços do contabilista do juízo para evitar constrições indevidas ao patrimônio do executado ao desconfiar dos cálculos apresentados pelo exequente, mesmo antes de este último ter apresentado sua defesa. De qualquer ângulo que se examine a questão, a decisão do art. 523 do CPC/2015 não é um "despacho de mero expediente", que não teria o condão de causar prejuízos ao executado. Penhora indevida e negativação indevida são gravames para o executado. Ou não são para você, caro leitor?
Na coluna anterior, noticiamos que o Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial 1738656 / RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. E, mais recentemente, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça volta a enfrentar o tema, tendo a 4ª Turma destacado que o artigo 190 do CPC/15 não pode versar sobre questões de ordem pública, conforme se depreende do julgamento do REsp n. 1810444/SP, da Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão1: "A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no negócio jurídico processual, não é possível às partes convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública, cuja aplicação é obrigatória. O colegiado reforçou que a liberdade negocial trazida pelo artigo 190 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 está sempre condicionada ao respeito à dignidade da pessoa humana e às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito. (...). De acordo com Luis Felipe Salomão, o parágrafo único do artigo 190 poderia levar à conclusão de que os negócios jurídicos processuais não se sujeitariam a um juízo de conveniência do magistrado, exceto nos casos de nulidade, de inserção abusiva em contrato de adesão ou de vulnerabilidade manifesta de uma das partes.  Contudo, o ministro ressaltou que esse controle é complexo, pois "não se limita à observância dos requisitos de validade apontados na legislação híbrida entre direito processual e civil, mas também, e principalmente, aos ditames constitucionais". (...). No caso em julgamento, Salomão considerou acertada a decisão do tribunal de origem, destacando a afronta à cláusula legal e constitucional que prevê o direito ao processo justo, conduzido pelo juiz competente, sendo incongruente vincular o julgador à forma pactuada pelas partes para a realização de função de sua titularidade". Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".  Humberto Theodoro Jr2. já defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo não pode relativizar direitos fundamentais, garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros.3 Neste cenário, ambos os julgamentos do STJ merecem grande destaque, pois já sinalizam um campo de direção, por parte da Corte Superior, sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes. Os recentes julgados, no geral, buscaram traçar uma leitura do artigo 190 do CPC/15 em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. E, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual atípico do artigo 190 do CPC/15, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade e eficácia de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais. Mas não se questiona que o Poder Judiciário ainda terá a difícil missão de delinear, com mais precisão, quais são os limites de aplicação do artigo 190 do CPC/15, sendo, portanto, importantíssimos os recentes julgados acerca do tema. __________ 1 Negócio jurídico processual não pode dispor sobre ato regido por norma de ordem pública. Acesso em 28.02.2021. 2 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 3 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
quinta-feira, 11 de março de 2021

Sucumbência recursal e preclusão

A sucumbência recursal é um instituto novo em nosso ordenamento e tendo sido previsto de forma sucinta no § 11, do artigo 85, do Código de Processo Civil de 2015, acaba gerando várias dúvidas e lacunas, sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem dia a dia estabelecendo parâmetros para a sua aplicação. Dias antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado Administrativo nº 7 que prevê "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC." No ano seguinte, a Segunda Seção fixou mais parâmetros a serem observados: "3. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso."1 E novas diretrizes vão surgindo a cada novo julgado, tendo de ressaltar que também existem muitos entendimentos divergentes quanto aos honorários sucumbenciais no âmbito do STJ.2                      Agora parece surgir mais uma diretriz quanto a existência de preclusão se a omissão quanto a fixação dos honorários sucumbenciais não for alegada na primeira oportunidade: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. NÃO ALEGAÇÃO DE VÍCIO LOGO APÓS A DECISÃO QUE OS FIXOU. OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que a parte deve alegar na primeira oportunidade eventual omissão sobre a fixação de honorários recursais, não sendo cabível o pedido em embargos de declaração no agravo interno do agravo em recurso especial. Precedentes. 2. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgInt no AREsp 1347639/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 12/02/2021) No referido julgado são citados julgados no mesmo sentido da Segunda Turma (EDcl no AgInt no AREsp 1.251.812/SP) e da Quarta Turma (EDcl no AgInt no AREsp 1.238.850/MT). A Segunda Seção, no já citado RESP nº 1.539.725/DF (vide nota 02), possui entendimento no seguinte sentido: "Não haverá honorários recursais no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração apresentados pela parte que, na decisão que não conheceu integralmente de seu recurso ou negou-lhe provimento, teve imposta contra si a majoração prevista no § 11 do art. 85 do CPC/2015". Portanto, a contrario sensu, seria permitida a fixação de honorários advocatícios em agravo interno e embargos de declaração se a decisão monocrática não tivesse fixado. Não parece fazer sentido a existência de preclusão nesse caso, eis que a redação do dispositivo é imperativa no dever do Tribunal majorar os honorários advocatícios, sendo que deve aplicar a sucumbência recursal, inclusive de ofício. Neste mesmo sentido é o entendimento de Frederico Augusto Leopoldino Koehler: "A majoração dos honorários, quando fixados em montante inferior a 20%, é dever do tribunal devendo, inclusive, ser realizada de ofício, uma vez que o art. 85, § 11, usa o verbo "majorará" de forma peremptória".3 Prevalecendo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a preclusão se os honorários recursais não forem requeridos na primeira oportunidade, restará à parte o ajuizamento de ação autônoma para a sua definição e cobrança, nos termos do § 18 do artigo 85 do Código de Processo Civil.4 Para a pacificação do tema, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça examine e pacifique o entendimento sobre a existência ou não de preclusão quanto aos honorários recursais, entretanto, até lá cabe à parte ser prudente e requerer a sua fixação na primeira oportunidade. __________ 1 (AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Segunda Seção, DJe 19/10/2017). 2 A título exemplificativo vide a nossa coluna de 10/09/2020 e a última de 04/02/2021. 3 Comentários ao código de processo civil / coordenadores Angélica Arruda Alvim ...[et al.], São Paulo: Saraiva, 2016, p. 152. Também nesse sentido é o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno em seu Novo Código de Processo civil anotado, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 124. 4 Nesse sentido é o entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "No caso de ocorrer a formação da coisa julgada sem decisão sobre o tema, este poderá ser objeto de ação própria, na forma prevista no § 18 do art. 85." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 322).
A chamada fase de cumprimento de sentença sofreu pontuais modificações por força do advento do CPC/2015 (atual CPC). Dentre elas, no que tange ao regime do cumprimento de sentença de pagar quantia, a despeito do art. 523 prever a intimação do executado para pagamento, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incidência de multa de 10%, acrescida de honorários advocatícios, também de 10%1, inovou o novo diploma ao prever quer, somente após transcorrido os 15 (quinze) dias para pagamento, iniciar-se-á novo prazo, também de 15 (quinze dias), desta feita para o executado, querendo, apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, ex vi ao quanto disposto no art. 525, caput, do CPC2. Por sua vez, o chamado efeito suspensivo concedido quando da apresentação de impugnação de cumprimento de sentença exige, nos termos do §6º, do art. 525 do CPC, a garantia do juízo por penhora, caução ou depósito suficiente, sem prejuízo da demonstração de relevante fundamentação posta em favor da tese de defesa do executado, além do prosseguimento da execução for suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Em especial ao requisito da garantia do juízo, dúvida pode surgir se a prática de referido ato processual deve se materializar cumulativamente a veiculação da impugnação ao cumprimento de sentença ou, de outra banda, poderia o executado apresentar a garantia em juízo e, desde que dentro do prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no art. 525 do CPC, por meio de novo ato processual, veicular sua defesa. Nesse contexto a questão foi examinada pela Terceira Turma do STJ, a entender, por maioria de votos, quanto a possibilidade de depósito para garantia do juízo e, num segundo momento, a possibilidade de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença, deste que praticados ambos atos processuais dentro do prazo previsto no art. 525 do CPC: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. ART. 525 DO CPC/15. GARANTIA DO JUÍZO. INSIGNIFICÂNCIA. CASO CONCRETO. TEMPESTIVIDADE. 1. Cuida-se de ação de revisão de benefício de complementação de aposentadoria, em fase de cumprimento de sentença. 2. Recurso especial interposto em: 21/06/2017; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em definir se o depósito para garantia do juízo, realizado dentro dos 15 (quinze) dias do prazo para o pagamento voluntário, previsto no art. 525 do CPC/15, é capaz de modificar o termo inicial do prazo para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença. 4. Na vigência do CPC/73, prevaleceu na Segunda Seção que, havendo depósito judicial do valor da execução, a constituição da penhora é automática, independente da lavratura do respectivo termo, motivo pelo qual o prazo para oferecer embargos do devedor deveria ser a data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da ação de execução. Precedente. 5. Referida orientação tinha em vista a previsão do art. 738, I e II, do CPC/73, em sua redação originária, anterior à reforma da Lei 11.232/05, que estabelecia a garantia do juízo como pressuposto dos embargos do devedor e que previa que o prazo para a sua apresentação de embargos tinha início com a intimação da penhora ou do termo de depósito judicial. 6. No CPC/15, com a redação do art. 525, § 6º, do CPC/15, a garantia do juízo deixa expressamente de ser requisito para a apresentação do cumprimento de sentença, passando a se tornar apenas mais uma condição para a suspensão dos atos executivos. 7. Por essa razão, no atual Código, a intimação da penhora e o termo de depósito não mais demarcam o início do prazo para a oposição da defesa do devedor, sendo expressamente disposto, em seu art. 525, caput, que o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação da impugnação se inicia após o prazo do pagamento voluntário. 8. Assim, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 (quinze) dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no art. 523 do CPC/15, independentemente de nova intimação. 9. Na hipótese dos autos, a intimação do cumprimento de sentença foi considerada publicada em 20/04/2016, com início da contagem do prazo em 22/04/2016 (sexta-feira, primeiro dia útil seguinte), encerrando-se o décimo quinto dia útil para pagamento voluntário em 12/05/2016 (quinta-feira), de forma que a apresentação da impugnação, ocorrida em 03/06/2016, foi realizada de forma tempestiva. 10. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1761068-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 15/12/2020, grifou-se) Com mais vagar examinou o voto condutor, da lavra da Ministra Nancy Andrighi: "(...) Da mesma forma, se, nos termos do CPC/1973, segundo a redação do § 1º do art. 475-J, tão logo o juízo estivesse assegurado pela constrição de bens - requisito de admissibilidade da reação do devedor -, deveria ser realizada a intimação da penhora, quando, então, querendo, poderia o devedor apresentar impugnação no prazo de quinze dias; na atual redação do CPC/15, a garantia do juízo é completamente dispensável para viabilizar a impugnação, sendo, assim, igualmente, dispensada a intimação, na hipótese de penhora, ou o reconhecimento da ocorrência de comparecimento espontâneo, por meio do depósito, para que o prazo para a impugnação comece a ter curso, porquanto não têm essas circunstâncias qualquer influência sobre esse fato processual. Realmente, a apresentação de garantia do juízo não supre eventual falta intimação, eis que, na forma dos arts. 523 e 525 do CPC/15, a intimação para a apresentação da impugnação, se houver interesse, já se torna perfeita com a intimação para pagar o débito, tendo início automático após o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento espontâneo da obrigação. Não há, pois, como cogitar de violação ao princípio da celeridade processual, pois a ciência do executado da possibilidade de impugnar o cumprimento de sentença já é realizada da forma mais ágil possível, com a própria intimação do pedido de cumprimento de sentença. Assim, por disposição expressa do art. 525, caput, do CPC/15, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 (quinze) dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no art. 523 do CPC/15, independentemente de nova intimação. 3. DA HIPÓTESE CONCRETA Na hipótese dos autos, a intimação do cumprimento de sentença foi considerada publicada em 20/04/2016, com início da contagem do prazo em 22/04/2016 (sexta-feira, primeiro dia útil seguinte), encerrando-se o décimo quinto dia útil para pagamento voluntário em 12/05/2016 (quinta-feira) (e-STJ, fl. 161). O prazo de 15 (quinze) dias úteis para a apresentação de impugnação iniciou-se em 13/05/2016 e veio a termo em 03/06/2016. A impugnação ao cumprimento de sentença foi apresentada pela recorrida em 3/6/2016, portanto, de forma tempestiva. Por essa razão, pedindo as mais respeitosas vênias ao e. Relator, inauguro a divergência para considerar que o acórdão recorrido deve ser mantido, pois não há falar em início do prazo para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença na data de depósito para garantia do juízo. 4. CONCLUSÃO Forte nessas razões, pedindo as mais respeitosas vênias aos entendimentos contrários, divirjo do e. Relator para NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso especial." Por sua vez, o relator originariamente sorteado, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva ao final restou vencido, por entender que o prazo de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença deve ter início a partir do depósito espontâneo praticado pelo executado e destinado a garantia do juízo (ainda que referido ato processual tenha sido praticado dentro dos 15 dias que faculta o pagamento do quntum debeatur): "(...) Assim, a realização do depósito antes do 15º dia para pagamento deverá ser o termo inicial para que o executado impugne o cumprimento de sentença, sob pena de ofender o princípio da celeridade, que tem norteado o CPC/2015. Ademais, a legislação processual vigente prevê, de forma expressa, que o prazo para que o executado apresente a sua impugnação é de 15 (quinze) dias. Dessa forma, não se pode admitir interpretação que confira o prazo de 30 (trinta) dias úteis para apresentação impugnação, exceto quando o executado permanece inerte no período de 15 (quinze) dias previsto no art. 523 do CPC/2015. Apenas nessa situação haveria 15 (quinze) dias previstos no art. 523 do CPC/2015 acrescidos dos 15 (quinze) dias previstos no art. 525 do CPC/2015. Também não se ignora o fato de que o depósito realizado para a garantia do juízo não equivale ao pagamento voluntário a que se refere o art. 523 do CPC/2015. Contudo, é oportuno ressaltar que o executado que comparece aos autos e realiza o depósito judicial demonstra sua intenção de pleitear o efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença que apresentará na sequência, manifestando, de forma inequívoca, que está ciente do prazo para apresentar defesa. Em diversas situações, a jurisprudência desta Corte Superior também tem privilegiado o comparecimento espontâneo da parte para o cômputo de prazos, como se observa dos seguintes precedentes: (...) Desse modo, apenas quando o executado optar por não realizar o pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias previsto no art. 523 do CPC/2015, o termo inicial do prazo para apresentação da impugnação será deflagrado de forma automática, em seguida ao escoamento do prazo para pagamento voluntário. No entanto, quando o depósito for realizado para garantia do juízo, como é o caso dos autos, o cômputo do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a impugnação ao cumprimento de sentença deve ser contado a partir da data do depósito, no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte firmada sob a vigência do CPC/1973. Na espécie, consta do acórdão recorrido que a garantia do juízo, por meio de depósito, foi realizada em 9/5/2016. Logo, o prazo de 15 (quinze) dias úteis para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença teve início em 10/5/2016, encerrando-se em 31/5/2016, motivo pelo qual é intempestiva a impugnação apresentada em 3/6/2016. (...)" Malgrado a divergência instaurada, o julgado acima revela homogeneidade de entendimento ao permitir que, inicialmente o executado apresente a garantia do juízo e, em até 15 (quinze) dias após referido ato processual, seja assegurada a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença (que, no regime do CPC/2015, prescinde de garantia do juízo). Em outras palavras, o executado não obrigado a apresentar a garantia do juízo (essa, como um dos requisitos necessários à obtenção de efeito suspensivo) e impugnação ao cumprimento de sentença por meio da prática de um único ato processual De toda sorte, dado o conteúdo da divergência posta no precedente supra citado, de bom alvitre que (i) quando da apresentação de garantia do juízo, em especial por meio de depósito judicial, o executado esclareça a finalidade de referido ato processual - condição primeira para obtenção de efeito suspensivo em impugnação ao cumprimento de sentença a ser oportunamente apresentada - ao viés de esclarecer que referido depósito se destina a quitação do quantum debeatur. A duas, (ii) de curial importância que a impugnação ao cumprimento de sentença seja apresentada em até 15 (quinze) dias a partir da garantia do juízo, porquanto embora tenha sido entendimento prevalecente no precedente supra citado, no sentido de o prazo de impugnação contar a partir do decurso do prazo para pagamento, materializou-se a divergência em sentido contrário (embora vencida), de que referido prazo contar-se-á a partir da garantia do juízo. Tudo isso, para a hipótese tratada no julgado acima, de que a garantia do juízo se materializou dentro do prazo que inaugura a fase de cumprimento de sentença (15 dias para pagamento do quantum debeatur). __________ 1 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. § 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante. § 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.  2 Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar: I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II - ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV - penhora incorreta ou avaliação errônea; V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença. § 2º A alegação de impedimento ou suspeição observará o disposto nos arts. 146 e 148 . § 3º Aplica-se à impugnação o disposto no art. 229. § 4º Quando o executado alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo. § 5º Na hipótese do § 4º, não apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo, a impugnação será liminarmente rejeitada, se o excesso de execução for o seu único fundamento, ou, se houver outro, a impugnação será processada, mas o juiz não examinará a alegação de excesso de execução. § 6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. § 7º A concessão de efeito suspensivo a que se refere o § 6º não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens § 8º Quando o efeito suspensivo atribuído à impugnação disser respeito apenas a parte do objeto da execução, esta prosseguirá quanto à parte restante. § 9º A concessão de efeito suspensivo à impugnação deduzida por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não impugnaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao impugnante. § 10. Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exequente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando, nos próprios autos, caução suficiente e idônea a ser arbitrada pelo juiz. § 11. As questões relativas a fato superveniente ao término do prazo para apresentação da impugnação, assim como aquelas relativas à validade e à adequação da penhora, da avaliação e dos atos executivos subsequentes, podem ser arguidas por simples petição, tendo o executado, em qualquer dos casos, o prazo de 15 (quinze) dias para formular esta arguição, contado da comprovada ciência do fato ou da intimação do ato.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

"Plenário virtual" e sustentação oral no STF

O Supremo Tribunal http://federal (SThttp://f) realiza julgamentos por meio de um "plenário virtual". Como qualquer julgamento realizado por órgãos do Poder Judiciário, deve haver o rigoroso cumprimento do que está estabelecido na Constituição http://federal, no art. 93, inciso IX, bem como no art. 5º, inciso LV. Nunca é demais lembrar o que está escrito no inciso IX, do art. 93, da Constituição http://federal, com a redação dada pela Emenda n. 45/2004 (a chamada "Reforma do Poder Judiciário"): "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação" (grifos nossos). Em outras palavras, as sessões de julgamento devem ser públicas, seja no SThttp://f ou qualquer outro tribunal brasileiro. Isso significa afirmar que está assegurado o princípio da publicidade durante os julgamentos do Poder Judiciário. Também é importante relembrar o que está no art. 5º, inciso LV, da Constituição http://federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (grifos nossos). Ou seja, a parte em um processo judicial, no qual acontecem "os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário", têm assegurado pela Constituição http://federal que serão observados o princípio do contraditório e também o princípio da ampla defesa. Como se sabe, cabe ao ordenamento jurídico infraconstitucional concretizar os princípios acima mencionados (publicidade, contraditório e ampla defesa), insculpidos no art. 93, inciso IX, e no art. 5º, inciso LX, da Constituição http://federal. Nesse sentido, é eloquente o art. 1º, do Código de Processo Civil (CPC), ao estabelecer de maneira cristalina que "O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República http://federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código". Tanto isso é verdade que, no capítulo destinado às "Normas http://fundamentais do Processo Civil" o art. 7º, do CPC, preceitua que "o juiz deve zelar pelo efetivo contraditório" e o art. 8º, do mesmo diploma legal, impõe ao juiz o dever de resguardar e promover a "publicidade". Seria desnecessário repetir o que está na Constituição http://federal, no art. 93, inciso IX e no art. 5º, inciso LV, se eles não fossem tão maltratados. Como é frequente o desrespeito a tais mandamentos constitucionais, o próprio legislador, ao elaborar o atual Código de Processo Civil, preferiu repetir expressamente que tais princípios são importantes e que devem ser observados. Por isso eles são repetidos em diversas passagens do CPC e também aqui. No que diz respeito aos julgamentos realizados pelo Poder Judiciário, sobretudo pelo SThttp://f para julgar recursos extraordinários, parece ser claro que também devem ser respeitados os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade. Assim, o art. 937, do CPC, também buscou concretizar tais mandamentos constitucionais da seguinte forma: "Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021 : (...) IV - no Recurso Extraordinário" (grifos nossos). Em outras palavras, na sessão de julgamento do recurso extraordinário, que deve ser pública, tanto o recorrente como o recorrido têm o direito de sustentar oralmente as suas razões, em ordem sucessiva. Ou seja, primeiro o recorrente sustenta suas razões e depois o recorrido o faz. Parece um detalhe de menor importância afirmar que a palavra será dada sucessivamente ao recorrente e ao recorrido, mas não é. Trata-se, pura e simplesmente, de concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O recorrido deve falar depois do recorrente porque ele deve se manifestar somente depois de conhecer o teor da manifestação do recorrente. Somente se isso acontecer é que se poderá afirmar que foi assegurada a ampla defesa do recorrido, quando ele se defendeu depois de ouvir todos os argumentos e alegações do recorrente. Se isso não acontecer, pode ter até acontecido uma defesa dos seus interesses, mas não foi ampla. E, assim, viola-se a Constituição http://federal. Da mesma forma, se o recorrido não tiver a palavra concedida depois de o recorrente já ter feito uso dela, também foi violado o princípio do contraditório. Isso porque tal princípio está intimamente ligado à ideia de participação no processo com possibilidades reais e concretas de influenciar no seu resultado. Se o recorrido fez uso da palavra antes do recorrente, teve cerceado o seu direito de influenciar no resultado do julgamento, pois sustentou oralmente suas razões sem saber o inteiro teor da manifestação do recorrente. O problema é que as normas que disciplinam o Plenário virtual e a realização de sustentações orais nos julgamentos do SThttp://f não dão a devida atenção para o disposto no art. 937, do CPC, bem como para os artigos 93, inciso IX e 5º, inciso LV, conforme se demonstrará adiante. A primeira norma que merece destaque para tratar da disciplina do plenário virtual e das sustentações orais nos julgamentos é a Resolução n. 642, de 14 de junho de 20191. Tal resolução "dispõe sobre o julgamento de processos em lista nas sessões presenciais e virtuais do SThttp://f". No que diz respeito às sessões virtuais, o art. 2º da referida norma, na sua redação original, estabelece que: "Art. 2º. As sessões virtuais serão realizadas semanalmente e terão início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 (cinco) dias úteis exigido no art. 935 do Código de Processo Civil entre a data da publicação da pauta no DJe, com a divulgação das listas no sítio eletrônico do Tribunal, e o início do julgamento § 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 5 (cinco) dias úteis para se manifestar. § 2º A conclusão dos votos registrados pelos ministros será disponibilizada automaticamente, na forma de resumo de julgamento, no sítio eletrônico do SThttp://f. § 3º Considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º. § 4º A ementa, o relatório e o voto somente serão tornados públicos com a publicação do acórdão do julgamento. § 5º O início da sessão de julgamento definirá a composição do Plenário e das Turmas. § 6º Os votos serão computados na ordem cronológica das manifestações". No que diz respeito às sustentações orais, em um primeiro momento, a resolução 642/2019 excluiu a possibilidade de ocorrer tais atos processuais durante as sessões de julgamento no ambiente virtual. Veja-se, a propósito, o teor do art. 4º, inciso III e § 1º, da referida norma, em sua redação original: "Art. 4º. Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de: (...) III - sustentação oral realizado por qualquer das partes, desde que requerido após a publicação da pauta de julgamento e até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão, cabendo ao relator, nos casos cabíveis, deferir o pedido. § 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para o julgamento presencial, com publicação de nova pauta". Pois bem, de acordo com a redação original da resolução 642, de 14 de junho de 2019, não cabia sustentação oral em julgamentos realizados no ambiente virtual. Mas aí veio a pandemia causada pelo Covid-19 e com ela a Resolução n. 669, de 19 de março de 2020, que alterou a resolução n. 642/2019 e deu outras providências. A novidade introduzida pela Resolução n. 669, de 19 de março de 20202, é a de que foi permitida a realização de sustentação oral nos julgamentos feitos por meio do ambiente virtual. Ou seja, foi excluído o inciso III do art. 4º da resolução  642/2019 e acrescidos os arts. 5º-A e 5º-B que passaram a disciplinar as sustentações orais em ambiente virtual no SThttp://f. Confira-se: "Art. 5º-A Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral previstas no regimento interno do Tribunal, fica facultado à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, à Defensoria Pública da União, aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual. § 1º O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral em processos submetidos a julgamento em ambiente eletrônico deverão enviar formulário preenchido e assinado digitalmente, juntamente com o respectivo arquivo de sustentação oral. § 2º O link para preenchimento do formulário e envio do arquivo eletrônico estará disponível na página principal do site do SThttp://f. § 3º O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser áudio ou vídeo, devendo observar o tempo regimental de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Secretaria Geral da Presidência, sob pena de ser desconsiderado. § 4º O advogado e o procurador firmarão termo de declaração de que se encontram devidamente habilitados nos autos e de responsabilidade pelo conteúdo do arquivo enviado. Art. 5º-B Em caso de excepcional urgência, o Presidente do Supremo Tribunal http://federal e os Presidentes das Turmas poderão convocar sessão virtual extraordinária, com prazos fixados no respectivo ato convocatório. § 1º O relator solicitará ao presidente do colegiado a convocação de sessão virtual extraordinária indicando a excepcional urgência do caso. § 2º O disposto no art. 2º, caput e § 1º, não se aplica à sessão virtual extraordinária, devendo o ato convocatório fixar o seu período de início e término. § 3º Convocada a sessão, o processo será apresentado em mesa, gerando andamento processual com a informação do período da sessão. § 4º O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral por meio eletrônico deverão encaminhá-la até o início da sessão virtual extraordinária" (grifos nossos). De acordo com os dispositivos acima transcritos, o advogado ou procurador que pretender realizar sustentação oral durante a sessão de julgamento em ambiente virtual, deve enviar antes do início do julgamento o arquivo eletrônico de vídeo e áudio contendo a sua manifestação. Verifica-se, evidentemente, uma violação do art. 937, do CPC, segundo o qual os advogados e procuradores que desejarem fazer sustentação oral das razões recursais farão o uso da palavra após a apresentação do relatório, sendo dada a palavra, sucessivamente, ao recorrente e, depois, ao recorrido. Viola-se, como já apontado, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Outro problema que se verifica da simples leitura dos dispositivos acima transcritos é o de que os advogados e procuradores não podem fazer esclarecimentos no curso dos julgamentos, como costuma acontecer na sessão de julgamento realizada em caráter presencial e aberta ao público. Mais uma vez, são maltratadas normas fundamentais do processo civil acima referidas. Por essas e outras razões, em 22 de abril de 2020, veio a Resolução n. 6753, do SThttp://f. O art. 5º-A, da Resolução 642/2019, sofreu as seguintes alterações: "(...) Art. 2º Os §§ 1º e 2º do art. 5º-A da Resolução nº 642, de 14 de junho de 2019, passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 5º-A............. § 1º O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico do SThttp://f, gerando protocolo de recebimento e andamento processual. § 2º As sustentações orais por meio eletrônico serão automaticamente disponibilizadas no sistema de votação dos Ministros e ficarão disponíveis no sítio eletrônico do SThttp://f durante a sessão de julgamento." Art. 3º http://ficam acrescidos os §§ 5º e 6º ao art. 5º-A da Resolução nº 642, de 14 de junho de 2019: "Art. 5º-A............. .............................. § 5º A Assessoria do Plenário e as Turmas certificarão nos autos o não atendimento das exigências previstas nos §§ 3º e 4º. § 6º Iniciada a sessão virtual, os advogados e procuradores poderão realizar esclarecimentos exclusivamente sobre matéria de fato, por meio do sistema de peticionamento eletrônico do SThttp://f, os quais serão automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos Ministros." Como é possível perceber, houve um louvável esforço para resolver os problemas apontados na Resolução anterior. Em primeiro lugar, impõe-se que o arquivo contendo a sustentação oral das partes seja disponibilizado no sítio eletrônico do SThttp://f durante a sessão de julgamento (resolução 642/2019, art. 5ºA, § 2º). Em segundo lugar, foi assegurado aos advogados e procuradores o direito de fazer "esclarecimentos exclusivamente de fatos" durante a sessão de julgamento em ambiente virtual, por meio do sistema de peticionamento eletrônico (Resolução n. 642/2019, art. 5ºA, § 6º). Entretanto, não ficou resolvido totalmente o problema de observância do princípio do contraditório e da também o da ampla defesa consagrados no art. 937, do CPC, quando asseguram que primeiro será dada a palavra ao recorrente e depois ao recorrido, ou seja, sucessivamente. Pense-se, por exemplo, no caso de o recorrente apresentar o vídeo da sustentação oral no último dia da sessão de julgamento virtual. Como o recorrido vai conseguir falar sobre tal sustentação oral? Posteriormente, veio uma outra alteração na Resolução n. 642/2020, por meio da Resolução n. 684, de 21 de maio de 20204, para afirmar que o § 1º do art. 2º da referida norma passará a ter a seguinte redação: "§ 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 6 (seis) dias úteis para se manifestar". Isto é, a duração da sessão de julgamento virtual passou de 5 (cinco) dias úteis para 6 (seis) dias úteis5. Enfim, permanece não solucionado o problema de não ser observada a imposição de que as sustentações orais de recorrente e recorrido aconteçam de modo sucessivo. Este problema guarda semelhança com outro que já existia na vigência do art. 554 do CPC/19736. Como o dispositivo legal em questão bem destaca, a exemplo do que faz o art. 937 do CPC atual, as razões a serem sustentadas são as do recurso e não outras quaisquer que a parte ou seu advogado tenham identificado após a sua interposição. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery são categóricos ao afirmarem que "a sustentação oral não se presta a permitir que a parte traga fundamentação distinta daquela que está contida no arrazoado que acompanha a interposição do recurso"7. Apesar disso, pode acontecer de a parte mesmo assim veicular razões novas em sua sustentação oral ou até mesmo alertar os julgadores da existência de matérias cognoscíveis de ofício ainda não apreciadas8. É importante que o recorrido fale depois do recorrente para poder se manifestar sobre tudo o que foi colocado para debate e apreciação do tribunal em matéria recursal, inclusive no curso da sustentação oral de quem interpôs o recurso. Semelhante questão se coloca na apresentação de manifestação oral durante a audiência de instrução e julgamento a que se refere o art. 364, do CPC atual, que dispõe o seguinte: "Art. 364. http://finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz" (grifos nossos). Ao final da audiência, o juiz deve dar a palavra ao autor e ao réu, sucessivamente, para apresentarem suas razões finais, antes de proferir o julgamento. Caso entenda que a demanda é complexa, pode o juiz facultar às partes a apresentação de memoriais escritos, no lugar das razões finais que deveriam ser apresentadas oralmente ao final da audiência de instrução e julgamento. Note-se que, nesse caso, a apresentação de memoriais também deve ser sucessiva e não simultânea, justamente por causa da necessária observância do princípio do contraditório, da ampla defesa e da publicidade. Conforme bem observam Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, "realmente, conferindo ao réu o privilégio de manifestar-se por derradeiro, sempre sucessivamente ao pronunciamento do autor, o contraditório somente se aperfeiçoará ante a cientificação do réu das razões precedentemente expedidas pelo antagonista. Estas, por sua vez, devem ser, desde logo, e antecedentemente, encartadas nos autos, a fim de que, publicizadas, se façam devidamente conhecidas. Não fosse assim, e o processo estaria destituído de sua precípua finalidade, com a sua clarificada estrutura dialética cedendo passo à escuridão do sigilo, certamente a própria negação da imperiosidade da paridade de armas em todo o iter procedimental"9. No âmbito recursal, à luz de tudo o que foi exposto, a mesma estrutura dialética deve ser rigorosamente observada, dando-se primeiro a palavra ao recorrente e depois ao recorrido, tendo tornada pública a manifestação do recorrente feita em primeiro lugar, para que o recorrido possa se manifestar levando em consideração o que seu adversário sustentou. Em suma, não deve haver prazo comum ou simultâneo, para as partes apresentarem arquivos contendo a gravação em áudio ou vídeo da sua sustentação oral, como dá a entender o art. 5º-A, § 1º, da resolução 642, de 14 de junho de 2019. Por força do art. 93, inciso IX, do art. 5º, inciso LV, ambos da Constituição http://federal, bem como do art. 937, do CPC atual, a apresentação de sustentação oral das razões recursais deve ser feita de modo sucessivo (primeiro o recorrente e depois o recorrido), sendo que é imprescindível que seja tornada pública em primeiro lugar a sustentação oral do recorrente, para depois começar a fluir o prazo para apresentação de sustentação oral por parte do recorrido. Por óbvio, seria possível trazer mais outra série de reflexões sobre a disciplina legal "plenário virtual" do SThttp://f (por exemplo, a questionável possibilidade de um ato normativo do SThttp://f alterar o CPC e ir contra a Chttp://f ou o fato de não haver a publicidade necessária da sessão para saber se os julgadores de fato estão sendo verdadeiramente expostos à sustentação oral como a lei quer que aconteça), mas isso pode ficar para uma outra oportunidade. __________ 1 Resolução 642, de 14 de junho de 2019. (acesso em 24.02.2021). 2 Resolução 669, de 19 de março de 2020. (acesso em 24.02.2021) 3 Resolução 675, de 22 de abril de 2020. (acesso em 24.02.2021) 4 Resolução 684, de 21 de maio de 2020. (acesso em 24.02.2021) 5 Vale mencionar que depois ainda for promulgada a resolução 690, de 1 de julho de 2020, para tratar de aspectos relativos à ata de julgamento, bem como o Procedimento Judiciário n. 11, de 4 de agosto de 2020 , para regulamentar o envio e formatos dos arquivos enviados ao STJ pelos advogados e procuradores. 6 CPC/1973, art. 554: "Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, se o recurso não de embargos declaratórios ou de agravo de instrumento, dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos cada um, a fim de sustentarem as razões do recurso". 7 Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 811. 8 MARTINS, Sandro Gilbert. Sustentação oral. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. V. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 418. 9 TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Indevido processo legal decorrente da apresentação simultânea de memoriais.Revista dos tribunais, n. 662. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 29.
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656/RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que: "3-  Embora  existissem  negócios  jurídicos  processuais  típicos no CPC/73,  é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral  de  negociação  por  meio  da qual se concedem às partes mais poderes  para  convencionar  sobre  matéria  processual, modificando substancialmente  a  disciplina  legal  sobre  o tema, especialmente porque  se  passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos. 4-  O  novo  CPC,  pois,  pretende  melhor  equilibrar a constante e histórica  tensão entre os antagônicos fenômenos do contratualismo e do  publicismo processual, de modo a permitir uma maior participação e  contribuição  das partes para a obtenção da tutela jurisdicional efetiva,  célere  e  justa,  sem despir o juiz, todavia, de uma gama suficientemente  ampla de poderes essenciais para que se atinja esse resultado,  o que inclui, evidentemente, a possibilidade do controle de  validade dos referidos acordos pelo Poder Judiciário, que poderá negar a sua aplicação, por exemplo, se houver nulidade. 5- Dentre os poderes atribuídos ao juiz para o controle dos negócios jurídicos processuais celebrados entre as partes está o de delimitar precisamente o seu objeto e abrangência, cabendo-lhe decotar, quando necessário,  as questões que não foram expressamente pactuadas pelas partes  e  que, por isso mesmo, não podem ser subtraídas do exame do Poder Judiciário. (...). 8- Admitir que o referido acordo, que sequer se pode conceituar como um  negócio  processual  puro, pois o seu objeto é o próprio direito material  que  se  discute  e  que  se  pretende  obter  na  ação de inventário,  impediria  novo  exame  do  valor  a  ser  destinado ao herdeiro  pelo  Poder  Judiciário,  resultaria na conclusão de que o juiz  teria  se tornado igualmente sujeito do negócio avençado entre as  partes  e, como é cediço, o juiz nunca foi, não é e nem tampouco poderá  ser  sujeito  de negócio jurídico material ou processual que lhe  seja  dado  conhecer  no exercício da judicatura, especialmente porque  os  negócios jurídicos processuais atípicos autorizados pelo novo  CPC são apenas os bilaterais, isto é, àqueles celebrados entre os sujeitos processuais parciais. 9- A interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser  restritiva,  de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de  questões  relacionadas  ao  direito  material  ou processual que obviamente  desbordem  do  objeto convencionado entre os litigantes, sob  pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC." O acórdão consolida o entendimento de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".  Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".  Luiz Guilherme Marinoni2observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."  Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...".  Cassio Scarpinella Bueno4 doutrina que os negócios processuais podem versar, por exemplo, sobre escolha de conciliador, mediador e da câmara de mediação, suspensão do processo, escolha do perito, escolha do administrador depositário, e redução de prazos.  Para Fredie Didier Jr.5, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do artigo 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim6, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (artigos 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais.  Fredie Didier Jr.7, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos.  Humberto Theodoro Jr8. defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"9. Doutrina, ainda, que: "Por sua vez, para além dos elementos intrínsecos do ato, viu-se que o juiz deve apreciar os limites dos atos, os quais, neste trabalho, foram identificados como sendo: os direitos fundamentais, as garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros".10  Neste cenário, sem dúvida merece grande destaque o julgamento do REsp n. 1738656 / RJ, pois já sinaliza um campo de direção, por parte do Superior Tribunal de Justiça, acerca do entendimento da Corte Superior sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 217. 5 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402. 7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388. 8 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 9 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152. 10 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
A sucumbência recursal é um dos institutos do Código de Processo Civil de 2015 que mais gera controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Em artigo de minha autoria e publicado, em 10/09/2020, nessa coluna tive oportunidade de analisar acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou a incidência de sucumbência recursal no caso da parte não sucumbente somente recorrer para a majoração dos honorários advocatícios1. Esse era o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO QUE, NO TRIBUNAL DE ORIGEM, INADMITIRA O RECURSO ESPECIAL, PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL, NA HIPÓTESE. ART. 1.042 DO CPC/2015. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO, POR INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ARBITRAMENTO, NA ORIGEM, APENAS EM FAVOR DA PARTE AUTORA, VENCEDORA DA LIDE, ORA AGRAVANTE. MAJORAÇÃO, PELA DECISÃO AGRAVADA, DOS HONORÁRIOS ANTERIORMENTE FIXADOS, AGORA EM FAVOR DO INSS, EM FACE DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Agravo em Recurso Especial interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. A decisão ora agravada não conheceu do Agravo em Recurso Especial, ante a sua intempestividade, majorando os honorários de advogado - fixados, pela instância de origem, em favor do autor, vencedor da lide, ora agravante - em favor do INSS, réu sucumbente na ação. (...) VI. Na forma da jurisprudência, 'o recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária. O texto do §11 do art. 85 do CPC/15, prevê, expressamente, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias ordinárias, como na espécie, não haverá incidência da referida regra' (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 31/08/2017). VII. Como o texto do § 11 do art. 85 do CPC/2015 prevê, que somente serão majorados os 'honorários fixados anteriormente', não há que se majorar, no caso, os honorários advocatícios, nos termos do aludido dispositivo legal, em favor do INSS, sucumbente no feito, uma vez que não houve prévia fixação, pelas instâncias ordinárias, de honorários de advogado em desfavor da parte autora, ora agravante, vencedora da lide, mas, sim, em favor dela. VIII. Agravo interno parcialmente provido, apenas para excluir a majoração de honorários advocatícios em desfavor da parte ora agravante, vencedora da lide" (AgInt no AREsp 1.561.715/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/4/2020, DJe 24/4/2020) No mesmo sentido é o entendimento da Segunda Seção do STJ:  "recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação, que não seja conhecido, rejeitado ou não provido, não implica honorários recursais para a parte contrária" (STJ-2ª Seção, ED no REsp 1.625.812-EDcl-AgInt-EDcl, Min. Ricardo Cueva, j. 30.06.2020, DJ 04.08.2020)2. Quando a matéria parecia pacificada, surge novo julgado da mesma Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, com entendimento diametralmente oposto ao entendimento anteriormente citado, conforme se depreende da ementa do julgado: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. VIOLAÇÃO A NORMATIVO FEDERAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO VENCEDOR DA DEMANDA. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESPROVIMENTO. POSSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DE VERBA RECURSAL EM SEU DESFAVOR. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SÚMULA 284/STF. 1. É cabível a condenação em honorários recursais no julgamento de apelação interposta pela parte que, embora vencedora na demanda, recorra para o fim de majoração dos honorários sucumbenciais estipulados em seu favor. Inteligência do art. 85, § 11, do CPC/2015. 2. Não se conhece do recurso especial que se fundamenta na existência de divergência jurisprudencial, mas se limita, para a demonstração da similitude fático-jurídica, à mera transcrição de ementas e de trechos de votos, assim como tampouco indica qual preceito legal fora interpretado de modo dissentâneo. Hipótese, por extensão, da Súmula 284/STF. 3. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. (AREsp 1566177/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 21/09/2020) Do voto do relator podemos destacar o presente trecho: "Esse há de ser o entendimento também para a hipótese do vencedor de toda a demanda: se apesar disso a parte insiste em recorrer somente com o intuito de aumentar o ganho obtido com os honorários, mas isso especificamente não lhe é dado, o advogado da parte adversária merece ser remunerado por ter evitado que o seu constituinte tivesse um agravamento na sua situação processual. Como referido antes, se assim não for se estará criando em favor de uma das partes o privilégio de recorrer livremente sem que possa vir a ter nenhum decréscimo financeiro com a desventura do recurso, inclusive com eventuais acessos às instâncias superiores." A leitura do artigo § 11 do artigo 85 parece afastar tal possibilidade, pois o dispositivo prevê que o "tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente". No caso julgado, o Vencedor não foi condenado ao pagamento de honorários em primeira instância, logo, não pode ser condenado ao pagamento de Sucumbência Recursal ao ter seu recurso para majoração dos honorários não conhecido ou improvido. Esse novo entendimento da Colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça pode até ser mais justo, entretanto, quer nos parecer que a fixação originária de sucumbência recursal, demandaria uma alteração legislativa, com expressa previsão de tal possibilidade no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. Dada a divergência do entendimento da Segunda Turma com o entendimento da Segunda Seção, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça analise o tema e pacifique o entendimento sobre o cabimento ou não de honorários recursais nesses casos. __________ 1 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios. 2 No mesmo sentido é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carilho Lopes: "Se o recurso for interposto exclusivamente para discutir o valor ou outra questão referente a uma sanção proces­sual (multa, honorários advocatícios, reembolso de despesas, etc. - supra, n. 119), não é cabível o arbitramento de honorários recursais." (Comentários ao Código de Processo Civil, V. II, Das Partes e dos Procuradores, 2ª Edição, São Paulo: Saraiva, página 189).
O chamado processo de execução pressupõe uma prévia crise de inadimplemento. O credor busca receber o seu crédito, quando por vezes, já frustrada a tentativa de recebimento extrajudicial, a buscar como última alternativa o Poder Judiciário, cujos atos de coerção a serem aplicados se destinarão à satisfação da tutela executiva. A racionalidade acima parece óbvia, até porque rígidos são os requisitos necessários a aparelhar o manejo do processo de execução que, pelas razões acima, é moldado a satisfazer a tutela executiva de forma rápida, célere e na esperança de imprimir efetividade. Nesse contexto o art. 782, § 3º, do CPC assegura a parte requerer a inclusão do nome do executado no rol de cadastro de inadimplentes, providência esta que permanecerá (i) até que se tenha notícia nos autos do pagamento da dívida, (ii) garantida da execução ou (iii) alguma das hipóteses que autoriza a extinção da tutela executiva1. Em outras palavras, a medida busca propiciar coerção sobre a esfera do devedor, a ponto de forçá-lo a comparecer em juízo, dar alguma satisfação sobre a dívida inadimplida, lembrando que tal medida coercitiva pode ser revogada pelo próprio magistrado. A despeito da inteligência do art. 782, § 3º não condicionar seu deferimento a nenhuma hipótese taxativa, é certo que tal requerimento restou indeferido ao fundamento de existir meios técnicos e expertise do exequente em promover a inscrição direta do nome do devedor junto aos órgãos de proteção de crédito. Todavia, referida decisão restou reformada pela 3ª Turma do STJ: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. REQUERIMENTO DE INCLUSÃO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO CPC/2015. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE INDEFERE O PLEITO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA DAS PARTES REQUERENTES. IMPOSSIBILIDADE. NORMA QUE DEVE SER INTERPRETADA DE FORMA A GARANTIR AMPLA EFICÁCIA À EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA. 1. Ação de execução de título executivo extrajudicial, tendo em vista o inadimplemento de débitos locatícios. 2. Ação ajuizada em 18/1/17. Recurso especial concluso ao gabinete em 08/09/2020. Julgamento: CPC/15. 3. O propósito recursal é definir se o requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/15) pode ser indeferido sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito. 4. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. 5. O dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. Ademais, depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto. 6. Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual. 7. Na espécie, o indeferimento do pleito pelo Tribunal de origem deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/15. 8. Assim, impõe-se o retorno dos autos à origem para que seja analisada, na hipótese concreta dos autos, a necessidade de se deferir a inclusão do nome da devedora nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, independentemente das condições econômicas das exequentes para, por si próprias, promoverem tal inscrição. 9. É possível ao julgador, contudo, ao determinar a inclusão do nome do devedor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/15, que atribua ao mesmo - desde que observada a condição econômica daquele que o requer - a responsabilidade pelo pagamento das custas relativas à referida inscrição." (STJ, REsp n. 1887.712-DF, Terceira Turma, j. 27.10.2020, v.u., grifou-se)  Com mais vagar, o voto condutor bem analisa:  (...) 5. Com efeito, o CPC/15 prevê um rol variado de medidas executivas típicas e, em evidente inovação, prevê a possibilidade de serem empregadas, também, medidas executivas atípicas para se obter a satisfação da obrigação, não delineadas previamente no diploma legal. 6. Tais medidas visam a garantir maior celeridade e efetividade ao processo, uma vez que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". 7. Com isso, o legislador optou por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material. 8. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. 9. Tal medida - também uma inovação trazida pelo CPC/15 - é salutar, pois tende a inibir a inadimplência venal que usa do trâmite judicial para procrastinar a satisfação da obrigação (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.749). 10. De fato, o apontamento do nome do devedor nos cadastros de maus pagadores representa inegável limitação de crédito, de maneira que a medida pode atuar de forma positiva no cumprimento, por parte daquele, da obrigação inadimplida, afinal, a inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento ou se for garantida a execução (art. 782, § 4º, do CPC/15). 11. Por este motivo é que se elucida que na execução indireta (medidas atípicas), as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor (REsp 1.788.950/MT, 3ª Turma, DJe 26/4/19). 12. Salienta-se que o dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. (...) 16. Não se descura, tampouco, de que, nos termos do art. 6º do CPC/2015, todos os sujeitos do processo - aí incluindo-se o julgador - devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 17. Vale lembrar que esta 3ª Turma, recentemente, analisou a questão sob a ótica da necessidade de se haver um prévio requerimento extrajudicial da parte antes do pleito judicial fundado no art. 782, § 3º, do CPC/15. Em conclusão, entendeu-se que não há qualquer óbice para que o requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, sem a necessidade de ter havido prévio requerimento extrajudicial. 18. Em seu voto, o min. relator bem elucidou que: Ocorre que, conquanto o magistrado não esteja obrigado a deferir a medida executiva prevista no referido dispositivo, não se revela legítimo o fundamento adotado pelas instâncias ordinárias no caso ora em julgamento, no sentido de que "o acionamento do aparato judiciário somente se justifica se o credor não conseguir obter administrativamente a averbação da existência da ação nos referidos cadastros" (e-STJ, fl. 42). Ora, além de o Tribunal de origem ter criado um requisito não previsto em lei para a adoção da medida executiva de negativação do nome do devedor, tal entendimento está na contramão de toda a sistemática trazida com o novo Código de Processo Civil, em que se busca a máxima efetividade da tutela jurisdicional prestada, conforme já destacado. Com efeito, em decorrência do princípio da efetividade do processo, a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015, que possibilita a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes, deve ser interpretada de forma a garantir maior amplitude possível à concretização da tutela executiva, não sendo razoável que o Poder Judiciário imponha restrição ao implemento dessa medida sem qualquer fundamento plausível e em manifesto descompasso com o propósito defendido pelo novo CPC, especialmente em casos como o presente, em que as tentativas de satisfação do crédito foram todas frustradas. Não se olvida que nada impede que o credor requeira extrajudicialmente a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Todavia, também não há qualquer óbice para que esse requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, como possibilita expressamente o art. 782, § 3º, do CPC/2015 (REsp 1.835.778/PR, 3ª Turma, DJe 06/02/2020) (grifos acrescentados). 19. Importante salientar que o indeferimento do pleito pelo TJDFT deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação - o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015."(grifou-se)  O entendimento acima soa acertado. Respeitado entendimento em sentido contrário, soa temerário ao intérprete exigir requisitos onde o legislador não criou, até porque o processo de execução é aparelhado a serviço do credor inadimplido (Princípio da Execução), a caber ao Poder Judiciário o manejo de técnicas e mecanismos destinados à satisfação da tutela executiva, reservado ao devedor, sempre, o exercício do contraditório e ampla defesa. Inverter tal lógica significa fomentar a inadimplência, senão mitigar o já difícil e tortuoso caminho da efetividade da tutela executiva2. _____________ 1 Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá. § 1º O oficial de justiça poderá cumprir os atos executivos determinados pelo juiz também nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região metropolitana. § 2º Sempre que, para efetivar a execução, for necessário o emprego de força policial, o juiz a requisitará. § 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. § 4º A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento, se for garantida a execução ou se a execução for extinta por qualquer outro motivo. § 5º O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.  2 É certo que falta dados empíricos a demonstrar o que é mais comum no cenário brasileiro: crises de inadimplemento que culminam em dezenas de ações de execução cuja tentativa de satisfação do crédito se arrasta por anos ou, de outra banda, eventual abuso por parte de magistrados quanto a aplicação das medidas executivas? A resposta a tais indagações deveria ser condição primária para toda e qualquer tentativa interpretativa quanto ao comando da lei, em especial a limitação de medidas executivas atípicas.
Como se sabe, nos termos do art. 135, do CPC, com a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser determinada a citação da pessoa jurídica, do sócio ou do administrador para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Entretanto, se a hipótese for de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade falida, não deve haver suspensão do processo principal conforme dispõe o § 3º do art. 134 do CPC, em razão do disposto no parágrafo único do art. 82-A, da lei 11.101/2005, com a redação dada pela nova lei 14.112/2020. O teor do art. 82-A, da lei 11.101/2005, é o seguinte: "Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)" (grifos nossos). Em outras palavras, se o juízo falimentar determinar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o processo de falência não deve ser suspenso (não se aplica o § 3º do art. 134, do CPC). É dizer, o processo de falência deve continuar mesmo com a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. E mais: não só o processo de falência deve continuar em relação à sociedade falida, mas também os demais processos contra os sócios, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - SUSPENSÃO - Decisão agravada que determinou a paralisação do feito executivo até o trânsito em julgado da decisão que estendeu os efeitos da falência aos sócios, ora executados - Inadmissibilidade - Desconsideração da personalidade jurídica, ainda que realizada no âmbito do juízo falimentar, que não obsta o prosseguimento das execuções individuais perante os sócios da falida, afetando apenas certas relações jurídicas - Art. 50 do CC/02 - Mesmo nos casos mais graves, em que há decreto de indisponibilidade de bens, é clara a jurisprudência de que esta medida apenas visa evitar a dilapidação patrimonial do devedor, não o prosseguimento de cobranças individuais, estranhas à empresa falida - Decisão reformada - Recurso provido." (TJSP; Agravo de Instrumento 2190987-61.2020.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/12/2020; Data de Registro: 16/12/2020) Assim, quanto aos integrantes da pessoa jurídica "(...) mesmo nos casos mais graves em que há decretação de indisponibilidade de bens dos sócios, nos termos do art. 82, §2º da lei 11.101/05 não há óbice, a princípio, ao prosseguimento de outros feitos executivos individuais em face dos sócios, inclusive com constrições, sendo certo que tal determinação tem como objetivo primordial obstar a dilapidação patrimonial do sócio devedor (...)". Por fim, no tocante ao processo principal (o de falência), também não há que se falar em suspensão, pois vários atos precisam ser praticados com celeridade para salvaguardar os interesses dos credores, como agora está disposto no art. 82-A, da lei 11.101/2005, com a nova redação dada pela nova lei 14.112/2020.
O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal está em linha com doutrina que já tivemos a oportunidade de defender. Conforme notícia no site do Supremo Tribunal Federal: "Por decisão majoritária, o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou a possibilidade de a Fazenda Nacional tornar indisponíveis, administrativamente, bens dos contribuintes devedores para garantir o pagamento dos débitos fiscais a serem executados. No entanto, também por maioria dos votos, admitiu a averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora. A decisão foi tomada na tarde desta quarta-feira (9.12.20), durante o julgamento conjunto de seis ações diretas de inconstitucionalidade. As ações foram ajuizadas pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 5881), pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ADI 5886), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (ADI 5890), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5925), pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 5931) e pela Confederação Nacional do Transporte (ADI 5932)."1 A lei 13.606/18 e a Portaria 33 da PGFN dialogam com os princípios da efetividade e eficiência, buscando-se um modelo que permita à Fazenda Nacional localizar, previamente ao ajuizamento da execução fiscal, bens do devedor, além de prever expressamente que caso não sejam localizados bens do devedor, a Procuradoria da Fazenda Nacional pode ficar dispensada de ajuizar a execução fiscal. Uma vez formado o título executivo em favor da Fazenda Nacional, o devedor será notificado para pagar o débito em 5 (cinco) dias. Caso não seja pago o débito, a Fazenda Pública poderá: (i) comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e (ii) averbar, inclusive por meio eletrônico, o título executivo nos registros de bens e direitos sujeitos ao arresto ou à penhora. E é certo que a redação Portaria 33 da PGFN já havia esclarecido o alcance dos efeitos da averbação pré-executória, sendo certo que os bens que forem objeto de tal "apontamento" não podem ser considerados "indisponíveis" nos termos do inciso II do parágrafo terceiro do artigo 20-B da lei 13.606/18. Isto porque, como já defendemos, nem mesmo a futura penhora de um bem, no trâmite da execução, pode o tornar indisponível para fins legais. O bem penhorado ainda pode ser objeto de negócio jurídico, por exemplo. A penhora apenas rege a preferência do credor quando da excussão do bem constrito, bem como individualiza a parte do patrimônio do devedor que está atrelada à determinada execução. Assim, nos termos da própria Portaria 33 da PGFN, como já defendemos, o termo "indisponível" usado para fins da lei 13.606/18 parece mais sinalizar a intenção do Poder Público de dar publicidade da existência do crédito em favor da Fazenda Pública, evitando-se futura e eventual fraude à execução, bem como parece já individualizar a parte do patrimônio do devedor que estará sujeita à futura penhora na execução fiscal que deverá ser ajuizada. Não se trata propriamente de uma indisponibilidade. E foi nesta linha que caminhou o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo-se válida a dinâmica da averbação pré-executória, mas ressalvando-se, acertadamente, que tal averbação não gera indisponibilidade de patrimônio.     __________ 1 Plenário veda indisponibilidade de bens dos devedores da Fazenda Pública, mas admite averbação.
Um dos temas mais controvertidos do Código de Processo Civil de 2015 é o agravo de instrumento, o rol supostamente taxativo previsto no artigo 1.015 e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a "taxatividade mitigada" de tal rol.                                        Esse é o tópico mais estudado em relação ao CPC/2015 e já foi objeto de muitos artigos em nossa coluna. A partir do momento em que o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a interposição de agravo de instrumento em hipóteses não previstas pelo artigo 1.015, a Corte passou a ser instada a decidir em quais oportunidade seria possível a interposição do agravo de instrumento fora das hipóteses previstas. A referida novela ganhou mais um capítulo com o recentíssimo julgamento da Segunda Seção do STJ quanto ao cabimento do Agravo de Instrumento no processo de recuperação judicial e na falência. Tal tema já foi objeto de análise pelo professor Daniel Penteado de Castro, em artigo publicado nesta coluna no dia 05 de março de 20201. Em referido artigo foi exposto que a questão havia sido afetada para julgamento da Segunda Seção do STJ, eis que na Recuperação Judicial e na Falência não poderia ser aplicada, de imediato, a tese firmada no Tema 988/STJ, quanto a taxatividade mitigada. Em 03/12/2020 a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu a seguinte tese: "É cabível agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, CPC"2. A Segunda Seção entendeu que a melhor interpretação é que a recorribilidade imediata por agravo das decisões interlocutórias não abrange apenas a liquidação e a execução previstas no CPC/2015, ao contrário, contemplam também processos que, porquanto disciplinados por legislação extravagante, possuam natureza jurídica de liquidação e execução, como é o caso dos processos de recuperação judicial e falimentar. Nesse mesmo sentido já tínhamos entendimentos do próprio Superior Tribunal de Justiça3 e era o entendimento majoritário de nossa doutrina4. Definiu-se também a modulação dos efeitos da tese jurídica da seguinte forma: A tese jurídica se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão que fixou a tese e a todos os agravos de instrumento interpostos antes da fixação da tese, ainda que se encontrem pendentes de julgamento ao tempo da publicação deste acórdão, excluindo-se, tão somente, os agravos de instrumento que não foram conhecidos pelos Tribunais Estaduais ou Regionais Federais por decisão judicial transitada em julgado. O tema agora resolvido na esfera judicial, será também objeto de alteração legislativa, caso não ocorra veto presidencial no PL nº 4.458/2020, na parte que trata da inclusão no artigo 189 da Lei de Falência e Recuperação Judicial da seguinte previsão: "as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa." Desse modo, restará plenamente garantida a possibilidade de interposição de agravo de instrumento em face de todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência. __________ 1 O distinguishing da taxatividade mitigada quanto ao cabimento de recurso de agravo de instrumento em processos envolvendo recuperação judicial e falência. 2 Recursos Especiais nºs 1.707.066 e 1.717.213. Acórdãos previstos para serem publicados em 10/12/2020. 3 Recurso Especial nº 1.722.866 (Rel. Min. Luis Felipe Salomão). Nesse mesmo sentido também é o Enunciado nº 69 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "A hipótese do art. 1.015, parágrafo único, do CPC abrange os processos concursais, de falência e recuperação".   4 Por todos, cita-se o professor Paulo Henrique dos Santos Lucon em artigo publicado no próprio site Migalhas: "É imperativo compatibilizar as particularidades da recuperação judicial e da falência com os princípios constitucionais e não há lógica em esperar o recurso de apelação para que se recorra de certas decisões interlocutórias, razão pela qual a exceção contida no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC, o qual flexibiliza a lógica da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, deve abranger hipóteses não expressamente previstas na LRF, para que seja reconhecida a possibilidade de interposição de agravo de instrumento ainda que fora das hipóteses previstas na aludida lei. Não aceitar tal interpretação extensiva, poderá resultar na retomada de antiga prática que será prejudicial ao sistema, qual seja, a de impetração de mandado de segurança contra decisões interlocutórias proferidas pelo juízo falimentar ou pelo juízo recuperacional. Tal prática poderá ensejar a indesejável demora no tramite de todo o processo, considerando os prazos alongados existentes para a impetração do writ, o que também não respalda o princípio da celeridade que deverá reger os procedimentos previstos na LRF."  
O tema honorários advocatícios tem ocupado espaço de recentes contribuições postas no bojo da presente coluna. Já foram referenciados julgados da Primeira à Quarta Turmas do STJ, que entenderam por afastar a aplicação da regra de equidade (art. 85, § 8º do CPC) nas hipóteses que não se enquadram na situação objetiva ali prevista pelo legislador, a prevalecer a inteligência do art. 85, § 2º do CPC1-2. Apontamos também recente julgado da Quarta Turma do STJ, forte em não se importar quanto a condenação milionária da verba honorária advocatícia aplicada, pois em verdade estava a cumprir fielmente com o comando previsto no art. 85, § 2º, do CPC3. Por sinal, tal questão específica consolidou o Tema n. 1046, por meio do qual o STJ, nos recursos especiais n. 1812301/SC e 1822171/SC, por meio do v. acórdão de 17.03.2020, publicado aos 26.03.2020, afetou, sob o regime de recursos repetitivos, o julgamento da seguinte questão jurídica: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015." O Professor Rogério Mollica também já contribuiu com a presente coluna ao tratar da sucumbência recursal e julgamento de embargos de declaração4, sem prejuízo de outro notável artigo quanto a impossibilidade de aplicação de sucumbência recursal na hipótese do recurso, improvido, ter por objeto exclusivo a majoração da verba honorária advocatícia anteriormente fixada5. Recentemente o STJ decidiu acerca da possibilidade ou não de majoração da verba honorária advocatícia (regra prevista no art. 85, § 11º, do CPC) quando, em havendo sucumbência recíproca, sobrevier recurso de uma ou ambas as partes: "AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. 2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. 3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que "[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". 4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui. 5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria. 6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência. 7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso. 8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC. 9. Agravo interno não provido." (AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.495.369/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 01.09.2020, grifou-se) Referido julgado, por unanimidade, bem observou: "(...) 4. No entanto, com a devida venia, penso que a sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC. De início, é importante ressaltar que, à luz do disposto no art. 22 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB), os honorários advocatícios contratuais - em que a parte convenciona livremente com o seu patrono - não se confundem com os sucumbenciais - que são devidos pelo derrotado na demanda, à luz da disposição contida na norma processual de regência. (...) Ademais, importante ressaltar que o novo Código de Processo Civil, no parágrafo 14 do art. 85, é expresso no sentido de que "[o]s honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial", de modo que não se aplica o entendimento desta Corte Superior, firmado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, de que "[o]s honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte" (Súmula 306/STJ). Sobre a questão, a doutrina de José Miguel Garcia Medina também aponta para essa solução, de que, havendo sucumbência recíproca, cada uma das partes é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência do patrono da parte contrária. Confira-se:  I. Honorários advocatícios e sucumbência recíproca. Os honorários advocatícios "pertencem ao advogado" (art. 23 da Lei 8.906/1994). Os honorários são remuneração pelo trabalho do advogado, tendo caráter alimentar. Assim, se ambas as partes forem sucumbentes, deverão ser condenadas a pagar ao advogado da outra o valor do honorários respectivos. Como credor dos honorários é o advogado (e não a parte por ele representada), os honorários devidos aos advogados de partes adversárias não podem ser compensados. Nesse sentido, o CPC/2015 dispõe que é vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). O art. 86 do CPC/2015, assim, deve ser compreendido a partir da leitura do § 14 do art. 85 do CPC/2015 (cf. também comentário ao art. 85 do CPC/2015). (In.: Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 192 - g.n.)  Assim, penso que, no tocante aos honorários de sucumbência, a relação jurídica se estabelece entre a parte e o advogado da parte contrária - e não entre a parte e o seu próprio causídico -, sob pena de exsurgirem situações incongruentes e de conflito de interesses, a seguir apontadas. (...) Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor. Insta salientar que essa providência também afasta qualquer tipo de conflito de interesses entre as partes e os advogados que as representam quando há o deferimento de gratuidade de justiça, tal como apontado alhures. Para se demonstrar o acerto da sistemática que ora se propõe, no caso dos autos - honorários de sucumbência fixados em R$ 100.000,00, o autor responsável por 20% das despesas, e o réu, arcando com 80% das despesas -; o autor deverá pagar R$ 20.000,00 devidamente corrigidos ao advogado do réu, ao passo que o réu deverá pagar ao advogado do autor R$ 80.000,00, devidamente corrigidos. Nesse contexto, ressoa inequívoco, a meu juízo, que estar caracterizada a sucumbência recíproca, por si só, não constitui óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC, nos casos em que estiverem presentes os requisitos para tal providência. A majoração, todavia, deverá incidir tão somente a parcela dos honorários de sucumbência que couber ao advogado que pode se beneficiar da regra contida no mencionado dispositivo legal (no caso, R$ 80.000,00), sob pena de, em determinadas situações, se majorar indevidamente a verba honorária de sucumbência do patrono da parte contrária. (...)"  O julgado supra citado compõe mais um capítulo do tormentoso tema "honorários advocatícios", desta feita, para afirmar e esclarecer que (i) sucumbência recíproca, diferentemente do regime do CPC/73, não significa determinar que "cada parte arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais do respectivo patrono" ou, ainda, "a compensação da verba honorária sucumbencial" (ponto inclusive vedado pelo art. 85, § 14, do CPC),  mas sim que, por se tratar de relações jurídicas distintas, a parcela sucumbente de cada parte há de ser paga ao patrono do ex adverso. Ainda, referido julgado complementa que, (ii) a majoração da verba honorária advocatícia recursal (art. 85, § 11º), também se aplica à hipótese de sucumbência recíproca, desde que a) a decisão recorrida tenha sido publicada sob a vigência do CPC/2015 (18/03/2016), b) o recurso não seja conhecido integralmente ou improvido, singularmente ou pelo colegiado competente e, c) haja sido fixada pretérita condenação na verba honorária advocatícia pelo juízo ou tribunal a quo, observados os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º, do art. 85 do CPC. __________ 1 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema. 2 Honorários advocatícios por equidade além da previsão legal: 1ª a 4ª Turmas do STJ já afastaram interpretação extensiva. Agora Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF. 3 Honorários Advocatícios por Equidade em Demanda de Valor Milionário. 4 Sucumbência recursal e o julgamento dos embargos de declaração. 5 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios.
A resolução n. 354, de 19/11/2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dispõe sobre "o cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial e dá outras providências". Mais especificamente, o art. 1º esclarece que "esta resolução regulamenta a realização de audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de primeira e segunda instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral, bem como nos Tribunais Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal". Vale notar que as "audiências telepresenciais" são definidas pela própria resolução em questão como sendo "as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias" (art. 2º, inc. II). Por sua vez, a "videoconferência" é definida como "comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias" (art. 2º, inc. I). No que diz respeito à possibilidade de realização e audiência de conciliação e mediação, o art. 3º, inc. IV, da referida resolução, estabelece que "as audiências telepresenciais serão determinadas pelo juízo, a requerimento das partes, se conveniente ou viável, ou, de ofício, nos casos de: (...) IV - conciliação ou mediação". Apesar de ser louvável a tentativa de buscar disciplinar a realização de atos processuais por meios telepresenciais, a resolução n. 354, de 19/11/2020, do CNJ, deixou de tratar com a objetividade e clareza necessárias de uma questão fundamental para toda e qualquer audiência de mediação ou conciliação: a confidencialidade. Com efeito, é crucial que o tema da confidencialidade seja enfrentado quando se estabelece que um juízo pode determinar a realização de audiência de conciliação ou mediação por meio de uma audiência telepresencial. Como é cediço, a audiência realizada por meio presencial pode ser gravada por quaisquer das pessoas que estejam dela participando e o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo recomenda a sua gravação em material divulgado em seu site na rede mundial. Assim, seria necessário compatibilizar o disposto no art. 3º, inc. IV, da resolução n. 354/2020, do CNJ, com o art. 136, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe: "Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes. § 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às sus funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundo da conciliação ou da mediação" (grifos nossos). O princípio da confidencialidade também está estampado no Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, anexo à resolução n. 125/2010, do CNJ, que foi alterado aos 4 de fevereiro de 2013 pelo Anexo III, que dispõe o seguinte em seu art. 1º, inciso I: "São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais, confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. I - Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese" (grifos nossos). A lei 13.140, de 26 de junho de 2015, também conhecida como Lei de Mediação, igualmente, estabelece em seu art. 2º, inc. VII, que a mediação será orientada pelo princípio da confidencialidade. Ou seja, com tantos dispositivos legais frisando que deverá ser observado o princípio da confidencialidade na realização da audiência de mediação e conciliação, o Conselho Nacional de Justiça poderia ter aproveitado a oportunidade para disciplinar a maneira pela qual será assegurada esta confidencialidade nas audiências de mediação e conciliação que serão realizadas pela forma telepresencial. Tal confidencialidade é importante para que as partes sintam-se livres para participar da mediação ou da conciliação e assim seja aumentada a probabilidade de sucesso na tentativa da resolução consensual do conflito. Se a audiência for realizada de maneira telepresencial, como permite a resolução n. 354/2020, as partes deveriam ter a garantia de que o registro ou a gravação da audiência não chegassem ao conhecimento de ninguém, inclusive do juiz. Se isso não acontecer, confidencialidade será mais uma palavra vazia de significado no CPC de 2015.
O parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 estabelece que, uma vez concedida a tutela provisória antecipada antecedente, "o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar". Questão interessante que se pontua é se o prazo de 15 dias referido acima apenas tem sua contagem iniciada após intimação judicial específica para tanto, bem como se essa intimação só deve ocorrer após a segurança de que não houve no caso concreto o fenômeno da estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15. No recentíssimo julgamento do Recurso Especial1.766.376/TO, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a abertura do prazo de que trata o parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 exige intimação judicial específica, bem como, expressamente, declarou que essa intimação só deve ocorrer caso o réu tenha evitado a estabilização da tutela nos termos do artigo 304 do CPC/15; e isso porque, conforme razões do voto da Ministra relatora, caso o réu não venha a se opor à concessão da tutela provisória antecipada antecedente, com a consequente estabilização dessa tutela provisória, não haveria motivo processual para o autor aditar sua petição inicial, uma vez que o processo será extinto nos termos do parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15. Veja-se:  "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. PROCEDIMENTO. ARTS. 303 E 304 DO CPC/15. ADITAMENTO DA INICIAL. INTIMAÇÃO ESPECÍFICA. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO E DA ECONOMIA PROCESSUAL. ARTS. 4º, 139, IX, 321, CAPUT, 304, CAPUT E § 1º, e 1.003, § 5º, do CPC/15. PETIÇÃO. JUNTADA. CONTEÚDO. CONHECIMENTO INEQUÍVOCO. HIPÓTESE CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. Ação de tutela antecipada em caráter antecedente, na qual se pleiteia o cumprimento de contrato de prestação de serviços, fornecimento e instalação de sistemas de controle de acesso, provedor de internet, telefonia VOIP e de monitoramento digital de imagens. 2. Recurso especial interposto em 17/07/17 e concluso ao gabinete em 14/09/18. Julgamento: CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em determinar se a juntada de petição pelo autor após a concessão da tutela antecipada antecedente é apta a: a) configurar a ciência inequívoca da parte a respeito de seu conteúdo e; b) demarcar o início do prazo de 15 (quinze) dias para o aditamento da petição inicial previsto no art. 303, § 1º, I, do CPC/15.  4. Nosso direito processual civil é instrumental e adota o sistema da legalidade das formas, de modo que é preciso que seu rigorismo formal seja observado com vistas a se oferecer segurança jurídica e previsibilidade à atuação do juiz e das partes, sendo abrandado quando o ato atingir a finalidade que motiva sua vigência. 5. A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente o conhecimento dos atos e dos termos do processo permite a cada litigante encontrar os meios necessários e legítimos à proteção de seus interesses. 6. No processo eletrônico, a ciência pessoal de todo o conteúdo do processo é presumida, em regra, com a intimação formal. Precedente. 7. Excepciona-se essa regra na juntada superveniente de petição cujo conteúdo revele a indispensável ciência de todo o conteúdo decisório, isto é, o inequívoco conhecimento da decisão e a plena ciência da parte de que deve tomar alguma atitude processual. Precedentes. 8. No CPC/15, a tutela provisória passa a ser uma técnica aplicada na relação processual de conhecimento ou de execução, mas que, na forma do art. 303, pode ser também requerida em caráter antecedente à própria formação da relação jurídica processual da tutela definitiva. 9. O propósito da previsão dos arts. 303 e 304 do CPC é, especificamente, proporcionar oportunidade à estabilização da medida provisória satisfativa, valorizando a economia processual por evitar o desenvolvimento de um processo de cognição plena e exauriente, quando as partes se contentarem com o provimento sumário para solucionar a lide. 10. O procedimento da tutela provisória é, portanto, eventualmente autônomo em relação à tutela definitiva, pois, para a superação dessa autonomia, é preciso que o requerido recorra da decisão que concede a antecipação da tutela, sob pena de a tutela estabilizar-se e o processo ser extinto. 11. Como, na inicial da tutela antecipada antecedente, o autor somente faz a indicação do pedido de tutela final, existe a previsão de que deve complementar sua argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro maior fixado pelo juiz. 12. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial, não são concomitantes, mas subsequentes. 13. Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo. 14. Como a interposição do agravo de instrumento é eventual e representa o marco indispensável para a passagem do "procedimento provisório" para o da tutela definitiva, impõe-se a intimação específica do autor para que tome conhecimento desta circunstância, sendo indicada expressa e precisamente a necessidade de que complemente sua argumentação e pedidos. 15. Na hipótese dos autos, o conteúdo da petição juntada pelo autor, na qual requer a aplicação de multa em razão do descumprimento da tutela antecipada, não permite concluir por seu conhecimento inequívoco da determinação de aditar a inicial. 16. Além disso, a intimação do autor para o aditamento da inicial e o início do prazo de 15 (quinze) dias para a prática desse ato, previstos no art. 303, § 1º, I, do CPC/15, exigem intimação específica com indicação precisa da emenda necessária, como realizado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição. 17. Recurso especial desprovido." (g.n.). O julgado acima, sem dúvida, é de enorme importância, pois ajuda a solucionar um claro conflito entre o prazo do artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, e a possibilidade de estabilização da tutela antecipada de que trata o artigo 304 do CPC/15. Até mesmo por economia processual, e em nome do princípio da eficiência de que trata o artigo 8º do CPC/15, faz todo o sentido exigir que o autor apenas proceda ao aditamento da petição inicial se o feito não estiver estabilizado nos termos do artigo 304 do CPC/15; dado que caso a tutela tenha se estabilizado, o processo será naturalmente extinto, conforme prevê o parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves1 leciona que: "o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, de certa forma conflita com a estabilização da tutela antecipada prevista no artigo 304 do novo cpc. Dentro da normalidade, o autor será intimado da concessão da tutela antecipada antes de o réu ser citado, de forma que se for computado o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, fatalmente o pedido de tutela antecipada já terá se convertido em processo principal quando o réu tiver a oportunidade de deixar de se irresignar contra a decisão concessiva. E nesse caso a extinção não será meramente do pedido de tutela provisória de urgência, mas sim do próprio processo principal. É possível até mesmo argumentar que, antes de saber se haverá ou não estabilização da tutela antecipada, não se pode exigir do autor a emenda de sua petição inicial, o que só se tornaria necessário se soubesse, diante da postura do réu, que o processo prosseguirá". (g.n.).     Fundamental, portanto, até mesmo para a segurança jurídica, foi a orientação dada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema em tela, adotando-se o norte de que: (i) a abertura do prazo de que trata o artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, exige intimação específica; e (ii) tal intimação só deverá se dar se não ocorrer a estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15.  *** ____________ 1 Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodium, 2016. p. 448.
Na Coluna de 16 de maio de 2019 foi trazido o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. Já em texto datado de 13 de agosto do corrente ano foi comentado o julgado proferido nos autos do RESP 1.815.055/SP, que causou perplexidade na comunidade jurídica com o entendimento, dessa vez restritivo da mesma previsão legal, no sentido de que não seria possível penhorar salário para pagamento de dívida decorrente de honorários advocatícios.2 Voltamos ao tema, pois recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que salário poderia ser penhorado para o pagamento de débitos condominiais, eis que tais débitos equivaleriam a verbas alimentares: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPESAS CONDOMINIAIS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO "ON LINE" DE CONTAS EM NOME DA DEVEDORA ANTES DA PENHORA DO IMÓVEL ATRELADO AO DÉBITO EXEQUENDO. INCIDÊNCIA DO ART. 835 DO CPC. NECESSIDADE DA MITIGAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DO SALÁRIO DA AGRAVANTE DIANTE DO DÉBITO CONDOMINIAL, EQUIVALENTE A CARÁTER ALIMENTAR. OBSERVAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE SOBRA SALARIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. Agravo de instrumento improvido, nos termos do acórdão.  (TJ/SP;  Agravo de Instrumento 2166485-58.2020.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Bárbara d'Oeste - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/09/2020; Data de Registro: 12/09/2020) Do referido julgado se extraí a conclusão de que "Embora o crédito condominial não possua caráter alimentar, a este equivale, pelo fato de que o condomínio depende unicamente da arrecadação das cotas-partes mensais no rateio, de maneira que o inadimplemento de um condômino onera indevidamente aos demais. Desse modo, o proprietário de imóvel sob regime de condomínio edilício deve honrar suas obrigações sob pena de inviabilizar o custeio essencial para a existência e manutenção do condomínio". Veja-se onde o ativismo judicial nessa matéria pode nos levar, pois com o afastamento do texto expresso da lei, temos julgados entendendo que os honorários advocatícios não teriam natureza alimentar e, por outro lado, que despesas condominiais equivaleriam a verba alimentar. É claro que todos que residem em condomínios sofrem com a inadimplência de outros condôminos, eis que o rateio das despesas acaba tendo de ser feito entre um número menor de unidades, sobrecarregando os adimplentes, principalmente nos edifícios com um menor número de unidades. Assim, no caso específico, o acórdão teria feito "justiça" ao tentar evitar a sobrecarga dos outros condôminos. Entretanto, por mais que se possa concordar com a flexibilização da penhora de salários3, fato é que o legislador optou, no artigo 833 do CPC/15, por manter várias causas de impenhorabilidades. Os vencimentos no montante de até cinquenta salários mínimos mensais são tidos por impenhoráveis.  A exceção seria para o pagamento de prestações alimentícias. Logo, ao se decidir que a prestação condominial seria equivalente à verba alimentícia, o acórdão, na melhor das intenções de assegurar o recebimento pelo credor, parece se distanciar da expressa previsão legal.  Desse modo, não se concordando com a previsão legal, deve-se buscar a alteração da lei pelo trâmite legislativo próprio. Simplesmente se afastar da expressa previsão legal pode até trazer o resultado esperado no caso concreto, mas acaba gerando grande insegurança e enfraquecendo o sistema jurídico como um todo. _______________ 1 Clique aqui  2 Clique aqui 3 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320).  
O CPC/2015 tornou obrigatória a realização de audiência de tentativa de conciliação e mediação prevista no art. 334. O art. 319, VII, impõe como requisito da petição inicial, sob pena de seu indeferimento (art. 321, parágrafo único), o autor optar pela realização ou não da audiência de tentativa de mediação ou conciliação, ao passo em que o art. 334 e §§s estabelecem que referida audiência não se realizará (i) quando a petição inicial não preencher seus requisitos iniciais ou não for a hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332), (ii) nas causas em que a autocomposição não for admissível1 e, (iii) desde que tanto o autor, quanto o réu se manifestem contrariamente nos autos a realização da aludida audiência2. O não comparecimento a referida audiência, realizada necessariamente por conciliador ou mediador, implica na imposição de multa à parte faltante, como ato atentatório à dignidade da justiça3. O estímulo pelas de realização da audiência de mediação ou conciliação obrigatória também é erigida à categoria de norma fundamental do processo civil (art. 3º, § 3º), além de compor um poder-dever do magistrado (art. 139, V). Portanto, o fomento ao intuito conciliatório foi opção política do legislador tendo como principal premissa as vantagens da realização de um acordo e imediata pacificação do conflito. Há também quem se oponha a obrigatoriedade de referida audiência sustentando argumentos, como a intransigência das partes em conciliar quando o conflito chegou a ponto de se judicializar, o custo de tempo e deslocamento (mercê num pais de dimensões continentais como o Brasil) para uma audiência em que uma das partes por vezes já é adversa à conciliação ou mediação e, por parte da magistratura, justificativas ligadas à demora para realização de referido encontro frente à inúmeras pautas de audiência já existentes, a percepção de que diante da narrativa da petição inicial a probabilidade de autocomposição é remota, a falta de estrutura, etc., fundamentos estes já apresentadas por juízes de primeira instância em decisões que dispensaram a realização da audiência obrigatória4. E, como já pudemos destacar em outra oportunidade5, alguns tribunais já decidiram não ser dever do magistrado a realização de aludida audiência quando verificado desinteresse por uma das partes, ou, ainda, há de se afastar a aplicação do art. 334, § 8º quando uma das partes reiteradamente postula pela ausência desinteresse na realização de referida audiência. Todavia, recentemente a Primeira Turma do STJ decidiu pela aplicação da multa prevista no art. 334, § 8º do CPC, frente ao não comparecimento de uma das partes na audiência de tentativa de conciliação: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECUSO ESPECIAL. A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO É FASE OBRIGATÓRIA DO PROCESSO CIVIL ATUAL. NOVA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA MULTIPORTAS. VALORIZAÇÃO DA COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL. TAREFA A SER IMPLEMENTADA PELO JUIZ DO FEITO. AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO DO INSS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 2% SOBRE O VALOR DA CAUSA. ART. 334, § 8o. DO CPC/2015. INTERESSE DO AUTOR NA REALIZAÇÃO DO ATO. MULTA DEVIDA. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação. O objetivo dessa auspiciosa inovação é hipervalorizar da concertación de interesses inter partes, em claro desfavor do vetusto incentivo ao demandismo. Mas isso somente se pode alcançar por meio da atuação inteligente dos Juízes das causas, motivados pelos ideais da equidade, da razoabilidade, da economia e da justiça do caso concreto. 2. Em seus artigos iniciais, o Código de Processo Civil prescreve que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3o., § 2o. do CPC/2015), recomendando que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução harmoniosa de conflitos sejam estimulados por Juízes, Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público (art. 3o., § 3o. do CPC/2015), inclusive no curso do processo judicial (art. 139, V do CPC/2015). Esses dispositivos do CPC pressupõem que os Julgadores abram as mentes para a metodologia contemporânea prestigiadora da visão instrumentalista do processo, levando-o, progressivamente, a deixar de ser um objetivo em si mesmo. 3. Reafirmando esse escopo, o CPC/2015, em seu art. 334, estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou de mediação após a citação do réu. Excepcionando a sua realização, tão somente, na hipótese de o direito controvertido não admitir autocomposição ou na hipótese de ambas as partes manifestarem, expressa 4. O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova Lei Processual Civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra de 1994, que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (art. 125, IV do CPC/1973 com redação dada pela Lei 8.952/1994), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente. 5. Rememore-se, aqui, aquela conhecida - mas esquecida - recomendação do jurista alemão Rudolph von Iherin (1818-1892), no seu famoso livro O Espírito do Direito Romano, observando que o Direito só existe no processo de sua realização. Se não passa à realidade da visa social, o que existe apenas nas leis e sobre o papel não é mais do que o simulacro ou um fantasma do Direito, não é mais do que meras palavras. Isso que dizer que, se o Juiz não assegurar a eficácia das concepções jurídicas que instituem as garantias das partes, tudo a que o Direito serve e as promessas que formula resultarão inócuas e inúteis. 6. No caso dos autos, o INSS manifestou desinteresse na realização da audiência, contudo, a parte autora manifestou o seu interesse, o que torna obrigatória a realização da audiência de conciliação, com a indispensável presença das partes. Comporta frisar que o processo judicial não é mais concebido como um duelo, uma luta entre dois contendores ou um jogo de habilidades ou espertezas. Exatamente por isso, não se deixará a sua efetividade ao sabor ou ao alvedrio de qualquer dos seus atores, porque a justiça que por meio dele se realiza acha-se sob a responsabilidade do Juiz e constitui, inclusive, o macro-objetivo do seu mister. 7. Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, inevitável a aplicação da multa prevista no art. 334, § 8o. do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do Direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça." (STJ, RESP n. 1769949/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08.09.2020, v.u., grifou-se) Em voto vista da lavra do Ministro Benedito Gonçalves, restaram acrescidos outros fundamentos além dos acima citados e que encabeçaram o voto condutor: "(...) Assim, em razão de expressa disposição legal, a audiência de conciliação só não se realizará quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse, ou se a hipótese não admitir autocomposição. Desta forma, ambas as partes têm oportunidade para manifestar o desinteresse na audiência de composição, e por não se manifestarem estão sujeitos à penalidade pela ausência injustificada, como dispõe o §8º daquele artigo: "§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado". (destaquei) No caso dos autos, a audiência de conciliação foi designada após o prazo previsto no artigo 334, sendo a Autarquia Previdenciária, ora recorrente, intimada, pessoalmente, apresentou petição noticiando o desinteresse na composição consensual, contudo, deixou de observar que a parte autora, ora recorrida, mantinha o seu interesse na conciliação. Dessarte, o desinteresse na audiência por qualquer das partes deve ser expresso, não podendo o silêncio do autor ser interpretado como sendo interesse na composição. Na hipótese, conforme consignado no acórdão recorrido, não há nos autos manifestação da impossibilidade de comparecimento do ora recorrente na audiência. Importante registrar, que a manifestação de desinteresse na realização da audiência de conciliação apresentada pelo INSS não pode ser confundida com a justificativa da impossibilidade de comparecer ao ato, tratando-se de procedimentos com finalidade distintas, uma não se equiparando a outra. De ressaltar, que a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual. A ausência injustificada de quaisquer das partes à audiência de conciliação designada no juízo a quo, enseja a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Desse modo, a multa pelo não comparecimento em audiência deve ser mantida, porquanto, ainda que o Instituto Nacional do Seguro Social tenha peticionado o seu desinteresse na conciliação, nos termos do artigo 334, § 4º, inciso I, do CPC/2015, a audiência só não ocorre "se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual". Assim, considerando que a parte Autora, ora recorrida, não manifestou desinteresse, não ocorreu o cancelamento da audiência, motivo pelo qual o não comparecimento do INSS, ora recorrente se deu de forma injustificada. Logo, não há razão para a alteração do acórdão recorrido. Ante o exposto, acompanho o Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho para negar provimento ao recurso especial do INSS. É como voto.(...)" O julgado acima, se cotejado com os entendimento em sentido contrário, já revelados nesta coluna, apontam a divergência de tratamento que vem sendo dado à disciplina do art. 334 do Código de Processo Civil. Embora o tema seja relativamente novo, sob o prisma de amadurecimento e experiência em torno da obrigatoriedade de realização de audiência de tentativa de conciliação (em especial as questões que gravitam em torno de sua dispensa), impõe-se um entendimento uniforme para situações semelhantes que, acertado ou não, será aplicado a todos os jurisdicionados, sob pena de ferir a isonomia, previsibilidade e segurança jurídica, desafio este também confiado ao Código de Processo Civil de 2015 (arts. 926, 927 e 489, § 1º, V e VI) de onde se espera que as cortes superiores ao final uniformizem a interpretação dispensada à matéria. __________ 1 "Andou bem o legislador em evitar a distinção entre direitos disponíveis e indisponíveis pois mesmo nestes há possibilidade de autocomposição em relação às modalidades e prazos do cumprimento da obrigação. Por outro lado, é possível que o acordo seja parcial, cobrindo apenas a parte disponível do objeto litigioso". GRINOVER, Ada Pellegrini. In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 66. 2 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I, 58 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 803. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 251. 4 Outros magistrados, valendo-se de interpretação sobre a amplitude do poder de flexibilização procedimental (art. 139, VI), postergam a realização da audiência de tentativa de conciliação obrigatória para oportuno momento processual distinto da fase postulatória. 5 Audiência de tentativa de conciliação ou mediação obrigatória?
quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Será o fim do princípio da realidade?*

Como bem ensina Humberto Theodoro Jr., "quando se afirma que toda execução é real, quer-se com isso dizer que, no direito processual civil moderno, a atividade jurisdicional executiva incide, direta e exclusivamente, sobre o patrimônio, e não sobre a pessoa do devedor"1. Tal princípio está consagrado no art. 789, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), que estabelece que "O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei". A restrição ao princípio, conhecida por todos, está no art. 5º, inciso LXVII, que prevê, em casos excepcionais, a prisão do devedor de alimentos. Cumpre observar que tal princípio também é conhecido por "princípio da responsabilidade patrimonial", conforme a lição de Araken de Assis: "De ordinário, à execução contemporânea confere-se de exclusivo caráter real. Visa a execução, segundo opinião comum, ao patrimônio do executado. Efetivamente, a diretriz deriva do art. 789 do NCPC, que assenta o princípio da responsabilidade patrimonial do executado"2. Este princípio também está consagrado pelo art. 391 do Código Civil, ao estabelecer expressamente que "pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor". A solução que o próprio CPC/2015 dá para a hipótese de não serem encontrados bens penhoráveis do devedor está no seu art. 921, inciso III: o processo deve ser suspenso. Tal dispositivo está alinhado com o art. 789, do CPC/2015, pois o devedor também responde com seus bens futuros pelo cumprimento de suas obrigações. Assim, se ele ganhar na loteria, herdar algum bem ou trabalhar e construir um patrimônio, por exemplo, haverá penhora de "tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios" (CPC/2015, art. 831). Mas, nem todo mundo se conforma com esta suspensão do processo por não se encontrar bens do devedor prevista no inciso III do art. 921 do CPC/2015, como sabemos. Frequentemente é invocado o "princípio da efetividade", consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Em outras palavras, afirma-se que o direito do credor foi lesado e ele também tem direito "fundamental" a uma tutela jurisdicional efetiva3. Nesse contexto é que aparece em cena, de maneira triunfante no palco do processo, o art. 139, inciso IV, do CPC/2015, como se fosse o salvador da pátria para garantir a efetividade da execução. Encontrado na Parte Geral do CPC/2015, bem longe dos dispositivos relativos ao cumprimento de sentença e daqueles relativos ao processo de execução, o art. 139, que versa sobre os "poderes do juiz", dispõe que incumbe-lhe "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária" (inciso IV). Com base nesse dispositivo (CPC/2015, art. 139, inciso IV), passou-se a determinar a apreensão de passaportes e de Carteira Nacional de Habilitação para dirigir veículos automotores, cancelamento de cartões de crédito, proibição de participar de concursos públicos e uma série de outras medidas que parecem encontrar limites apenas na imaginação dos operadores do direito. Pretendemos aqui tratar apenas da apreensão de passaporte que, com o devido respeito aos que entendem o contrário, viola a liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, de qualquer cidadão. Nesse sentido, em acórdão já conhecido por muitos, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou contra a apreensão de passaporte como medida coercitiva para "compelir" um devedor a pagar uma dívida civil. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. (...) 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. (...) 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido. (RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018, grifos nossos)". Com efeito, o princípio da realidade (ou da responsabilidade patrimonial) é uma conquista da nossa sociedade, já que "não tolera o direito moderno a prisão civil por dívidas"4. Não se pode cercear o direito de ir e vir simplesmente pelo fato de alguém não ter pago uma dívida civil (que não esteja relacionada a alimentos). Diz-se que é uma conquista da nossa sociedade a proibição de cercear a liberdade de locomoção de alguém em razão de uma dívida civil porque é, infelizmente, conhecida a prática de se reter os documentos de alguém para forçá-lo a pagar uma dívida, ainda que não exista patrimônio ou condições mínimas para a satisfação da obrigação pecuniária. A história está cheia de exemplos tristes dessa prática, desde a antiguidade até os dias atuais, em que alguém não consegue pagar uma dívida, mas também não consegue se desvincular do credor para conseguir uma oportunidade melhor de sobrevivência porque seus pertences estão retidos e sua liberdade de locomoção cerceada. Recentemente, porém, o Superior Tribunal de Justiça determinou a manutenção e ordem de apreensão de passaporte, mesmo sabendo que o devedor de aluguéis em atraso não tinha patrimônio para pagar a dívida. Veja-se: "HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL (ALUGUÉIS). MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO PENHORÁVEL NAS VÁRIAS DILIGÊNCIAS REALIZADAS. PRETENSÃO MANIFESTADA PELA DEVEDORA DE FIXAR RESIDÊNCIA FORA DO PAÍS. RISCO DE TORNAR INALCANÇÁVEL O SEU PATRIMÔNIO. RAZOABILIDADE NO CASO CONCRETO DA SUSPENSÃO DA CNH E DA APREENSÃO DO PASSAPORTE DA DEVEDORA. 1. Controvérsia em torno da legalidade da decisão que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e a apreensão do passaporte da paciente no curso do processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas. 2. "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019). 3. Possível extrair da pretensão de residência fora do país uma forma de blindagem do patrimônio do devedor, não deixando, pelo verificado no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, pretendendo-se incrementá-lo fora do país, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro. 4. Razoabilidade das medidas coercitivas adotadas, limitadas temporalmente pela Corte de origem até a indicação de bens à penhora ou a realização do ato constritivo, não se configurando, pois, ilegalidade a ser reparada na via do habeas corpus. 5. HABEAS CORPUS DENEGADO. (STJ, HC 597.069-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, TERCEIRA TURMA julgado em 22/09/2020, denegaram a ordem, v.u., grifos nossos)". É importante observar a partir da leitura da ementa do julgado acima transcrita que o Tribunal reconheceu que a executada não tinha bens passíveis de penhora. Veja-se, a propósito, o trecho do acórdão: "(...) Na hipótese dos autos, o próprio impetrante reconhece que a executada teria intenção de residir fora do Brasil, alegando, inclusive, que ela lá já estaria no Exterior, apesar de não confirmada documentalmente a informação, conforme já aludido. Pode-se daí extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio, não deixando, pelo que se verificou no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, e vindo a pretender residir fora do país e para lá levar o seu patrimônio e, quiçá, lá incrementá-lo, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro. Nessa perspectiva, seriam legítimas e razoáveis as medidas coercitivas adotadas, limitadas temporalmente pela Corte de origem até a indicação de bens à penhora ou a realização do ato constritivo, não se configurando, pois, ilegalidade a ser reparada na via do habeas corpus (...)" (grifos nossos). Ora, a solução que o sistema jurídico dá para a hipótese de o exequente não localizar bens penhoráveis do executado está prevista no art. 921, inciso III, do CPC/2015, ou seja, a execução deve ser suspensa. Tanto isso é verdade que o próprio julgado que se invoca para embasar medida tão extremada de apreensão de passaporte - o REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019 - ressalta expressamente que deve haver "indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável". Trata-se de uma obviedade que salta aos olhos: se o devedor não tem patrimônio, suspende-se a execução (CPC/2015, art. 921, inciso III) e se o devedor tem patrimônio, mas há indícios de que ele está sendo ocultado, aí a solução deve ser outra que não a suspensão do processo. Porém, no caso concreto, em que o Superior Tribunal de Justiça reputou não haver qualquer ilegalidade (quiçá inconstitucionalidade) na apreensão de passaporte, reconheceu-se que o devedor não tem bens e mesmo assim se aplicou a medida de apreensão de passaporte. Saiu-se, portanto, do plano da coerção e partiu-se para o plano da punição, cerceando-se o direito de locomoção de um cidadão por uma dívida de aluguel. E pior, ainda, partiu-se para o perigoso campo das ilações ao comentar a viagem para o exterior da devedora: "(...) pode-se, daí, extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio (...)". Com o devido respeito, não há como se extrair do fato de que alguém que não tem patrimônio queira blindar o seu patrimônio indo para Portugal exatamente pelo fato de que esse alguém não tem patrimônio. Enfim, de qualquer ângulo que se examine a questão, é muito difícil sustentar a constitucionalidade e legalidade de uma medida de apreensão de passaporte de um cidadão brasileiro que não conseguiu pagar uma dívida de aluguel, mas que demonstrou preencher todos os requisitos para obtenção do documento previstos no art. 20 do decreto 1983/1996, conforme mencionado no corpo do acórdão sob comento. Qualquer um está sujeito às vicissitudes da vida, independentemente do seu caráter. Uma dívida pode não ser paga porque houve uma doença na família, uma demissão inesperada ou alguma outra tragédia. É lícito proibir esta pessoa de viajar - cercear a sua liberdade de locomoção - para tentar uma vida melhor em outro lugar, ainda que seja no exterior (Portugal)? A resposta para esta pergunta não está na interpretação isolada do inciso IV do art. 139 do CPC/2015. Ele deve ser interpretado em conjunto com o art. 789 e o 921, inciso III, do mesmo diploma legal. Também deve ser interpretado levando-se em consideração o art. 391, do Código Civil, bem como o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal ("LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"). Ainda, não se pode esquecer do disposto no art. 20, do Decreto 1983/1996, que estabelece os requisitos para obtenção de passaporte brasileiro. O que se quer dizer é que deve ser feito um processo sistemático de interpretação do direito. Segundo Carlos Maximiliano, "consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as consequências, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma. (...) Possui todo corpo diversos órgãos; porém a autonomia das funções não importa separação; operam-se, coordenados, os movimentos, e é difícil, por isso mesmo, compreender bem um elemento sem conhecer os outros, sem os comparar, verificar a recíproca interdependência, por mais que à primeira vista pareça imperceptível. O processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes"5. Não se pode aplicar um artigo da lei que agrade intérprete e ignorar os demais que não o agradam. Em suma, o art. 139, inciso IV, do CPC/2015 não pode ser interpretado de maneira isolada do restante do ordenamento jurídico, sem se esquecer do princípio da realidade consagrado pelo art. 789, do mesmo diploma legal. Também não se pode esquecer que o art. 921, inciso III, do CPC/2015, determina a suspensão do processo caso o devedor não tenha bens penhoráveis. Ainda, não se pode esquecer que a Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXVII, proíbe a prisão civil por dívidas, salvo hipóteses excepcionais de não pagamento injustificado de prestação alimentícia. O direito de locomoção, portanto, é direito fundamental e cláusula pétrea de nossa Constituição Federal. Há limites para efetividade do processo de execução. A prática de apreender o documento de alguém, cerceando a sua liberdade de locomoção, pelo simples fato de essa pessoa ter uma dívida que não consegue pagar é repugnante. Lembrem-se, credores, que o mundo dá voltas e um dia os senhores poderão estar no lugar do devedor. Nesse momento, sentirão saudades do princípio da realidade. Mas, aí, pode ser tarde demais, de tanto que ele foi relativizado até ser esquecido... __________ *Este artigo está sendo redigido em 28/10/2020, mesmo dia em que foi inserida na pauta de julgamentos do STF a ADI n. 5.941, que pugna pela inconstitucionalidade do art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015, entre outros dispositivos legais. Portanto, no momento da redação do artigo é desconhecido o resultado do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade acima mencionada. 1 THEODORO JR., Humberto. "Curso de Direito Processual Civil", vol. III. 51ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 238. 2 ASSIS, Araken de. "Manual da Execução". São Paulo: Revista dos Tribunais. 18ª ed. 2016. p. 145. 3 GUERRA, Marcelo Lima. "Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 99-105. 4 THEODORO JR., Humberto. "Curso de Direito Processual Civi". vol. 3. 51ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 238. 5 MAXIMILIANO, Carlos. "Hermenêutica e aplicação do direito". 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 128. Ver também: DINIZ, Maria Helena. "Compêndio de introdução à ciência do direito". 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 434.
O dia 22/10/2020 está previsto como a data de início do julgamento da ADI 5941, na qual se alega a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15, e que, nas próprias palavras do Ministro Luiz Fux, trata de matéria: "de grande relevância, apresentando especial significado para a ordem social e a segurança jurídica"1. A Procuradoria Geral da República, em parecer apresentado nos autos em dezembro de 2018, sinalizou seu entendimento de que o artigo 139, IV, do CPC/15 deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. Nessa linha: "a Procuradoria-Geral da República opina pela procedência do pedido, para que se confira interpretação conforme aos arts. 39-IV, 297, 380, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536-caput e §1º, 773 da Lei 13.105/2015, de forma que o juiz possa aplicar, subsidiariamente e de forma fundamentada, medidas atípicas de caráter estritamente patrimonial, excluídas as que importem em restrição às liberdades individuais como, por exemplo, a apreensão de carteira nacional de habilitação, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em certames e licitações públicas"2. No campo doutrinário, vale lembrar que o Professor Araken de Assis3 defende categoricamente a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15 quando aplicado para restringir direitos e relativizar o princípio da responsabilidade patrimonial: "Razões políticas de relevo recomendam a tipicidade desses meios executivos. O fundamento constitucional é claro: ninguém pode ser privado da sua liberdade e de seus bens, reza o artigo 5, LIV, da CF/88, sem o devido processo legal. Entende-se por tipicidade do meio executório a sua previsão em lei em sentido formal. Por conseguinte, não é dado ao órgão judiciário: (a) criar meio executório não previsto em lei formal e (b) empregar meio executório, conquanto legalmente previsto, em desacordo com a correlação instrumental com determinado bem. (...). Na verdade, a apreensão da carteira nacional de habilitação, tornando ilícita a condução de veículos automotores, bem como as medidas congêneres arroladas, representa simples pena... A existência de dívidas insatisfeitas, ou a execução forçada e infrutífera de créditos, não constitui pretexto hábil para constranger o obrigado e o executado através de medidas que, caso previstas expressis verbis, incorreriam em grave violação ao princípio estruturante da dignidade da pessoa humana e dificilmente subsistiriam incólumes ao controle concentrado de constitucionalidade pelo STF". Já tivemos a oportunidade de sustentar que o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 pode e deve ser utilizado pelo juiz, em total observância aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, para antecipar providências, no curso da execução, que facilitem a localização de onde estão e quais são os bens penhoráveis do devedor. Medidas atípicas, no curso da ação de execução por quantia certa contra devedor solvente, sempre devem estar relacionadas com a promoção de atos que guardem relação direta com a satisfação do débito. E, em sentido semelhante, é a doutrina do Professor Eduardo Talamini4, que defende corretamente que o artigo 139, IV, do CPC/15: "não se trata de poder ilimitado que o juiz recebe. Fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento proíba... Depois, as providências adotadas devem guardar relação de utilidade, adequação e proporcionalidade com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior do que o necessário (...). Em todo e qualquer caso em que incida o poder geral em questão, será indispensável, no seu exercício, a consideração da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência da medida... Uma última consideração merece aqui ser feita. O poder de adoção de medidas atípicas é instrumento de efetivação das decisões. Sua função é essencialmente executiva: propiciar a tutela a que o jurisdicionado tem direito, nos limites do devido processual legal e material. Não se trata de puro instrumento de afirmação da autoridade judicial nem de meio de punição à afronta a essa autoridade. Para isso existem sanções específicas. Em muitas das medidas atípicas extravagantes cuja aplicação foi amplamente noticiada ou mesmo gerou repercussão nacional (bloqueio de whatsapp, apreensão de passaporte, cancelamento de cartão de crédito, suspensão de CNH, corte de luz de repartição pública...), muito mais do que o verdadeiro escopo executivo, o que se constatou foi uma reação enérgica de juízes que se viram afrontados em sua autoridade. Não é justificável desrespeitar a jurisdição. Mas as sanções aplicáveis a quem a desrespeita, repita-se, são outras, que não as medidas atípicas do artigo 139, IV. Ao mesmo tempo em que episódios como esses se multiplicam, assiste-se também a uma relativa resistência judiciária na aplicação de mecanismos fundamentais para a identificação e preservação do patrimônio penhorável ou para a adequada incidência dos mecanismos expropriatórios. Alguns exemplos, entre muitos: (i) decisões que se negam a dar aplicação devida ao bloqueio de ativos...; (ii) decisões que recusam autorização para inscrever o devedor (...) no cadastro de inadimplentes; (iii) decisões que alargam indevidamente as hipóteses de impenhorabilidade. O risco é o de se estabelecer um sistema de tutela executiva esquizofrênica: cioso de sua autoridade, mas incapaz de produzir resultados concretos". Vale lembrar que a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque os seguintes acórdãos: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes." (AgInt no REsp 1837680 / SP, relator Ministro Moura Ribeiro). "É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". (AgInt no REsp 1837309 / SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino). A data de 22/10/2020 é relevantíssima, pois marcará o início da consolidação do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre um dos temas mais polêmicos oriundos da vigência do CPC/15, qual seja, os limites de aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do CPC/15. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 ASSIS, Araken. Cabimento e adequação dos meios executórios atípicos; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 127 e 131. 4 TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas e sua incidência nas diferentes modalidades de execução; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 31 e 56/57.
A fixação da Sucumbência Recursal ainda é um dos pontos mais controvertidos no Código de Processo Civil de 2015. Por ser um instituto novo em nosso ordenamento, ainda suscita muitas dúvidas na comunidade jurídica. Uma das controvérsias é se a fixação poderia ocorrer também no julgamento de Embargos de Declaração. A doutrina tende a afastar tal possibilidade. Luiz Henrique Volpe Camargo entende que "Também não cabe a fixação de honorários pela interposição de embargos de declaração, seja em primeiro grau, seja em grau recursal. O propósito desse específico recurso é integrar o pronunciamento judicial embargado, de modo que os honorários, quando cabíveis, devem ser fixados na decisão, sentença ou acórdão objeto de tal recurso e não na que o julgar". (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 322)1.  Entretanto, nossos Tribunais têm possibilitado tal condenação, no caso da decisão embargada não ter fixado honorários recursais. Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça prolatou o acórdão assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. MARCO TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC/2015. PUBLICAÇÃO DO JULGAMENTO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Uma vez certo que os direitos subjetivos decorrem da concretização dos requisitos legais previstos pelo direito objetivo vigente. Eventual direito aos honorários advocatícios recursais será devido quando os requisitos previstos no art. 85, § 11, do CPC/2015 se materializam após o início de vigência deste novo Código. Por isso, nos termos do Enunciado Administrativo n. 7/STJ: "somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC". 2. No caso, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973; porém, o acórdão a quo foi publicado durante a vigência do CPC/2015. 3. Logo, o pagamento de honorários advocatícios recursais é devido, pois os requisitos do art. 85, § 11, do CPC/2015 foram preenchidos. 4. Embargos de divergência providos. (EAREsp 1402331/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2020, DJe 15/09/2020) O julgado inova ao prever que nos casos em que não poderia ocorrer a majoração no julgamento colegiado, eis que o recurso foi interposto antes da vigência do CPC/2015, caberia a majoração no julgamento dos Embargos de Declaração2. Tal julgado ratifica o entendimento anterior da Segunda Seção da Corte3, no sentido da possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais em julgamentos de Embargos de Declaração e Agravos Internos, no caso em que não tivesse ocorrido a majoração nas decisões monocráticas. A lógica é o cabimento de uma única condenação em sucumbência recursal em cada instância4, sendo assim, no caso em apreço, não tendo ocorrido a condenação no julgamento da apelação, caberia a fixação nos Embargos de Declaração. No caso em análise, a sentença foi prolatada na vigência do CPC/73, logo não caberia a condenação em honorários sucumbenciais quando do julgamento da apelação. Entretanto, o acórdão que julgou a apelação foi prolatado já na vigência do CPC/2015, então entendeu o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que poderia ocorrer a condenação em honorários sucumbenciais no julgamento dos Embargos de Declaração opostos em face do acórdão já prolatado na vigência do CPC/2015. Portanto, os Embargantes devem estar cientes de que a oposição dos embargos de declaração pode ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1026, § 2º, do CPC, bem como a fixação de honorários recursais, no caso de não ter ocorrido tal fixação anteriormente na decisão embargada. __________ 1 No mesmo sentido é o entendimento de Luiz Dellore (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 299). 2 O Supremo Tribunal Federal já havia decidido pelo cabimento de honorários sucumbenciais em Embargos de Declaração (RE nº 929.925 AgR-ED/RS, rel. Min. Luiz Fux, 7.6.2016). 3 Agravo Interno nos Embargos de Divergência nº 1.539.725/DF (Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, in DJe de 19/10/2017). 4 Exceto nos casos de interposição de Embargos de Divergência, quando teria início um novo grau recursal (Agravo Interno nos Embargos de Divergência nº 1.539.725/DF, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, in DJe de 19/10/2017).
Os chamados embargos infringentes, previstos no art. 530, do CPC/1973, tinham natureza jurídica de recurso em espécie, cabível contra (i) acórdão de reforma de sentença de mérito, quando do julgamento do recurso de apelação, (ii) reforma essa por maioria de votos, ou, ainda, (iii) quando do julgamento de procedência de ação rescisória. Referido meio de impugnação de decisão judicial restou extirpado do CPC/2015, a sobrevir a chamada técnica de julgamento estendido, prevista no art. 942 do CPC, cujas hipóteses de cabimento são mais amplas e, ainda, não se trata de recurso em espécie, mas técnica a ser observada pela turma julgadora quando de suas hipóteses de cabimento1. Em síntese, extrai-se de referido dispositivo algumas conclusões quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido se em confronto com o regime dos embargos infringentes antes previstos no CPC/1973: (i) cabível quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito2), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados, (iii) cabimento quando do julgamento de agravo de instrumento, tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada3, (iv) tal técnica há de ser observada pela turma julgadora ex officio, porquanto não se trata de modalidade recursal, tal como o era o regime dos embargos infringentes, relegados pelo CPC/2015, sem prejuízo de assegurar-se (v) ainda, "(...) às partes e eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores." (art. 942, caput). Dentre as controvérsias que gravitam em torno do julgamento estendido, já pudemos colacionar julgados do STJ perfilhando o entendimento de que a) os votos prolatados poderão ser revistos e modificados pelos julgadores, quando da ampliação do colegiado por força do julgamento estendido4, b) o cabimento de referida técnica quando do julgamento de agravo de instrumento, resultado de provimento por maioria de votos, tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito na recuperação judicial5, c) assim como, a divergência apta a autorizar o julgamento estendido ter amplitude tanto sobre o mérito da demanda (quando do julgamento da apelação) quanto a outras questões processuais e, ainda, os desembargadores convocados a integrar a votação poderão examinar e votar questões decididas à unanimidade pela turma julgadora originariamente composta6. E, d) em nossa última contribuição a esta coluna, referenciamos o quanto decidido pelo STJ quando do julgamento do REsp n. 1833497/TO, ao firmar a tese, por maioria de votos, do cabimento da técnica de julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração, com efeitos infringentes7. Referido acórdão, disponibilizado após a publicação da coluna acima referenciada, teve como votos vencidos os prolatados pela Ministra Nancy Andrighi e pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a prevalecer o voto vencedor encabeçado pelo Ministro Marco Aurélio Belizze, acompanhados pelos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SEGUNDA INSTÂNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A controvérsia recursal cinge-se a decidir sobre: i) a nulidade do julgamento da apelação por ausência de intimação prévia do Ministério Público; ii) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; e iii) a necessidade de ampliação do quórum do órgão julgador (art. 942 do CPC/2015) quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, a ausência de intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamento o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015. 4. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial. 5. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 6. Recurso especial parcialmente provido." (STJ, REsp n. 1833497/TO, Terceira Turma, maioria de votos, DJ 25.08.2020) Do voto vencido e declarado, consta a seguinte fundamentação: "(...) A propósito, uma das principais inovações do novo Código de Processo Civil na ordem do julgamento nos tribunais foi a revogação dos embargos infringentes e sua substituição pela técnica do julgamento ampliado. Segundo o art. 942do CPC/15, quando o julgamento da apelação for não unânime, ele terá prosseguimento em sessão designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Essa técnica de julgamento veio, de fato, a substituir os antigos embargos infringentes, compartilhando com esse instituto, no entanto, o propósito de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, por meio da ampliação dos debates sobre questões jurídicas controvertidas que tenham sido, num primeiro momento, decididas de modo não unânime nos tribunais. Todavia, diferentemente do que ocorria com o extinto recurso - que tinha como requisito de admissibilidade a necessidade de o Tribunal reformar sentença de mérito -, a técnica do art. 942 do CPC/15 exige apenas que se verifique a ocorrência de julgamento não unânime, independentemente de a decisão impugnada ter sido mantida ou reformada. (...) Alinhavando as premissas anteriormente deduzidas, verifica-se que, uma vez publicado o acórdão unânime do julgamento da apelação, não é mais possível a alteração dos votos pelos desembargadores envolvidos em sua apreciação, exceto se, em decorrência da existência do reconhecimento da existência de omissão, contradição ou obscuridade, se verificar a necessidade de se julgar novamente a apelação. A consequência lógica que pode ser deduzida é a de que a incidência da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/15 na apreciação dos embargos de declaração - diferentemente da hipótese em que é a própria apelação que está em exame - ocorre de acordo com o resultado do referido julgamento - portanto, secundum eventum litis - e unicamente na hipótese de serem acolhidos, por maioria, para nova análise da apelação. A doutrina corrobora essa afirmativa, aduzindo que, na divergência que resultar o não acolhimento dos embargos ou a que ensejar o acolhimento com o mero esclarecimento do acórdão da apelação, não haverá ensejo para a ampliação do julgamento, já que, nesses casos, não há novo exame da apelação. Existe, pois, somente uma hipótese em que, por suas peculiaridades, se pode cogitar da aplicação da técnica do art. 942 no julgamento dos embargos de declaração, que é a de serem os embargos acolhidos, por maioria, com efeitos infringentes. É o que se infere do seguinte excerto doutrinário: [...] sendo rejeitados os embargos, por unanimidade ou maioria, pouco importa, não haverá a incidência da técnica. O mérito do acórdão embargado, nestas circunstâncias, não se altera. Logo, não existe qualquer respaldo legal para sua aplicação. Quando houver provimento, apenas para esclarecer o julgado embargado, parece-nos, do mesmo modo e pelo mesmo motivo, que a técnica não pode ser cogitada. A vexata quaestio surge no julgamento de embargos em que, seja por unanimidade, seja por maioria, é emprestado efeito infringente. (SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Conversa sobre processo: elogio ao Art. 942 do CPC: o uso saudável da técnica, Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio/ago. 2017) FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA se posicionam no mesmo sentido, asseverando que "o art. 942 do CPC somente incide se o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar alteração do resultado do julgamento anterior", pois, "se o órgão julgador decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de declaração, não se aplica o disposto no referido art. 942", da mesma forma que "se o órgão julgador rejeitar os embargos por maioria ou os acolher apenas para esclarecer obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material, sem alterar o resultado anterior, ainda que por maioria de votos, não incide o art. 942 do CPC" (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99). Essa orientação foi recentemente acolhida pela Terceira Turma (REsp 1841584/SP, Terceira Turma, DJe 13/12/2019). Assim, somente com o efetivo acolhimento, por maioria, dos embargos e com a atribuição de efeitos infringentes, do qual resulta nova apreciação da apelação, é que o Tribunal de origem deve adotar a técnica de ampliação do julgamento. (...)". Todavia, entendemos há de prevalecer o entendimento posto no voto condutor: "(...) De início, acompanho a eminente relatora no que diz respeito às conclusões de não ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e de ausência de prejuízo concreto decorrente da não manifestação prévia do Ministério Público, em relação ao julgamento da apelação. Todavia, entendo que a controvérsia atinente ao art. 942 do CPC/2015 merece tratamento jurídico diverso da solução apresentada por Sua Excelência, pelos fundamentos que exponho doravante, não descurando de destacar a percuciência com a qual abordou a questão. Como bem salientado no voto da relatora, o extinto recurso de embargos infringentes (previsto nos arts. 530 e seguintes do CPC/1973) e a técnica de julgamento de prevista no art. 942 do CPC/2015 assemelham-se no ponto em que possuem como escopo precípuo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, com a formação de uma maioria qualificada - de forma a melhor debater a matéria que, a priori, tenha sido decidida de forma não unânime nos tribunais -, com a ressalva das diferenças ontológicas que sobre eles recaem. A alteração legislativa perpetrada transmudou o extinto recurso, que tinha como pressuposto a reforma da sentença de mérito, em técnica processual, que, por sua vez, consoante o disposto no caput, pressupõe tão somente o julgamento não unânime da apelação e a possibilidade de inversão do resultado inicial, independentemente de ter sido reformada ou não a sentença. Enfatiza-se, também, que essa técnica processual não caracteriza novo julgamento, mas sim continuidade daquele no qual não houve unanimidade, sendo que a aplicação desse regramento é um poder-dever do órgão julgador oriundo do voto vencido. (...) Aliás, ressaltou a eminente Ministra o entendimento já externado por esta Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.798.705/SC, segundo o qual "o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime". (...) Outrossim, impende anotar que os aclaratórios são dotados de efeito integrativo, o qual visa complementar a decisão embargada, a ela se aderindo a fundamentação constante do julgamento dos embargos, constituindo um julgado uno. Acerca dessa característica peculiar dos embargos, destaco o entendimento por mim proferido no voto dos EREsp n. 1.290.283/GO, seguido pela maioria dos membros da Segunda Seção (DJe 22/5/2018), no qual ficou consignado serem "cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença". Naquela oportunidade, citei a doutrina de Bernardo Pimentel Souza, que entendo pertinente replicar neste feito, segundo a qual "como o aresto proferido no recurso de declaração integra o acórdão embargado, é possível concluir pela existência de julgamento indireto da apelação e da ação rescisória" (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cabíveis e à ação rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 515). Não obstante aquela questão debatida seja atinente ao cabimento dos extintos embargos infringentes, penso que a lógica jurídica lá utilizada amolda-se, também, à hipótese dos autos, que trata da técnica de julgamento ampliado. Isso porque, como visto inicialmente, ambos os institutos processuais possuem, igualmente, o propósito de formação, após a prolação de voto dissidente, de uma maioria qualificada, além de remanescer inalterado o caráter integrativo dos embargos. Desse modo, amparado em tais premissas e mantendo a mesma linha de raciocínio, penso que a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo). (...) A propósito, já decidiu a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.841.584/SP (DJe 13/12/2019), em que discutia essa questão em relação ao agravo de instrumento, assentando-se que, "em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a convocação de outros julgadores para compor o colegiado (técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015) somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito". No que tange ao mencionado precedente, embora tenha sido utilizado pela eminente relatora para corroborar a tese formada em seu voto, a situação nele debatida (originária de agravo de instrumento) é distinta do cenário do presente caso (proveniente de apelação), não servindo, na minha compreensão, de supedâneo à hipótese em estudo, haja vista o tratamento diverso dispensado pelo CPC/2015 ao agravo de instrumento e à apelação. (...) Concluo, portanto, que a técnica de julgamento preconizada no caput do art. 942 do CPC/2015 deve ser observada nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado inicial da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo). Na hipótese dos autos, constata-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, por unanimidade, deu provimento à apelação do CONDOMÍNIO RESIDENCIAL MONT BLANC para, reformando a sentença, julgar improcedentes os pedidos de indenização por danos material e estético formulados por V. O. C. (MENOR), VALÉRIA DE OLIVEIRA COSTA e R. M. DA C. Ato contínuo, o TJTO, ao receber uma segunda petição dos recorrentes como embargos de declaração, rejeitou o recurso, por maioria de votos. No voto vencido, o Juiz convocado Zacarias Leonardo, entendendo que "a tese da inadequação da instalação da trave não foi suficientemente discutida", acolheu os declaratórios para, sanando a omissão mencionada, negar provimento à apelação, mantendo incólume a sentença condenatória (e-STJ, fls. 654-656). Vê-se, assim, que o voto vencido prolatado no julgamentos dos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação tem o condão de alterar o resultado inicial daquele julgamento colegiado (no qual se reformou a sentença), afigurando-se de rigor a aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/2015. Por derradeiro, fica prejudicada a análise da questão meritória, em virtude da necessidade de devolução do presente feito à origem para rejulgamento dos embargos de declaração rejeitados por maioria. Ante o exposto, pedindo vênia à Ministra relatora, dela divirjo em parte para dar parcial provimento ao recurso especial, a fim de determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins para que dê continuidade ao julgamento não unânime dos embargos de declaração, como entender de direito, aplicando a técnica prevista no art. 942 do CPC/2015. É como voto." (STJ, REsp n. 1833497/TO, Terceira Turma, maioria de votos, DJ 25.08.2020, grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, soa acertado o quanto decidido, por maioria de votos, pelo STJ, diante da circunstância, no caso concreto, de que (i) a divergência instaurada para acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos modificativos (independentemente de ser voto condutor ou vencido na votação dos embargos) teve o condão de alterar o julgamento do recurso de apelação, a modificar o placar de votação da apelação de 3 x 0 para 2 x 1, no sentido de reformar a sentença. Logo, (ii), é o que basta, in casu, para impor a observância da técnica de julgamento estendido, ex vi ao que reza o caput do art. 942, em especial a hipótese que prevê "(...) quando o resultado da apelação não unânime(...)" (grifou-se). Acaso resultado não unânime de julgamento da apelação fosse proclamado quando de seu julgamento originário, ninguém duvidaria da necessária observância do art. 942 do CPC. De sorte que, tendo o julgamento do embargos de declaração a função integrativa à decisão embargada (e, nesse ponto, ambos os votos supra citados perfilham o mesmo entendimento), em sendo o resultado final da apelação o de maioria de votos, embora quando do julgamento dos embargos de declaração, tal circunstância por si só não ilide a aplicação da técnica de julgamento estendido. Em síntese, em havendo julgamento da apelação, por maioria de votos, é o que basta para observância do julgamento estendido, seja o resultado da apelação proclamado quando de seu julgamento, seja quando do julgamento dos embargos de declaração (dada sua função integrativa), com efeitos modificativos. Embora o STJ tenha decidido pela anulação do acórdão com vistas a determinar seja instaurado o julgamento estendido, o entendimento supra citado não afasta a hipótese de, na eventualidade de acolher-se em segundo grau de jurisdição embargos de declaração, que implique na alteração do resultado da apelação, para maioria de votos, há de assegurar-se a possibilidade de prolação de sustentação oral, na forma que garante o art. 942, caput, do CPC8. __________ 1 Nos termos do art. 942 do CPC, o julgamento estendido há de ser observado, "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput). O § 1º autoriza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º). Por fim, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido ao julgamento não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial. 2 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. 3 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput). A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos não há como negar a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito. 4 A extensão da cognição e possibilidade de alteração de voto no julgamento estendido. 5 Aplicação da técnica de julgamento estendido em agravo de instrumento tirado de decisão em incidente de impugnação de crédito. 6 Julgamento não unânime no recurso de apelação é suficiente para aplicação da técnica de julgamento estendido. 7 Cabimento da técnica do julgamento estendido quando do julgamento de embargos de declaração. 8 Outra solução seria o acolhimento dos Embargos de Declaração, para, em nova sessão de julgamento, e ampliado o colegiado, por força do julgamento estendido, observar-se  o asseguramento da sustentação oral.