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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Tema bastante controvertido é a condenação do Executado em Honorários Advocatícios no caso em que o débito é pago antes da citação na Execução Fiscal. Temos corrente que defende que nesse caso seriam devidos os honorários advocatícios eis que o devedor deu causa ao ajuizamento da Execução Fiscal, por não ter pago o débito antes do ajuizamento. De outro lado, temos os defensores de que antes da citação não se aperfeiçoa a triangulação da demanda, não sendo possível tal condenação. A discussão mostra-se importante, eis que praticamente 40% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. Se o tema não impacta as Execuções Fiscais que já incluem a cobrança automática do Encargo Legal, como as Federais1, ganha importância nas Execuções Fiscais promovidas por alguns Estados e por milhares de Municípios. E como não poderia deixar de ser, o tema mostra-se controvertido em nossa jurisprudência, eis que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que caberia o pagamento dos honorários, sendo que a 2ª Turma entende de forma diametralmente oposta, conforme se depreende dos seguintes recentes acórdãos: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. QUITAÇÃO DO DÉBITO, NA VIA ADMINISTRATIVA, APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, MAS ANTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Na origem, trata-se de Execução Fiscal objetivando a cobrança de débitos tributários municipais, integralmente quitados na esfera administrativa após o ajuizamento da demanda, mas antes da citação do devedor. Após requerimento da própria exequente, o feito foi extinto, nos termos do art. 924, inc. II, c/c o art. 925, ambos do CPC/2015, sem arbitramento de honorários advocatícios, sob o fundamento de que a aplicação da regra da causalidade demandaria a citação válida, o que foi mantido pelo Tribunal Estadual.  2. São devidos honorários advocatícios ao ente público, nos casos em que a execução fiscal tenha sido extinta em decorrência do pagamento extrajudicial do crédito tributário, ainda que efetuado antes da citação do contribuinte. 3. Isso, porque o pagamento extrajudicial do débito fiscal equivale ao reconhecimento da dívida executada e do pedido da execução, e, em homenagem ao princípio da causalidade, leva o executado a arcar com o adimplemento integral dos honorários advocatícios, por ter dado causa ao ajuizamento da ação, consoante previsto nos arts. 85, §§1°, 2° e 10 c/c art. 90 do CPC/2015.  4. Desta feita, ainda que ausente a triangulação da relação jurídica, o simples ajuizamento da execução implicou despesas para a Fazenda exequente, que provocou o Judiciário para cobrança de valores a ela devidos, após a lavratura do auto de infração por conta do inadimplemento do contribuinte. Logo, a Fazenda exequente não pode ser prejudicada pelo exercício de um direito legítimo, qual seja, a propositura da execução fiscal para cobrança de débito fiscal líquido e certo, sendo impositiva a aplicação do ônus de sucumbência ao executado que confessou, reconheceu e pagou o débito. Precedentes: AgInt no REsp 1.927.753/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/6/2021, DJe 1º/7/2021; AgInt no AgInt no REsp 1.425.138/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/8/2019, DJe 16/8/2019; AgInt no REsp 1.848.573/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 1º/6/2020, DJe 5/6/2020.  5. Recurso Especial do  MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE/PE provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que proceda ao arbitramento dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85 do CPC/2015." (REsp 1931060/PE, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 23/09/2021) "PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGOS 85, §1º, 312 E 318 DO CPC.RECURSO ESPECIAL. PAGAMENTO EM MOMENTO POSTERIOR AO AJUIZAMENTO E ANTERIOR À CITAÇÃO. NÃO CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA PARTE EXECUTADA EM HONORÁRIOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O Município de Jaboatão dos Guararapes - PE pretende a condenação da parte executada em honorários em decorrência do pagamento do débito em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, por aplicação dos §§ 1º e 10 do art. 85 do CPC. 2. Existência de precedentes antagônicos desta Segunda Turma acerca do tema em discussão. Necessidade de uniformização. Precedentes do STJ. 3 A interpretação dos parágrafos deve ser lida em consonância com o caput do art. 85, juntamente com os arts. 312 e 318, todos do CPC. 4. De acordo com a doutrina de Frederico Augusto Leopoldino Koehler, a condenação em honorários deve observar o princípio da causalidade em complementariedade ao princípio da sucumbência (Comentários ao art. 85. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. (Coords.) Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 155). 5. O art. 85, § 1º, do CPC, ao afirmar que os honorários são devidos para a execução resistida ou não resistida, quer dizer, em verdade - e conforme se depreende da leitura do caput do mesmo dispositivo -, que, quando existe a formação da relação jurídica processual entre exequente e executado, independentemente de apresentação de defesa em autor próprios ou apartados, existe a incidência honorários advocatícios. 6. Não cabimento de condenação em honorários da parte executada para pagamento do débito executado em momento posterior ao ajuizamento e anterior à citação, em decorrência da leitura complementar dos princípios da sucumbência e da causalidade, e porque antes da citação não houve a triangularização da demanda. 7. Evidentemente, a causalidade impede também que a Fazenda Pública seja condenada em honorários pelo pagamento anterior à citação e após o ajuizamento, uma vez que, no momento da propositura da demanda, o débito inscrito estava ativo. Nesse caso, portanto, tem-se uma hipótese de ausência de responsabilidade pelo pagamento de honorários. 8. Registre-se, por fim, tratar o caso concreto de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Pública Municipal, na qual não há previsão de encargos da dívida ativa de forma automática, hipótese diversa da Fazenda Pública Federal, em que o art. 1º do Decreto-lei 1025/69 prevê a cobrança de 20% (vinte por cento) sobre o valor do crédito, montante esse que substitui a condenação em honorários de sucumbência. 9. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp 1927469/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 13/09/2021) O primeiro acordão se baseia no princípio da causalidade para demonstrar que o devedor, por não ter efetuado a tempo o pagamento da exação, ensejou o ajuizamento da Execução Fiscal. Logo, deve arcar com os honorários advocatícios. Já o acórdão da 2ª Turma entende que, nos termos do artigo 312 do CPC, a propositura da ação só produz efeitos em relação ao réu após a sua citação. Não tendo ocorrido a citação, não pode produzir efeitos e ensejar a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios. Sendo a Execução Fiscal nada mais que uma Execução de Título Extrajudicial, caso se entenda cabível a condenação em honorários na hipótese em estudo, deve ser aplicada a previsão constante no § 1º do artigo 827 do Código de Processo Civil: § 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade. Previsão genérica para todos os processos também é expressa no § 4º do artigo 90 do Código de Processo Civil: "§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade." Desse modo, a decisão intermediária de condenar em honorários pela metade do valor parece ser uma decisão equilibrada, pois não deixa de remunerar o Advogado que ajuizou a Execução Fiscal e todo o trabalho que foi despendido, entretanto, não acaba onerando excessivamente o Executado, que pagou espontaneamente o valor cobrado, mesmo antes de ser citado. Para a pacificação do tema, faz-se necessário que a Primeira Seção ou mesmo a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça examinem e pacifiquem o entendimento sobre a incidência ou não de honorários advocatícios em caso do pagamento administrativo do débito ocorrer antes da citação na Execução Fiscal. __________ 1 Art. 1º do decreto-lei 1025/69.
O cabimento do recurso de agravo, embora taxativamente prevista as hipóteses que desafiam referido recurso, previstas no art. 1.015 do CPC, cedeu espaço a interpretação do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), ao decidir a Corte Especial, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Nesse contexto, já tecemos breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros1 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição2, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência3, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas4, assim como arbitramento de honorários periciais5 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito6 sem prejuízo de (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução7 e, (viii) por fim, decisões prolatadas em ação de improbidade administrativa8. Recentemente a Primeira Turma do STJ firmou o entendimento do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação cabível contra decisão que verse sobre homologação de acordo judicial. Trata-se do julgamento do Recurso Especial n. 1817205/SC9, havido na data de 05/10/2021, cujo v. acórdão ainda será redigido. Para não deixa em aberto a curiosidade do leitor, a íntegra da sessão de julgamento pode ser acessada na internet.10 No voto condutor, o Ministro Gurgel de Faria fundamentou, em síntese, que a decisão que homologa ou rejeita a homologação de acordo judicial tem conteúdo de decisão interlocutória de mérito, a desafiar, portanto, o cabimento do recurso de agravo de instrumento, na forma prevista no art. 1.015, II, do CPC/2015. Ao que se extrai do entendimento supra citado, no perfil do CPC/2015, as decisões interlocutórias de mérito caracterizam-se pelo pronunciamento judicial que, apesar de não restar rotulado como "sentença"11, resolve parcialmente o âmago da controvérsia, sem encerrar o processo, a desafiar o cabimento da interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, II, do CPC). Logo, acaso seja homologado acordo judicial e encerrada a fase integralmente a cognitiva ou o processo de execução, o recurso cabível será de apelação (CPC/2015, arts. 203, § 1º e 1.009). Por sua vez, na hipótese de restar indeferido pedido de homologação de acordo, entendeu o STJ, pelo cabimento do recurso de agravo de instrumento, ex vi ao quanto disposto no art. 1.015, II, do CPC/2015, forte em prever o cabimento de referido recurso contra decisões interlocutórias que versem sobre "(...) mérito do processo." O curioso de referido julgado reside na premissa de que, muito embora a decisão que rejeita a homologação de acordo não tenha literal conteúdo de mérito ou impacto sobre este (pois desenquadrada das hipóteses previstas no art. 487, do CPC/2015)12, entendeu o STJ pelo cabimento do recurso de agravo. Logo, ao se seguir o silogismo de referido julgado, a despeito do legislador rotular, dentre as hipóteses de resolução de mérito, um ato positivo para caracterização de sua incidência, à exemplo do acolhimento da prescrição ou homologação de acordo (art. 487, II e III, "b"), quando o pronunciamento judicial indeferir a homologação do acordo ou, ainda, a rejeitar a alegação de prescrição, tal decisão será também impugnável por meio do recurso de agravo de instrumento. __________ 1 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 2 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 3 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos Especiais n. 1.707.066 e 1.717.213.  4 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2187603-32.2016.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.12.2016. 5 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2240960-87.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 3.4.2018. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. STJ, REsp n. 1682120/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.3.2019. Em verdade, referido entendimento emerge da literal redação do art. 1.015, parágrafo único, do CPC. 8 Disponível aqui. STJ, Resp n. 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 4.5.2021. 9 Primeira Turma do STJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, v.u., j. 5/10/2021. 10 Disponível aqui. Acesso aos 18.10.2021, julgamento do Resp n. 1817205/SC a partir do minuto 23:10. 11 Lembrando que o CPC/2015 define a sentença, em seu art. 203, como o "(...) pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução." 12 De sorte que a inteligência do art. 487, II, "b" do CPC/2015 reza uma das hipóteses de resolução de mérito o pronunciamento judicial que homologar a transação (e não a rejeição de sua homologação).
Nos dias 26 a 28 de setembro de 2021, aconteceram as XIII Jornadas de Direito Processual Civil e houve uma série de palestras dedicadas a homenagear o Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Na ocasião, tomei a liberdade de trazer como inspiração um artigo do saudoso professor que chegou ao meu conhecimento quando ainda estava no curso de graduação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Trata-se de "A garantia do contraditório", publicada em uma coletânea coordenada pelo meu então professor José Rogério Cruz e Tucci1. Nesse artigo, o autor aborda o tema da decisão que surpreende os litigantes em um processo por se apoiar "numa visão jurídica de que não se tenham apercebido"2. Afirma, categoricamente, que "o tribunal deve, portanto, dar conhecimento prévio de qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender o seu direito e influenciar a decisão judicial"3. Em outras palavras, mais de quinze anos antes da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), Carlos Alberto Alvaro de Oliveira já se manifestava contra a decisão-surpresa que é proibida hoje pelo art. 10 ("O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"), como decorrência do próprio princípio do contraditório insculpido no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Com efeito, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira critica com veemência a aplicação de dois aforismos sem a prévia observância do contraditório pelo juiz. Os aforismos são da mihi factum, dabo tibi ius e iura novitu cúria. Quanto ao primeiro (da mihi factum, dabo tibi ius), ele diz "(...) afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a aquisição ou o juízo sobre o fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exibe artificial a distinção entre fato e direito - porque no litígio fato e direito se interprenetram -, mas perde força sobretudo o tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato."4 No tocante ao segundo (iura novi curia), ele ensina "O mesmo sucede em relação ao aforismo iura novit curia, a impor ao juiz, na sua conceituação tradicional, conhecer o direito e investigá-lo de ofício, caso não o conheça, tornando-o também totalmente independente na sua aplicação dos pedidos e alegações das partes a respeito, permitindo-lhe extrair do material fático trazido pelas partes conclusões jurídicas não aportadas por elas nos autos"5. E continua, "todavia, nada obstante a liberdade desfrutada pelo órgão judicial nessa matéria, podem e devem as partes aportar a sua cooperação também quanto à valorização jurídica da realidade externa ao processo, investigação que hoje de modo nenhum pode constituir labuta exclusiva do órgão judicial".6 Lamentavelmente, o Superior Tribunal de Justiça, em pelo menos um julgado, deixa transparecer que o seu entendimento está bastante aquém da inteligência de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ACÓRDÃO QUE, EM APELAÇÃO, DECLAROU A INÉPCIA DA INICIAL. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO JURÍDICO DECORRENTE DE FATOS NOVOS. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA MANIFESTAÇÃO PRÉVIA. OFENSA AO ARTIGO 10 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com o argumento de que os réus, ora recorridos, são herdeiros de um vereador, já falecido, do município de Juramento, que, no exercício do cargo, recebeu indevidamente, no ano de 1991, a importância de R$ 8.026,82 (oito mil, vinte e seis reais e oitenta e dois centavos) atualizada até outubro de 2011. Como, na partilha dos bens deixados pelo falecido, cada um recebeu a importância de R$ 34.836,10 (trinta e quatro mil, oitocentos e trinta e seis reais e dez centavos), ficam obrigados a devolver o que foi recebido indevidamente pelo autor da herança, sob pena de enriquecimento ilícito. 2. A sentença julgou procedente o pedido. Por sua vez, o Tribunal de origem julgou "prejudicado o recurso voluntário, para cassar a sentença e, dar pela nulidade do processo desde o início, em face da inépcia da petição inicial, nos termos do art. 295, I, § único, I e II, do anterior ou art. 330, § 1°, I e III, do novo Código de Processo Civil." (grifos no original). 3. Cinge-se a controvérsia a discutir a violação do art. 10 do Código de Processo Civil, que veda a chamada "decisão-surpresa", pois, no entender da parte recorrente, o Tribunal a quo não poderia ter declarado a inépcia da inicial antes de ter-lhe facultado manifestar-se sobre esse fundamento legal, uma vez que a questão ainda não havia sido discutida nos autos. 4. O art. 10 do CPC/2015 deve ser interpretado cum grano salis e com uso da técnica hermenêutica não ampliativa, à luz do princípio da não surpresa. Nesse sentido, "a aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure." (AgInt no REsp 1.701.258/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 29.10.2018). (...)  (REsp 1781459/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 21/08/2020)" A Constituição Federal (art. 5º, LV) e a lei (CPC, art. 10) são evidentes no sentido de proibir que seja tomada uma decisão cujo fundamento não tenha sido objeto de conhecimento prévio das partes, ainda que exista autorização para se conhecer de ofício. No julgamento acima, o tribunal reconheceu a inépcia da petição inicial, sem que tivesse sido dada oportunidade para as partes se manifestarem sobre a questão. Ninguém duvida que o juiz ou desembargador possam fazer isso (reconhecer a inépcia de uma petição inicial). Mas o que não se pode fazer, é deixar de viabilizar o contraditório antes de se tomar tal decisão. Ou seja, é inaceitável negar para as partes a oportunidade de se manifestarem sobre a suposta inépcia da inicial antes que ela seja decretada. Veja-se, o aforismo iura novit curia não deixa de ser aplicado nesse caso. Apenas se dá às partes a oportunidade de influenciarem o juiz antes de ele tomar uma decisão baseada na lei que ele entendeu e anunciou ser aplicável ao processo. Ademais, não é só o interesse das partes que está em jogo, mas a própria credibilidade do Poder Judiciário. Como ensina Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, "a problemática não diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medica em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração da justiça" (grifos nossos).7 Talvez por isso a fé do cidadão na administração da justiça venha minguando a cada dia que passa e as palavras do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, apesar de terem sido lançadas no século passado, são tão atuais. __________ 1 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 132-150. 2 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 143. 3 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 143. 4 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 140. 5 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 141. 6 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 144. 7 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. In.: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 144.
quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A citação por meio eletrônico

No último mês de agosto/21, entrou em vigor a lei 14.195/2021, a qual alterou diversas disposições do Código de Processo Civil ("CPC"), dentre elas a forma de citação nos processos judiciais. As novas previsões permitem que a citação ocorra de forma eletrônica, por e-mail (art. 246 do CPC). Com isso, tanto as empresas públicas como privadas devem manter cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do Conselho Nacional de Justiça, para garantir o recebimento de citações e intimações (art. 246, §1º, do CPC). A citação ocorrerá da seguinte maneira: (i) o juiz determinará a citação por meio eletrônico no prazo de 2 dias úteis, a contar da decisão; (ii) a pessoa jurídica, ao receber a citação com as devidas orientações no e-mail informado, terá até 3 dias úteis para confirmar seu recebimento; e (iii) o prazo do réu para apresentação de defesa começará no quinto dia útil seguinte à confirmação de recebimento da citação realizada por e-mail. Caso não ocorra a confirmação do recebimento da citação eletrônica no prazo estipulado, a citação será realizada por carta com aviso de recebimento, ou oficial de justiça, conforme previsto no CPC. Todavia, o réu, na primeira oportunidade em que se manifestar no processo, deve apresentar justificativa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica. Importante destacar que os artigos 77, inciso V e 246, §1º-C, do CPC, instituíram, como dever das partes e de seus procuradores, informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, sob pena de multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa, por ser o descumprimento deste dever considerado ato atentatório à dignidade da justiça. O artigo 238 do CPC enfatiza, ainda, que a citação deve ser efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação.  A 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2210378-65.2021.8.26.0000, considerou que: "Com as alterações promovidas recentemente pela Lei 14.195/2021 ao art. 246 do CPC/2015, a citação será feita  preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça, do que deflui a necessidade de expressa anuência, com a indicação do endereço eletrônico pelo citando, que deverá confirmar o recebimento, sob pena de realizar-se a citação pelos meios convencionais (art. 246, § 1º, CPC/2015)". Igual entendimento teve a 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2212821-86.2021.8.26.0000, afirmou que: "Assim sendo, seja pela atual redação do CPC, art. 246, seja pela normativa emanada do c. CNJ e do e. TJSP, a citação por meio eletrônico pressupõe indicação pelo citando de seu endereço eletrônico em bancos de dados ou convênio do Poder Judiciário". Todavia, apesar dessa passagem, o respectivo v. acórdão permitiu a citação por e-mail, diante das particularidades do caso concreto, por entender que: "No caso dos autos, o agravante alega que o coexecutado '(...) está em constante contato com o (...) por e-mail e WhatsApp, todos respondidos normalmente, inclusive tratando dos seus débitos e deste processo, pedindo documentos etc.' (fls. 8), tendo trazido para tanto cópia do email (...), em que ele enviou mensagem a prepostos do (...) em 23/06/2021 (fls. 9) e foi respondido em 23/07/2021 (fls. 9). Desse modo, por considerar que a parte se utiliza desta via para se comunicar com o Banco, tem-se como possível a citação do coexecutado (...)através do e-mail (...) indicado pelo agravante". A lei 14.195/2021, sem dúvida, seguindo o espírito das reformas do CPC/73 ocorridas nos anos 2000, busca prestigiar atos no formato eletrônico, visando-se conferir maior prestígio ao princípio da eficiência previsto no artigo 8º do CPC/15, em homenagem à almejada economia processual. Contudo, certamente dúvidas ocorrerão quanto à adequada implementação desse importante mecanismo de viabilização da citação, sendo certo que doutrina e jurisprudência terão a necessária missão de consolidar as mais adequadas interpretações processuais e constitucionais e sobre o tema em tela.   
Uma das inovações mais comemoradas pela Advocacia no Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis. Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis? Já tivemos oportunidade de abordar tal questão na coluna do dia 22/08/2019.1 Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida.2 O Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Esse também acabou sendo o entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça3. Dúvida surgiu nos operadores se no caso de cumprimento de sentenças de obrigação de fazer e não fazer, o prazo também deveria ser contado em dias úteis. O questionamento se mostra importante, pois nesses casos geralmente temos a fixação de multa diária e o cômputo em dias úteis ou corridos pode gerar uma grande diferença no valor da multa. Tendo em vista as premissas adotadas para o cômputo do prazo em dias úteis no caso de cumprimento de sentença para o pagamento de quantia, parece plenamente adequado que tal prazo também seja aplicável aos cumprimentos de sentença de obrigações de fazer e não fazer. Nesse sentido é o entendimento do professor Cássio Scarpinella Bueno: "Ainda que fixados em dias - e a prática forense mostra que este é o referencial mais comum -, sua contagem deve computar apenas os dias úteis, em função da dicotomia estabelecida pelo art. 219. Trata-se invariavelmente de prazo processual, porque o fazer e o não fazer que interessam ao exame dos arts. 536 e 537 são fruto de determinação - de verdadeira ordem - judicial. Não há como confundir essa realidade (processual) com a atitude a ser adotada pela parte no plano material para aquela observância, ainda que o comportamento ou a abstenção independa de participação de advogado ou, mais amplamente, de alguém munido de capacidade postulatória." Em recente acórdão, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis nos casos de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência. 2. Não se conhece do recurso especial quando a matéria impugnada no apelo não foi objeto de debate pelo acórdão recorrido e a parte interessada deixa de opor embargos de declaração para o suprimento dos vícios de fundamentação do julgado. No caso, não é possível examinar a suscitada afronta ao art. 537, § 4º, do CPC, haja vista a ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas 282/STF e 356/STF. 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a natureza do prazo fixado para o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, concluiu que "a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis" (REsp 1.708.348/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/8/2019). 4. A mesma ratio contida no precedente indicado acima deve ser aplicada ao presente caso, que diz respeito ao momento a partir do qual se considera que houve o descumprimento das obrigações de fazer constantes do título judicial. Ainda que a prestação de fazer seja ato a ser praticado pela parte, não se pode desconsiderar a natureza processual do prazo judicial fixado para o cumprimento da sentença, o que atrai a incidência da regra contida no art. 219 do CPC. 5. Tratando-se de instrumento de coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, a incidência da multa prevista no art. 536, § 1º, e 537 do CPC é consectário lógico do descumprimento da ordem judicial, não se confundindo com a postulação de direito material apresentada em juízo. Por isso, o cômputo do prazo estipulado em dias para a prática das prestações de fazer não destoa do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido." (g.n.) (REsp 1.778.885 - DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021) Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tais teses, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis para os cumprimentos de sentença, sejam de pagar quantia, sejam de fazer e não fazer, para que tenhamos a aplicação vinculante de tais entendimentos para a segurança jurídica de todos. __________ 1 Disponível aqui. 2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682. 3 REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019.
O STJ, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1333988/SP, sob o rito do então art. 543-C, do CPC/73, firmou a tese de que não caberia a incidência de astreinte em ação de exibição de documentos1, entendimento este cristalizado na inteligência da súmula 372 de referida corte superior: "na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação de multa cominatória"2. Em que pese o entendimento acima, os novéis arts. 139, IV e, 400, do CPC/2015 expressamente preveem: "Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: (...) Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398; II - a recusa for havida por ilegítima. Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". Aparente conflito entre a Súmula 372/STJ e a inteligência do art. 400 do CPC ensejou a proposta de afetação do recurso especial n. 1.763.463/MG (Tema n. 1.000), de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA COMINATÓRIA. TEMA 705/STJ. SUPERVENIÊNCIA NOVA DISCIPLINA DA MATÉRIA. ART. 400 DO CPC/2015. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE NOVA TESE. 1. Existência de tese firmada no julgamento do Tema 705/STJ, na vigência do CPC/1973, no sentido do "descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível". 2. Superveniência de nova disciplina legal da matéria no art. 400, p. u., do CPC/2015, que assim estatuiu: "sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". 3. Necessidade de novo enfrentamento da controvérsia com base no CPC/2015. 4. Delimitação da nova controvérsia: "cabimento ou não de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015". 5. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/2015. (...) Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art.  257-C) e, por unanimidade, suspender a tramitação de processos em todo território nacional, conforme proposta do Sr. Ministro Relator, a fim de consolidar entendimento sobre a seguinte controvérsia:  cabimento ou  não de multa cominatória na exibição, incidental  ou autônoma, de documento relativo a direito disponível, na vigência do CPC/2015.  (ProAfR no REsp 1.763.462/MG e REsp 1777553/SP, Tema Repetitivo n. 1000, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 30.10.2018, DJe 06.11.2018) Pudemos analisar noutra oportunidade a decisão do STJ compelindo provedor de acesso a internet a fornecer dados visando a identificação de usuário, sem prejuízo de comentar o regime de afetação acima mencionado3. Também em texto de autoria do colega nesta coluna, Dr. Elias Marques de Medeiros Neto, foram tecidos comentários acerca da decisão do STJ em admitir, para desiderato semelhante de exibição de documento, o manejo tanto da (i) da ação autônoma de produção antecipada da prova, fundada nos arts. 381 a 396 do CPC, (ii) assim como semelhante providência poder se materializar por meio de simples pedido no bojo do procedimento comum, com base no art. 318 do CPC e Enunciados n. 119 e 129, da II Jornada de Direito Processual Civil4. E recentemente restou disponibilizado o v. acórdão de julgamento do tema n. 1.000 em sede de Recurso Especial Repetitivo pela Segunda Seção do STJ (Resp n. 1.777553/SP), acima referenciado, a fixar a seguinte tese e respectiva ementa de julgamento: "Para os fins repetitivos, foi aprovada a seguinte tese: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e do documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurado mediante contraditório prévio (art. 398, caput), poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa, com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.  RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 1000/STJ. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. COMINAÇÃO DE ASTREINTES NA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS REQUERIDA CONTRA A PARTE 'EX ADVERSA'. CABIMENTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. NECESSIDADE DE PRÉVIO JUÍZO DE PROBABILIDADE E DE PRÉVIA TENTATIVA DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA MEDIDA COERCITIVA. CASO CONCRETO. INSCRIÇÃO NEGATIVA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. PEDIDO AUTÔNOMO DE EXIBIÇÃO DO CONTRATO PERTINENTE À INSCRIÇÃO NEGATIVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL PELO JUÍZO DE ORIGEM. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE EXIBIÇÃO COM COMINAÇÃO DE ASTREINTES. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE PRÉVIO JUÍZO DE PROBABILIDADE E DE PRÉVIA TENTATIVA DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA MEDIDA COERCITIVA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. 1. Delimitação da controvérsia: exibição incidental ou autônoma de documentos requerida contra a parte 'ex adversa' em demanda de direito privado. 2. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015" (Tema 1000/STJ). 3. Caso concreto: 3.1. Controvérsia acerca da cominação de astreintes em ação autônoma de exibição ajuizada com o escopo de ter acesso ao contrato que teria dado origem a uma inscrição negativa em cadastro de inadimplentes. 3.2. Indeferimento da petição inicial pelo juízo de origem, tendo o Tribunal de origem reformado a sentença e, aplicando a teoria da causa madura, julgado procedente o pedido de exibição, com cominação de astreintes. 3.3. Descabimento da cominação de astreintes sem prévio juízo de probabilidade acerca da existência da relação jurídica e do documento, nos termos da tese firmada neste voto. 3.4. Necessidade de prévia tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, antes da cominação de astreintes. 3.5. Desconstituição da sentença e do acórdão recorrido para que seja retomado o curso da ação de exibição de documentos para possibilitar a aplicação da tese consolidada neste voto, como se entender de direito. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, EM PARTE". (STJ, Resp n. 1.777.533/SP, Segunda Seção, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 26.05.2021) O v. acórdão, composto de 72 folhas, merece destaque em alguns pontos do voto condutor: "(...) I - DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA A fim de delimitar a controvérsia, como bem pontuado pela FEBRABAN (fl. 333), observe-se que a exibição pode ser deduzida com base em um direito material à exibição (acaso existente), mediante ação autônoma, ou com base em um direito instrumental à exibição (para a obtenção de um meio de prova), por meio de um pedido incidental de exibição ou por meio da produção antecipada de provas. Sendo instrumental, a exibição pode ser requerida contra a parte ou contra terceiro. (...) IV - FUNÇÃO SOCIAL DO PROCESSO CIVIL E A VERDADE JUDICIAL (...) Tratando-se de prova essencial para a apuração da verdade dos fatos, caberia ao juiz lançar mão das medidas instrumentais previstas no parágrafo único do art. 400, pois, do contrário, uma sentença baseada apenas na presunção de veracidade poderia conduzir a uma decisão dissociada da realidade dos fatos subjacentes à demanda (conforme se possa inferir pelas outras provas e pelas alegações das partes). É a hipótese mencionada por TARUFFO, em que "jogo [processual] corre o risco de levar a decisões injustas". Tratando-se, contudo, de uma prova que possa ser suprida pela presunção de veracidade, sem prejuízo relevante para a apuração da verdade, não haveria necessidade de emprego das medidas instrumentais previstas no art. 400, p. u. do CPC/2015. Essa abordagem da função do processo civil (e suas implicações sobre a verdade judicial), permite uma visão simplificada da controvérsia ora afetada, contribuindo assim para o desenvolvimento dos demais pontos deste voto. (...) VII - COOPERAÇÃO, AMPLA DEFESA E NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO (...) É dizer, portanto que a adequada produção probatória é do interesse do processo, e não do interesse exclusivo das partes, podendo-se falar em um verdadeiro "dever" de colaboração com a produção probatória, não somente em "ônus" probatório, como defendia MOACYR AMARAL SANTOS, no trecho alhures transcrito, na vigência do CPC/1973. Conclui-se, portanto, que o direito de não produzir prova contra si mesmo se restringe à não autoincriminação em matéria penal, prevalecendo no âmbito do direito privado garantia da ampla defesa conjugada com o dever de cooperação das partes com a instrução probatória. (...) VIII - EFETIVIDADE DO PROCESSO (...) Sob perspectiva histórica, verifica-se que o avanço em termos de efetividade dos provimentos jurisdicionais serviu de norte para o novo codex, como bem apontou a DPU, de modo que esse norte interpretativo conduz ao entendimento de que a previsão do gênero "medidas coercitivas" no art. 400, p. u., também abrange a multa pecuniária, pois essa interpretação confere maior eficácia à ordem de exibição.   IX - AUSÊNCIA DE SILÊNCIO ELOQUENTE DO LEGISLADOR (...) Deveras, se a intenção do legislador fosse realmente excluir a aplicação de multa na exibição de documentos, nada seria pior em termos de técnica legislativa do que empregar redação idêntica à do art. 139, inciso IV, pois, numa interpretação gramatical, o intérprete seria levado a concluir que o gênero "medidas coercitivas" abrange necessariamente a multa cominatória, como bem sustentou o IBDP. Efetivamente, a boa técnica legislativa recomendaria, nesse caso, excluir expressamente a possibilidade de aplicação de multa, para não restar dúvida acerca da exclusão dessa espécie de medida coercitiva, apesar da previsão do gênero que a abarca. Com esses fundamentos, pode-se concluir que a norma do art. 400, p. u., ao contrário de um silêncio eloquente, contém, na verdade, uma previsão implícita de multa cominatória, contida no gênero "medidas coercitivas". Na verdade, não se trata de silêncio eloquente do artigo 400, mas sim de excesso de zelo do legislador no artigo 403 ao ressaltar a possibilidade de incidência de multa em desfavor de um terceiro estranho à relação processual, já que, em relação às partes, a aplicação dessa medida coercitiva é natural. (...) XI - DA "INDÚSTRIA" DA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS Em tempos de demandas de massa, não se pode ignorar a possibilidade de uma tese favorável à cominação de astreintes estimular uma indústria de ações de exibição, visando proveito econômico com as astreintes, como bem apontou a FEBRABAN. Contudo, além de ser mera conjetura, essa possibilidade tem sido cada vez mais restringida pela jurisprudência desta Corte Superior, que, por meio de uma releitura do interesse processual, tem exigido do autor do pedido de exibição, por exemplo, a prévia apresentação de requerimento na via administrativa e o pagamento do custo do serviço. Nesse sentido, mencionem-se as seguintes teses firmadas segundo o rito dos recursos especiais repetitivos: Tema 42/STJ - Falta ao autor interesse de agir para a ação em que postula a obtenção de documentos com dados societários, se não logra demonstrar haver apresentado requerimento formal à ré nesse sentido. Tema 43/STJ - A comprovação do pagamento do 'custo do serviço' referente ao fornecimento de certidão de assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima. Tema 648/STJ - A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária. Também se encontra na jurisprudência desta Corte entendimento pela condenação da parte autora aos encargos da sucumbência, com base no princípio da causalidade, na hipótese de ausência de oposição do réu à exibição de documentos. (...) XII - PROPOSTA DE TESE (...) A partir de então, os votos convergiram para a tese proposta pelo Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, com ligeira alteração de redação, tendo este relator realinhado o voto, sendo ao final proclamada a tese abaixo descrita: Tema 1000/STJ - Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015. Cabe esclarecer que essa tese não se aplica pedidos de exibição regidos pelo CPC/1973, aos quais continuam aplicáveis os Temas 47, 149 e 705/STJ. (...)" Portanto, depreende-se da tese n. 1.000, fixada em sede de recurso especial repetitivo, (i) a possibilidade de requerimento de exibição de documento ou coisa em face da parte ou de terceiro5, (ii) o asseguramento de contraditório prévio ao réu ou terceiro (em especial para esclarecer em juízo quanto a posse do documento ou coisa ou vedação legal para sua exibição6), (iii) a cognição exercida pelo magistrado concluir pela existência de relação jurídica havida entre a parte ou terceiro demandado para exibição do documento ou coisa, assim como refutar as alegações trazidas e destinadas a não exibição do documento ou coisa e, (iv) a cominação de multa (astreinte) em caráter subsidiário, após esgotada tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva7 que não tenha atingido o desiderato pretendido, o que implica na revogação das súmulas 372 e 705, do STJ. Caberá aos órgãos fracionários e de primeiro grau a aplicação da tese supracitada, observados os contornos e limites definidos pela Segunda Seção do STJ. Espera-se, mediante o julgamento acima, o fim da controvérsia ligada ao cabimento de multa quando formulado pedido de exibição de documento ou coisa (seja de forma incidental ou mediante ação autônoma), a se prestigiar o entendimento recentemente cristalizado. __________ 1 RECURSO ESPECIAL  REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.  CADERNETA DE POUPANÇA.  CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.  EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. 1.  Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 1.2.  "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada." 2.  Caso concreto:  Exclusão das astreintes. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO."  REsp 1333988/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Paulo de tarso Sanseverino, DJe 11.04.2014. 2 Em sentido semelhante é o teor da Súmula n. 705, do STJ: "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Que, conforme referenciado no julgamento do Resp. n. 1.774.987/SP, pode ser manejado tanto por pedido incidental nos autos, quanto por meio de ação autônoma de produção antecipada da prova (arts. 381 e 396 e seguintes, do CPC). 6 Mormente em situações em que o direito material impõe a observância de preservação de sigilo e confidencialidade ou proteção a dados confidenciais. 7 Entende-se que seriam as medidas atípicas disciplinadas no art. 139, IV, do CPC. 
Pergunta clássica formulada desde os bancos da faculdade é: quem é o responsável pela concessão de uma tutela de urgência caso a decisão que a concedeu seja revogada? Trata-se pergunta bastante pertinente até os dias atuais. Como se sabe, o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (CF), estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (grifos nossos). Em razão dessa palavra "ameaça" é que o Código de Processo Civil (CPC) permite que o juiz, mesmo não tendo certeza de que autor de um pedido de tutela de urgência esteja com a razão, defira o que está sendo requerido com base apenas na probabilidade do direito e no perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300, caput). Tal permissão existe no CPC justamente para se evitar que uma ameaça a um direito se transforme em lesão, dando concretude ao mandamento constitucional de que o Poder Judiciário deve agir, mesmo na hipótese de ainda não haver uma lesão a determinado direito, desde que se configure a ameaça. Não há dúvida de que uma decisão judicial, proferida com base em um juízo de probabilidade da existência de um direito que corre o perigo de ser lesado, possa, no futuro, se mostrar totalmente equivocada. Afinal, "errar é humano" e a "pressa é inimiga da perfeição". Daí a pergunta que se apresenta bastante pertinente: quem arcará com o prejuízo de uma decisão rápida tomada com base em probabilidades? O juiz? O Estado? Aquele que se beneficiou da decisão? Ou, ainda, aquele que foi prejudicado pela decisão tomada com base em probabilidades? Como se verá adiante, em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, ficou com a última hipótese, ou seja, decidiu que aquele que foi prejudicado pela concessão de uma tutela de urgência que depois foi revogada deve amargar o prejuízo que sofreu para sempre. Tal decisão, que será mencionada abaixo, chama a atenção porque não é exatamente essa a solução que o art. 302, do Código de Processo Civil dá para hipóteses parecidas. Confira-se: "Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível." A regra geral insculpida no art. 302, do CPC, portanto, é a de que a responsabilidade pela concessão da tutela de urgência é de quem a pediu, caso aconteça alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do referido dispositivo legal. No Código de Processo Civil anterior (CPC/1973), não era diferente, conforme estabelecido pelo art. 811, in verbis: Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código; IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810). A doutrina, à luz dos dispositivos acima, divergia. Parte afirmava que a responsabilidade é objetiva e do autor do pedido de tutela de urgência, que assume o risco de ter que recompor as partes ao status quo anterior à concessão da medida, caso ela seja tornada sem efeitos. Veja-se, a propósito, o que afirmava Tércio Chiavassa: "A responsabilidade processual da parte que executa a tutela de urgência é objetiva. O risco, portanto, é inerente ao poder que a parte possui contra o Estado de exigir do Judiciário a concessão de execução daquela tutela pretendida, quando presentes os pressupostos" (CHIAVASSA, Tércio. "Tutelas de urgência cassadas: a recomposição do dano", São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 301). Já Lúcio Palma da Fonseca, em monografia sobre o tema entendia que a responsabilidade do autor não poderia ser objetiva, mas sim subjetiva. Ou seja, o autor do pedido de tutela de urgência somente poderia ser responsabilizado em caso de comprovada má-fé, culpa ou dolo. Confira-se: "Quanto à responsabilidade civil do autor, pensamos ser subjetiva, devendo restar provado nos autos conduta incompatível, de má-fé, culpa ou dolo. Não é o caso, pois, de responsabilidade objetiva como sustentam alguns autores, em razão de ausência expressa nesse sentido como ocorre na norma do art. 811 do CPC, muito embora o art. 273 do CPC faça remissão genérica ao art. 588 do mesmo diploma legal" (FONSECA, Lúcio Palma da. "Tutela cautelar: responsabilidade civil pelo manejo das liminares". Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 186). Prevalecia, entretanto, a posição apontada por Cassio Scarpinella Bueno, segundo o qual: "A doutrina é uniforme no entendimento de que a responsabilidade prevista no dispositivo é objetiva, não subjetiva, razão pela qual o dever de o beneficiário da 'medida cautelar' responsabilizar-se pelos danos que causou com a medida independentemente de culpa sua. É mister, contudo, a demonstração de danos (materiais ou morais) e de que eles provêm da medida jurisdicional tal qual concedida e, se for o caso, cumprida, isto é, de seu nexo causal" (BUENO, Cassio Scarpinella. "Curso sistematizado de direito processual civil". V. 4. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 179). Na vigência do Código de Processo Civil atual, a doutrina também continua entendendo que tal responsabilidade é objetiva, conforme ensinam João Batista Lopes e Carlos Augusto de Assis, ao tratarem da tutela cautelar e da tutela antecipada, respectivamente: "O entendimento predominante é no sentido de que se cuida de responsabilidade objetiva. É que, ao acionar a máquina judiciária, o autor assume o risco decorrente do exercício da ação e, assim, pela teoria da causalidade, deve responder pelos prejuízos causados, independentemente de sua culpa" (LOPES, João Batista; ASSIS, Carlos Augusto de. "Tutela provisória: tutela antecipada, tutela cautelar, tutela da evidência, tutela inibitória antecipada". Brasília: Gazeta Jurídica, 2018. p. 108). (...) "O novo Código, ao unificar o tratamento dado à tutela de urgência, deixou expresso algo que a doutrina já defendia durante a vigência do Código anterior: a aplicação do mesmo regime de responsabilidade do requerente pelos danos causados pela efetivação da tutela de urgência que tinha sido posteriormente revogada" (ASSIS, Carlos Augusto de; LOPES, João Batista. "Tutela provisória: tutela antecipada, tutela cautelar, tutela da evidência, tutela inibitória antecipada". Brasília: Gazeta Jurídica, 2018. p. 155). Porém, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o autor de um pedido de antecipação de tutela, que posteriormente foi tornada sem efeito, não deveria indenizar a parte contrária, porque agiu de boa-fé. Em outras palavras, levou em consideração a conduta do autor do pedido, tornando, portanto, subjetiva a atribuição de responsabilidade pela concessão da tutela de urgência. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SERVIÇO DE HOMECARE. TUTELA DEFERIDA. PACIENTE PORTADORA DE MAL DE ALZHEIMER. MORTE DA AUTORA NO DECORRER DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS EX TUNC. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS COM FÁRMACOS, ALIMENTAÇÃO E MATERIAIS HOSPITALARES. DESCABIMENTO. BOA-FÉ DA DEMANDADA EVIDENCIADA. 1. O cerne da controvérsia situa-se em torno do pedido de restituição dos gastos suportados para o cumprimento da decisão interlocutória concessiva da tutela provisória à parte autora, tendo em vista a posterior revogação da medida quando da prolação da respectiva sentença. 2. Em relação aos benefícios previdenciários complementares, o posicionamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que há direito à devolução dos valores percebidos, em razão da revogação da antecipação dos efeitos da tutela pela sentença de mérito. 3. Entretanto, a repetibilidade da verba recebida, com base em antecipação de tutela, deve ser examinada sob o prisma da boa-fé objetiva. 4. Consoante destacado pelo acórdão recorrido, na hipótese dos autos, não há evidência de conduta contrária à boa-fé na postura da paciente falecida ou de sua família. 5. A revogação da antecipação de tutela não decorreu da inexistência do direito da postulante, tendo o processo sido extinto apenas em razão da morte da demandante e a inexistência de conteúdo condenatório que aproveitasse aos herdeiros da requerente, pois o objeto da demanda era apenas a concessão de assistência à saúde em favor da paciente falecida. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. (REsp 1725736/CE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 21/05/2021, grifos nossos)". Note-se que nunca se questionou a licitude dos atos do requerente da tutela de urgência para estabelecer a sua responsabilidade, caso a decisão que a conceda perca os seus efeitos. Algo que é requerido de acordo com a lei e determinada a sua execução pelo Poder Judiciário não é ilícito. A responsabilidade, no caso, sempre foi estabelecida com base no risco consciente que o autor do pedido de tutela de urgência corre ao pedí-la. Trata-se de risco sabido pelo autor do pedido de urgência porque não pode alegar ignorância do teor do art. 302, sobretudo do seu inciso III, que prescreve ser sua responsabilidade indenizar caso ocorra "a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal" (grifo nosso). O entendimento apresentado pela Terceira Turma do STJ, com o devido respeito, parece retroceder ao que estabelecia o Código de Processo Civil de 1939 (instituído pelo decreto-lei 1.608, de 18 de setembro de 1939). Nesse antigo diploma legal, em seu Livro V, tratava dos processos que denominava de acessórios e, em seu Título I, dispunha sobre as "medidas preventivas". Lá no art. 688, parágrafo único, estava estabelecido o seguinte: "Art. 688. A responsabilidade do vencido regular-se-á pelos arts. 63 e 64. Parágrafo único. A parte que, maliciosamente ou por erro grosseiro, promover medida preventiva, responderá também pelo prejuízo que causar" (grifos nossos). Em conclusão, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp 1.725.736/CE, retornou ao Código de Processo Civil de 1939 (art. 688, parágrafo único), ignorando a evolução legislativa do Código de Processo Civil de 1973 (art. 811) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 302), sem mencionar décadas de jurisprudência e doutrina, que estabelecem a responsabilidade objetiva daquele que pede uma tutela de urgência, em razão do risco, sobretudo aquele hospedado no inciso III do art. 302, do CPC atual.
A execução, no Brasil, é um fator de forte preocupação para se alcançar o almejado patamar de efetividade processual idealizado pelo legislador no artigo 4 do CPC/15. Nos índices apresentados pelo Justiça em Números do CNJ, existem mais de "79 milhões de demandas em tramitação, das quais nada menos do que 42,81 milhões são de natureza executiva fiscal, civil e cumprimento de sentenças, equivalente a 54,2% de todo o acervo do Poder Judiciário (...) Os dados do CNJ ainda indicam que apenas 14,9% desses processos de execução atingem a satisfação do crédito perseguido, enquanto a taxa de congestionamento é de 85,1%, ou seja, de cada 100 processos de execução que tramitavam em 2018, somente 14,9 obtiveram baixa definitiva nos mapas estatísticos."1 No levantamento mais recente, reconheceu-se que uma grande causa dos alarmantes números de execuções pendentes é a falta de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente. Ademais, as dívidas chegam ao judiciário após esgotados os meios de cobrança administrativos - daí a difícil recuperação."2 Neste cenário, conforme já tivemos a oportunidade de defender3, um procedimento de busca antecipada de bens do devedor seria um forte aliado nessa cruzada contra a falta de efetividade e eficiência na implementação dos atos executivos. O tema também traça interessante comunicação com as previsões do CPC/15 que estipulam medidas de reforço à efetividade e à cooperação processual, tais como a medida antecipada de provas sem o requisito da urgência, conforme previsto no artigo 381 do CPC/15. O foco, portanto, é demonstrar que seria possível, no Brasil, implementar medida antecipada, sem a necessidade de demonstração de urgência, que possa autorizar o credor a obter informações patrimoniais do devedor, de modo a que se possa decidir, posteriormente, se faz sentido e/ou se há utilidade em ingressar - ou não - com a competente e posterior execução. E o recente julgamento da Apelação n. 1024263-54.2015.8.26.0196, pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, tendo sido relator o Desembargador Fabio Tabosa, reforça a necessidade de reforma do CPC/15, com a previsão expressa de um procedimento de busca antecipada de bens do devedor; notadamente na medida em que o Tribunal de Justiça, naquele julgamento, afastou a possibilidade de manejo do artigo 381 do CPC/15 para providências de localização prévia do patrimônio do devedor: "Processual. Propriedade industrial. Ação cautelar de produção antecipada de provas, ajuizada em caráter preparatório por sociedade empresária que se diz vítima de atos de contrafação praticados pelos réus. Pretensão de providências voltadas à pesquisa de patrimônio em nome dos réus. Medida que nada tem a ver com antecipação probatória, propriamente dita, nos moldes disciplinados no art. 381 do CPC/2015 ou no art. 846 do CPC/73. Inexistência de interesse na obtenção de elementos probatórios capazes de viabilizar composição ou contribuir para a conservação de informações relevantes a futura decisão de mérito. Objeto da autora projetado, na verdade, para futura execução, tendo escopo de conservação patrimonial no tocante aos réus, demandando providências específicas em tal sentido. Falta de interesse de agir efetivamente configurada. Sentença de indeferimento da petição inicial confirmada. Apelação da autora desprovida. (TJSP, Apelação n. 1024263-54.2015.8.26.0196, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Fabio Tabosa)" Desse modo, apesar de ser defensável a genial união do artigo 381 do CPC com providências de localização do devedor e dos seus bens, tais como as previstas no artigo 772, III, do CPC/15, inegável é que o julgado do TJSP já indica que haveria polêmicas nos tribunais quanto à implementação de um procedimento de busca antecipada de bens sem que haja expressa previsão no CPC/15 com tal norte. Para tanto, vale realçar que o artigo 772 do CPC/15 reforça o dever do juiz de determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável4. O magistrado poderia antecipar as providências do já vigente artigo 772 do CPC/15, em respeito aos vetores do artigo 6º do CPC/15, e promover, antes da efetiva execução, as providências de auxilio ao credor quanto à busca de bens futuramente penhoráveis do devedor. Vale reforçar que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell5,para quem "deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".  E, seguindo o exemplo do legislador quanto à medida de antecipação de prova, sem o requisito da urgência, com o intuito de se evitarem demandas judiciais infrutíferas, seria possível prever que o credor, em requerimento judicial prévio ao início da ação de execução (artigo 824 do CPC/15) e/ou ao início da fase de cumprimento de sentença (artigo 523 do CPC/15), demonstrando ser titular de um crédito líquido, certo e exigível, bem como demonstrando deter título executivo extrajudicial e/ou judicial, possa formular pedido para que o magistrado: (i) expedisse ofícios a órgãos públicos com vistas a obter informações sobre quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor; e (ii) citasse ou intimasse o devedor para que este pudesse indicar quais são e onde se encontram os seus bens penhoráveis. O magistrado, após verificar a presença dos requisitos legais, em decisão devidamente fundamentada, poderia autorizar a expedição dos ofícios e/ou citar/intimar o devedor para os fins dos artigos 772 e 774 do CPC/15. E com as informações nos autos, o credor poderia formular a indicação de bens a serem penhorados de maneira mais precisa e logo no início da execução; bem como o magistrado poderia verificar como a execução deveria seguir de forma mais equilibrada, já que teria noção exata de quais seriam os bens do devedor que poderiam garantir eficazmente o pagamento da dívida. E, por outro lado, caso inexistissem bens penhoráveis, o credor desde logo teria esta informação, evitando-se o início de uma execução totalmente infrutífera. É claro que o modelo de antecipação das providências do artigo 772 do CPC/15 ora proposto, ainda que inspirado no artigo 381 do CPC/15, deve ser rigorosamente previsto no código de processo civil ou em lei própria, até para que se evitem excessos ou inseguranças quanto ao procedimento. O magistrado, ao antecipar as providências do artigo 772 do CPC/15, indubitavelmente estará garantindo o melhor custo e benefício para os futuros atos processuais nos procedimentos de execução, evitando-se medidas sem resultado econômico algum. No mais, em linha com o artigo 6º do CPC/15, antecipar as providências do artigo 772 do CPC/15, em uma postura mais cooperativa do Poder Judiciário na busca e localização de bens do devedor, seria um fator de contribuição para a melhor efetividade e eficiência do processo de execução no Brasil. O legislador brasileiro, para tanto, precisa prever a possibilidade de antecipação das providências do artigo 772 do CPC/15. Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa6, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell7  já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor". É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera; não importando quantas medidas atípicas o magistrado defira em favor do credor. Ao saber que o devedor não tem bens penhoráveis, o credor já poderá requerer providências voltadas à declaração de insolvência e/ou falência, bem como poderá se valer dos eventuais benefícios fiscais decorrentes do prejuízo comprovado. Por outro lado, ao saber quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor e o magistrado já poderão se posicionar, de forma mais eficiente, para as providências de expropriação do patrimônio daquele que deve.   Daí a crucial e relevante necessidade da antecipação das providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15, permitindo-se ao credor visualizar o patrimônio do devedor previamente à medida judicial executiva, de tal sorte a se concluir se fará sentido - ou não - o início de execução contra aquele devedor. Ademais, como já dito acima, medidas de uniformização de dados sobre as execuções no Brasil, tal qual ocorre em Portugal com a lista pública de execuções frustradas e com o registro informático de execuções, também poderiam muito contribuir para esta prévia análise sobre a eficiência da execução pretendida pelo credor.  Dúvidas podem ser levantadas quanto ao requisito para esse idealizado procedimento judicial de busca antecipada de bens do devedor. Primeiro, seria necessária uma alteração legislativa que autorizasse expressamente o credor a requerer ao magistrado que, nos moldes do procedimento do artigo 381 do CPC/15, e independentemente da prova de urgência, antecipe as providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15 para fase anterior ao efetivo início do cumprimento de sentença ou ajuizamento da ação de execução.   Para tanto, o requisito básico a ser cumprido pelo credor seria a demonstração de que detém título executivo judicial e/ou extrajudicial que comprove, prima facie, que o devedor lhe deve quantia líquida, certa e exigível. Sendo assim, o credor deveria demonstrar ao magistrado que detém um dos títulos elencados nos artigos 515 e 784 do CPC/15, de modo a requerer a antecipação de providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15. Outra pergunta que naturalmente surge é se a antecipação das providências dos artigos 772 e 774 do CPC/15 deve se dar com o conhecimento e participação do devedor, ou se deve ocorrer sem a sua prévia ciência. Quanto à providência do artigo 774, V, do CPC/15, é inevitável a participação do devedor, visto que será citado/intimado para fins de indicação de onde estão e quais são os seus bens penhoráveis; sob pena de incidência da sanção prevista no parágrafo único do mesmo artigo. Quanto ao artigo 772, III, do CPC/15, dentro do espírito do amplo contraditório e do respeito ao devido processo legal, nos termos dos artigos 9 e 10 do CPC/15, o devedor, após a determinação do magistrado quanto à expedição de ofícios, poderia ser citado/intimado para fins de participar do procedimento iniciado pelo credor; podendo demonstrar sua impertinência (em caso de manifesta ausência de título executivo), e/ou simplesmente acompanhar o desenrolar do rito, e/ou adiantar-se às providências judiciais e, dentro do espírito da cooperação, já juntar aos autos as informações patrimoniais necessárias. A ciência do devedor quanto à iniciativa do credor não deve prejudicar o resultado útil do procedimento aqui idealizado, na medida em que o magistrado terá acesso às informações do devedor registradas em órgãos oficiais, de modo que qualquer movimento repentino no patrimônio do devedor será fácil e posteriormente verificado; podendo este último ser punido com sanção pecuniária, além da possível decretação de ineficácia quanto à movimentação fraudulenta do patrimônio. O direito ao contraditório é um dos princípios constitucionais que compõem o devido processo legal, de modo que o procedimento ora idealizado não poderia se desenvolver sem a participação do devedor (inciso LV do art. 5º da CF de 1988)8. A garantia do contraditório na execução é muito bem lembrada por Cândido Rangel Dinamarco9: "E, como esta é a instrumentação jurídica da exigência política do contraditório, conclui-se que tal garantia constitucional se faz presente no processo de execução, sem ser limitada ao cognitivo. Sem isso, não seria possível estabelecer o indispensável equilíbrio entre a exigência de satisfação do credor e a de respeito ao devedor e seu patrimônio". O direito do devedor de participar do procedimento, como já afirmado acima, poderia consistir na demonstração de que o credor não detém título executivo ou no simples acompanhamento das providências antecipadas do artigo 772, III, do CPC/15 ou na atuação mais cooperativa, com a demonstração de onde estão e quais são os bens passíveis de penhora, em evidente postura colaborativa (artigo 774, V, do CPC/15). Com as informações nos autos, o credor poderá formular a indicação de bens a serem penhorados de maneira mais precisa e logo no início da execução; bem como o magistrado poderá verificar como a execução deve seguir de forma mais equilibrada, já que terá noção exata de quais são os bens do devedor que podem garantir eficazmente o pagamento da dívida. E, por outro lado, caso inexistam bens penhoráveis, o credor desde logo terá esta informação, evitando-se o início de uma execução totalmente infrutífera. Apenas com o intuito de esboçar o procedimento ora idealizado, imagina-se uma proposta de reforma do CPC/15 com a inserção de parágrafos no artigo 772, na seguinte linha: Art. 772.  O juiz pode, em qualquer momento do processo: I - ordenar o comparecimento das partes; II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça; III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável. Parágrafo primeiro: o credor, detentor de título executivo extrajudicial (art. 784), demonstrando ser titular de crédito referente à obrigação líquida, certa e exigível inadimplida pelo devedor (art. 786), previamente ao efetivo ajuizamento da execução (art. 798), e independentemente da demonstração de perigo de dano, pode requerer que o juiz determine as providências previstas no inciso III. Parágrafo segundo: é competente para o procedimento do parágrafo primeiro o juiz que será competente para apreciar a futura ação de execução, nos termos do art. 781. Parágrafo terceiro: após o exame do requerimento do credor, e uma vez presentes os requisitos previstos no parágrafo primeiro, o juiz determinará que sujeitos indicados pelo credor, dentro do prazo fixado pelo juiz, forneçam informações quanto aos bens de titularidade do devedor que possam ser objeto de penhora na execução a ser distribuída pelo credor. Parágrafo quarto: após deferir as providências do inciso III, nos termos do parágrafo terceiro anterior, o juiz determinará que o devedor seja citado para indicar nos autos, no prazo de 5 (cinco) dias, quais são e onde estão os bens sujeitos à futura penhora e os respectivos valores, sob pena de aplicação da multa prevista no parágrafo único do art. 774. Parágrafo quinto: o devedor, uma vez citado, poderá se opor ao procedimento iniciado pelo credor, conforme previsão do art. 803, parágrafo único, demonstrando, no prazo de 5 (cinco) dias, que o credor não detém título executivo que consubstancie obrigação liquida, certa e exigível. Parágrafo sexto: uma vez cumpridas as providências do inciso III e do art. 774, V, com a indicação nos autos de quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor poderá ajuizar ação de execução, observando os requisitos do art. 798. Parágrafo sétimo: para o caso de inexistirem bens penhoráveis do devedor, o juiz determinará a expedição em favor do credor de certidão comprobatória de inexistência de bens penhoráveis do devedor, para os devidos fins e efeitos de direito. Parágrafo oitavo: o Conselho Nacional de Justiça providenciará, no prazo de até 1 (hum) ano, a consolidação de banco de dados, de acesso público, que possa indicar quais são as execuções que tramitaram e/ou tramitam contra determinado devedor, com apontamento de quais bens já foram penhorados e se as execuções pretéritas foram extintas com pagamento total ou parcial da dívida ou se estão arquivadas em razão de falta de bens penhoráveis do devedor. Parágrafo nono: o banco de dados de que trata o parágrafo oitavo também registrará os casos em quem foram emitidas em favor do credor as certidões previstas no parágrafo sétimo. Parágrafo décimo: aplica-se o disposto nos parágrafos acima ao procedimento de cumprimento de sentença, nos termos do art. 771. Dentro da lógica do princípio da eficiência e do princípio da cooperação, e sempre na busca da maior efetividade do processo, é defensável sustentar alteração legislativa no sentido de garantir o acesso prévio às informações patrimoniais do devedor. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. No mesmo sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1228. 5 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183.  6 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25. 7 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392.  8 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. 8ª. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 60. 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 176.
A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à Justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as Defensorias de todos os Estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa. No desempenho de suas funções, o Defensor Público tem asseguradas pela Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC nº 80/94), em seu artigo 44, várias prerrogativas processuais. Já o Código de Processo Civil garante à Defensoria Pública o prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais (art. 186), bem como a intimação pessoal do defensor público (art. 186, § 1º) e da parte patrocinada pela Defensoria, quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada (art. 186, § 2º). Já o § 3º, do artigo 186 do CPC, assegura aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita, mas que tenham convênios com a Defensoria Pública a contagem do prazo em dobro em suas manifestações processuais. Dúvida surge quanto à aplicação da intimação pessoal do advogado que atua na Assistência Judiciária por meio de convênio (§ 1º) e da própria parte assistida (§ 2º), eis que o parágrafo terceiro só estende a prerrogativa do prazo em dobro às entidades que mantêm convênio com a Defensoria Pública1. Parece claro que a não extensão da intimação pessoal do advogado e da parte assistida a todos que efetivamente realizem Assistência Judiciária ocasiona um desequilíbrio processual capaz de afetar normas processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa2. O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a Prerrogativa da Intimação Pessoal da Parte conferida pelo artigo 186, § 2º, do CPC deve ser estendida aos casos em que a assistência se dá via Defensores Dativos: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 186, §2º, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE RAZÃO JURÍDICA PLAUSÍVEL PARA TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O DEFENSOR DATIVO NA HIPÓTESES. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO, DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES E EXCESSO DE CAUSAS, QUE JUSTIFICARAM A EDIÇÃO DA REGRA, QUE SÃO EXPERIMENTADOS POR AMBOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL E RESTRITIVA QUE ACARRETARIA NOTÓRIO PREJUÍZO AO ASSISTIDO QUE A LEI PRETENDEU TUTELAR, COM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA. EXIGÊNCIA DE QUE HAJA PROVIDÊNCIA A SER POR ELA REALIZADA OU INFORMAÇÃO A SER POR ELA PRESTADA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER CONTRA A SENTENÇA PARCIALMENTE DESFAVORÁVEL AO ASSISTIDO. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ASSISTIDO. MANDATO COM PODERES GERAIS DA CLÁUSULA AD JUDICIA. AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS NECESSÁRIOS À DEFESA DO ASSISTIDO, INCLUSIVE RECORRER. 1- O propósito recursal é definir se é admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública, de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos para o deferimento da intimação pessoal da parte assistida. 2- A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, §2º e §3º, do CPC/15, autorizaria a conclusão de apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada. 3- Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica. 4- Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça aqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/15, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo. 5- É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível. 6- A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria. 7- Segundo o art. 186, §2º, do CPC/15, a intimação pessoal da parte assistida pressupõe uma providência que apenas por ela possa ser realizada ou uma informação que somente por ela possa ser prestada, como, por exemplo, indicar as testemunhas a serem arroladas, exibir documento por força de ordem judicial, cumprir a sentença (art. 513, §2º, II, do CPC/15) e ser cientificado do requerimento, pelo exequente, de adjudicação do bem penhorado (art. 876, §1º, II, do CPC/15). 8- O ato de recorrer da sentença que for desfavorável ao assistido, contudo, não está no rol de providências ou de informações que dependam de providência ou de informação que somente possa ser realizada ou prestada pela parte, pois o mandato outorgado ao defensor dativo lhe confere os poderes gerais da cláusula ad judicia, que permitem ao defensor não apenas ajuizar a ação, mas também praticar todos os atos processuais necessários à defesa dos interesses do assistido, inclusive recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis. 9- Na hipótese, ademais, há procuração outorgada pela assistida com poderes expressos para recorrer e que foi utilizada pelo defensor dativo, inclusive, para, em nome dela, impetrar o mandado de segurança e para interpor recurso ordinário do acórdão que denegou a ordem, o que demonstra a desnecessidade da prévia intimação pessoal da assistida para que fosse impugnada a sentença de parcial procedência da ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos. 10- Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido." (g.n.) (RMS 64.894/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021) (AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021) Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo o Código de Processo Civil tendo limitado tal prerrogativa aos Defensores Públicos, a intenção do legislador seria facilitar o trabalho dos defensores dos mais necessitados, eis que a comunicação com seus "clientes" seria mais difícil e, portanto, não importaria se fossem assistidos pela Defensoria Pública ou por advogados dativos, pois as dificuldades seriam as mesmas. Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, entretanto, seria importante que tal previsão passasse a ser expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias. __________ 1 Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque: "A ampliação do prazo é estendida a outras entidades, cujo escopo seja também a defesa de pessoas necessitadas (§3º). A intimação pessoal, todavia, não foi prevista pelo legislador. A regra faz referência apenas ao disposto no caput, ou seja, a ampliação do prazo. A limitação é, pois, expressa. Nessa medida, o benefício da intimação pessoal não se lhes aplica." (Comentários ao Código de Processo Civil - vol. III (arts 119-187): Da Intervenção de Terceiros até a Defensoria Pública, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 356). 2 Nesse mesmo sentido já tive oportunidade de defender em artigo escrito conjuntamente com a professora Janice Coelho Derze e apresentado no XXVIII Encontro Nacional do Conpedi em Goiânia - GO e que pode ser acessado aqui. Outro não é o entendimento de Zumar Duarte de Oliveira Jr. ao prever que "Presente que a assistência judiciária é um direito e garantia individual e que o olhar aqui deve ser sempre pautado pela máxima proteção possível, pensamos que a melhor exegese no tema é aquela que estende a dobra do prazo e a intimação pessoal aos Defensores Públicos, aos escritórios e entidades indicadas no § 3º, bem como a todos aqueles que atuem em favor dos assistidos pela justiça gratuita." (in Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015: parte geral, coord. Fernando da Fonseca Gajardoni, São Paulo: Forense, 2015, p. 601). Em sentido contrário e entendendo inclusive que o § 3º do art. 186 seria inconstitucional vide Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira in Comentários ao Código de Processo Civil- vol. 1, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 735/736.
As hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, previsto no art. 1.015 do CPC cedeu espaço a interpretação do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), ao decidir a Corte Especial, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, consoante teses abaixo ementadas: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante do quanto decidido acima, pudemos tecer breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros1 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição2, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência3, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas4, assim como arbitramento de honorários periciais5 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito6 sem prejuízo de (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução7. Recentemente a Segunda Turma do STJ firmou o entendimento do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação a decisões judiciais prolatadas na ação dei improbidade administrativa: "PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita, entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores atualizados: R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil, cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos). 2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento. 3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL 4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013). 5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). 6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: "A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018. CONCLUSÃO 7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. 8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o decida como entender de direito." (STJ, REsp 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 04.05.2021, grifou-se) No voto condutor o Ministro Herman Benjamin ponderou: "(...) A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. Nesse sentido: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). (...)" Diferentemente dos julgados referenciados em outras oportunidades, a ratio decidendi do julgado acima não diz respeito a aplicação ou não da taxatividade mitigada, mas parte do pressuposto de que, uma vez sendo peremptória a regra do cabimento de recurso de agravo contra decisões interlocutórias prolatadas no bojo da ação popular (art. 198, da lei 4.717/65), tendo referida norma inserta no denominado Microssistema de tutela coletiva, por força do disposto nos artigos 21, da Lei da Ação Civil Pública (lei 7347/85) e art. 909, do Código de Defesa do Consumidor (lei 8078/90), de rigor a observância de referido dispositivo presente na norma especial, a prevalecer sobre os ditames do CPC, tidos pela norma geral. Chama a atenção a premissa assentada em referido julgado de que a regra dos art. 21, da Lei da Ação Civil Pública e art. 90, do Código de Defesa do Consumidor, também tem abrangência sobre a tutela de outros direitos inseridos dentro do chamado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou "(...) direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de  propiciar sua adequada e efetiva tutela". A se guardar o mesmo silogismo do julgado acima, não se descarta o entendimento de cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias prolatadas em demandas que envolvam o direito material sob tutela de referidas normas, tais como o Estatuto do Idoso e da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, a conferir literal expansão do cabimento do recurso de agravo, desta feita reservado não a situações processuais pontuais (como decidido a partir da interpretação que gravita em torno da  chamada taxatividade mitigada), mas também para abarcar hipótese ligadas ao direito material em juízo, dentre aqueles inseridos no chamado Microssistema de Proteção a direitos Coletivos Amplo Senso. ___________ 1 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 2 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 3 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos especiais nºs 1.707.066 e 1.717.213. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.   9 Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
Finalmente, foi publicado o acórdão proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do EARESP 650.536/RJ em 03 de agosto de 2021. Tal decisão já foi objeto de artigo publicado nessa coluna em 29 de abril desse ano ("Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC/2015) e outro publicado em 01 de julho do mesmo ano ("Alteração do valor das astreintes e cômputo de prazo para a sua incidência"). Em ambas as oportunidades, os textos foram escritos sem se ter acesso à íntegra do acórdão que agora está disponível na internet.1 Como se sabe, o § 1º do art. 536 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), traz um rol exemplificativo de medidas executivas que podem ser utilizadas para a obtenção do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa ("para atender ao disposto no caput,  o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial"). Dentre tais medidas a serem empregadas para a execução forçada de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, está prevista a multa (também conhecida como astreinte ou multa cominatória). O art. 537, do CPC/2015, trata especificamente desta multa e de sua disciplina processual, ao esclarecer logo em seu caput que "A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito". Tal multa também estava prevista no CPC/1973, em seu art. 461, § 5º, que estabelecia igualmente o seguinte: "para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial". Contudo, há uma diferença entre o CPC/2015 e o CPC/1973, no que diz respeito à possibilidade de modificação ou extinção da multa. No diploma anterior, o art. 461, § 6º, dispunha que "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Já o § 1º do art. 537, do CPC/2015, dispõe que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)"2. Em 07 de abril de 2021, a Corte Especial do STJ, ao julgar o EARESP 650.536/RJ, decidiu que a multa do art. 537, do CPC/2015, pode ser modificada, sim, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que a fixou, em fase de cumprimento de sentença. Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão publicada em 03 de agosto do mesmo ano: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. MÉRITO ANALISADO. VALOR ACUMULADO DAS ASTREINTES. REVISÃO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU FORMAÇÃO DE COISA JULGADA. EXORBITÂNCIA CONFIGURADA. REVISÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. É dispensável a exata similitude fática entre os acórdãos paragonados, em se tratando de embargos de divergência que tragam debate acerca de interpretação de regra de direito processual, bastando o indispensável dissenso a respeito da solução da mesma questão de mérito de natureza processual controvertida. 2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada. 3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo singular. (EAREsp 650.536/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/04/2021, DJe 03/08/2021, grifos nossos)". Sem conhecer o acórdão integralmente ele já foi aplaudido e agora os elogios devem ser reiterados. Ao que tudo indica, o entendimento está bem alinhado à segura lição de Cassio Scarpinella Bueno, para quem: "Assim, de forma bem direta, a multa é arbitrada com a expectativa de que seja suficiente e compatível para obter do executado o fazer ou não fazer desejado pelo exequente em prazo razoável (art. 537, caput). Na exata medida em que ela não se mostre capaz de levar àquele resultado ou próximo a ele ('tutela específica ou resultado prático equivalente', respectivamente), não há motivo para entender que a multa incida de maneira estática indeterminadamente. Ela deve ser majorada ou alterada sua periodicidade para o atingimento daquela finalidade. Se, mesmo assim, o direito do exequente não for satisfeito, o caso é de adoção de outras medidas de apoio em substituição à multa para, ainda assim, (tentar) perseguir a tutela específica ou quando menos o resultado prático equivalente. Na impossibilidade (ou se esta for a vontade do exequente), a solução reside na conversão da obrigação da obrigação em perdas e danos"3. Em outras palavras, não apenas o comportamento do executado deve ser levado em consideração para modificação do valor da multa, mas também o comportamento do exequente. Este último não pode aguardar por tempo indefinido o início da cobrança dos valores relativos à multa que o favoreçam sem tomar providências que lhe cabem para a satisfação do seu direito. Tal multa tem natureza coercitiva e não tem o objetivo de enriquecimento sem causa. Com efeito, o comportamento do exequente (e não só o do devedor) deve ser também levado em consideração para a modificação da multa, conforme consta do acórdão sob comento: "(...) Deixa, porém, data venia, de sopesar o comportamento do credor da multa. Daquele que, muitas e muitas vezes, por astúcia, de forma nada ingênua, finge quedar-se conformado com o comportamento meramente desidioso do devedor, frequentemente uma grande corporação, dotada de complexa estrutura administrativa, focada na difícil competição que enfrenta no ambiente econômico de sua atividade-fim. Fica o credor da multa aguardando o momento em que suficientemente acumulada a fortuna que anteviu alcançar, desde o momento inicial em que fixada a astreinte, para só então ressurgir suplicante e comovente diante do julgador, denunciando o descumprimento da ordem e, naturalmente, deduzindo a cândida pretensão executiva do milionário valor acumulado. Na realidade, desde o início se desinteressou pelo objeto da ação e passou a aguardar outro alcance, muito mais vantajoso. Nesse contexto, longe de cumprir o legítimo papel coercitivo para o qual foi concebida, a multa serviu de ilegítimo meio para desvirtuar o bem da vida buscado pelo autor da ação, tomando o lugar daquele (do bem) e tornando-se o verdadeiro novo alvo dos interesses do credor. O aparente reiterado descumprimento da obrigação, foi, então, na realidade, gradativamente desejado e construído pela sagacidade do credor e ensejado pela negligência inconsciente do devedor". Assim, apesar de a interpretação literal do § 1º do art. 537, do CPC/2015, indicar que somente poderiam ser alterados os valores das multas vincendas, a Corte Especial do STJ, a quem cabe uniformizar a interpretação desse dispositivo, acabou por decidir que os valores das multas vencidas também podem e devem ser alterados a qualquer momento, desde que se mostrem desproporcionais e levem ao enriquecimento sem causa do credor. Portanto, se o exequente perceber que a técnica executiva da multa é incapaz de exercer a coerção necessária sobre o devedor para que ele cumpra uma obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa, e ainda, se verificar que sequer conseguirá o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação com a aplicação da multa, deve ser buscada uma outra técnica executiva, de ofício ou a requerimento do credor. De nada adiantará ao credor ficar aguardando estaticamente o acúmulo do valor da multa na expectativa de enriquecimento sem esforço. __________ 1 Disponível aqui. 2 Grifos nossos. 3 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 552.
Em recente julgamento do REsp 1810444/SP versando sobre os limites do artigo 190 do CPC/15, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do ministro Relator Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento de que o negócio processual celebrado entre as partes não pode dispor sobre os poderes e deveres do magistrado. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ. 1. A liberdade negocial deriva do princípio da liberdade individual e da livre iniciativa, fundamento da República, e, como toda garantia constitucional, estará sempre condicionada ao respeito à dignidade humana e sujeita às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito, estruturado para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e a Justiça. 2. O CPC/2015 formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo flexibilização procedimental ao processo, com vistas à promoção efetiva do direito material discutido. Apesar de essencialmente constituído pelo autorregramento das vontades particulares, o negócio jurídico processual atua no exercício do múnus público da jurisdição. 3. São requisitos do negócio jurídico processual: a) versar a causa sobre direitos que admitam autocomposição; b) serem partes plenamente capazes; c) limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes; d) tratar de situação jurídica individualizada e concreta. 4. O negócio jurídico processual não se sujeita a um juízo de conveniência pelo juiz, que fará apenas a verificação de sua legalidade, pronunciando-se nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou ainda quando alguma parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade. 5. A modificação do procedimento convencionada entre as partes por meio do negócio jurídico sujeita-se a limites, dentre os quais ressai o requisito negativo de não dispor sobre a situação jurídica do magistrado. As funções desempenhadas pelo juiz no processo são inerentes ao exercício da jurisdição e à garantia do devido processo legal, sendo vedado às partes sobre elas dispor. 6. Recurso especial não provido". É inegável que existe grande debate na doutrina acerca dos limites para a aplicação do artigo 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Mas a sinalização da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está bem alinhada com a parcela da doutrina que sustenta que as partes podem dispor sobre os seus respectivos poderes, deveres, faculdades e ônus processuais; e não sobre os poderes e deveres do magistrado.  Nesse sentido, Humberto Theodoro Jr.1defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"2. Doutrina, ainda, que: "Por sua vez, para além dos elementos intrínsecos do ato, viu-se que o juiz deve apreciar os limites dos atos, os quais, neste trabalho, foram identificados como sendo: os direitos fundamentais, as garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros".3  A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, por sua vez, já destacou hipóteses em que o uso do artigo 190 do CPC/15 não seria autorizado: "A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei".  Por sua vez, para Teresa Arruda Alvim4, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (artigos 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais. O recente julgado da 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça é de fundamental importância, sendo um grande norte para a precisa definição de quais são os limites de aplicação do artigo 190 do CPC/15. __________ 1 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 2 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152. 3 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402.
Atualmente se busca dar uma maior efetividade ao processo de execução. O grande calcanhar de Aquiles da execução/cumprimento de sentença não é a lei ou a estrutura do Judiciário, mas sim a falta e/ou ocultação de bens. A localização de bens cada vez mais se mostra difícil, portanto, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque.  A impenhorabilidade de bens é tema recorrente em nossas colunas, sendo que na coluna de 15 de abril de 2021 analisou-se o entendimento ampliativo de nossos Tribunais quanto ao artigo 833, X, do CPC, abarcando também outras aplicações, que não em caderneta de poupança1. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem limitando a mesma previsão do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da "quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos" somente para os poupadores pessoas físicas. Segundo o professor Cândido Rangel Dinamarco "A clara intenção do legislador, ao estabelecer esse limite, é impor tal impenhorabilidade somente na medida necessária para preservar ao executado uma suficiência de recursos indispensáveis à vida condigna, sem aniquilar a possibilidade de satisfação do credor (...)."2 No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "(...) a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela "humanização da execução". A garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. É corrente na doutrina a afirmação de que razões de cunho humanitário levaram o legislador à criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em preservar o executado - e quando existente também sua família - fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna."3 Desse modo, as impenhorabilidades servem para preservar a pessoa do devedor e de sua família. Portanto, guardam nexo com o devedor pessoa física, que sofrerá a expropriação "na pele" e não com a pessoa jurídica. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade da poupança de até 40 salários mínimos deve ser lida de forma restritiva às pessoas físicas: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. BACENJUD. VALORES DE ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. REGRA DA IMPENHORABILIDADE NÃO ALCANÇA, EM REGRA, A PESSOA JURÍDICA. CASO DOS AUTOS. VALOR IRRISÓRIO. DESBLOQUEIO. NÃO CABIMENTO.  1. Trata-se de Agravo Interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento ao Recurso Especial.  2. A irresignação não merece prosperar.  3. Fica prejudicada a análise do pedido de efeito suspensivo, tendo em vista o julgamento do recurso pelo colegiado 4. O acórdão recorrido consignou: "O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a irrisoriedade do valor apurado em relação ao total da dívida não impede a penhora por meio de Bacenjud. Nesse sentido: (...) Ressalta-se, inclusive, que a penhora somente poderia ser dispensada se o valor obtido não satisfizesse sequer as custas de execução da medida, ou mesmo as custas processuais, nos termos do art. 836, caput, do CPC. Todavia, essa disposição não se aplica ao caso dos autos, seja porque a União é isenta de custas processuais, seja porque o bloqueio de valores via sistema Bacenjud nada despende, de modo que todo o montante encontrado na conta bancária do executado serve ao abatimento do débito. (TRF4, AgRg em AI n. 5011143-63.2011.404.0000/RS, publ. em 01/09/2011; REsp n. 1.187.161/MG, Primeira Turma, publ. em 19/08/2010). (...) Quanto à alegação de que os valores bloqueados representam menos de 40 salários mínimos e seriam impenhoráveis, a jurisprudência desta Corte indica que o preceito não socorre a pessoas jurídicas (...)" (fls. 38-39, e-STJ).  5. A impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que direcionada a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física). Nesse sentido: "[...] a intenção do legislador foi proteger a poupança familiar e não a pessoa jurídica, mesmo que mantenha poupança como única conta bancária" (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017).  6. Conforme já assentado na decisão monocrática, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se pode obstar a penhora on-line pelo sistema Bacenjud a pretexto de que os valores bloqueados seriam irrisórios.  7. Agravo Interno não provido." (g.n.) (AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021) Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo não havendo qualquer ressalva na lei, a intenção do legislador seria proteger o pequeno poupador pessoa física e não a pessoa jurídica que possua uma pequena aplicação em caderneta de poupança. Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador pessoa física e dar maior celeridade na satisfação crédito exequendo, entretanto, seria importante que tal limitação fosse expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias. _____________ 1 Clique aqui. 2 Instituições de Direito Processual Civil: vol. IV, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 373. 3 Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodvim, 2016, p. 1.315.
O art. 239, caput, do CPC, assegura que para a validade do processo, é indispensável a citação do réu. Trata-se de corolário do Princípio Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa, assegurados no art. 5º, LV, da Constituição Federal1 e, no plano infraconstitucional, erigido a categoria de Norma Fundamental do Processo Civil, prevista no art. 7º, do CPC2. Nesse liame, reza o § 1º, do aludido art. 239 do CPC, que "(...) o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução."  Por sua vez, por vezes pode ocorrer do réu ou executado comparecer espontaneamente nos autos, a ventilar, como matéria de defesa, a nulidade de citação (uma vez demonstrada a violação das normas que regem o ato processual de citação, arts. 238 a 268 do CPC). Neste caso, uma vez acolhida a matéria de nulidade da citação, o prazo para o réu oferecer defesa conta (i) da intimação da decisão que acolhe a nulidade de citação ou (ii) a rigor do quanto disposto no § 1º, do art. 239 do CPC, teria início a partir do comparecimento espontâneo do réu/executado nos autos? Tal celeuma restou decidida recentemente pela Terceira Turma do STJ: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO EXECUTADO. APRESENTAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO FUNDADA NO ART. 525, § 1º, I, DO CPC/2015. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA OFERECER CONTESTAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 239, § 1º, I, DO CPC/2015. INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE ACOLHE A IMPUGNAÇÃO. JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Recurso especial interposto em 16/07/2019 e concluso ao gabinete em 10/12/20. 2. O propósito recursal é definir o termo inicial do prazo para oferecer contestação na hipótese de acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/15. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 4. A citação é indispensável à garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo o vício de nulidade de citação o defeito processual mais grave no sistema processual civil brasileiro. Esta Corte tem entendimento consolidado no sentido de que o defeito ou inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença. Caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mediante simples petição, por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) ou impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 1º, I, do CPC/15). 5. A norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015 é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. O comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do art. 525, § 1º, I, do CPC/2015. 6. Aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/15 e de forma a prestigiar a duração razoável do processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/15, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido." (STJ, REsp 1930225/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.06.2021, v.u., grifou-se)  O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou: "(...) 12. No diploma processual atualmente em vigor, não se pode afirmar que não é dado ao réu comparecer aos autos apenas para arguir a inexistência ou a invalidade da citação. É possível adotar tal comportamento; no entanto, se a contestação não for apresentada dentro do prazo legal - iniciado, relembre-se, com o comparecimento espontâneo -, deve ser decretada a revelia. 13. Deve-se destacar, todavia, que a norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015 é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. Isso porque, ela versa sobre citação e ao mencionar executado, o caput do referido dispositivo está se referindo àquele que figurada no polo passivo da execução de título extrajudicial e que é efetivamente citado para contestar a demanda. Aquele que consta como executado no cumprimento de sentença não é citado, uma vez que a citação já ocorreu, ao menos em tese, na fase de conhecimento. 14. Tratando-se de sentença condenatória e instaurado o cumprimento de sentença, o executado é intimado para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523 do CPC/2015). Ao término desse lapso temporal, inicia-se o prazo para o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, independentemente de nova intimação (art. 525, caput, do CPC/2015; REsp 1761068/RS, Terceira Turma, DJe 18/12/2020). 15. A corroborar tal conclusão, para que seja possível alegar a falta ou a nulidade da citação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, o art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 exige que a fase de conhecimento tenha corrido à revelia do réu. Conforme alerta a doutrina especializada, "é que, não tendo sido regularmente citado o demandado no processo de conhecimento (...) e tendo corrido o processo à sua revelia, o vício não terá sido sanado" (CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 450). 16. Em outras palavras, o comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do dispositivo já referido. 18. Para se chegar à solução mais adequada, é preciso considerar que o novo Código Civil está pautado na instrumentalidade das formas e na ideia de duração razoável do processo. Prova disso é, justamente, a já anotada antecipação do termo inicial do prazo para contestar a demanda na hipótese de comparecimento espontâneo na fase de conhecimento (art. 239, § 1º, do CPC/2015). 19. Somado a isso, a impugnação apresentada com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 veicula, exclusivamente, alegação relativa à falta ou defeito na citação. E, o art. 272, § 9º, do CPC/2015 preceitua que "não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade do acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça". 20. Compatibilizando-se tais ideias e levando-se em conta o fato de que o réu (executado) já se fez presente no processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão. Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/15. IV. Da hipótese dos autos. 21. Na espécie, a ora recorrente apresentou impugnação ao cumprimento de sentença instaurado a requerimento da recorrida, mediante a qual suscitou nulidade da citação. A alegação foi acolhida pelo juízo de primeiro grau, que definiu novo prazo para oferecimento de contestação a contar da intimação dessa decisão. 22. O Tribunal de origem, todavia, deu provimento ao recurso do recorrido, reconhecendo que o prazo para contestar iniciou a partir do comparecimento espontâneo do executado, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC/2015. Assim, manteve a decretação da revelia. 23. Diante da orientação definida acima, se o executado, revel na fase de conhecimento, apresentar impugnação com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 e esta for acolhida, o prazo para apresentar defesa inicia-se a partir da intimação dessa decisão, não se aplicando o dispositivo legal invocado no acórdão recorrido. 24. Desse modo, o acórdão recorrido violou a norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015, impondo-se a sua reforma. (...)" (STJ, REsp 1930225/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.06.2021, v.u., grifou-se) O entendimento supra citado traz situação que requer atenção aos operadores do direito: (i) nos termos do REsp 1698821/RJ, referenciado no bojo do voto condutor acima citado, a inteligência do art. 239, § 1º, do CPC (comparecimento espontâneo supre a nulidade de citação) é reservada à nulidade de citação alegada na ação de conhecimento ou execução de título executivo extrajudicial, de onde se conclui que, não obstante a alegação de referida nulidade, inicia-se a partir do comparecimento espontâneo o termo a quo para defender de todas as matérias dedutíveis de defesa3; (ii) por sua vez, tal dispositivo não se aplica à fase de cumprimento de sentença, muito embora faça às vezes de execução de título executivo judicial. __________ 1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes 2 "Art. 7º. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório." 3 Em sentido semelhante, STJ, REsp 1625033/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.05.2017, v.u. e AGRg no REsp 1371287/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 23.02.2016, v.u.
Em 29/4/2021, foi publicado nesta coluna artigo intitulado "Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC". Na ocasião, foi noticiado julgamento da Corte Especial do STJ nos autos do EARESP 650.536/RJ, ocorrido em 9/4/2021, por meio do qual se afirmou que o seguinte "(...) instrumento legal para forçar o cumprimento de uma decisão judicial, as astreintes (multa cominatória) podem ter o seu valor revisto a qualquer tempo, a pedido ou por iniciativa do próprio juízo, sempre que se mostrar desproporcional ou desarrazoado, ou causar enriquecimento ilícito a uma das partes (...)". Apesar de tal acórdão ainda não ter sido publicado e a informação acima ter sido extraída do "site" de notícias do próprio STJ1, ela chama a atenção de todos porque o § 1º do art. 537 do CPC expressamente determina que só pode ser alterado a periodicidade e o valor da multa vencida. Entretanto, apesar da literalidade da lei, a Corte Especial do STJ, no EARESP 650.536/RJ, decidiu que haveria possibilidade de alteração, sim, das multas vencidas. Porém, recentemente, o STJ, por meio de acórdão da Segunda Turma, proferido nos autos do REsp 1.778.885/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 15/06/2021, publicado no DJe em 21/06/2021, foi firmado o entendimento de que a multa cominatória (astreintes) vencida não poderia ser alterada. Confira-se: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a natureza do prazo fixado para o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, concluiu que "a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis" (REsp 1.708.348/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/8/2019). 4. A mesma ratio contida no precedente indicado acima deve ser aplicada ao presente caso, que diz respeito ao momento a partir do qual se considera que houve o descumprimento das obrigações de fazer constantes do título judicial. Ainda que a prestação de fazer seja ato a ser praticado pela parte, não se pode desconsiderar a natureza processual do prazo judicial fixado para o cumprimento da sentença, o que atrai a incidência da regra contida no art. 219 do CPC. 5. Tratando-se de instrumento de coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, a incidência da multa prevista no art. 536, § 1º, e 537 do CPC é consectário lógico do descumprimento da ordem judicial, não se confundindo com a postulação de direito material apresentada em juízo. Por isso, o cômputo do prazo estipulado em dias para a prática das prestações de fazer não destoa do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido. (REsp 1778885/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021, grifos nossos). No julgamento, foi suscitada a perda superveniente do interesse de recorrer, pois houve o cumprimento posterior da obrigação de fazer, o que poderia levar à alteração da multa vencida e até a sua extinção da multa. Porém, o STJ afastou este argumento afirmando o seguinte: "Como se observa, apenas há autorização legal para a modificação da multa do valor, da periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda, o que significa que as parcelas já vencidas são insuscetíveis de posterior alteração pelo magistrado". Note-se que a afirmação acima, extraída do REsp 1.778.885/DF, cujo julgamento ocorreu em 15.06.2021, pela Segunda Turma, é no sentido contrário da afirmação extraída do EARESP 650.536/RJ, julgado em 09.04.2021, pela Corte Especial do STJ. Conforme já sustentamos em 29.04.2021, acreditamos que o entendimento da Corte Especial do STJ está correto, pois há situações em que até o valor da multa vencida deve ser alterado ou extinto, quando há flagrante desproporção do valor fixado ou enriquecimento ilícito do exequente. Assim, continuamos aguardando a publicação do acórdão do EARESP 650.536/RJ para verificar a íntegra da decisão e confirmar o seu acerto. Obviamente, há outro tema de direito processual civil muito importante ventilado no acórdão cuja ementa foi acima transcrita (REsp 1.778.885/DF), que diz respeito a forma de contar o prazo para cumprimento de uma obrigação de fazer, que deve ser em computado em dias úteis, mas vamos deixar isso para ser objeto de outro artigo nessa mesma coluna. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 30.06.2021.
Teresa Arruda Alvim1 sustenta que a penhora de dinheiro, apesar do uso do termo "prioritário" no parágrafo primeiro do art. 835 do CPC/15, pode ser relativizada pelo magistrado, dependendo das circunstâncias do caso concreto, bem como na hipótese de o devedor conseguir cumprir rigorosamente os termos do parágrafo único do art. 805 do CPC/15: "A interpretação dos dispositivos legais não pode se dar em função apenas de sua literalidade, nem tampouco de forma isolada do sistema normativo como um todo. A nosso ver, mesmo a penhora em dinheiro, conquanto tenha caráter prioritário, pode ser flexibilizada. A ordem legal estabelecida para a penhora deve ser ajustada de forma a conciliar, no caso concreto, os princípios da máxima utilidade da execução em favor do exequente e o da menor onerosidade ao executado, com vistas a buscar uma execução equilibrada e proporcional".  Enfatiza a professora Teresa Arruda Alvim2, ainda, a plena necessidade de o devedor, para fins de indicação de bens de que trata o parágrafo segundo do art. 829 do CPC/15, caso pretenda evitar a penhora mais gravosa, se atentar para a essência do parágrafo único do art. 805 do CPC/15: "Como se verifica do parágrafo segundo, o exequente poderá indicar bens do executado a serem penhorados. É importante mencionar que o exequente é quem tem primazia na indicação de bens, porém o executado também poderá fazê-lo, atento ao princípio da menor onerosidade, desde que demonstre que não haverá prejuízo ao exequente".  E é nesse ponto que deve ocorrer uma leitura construtiva entre os artigos 805 e 835, parágrafos primeiro e segundo, do CPC/15, sendo certo que o seguro garantia judicial é uma poderosa ferramenta para o devedor se valer de garantia idônea e que possa ser igualmente eficaz para homenagear todos os nortes buscados pelo legislador na tentativa de prestigiar uma execução equilibrada e verdadeiramente efetiva.  Com esse ângulo, quanto ao parágrafo segundo do artigo 835 do CPC/15, Teresa Arruda Alvim3 destaca que "reside nesse parágrafo segundo do art. 835 mais uma prova de que a preferência pela penhora em dinheiro não tem caráter absoluto, como dissemos ao comentarmos, em conjunto, o inc. I e o parágrafo primeiro. Com efeito, ao equiparar a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, para fins de substituição da penhora, o que o novo código de processo civil visou foi assegurar ao executado o direito de substituir qualquer penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial, desde que em valor igual ou superior ao débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento). O CPC/73 tem regra similar e a jurisprudência do STJ tem reconhecido esta possibilidade, a qual está mais afinada com a busca de uma execução proporcional e equilibrada, como defendemos ao longo de nossos comentários a diversos dispositivos atinentes à execução".   Dessa forma, uma leitura construtiva entre os artigos 805 e 835, parágrafos primeiro e segundo, do CPC/15, permite afirmar que, sem prejuízo algum da efetividade da execução, o devedor pode se valer do seguro garantia judicial para evitar - nos termos do parágrafo segundo do artigo 829 do CPC/15 -, ou para substituir a penhora de dinheiro, cuja prioridade é legalmente relativizada nas hipóteses do artigo 835, parágrafo segundo, do CPC/15. O reforço dessa leitura construtiva está na letra do parágrafo único do artigo 848 do CPC/15, o qual, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior4, garante que "a penhora, qualquer que seja o seu objeto, possa ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial. (...). Pelo texto do parágrafo único do art. 848, a liquidez da fiança bancária é estendida também ao seguro garantia judicial. Ambos se prestam, portanto, a substituir qualquer modalidade de penhora".    Luiz Guilherme Marinoni5, apesar de enfatizar a importância da prioridade da penhora de dinheiro, anota que "a regra do art. 835 é um parâmetro indicativo e não uma cláusula rígida e inafastável. Essa regra deve ser vista como um guia para a atividade judicial, mas cuja ordem de preferência pode ser alterada, mediante a devida adequada justificativa, diante de outra realidade social e de mercado e das particularidades presentes no caso concreto". E, quanto ao seguro garantia judicial, pontua que naturalmente o mesmo pode ser um substituto para a penhora realizada, conforme previsão do artigo 848, parágrafo único, do CPC/156. Fredie Didier Jr.7, neste campo, bem acentua que a penhora de dinheiro pode ter sua prioridade relativizada, destacando, dentro das hipóteses de relativização, a importância do seguro garantia judicial: "Sucede que o dinheiro pode, realmente, não ser o bem a ser prioritariamente penhorado. Não pelas razões dos precedentes que geraram a enunciado da súmula - que se atinham à discussão sobre a imperatividade ou não da ordem estabelecida pelo artigo 655 do CPC/73, correspondente ao art. 835 do CPC/15. Mas pelo fato de haver outras regras que mitigam essa prioridade. Há ao menos quatro situações em que isso pode vir a acontecer, atualmente: i) o credor escolhe outro bem a ser penhorado - e essa escolha não se revela abusiva, nos termos do art. 805 do CPC; ii) há negócio jurídico processual que defina previamente o bem a ser penhorado (típico, como nos casos do parágrafo terceiro do art. 835 do CPC - créditos com garantia real; ou atípico, com base no art. 190 do CPC); iii) o executado oferece fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor 30% superior ao crédito - a lei equipara o dinheiro a essas duas garantias para fins de penhora ; e iv) o credor exerceu direito de retenção sobre um bem, que deve ser o penhorado nos termos do art. 793 do CPC".    Pode-se afirmar, de alguma forma, que antes mesmo das recentes reformas do Código de Processo Civil, a lei 6.830/1980 já equiparava o seguro garantia judicial ao dinheiro, conferindo tratamento similar a estes bens, para fins de garantir o pagamento do crédito executado, conforme redação dos respectivos artigos 9 e 15. Sobre o tema, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, em voto magistral do Ministro Luiz Fux, apontando-se para a necessidade de tratamento similar para a penhora de dinheiro e para a penhora de fiança bancária, conforme se nota do acórdão do REsp 1033545/RJ, julgado por unanimidade em 28/04/2009. E o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, já com base na leitura construtiva que ora se propõe nesse trabalho, reafirmou a possibilidade de se relativizar a penhora de dinheiro quando há o oferecimento do seguro garantia: "O art. 835, § 2º, do CPC/2015, para fins de substituição da penhora, equiparou a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento"8. Ademais, quanto à possibilidade de, nos termos do parágrafo segundo do artigo 829 do CPC/15, o devedor evitar a penhora de dinheiro com a indicação do seguro garantia judicial, o Superior Tribunal de Justiça, também recentemente, chancelou tal hipótese, julgando magistralmente que: "O § 2º do art. 835 do CPC/2015, para fins de substituição da penhora, equiparou a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento. Em que pese a lei se referir a "substituição", que pressupõe a anterior penhora de outro bem, o seguro-garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. O seguro-garantia judicial, espécie de seguro de danos, garante o pagamento de valor correspondente aos depósitos judiciais que o tomador (potencial devedor) necessite realizar no trâmite de processos judiciais, incluídas multas e indenizações. A cobertura terá efeito depois de transitada em julgado a decisão ou o acordo judicial favorável ao segurado (potencial credor de obrigação pecuniária sub judice) e sua vigência deverá vigorar até a extinção das obrigações do tomador (Circular SUSEP nº 477/2013). No cumprimento de sentença, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial são as opções mais eficientes sob o prisma da análise econômica do direito, visto que reduzem os efeitos prejudiciais da penhora ao desonerar os ativos de sociedades empresárias submetidas ao processo de execução, além de assegurar, com eficiência equiparada ao dinheiro, que o exequente receberá a soma pretendida quando obter êxito ao final da demanda. Por serem automaticamente conversíveis em dinheiro ao final do feito executivo, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial acarretam a harmonização entre o princípio da máxima eficácia da execução para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, a aprimorar consideravelmente as bases do sistema de penhora judicial e a ordem de gradação legal de bens penhoráveis, conferindo maior proporcionalidade aos meios de satisfação do crédito ao exequente. A idoneidade da apólice de seguro-garantia judicial deve ser aferida mediante verificação da conformidade de suas cláusulas às normas editadas pela autoridade competente, no caso, pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, sob pena de desvirtuamento da verdadeira intenção do legislador ordinário. A renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia. Se não renovada a cobertura ou se o for extemporaneamente, caraterizado estará o sinistro, nos termos do Ofício nº 23/2019/SUSEP/D1CON/CGCOM/COSET, abrindo-se para o segurado a possibilidade de execução da apólice em face da seguradora. Na hipótese de haver cláusula condicionando o sinistro ao trânsito em julgado para fins de execução da garantia (apólice), como forma de harmonizar o instituto com o ordenamento processual como um todo, admite-se a recusa da garantia ou da substituição da penhora, pelo juízo da execução, a partir das especificidades do caso, se a objeção do executado não se mostrar apta, a princípio, à desconstituição total ou parcial do título.Julgada a impugnação, poderá o juiz determinar que a seguradora efetue o pagamento da indenização, ressalvada a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelo tomador, nos moldes do art. 1.019, I, do Código de Processo Civil de 2015. O fato de se sujeitarem os mercados de seguro a amplo controle e fiscalização por parte da SUSEP é suficiente, em regra, para atestar a idoneidade do seguro-garantia judicial, desde que apresentada a certidão de regularidade da sociedade seguradora perante a referida autarquia"9. Longe de questionar a importância da penhora de dinheiro e sua plena e direta relação com a efetividade da execução, as posições acima apenas denotam a importância de uma leitura conjunta dos arts. 805 e 835 do CPC/15, de modo que uma execução equilibrada e efetiva também pode ser viabilizada, em determinados casos, com a real cooperação do devedor e com a demonstração de que outros bens podem ser constritos no lugar do dinheiro; desde que tais bens, verdadeiramente, sejam suficientes e aptos a garantir o regular pagamento do que for devido ao credor. E nessa linha, o seguro garantia judicial, nos termos dos artigos 805, 829, 835 e 848 do CPC/15, é uma modalidade viável para a preservação dos principais nortes idealizados pelo legislador, na busca de obtenção da efetividade da execução. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1191.  2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1177.  3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2016. p. 1320.  4 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V.II. 49ª. Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 521. 5 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 915. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 918. 7 DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2017. p. 856. 8 STJ, AgInt no REsp 1729545 / MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. 3ª. Turma, j. 11.11.2020. 9 STJ, REsp 1838837 / SP, Rel. Min. para acórdão Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª. Turma, j. 12.05.2020.
Um dos grandes pilares do Código de Processo Civil de 2015 foi o sistema de precedentes criado, com o objetivo de racionalizar e dar mais previsibilidade aos julgamentos. O Código manteve a previsão já constante do Código de 1973 de julgamento do Recurso Repetitivo, sendo que todos os outros processos devem ficar sobrestados nos Tribunais de origem1 e o entendimento exarado no processo paradigma deve ser aplicado pelos Tribunais de origem nos demais processos. Dado o grande número de processos, é comum que um caso diferente do paradigma seja julgado de acordo com o precedente fixado pelas Cortes Superiores. Neste caso, o Código prevê a possibilidade da interposição de Agravo Interno2 em face dessa decisão e que será julgado por órgão colegiado do próprio Tribunal de origem. Grande dúvida surgiu na Doutrina se caberia recurso em face do acórdão que julga esse Agravo Interno. A Jurisprudência, desde logo, defendeu que não caberia recurso em face de tal acórdão3. Há respeitáveis entendimentos quanto ao cabimento de novo Recurso Extraordinário / Especial e de Agravo Denegatório4. A redação original do artigo 988 do CPC/15 previa expressamente a possibilidade de Reclamação para garantir a correta aplicação de julgamento repetitivo: "IV - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência." Entretanto, antes da entrada em vigor do CPC/15, nossos Tribunais Superiores ficaram preocupados com o aumento de demanda que teriam, principalmente pelo fim do exame de admissibilidade dos recursos nos Tribunais de origem e com a previsão supra referida de cabimento de Reclamação. Desse modo, a lei 13.256/2016, deu nova redação ao dispositivo e retirou a previsão de cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos. Em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça reiterou que não caberia recursos nesse caso e nem Reclamação, mas acabou admitindo a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança contra ato Judicial: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO JUDICIAL. IRRECORRIBILIDADE E TERATOLOGIA. EXISTÊNCIA. WRIT. CABIMENTO. 1. Segundo pacífica orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, "o mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, cabível somente em situações nas quais se pode verificar, de plano, ato judicial eivado de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, que importem ao paciente irreparável lesão ao seu direito líquido e certo" (AgInt no MS 24.788/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Corte Especial, julgado em 05/06/2019, DJe 12/06/2019). 2. Hipótese em que foi impetrado mandado de segurança contra acórdão da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que desproveu agravo regimental e manteve a negativa de seguimento do apelo raro, nos termos do art. 534-C, §7º, I, do CPC/1973, por entender que o aresto recorrido espelhava tese firmada no STJ em recurso repetitivo. 3. A Corte de origem extinguiu o writ sem resolução do mérito, sob o fundamento de que o impetrante deveria provocar "o Superior Tribunal de Justiça pela via do agravo previsto no então vigente art. 544 do Código de Processo Civil de 1973." 4. Na linha da jurisprudência desta Corte, o único recurso possível para suscitar eventuais equívocos na aplicação do art. 543-B ou 543-C do CPC/1973 é o agravo interno, a ser julgado pelo Tribunal de origem, com exclusividade e em caráter definitivo. 5. A parte recorrente, ora agravada, diante da negativa de seguimento do seu apelo especial com fulcro no art. 543-C, § 7º, I, do CPC/1973, agitou o recurso cabível, qual seja, o agravo interno/regimental questionando a conformidade do acórdão recorrido com a tese recursal julgada sob o rito dos recursos repetitivos, mas não teve êxito na pretensão. 6. A decisão de admissibilidade nada mais tratou senão a conformidade do acórdão recorrido com a tese repetitiva; descabe, assim, falar em dupla impugnação mediante a interposição conjunta de agravo em recurso especial ou mesmo em preclusão pela falta de manejo do agravo do art. 544 do CPC/1973. 7. A irrecorribilidade do acórdão objeto da impetração, que nem sequer admite reclamação, como decidido pela Corte Especial (Rcl 36.476/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020), evidencia, no caso concreto, situação de exceção a admitir a via do mandamus. 8. O julgado atacado no writ manifesta teratologia no emprego da tese repetitiva firmada no REsp 1.105.442/RJ: "é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932)." 9. Do confronto entre o acórdão recorrido e o recurso especial obstado, constata-se que a lide não discutia "a extensão do prazo prescricional da pretensão executória da multa administrativa, mas qual seria o seu termo inicial, se a data do ajuizamento da ação anulatória, caso em que a opção pela via judicial antes do exaurimento da esfera administrativa denotaria que o contribuinte abdicou da via administrativa, possível interpretação do parágrafo único do art. 38 da Lei n. 6.830/1980, ou o efetivo término do processo administrativo, uma vez que nele foi interposto recurso pela Petrobras", como bem consignado pelo Ministério Público Federal no parecer lançado aos presentes autos. 10. Caracterizadas a irrecorribilidade e a teratologia do decisum atacado, exsurge cabível o uso excepcional da via mandamental. 11. O indeferimento liminar da inicial do mandamus na origem e a impossibilidade de aplicação da teoria da causa madura em sede de recurso ordinário (art. 515, § 3º, do CPC/1973) não permitem indagar acerca do termo inicial correto para o cômputo do prazo prescricional, mas apenas cassar o aresto recorrido e determinar o retorno dos autos para o Tribunal a quo processar e julgar o mandado de segurança ali impetrado, como entender de direito. 12. Agravo interno desprovido. (AgInt no RMS nº 53790 / RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, v.u., julgado em 17/05/2021) Apesar de ser alentador ver o Superior Tribunal de Justiça admitindo a impetração do Mandado de Segurança ato Judicial nesses casos, essa não parece ser a melhor forma de se questionar decisões equivocadas na aplicação dos precedentes repetitivos. Isso porque, a experiência empírica faz crer que em mais de 99% dos casos, o Mandado de Segurança vai ter a segurança denegada no Tribunal de Origem e o Recurso Ordinário terá a mesma dificuldade enfrentada pelo recurso originário para ser julgado pelo Tribunal Superior. Assim, teremos um círculo vicioso sem fim5. De fato, a melhor solução seria a utilização da Reclamação nesses casos, possibilitando que eventuais equívocos pudessem ser sanados pelos Tribunais Superiores, que são em última análise, os Tribunais competentes para tal fim6. __________ 1 Art. 1.030, III, do CPC/2015. 2 Art. 1.030, V, § 2º do CPC/2.015. 3 Essa também é a constatação de Dierle Nunes e Marina Carvalho Freitas: "Apresentados diversos julgados do STF e do STJ, proferidos tanto antes quanto posteriormente à entrada em vigor do Novo Código, o que importa salientar é que o entendimento jurisprudencial majoritário se dá no sentido de que, diante da decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário ou de recurso especial que se fundamente em decisão proferida sob o regime de repercussão geral ou de recursos repetitivos (ou representativos de controvérsia, como eram denominados), cabe recurso apenas para o Tribunal a quo, inviabilizando-se por completo o acesso aos Tribunais Superiores, em tais hipóteses. Sendo assim, a reforma legislativa promovida pela lei 13.256/2016 apenas encampou o exercício paralegislativo que já vinha sendo adotado pelos tribunais." Mais a frente, os Autores criticam tal entendimento nos seguintes termos: "Ocorre que esse entendimento vai contra o modelo constitucional de processo brasileiro eis que instala um sistema de precedentes que, ao menos parcialmente, inviabiliza a superação de entendimentos por fundamentos tão somente utilitaristas e que encaram os precedentes como mero mecanismo de gerenciamento de processos repetitivos, desprezando a integridade que esses precedentes exigem e garantem".  ("O artigo 1.030 do CPC e a busca por uma interpretação adequada: meios para superação de precedentes", in Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 73, jul./set. 2019, p. 52). 4 Nesse sentido é o entendimento de Nelson Nery Júnior e Georges Abboud ("Recursos para os Tribunais Superiores e a lei 13.256/2016", in Revista de Processo, n. 257, São Paulo: RT, 2016): "Nesse contexto, o primeiro uso da interpretação conforme a Constituição é para corrigir a distorção criada pela lei 13256/16 que, erroneamente, poderia fazer crer que a negativa de admissibilidade de RE ou REsp com fulcro no CPC 1030 § 1.º conduziria inexoravelmente ao cabimento, apenas, do agravo interno, vedada, nessa hipótese, a condução final da admissibilidade para os Tribunais Superiores". Ocorre que caso o órgão colegiado do tribunal a quo mantenha a decisão recorrida por agravo interno, quer porque não conheceu do agravo, quer porque lhe negou provimento, dessa decisão colegiada cabe o agravo ao Tribunal Superior, dado que a competência definitiva para a admissibilidade do RE/REsp é, sempre, do tribunal ad quem isto é, do STF e STJ, conforme o caso, a fim de que se dê operatividade e cumprimento aos comandos emergentes da CF 102 III e 105 III. 5 José Henrique Mouta Araújo levanta 8 motivos que desaconselham a utilização do Mandado de Segurança no lugar da Reclamação. 6 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Luis Guilherme Aidar Bondioli Por fim, cabe observar que deslize no julgamento do agravo interno contra a decisão que nega seguimento a recurso extraordinário ou especial com fundamento no inciso I do art. 1.030 do CPC, decorrente da má aplicação prática do precedente qualificado, autoriza a oferta de reclamação, tendo em vista a equivocada subtração de causa de competência dos Tribunais de Superposição e o esgotamento da instância ordinária, de acordo com o disposto no art. 988, I e § 5º, II do CPC. A reclamação aqui deve ser apresentada no prazo assinado para os embargos de declaração contra o acórdão no agravo interno ou na pendência desses embargos; não cabe reclamação após o trânsito em julgado (art. 988, § 5º, I do CPC). (Comentários ao Código de Processo Civil - vol. XX (arts994-1.044): Dos Recursos, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 230).
O art. 655-B, do CPC/73 autorizava a penhora de bem indivisível, a assegurar a meação do cônjuge alheio à execução sobre o produto obtido com a alienação do bem1. O CPC/2015 aperfeiçoou tal regra por força do art. 843, para assegurar (i) não só a meação do cônjuge, mas também a quota-parte do coproprietário alheio à execução. Ainda, o (ii) § 2º do novel dispositivo passou a prever que o ato de expropriação sobre o bem indivisível não se materializará em valor inferior a avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário2. Em outras palavras, se o imóvel que o devedor detém 30% restar penhorado (sendo 70% pertencente a terceiro, alheio à execução), e avaliada a integralidade do bem em 100, a expropriação patrimonial há de respeitar a integralidade da avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário. Logo, referido bem não poderá ser alienado por menos de 70, em relação a quota-parte do coproprietário. Questão recentemente examinada pelo STJ diz respeito a fração da penhora do bem indivisível. Vale dizer, na medida em que autorizada a venda forçada da integralidade do bem (e sobre referido produto há de se assegurar a quota-parte devida ao coproprietário, alheio à execução), emergiu a controvérsia se aludida penhora há de incidir sobre a totalidade do bem (daí contemplando a quota-parte tanto do terceiro quanto do devedor) ou somente sobre o percentual de propriedade do devedor. Nesse sentido decidiu a terceira turma do E. STJ: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM IMÓVEL INDIVISÍVEL EM REGIME DE COPROPRIEDADE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM POR INTEIRO. POSSIBILIDADE. ART. 843 DO CPC/2015. CONSTRIÇÃO. LIMITES. QUOTA-PARTE TITULARIZADA PELO DEVEDOR. 1. Cumprimento de sentença em 10/04/2013. Recurso especial interposto em 01/04/2019 e concluso ao gabinete em 21/08/2019. 2. O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor. 3. O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar da penhora e alienação judicial de bem indivisível, ampliou o regime anteriormente previsto no CPC/1973. 4. Sob o novo quadro normativo, é autorizada a alienação judicial do bem indivisível, em sua integralidade, em qualquer hipótese de copropriedade. Ademais, resguarda-se ao coproprietário alheio à execução o direito de preferência na arrematação do bem ou, caso não o queira, a compensação financeira pela sua quota-parte, agora apurada segundo o valor da avaliação, não mais sobre o preço obtido na alienação judicial (art. 843 do CPC/15). 5. Nesse novo regramento, a oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou coproprietário que não seja devedor nem responsável pelo adimplemento da obrigação se tornou despicienda, na medida em que a lei os confere proteção automática. Basta, de fato, que sejam oportunamente intimados da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do CPC/15, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório. 6. Ainda, a fim de que seja plenamente resguardado o interesse do coproprietário do bem indivisível alheio à execução, a própria penhora não pode avançar sobre o seu quinhão, devendo ficar adstrita à quota-parte titularizada pelo devedor. 7. Com efeito, a penhora é um ato de afetação, por meio do qual são individualizados, apreendidos e depositados bens do devedor, que ficarão à disposição do órgão judicial para realizar o objetivo da execução, que é a satisfação do credor. 8. Trata-se, pois, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor, que, à toda evidência, não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados. 9. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se) O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou: "(...) O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor. (...) 3. À época, a solução legal se focou na questão do devedor casado, incorporando-se ao CPC/73 o art. 655-B, que passou a autorizar a alienação, por inteiro, do bem indivisível de propriedade comum do devedor e seu cônjuge, protegendo-se a meação deste ao lhe ser destinado parte do valor auferido com a venda. 4. Veja-se o que dispunha o artigo: "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem". 5. Consoante elucida a doutrina, o objetivo da norma em comento foi, à toda evidência, o de estimular a aquisição do bem indivisível no procedimento de alienação judicial, haja vista que a alternativa - qual seja, a criação de um condomínio entre o cônjuge alheio à execução e o adquirente - despertaria pouco ou quase nenhum interesse entre possíveis licitantes. (...) 8. Sob o mesmo móvel de proporcionar mais efetividade à execução, ao passo em que se concilia o interesse de quem dela não participa, o Código de Processo Civil de 2015 conservou a norma ora em análise, e, indo além, a ampliou, a fim de abranger outras situações condominiais que não aquela decorrente do regime de casamento. 9. Com efeito, atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem. (...) 11. É de se notar, aliás, que o novo diploma processual, para além de estender as hipóteses em que admitida a expropriação de bem indiviso quando há coproprietário alheio à execução, também reforçou a proteção a esse terceiro que não é devedor nem responsável pelo pagamento do débito. 12. Por um lado, a Lei agora expressamente garante ao coproprietário direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua propriedade mediante a compensação financeira (§ 1º). 13. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no regime anterior. 14. Deveras, como já se pronunciou essa Corte, "essa nova disposição legal (...) amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado" (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019, grifou-se). (...) 22. Entrementes, impõe destacar que o pleno resguardo do interesse do coproprietário do bem indivisível - inclusive para o fim de tornar  desnecessária a oposição de embargos de terceiro -, exige, também, que a própria penhora não avance sobre seu quinhão, limitando-se à quota-parte titularizada pelo devedor. 23. De fato, não se pode olvidar que "a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440, grifou-se). 24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução. Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor. 25. Nessa ordem de ideias, é indubitável que esse gravame judicial não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados. 26. Daí porque, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora deve cingir-se à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do credor. 27. Ao coproprietário do bem indivisível até pode ser imposta a extinção do condomínio e a conversão de seu direito real de propriedade pelo equivalente em dinheiro - como visto, por uma necessidade de conferir eficiência ao processo executivo -, porém, até que isso ocorra, quando ultimada a alienação judicial, sua parcela do bem deve permanecer livre e desembaraçada. 28. Em resumo, como afirma Humberto THEODORO JÚNIOR, "a penhora (...) não vai além da quota ideal do executado. O imóvel é alienado judicialmente por inteiro, como meio de liquidar a quota penhorada" (op. cit., p. 512). (...) 33. Como se observa, entendeu o Tribunal de origem que o fato de a penhora ter recaído apenas sobre a quota-parte da executada constituiria óbice à posterior alienação judicial do bem em sua integralidade. 34. Ocorre que, consoante discorrido neste voto, outra não poderia ser a extensão da penhora que não a precisa parcela pertencente à devedora. 35. Com efeito, como apenas o quinhão desta responde pela presente execução, não poderia a penhora recair sobre o bem por inteiro, porquanto isso implicaria injusto e desnecessário gravame à quota da coproprietária, até que fosse efetivada a alienação judicial e, com isso, se lhe entregasse o equivalente monetário. 36. Dessa maneira, não subsiste, na espécie, o mencionado impedimento à alienação do imóvel como um todo, sendo de rigor, portanto, o acolhimento do presente recurso especial. (...)" (STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se). Portanto, a despeito da ausência de previsão legal quanto a controvérsia ora posta, a interpretação dada pela terceira turma do STJ (i) autoriza a penhora limitada ao quinhão pertencente ao devedor, (ii) muito embora, quando da alienação judicial, esta terá o efeito de contemplar a integralidade do bem penhorado, a daí também englobar a quota-parte do coproprietário alheio à execução, assegurado ao mesmo o recebimento integral de seu respectivo quinhão, na proporção da avaliação judicial. __________ 1 "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem."  2 "§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação."
quinta-feira, 27 de maio de 2021

Impenhorabilidade de salário

Como se sabe, o "caput" do art. 649 do Código de Processo Civil, de 1973 (CPC/1973), assim dispunha: "Art. 649. São absolutamente impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo colocava os "salários" nesse rol. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, de 2015 (CPC/2015), o art. 833, passou a dispor o seguinte: "Art. 833. São impenhoráveis", sendo que o inciso IV do mesmo dispositivo continuou a inserir os "salários" na lista dos bens impenhoráveis. Não precisa ser muito atento para notar que, de 1973 para 2015, foi retirada a palavra "absolutamente" do "caput" da lista das impenhorabilidades do Código de Processo Civil (CPC). Isso não passou despercebido pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto que a Corte Especial, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp n. 1.582.475/MG, autorizou a penhora de 30% (trinta por cento) do salário de um servidor público executado que tinha renda mensal de R$ 33.153,04, mas se recusava a pagar ao exequente (credor de uma verba não alimentar) o que lhe era devido. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS.CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018)". Com efeito, há, de um lado, o direito fundamental do devedor de ter sua dignidade respeitada e não perder o seu único meio de subsistência. Porém, de outro lado, não menos importante, há o direito fundamental do credor à tutela executiva. Conforme muito bem observado pelo Ministro Relator do acórdão cuja ementa foi acima transcrita "(...) Caso se afirmasse que os vencimentos do devedor, nestes autos, são 100% impenhoráveis, estar-se-ia chancelando o comportamento de qualquer pessoa que, sendo servidor público, assalariado ou aposentado, ainda que fosse muito bem remunerada, gastasse todas as suas rendas e deixasse de pagar todas as suas dívidas, sem qualquer justificativa (...)". Está aí a importância da retirada da palavra "absolutamente" da afirmação constante no art. 833, inciso IV, do CPC/2015: o salário não é 100% (cem por cento) impenhorável. Em outras palavras, o salário não é absolutamente impenhorável. Também o credor tem direito a uma vida digna e isso inclui o direito à uma tutela executiva efetiva. Não podemos nos esquecer que os credores também podem estar passando por uma situação de necessidade - ainda mais durante essa pandemia do COVID-19 - e não apenas os devedores. Assim, é difícil sustentar hoje em dia que haveria bens absolutamente ou 100% impenhoráveis no art. 833, do CPC/2015 à luz da jurisprudência e da própria realidade em que estamos vivendo.
Em 6/4/2021, o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") enfrentou novamente a questão dos requisitos necessários para a aplicação das medidas executivas atípicas previstas no artigo 139, IV, do CPC/15. Naquele julgamento, a 3ª. Turma do STJ, ao apreciar o REsp 1896421 / SP, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, entendeu que as medidas atípicas devem ser subsidiariamente aplicadas, sendo condicionadas à presença de indícios de que exista patrimônio penhorável, além da necessidade de o magistrado aplicá-las com a observância dos princípios da proporcionalidade, motivação e contraditório. Veja-se:  "2. O propósito recursal é definir se é possível, na hipótese, a adoção de medidas executivas atípicas pelo juiz condutor do processo. 3. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 4. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 7. Situação concreta em que as circunstâncias definidas neste julgamento não foram devidamente sopesadas pelo Tribunal de origem, sendo de rigor a reforma do julgado". Adotando linha semelhante, em 10/05/2021, no julgamento do AgInt no AREsp 1752004 / PR, a 3ª. Turma do STJ, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, entendeu que não seria cabível a aplicação de medidas executivas atípicas em caso concreto no qual não se demonstrou o requisito de ocultação de bens por parte do devedor, bem como não se mostrava eficiente ou efetiva a aplicação das medidas pretendidas para fins de obtenção do almejado pagamento. Veja-se: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. SUSPENSÃO DA CNH E CARTÃO DE CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DE MANOBRAS PARA O DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. AUSÊNCIA DE EFETIVIDADE AO CUMPRIMENTO DO CRÉDITO BUSCADO. MEDIDAS ATÍPICAS INCABÍVEIS NO CASO CONCRETO. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO." De igual modo, em 29.03.2021, no julgamento do AgInt no REsp 1799638 / SP, a mesma 3ª. Turma do STJ, tendo aqui sido relator o Ministro Moura Ribeiro, enfatizou que são requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15: "i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica deve ser utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do contraditório e o postulado da proporcionalidade". De alguma maneira, vale dizer, os julgados acima se alinham com a parcela da doutrina que já alertava sobre cuidados necessários para a adoção das medidas executivas atípicas em nosso sistema processual. Teresa Arruda Alvim1 enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória".  Flávio Luiz Yarshell2, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". Na medida em que o Supremo Tribunal Federal enfrentará em breve a relevante questão da constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15 (ADI 5941), as recentes posições da 3ª Turma do STJ certamente ganham relevante destaque para auxiliar no necessário norte de como compatibilizar o referido dispositivo processual com as normas fundamentais do nosso diploma processual.  __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
O artigo 535 traz as regras da impugnação à execução/cumprimento de sentença por parte da Fazenda Pública e repete vários dispositivos presentes no artigo 525, que trata do tema em relação aos particulares. Desse modo, o artigo 535, § 2º, do Código de Processo Civil, praticamente repete as disposições do artigo 525, § 4º e 5º, ao prever: "§ 2º Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição". A comprovação desde logo do valor do excesso se mostra importante para evitar alegações meramente protelatórias e para possibilitar o prosseguimento do feito em relação ao valor incontroverso. A existência de tal previsão também para a Fazenda Pública foi saudada pela doutrina1 , eis que sob a égide do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça havia firmado entendimento que a referida exigência não poderia ser oposta à Fazenda Pública. E com a previsão expressa do artigo 535, § 2º, do CPC estaria superado tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça2-3, firmado nos autos do RESP nº 1.387.248/SC4, julgado como repetitivo. Entretanto, em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça voltou a relativizar a previsão legal e possibilitar a juntada posterior dos cálculos por parte da Fazenda Pública: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE CÁLCULOS. ART. 535, § 2º, DO CPC. CONCESSÃO DE PRAZO PARA O MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Em regra, a ausência de indicação do valor que a Fazenda Pública entende como devido na impugnação enseja o não conhecimento da arguição de excesso, por existência de previsão legal específica nesse sentido (art. 535, § 2º, do CPC). 2. No entanto, tal previsão legal não afasta o poder-dever de o magistrado averiguar a exatidão dos cálculos à luz do título judicial que lastreia o cumprimento de sentença, quando verificar a possibilidade de existência de excesso de execução. Precedentes. 3. Em que pese ao fundamento utilizado pelo acórdão para a concessão de prazo para a apresentação da planilha de cálculos ter sido a deficiência no corpo de servidores da respectiva procuradoria, a posição firmada no acórdão recorrido encontra-se dentro das atribuições do órgão julgador em prezar pela regularidade da execução. 4. Nesse sentido, se é cabível a remessa dos autos à contadoria do juízo para a verificação dos cálculos, é razoável a concessão de prazo para apresentação da respectiva planilha pela Fazenda Pública, documento que pode inclusive vir a facilitar o trabalho daquele órgão auxiliar em eventual necessidade de manifestação. Precedente (REsp 1726382/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 24/05/2018). 5. Recurso especial a que se nega provimento." (Recurso Especial nº 1887589 /GO, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, v.u., julgado em 06/04/2021) Da fundamentação do referido julgado cabe destacar o seguinte trecho: "Assim, em regra, a ausência de indicação do valor que a Fazenda Pública entende como devido na impugnação enseja o não conhecimento da arguição de excesso, por existência de previsão legal específica nesse sentido (art. 535, §2º, do CPC). No entanto, tal previsão legal não afasta o poder-dever de o magistrado averiguar a exatidão dos cálculos à luz do título judicial que lastreia o cumprimento de sentença, quando verificar a possibilidade de existência de excesso de execução. Tal entendimento encontra respaldo inclusive no próprio Código de Ritos, em seu art. 526, §§ 1º e 2º, cuja aplicação é cabível nos cumprimentos de sentença contra a Fazenda Pública, com as devidas adaptações, conforme precedentes acima destacados. À vista desse contexto, em que pese o fundamento utilizado pelo acórdão para a concessão de prazo para a apresentação da planilha de cálculos ter sido a deficiência no corpo de servidores da respectiva procuradoria, entendo que a posição firmada no acórdão recorrido se encontra dentro das atribuições do órgão julgador em prezar pela regularidade da execução. Nesse sentido, se é cabível a remessa dos autos à contadoria do juízo para a verificação dos cálculos, é razoável a concessão de prazo para apresentação da respectiva planilha pela Fazenda Pública, documento que pode inclusive vir a facilitar o trabalho daquele órgão auxiliar em eventual necessidade de manifestação." Conforme se depreende de tal trecho, a decisão parece afastar o fundamento de dar um privilégio ao ente público, que teria uma deficiência de funcionários para dar ênfase à efetividade e ao julgamento de mérito5. Nesse sentido, parece ser uma tese defensável, desde que aplicada também em favor dos particulares e não somente em favor da Fazenda Pública. Entretanto, o que preocupa é logo na sequência a citação à decisão proferida no REsp 1726382/MT (Rel. Ministro Herman Benjamin Segunda Turma, DJe 24/05/2018), que prevê em sua ementa: "(...) O paradigma considerou as peculiaridades fáticas e jurídicas existentes quando a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal figuram como devedores nos processos de execução (lato sensu), muitas vezes não dispondo dos mesmos meios técnicos (representação judicial) e materiais para a defesa dos seus interesses em relação aos particulares. O interesse na proteção do patrimônio público justificaria a realização do discrimen quanto ao rigor da apresentação da impugnação dos cálculos de liquidação exclusivamente no momento da petição de impugnação ou dos Embargos à Execução. (...)" Tal julgado escancara mais um privilégio aos Entes Públicos em juízo. Desse modo, o entendimento quanto a possibilidade de juntada posterior da comprovação do excesso à execução/cumprimento de sentença pode ser visto com bons olhos se for aplicável indistintamente a todos, entretanto, não pode se transformar em mais um dos privilégios dos Entes Públicos em juízo. __________ 1 "(...) é importante no tocante ao tema o § 2º do art. 535 do Novo CPC, que expressamente exige da Fazenda Pública a declaração de imediato do valor que entende devido quando alegar excesso de execução em sua defesa executiva. Realmente não havia qualquer justificativa para mais uma prerrogativa da Fazenda Pública em juízo, e nesse sentido o dispositivo deve ser efusivamente saudado." (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil - volume único, 8ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1272). 2 "O disposto no § 2º do art. 535 do CPC supera o entendimento do STJ, firmado no julgamento do RESP 1.387.248/SC, submetido ao regime dos recursos repetitivos. Ali o STJ conclui que a exceptio declinatória quanti não se aplica à Fazenda Pública". Tal entendimento do STJ, manifestado sob a égide do CPC/1973, não prevalece mais diante do CPC/2015. É que no § 2º do art. 535 está expresso que, "Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição".  (Leonardo Carneiro da Cunha, a Fazenda Pública em juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 349). 3 "Dessa forma, encontra-se superado o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.387.248/SC, que, interpretando o art. 741 do CPC/73 à luz do princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, concluiu que a exceptio declinatória quanti não se aplicava à fazenda Pública, ou seja, o juiz não podia rejeitar liminarmente os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública com fundamento em excesso de execução (inc. V do art. 741 c/c o art. 743, ambos do CPC/73), ainda que não declarasse o valor que entendia correto. Nesse sentido, confira-se o Parecer PGFN/CRJ 325/2016 e o Parecer PGFN/CRJ 923/2016 (sigiloso). Neste último parecer (Parecer PGFN/CRJ 923/2016 - sigiloso), inclusive, orienta-se os Procuradores da Fazenda Nacional a não apresentarem impugnação ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda Pública, se, uma vez requisitados os cálculos à Receita Federal nos moldes da Portaria Conjunta PGFN/RFB 14/2013, restarem ausentes ou insuficientes os elementos fornecidos à defesa." (Adriano Oliveira Chaves, Novo Código de processo Civil comentado na prática da Fazenda Nacional/ Rogerio Campos... [et al], 1. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 736). 4 Tal julgado recebeu críticas de Daniel Amorim Assumpção Neves: "Num mistério insondável que bem demonstra o nível de insegurança jurídica proporcionado pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão de sua Corte Especial decidiu-se, ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, pela inaplicabilidade de tal exigência nos embargos à execução contra a Fazenda Pública com o singelo fundamento de que o art. 475-L, § 2.º, do CPC/1973 não havia sido reproduzido no art. 741 do mesmo diploma legal, acolhendo alegação da Fazenda Nacional de que os credores elaboram cálculos muitas vezes com base em documentos que sequer constam dos autos e que não se deveria admitir a transferência do ônus de localizar os documentos ao executado no exíguo prazo de defesa. O Superior Tribunal de Justiça afirmou ainda que, levando-se em conta o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos, a fazenda Pública não poderia ter o ônus previsto no art. 475-L, § 2.º, do CPC/1973. Em termos de conteúdo, o julgamento é criticável, porque, se o exequente apresenta cálculo sem juntar os documentos necessários à sua elaboração, é óbvio que o juiz não deve admitir os cálculos e muito menos inverter os ônus de elaborá-los. E essa realidade não é privilégio da Fazenda Pública, mas regra aplicável a qualquer executado. Caso contrário, bastaria ao exequente juntar aos autos cálculos sem qualquer base conhecida e com isso desencadear a execução. Por outro lado, afirmar-se que a indisponibilidade do interesse público não admite julgamento por presunção é repetir o velho e equivocado mantra de que a Fazenda Púbica só defende, em juízo, direitos indisponíveis. O mais grave, entretanto, não é a fragilidade dos argumentos utilizados, mas a citação como precedentes desse entendimento de dois julgados da 1.ª Turma em que se decidiu exatamente o contrário, ou seja, pela aplicação da exigência nos embargos à execução contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 739-A, § 5.º, do CPC/1973, por se tratar de dever legal que atinge todos os executados. E ainda pior, se é que isso é possível, outras turmas do tribunal seguiram o mesmo entendimento dos "precedentes" mencionados no julgamento da Corte Especial.  O resultado é que todos os órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça competentes para enfrentar a matéria têm precedentes unânimes em um determinado sentido e quando a Corte Especial decide a matéria jurídica, o faz em sentido contrário, e ainda cita como precedentes julgamentos contrários ao entendimento consagrado no próprio julgado. Assim realmente fica difícil." (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil - volume único, 8ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1271/1272).   5 André Vasconcelos Roque defende que "O CPC/2015 estabelece, como um de seus princípios fundamentais, a preponderância do julgamento do mérito (art. 4.º). Desse modo, se o ente público alega excesso de execução, mas deixa de indicar o valor que entende correto ou não apresenta o demonstrativo discriminado do crédito, deverá o julgador conceder prazo razoável para que tal vício seja sanado e, apenas na hipótese de desatendimento à determinação judicial, aplicar as consequências previstas no § 2º, deixando de conhecer do excesso de execução invocado." (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 803/804).
O incidente de resolução de demandas repetitivas, introduzido pelo CPC em vigor, é cabível quando houver (i) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão, unicamente de direito e, (ii) houver risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica (art. 976 do CPC). Referida técnica compõe o chamado microssistema de julgamento de casos repetitivos, estes, na dicção do art. 928, I e II, do CPC, alberga tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto o julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, disciplinados nos arts. 1.036 e seguintes do CPC. Consoante leciona Andre Vasconcelos Roque: "O termo 'casos repetitivos' é utilizado por outras dez vezes ao longo do CPC/2015, no art. 12, § 2º, II (para exclusão dos casos repetitivos da ordem de prioridade cronológica de conclusão); no art. 311, II (como requisito para a concessão da tutela de evidência), no art. 521, IV (como hipótese de dispensa de caução no cumprimento provisório de sentença); no art. 927, §§ 2º a 4º (que tratam das cautelas necessárias em caso de revisão da tese jurídica anteriormente firmada); no parágrafo único do próprio art. 928 (para dispor que o julgamento de casos repetitivos pode tanto tratar de questão comum de direito material quanto processual); no art. 955, parágrafo único, II (como requisito para o julgamento em decisão monocrática do conflito de competência); no art. 966, § 5º (para admitir ação rescisória contra decisão transitada em julgado que se baseou em padrão decisório objetivo sem realizar a devida distinção) e no art. 1.022, parágrafo único, I (para indicar que há omissão, passível de ser objeto de embargos de declaração, quando decisão deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos."1 Tais técnicas buscam dentre outras premissas, facilitar o caminho processual do jurisdicionado cujo direito se encontra amparado em decisão consolidada em sede de julgamento de casos repetitivos. Nesse contexto pondera Andre Vasconcelos Roque: "A definição da tese em IRDR ou recurso repetitivo autoriza: (i) a concessão da tutela de evidência (art. 311, II); (ii) o julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332, II e III); (iii) a dispensa de remessa necessária (art. 496, § 4º, II e III); (iv) o julgamento monocrático pelo relator (art. 932, IV, b e c; V, b e c); (v) a decisão monocrática em conflito de competência (art. 955, parágrafo único, II) e; (vi) a oposição de embargos de declaração, sob o fundamento de omissão, quando a decisão embargada não tiver se manifestado sobre a tese firmada em IRDR ou recurso repetitivo."2 Todavia, a par de algumas semelhanças de tratamento entre o IRDR e o precedente firmado em sede de julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, não se pode olvidar uma de suas diferenças, qual seja, sobre a decisão que julga o IRDR, a eventual recurso especial ou extraordinário interposto será atribuído efeito suspensivo automático. Nesse sentido decidiu recentemente a Segunda Turma do STJ: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ARTS. 982, § 5º, E 987, §§ 1º E 2º, DO CPC. RECURSO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se a suspensão dos feitos cessa tão logo julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo TJ/TRF, com a aplicação imediata da tese, ou se é necessário aguardar o julgamento dos recursos excepcionais eventualmente interpostos. 2. No caso dos recursos repetitivos, os arts. 1.039 e 1.040 do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes apenas à publicação do acórdão paradigma. Além disso, os acórdãos proferidos sob a sistemática dos recursos repetitivos não são impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo automático. 3. Por sua vez, a sistemática legal do IRDR é diversa, pois o Código de Ritos estabelece, no art. 982, § 5º, que a suspensão dos processos pendentes, no âmbito do IRDR, apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente. 4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. 5. Apesar de tanto o IRDR quanto os recursos repetitivos comporem o microssistema de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC), a distinção de tratamento legal entre os dois institutos justifica-se pela recorribilidade diferenciada de ambos. De fato, enquanto, de um lado, o IRDR ainda pode ser combatido por REsp e RE, os quais, quando julgados, uniformizam a questão em todo o território nacional, os recursos repetitivos firmados nas instâncias superiores apenas podem ser objeto de embargos de declaração, quando cabíveis e de recurso extraordinário, contudo, este. sem efeito suspensivo automático. 6. Admitir o prosseguimento dos processos pendentes antes do julgamento dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobretudo recursos. Isso porque, caso se admita a continuação dos processos até então suspensos, os sujeitos inconformados com o posicionamento firmado no julgamento do IRDR terão que interpor recursos a fim de evitar a formação de coisa julgada antes do posicionamento definitivo dos tribunais superiores. 7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede-se, assim, a existência - e eventual trânsito em julgado - de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR. 8. Em suma, interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado. O raciocínio, no ponto, é idêntico ao aplicado pela jurisprudência do STF e do STJ ao RE com repercussão geral e aos recursos repetitivos, pois o julgamento do REsp ou RE contra acórdão de IRDR é impugnável apenas por embargos de declaração, os quais, como visto, não impedem a imediata aplicação da tese firmada. 9. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se aguarde o julgamento dos recursos extraordinários interpostos (não o trânsito em julgado, mas apenas o julgamento do REsp e/ou RE) contra o acórdão proferido no IRDR n. 0329745-15.2015.8.24.0023." (STJ, RESP n. 1869867/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, v.u., j. 20.04.2021) A decisão acima soa acertada, porquanto em consonância a inteligência do art. 987, § 1º e § 2º do CPC, de sorte que o STJ deixou de conferir qualquer interpretação analógica ou quanto previsto em lei. De toda sorte, dada a atribuição do chamado efeito suspensivo automático, uma vez pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, tirado de acórdão que decide o IRDR, de igual modo não se aplicam os dispositivos do CPC acima mencionados (v. g., concessão da tutela da evidência quando o direito da parte é fundado em decisão prolatada em sede de julgamento de casos repetitivos - art. 311, II, do CPC). Por sua vez, , a ementa supra citada também deixa claro que "(...)  interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado." Logo, o efeito suspensivo automático terá amplitude até julgamento do RE ou REsp tirado do acórdão que julgou o IRDR. Consumado referido julgamento, o jurisdicionado poderá se valer do precedente firmado por meio de diversas passagens do CPC que lhe favorecem (a exemplo da não observância do reexame necessário quando a decisão contrária à Fazenda Pública é fundada em precedente firmado em casos repetitivos - art. 496, § 4º, II e III, dentre outras acima citadas). __________ 1 GAJARONI, Fernando da Fonseca. DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Execução e recursos - comentários ao CPC de 2015, 2. Ed. São Paulo: 2018, p. 804) 2 Op. cit., p. 805, grifou-se.
Como se sabe, o § 1º do art. 536 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), traz um rol exemplificativo de medidas executivas que podem ser utilizadas para a obtenção do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa ("para atender ao disposto no caput,  o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial"). Dentre tais medidas a serem empregadas para a execução forçada de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, está prevista a multa (também conhecida como astreinte ou multa cominatória). Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "a multa deve ser compreendida como uma das diversas técnicas executivas com viés coercitivo que tem como finalidade convencer o executado de que é melhor acatar a decisão do magistrado, performando como lhe é determinado, seja para fins (preferencialmente) de obtenção da tutela específica ou, quando menos, para obtenção do resultado prático equivalente"1. O art. 537, do CPC/2015, trata especificamente desta multa e de sua disciplina processual, ao esclarecer logo em seu caput que "A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito". Cumpre observar que esta multa mencionada no § 1º do art. 536 e no art. 537, ambos do CPC/2015, não representa uma novidade em relação ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973). O art. 461, § 5º, do CPC/1973, estabelecia igualmente que "para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial". E o § 4º do mesmo dispositivo dispunha que "o juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente e compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para cumprimento do preceito". Porém, teve uma alteração na disciplina da multa entre o CPC/2015 e o CPC/1973 que está dando o que falar! Foi publicada no "site" do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma notícia para divulgar uma decisão tomada nos autos do EARESP n. 650.536/RJ. O título da notícia publicada em 09.04.2021 é o seguinte: "Desproporção do valor ou enriquecimento ilícito justificam a revisão de astreintes a qualquer tempo"2. Esta notícia, como era de se esperar, teve repercussão entre os estudiosos do direito processual civil, como se percebe no artigo de Flávia Pereira Ribeiro e Fernanda Zambrotta, publicado no Migalhas em 16.04.20213. A alteração legislativa que está no cerne da polêmica diz respeito à possibilidade de revisão do valor da multa. O § 6º do art. 461, do CPC/1973 prescrevia que "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Já o § 1º do art. 537, do CPC/2015, dispõe que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)"4. Note-se bem: no ordenamento anterior o juiz estava autorizado a modificar o valor da multa, sem especificar se era o valor das multas vencidas ou das vincendas ou de ambas. No ordenamento atual, o CPC/2015 confere poder para o juiz modificar apenas o valor das multas vincendas. Em outras palavras, em uma interpretação literal do § 1º do art. 537, o juiz atual não pode modificar o valor das multas que já venceram. Esta interpretação de que não é possível ao juiz reduzir o valor das multas que já venceram é adotada por parte da doutrina, como se pode depreender da lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, ao mencionarem: "(...) A redução, porém, não pode ter efeitos retroativos, atingindo valores que já incindindo; só se reduz multas vincendas"5. Também avessa à hipótese de se modificar o valor da multa após o seu vencimento é a lição de Paulo Henrique dos Santos Lucon, para quem "(...) Decisão judicial existe para ser cumprida e não para ser objeto de infindáveis recursos. Minorar multa diária depois de tantos anos de litígio somente incentiva o obrigado a não cumprir suas obrigações e sendo a educação um dos escopos sociais da jurisdição, tem o efeito pedagógico negativo de fazer com que os outros devedores deixem igualmente de cumprir ordens judiciais"6. Pois bem, pela notícia que foi publicada no "site" do STJ em 09.04.2021, a Corte Especial decidiu que o valor da multa pode, sim, ser alterado após o seu vencimento. "No caso dos autos, o ministro lembrou que, na fase de conhecimento - a ação discutia o reembolso de despesas médicas por operadora de plano de saúde -, o TJRJ determinou o pagamento de R$ 19,3 mil e fixou multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento de ordem. Não havendo, portanto, empecilho para a reanálise das astreintes, Raul Araújo apontou que a multa cominatória de mais de R$ 730 mil ultrapassou, em muito, o valor da obrigação principal. Assim, segundo o voto do relator, a Corte Especial estabeleceu astreintes de R$ 100 mil". Em suma, nos termos da notícia veiculada pelo STJ sobre o acórdão do EARESP 650.536/RJ ainda não publicado, "instrumento legal para forçar o cumprimento de uma decisão judicial, as astreintes (multa cominatória) podem ter o seu valor revisto a qualquer tempo, a pedido ou por iniciativa do próprio juízo, sempre que se mostrar desproporcional ou desarrazoado, ou causar enriquecimento ilícito a uma das partes"7. Obviamente, seria necessário ter acesso à íntegra do acórdão para se tecer maiores comentários à recente decisão da Corte Especial do STJ, mas parece que a decisão tomada está mais alinhada à segura lição de Cassio Scarpinella Bueno, para quem: "Assim, de forma bem direta, a multa é arbitrada com a expectativa de que seja suficiente e compatível para obter do executado o fazer ou não fazer desejado pelo exequente em prazo razoável (art. 537, caput). Na exata medida em que ela não se mostre capaz de levar àquele resultado ou próximo a ele ('tutela específica ou resultado prático equivalente', respectivamente), não há motivo para entender que a multa incida de maneira estática indeterminadamente. Ela deve ser majorada ou alterada sua periodicidade para o atingimento daquela finalidade. Se, mesmo assim, o direito do exequente não for satisfeito, o caso é de adoção de outras medidas de apoio em substituição à multa para, ainda assim, (tentar) perseguir a tutela específica ou quando menos o resultado prático equivalente. Na impossibilidade (ou se esta for a vontade do exequente), a solução reside na conversão da obrigação da obrigação em perdas e danos"8. Em suma, não apenas o comportamento do executado deve ser levado em consideração para modificação do valor da multa, mas também o comportamento do exequente. Este último não pode aguardar por tempo indefinido o início da cobrança dos valores relativos à multa que o favoreçam sem tomar providências que lhe cabem para a satisfação do seu direito. Tal multa tem natureza coercitiva e não tem o objetivo de enriquecimento sem causa. Por outro lado, por mais que se concorde com este raciocínio e esta ordem de ideias, rever a multa já vencida contrariaria a letra fria do § 1º do art. 537 do CPC/2015 que autoriza apenas a modificação das multas vincendas. Aguardemos a publicação do acórdão do EARESP 650.536/RJ para sabermos exatamente, com todos os detalhes, como este problema foi superado pela Corte Especial do STJ... __________ 1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 10ª edição, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 545. 2 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021). 3 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021) 4 Grifos nossos. 5 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo código de processo civil comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 584. 6 Cassio Scarpinella Bueno (org.), Comentários ao código de processo civil, v. 2. In: Paulo Henrique dos Santos Lucon, Comentários ao art. 537, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 763. 7 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021). 8 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 552.
Não é de hoje a dúvida acerca da natureza da exigência da assinatura de duas testemunhas no documento particular, para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15. Relevante é a dúvida se, previamente ao ajuizamento da execução, a parte exequente pode solicitar que duas pessoas examinem o documento particular e assinem o contrato na qualidade de testemunhas, ainda que elas não tenham acompanhado presencialmente as negociações e a assinatura, pelas partes, do negócio entabulado. O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema, tendo já sinalizado que as testemunhas referidas no artigo 784, III, do CPC/15 seriam meramente "instrumentárias", não havendo óbice para que firmem o documento posteriormente ao ato de assinatura das partes. Veja-se, neste sentido, o acórdão do AgInt no AREsp 807883, da relatoria do ministro Lázaro Guimarães, em caso julgado em 7/8/2018 pela 4ª. Turma: "De acordo com a jurisprudência desta Corte, "o  fato de as testemunhas do documento  particular  não  estarem presentes ao ato de sua formação  não  retira  a  sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem  ser  feitas  em  momento  posterior  ao  ato  de  criação  do título  executivo    extrajudicial,    sendo    as   testemunhas   meramente  instrumentárias"  (REsp 541.267/RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini,  Quarta  Turma,  DJ  de 17/10/2005; AgInt no AREsp 1.183.668/SP, Rel. Ministro  Luis  Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2018,  DJe de 9/3/2018)". Há julgado da Corte Superior, inclusive, dispensando a exigência da assinatura das duas testemunhas, quando o devedor não impugna a existência do contrato que estipula dívida líquida, certa e exigível, conforme se nota do acórdão do AgInt no REsp 1870540 / MT, da relatoria do Ministro Raul Araujo, em caso julgado em 14/9/2020 pela 4ª. Turma: "A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à  substância do ato, cujo escopo é o de aferir a existência e a  validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter  absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e  pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que tal condição de eficácia executiva poderá ser suprida." (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015).  2. Na hipótese, o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, e seguindo a jurisprudência do  STJ, concluiu que "(...) essa situação mitigadora é evidente, na medida em que o excipiente/agravante não nega a assinatura do contrato, tampouco a existência do negócio entabulado". Em sede doutrinária, já havia posições sustentando essa linha de interpretação do artigo 784, III, do CPC/15, conforme lição clara da Professora Teresa Arruda Alvim1: "Tais testemunhas, consoante crescente jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ, tem sido consideradas como meramente instrumentárias, daí a possibilidade de assinatura posterior das testemunhas não desnatura o título executivo. Noutras palavras, o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial".   José Miguel Garcia Medina2, igualmente, aponta que: "já se decidiu que as testemunhas que subscreveram o documento particular considerado título executivo são meramente instrumentárias, e que não afeta a higidez do título executivo a falta de identificação das mesmas ou o fato de estarem suas assinaturas ilegíveis. Vê-se, portanto, que a jurisprudência tem sido flexível, quanto à formação do título executivo, em tais casos, o que, segundo pensamos, decorre do fato de ter-se adotado, em tal hipótese, um tipo aberto para a configuração do título executivo". Não se desconhece a existência de doutrina divergente, mas parece-nos que a posição que predomina no Superior Tribunal de Justiça, quanto a este tema, é a mais acertada, notadamente em casos em que estão presentes os requisitos do artigo 783 do CPC/15  (dívida certa, líquida e exigível); tendo em vista o espírito das normas fundamentais do sistema processual brasileiro, que almejam uma maior efetividade e eficiência do processo civil, incluindo-se a necessidade de duração razoável na fase de execução (artigos 4 e 8 do CPC/15).  __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1246. 2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo CPC comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 1108.
A crise do processo civil pode ser bastante evidenciada na dificuldade em se conseguir localizar bens dos devedores. Muitas vezes se consegue o provimento jurisdicional, mas não se consegue o seu cumprimento pela ausência de bens. Desse modo, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque. Por exemplo, na coluna de 16 de maio de 2019 foi exposto o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem ampliando outra previsão, a do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da "quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos". Na verdade, nunca se entendeu a diferenciação pretendida pelo legislador, eis que se o valor estivesse na caderneta de poupança não poderia ser penhorado e se estivesse em outra aplicação, mesmo das mais conservadoras, seria penhorado. Esse seria um benefício para compensar a baixíssima remuneração da caderneta de poupança frente às outras possibilidades de investimento? Quando da promulgação do Código de 1973 até pode se entender melhor essa opção, eis que existiam parcas opções de investimentos e a caderneta de poupança era a mais utilizada. Entretanto, essa não é mais a nossa realidade atual. Daniel Amorim Assumpção Neves entende que o dispositivo legal "cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de investimento financeiro que, se não é o mais lucrativo entre todos os oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render o dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.2 Já o professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Gilson Delgado Miranda entende que "a impenhorabilidade restringe-se a tal espécie de aplicação financeira, não se admitindo, à evidência, interpretação extensiva de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira."3 O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade deve ser lida de forma ampliada: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. ALCANCE. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). 2. "É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente a aplicação em caderneta de poupança, mas, também, a mantida em fundo de investimento, em conta-corrente ou guardada em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude" (AgInt no REsp 1858456/RO, rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 18/06/2020). 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1880586/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 06/04/2021)4 Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a ampliação é vasta, abrangendo não somente outras aplicações financeiras, mas também numerário em conta corrente e guardado em papel-moeda. Por fim, cumpre recordar que por mais que tal ampliação pareça atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador, acaba por dificultar e muito os bloqueios on-line de numerário, já que não são muitos devedores que possuem em conta corrente e em aplicações financeiras valor superior a R$ 40 mil, complicando ainda mais o tortuoso caminho do credor na busca da satisfação de seu crédito. __________ 1 Disponível aqui. 2 Comentários ao Código de Processo Civil - vol. XVII (arts. 824 a 875): Da Execução por quantia certa, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 176. 3 Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, v. 3, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 650. 4 Existem julgados no mesmo sentido da 2ª Turma (REsp 1710162/RS), 3ª Turma (AgInt no REsp 1886463/RS) e 4ª Turma (AgInt no AREsp 1717962/SP). Na vigência do CPC/73 o Superior Tribunal de Justiça também possui julgados com a aplicação extensiva (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 19/12/2014).
Estabelece a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, a garantia de que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Por sua vez, o CPC/2.015 inovou para trazer no art. 489, § 1º, incisos I a VI, situações que, uma vez configuradas, implicam violação ao Princípio Constitucional da Fundamentação das Decisões Judiciais. Em verdade, tais hipóteses refletem reivindicação da doutrina no escopo de dar exemplos de violação ao princípio constitucional. Foi necessário tornar alguns exemplos, desta feita em lei, tal qual se compõe os incisos do art. 489, § 1º1. Em especial a regra prevista no art. 489, § 1º, VI, ao estabelecer não se considerar fundamentada a decisão que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" parece convidar a leitura de todo e qualquer precedente suscitado pela parte é suficiente a impor a observância de aludido comando. Todavia, outro foi o entendimento da Terceira Turma do STJ, ao limitar o alcance de aludida norma somente a precedentes e súmulas vinculantes: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS E JUNTADA DE DOCUMENTOS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSEADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELO DISSENSO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF. 1- Ação ajuizada em 28/09/2007. Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 09/08/2017. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 3- A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. 4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. (...) 10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido." (STJ, REsp 1.698.774/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. 01.09.2020, v.u., grifou-se). Em especial o voto condutor, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, pontua: "(...) EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (...) 01) Nas razões de seu recurso especial, alega a recorrente que teria invocado, na apelação, uma série de julgados abonadores de sua tese de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, que não teriam sido observados pelo TJ/RS por ocasião do julgamento do referido recurso. 02) Argumenta a recorrente, em razão disso, que teria ocorrido violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, na medida em que somente seria lícito ao TJ/RS afastar-se do entendimento contido nos julgados do TJ/SP e do TJ/DFT se houvesse fundamentação relacionada à distinção em relação à hipótese em exame ou à superação do entendimento materializado naqueles julgados. 03) O dispositivo legal alegadamente violado possui o seguinte conteúdo: Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 04) Examinando-se o conteúdo do referido dispositivo legal, verifica-se que a nova lei processual exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado na hipótese em que pretenda ele se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, a saber, que demonstre a existência de distinção entre a hipótese que lhe fora submetida e o paradigma invocado ou de superação do entendimento firmado no paradigma invocado. 05) Denota-se, pois, que o art. 489, §1º, VI, do CPC/15, possui, em sua essência, uma indissociável relação com o sistema de precedentes tonificado pela nova legislação processual, razão pela qual a interpretação sobre o conteúdo e a abrangência daquele dispositivo deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos. 06) Quanto ao ponto, anote-se a precisa lição de Daniel Amorim Assumpção Neves: No inciso VI do §1º do art. 489 do CPC, há previsão de que não se considera fundamentada decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação do entendimento. Lamenta-se a utilização do termo jurisprudência ao lado de súmula e precedente, não se devendo misturar a abstração e generalidade da jurisprudência com o caráter objetivo e individualizado da súmula e do precedente. De qualquer forma, como a aplicabilidade do dispositivo legal é limitada à eficácia vinculante do julgamento ou da súmula, a remissão à jurisprudência perde o sentido e torna-se inaplicável. Diferentemente do que ocorre com o inciso antecedente, o inciso VI do §1º do art. 489 do CPC não se aplica a súmulas e precedentes meramente persuasivos (Enunciado 11 da ENFAM: "Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332"), porque, nesse caso, o juiz pode simplesmente deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique a sua decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 883/884). 07) Na hipótese em exame, dado que a recorrente invocou, para o julgamento da apelação perante o TJ/RS, apenas julgados proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT no mesmo sentido de sua tese recursal de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, o acórdão recorrido não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também não estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15. (...)" Na linha do quanto decidido acima, não obstante a generalidade de extensão do art. 489, § 1º, V e VI, o STJ limitou sua abrangência ao que cunhou chamar de "precedentes vinculantes", além das súmulas vinculantes, cuja leitura do Enunciado n. 11, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) dispõe: "Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332." Em outras palavras, o dever de fundamentação, quando o magistrado deixa de aplicar precedente suscitado pela parte, restringe-se aos precedentes descritos nos arts. 9272 e 332, IV3, do CPC. Ou seja, em tese não há vinculação alguma do órgão julgador a precedentes já formados pela turma ou câmara, tampouco obrigatoriedade de se fundamentar por quais razões precedentes pretéritos restaram superados (overruling) ou, ainda, sua distinção ao caso concreto. Respeitado entendimento em sentido contrário, é evidente que não soa razoável o julgador justificar o afastamento, um a um, de todos os precedentes suscitados pela parte ou, quando do emprego de determinado precedente, tenha que identificar cada um ao caso concreto, mas se espera, no mínimo, que seja destacado o fio condutor que se amolda ao caso concreto, as razões de decidir, a ratio decidendi ou as razões de sua superação. Embora num primeiro momento tal providência possa soar mais trabalhosa no desiderato de respeitar o princípio da fundamentação judicial, na forma prevista no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC, tal medida certamente reflete em melhor diálogo no seio do próprio Poder Judiciário, ciente da forma como vem sendo examinado, decidido e aplicado o direito, a se integrar uma jurisdição que se espera, seja uma. É desejável que a jurisdição, sendo una, deve conceder idêntico "remédio jurídico" a situações congêneres, sob pena de perpetuar a odiosa coexistência de jurisprudência lotérica, instável e violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade, a conceber um cenário onde o jurisdicionado (valendo-se de um cardápio de entendimentos distintos sobre a mesma matéria) aproveita-se do julgado que melhor lhe socorre, porquanto fatalmente é o próprio Poder Judiciário que alimenta dita esperança. Sob o prisma de se coroar o quanto disposto no art. 926 do CPC, resta à jurisprudência tornar-se estável quanto a literal interpretação do art. 489, § 1º, V e VI, o qual convida a uma mudança de cultura cujo ônus não deve recair somente ao Poder Judiciário, mas também ao jurisdicionado, sob a perspectiva de, em colaboração, provocar o órgão jurisdicional com vistas a se obter, gradualmente e por meio de atividade integrativa, a uniformidade de decisões judiciais acerca de matérias já examinadas e decididas. __________ 1 Art. 489.  São elementos essenciais da sentença: (.) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.  2 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.  3 Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
O art. 523, do Código de Processo Civil (CPC/2015), estabelece que "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". E o parágrafo primeiro, do mesmo dispositivo, dispõe: "§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento". Pois bem, em 9/3/2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio de acórdão da lavra do Min. Moura Ribeiro, entendeu que o pronunciamento judicial a que se refere o art. 523, do CPC/2015, não teria conteúdo decisório, não teria o condão de causar gravame ao executado e, portanto, não poderia ser impugnado por meio de agravo de instrumento nos termos do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado acima referido: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO PARA PAGAMENTO, SOB PENA DE MULTA E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. As decisões proferidas em liquidação ou cumprimento de sentença, execução e inventário, são impugnáveis por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do NCPC). 3. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o início da fase de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa passou a depender de provocação do credor. Assim, a intimação do devedor para pagamento é consectário legal do requerimento, e, portanto, irrecorrível, por se tratar de mero despacho de expediente, pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1837211/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021)" Sem entrar na discussão sobre se, na vigência do Código de Processo Civil anterior, o início da fase de cumprimento de sentença dependeria ou não de requerimento do credor, pois o propósito aqui é discutir a aplicação do CPC/2015, a decisão acima parece merecer reparos. Com o devido respeito, o pronunciamento judicial que determina a intimação do executado para pagamento não é um despacho de "mero expediente". Nem de longe o juiz pratica um ato sem consequências "(...) pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo (...)". É importante que o juiz tenha consciência das consequências de seus atos.. Uma delas, que não consta do acórdão do STJ acima ementado, está no art. 517, do CPC/2015 ("A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523"). Tanto é verdade que a decisão à qual se refere o art. 523, do CPC/2015, tem conteúdo decisório e potencial de gravame para o executado que o art. 524, do mesmo diploma legal, nos seus parágrafos 1º e 2º, determinam que o juiz fique atendo ao valor apresentado pelo exequente antes de se determinar a intimação. Veja-se: "Art. 524. (...) § 1º Quando o valor apontado no demonstrativo aparentemente exceder os limites da condenação, a execução será iniciada pelo valor pretendido, mas a penhora terá por base a importância que o juiz entender adequada. § 2º Para a verificação dos cálculos, o juiz poderá valer-se de contabilista do juízo, que terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para efetuá-la, exceto se outro lhe for determinado". Como se pode perceber, o próprio CPC/2015 parte do pressuposto que o início da execução sem qualquer controle pelo juiz, como se ele estivesse apenas "impulsionando o processo", poderia causar prejuízos para a parte e até determina que ele utilize os serviços do contabilista do juízo para evitar constrições indevidas ao patrimônio do executado ao desconfiar dos cálculos apresentados pelo exequente, mesmo antes de este último ter apresentado sua defesa. De qualquer ângulo que se examine a questão, a decisão do art. 523 do CPC/2015 não é um "despacho de mero expediente", que não teria o condão de causar prejuízos ao executado. Penhora indevida e negativação indevida são gravames para o executado. Ou não são para você, caro leitor?
Na coluna anterior, noticiamos que o Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial 1738656 / RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. E, mais recentemente, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça volta a enfrentar o tema, tendo a 4ª Turma destacado que o artigo 190 do CPC/15 não pode versar sobre questões de ordem pública, conforme se depreende do julgamento do REsp n. 1810444/SP, da Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão1: "A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no negócio jurídico processual, não é possível às partes convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública, cuja aplicação é obrigatória. O colegiado reforçou que a liberdade negocial trazida pelo artigo 190 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 está sempre condicionada ao respeito à dignidade da pessoa humana e às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito. (...). De acordo com Luis Felipe Salomão, o parágrafo único do artigo 190 poderia levar à conclusão de que os negócios jurídicos processuais não se sujeitariam a um juízo de conveniência do magistrado, exceto nos casos de nulidade, de inserção abusiva em contrato de adesão ou de vulnerabilidade manifesta de uma das partes.  Contudo, o ministro ressaltou que esse controle é complexo, pois "não se limita à observância dos requisitos de validade apontados na legislação híbrida entre direito processual e civil, mas também, e principalmente, aos ditames constitucionais". (...). No caso em julgamento, Salomão considerou acertada a decisão do tribunal de origem, destacando a afronta à cláusula legal e constitucional que prevê o direito ao processo justo, conduzido pelo juiz competente, sendo incongruente vincular o julgador à forma pactuada pelas partes para a realização de função de sua titularidade". Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".  Humberto Theodoro Jr2. já defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo não pode relativizar direitos fundamentais, garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros.3 Neste cenário, ambos os julgamentos do STJ merecem grande destaque, pois já sinalizam um campo de direção, por parte da Corte Superior, sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes. Os recentes julgados, no geral, buscaram traçar uma leitura do artigo 190 do CPC/15 em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15. E, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual atípico do artigo 190 do CPC/15, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade e eficácia de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais. Mas não se questiona que o Poder Judiciário ainda terá a difícil missão de delinear, com mais precisão, quais são os limites de aplicação do artigo 190 do CPC/15, sendo, portanto, importantíssimos os recentes julgados acerca do tema. __________ 1 Negócio jurídico processual não pode dispor sobre ato regido por norma de ordem pública. Acesso em 28.02.2021. 2 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 3 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
quinta-feira, 11 de março de 2021

Sucumbência recursal e preclusão

A sucumbência recursal é um instituto novo em nosso ordenamento e tendo sido previsto de forma sucinta no § 11, do artigo 85, do Código de Processo Civil de 2015, acaba gerando várias dúvidas e lacunas, sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem dia a dia estabelecendo parâmetros para a sua aplicação. Dias antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado Administrativo nº 7 que prevê "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC." No ano seguinte, a Segunda Seção fixou mais parâmetros a serem observados: "3. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso."1 E novas diretrizes vão surgindo a cada novo julgado, tendo de ressaltar que também existem muitos entendimentos divergentes quanto aos honorários sucumbenciais no âmbito do STJ.2                      Agora parece surgir mais uma diretriz quanto a existência de preclusão se a omissão quanto a fixação dos honorários sucumbenciais não for alegada na primeira oportunidade: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. ART. 85, § 11, DO CPC/2015. NÃO ALEGAÇÃO DE VÍCIO LOGO APÓS A DECISÃO QUE OS FIXOU. OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que a parte deve alegar na primeira oportunidade eventual omissão sobre a fixação de honorários recursais, não sendo cabível o pedido em embargos de declaração no agravo interno do agravo em recurso especial. Precedentes. 2. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgInt no AREsp 1347639/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 12/02/2021) No referido julgado são citados julgados no mesmo sentido da Segunda Turma (EDcl no AgInt no AREsp 1.251.812/SP) e da Quarta Turma (EDcl no AgInt no AREsp 1.238.850/MT). A Segunda Seção, no já citado RESP nº 1.539.725/DF (vide nota 02), possui entendimento no seguinte sentido: "Não haverá honorários recursais no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração apresentados pela parte que, na decisão que não conheceu integralmente de seu recurso ou negou-lhe provimento, teve imposta contra si a majoração prevista no § 11 do art. 85 do CPC/2015". Portanto, a contrario sensu, seria permitida a fixação de honorários advocatícios em agravo interno e embargos de declaração se a decisão monocrática não tivesse fixado. Não parece fazer sentido a existência de preclusão nesse caso, eis que a redação do dispositivo é imperativa no dever do Tribunal majorar os honorários advocatícios, sendo que deve aplicar a sucumbência recursal, inclusive de ofício. Neste mesmo sentido é o entendimento de Frederico Augusto Leopoldino Koehler: "A majoração dos honorários, quando fixados em montante inferior a 20%, é dever do tribunal devendo, inclusive, ser realizada de ofício, uma vez que o art. 85, § 11, usa o verbo "majorará" de forma peremptória".3 Prevalecendo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a preclusão se os honorários recursais não forem requeridos na primeira oportunidade, restará à parte o ajuizamento de ação autônoma para a sua definição e cobrança, nos termos do § 18 do artigo 85 do Código de Processo Civil.4 Para a pacificação do tema, faz-se necessário que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça examine e pacifique o entendimento sobre a existência ou não de preclusão quanto aos honorários recursais, entretanto, até lá cabe à parte ser prudente e requerer a sua fixação na primeira oportunidade. __________ 1 (AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Segunda Seção, DJe 19/10/2017). 2 A título exemplificativo vide a nossa coluna de 10/09/2020 e a última de 04/02/2021. 3 Comentários ao código de processo civil / coordenadores Angélica Arruda Alvim ...[et al.], São Paulo: Saraiva, 2016, p. 152. Também nesse sentido é o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno em seu Novo Código de Processo civil anotado, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 124. 4 Nesse sentido é o entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "No caso de ocorrer a formação da coisa julgada sem decisão sobre o tema, este poderá ser objeto de ação própria, na forma prevista no § 18 do art. 85." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 322).
A chamada fase de cumprimento de sentença sofreu pontuais modificações por força do advento do CPC/2015 (atual CPC). Dentre elas, no que tange ao regime do cumprimento de sentença de pagar quantia, a despeito do art. 523 prever a intimação do executado para pagamento, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incidência de multa de 10%, acrescida de honorários advocatícios, também de 10%1, inovou o novo diploma ao prever quer, somente após transcorrido os 15 (quinze) dias para pagamento, iniciar-se-á novo prazo, também de 15 (quinze dias), desta feita para o executado, querendo, apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, ex vi ao quanto disposto no art. 525, caput, do CPC2. Por sua vez, o chamado efeito suspensivo concedido quando da apresentação de impugnação de cumprimento de sentença exige, nos termos do §6º, do art. 525 do CPC, a garantia do juízo por penhora, caução ou depósito suficiente, sem prejuízo da demonstração de relevante fundamentação posta em favor da tese de defesa do executado, além do prosseguimento da execução for suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Em especial ao requisito da garantia do juízo, dúvida pode surgir se a prática de referido ato processual deve se materializar cumulativamente a veiculação da impugnação ao cumprimento de sentença ou, de outra banda, poderia o executado apresentar a garantia em juízo e, desde que dentro do prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no art. 525 do CPC, por meio de novo ato processual, veicular sua defesa. Nesse contexto a questão foi examinada pela Terceira Turma do STJ, a entender, por maioria de votos, quanto a possibilidade de depósito para garantia do juízo e, num segundo momento, a possibilidade de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença, deste que praticados ambos atos processuais dentro do prazo previsto no art. 525 do CPC: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. ART. 525 DO CPC/15. GARANTIA DO JUÍZO. INSIGNIFICÂNCIA. CASO CONCRETO. TEMPESTIVIDADE. 1. Cuida-se de ação de revisão de benefício de complementação de aposentadoria, em fase de cumprimento de sentença. 2. Recurso especial interposto em: 21/06/2017; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em definir se o depósito para garantia do juízo, realizado dentro dos 15 (quinze) dias do prazo para o pagamento voluntário, previsto no art. 525 do CPC/15, é capaz de modificar o termo inicial do prazo para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença. 4. Na vigência do CPC/73, prevaleceu na Segunda Seção que, havendo depósito judicial do valor da execução, a constituição da penhora é automática, independente da lavratura do respectivo termo, motivo pelo qual o prazo para oferecer embargos do devedor deveria ser a data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da ação de execução. Precedente. 5. Referida orientação tinha em vista a previsão do art. 738, I e II, do CPC/73, em sua redação originária, anterior à reforma da Lei 11.232/05, que estabelecia a garantia do juízo como pressuposto dos embargos do devedor e que previa que o prazo para a sua apresentação de embargos tinha início com a intimação da penhora ou do termo de depósito judicial. 6. No CPC/15, com a redação do art. 525, § 6º, do CPC/15, a garantia do juízo deixa expressamente de ser requisito para a apresentação do cumprimento de sentença, passando a se tornar apenas mais uma condição para a suspensão dos atos executivos. 7. Por essa razão, no atual Código, a intimação da penhora e o termo de depósito não mais demarcam o início do prazo para a oposição da defesa do devedor, sendo expressamente disposto, em seu art. 525, caput, que o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação da impugnação se inicia após o prazo do pagamento voluntário. 8. Assim, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 (quinze) dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no art. 523 do CPC/15, independentemente de nova intimação. 9. Na hipótese dos autos, a intimação do cumprimento de sentença foi considerada publicada em 20/04/2016, com início da contagem do prazo em 22/04/2016 (sexta-feira, primeiro dia útil seguinte), encerrando-se o décimo quinto dia útil para pagamento voluntário em 12/05/2016 (quinta-feira), de forma que a apresentação da impugnação, ocorrida em 03/06/2016, foi realizada de forma tempestiva. 10. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1761068-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 15/12/2020, grifou-se) Com mais vagar examinou o voto condutor, da lavra da Ministra Nancy Andrighi: "(...) Da mesma forma, se, nos termos do CPC/1973, segundo a redação do § 1º do art. 475-J, tão logo o juízo estivesse assegurado pela constrição de bens - requisito de admissibilidade da reação do devedor -, deveria ser realizada a intimação da penhora, quando, então, querendo, poderia o devedor apresentar impugnação no prazo de quinze dias; na atual redação do CPC/15, a garantia do juízo é completamente dispensável para viabilizar a impugnação, sendo, assim, igualmente, dispensada a intimação, na hipótese de penhora, ou o reconhecimento da ocorrência de comparecimento espontâneo, por meio do depósito, para que o prazo para a impugnação comece a ter curso, porquanto não têm essas circunstâncias qualquer influência sobre esse fato processual. Realmente, a apresentação de garantia do juízo não supre eventual falta intimação, eis que, na forma dos arts. 523 e 525 do CPC/15, a intimação para a apresentação da impugnação, se houver interesse, já se torna perfeita com a intimação para pagar o débito, tendo início automático após o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento espontâneo da obrigação. Não há, pois, como cogitar de violação ao princípio da celeridade processual, pois a ciência do executado da possibilidade de impugnar o cumprimento de sentença já é realizada da forma mais ágil possível, com a própria intimação do pedido de cumprimento de sentença. Assim, por disposição expressa do art. 525, caput, do CPC/15, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 (quinze) dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no art. 523 do CPC/15, independentemente de nova intimação. 3. DA HIPÓTESE CONCRETA Na hipótese dos autos, a intimação do cumprimento de sentença foi considerada publicada em 20/04/2016, com início da contagem do prazo em 22/04/2016 (sexta-feira, primeiro dia útil seguinte), encerrando-se o décimo quinto dia útil para pagamento voluntário em 12/05/2016 (quinta-feira) (e-STJ, fl. 161). O prazo de 15 (quinze) dias úteis para a apresentação de impugnação iniciou-se em 13/05/2016 e veio a termo em 03/06/2016. A impugnação ao cumprimento de sentença foi apresentada pela recorrida em 3/6/2016, portanto, de forma tempestiva. Por essa razão, pedindo as mais respeitosas vênias ao e. Relator, inauguro a divergência para considerar que o acórdão recorrido deve ser mantido, pois não há falar em início do prazo para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença na data de depósito para garantia do juízo. 4. CONCLUSÃO Forte nessas razões, pedindo as mais respeitosas vênias aos entendimentos contrários, divirjo do e. Relator para NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso especial." Por sua vez, o relator originariamente sorteado, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva ao final restou vencido, por entender que o prazo de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença deve ter início a partir do depósito espontâneo praticado pelo executado e destinado a garantia do juízo (ainda que referido ato processual tenha sido praticado dentro dos 15 dias que faculta o pagamento do quntum debeatur): "(...) Assim, a realização do depósito antes do 15º dia para pagamento deverá ser o termo inicial para que o executado impugne o cumprimento de sentença, sob pena de ofender o princípio da celeridade, que tem norteado o CPC/2015. Ademais, a legislação processual vigente prevê, de forma expressa, que o prazo para que o executado apresente a sua impugnação é de 15 (quinze) dias. Dessa forma, não se pode admitir interpretação que confira o prazo de 30 (trinta) dias úteis para apresentação impugnação, exceto quando o executado permanece inerte no período de 15 (quinze) dias previsto no art. 523 do CPC/2015. Apenas nessa situação haveria 15 (quinze) dias previstos no art. 523 do CPC/2015 acrescidos dos 15 (quinze) dias previstos no art. 525 do CPC/2015. Também não se ignora o fato de que o depósito realizado para a garantia do juízo não equivale ao pagamento voluntário a que se refere o art. 523 do CPC/2015. Contudo, é oportuno ressaltar que o executado que comparece aos autos e realiza o depósito judicial demonstra sua intenção de pleitear o efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença que apresentará na sequência, manifestando, de forma inequívoca, que está ciente do prazo para apresentar defesa. Em diversas situações, a jurisprudência desta Corte Superior também tem privilegiado o comparecimento espontâneo da parte para o cômputo de prazos, como se observa dos seguintes precedentes: (...) Desse modo, apenas quando o executado optar por não realizar o pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias previsto no art. 523 do CPC/2015, o termo inicial do prazo para apresentação da impugnação será deflagrado de forma automática, em seguida ao escoamento do prazo para pagamento voluntário. No entanto, quando o depósito for realizado para garantia do juízo, como é o caso dos autos, o cômputo do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a impugnação ao cumprimento de sentença deve ser contado a partir da data do depósito, no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte firmada sob a vigência do CPC/1973. Na espécie, consta do acórdão recorrido que a garantia do juízo, por meio de depósito, foi realizada em 9/5/2016. Logo, o prazo de 15 (quinze) dias úteis para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença teve início em 10/5/2016, encerrando-se em 31/5/2016, motivo pelo qual é intempestiva a impugnação apresentada em 3/6/2016. (...)" Malgrado a divergência instaurada, o julgado acima revela homogeneidade de entendimento ao permitir que, inicialmente o executado apresente a garantia do juízo e, em até 15 (quinze) dias após referido ato processual, seja assegurada a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença (que, no regime do CPC/2015, prescinde de garantia do juízo). Em outras palavras, o executado não obrigado a apresentar a garantia do juízo (essa, como um dos requisitos necessários à obtenção de efeito suspensivo) e impugnação ao cumprimento de sentença por meio da prática de um único ato processual De toda sorte, dado o conteúdo da divergência posta no precedente supra citado, de bom alvitre que (i) quando da apresentação de garantia do juízo, em especial por meio de depósito judicial, o executado esclareça a finalidade de referido ato processual - condição primeira para obtenção de efeito suspensivo em impugnação ao cumprimento de sentença a ser oportunamente apresentada - ao viés de esclarecer que referido depósito se destina a quitação do quantum debeatur. A duas, (ii) de curial importância que a impugnação ao cumprimento de sentença seja apresentada em até 15 (quinze) dias a partir da garantia do juízo, porquanto embora tenha sido entendimento prevalecente no precedente supra citado, no sentido de o prazo de impugnação contar a partir do decurso do prazo para pagamento, materializou-se a divergência em sentido contrário (embora vencida), de que referido prazo contar-se-á a partir da garantia do juízo. Tudo isso, para a hipótese tratada no julgado acima, de que a garantia do juízo se materializou dentro do prazo que inaugura a fase de cumprimento de sentença (15 dias para pagamento do quantum debeatur). __________ 1 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. § 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante. § 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.  2 Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar: I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II - ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV - penhora incorreta ou avaliação errônea; V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença. § 2º A alegação de impedimento ou suspeição observará o disposto nos arts. 146 e 148 . § 3º Aplica-se à impugnação o disposto no art. 229. § 4º Quando o executado alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo. § 5º Na hipótese do § 4º, não apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo, a impugnação será liminarmente rejeitada, se o excesso de execução for o seu único fundamento, ou, se houver outro, a impugnação será processada, mas o juiz não examinará a alegação de excesso de execução. § 6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. § 7º A concessão de efeito suspensivo a que se refere o § 6º não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens § 8º Quando o efeito suspensivo atribuído à impugnação disser respeito apenas a parte do objeto da execução, esta prosseguirá quanto à parte restante. § 9º A concessão de efeito suspensivo à impugnação deduzida por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não impugnaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao impugnante. § 10. Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exequente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando, nos próprios autos, caução suficiente e idônea a ser arbitrada pelo juiz. § 11. As questões relativas a fato superveniente ao término do prazo para apresentação da impugnação, assim como aquelas relativas à validade e à adequação da penhora, da avaliação e dos atos executivos subsequentes, podem ser arguidas por simples petição, tendo o executado, em qualquer dos casos, o prazo de 15 (quinze) dias para formular esta arguição, contado da comprovada ciência do fato ou da intimação do ato.