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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Nos últimos dias muito se discutiu sobre a penhorabilidade dos salários em virtude de recente julgamento proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ)1. De fato, em 19/04/2023, o mais alto órgão julgador do STJ entendeu que poderia ocorrer a penhora de salário, mesmo que menor que 50 salários-mínimos, e para o pagamento de verba não alimentar. O acórdão do referido julgado ainda não está disponível, mas o "site" do Superior Tribunal de Justiça resumiu os principais pontos julgamento2. Segundo o "site": "Os embargos de divergência foram interpostos por um credor contra acórdão da Quarta Turma que indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado - em torno de R$ 8.500. A dívida objeto da execução tem origem em cheques de aproximadamente R$ 110 mil." Para o Ministro Relator "A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família" Portanto, foi autorizada a penhora de salário de montante muito menor do que a autorizada em Lei. Retorna-se ao tema para demonstrar que tal decisão é apenas uma reiteração de entendimento da Corte Especial do STJ exarada em 2018. Desse modo, rememoraremos os principais pontos de artigo escrito para essa coluna em 16/05/20193.  É do nosso ordenamento a total impenhorabilidade dos salários, exceto para o pagamento de prestações alimentícias. O artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 1943 previa que os salários seriam absolutamente impenhoráveis. Já o artigo 833, IV do Código de Processo Civil de 2.015 suprimiu o termo "absolutamente"4 e agora consta que são impenhoráveis: "IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º." O parágrafo § 2º excetua o caso de prestação alimentícia e inova ao possibilitar a penhora de salário superior a 50 salários-mínimos. Nesses sete anos de vigência do Código de Processo Civil, o que se tem visto é a flexibilização de tal dispositivo, permitindo-se a penhora de salários em outras situações não previstas pelo Código de Processo Civil. Como julgado mais importante nesse período podemos citar os Embargos de Divergência nº 1.518.169 da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que assentou, em outubro de 2018, que "4. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes."5  Portanto, há quase cinco anos já existe julgamento da Corte Especial do STJ mitigando a previsão legal quanto a impenhorabilidade dos salários, sendo que o julgado atual apenas reiterou tal entendimento de 2.018.  E nesses dois casos o ponto central da discussão, por mais que se concorde com a flexibilização da penhora de salários6, é que ela é totalmente contrária à lei, quando ocorre em dívidas não alimentícias ou em salários inferiores a 50 salários-mínimos. Se não se concorda com a previsão legal, ou se declara a lei inconstitucional ou se modifica a lei. É preocupante que a jurisprudência passe a interpretar o Código de Processo Civil de uma forma totalmente contrária à expressa previsão legal. E o entendimento pela flexibilização das regras de penhorabilidade de salários é o que vem prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) Criou-se assim, um critério subjetivo que seria a análise de percentual de salário que seria capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Pela expressa previsão do Código de Processo Civil esse valor seria de 50 salários-mínimos e somente o percentual que suplantar esse valor pode ser penhorado. Entretanto, pelo entendimento jurisprudencial, se dez salários forem suficientes para dar guarida à dignidade do devedor, os outros 40 salários poderiam ser penhorados.  Portanto, por mais que esses julgados possam ter feito "justiça" no caso concreto, eles trazem grande insegurança jurídica ao contrariar expressa previsão legal e criam um caráter subjetivo inexistente no CPC. __________ 1 ERESP 1.874.222/DF. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Tal supressão seria determinante para permitir a mitigação da previsão legal, segundo o recente julgado da Corte Especial do STJ. De fato,  para o Relator (Ministro João Otávio de Noronha), o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade" (ERESP 1.874.222/DF). Em que pese o entendimento do E. STJ, salvo melhor juízo, as previsões do artigo 833 do CPC são casos de Impenhorabilidade Absoluta e os casos de Impenhorabilidade Relativa estão previstos no artigo 834 do CPC. 5 Parte da doutrina também defende esse entendimento. Nesse sentido é a posição de Bruno Garcia Redondo: "A nosso ver, portanto, o limite de 50 salários não é absoluto, podendo ser relativizado no caso concreto." (Breves Comentários ao Novo Código de processo Civil / Teresa Arruda Alvim Wambier ...[etal.], coordenadores, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2016).   6 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320).
Em pretérita edição desta coluna1 registramos o quanto decidido pela Corte Especial STJ ao decidir o Tema n. 1076 que, em sede de julgamento de Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que " (i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Precedeu o julgamento do Tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Em outras ocasiões trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154-5-6. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Por fim, o colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16.03.2022, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF.8 Esperava-se que o precedente obrigatório firmado mediante a fixação do Tema Repetitivo n. 1.076 finalmente colocasse um ponto final sobrea questão, ao menos no âmbito do STJ. Todavia, referido tema voltou à baila recentemente, na tentativa da corte cidadã pensar melhor acerca do quanto decidido há pouco mais de um ano atrás quando do julgamento do recurso especial repetitivo, o qual, diga-se de passagem, contou com a participação de inúmeras entidades representativas dos mais variados seguimentos (Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP, Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dentre outros), a expor os mais variados pontos de vista no intuito de defender a aplicação ou não da regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC. E, no recente julgado do recurso especial n. 1.743.330-AM, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA 1076/STJ. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DISTINTA DAQUELAS CONSIDERADAS RELEVANTES NA FORMAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO PELA INJUSTIÇA, DESPROPORCIONALIDADE, IRRAZOABILIDADE, FALTA DE EQUIDADE OU DISSENSO EM RELAÇÃO A PRECEDENTES DE OUTRAS CORTES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES QUE EM TESE JUSTIFICARIAM A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO INOCORRENTE SOB ESSES FUNDAMENTOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1076/STJ QUE DEVERÁ SER APLICADA ATÉ QUE SOBREVENHA EVENTUAL MODIFICAÇÃO DECORRENTE DE SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL OU ATÉ QUE HAJA EVENTUAL SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE NESTA CORTE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SITUAÇÃO DE FATO IRRELEVANTE. CIRCUNSTÂNCIA CONSIDERADA EM RECURSOS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA POR OCASIÃO DA FIXAÇÃO DA TESE RELATIVA AO TEMA 1076/STJ. 1- Embargos de terceiro opostos em 14/06/2017. Recurso especial interposto em 29/03/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa. 3- A distinção que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 4- Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta. 5- O art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários desta Corte se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 6- A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para diferenciar a hipótese em exame em relação ao precedente firmado no julgamento do tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente - e foi considerada - em dois dos recursos representativos da controvérsia (REsp 1.906.623/SP e REsp 1.644.077/PR) e, ainda assim, compreendeu a Corte Especial se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal. 7- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários, ressalvado expressamente o entendimento pessoal da Relatora para o acórdão. (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) O relator inicialmente designado, Ministro Moura Ribeiro, entendeu pelo provimento do recurso especial, ao fundamento, em síntese, de que "(...) o Tribunal amazonense extinguiu o feito, sem resolução de mérito, ao reconhecer a carência da ação, por falta de interesse processual da WAVE, sob o argumento de que não existiria nenhuma constrição judicial e nem sequer ameaça em relação ao imóvel matriculado sob o número 18.849, de sua propriedade. Importante lembrar também que o TJAM arbitrou a verba honorária em 10% do valor dado à demanda, que foi fixado por determinação de ofício em R$ 7.900.000,00 (sete milhões e novecentos mil reais), colhendo então o montante de R$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), sem contar que tal verba, atualizada para os dias atuais já se aproxima da quantia de R$ 2 milhões de reais!(...) ) em prevalecendo o acórdão recorrido, apoiado em uma interpretação literal de precedente desta Corte, a fixação de honorários em tal monta se traduz em imoderação e abusividade, com o devido acatamento, ferindo de morte os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além da cooperação e do bem comum, retratado na paz social." Todavia, referido voto ficou vencido pelo voto divergente inaugurado pela Ministra Nancy Andrighi, o qual foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora: "(...) 20) Antes, contudo, é preciso registrar que, se o presente julgamento tivesse ocorrido antes de dois relevantes momentos históricos desta Corte, não teria absolutamente nenhuma dúvida em acompanhar o voto do e. Relator, por compreender que, de fato, a remuneração do trabalho do patrono não condiz com a atividade por ele desenvolvida. 21) O primeiro desses momentos é o julgamento do REsp 1.746.072/PR, perante a 2ª Seção, cujo acórdão foi publicado no DJe 29/03/2019. Naquela ocasião, esta Corte deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Relembre-se somente que, naquela assentada, fiquei vencida juntamente apenas da e. Ministra Maria Isabel Gallotti e do e. Ministro Marco Buzzi. 22) O segundo momento, obviamente, é o recente julgamento do tema 1076, perante a Corte Especial, cujos acórdãos foram publicados em 31/05/2022, em que aquela sinalização inicial se materializou em forma de um precedente vinculante. Relembre-se que, naquele julgamento, também fiquei vencida, desta feita junto às e. Ministras Maria Isabel Gallotti, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e ao e. Ministro Herman Benjamin. 23) O e. Relator, em seu judicioso voto, propõe seja reconhecida a existência de uma distinção entre o precedente firmado no tema 1076 e a hipótese em exame, de modo que se imporia solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso, em primeiro lugar, verificar exatamente o que se deve compreender como uma distinção apta a diferenciar determinada hipótese do precedente.   24) Quanto ao ponto, leciona Ravi Peixoto: A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação. Muito embora simples na teoria, a utilização da técnica guarda um grande desafio argumentativo, que é o de "demonstrar o quanto os fatos que ensejam a distinção são decisivos disposições normativas". Havendo sucesso na argumentação, o precedente invocado simplesmente será inaplicável ao caso concreto, sendo possível ao magistrado decidir de forma diversa. (...) O desafio é justamente esse, o de categorização dos fatos relevantes e irrelevantes no caso suscitado como precedente e no caso concreto em questão. Isso porque, nem toda particularidade implica na distinção, pois ela pode ser insuficiente para implicar na inaplicabilidade do precedente. Por vezes, mais importante do que os próprios fatos enquanto ocorridos, é a forma como são compreendidos e categorizados, o que dependerá da atividade argumentativa dos sujeitos processuais nos casos posteriores, o que irá delimitar adequadamente o precedente. (...) Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática. (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343). 25) A partir dessas premissas, não há dúvida de que a distinção somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 26) Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta. 27) Sobre o debate a respeito desses aspectos do precedente formado no tema 1076 - desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça - gostaria de ressaltar que, em voto vencido de longas 38 laudas, suscitei todas essas matérias que agora são novamente reavivadas por S. Exa., fundando-me naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito. 28) Todos esses fundamentos, contudo, foram expressamente repelidos pela Corte Especial no julgamento do tema 1076, que, ao fixar as conhecidas teses sobre o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, colocou-nos na posição de fixar honorários no patamar mínimo de 10% sobre valor da causa originário de R$ 7.900.000,00, a ser corrigido desde junho/2017, em embargos de terceiro em que houve apenas uma petição inicial, uma emenda à petição inicial e um agravo de instrumento que extinguiu a ação por falta de interesse processual. 29) Desse modo, é correto dizer que essa situação perdurará, ao menos: (i) se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.850.512/SP, do RE 1.412.074/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.906.618/SP, e do RE 1.412.069/PR, interposto a partir do julgamento do REsp 1.644.077/PR, que foram utilizados, nesta Corte, para a formação do tema 1076; ou (i i) se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 30) A única eventual distinção que realmente diz respeito a fatos proposta no judicioso voto do e. Relator versa sobre a inaplicabilidade do precedente às hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, pois, sustenta S. Exa. que, nesse cenário, a fixação dos honorários deveria ocorrer de modo proporcional à matéria efetivamente apreciada e com razoabilidade. 31) Entretanto, registre-se que esse fato - ações extintas sem resolução de mérito - foi expressamente considerado no precedente, compreendendo a Corte Especial que a tese firmada no julgamento do tema 1076 seria aplicável também nessas hipóteses. 32) Com efeito, na hipótese fática examinada no REsp 1.906.623/SP, um daqueles que serviram de base ao tema 1076, havia sido ajuizada, no ano de 2018, uma execução fiscal no importe originário de R$ 5.771.703,75 (cinco milhões, setecentos e setenta e um mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos), sobrevindo a extinção do processo sem resolução de mérito, em virtude de exceção de pré-executividade, porque a exigibilidade dos tributos estava suspensa em virtude de liminar em mandado de segurança. 33) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa superava R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais, à luz do art. 85, §3º, I a V, e §5º, do CPC/15, superaria R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais). 34) Ainda assim, contudo, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito. 35) Na hipótese fática examinada no REsp 1.644.077/PR, por sua vez, havia sido ajuizada, no ano de 1997, uma execução fiscal no importe de R$ 1.165.746,54 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), sobrevindo a extinção parcial do processo sem resolução de mérito, excluindo-se um dos litisconsortes em função de sua ilegitimidade passiva, também no âmbito de uma exceção de pré-executividade. 36) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa se aproximava de R$ 4.600.000,00 (quatro milhões e seiscentos mil reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da litisconsorte excluída, à luz do art. 85, §3º e §5º, do CPC/15, superaria R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). 37) E, ainda assim, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção parcial do processo sem resolução de mérito apenas pela exclusão de um dos litisconsortes. 38) Dessa forma, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator e compreendendo as razões trazidas por S. Exa., não há que se falar em distinção sob nenhum ângulo que se examine a matéria. 4. DISPOSITIVO Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial ao fundamento de incidência das Súmulas 284/STF e 211/STJ; se porventura superadas as preliminares, NEGO-LHE PROVIMENTO, ressalvando expressamente a minha posição pessoal, mas em obediência à tese firmada no tema 1076, majorando os honorários em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal de 10 para 10,5%." (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) Embora o v. acórdão em comento não dê pista se a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi (e acompanhada pelos demais pares da turma julgadora) diga respeito (i) ao não conhecimento do recurso especial ou (ii) ao subsidiário exame da matéria de fundo, fato é que a Terceira Turma, vencido o Ministro Moura Ribeiro, permaneceu firme em respeitar o quanto decidido quando da formação da tese cristalizada no Tema 1.076. E, respeitado entendimento em sentido contrário, não há como ser diferente. A uma, repita-se que a formação da tese firmada no Tema 1.076 precedeu de amplíssimo debate e participação dos setores representativos da sociedade em seus mais variados seguimentos, cada um propondo sua tese e antítese respectiva, diga-se da passagem para aplicar ou não um comando claro e objetivo previsto no art. 85, § 2º do CPC (o qual de igual sorte foi fruto de amplo debate no Congresso Nacional, seguido de aprovação e vigência do CPC/2015). A duas, o quanto decidido no Tema 1.076 data pouco mais de um ano, sendo indevido, senão inapropriado e sem previsão legal, conferir ao próprio órgão inaugurador de referido tema a oportunidade de, por suas cortes fracionárias, pensar melhor, senão revistar questões amplamente debatidas e superadas quando do julgamento que cristalizou o precedente vinculante. A três, como bem posto pela Ministra Nancy Andrighi, "(...) não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente." A quatro, a razão de ser da técnica de julgamento de recurso especial repetitivo e instrumentos congêneres tem o condão de exatamente conferir (i) segurança jurídica, (ii) previsibilidade das decisões do Poder Judiciário, (iii) isonomia para que o tratamento conferido a dado caso concreto seja o mesmo em caso congênere e (iv) celeridade, porquanto questões já examinadas à exaustão e debatidas pelo Poder Judiciário deverão valer-se de técnicas que confiram resposta jurisdicional mais rápida ao jurisdicionado que se vale do precedente vinculante. Revisitar, num curtíssimo espaço de tempo desde a formação do precedente vinculante, o quanto já debatido e examinado à exaustão quando da formação do Tema repetitivo significa negar sua vigência, senão ignorar todo o trabalho despendido pelo próprio Poder Judiciário, partes envolvidas e interessadas, quando da formação do tema repetitivo. E mais, assim o fazendo abre-se uma porteira para a parte que litiga contrariamente ao tema repetitivo, seguir até o STJ dizendo que seu caso é distinto, a indevidamente suscitar a aplicação da técnica do distinguishing e tornar uma prática de exceção como regra. Consequência de tal situação será a enxurrada de vindouros recursos especiais a baterem a porta do STJ, a congestionar o exame de tais recursos, pautas de julgamento, enfim, uma série de atos processuais cujo desiderato da técnica de julgamento do recurso especial repetitivo e seus impactos seria exatamente o oposto. Daí porque é digno de aplausos o voto vencedor quando inaugurada a divergência pela Ministra Nancy Andrighi: embora publicamente tenha posição contrária a tese firmada no Tema Repetitivo 1.076 (tendo inclusive declarado voto divergente na ocasião do julgamento), defendeu com maestria as razões de distinção ou não do precedente ao caso concreto, curvando-se ao quanto decidido, por maioria de votos, no tocante a matéria de fundo ensejadora do tema repetitivo. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui.
Como se sabe, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil (CPC) atual, houve várias críticas com relação ao seu art. 135 que determina a citação do sócio para manifestar-se sobre a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e requerer a produção de proas que entender cabíveis. A principal crítica sofrida diz respeito ao fato de que o sócio, antes da sua citação, poderia transferir bens do próprio patrimônio para terceiros para frustrar a execução que aconteceria caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado no requerimento de instauração do incidente a que se referem os artigos 133 e seguintes do CPC fosse deferido. Com efeito, a crítica dizia respeito ao fato de que não havia previsão de concessão de tutela de urgência na disciplina conferida ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica inserida na parte do CPC destinada à intervenção de terceiros. Entretanto, tal previsão específica era totalmente desnecessária, uma vez que as tutelas de urgência já estão disciplinadas nos artigos 294 e seguintes do CPC e, caso necessário, podem muito bem ser combinadas e aplicadas em conjunto com os dispositivos relativos ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, o signatário já teve oportunidade de sustentar que: "Então, nos termos do art. 301, do CPC/2015, a tutela provisória fundada na urgência a ser pedida juntamente com a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Nesse caso, se ao final do incidente se decidir que não é hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, o requerente responderá pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causou à parte contrária, nos termos do art. 302, do CPC/2015." (Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi (Coords.). Processo de execução e cumprimento de sentença: temas atuais e controvertidos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, v. 3, livro eletrônico)". Assim, se restar comprovado que existe risco para o resultado útil do processo, ou seja, que o sócio ou a sociedade (se for hipótese de desconsideração inversa) podem dilapidar o patrimônio antes de serem citados para participar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, devidamente comprovados, o pedido de instauração do incidente pode muito bem ser formulado cumulado como pedido de arresto ou seqüestro de bens daquele que será citado para integrar o incidente. Admitindo essa possibilidade, há recente julgado do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: "VOTO Nº 36864 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Arresto cautelar. Possibilidade. Doutrina. Todavia, inexistência de risco ao resultado útil do processo. Exegese do art. 301 do NCPC. Hipótese em que inexiste prova (ou mesmo indício) de que os bens da sociedade requerida estejam sendo dilapidados, como forma de se opor maliciosamente à eventual e futura execução. Precedentes desta C. Câmara. Decisão reformada. Recurso provido".   (TJSP;  Agravo de Instrumento 2165752-24.2022.8.26.0000; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/02/2023; Data de Registro: 08/02/2023, grifos nossos). No caso concreto, não havia riscos para o resultado útil do processo, mas o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu e admitiu a possibilidade de se realizar arresto cautelar quando da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para resguardar o resultado útil do processo e evitar que sócio ou sociedade dilapidem o patrimônio antes que a execução recaia sobre seus bens.
Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual como sendo "o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".  Luiz Guilherme Marinoni2observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."  Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...". Para Fredie Didier Jr.4, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. O tema dos negócios jurídicos processuais já foi enfrentado por três vezes no Superior Tribunal de Justiça, notadamente quanto à aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15") que tratam do assunto. O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656 / RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. Por sua vez, no julgamento do REsp 1810444 / SP versando sobre os limites do artigo 190 do CPC/15, a 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento de que o negócio processual celebrado entre as partes não pode dispor sobre os poderes e deveres do magistrado. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ."  Humberto Theodoro Jr.5já defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. E, no mesmo sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"6. E, mais recentemente, no julgamento do REsp 1924452 / SP, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, prestigiou o instituto do negócio processual típico previsto no artigo 471 do CPC/15, mas consignou que a nomeação consensual de perito apenas é válida se houver efetiva convergência entre as partes:   "RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. PROVA PERICIAL. INDICAÇÃO PELAS PARTES. ART. 471 DO CPC/2015. PERÍCIA CONSENSUAL. COMUM ACORDO. EXIGÊNCIA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 233/2016. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o perito indicado pelo autor, com a recusa do réu, pode realizar a prova pericial determinada pelo juízo. 3. Os peritos são escolhidos entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. 4. Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia. 5. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição. 6. Inexistindo consenso entre os litigantes, o profissional indicado por uma das partes e rejeitado por outra não pode realizar a prova pericial nos autos. 7. A justificativa pautada na ausência de suspeição ou na possibilidade de nomeação de assistente técnico não é suficiente para admitir a perícia consensual sem o prévio acordo entre os sujeitos processuais. 8. Recurso especial provido". O Superior Tribunal de Justiça vem, com os acima referidos julgamentos, prestigiando a figura do negócio processual, e contribuindo para a precisa definição de quais são os requisitos e limites de aplicação deste importante instituto fortalecido com o CPC/15. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 5 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 6 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
O Código de Processo Civil de 2.015 (CPC/2015) alargou o alcance da Produção Antecipada de Prova prevendo uma ação de caráter genérico, autônomo e amplo a possibilitar a coleta antecipada de qualquer tipo de prova. Entretanto, desde logo surgiu controvérsia com a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que prevê que "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário". Parece claro, que tal previsão é contrária ao estabelecido no artigo 5º, § LV, da Constituição Federal, que prevê expressamente que "são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Em artigo publicado, em 16/07/2020, nessa coluna já tive oportunidade de defender a recorribilidade na produção antecipada de provas1. De outro lado, é cristalino que não cabe na produção antecipada de provas a valoração da prova a ser produzida. Também é de se esperar que em grande parte dos casos realmente não se tenha resistência à produção antecipada da prova e nem recursos. Entretanto, podem existir casos em que o interessado citado entenda que a prova requerida seria impertinente, inútil ou desarrazoada2. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Fredie Didier Júnior ao defender que "É certo que o processo de produção antecipada de prova, por restringir-se à produção da prova, é bem simples e, em razão dessa simplicidade, o contraditório realmente não poderia ter a extensão que costuma ter no procedimento comum. Mas daí a dizer, como faz o § 4º do art. 382, que neste procedimento não haverá defesa nem recurso é um salto que o legislador infraconstitucional não poderia dar. Além de revelar incoerência; afinal no mesmo art. 382 há determinação de citação de todos os interessados, até mesmo de ofício. Citação para ser mero expectador do processo é inconcebível; cita-se para que o interessado participe do processo; e a participação no processo dá-se pelo exercício do contraditório, como se sabe. Parece mais razoável compreender o dispositivo de forma não literal. Há, sim, contraditório reduzido, mas não zerado: discute-se o direito à produção da prova, a competência do órgão jurisdicional (se há regras de competência, há possibilidade de o réu discutir a aplicação delas, obviamente; a alegação de incompetência é matéria de defesa), a legitimidade, o interesse, o modo de produção da perícia (nomeação de assistente técnico, possibilidade de impugnação do perito etc.) etc. Não se admite a discussão em torno da valoração da prova e dos efeitos jurídicos dos fatos probandos - isso será objeto de contraditório em outro processo."3 Recentemente o Superior Tribunal de Justiça veio corroborar tal entendimento ao afastar a previsão literal do 382, § 4º, do CPC, que vedaria a apresentação de defesa e recurso na produção antecipada de provas: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão. 2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil. 3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão. 4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas. 5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos. 6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal. 7. Recurso especial provido." (g.n.) (REsp n. 2.037.088/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 13/3/2023.)        Desse modo, em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça consagra o entendimento já predominante na doutrina de que o artigo 382, § 4º, do CPC não pode ser aplicado de modo literal, a fim de impossibilitar a apresentação de defesa e recursos. __________ 1 Disponível aqui. 2 MOLLICA, Rogerio "A Condenação em honorários advocatícios na produção antecipada de provas", in Produção antecipada de provas: questões relevantes e aspectos polêmicos, organização Bruno Augusto Sampaio Fuga, Daniel Colnago Rodrigues e Thiago Caversan Antunes, Londrina: Thoth, 2021. No artigo citado tive a oportunidade de exemplificar duas situações em que deve ser apresentada defesa em face de produção antecipada de prova: "Veja-se o exemplo de duas empresas (A e B), concorrentes e que produzem o mesmo produto. A empresa "A" ajuíza produção antecipada de provas alegando genericamente que a empresa "B" estaria violando patente de seu produto e requerendo a realização antecipada de perícia na fábrica do concorrente para apurar os fatos. A empresa "B" está convicta que não há violação nenhuma e que o concorrente "A" só quer que seu assistente técnico entre na fábrica para verificar como é o processo de produção de "B". Nesse exemplo, a empresa "B" não poderia resistir a tal pretensão da Autora e deveria deixar que seus segredos de produção fossem revelados? Óbvio que parece que não e que a empresa "B" pode e deve resistir para mostrar a impertinência e o real motivo por trás da produção da prova que se pretende produzir antecipadamente. Em outro exemplo o Autor possui título prescrito e requerer a produção antecipada de prova pericial contábil em face do devedor para atestar que o valor constante do título entrou no caixa da empresa. Estando o título prescrito e não podendo mais ser cobrado, não poderia o devedor resistir à produção dessa prova inútil e teria de abrir sua contabilidade para o credor que não pode mais cobrá-lo? Esse parece ser mais um caso que o devedor pode e deve resistir à produção antecipada da prova." (p. 485/486) 3 Produção Antecipada da Prova, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5 - Direito Probatório, coord. Marco Félix Jobim e William Santos Ferreira, 3ª ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 729/730.
O recurso de agravo de instrumento possui hipóteses de cabimento taxativamente previstas no art. 1.015, do CPC. Diante da celeuma instaurada pela doutrina e jurisprudência quanto a admissão do recurso de agravo além das hipóteses previstas no aludido art. 1.015, a Corte Especial do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), decidiu, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 do CPC ao arrolar hipóteses taxativas de cabimento do recurso de agravo de instrumento, em verdade cede espaço à interpretação destinada à taxatividade mitigada: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante de referido paradigma, o qual tivemos a oportunidade de comentar nesta coluna1, já tecemos breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros2 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição3, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência4, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas5, assim como arbitramento de honorários periciais6 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito7 (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução8 (viii) decisões prolatadas em ação de improbidade administrativa9, (ix) decisões interlocutórias que deixam de homologar acordo judicial10, (x) decisões que indeferem a expedição de ofício destinado a exibição de documentos11 e, por fim, (xi) o cabimento da interposição direta de recurso de agravo contra a decisão que defere pedido de penhora (em detrimento as matérias dedutíveis por meio de impugnação ao cumprimento de sentença - art. 525, § 11º, do CPC)12 . Todavia, taxatividade mitigada não há de ser confundida com erro grosseiro, mercê nas hipóteses em que a jurisprudência entende pelo cabimento do recurso de agravo, ao prisma de exame da natureza jurídica da decisão (decisão interlocutória ou decisão que põe fim ao processo), em detrimento da interposição de recurso de apelação. Nesse contexto decidiu o STJ ao afastar o cabimento de recurso de apelação tirado contra a decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação ao cumprimento de sentença: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. REAJUSTE DE 28,86%. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. SERVIDOR VÍNCULADO A AUTARQUIA OU FUNDAÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ACOLHIMENTO PARCIAL. RECURSO CABÍVEL. DECISÃO QUE NÃO EXTINGUIU A EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. I - Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC." II - Na origem, o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado da Bahia - SINTSEF/BA apresentou pedido de cumprimento de sentença, referente à título judicial decorrente de Ação Civil Pública, na qual reconheceu o direito de servidores públicos federais, civis, aposentados e pensionistas dos Poderes da União, das Autarquias e Fundações Públicas federais, no Estado da Bahia, à incorporação em seus proventos do reajuste no percentual de 28,86% (vinte e oito vírgula oitenta e seis por cento). III - A União, em 07/04/2016, apresentou impugnação a cumprimento de sentença, objetivando a extinção do feito sem resolução de mérito quanto aos substituídos do Sindicato exequente que integram a Administração Indireta e que não apresentam vinculação direta com a União, com como o reconhecimento de excesso de execução no valor de R$ 696.338,98 (seiscentos e noventa e seis mil, trezentos e trinta e oito reais e noventa e oito centavos). IV - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, sob a égide do Novo Código de Processo Civil, a apelação é o recurso cabível contra decisão que acolhe impugnação do cumprimento de sentença e extingue a execução. Ainda, o agravo de instrumento é o recurso cabível contra as decisões que acolhem parcialmente a impugnação ou lhe negam provimento, por não acarretarem a extinção da fase executiva em andamento, portanto, com natureza jurídica de decisão interlocutória. A inobservância desta sistemática caracteriza erro grosseiro, vedada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, cabível apenas na hipótese de dúvida objetiva. V - Na hipótese, verifica-se que a decisão ora apelada reconheceu a ilegitimidade da União em relação aos exequentes que tenham vínculo com autarquia ou fundação pública, contudo determinou o prosseguimento da execução. Assim, considerando que não há extinção da execução, o recurso cabível seria o Agravo de Instrumento, o que inviabiliza a aplicação do princípio da fungibilidade. VI - Recurso especial provido para reformar o acórdão ora recorrido e não conhecer a apelação interposta pelo Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado da Bahia - SINTSEF/BA, mantendo hígida as decisões de fls. 405-420 e 441-446." (STJ, REsp n. 1.947.309 - BA (2021/0206660-0, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, v.u., j. 07.02.2023, grifou-se) Em síntese, concluiu o STJ que a decisão que julga o cumprimento sentença a priori é impugnada via recurso de agravo de instrumento. Diz-se a priori, porquanto para o respectivo cabimento é necessário concorrer as circunstâncias (i) do cumprimento de sentença, uma vez acolhido, (ii) não extinguir a execução (a exemplo do acolhimento das matérias de ilegitimidade de um dos litisconsortes ativos, excesso de execução, penhora indevida ou avaliação errônea etc.). Tal leitura em verdade se encontra em consonância com a redação do parágrafo único do art. 1.015 do CPC, ao dispor que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário." (grifou-se). Malgrado a redação supra citada, nos parece que o exame mais seguro quanto ao cabimento do recurso de agravo ou de apelação não está adstrito ao nome da decisão impugnada ser "rotulada" de "decisão interlocutória" ou "sentença" (tal como previsto no parágrafo único do art. 1.015 do CPC), mas sim ao conteúdo do que foi decidido. Tome-se como exemplo a decisão que decide exceção de pré-executividade: muito embora referida decisão venha ser rotulada de sentença, o não acolhimento da exceção de pré-executividade implica no prosseguimento do processo e, portanto impugnável via agravo de instrumento. De outra banda, a decisão que decide (i) pelo acolhimento de referida defesa, (ii) com a determinação de extinção da execução ou cumprimento de sentença necessariamente será impugnada por meio da interposição de recurso de apelação. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 3 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 4 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos Especiais n. 1.707.066 e 1.717.213.    5 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2187603-32.2016.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.12.2016. 6 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2240960-87.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 3.4.2018.  7 Disponível aqui.  8 Disponível aqui. STJ, REsp n. 1682120/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.3.2019. Em verdade, referido entendimento emerge da literal redação do art. 1.015, parágrafo único, do CPC. 9 Disponível aqui. STJ, Resp n. 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 4.5.2021. 10 Disponível aqui. Resp n. 1817205/SC, Primeira Turma. Min. Gurgel de Faria, v.u., j. 05.10.2021. 11 Disponível aqui. 12 Disponível aqui.
Como se sabe, o art. 839, do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que "considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia". A leitura isolada deste dispositivo pode levar o leitor mais desatento a acreditar que para a realização de qualquer penhora seria necessária a apreensão e o depósito do bem objeto da constrição. Entretanto, o § 1º do art. 845 do CPC dispõe que "a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos". Em outras palavras, se o objeto da penhora for um imóvel ou um veículo automotor não depende da localização ou apreensão do bem, mas sim da apresentação da certidão da matrícula, no primeiro caso, ou da apresentação de certidão que ateste a existência do veículo, no segundo caso. Assim, caso seja apresentada a certidão da matrícula o imóvel ou a certidão que comprove a existência do veículo automotor, a penhora de tais bens pode ser feita por termo nos autos do processo. O bem será considerado penhorado no momento em que for lavrado o termo de penhora nos autos, independentemente de ele ter sido encontrado ou não. Basta ter a certeza de sua existência comprovada mediante a apresentação da respectiva certidão (CPC, art. 845, § 1º). Nesse sentido é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado recente assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 845, § 1º, DO CPC/15. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO DE EXISTÊNCIA. PENHORA POR TERMO NOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE LOCALIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA EFETUAR A CONSTRIÇÃO. EFEITOS PROCESSUAIS DA PENHORA IMEDIATOS. PREFERÊNCIA. SATISFAÇÃO DO EXEQUENTE. PREQUESTIONAMENTO. DEMAIS DISPOSITIVOS. NÃO VERIFICADO. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 14/10/1998, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 4/2/2020 e concluso ao gabinete em 22/8/2022. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a lavratura do termo de penhora de veículo automotor deve ser condicionada à sua localização, ainda que apresentada certidão de sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15. 3. Dispõe o art. 839 do CPC/15 que a penhora considerar-se-á feita mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. A regra, portanto, é que a penhora se concretiza por meio dos atos de individualização e apreensão do bem que, posteriormente, será depositado. 4. Não obstante, o Código de Processo Civil apresenta exceções à necessária apreensão do bem para a formalização da penhora: é o que prevê o CPC/15 acerca da penhora de dinheiro (art. 854), de bem imóvel e de veículo automotor (art. 845, §1º). 5. Por força do art. 845, §1º, do CPC/15, independentemente do local em que estiverem situados os bens, a penhora será realizada por termo nos autos quando se tratar de veículo automotor e for apresentada certidão que ateste a sua existência. 6. Quando requerida a penhora de veículo automotor por interesse do exequente, dispensa-se a efetiva localização do bem para a lavratura do termo de penhora nos autos, bastando, para tanto, que seja apresentada certidão que ateste a sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15. 7. Entendimento que privilegia os princípios da efetividade e da razoável duração do processo, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como assegura a produção imediata dos efeitos processuais decorrentes da penhora, como a garantia do direito de preferência (art. 797, caput, CPC/15), e reduz os riscos de ocultação de bens quando verificado hiato entre a lavratura do termo nos autos, a apreensão e a posterior entrega ao depositário. 8. Hipótese em que o acórdão recorrido condicionou a penhora de veículo automotor dos recorridos/executados à localização do referido bem, sob o fundamento de que a penhora de bens móveis pressupõe a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para afastar a localização do veículo automotor como requisito indispensável à penhora, desde que sejam apresentadas as certidões do bem, na forma do art. 845, §1º, do CPC/15. (REsp n. 2.016.739/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1/12/2022.)" No caso concreto, como se pode perceber da ementa, o juízo da execução havia condicionado a penhora de veículo automotor do executado à localização do referido bem, alegando que a penhora de bens móveis teria como pressuposto a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário. Porém, não é isso que o § 1º do art. 845 estabelece para veículos automotores. Basta comprovar a sua existência para que o automóvel seja passível de penhora mediante a lavratura de termo nos autos do processo. Dessa maneira, fica garantido o direito de preferência do exequente caso seja realizada outra penhora posteriormente por outro credor (CPC, art. 797, caput) e também fica desincentivada a ocultação do veículo automotor por parte do executado (que já terá o bem penhorado, com restrições devidamente anotadas em seu registro público).
O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil e foi objeto do julgamento da ADI n. 5941 no STF, em cujos autos a PGR já havia posicionado no sentido de que o artigo 139, IV, do CPC/15, deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. Vale lembrar que Teresa Arruda Alvim1enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell2, ainda, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". O próprio STF já havia sinalizado, em julgamentos de HCs, para a enorme importância sobre a compreensão dos limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. Em 04/12/2020, em decisão proferida no HC 192.127/SC, o relator Ministro Edson Fachin julgou no sentido de que: "Não tenho dúvidas de afirmar que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias. No caso dos autos, a suspensão da carteira nacional de habilitação e apreensão do passaporte da paciente, como medidas de fazer cumprir decisão judicial, tomadas no âmbito de processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas, devem ser afastadas. A desproporcionalidade da utilização de medidas executivas atípicas pelos juízes com a intenção de forçar o executado a cumprir decisão judicial, apresenta-se evidente, considerando que a imposição de medidas restritivas de direitos fundamentais, para compelir à execução de dívidas pecuniárias, não se revela, como revela o caso dos autos, compatível com a Constituição da República de 1988".  Por sua vez, em 08/06/2021, ao apreciar o HC 199.767/ DF, o relator Ministro Ricardo Lewandowski julgou no sentido de que: "A custódia do passaporte e da CNH, embora limite a possibilidade de o paciente realizar viagens internacionais e de dirigir veículo automotor, não restringe, necessariamente, sua liberdade de ir e vir". No julgamento ocorrido em fevereiro desse ano, quanto à ADI n. 5941, em controle concentrado de constitucionalidade, o STF, nos termos do voto do Min. Relator Luiz Fux, proclamou: "constitucional dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade (...). Ao votar pela improcedência do pedido, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. Ele destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso"3. É bem de ver, portanto, que os princípios dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15 ficaram muito bem ressalvados pelo STF, tendo a corte suprema se limitado a dizer que a redação do artigo 139, IV, do CPC/15 é constitucional, mas sendo ressalvada a importância do controle concreto de sua aplicação em cada situação jurisdicional, preservando-se sempre os princípios processuais e constitucionais insculpidos nos artigos acima referidos. Por isso, torna-se relevante a posição que o STJ adotará no julgamento do Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos, no qual a Segunda Seção definirá os limites e requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, verificando se "é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". O STJ, nesse julgamento, possivelmente detalhará melhor quais são os requisitos para a aplicação concreta das medidas do artigo 139, IV, do CPC/15. Como sabemos, a questão já vem sendo enfrentada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, merecendo destaque o julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio". De forma similar, ressalta-se o julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o Ministro Moura Ribeiro: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes." Em 23/04/2019, na apreciação do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios  de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da  hipótese concreta, com observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." Nesse contexto, o julgamento da ADI n. 5941, muito ao contrário do que vem sendo genericamente ventilado, se limitou a proclamar constitucional a redação do artigo 139, IV, do CPC/15, tendo-se expressamente ressalvado que sua aplicação, em cada caso concreto, deve observar os princípios processuais e constitucionais dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15; o que aumenta a responsabilidade do julgamento que ocorrerá no STJ quanto ao tema 1137, relacionado ao Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28. 3 Disponível aqui.
É notório que o grande gargalo do processo civil é a efetiva satisfação do credor. O enorme número de processos de execução em tramitação e de cumprimentos de sentença em aberto evidenciam o problema na localização de devedores e bens aptos a satisfazerem créditos cobrados judicialmente. A grande frustação que ocorre no jurisdicionado é se sagrar vencedor em uma demanda judicial e não receber o bem da vida buscado no Judiciário1. Isso pode se dar por vários motivos, sendo os dois principais, a efetiva ausência de meios para o devedor efetuar o pagamento ou a ocultação de bens para se furtar ao pagamento devido. No primeiro caso, com a ausência total de meios para efetuar o pagamento não há muito a ser feito, pois o Judiciário não poderá criar bens e a legislação não poderá prever mecanismos para recuperar bens que não existem. Por outro lado, temos muitos endividados, que aparentam possuir riqueza e que ostentam uma excelente qualidade de vida, mesmo sem possuírem renda ou bens. São os "devedores profissionais", que ocultam bens em nome de pessoas interpostas ("laranjas").       Para esse último caso, o Código de Processo Civil de 2015 previu a possibilidade do juiz aplicar medidas executivas atípicas para tentar obter o pagamento. A previsão consta do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo se popularizou rapidamente, principalmente pelas determinações de retenções de passaportes, carteiras de motorista e cartões bancários de devedores. Entretanto, os Tribunais sempre foram reticentes à aplicação de tal mecanismo2. O Superior Tribunal de Justiça após avanços e retrocessos em relação à matéria acabou entendendo que "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."3 Parece claro que a aplicação ou não das medidas executivas atípicas depende da análise de cada caso específico.4 Entretanto, sem dúvida é uma excelente ferramenta e que se bem aplicada pode ser muito útil para que se tenha verdadeira efetividade no processo com a satisfação dos credores. Todavia, ainda faltava o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o referido dispositivo, que foi questionado pelo Partido dos Trabalhadores nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941. Desse modo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, em julgamento encerrado em 09/02/2023, a seguinte tese, proposta pelo Ministro Luiz Fux, relator do caso: "Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da pessoa humana". Portanto, é de se esperar que o recente julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal seja indutor da maior utilização das medidas executivas atípicas para aqueles casos em que sabidamente o devedor oculta bens e posterga deliberadamente a satisfação de suais obrigações. __________ 1 Para o Professor Olavo de Oliveira Neto: "Qualquer sistema de realização da tutela executiva que pretenda atender a exigência de Acesso à Justiça deve tender a completude, prevendo ou pelo menos permitindo, de modo generalizado, o emprego de meios aptos a efetivar a satisfação de prestações que não foram espontaneamente adimplidas, no menor espaço de tempo e com a prática de um mínimo necessário de atividade processual." (O Poder Geral de Coerção, São Paulo: RT, 2019, p. 316). 2 O Professor e Juiz Estadual em São Paulo Fernando da Fonseca Gajardoni conduziu interessante pesquisa que apurou que "(...) a quantidade de indeferimentos continua representando uma porcentagem substancialmente maior que a de deferimentos. No primeiro período em debate (janeiro a junho de 2017), a taxa de rejeição dos pedidos de aplicação das medidas atípicas foi de 89,79%, uma vez que entre 137 acórdãos, 123 foram indeferidos, e a porcentagem de decisões que acolheram algumas das medidas foi de 10,21%, sendo apenas 14 de 137 decisões. "GAJARDONI, Fernando da Fonseca; PEREIRA, Augusto Martins. Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJSP. In: MARCATO, Ana; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; DELLORE, Luiz; BARIONI, Rodrigo; MOLLICA, Rogerio; AMENDOEIRA JR., Sidnei; FERREIRA, William Santos. Reflexões sobre o CPC/15 . São Paulo: Verbatim, 2018. p. 287 a 302. 3 (REsp n. 1.788.950/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 26/4/2019). Sobre os requisitos exigidos pelo STJ para a aplicação do 139, IV, do CPC vide artigo publicado, em 12/05/2022, nessa coluna e de autoria do Professor Elias Marques de Medeiros.  4 "Acompanhando tal posicionamento, o STJ vem demonstrando que somente a análise do caso concreto poderá determinar a validade e a observância dos preceitos processuais fundamentais na utilização de medidas atípicas, não cabendo aos tribunais superiores limitar ou regulamentar tal questão." (Danilo Scramin Alves e Rogerio Mollica, "Considerações acerca das medidas executivas atípicas do CPC/2015 e sua incidência na jurisprudência dos tribunais superiores", in Revista de Processo nº 311/2021).
Em se tratando de execução fiscal, caso o juiz reconheça a prescrição no curso do processo por ausência de localização de bens penhoráveis, sem encontrar resistência da Exequente, não caberá a condenação desta última ao pagamento de honorários advocatícios  a título de verba de sucumbência a favor a Executada. Nesse sentido, assim decidiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTINTA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA POR PARTE DA EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ pacificou a orientação de que a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente que não resistiu ao pedido de extinção da execução fiscal. No mesmo sentido: AgInt no AgInt nos EDcl no REsp 1.849.431/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1a.Turma, DJe 17/03/2021; e AgInt no REsp 1.892.578/CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, 2a. Turma, DJe 06/04/2021). 2. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.834.263/RS, rel. Min. Manoel Erhardt, desembargador convocado do TRF-5, Primeira Turma, julgado em 7/6/2021, DJe de 11/6/2021.)". Embora louvável o entendimento do STJ acima transcrito, é preciso tomar cuidado para não se fazer generalizações. O processo cuja ementa está acima reproduzida possui algumas peculiaridades que devem ser consideradas para se aplicar o mesmo entendimento em outras hipóteses. Em primeiro lugar, é preciso observar que se trata de uma "execução fiscal", regulada pela lei 6.830/1980 (LEF), cujo art. 40, § 4º, dispõe sobre o reconhecimento da "prescrição intercorrente". Ou seja, o juiz suspenderá a execução por um ano enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Durante um ano não correrá a prescrição. Depois de um ano, caso não localizado o devedor ou bens passíveis de penhora, os autos serão remetidos ao arquivo e começará a ser contado o prazo prescricional. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Além de ser uma execução fiscal, portanto, o processo tem que ter sido arquivado pela não localização de bens passíveis de penhora e a Fazenda Pública (Exequente) tem que ser ouvida antes de formalmente reconhecida a prescrição pelo juiz. E mais, para se aplicar o entendimento do STJ acima transcrito, a Fazenda Pública obrigatoriamente não deve ter apresentado qualquer contrariedade à extinção do processo de execução fiscal em razão da ocorrência da prescrição. Em suma, o processo deve: (i) ser de execução fiscal; (ii) estar suspenso pela não localização de bens da Executada na forma do art. 40, § 4º da LEF; (iii) não ter qualquer manifestação de contrariedade por parte da Exequente. Trata-se da aplicação do princípio da causalidade. A Executada deu causa ao ajuizamento da execução fiscal, pois não pagou o tributo. E não foi a Exequente que deu causa a extinção do processo, mas sim a ausência de bens da Executada. Como a Exequente não causou a extinção do processo e não foi ela quem inadimpliu a obrigação de pagar o tributo, mas sim a parte contrária, faz sentido que ela não seja condenada ao pagamento de honorários advocatícios para a parte contrária. Por isso, a decisão do STJ acima mencionada é digna de aplausos, mas não pode ser generalizada para outras espécies de execução e para outros casos de suspensão do processo diferentes dos mencionados anteriormente.
Ao decidir o Recurso Especial Repetitivo n. 1.3848.640/RS aos 07.05.2014, a Corte Especial do STJ fixou o entendimento, por maioria de votos, de que "na fase de execução o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". Referido julgamento, sob a ótica do então art. 543-C do CPC/73 (equivalente art. 1036 e seguintes, do CPC/2015, restou fundamentado, em síntese: "A questão jurídica sujeita à presente afetação, responsabilidade do devedor pelo pagamento de juros de mora e correção monetária sobre os valores depositados em juízo na fase de execução, foi exaustivamente debatida por esta Corte Superior, tendo-se firmado entendimento no sentido da responsabilidade da instituição financeira depositária, não do devedor, pela remuneração do depósito judicial, conforme se verifica nos seguintes julgados: (...) Sobre o tema da remuneração dos depósitos judiciais, houve inclusive a edição de duas súmulas, embora restritas à questão da correção monetária. Confira-se: Súmula 179/STJ - O estabelecimento de credito que recebe dinheiro, em deposito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos. Súmula 271/STJ - A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário. Não obstante a pacificação da jurisprudência desta Corte Superior, identificou-se no Núcleo de Recursos Repetitivos - NURER/STJ a subida de uma multiplicidade de recursos especiais referentes essa mesma controvérsia, principalmente nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, uma das demandas de massa com maior número de recursos nesta Corte. Tornou-se necessário, portanto, afetar a matéria ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, para impedir a subida em massa de recursos. A tese que se pretende consolidar segue, essencialmente, a linha do entendimento já firmado por esta Corte, nos precedentes supracitados, sugerindo-se a redação, conforme a proposta feita pelo eminente Ministro Ari Parglender, em seu voto, nos seguintes termos: Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Na redação ora proposta, optou-se por limitar a tese à fase de execução, pois, na fase de conhecimento, o devedor somente é liberado dos encargos da mora se o credor aceitar o depósito parcial. É o que se depreende do disposto no art. 314 do Código Civil, abaixo transcrito: Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. (...)" (STJ, Corte Especial, Resp n. 1.348.640/RS, Corte Especial, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 07.04.2014, grifou-se) Tal como definido em 2014 pela Corte Especial, o depósito judicial,  realizado pelo devedor interrompe a incidência de juros moratórios e atualização monetária e o libera da obrigação de pagamento. Referido entendimento não chegou a se sustentar por uma década. Emergiu a proposta de revisão do entendimento supra citado por força da afetação do Recurso Especial n. 1.820.963/SP, destinada a melhor análise do Tema Repetitivo n. 677, o qual passou a abordar a seguinte questão submetida para julgamento: "Proposta de revisão da tese firmada pela Segunda Seção no REsp 1.348.640/RS, relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para definição de: se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor." (grifou-se) Por força da afetação, sob o rito do art. 1036 e seguintes do CPC atual, o STJ reexaminou a mesma questão, desta feita sob o prisma dos recursos depositados em juízo terem o condão de (i) autorizar o imediato levantamento pelo credor (hipótese de nítido interesse do devedor em quitar o pagamento da dívida, à exemplo do parcelamento previsto no art. 916 do CPC ou do depósito em juízo destinado ao pagamento da dívida, art. 904, I, do CPC) ou (ii) por qualquer outra razão, há resistência do devedor em impedir aludido levantamento (por vezes quando o depósito espontâneo é utilizado como condição de obtenção do efeito suspensivo aos embargos do devedor - art. 919, § 1º ou quando referido depósito decorre do cumprimento de ordem de penhora online e que o devedor ainda será intimado para apresentação de eventual defesa contra referido ato de constrição patrimonial). E, no reexame do Tema n. 677 levado à efeito aos 19/10/2022, por votação unânime, proclamou novo enunciado quanto a questão: "Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial." O v. acórdão da Corte Especial restou disponibilizado recentemente, mediante a ementa a saber: "DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 677/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. DEPÓSITO JUDICIAL. ENCARGOS MORATÓRIOS PREVISTOS NO TÍTULO EXECUTIVO. INCIDÊNCIA ATÉ A EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DA QUANTIA EM FAVOR DO CREDOR. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. NATUREZA E FINALIDADE DISTINTAS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DOS JUROS MORATÓRIOS. NOVA REDAÇÃO DO ENUNCIADO DO TEMA 677/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de ação de indenização, em fase de cumprimento de sentença, no bojo do qual houve a penhora online de ativos financeiros pertencentes ao devedor, posteriormente transferidos a conta bancária vinculada ao juízo da execução. 2. O propósito do recurso especial é dizer se o depósito judicial em garantia do Juízo libera o devedor do pagamento dos encargos moratórios previstos no título executivo, ante o dever da instituição financeira depositária de arcar com correção monetária e juros remuneratórios sobre a quantia depositada. 3. Em questão de ordem, a Corte Especial do STJ acolheu proposta de instauração, nos presentes autos, de procedimento de revisão do entendimento firmado no Tema 677/STJ, haja vista a existência de divergência interna no âmbito do Tribunal quanto à interpretação e alcance da tese, assim redigida: "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". 4. Nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempos devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado. A mora persiste até que seja purgada pelo devedor, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/02). 5. A purga da mora, na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento voluntário desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade. 6. No plano processual, o Código de Processo Civil de 2015, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, é expresso no sentido de que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos termos do art. 904, I, do CPC. 7. Ainda, o CPC expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores (art. 906). 8. Dessa maneira, considerando que o depósito judicial em garantia do Juízo - seja efetuado por iniciativa do devedor, seja decorrente de penhora de ativos financeiros - não implica imediata entrega do dinheiro ao credor, tampouco enseja quitação, não se opera a cessação da mora do devedor. Consequentemente, contra ele continuarão a correr os encargos previstos no título executivo, até que haja efetiva liberação em favor do credor. 9. No momento imediatamente anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, deve ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. 10. Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. 11. O Tema 677/STJ passa a ter a seguinte redação: "na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial". 12. Hipótese concreta dos autos em que o montante devido deve ser calculado com a incidência dos juros de mora previstos na sentença transitada em julgado, até o efetivo pagamento da credora, deduzido o saldo do depósito judicial e seus acréscimos pagos pelo Banco depositário. 13. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Corte Especial, REsp n. 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 19.10.2022, grifou-se) O voto condutor asseverou, em síntese: "(...) 4. Destarte, em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação. Houve, é verdade, a transcrição, no bojo do voto, de ementas de dois julgados a respeito da questão (REsp's n. 783.596/RJ e n. 1.107.447/PR), porém sem o enfrentamento dos fundamentos relevantes acerca da tese. 5. Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso  representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o "pagamento" da "garantia do juízo", para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/73 (art. 523 do CPC/15). (...) 7. Foi em tal contexto, assim, que a e. Terceira Turma, em precedente de agosto/2016, culminou por relativizar a tese firmada no Tema 677, fixando a orientação de que "o depósito judicial apenas extingue a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada, mas não o libera dos consectários próprios de sua obrigação. Assim, quando do efetivo pagamento, os valores depositados com os acréscimos pagos pela instituição bancária devem ser deduzidos do montante da condenação calculado na forma do título judicial ou extrajudicial" (REsp 1.475.859/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 25/08/2016). (...) 14. Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. 15. Deveras, se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito. 16. Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora (v.g. comissão de permanência), até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores. 17. Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. 18. Por oportuno, convém esclarecer que não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação. (...) 22. Assim, em suma, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi. (...) 26. Nesses termos, a conclusão do presente julgamento não pode ser outra senão aquela que fora adotada pela Terceira Turma no REsp 1.475.859/RJ, no sentido de que o depósito judicial efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não libera o devedor dos consectários próprios de sua mora, devendo-se, quando do efetivo pagamento ao credor, deduzir do montante calculado na forma do título judicial ou extrajudicial o valor depositado judicialmente e acrescido da correção monetária e juros pagos pela instituição financeira depositária. 27. Na mesma linha de intelecção, cita-se, por oportuno, os seguintes julgados: AgInt no REsp 1.629.206/PR, 3ª Turma, DJe 21/02/2019; AgInt no AgInt no AREsp 1.687.672/SP, 3ª Turma, DJe 11/12/2020; (AgInt no AgInt no REsp 1.404.012/PR, 4ª Turma, DJe 13/02/2019; AgInt no AREsp 268.431/RS, 4ª Turma, DJe 22/05/2019; AgInt no AREsp 348.446/SP, 4ª Turma, DJe 03/09/2019; AgInt no AREsp 688.982/RS, 4ª Turma, DJe 19/12/2019. (...)" Na linha do quanto decidido por maioria de votos1, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros (iii) não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora previstos no título executivo (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor. Sobre o quantum debeatur atualizado, (iv) há de abater-se os valores depositados (acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária). Por fim, a Corte Especial determinou a modulação dos efeitos do julgado oram em comento, para que a superação da Tese n. 677/STJ tenha eficácia a) para depósitos realizados após a publicação de referida decisão, b) para depósitos anteriores em que tenha sido inaugurado o debate sobre a permanência da responsabilidade do devedor pelos consectários da mora e, c) retroativamente até o início da vigência do CPC/2015. Na medida em que boa parte das dívidas é composta de juros e atualização monetária, o precedente supra citado terá impacto significativo no campo da execução de título extrajudicial (e igualmente na fase de cumprimento de sentença). Frente ao entendimento acima, caberá ao credor apresentar o quantum debeatur, a ser abatido dos valores depositados em juízo, a demandar a expedição de ofício à instituição financeira depositária com vistas a aferir o valor depositado, acrescido de juros remuneratórios. Sobre referida diferença penderá a cobrança de novos valores. De outra banda, ficará a cargo do devedor, sempre que realizar o depósito judicial, informar se referido depósito terá o condão de pagar (ainda que parcialmente) o credor, hipótese que caracteriza o animus solvendi e, na linha do entendimento acima, o isenta dos consectários da mora a partir do aludido depósito. Por sua vez, na hipótese de referido depósito materializar-se a título de garantia necessária a obtenção de efeito suspensivo em embargos do devedor ou cumprimento de sentença, é certo que sendo julgados improcedentes os embargos à execução e transitada em julgado aludida decisão, caberá ao devedor informar em juízo a possibilidade do credor requerer o levantamento de tais valores, ato processual esse que, interpretado como depósito "disponível o levantamento ao credor" evitará a incidência de encargos da mora a partir de então, porquanto manifesto o animus solvendi. __________ 1 É certo que sobreveio voto divergente, encabeçado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado pelos Ministros Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, e Francisco Falcão, no sentido de manter a antiga redação do Tema 677. Todavia, o entendimento então defendido restou superado pela maioria dos demais pares integrantes da Corte Especial, maioria esta encabeçada pelo voto condutor da Ministra Nancy Andrighi, tendo acompanhado a ministra relatora os Ministros Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes e Benedito Gonçalves.
O relevante artigo 357 do CPC/15 cuida do saneamento e da organização do processo, sendo que é nesse momento que o magistrado: (i) resolverá as questões processuais pendentes, se houver; (ii) delimitará as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; (iii) definirá a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 do CPC/15; (iv) delimitará as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (v) designará, se necessário, audiência de instrução e julgamento. Como lembra Cássio Scarpinella Bueno1, "o principal objetivo do art. 357, assim, é o de, reconhecendo que o processo está isento de nulidades - porque as eventualmente ocorrentes foram sanadas - ou de criar condições para que eventuais vícios o sejam, prepará-lo para fase instrutória, após o que será proferida a sentença". Humberto Theodoro Júnior2, por sua vez, salienta que "a decisão de saneamento e organização do processo pode ser havida como uma decisão interlocutória que contém a múltipla declaração positiva de: (i) admissibilidade do direito de ação, por concorrerem as condições da ação, sem as quais não se legitima o julgamento do mérito; (ii) validade do processo, por concorrerem todos os pressupostos e requisitos necessários à formação e desenvolvimento válido da relação processual, e se acharem resolvidas as questões processuais ainda pendentes; (iii) delimitação dos fatos a provar, com especificação dos meios de prova pertinentes; (iv) definição da distribuição do ônus da prova; (v) delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (vi) deferimento de prova oral ou pericial, com designação da audiência de instrução e julgamento". O parágrafo primeiro do mesmo artigo 357 do CPC/15 aponta que: "§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável". O dispositivo cuida da possibilidade de as partes, e eventuais terceiros, pedirem esclarecimentos quanto aos pontos da decisão de saneamento proferida, sendo uma grande demonstração do modelo cooperativo de processo civil, tão bem delineado no princípio estruturante moldado no artigo 6 do CPC/153. Cássio Scarpinella Bueno4 lembra que esse pedido de esclarecimentos não se confunde com o recurso de embargos de declaração, sendo importante entender essa modalidade de pleito "como elemento cooperativo com vistas a uma prestação jurisdicional ótima, inclusive na perspectiva procedimental e não como recurso. Até porque pode ocorrer, em sentido diametralmente oposto, que não haja, na decisão, nenhum autorizativo para os declaratórios e, mesmo assim, ela precisar ser esclarecida e/ou ajustada para tornar a mais eficiente possível a fase instrutória do processo".   Havendo matéria impugnável por agravo de instrumento e objeto da decisão de saneamento/organização do processo, surge interessante dúvida sobre o momento de interposição do recurso de agravo; notadamente considerando que a redação do parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15 não prevê que o pedido de esclarecimentos teria o mesmo efeito interruptivo dos embargos de declaração (art. 1026 do CPC/15). Daí a relevância do julgamento, no STJ, do REsp 1703571, ocorrido em novembro de 2022, tendo sido relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira; julgamento este em que: "A Quarta Turma do STJ, por maioria, definiu que, havendo o pedido de esclarecimentos ou de ajustes previsto no artigo 357, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), o prazo para interposição de agravo de instrumento somente se inicia quando estabilizada a decisão de saneamento, ou seja, após a deliberação do juiz quanto ao requerimento; caso não haja o pedido, o prazo recursal começa após os cinco dias mencionados no dispositivo. Segundo o colegiado, a falta de um entendimento uniforme sobre o tema nas instâncias de origem vem causando insegurança jurídica e prejuízo aos litigantes, que, recorrentemente, não têm o recurso de agravo conhecido por intempestividade"5. Ou seja, para a quarta turma do STJ, o prazo para a interposição do agravo de instrumento contra a decisão de saneamento e organização do processo começa a fluir após a intimação das partes quanto à ulterior decisão referente ao pedido de esclarecimentos de que trata o parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15. Caso as partes não venham a apresentar pedido de esclarecimentos, o prazo recursal para a interposição do agravo de instrumento começa após os cinco dias mencionados no parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15. Não há dúvidas de que a posição do STJ demonstra uma busca de segurança jurídica para a contagem dos prazos recursais relativos ao artigo 357 do CPC/15. Mas, vale lembrar, que a matéria ainda não está pacificada, de modo que ainda se mostra prudente o manejo do recurso de embargos de declaração diante da decisão do artigo 357 do CPC/15, caso os respectivos requisitos estejam preenchidos, para fins de segura interrupção do prazo recursal para a posterior interposição de agravo de instrumento (artigo 1026 do CPC/15).  __________ 1 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 335. 2 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 830 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 336. 4 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 336. 5 Disponível aqui.
O questionamento de penhora indevida ou avaliação errônea de bem é sempre alvo de preocupação em nosso ordenamento. No cumprimento de sentença temos oportunidade de alegar tais vícios em impugnação ao cumprimento (art. 525, § 1º, IV) ou por simples petição, caso já transcorrido o prazo para impugnação (art. 525, § 11º). Dúvida que surge é sobre a possibilidade de ser alegada diretamente em segunda instância, via Agravo de Instrumento, ou se tal estratégia poderia ser tida como supressão de instância e não poderia ser apreciada pela primeira vez pelo Tribunal. Em recentíssimo julgado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a previsão do art. 525, § 11, do CPC seria mera faculdade da parte, que poderia optar pela interposição direta do Agravo de Instrumento nos seguintes termos: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. DECISÃO. NATUREZA JURÍDICA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE SIMPLES PETIÇÃO NOS TERMOS DO ART. 525, §11 DO CPC. DESNECESSIDADE. FACULDADE DO DEVEDOR. 1- Recurso especial interposto em 14/1/2022 e concluso ao gabinete em 2/9/2022. 2- O propósito recursal consiste em dizer se, na fase de cumprimento de sentença, é cabível a interposição direta de agravo de instrumento sem a prévia utilização do procedimento de impugnação previsto no art. 525, §11, do CPC. 3- O pronunciamento judicial que determina a penhora de bens possui natureza jurídica de decisão interlocutória e não de simples despacho, notadamente porque não se limita a impulsionar o procedimento, caracterizando inegável gravame à parte devedora. 4- Na fase de cumprimento de sentença, não há óbice à interposição direta do recurso de agravo de instrumento contra decisão que determina a penhora de bens sem a prévia utilização do procedimento de impugnação previsto no art. 525, §11, do CPC. 5- Recurso especial não provido." (REsp n. 2.023.890/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 27/10/2022.) Do voto se extraí o referido trecho: "15. Ditou de outro modo, se a finalidade do texto legal é tutelar a posição do executado, cabe a ele o exame da conveniência da utilização do instrumento processual ali previsto antes da interposição de eventual recurso. 16. Além disso, não se pode olvidar que as regras jurídicas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, motivo pelo qual aquelas que estabelecem requisitos ou condições para a admissibilidade de recursos devem ser objeto de exegese estrita, pois representam restrição ao direito ao duplo grau de jurisdição e de acesso à justiça, ambos constitucionalmente consagrados." Ao que parece, a mesma conclusão deve ser aplicada à previsão de impugnação prevista no art. 525, § 1º, IV, do CPC, se bem que tal previsão parece praticamente inócua, pois a penhora incorreta ou avaliação errônea são fatos que, na prática, dificilmente serão invocados já na impugnação ao cumprimento de sentença, na medida em que, no prazo que o devedor dispõe para apresentá-la, não terá havido, ainda, qualquer penhora ou avaliação (Cf. APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2022). Desse modo, parece acertado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a incorreta penhora ou a avaliação errônea pode ser arguida em impugnação, em simples petição, se já esgotado o prazo da impugnação ou diretamente ao Tribunal pela interposição de Agravo de Instrumento. Cabe ressaltar que interposto o Agravo de Instrumento é facultado ao Agravante requerer ao juiz de primeira instância a reconsideração da decisão agravada (art. 1.018 CPC), desse modo, pode a parte prejudicada concomitantemente tentar corrigir o erro ocorrido na penhora ou na avaliação tanto em primeira como em segunda instância.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Medidas executivas atípicas no âmbito da falência

A aplicação do art. 139, IV, do CPC, referente aos poderes do juiz destinados a determinar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial é tema repleto de controvérsias e que vem sendo sedimentado mediante construção jurisprudencial. Em outras oportunidades desta coluna pudemos comentar, (i)  a inaplicabilidade na execução fiscal1-2-3, (ii) decisões do STJ e quanto a aplicação subsidiária da medida atípica, observado o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade4, (iii) não cabimento de medidas executivas atípicas destinadas a quebra de sigilo bancário5, (iv) assim como o descabimento de limitação temporal na aplicação do art. 139, IV, do CPC, podendo eventual decisão de indeferimento ser revista pelo magistrado a posteriori.6 Alguns recortes foram traçados ao tema, como (i) a aplicação subsidiária, condicionada a existência de indícios de que exista patrimônio penhorável, (ii) além da necessidade de o magistrado observar os princípios da proporcionalidade, motivação e contraditório quando da utilização do regramento7. E, tal qual anotado pelo colega Elias Marques de Medeiros Neto, noutra oportunidade nesta coluna, quando do julgamento do AgInt no Resp. n. 179.9638/SP, a terceira turma do STJ fixou como requisitos para aplicação dat. 139, IV, (i) a verificação de indício de que devedor possui patrimônio expropriável, (ii) a decisão deve ser fundamentada com base nas especificidades constatadas, (iii) a utilização subsidiária da medida atípica, esgotadas as diligências promovidas para a satisfação do crédito e (iv) há de se observar o contraditório e a proporcionalidade. Por fim, na proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.955.539/SP (canalizada no Tema Repetitivo n. 1.137/STJ), com vistas a se formar precedente obrigatório, a Segunda Seção do STJ decidirá sobre a seguinte controvérsia: "Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos." Ainda, a questão também será examinada pelo STJ no julgamento da ADI n. 5941, sob o prisma de exame da constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC, em especial na proposta apresentada pela Procuradoria Geral da República, para que sua aplicação seja subsidiária e com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direito8. Recentemente a quarta turma do STJ decidiu pelo cabimento das medidas executivas atípicas no âmbito de processo de falência, uma vez constatados indícios de ocultação patrimonial do falido:  "CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. HABEAS CORPUS. FALÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. APREENSÃO E RETENÇÃO DE PASSAPORTE DO FALIDO. MEDIDA ATÍPICA (CPC/2015, ART. 139, IV). RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A apreensão do passaporte do devedor é medida atípica e restritiva da liberdade de locomoção do indivíduo, podendo caracterizar constrangimento ilegal e arbitrário, susceptível de análise em sede de habeas corpus, como via processual adequada. 2. Em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou no ordenamento jurídico o CPC de 2015 ao prever, em seu art. 139, IV, a adoção de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda. 3. "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.782.418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23/04/2019, DJe de 26/04/2019). 4. Sendo a falência um processo de execução coletiva decretado judicialmente, deve o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, de modo que se tem como cabível, de forma subsidiária, a aplicação da referida regra do art. 139, IV, conforme previsto no art. 189 da Lei 11.101/2005. 5. Na hipótese, verifica-se a razoabilidade da medida coercitiva atípica de apreensão de passaportes, pois adotada mediante decisão fundamentada e com observância do contraditório prévio, em sede de processo de falência que perdura por mais de dez anos, após constatados fortes indícios de ocultação de vasto patrimônio em paraísos fiscais e que as luxuosas e frequentes viagens internacionais do paciente são custeadas por sua família, mas com patrimônio indevidamente transferido a familiares pelo próprio falido, tudo como forma de subtrair-se pessoalmente aos efeitos da quebra. 6. Ordem denegada." (STJ, HC n. 742.879/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 13.09.2022, v.u., grifou-se) Em análise mais detida, proclamou o voto condutor, verbis: "(...) Muitas vezes o exaurimento dos meios executivos relacionados no Código - "meios típicos de execução" - significa que o devedor realmente não dispõe de patrimônio com o qual pague a dívida. Outras vezes, no entanto, a busca persistente de bens do devedor não descortina patrimônio sujeito à execução, mas o comportamento social do executado evidencia incompatibilidade desse dado com a realidade, tais como: sinais de solvência em ambientes e em redes sociais ou públicos, em oposição à indisponibilidade patrimonial alegada e aparentada no processo. Para tais situações, indicativas, aliás, de uma postura processualmente desleal e não cooperativa, o CPC/2015 previu a regra do transcrito art. 139, IV, sem correspondente no revogado CPC/1973. Em suma, as medidas executivas atípicas agregaram-se aos meios típicos de execução a fim de permitir que o juiz, à luz das circunstâncias do caso concreto, encontre a técnica mais adequada para proporcionar a efetiva tutela do direito material violado. Logicamente, existem alguns limites materiais que vêm sendo construídos para orientar a aplicação dos meios atípicos. Um deles, que merece especial atenção, é a necessidade de prévio exaurimento dos meios típicos ou subsidiariedade dos meios atípicos. Não obstante isso, a imposição de prévio exaurimento da via típica é exigência que pode ser relativizada em alguns casos. É o que deve ocorrer quando o comportamento processual da parte, em qualquer das fases do processo, descortina a sua propensão à deslealdade ou à desordem. A boa-fé objetiva é princípio cuja inobservância deve implicar não apenas sanções processuais, como a prevista no caso de conduta atentatória à dignidade da justiça (CPC, art. 774). O descumprimento do princípio, para além da sanção punitiva, deve irradiar efeitos jurídicos para repelir as consequências da atuação maliciosa. (...) "Com efeito, consta da decisão de primeiro grau impugnada: "o esgotamento dos meios de execução/mecanismos de localização de patrimônio expropriável do devedor é presumido pela própria decretação da falência, tratando-se, assim, de quadro de inegável frustração da exigência de créditos"; "os documentos acostados aos autos, que demonstram a realização de viagens internacionais e gastos de grande vulto por parte do falido, somados ao trabalho realizado pelo escritório DFA, contratado no incidente nº 0029364-82.2018.8.19.0001, para investigar a existência de ações fraudulentas realizadas pelo falido a fim de ocultar seu patrimônio em paraísos fiscais por meio de empresas 'offsshores', demonstram haver indícios de que Daniel Birmann possui patrimônio passível de arrecadação neste feito falimentar"; "apesar de oportunizado o contraditório, o falido apenas alega que as viagens luxuosas bem como seus gastos são arcados integralmente por sua congregação religiosa ou por seus familiares, o que definitivamente não se afigura razoável, menos ainda crível"; "note-se, ainda, que deixa o falido de cumprir o dever previsto no inciso VI, do art. 104, da Lei 11.101/05, quando não esclarece os pontos indicados pelo Juízo falimentar, como se vê do item "3", II da decisão de fls. 9863/9866, proferida no feito principal da falência" (e-STJ, fls. 124-125). Em face das circunstâncias retratadas, verifica-se justo motivo para aplicação da medida atípica na situação em análise. (...) Assim, considerando que a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva decretado judicialmente, devendo o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, tem-se possível a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, de forma subsidiária, observando o disposto no art. 189 da Lei 11.101/2005: Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) Na hipótese, as instâncias ordinárias entenderam evidenciado que o paciente adotou ao longo do processo de falência, iniciado há mais de dez anos, conduta evasiva e não cooperativa. Por oportuno, seguem as esclarecedoras informações da autoridade coatora (e-STJ, fls. 161-163): "No ano de 2008 foi decretada a falência de Sam Indústria, estendida a sua controladora, Boulder, e Daniel Birmann, paciente em favor de que é impetrado o presente Habeas Corpus. Consoante constatado pela Comissão de Valores Mobiliários, e objeto do processo criminal, Daniel Birmann, controlador de Boulder, esvaziou os cofres de Sam Indústria através de uma série de milionários empréstimos feitos a ele mesmo, a ponto de insolvência e de inadimplemento de debêntures emitidas em favor de seu maior credor, um fundo de previdência. Durante quase dez anos após a decretação da falência, nenhum centavo dos falidos foi localizado para pagamento dos credores - essencialmente o Fisco e o dito fundo de previdência. Até que, substituído o administrador judicial, contratou-se escritório paulista especializado em recuperação de ativos localizados no estrangeiro. O que a partir dali foi revelado, ao custo de pesados investimentos do escritório, foi uma rede internacional de ativos ocultos e shell companies com sede em paraísos fiscais. Com efeito, no momento da falência, Daniel Birmann dizia-se o único acionista da offshore chamada Northumbria, lançada em sua declaração do Imposto de Renda pelo simbólico valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais). E era nela que se iniciava a cadeia das sociedades aparentemente desprovidas de atividade econômica e necessárias à ocultação de suas riquezas. Foi só então que se descobriu ser Daniel, por meio desta sociedade, o principal acionista da Companhia Brasileira de Cartuchos (cujas ações já foram arrecadadas), além de outras sociedades possuidoras de vasto patrimônio imobiliário, cuja real e perfeita dimensão jamais foi plenamente revelada pelo falido." Além de descortinar a ocultação de vasto patrimônio, as investigações levadas adiante pela massa trouxeram à luz, com farta prova documental, o cometimento de toda sorte de atos, posteriores à falência, visando a apagar os vestígios de patrimônio e dificultar a sua recuperação. Dentre outras ilicitudes, tem-se que Daniel Birmann doou a trust de sua família ações de offshore por ele controladas, declarando falsamente à autoridade estrangeira não possuir impedimento legal à alienação do patrimônio, embora falido fosse. Apreendidas as ações de CBC, Daniel transferiu para Nova Iorque todo o capital possível da referida empresa, rompendo com o padrão histórico de contas da sociedade, que mantinha até então no exterior parcela irrelevante de seu capital de giro. Pois bem, foi nesse contexto que o administrador judicial investigou as circunstâncias das viagens internacionais feitas pelo falido. Descobriu-se que os destinos das viagens não eram aqueles objetos de comunicação ao juízo falimentar, na letra do artigo 104 da Lei 11.101. Ao contrário, Daniel Birmann viajava a paraísos turísticos, dentre os quais Las Vegas, chegando ao ponto de se utilizar de avião particular, construído em 2014 para Northumbia pela empresa francesa Dessault e avaliado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). Portanto, certificada a incapacidade da massa de localizar seus ativos, o paciente, seis anos após a falência, comprou para a empresa por ele controlada avião de que se utiliza para voos internacionais de puro deleite, sem qualquer alteração significativa de seu padrão de vida, que permanece opulento e mantido às custas de seus credores. Foi em semelhante contexto, em que veementes os sinais da prática dos crimes dos artigos 168, 171 e 173 da Lei 11.101 que o eminente juízo a quo e esta 16ª Câmara Cível determinaram a apreensão dos passaportes do falido, a bem da proteção do patrimônio oculto e com base nos artigos 99, VII, da Lei 11.101 e 139, IV, do CPC. Não se objetiva com a medida coagi-lo ao pagamento da dívida, mas impedir a acintosa dilapidação dos ativos da massa, consumada aos olhos de todos." (grifou-se) O comportamento processual adotado pelo falido evidencia justo motivo para o emprego de medida coercitiva atípica. Além da robusta fundamentação da decisão de primeiro grau, houve respeito ao contraditório, quando lhe foi dada a oportunidade de demonstrar a inadequação da técnica processual postulada - e ao fim aplicada. As justificativas apresentadas, no entanto, não esclareceram pontos importantes, como a ocultação de patrimônio em paraísos fiscais, descumprimento de obrigação legal, realização de viagens luxuosas sem evidência de fins religiosos e doação de patrimônio aos familiares que atualmente arcam com suas despesas de viagens. Também o acórdão dito coator goza de fundamentação densa e consistente. Houve análise exaustiva e pormenorizada das circunstâncias do caso, seguida da valoração dos direitos em oposição, a fim de confirmar o deferimento parcial da tutela de urgência que determinou a apreensão e retenção dos passaportes do paciente. Com efeito, a jurisprudência do STJ considera cabível a adoção de meio executivo atípico, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, observada a subsidiariedade da medida, aplicada por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. (...) Portanto, demonstradas a conduta processualmente temerária do paciente, a consistente fundamentação da decisão e a observância do contraditório prévio, conclui-se que não há constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do paciente. Ante o exposto, denega-se a ordem de habeas corpus, ficando prejudicado o pedido de reconsideração de fls. 176/182. É como voto." (STJ, HC n. 742.879/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 13.09.2022, v.u., grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, o julgado acima soa acertado no sentido de manter congruência ao quanto decidido pelo STJ noutros precedentes. Em outras palavras, ao invés de limitar a discussão ao mero palpite se cabe ou não determinar a retenção de passaporte ou qualquer outra modalidade de medida atípica, depreende-se que houve profunda análise (i) das circunstâncias do caso concreto, (ii) em cotejo ao comportamento processual da parte pautado ou não na probidade e boa-fé, (iii) a aplicação subsidiária da medida e, ainda (iv) fundamenta sua necessidade e adequação como melhor meio coercitivo observado às circunstâncias do caso concreto. _________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Nos referimos ao julgamento do Recurso Especial n. 189.6421/SP. 8 Disponível aqui.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Impenhorabilidade do bem de luxo

A impenhorabilidade do bem de família da lei 8.009/1990 remanesce ainda que se trate de imóvel de alto padrão ou de luxo, independentemente do seu valor econômico. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL DE ALTO PADRÃO. PROTEÇÃO LEGAL MANTIDA. 1. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (Súm. 211/STJ). 2. Conforme jurisprudência do STJ, rever o entendimento do acórdão recorrido quanto às situações em que o Tribunal de origem, examinando as circunstâncias da causa, expressamente afasta a preclusão da questão atinente à impenhorabilidade do bem de família, demanda o reexame de matéria fático-probatória, atraindo a incidência da Súmula 7/STJ. 3. Nos termos da Lei n. 8.009/90 e da jurisprudência consolidada do STJ, a impenhorabilidade do bem de família remanesce ainda que se trate de imóvel de alto padrão ou de luxo. Ressalva de entendimento do Relator. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.965.350/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 29/4/2022.)" No mesmo sentido, há os seguintes julgados: REsp 1726733/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020; AgInt no AREsp 1146607/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe 07/05/2020; AgInt no REsp 1806654/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 13/12/2019; AgInt no REsp 1656079/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2018, DJe 06/12/2018; AgInt no REsp 1669123/RS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 03/04/2018. (STJ, "Jurisprudência em Teses", ed. 203, 11/11/2022)1. Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o bem de luxo é impenhorável, desde que ele seja de família, nos termos da lei 8.009/90. Este entendimento está claramente baseado no princípio da dignidade da pessoa humana inserto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. O ideal seria que tal princípio fosse considerado ao lado do princípio do acesso à justiça insculpido no art. 5º, inciso XXXV, do mesmo diploma. Ademais, seria importante que também se levasse em conta a dignidade do credor e não apenas do devedor. Há casos em que o credor tem o seu direito de acesso à justiça violado e também a sua dignidade. Portanto, a jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o bem de luxo, se for de família, é impenhorável, não pode ser levada a ferro e fogo e devem ser admitidas ponderações a depender da situação fática do credor e do devedor. __________ 1 Disponível aqui.
Conforme já noticiado nessa coluna, o STJ prolatou o Enunciado n. 8, o qual prevê que: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal". Foi em boa hora essa providência do STJ, já que começaram a surgir decisões de tribunais a quo negando seguimento a recursos especiais interpostos após a vigência da emenda constitucional n. 125/2022, com a motivação de que o filtro seletor da relevância não teria sido abordado nos apelos endereçados ao STJ. Nesse sentido, relembre-se, foi a decisão proferida no Recurso Especial n. 5738415-77.2019.8.09.0051, da Vice- Presidência do TJ-GO, e a decisão proferida no Recurso Especial n. 0801223-97.2019.8.12.0027/50000, da Vice-Presidência do TJ-MS.  Todavia, em razão da diretriz adotada pelo STJ, as presidências dos Tribunais a quo já começaram a sinalizar que o filtro seletor da relevância só será aplicável para recursos especiais interpostos diante de acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora específica. Nessa linha foi a decisão abaixo, proferida no TJMT: "Relevância de questão federal infraconstitucional A EC nº 125/2022 alterou o artigo 105, da Constituição Federal, incluindo para o recurso especial mais um requisito de admissibilidade, consistente na obrigatoriedade da parte recorrente demonstrar a "relevância da questão de direito federal infraconstitucional". Necessário destacar que o art. 1º da EC nº 125/2022 incluiu o § 2º, no art. 105, da CF passando a exigir que "no recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, (...)" (grifei). Com efeito, o art. 2º da aludida Emenda Constitucional dispôs que "a relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, (...)" (grifei). Apesar de um aparente conflito descrito acima, tem-se na verdade a edição de norma de eficácia contida no próprio texto constitucional, ao passo que a obrigatoriedade da exigência a partir da publicação consignado no art. 2º da EC nº 125 traduz-se como norma de direito intertemporal. Portanto, tem-se por necessária a regulamentação da questão. Diante desse quadro, ainda que ausente preliminar de relevância jurídica nas razões recursais, não há porque negar seguimento ao recurso especial por esse fundamento, até que advenha lei que regulamente a questão, com vistas a fornecer parâmetros necessários acerca da aludida "relevância", inclusive para fins de parametrizar o juízo de admissibilidade a ser proferido nos autos." (TJ-MT, 10064614720218110003, MT, Relator: MARIA APARECIDA RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/11/2022, Vice-Presidência, Data de Publicação: 17/11/2022) No TRF da 4ª. Região, há decisão com expressa referência ao aludido Enunciado n. 8 do Pleno do STJ: "Por fim, vale destacar que o Pleno do Superior Tribunal de Justiça aprovou, no dia 19/10/2022, o Enunciado Administrativo 8, que tem a seguinte redação: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal". Ainda, destaca-se que a arguição de relevância da questão federal para admissão do recurso especial - conhecida como filtro de relevância - foi incluída na Constituição pela Emenda Constitucional 125/2022. A proposta da lei regulamentadora da alteração constitucional será elaborada pelo STJ e remetida ao Congresso Nacional para apresentação e deliberação." (TRF-4 - AC: 50018115820154047008, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 26/10/2022, VICE-PRESIDÊNCIA). O TJ-GO, igualmente, fazendo referência ao referido enunciado, decidiu que: "Apesar de esta Vice-Presidência, balizada por uma exegese sistemática e teleológica - que rejeitou a antinomia entre o §2º do art. 105 da CF e os arts. 2º, primeira parte, e 3º, da EC n. 125/2022 -, ter, inicialmente, entendido pela autoaplicabilidade da EC n. 125/2022, exigindo, em termos objetivos, a alegação da relevância infraconstitucional, quando não presumida, para fins de exercício do juízo de admissibilidade, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, por meio do Enunciado Administrativo n. 08, de 19/10/2022, orientou que "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal", o que deve ser acatado, pois, em última instância, compete àquela Corte Superior o juízo de prelibação final do recurso especial." (TJGO - AC 5634221-14.2021.8.09.0000, RELATOR ZACARIAS NEVES COÊLHO, Data de Julgamento: 15 de novembro de 2022, VICE-PRESIDÊNCIA). Portanto, repisa-se que, em diálogo com a segurança jurídica, foi elogiável a postura do STJ ao prolatar o mencionado Enunciado n. 8, que demonstra a necessidade de se aguardar a vigência de lei regulamentadora da disciplina do filtro seletor da relevância aplicável aos recursos especiais. A lei certamente promoverá a alteração do Código de Processo Civil de 2015, e cuidará da forma e dos requisitos necessários para o manejo desse importante filtro seletor na dinâmica de trâmite e julgamento dos recursos especiais.
Voltamos ao estudo de mais um importante tema de Execuções Fiscais, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1 Diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia. Tais formas de garantia têm sido normalmente aceitas pelos exequentes, entretanto, possuem um custo anual bastante alto, ainda mais quando se verifica que os processos de Execução Fiscal possuem uma tramitação mais lenta e podem durar facilmente mais de uma década. Desse modo, os Executados por não conseguirem garantir o juízo com formas menos onerosas de garantia (penhora de bens) se vêm obrigados a gastar vultosas quantias para a obtenção de fianças bancárias e seguros garantias. Assim, nos casos em que a cobrança se mostra indevida os executados entendem que poderiam cobrar o ressarcimento desse custo dos exequentes, eis que eles que deram causa ao ajuizamento indevido da cobrança, não aceitaram os bens oferecidos em garantia e fizeram com que a parte contrária fosse obrigada a dispender esses valores das garantias para que pudessem opor Embargos à Execução Fiscal. Em julgamentos esparsos temos os Tribunais Regionais Federais permitindo o ressarcimento dos custos com a garantia ofertada em Execuções Fiscais2: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.  ART. 135, III, DO CTN.  HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE 13º SALÁRIO E REPOUSO SEMANAL REMUNERADO SOBRE HORAS EXTRAS.  LEI Nº 7.787/89 E LEI Nº 8.212/91. CABIMENTO. NÃO INCIDE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE CONTRATOS DE CESSÃO DE DIREITOS ARTÍSTICOS. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS COM FIANÇA BANCÁRIA. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20, § 4º, DO CPC. (...) 8. Cabe ao INSS ressarcir a embargante das despesas realizadas com a manutenção das fianças bancária relativas aos créditos tributários indevidamente exigidos, ou seja, aqueles correspondentes à CDA nº 31.680.093-7, equivalente a 98% (noventa e oito por cento) do valor dos créditos exeqüendos, já que a Autarquia Previdenciária deu causa à presente demanda, obrigando a executada-embargante a garantir o juízo, com a propositura da execução fiscal para cobrança dos aludidos créditos, incidindo, na espécie, o princípio da causalidade.(...)" (g.n.) (Apelação Cível nº 0041494-46.1995.4.02.5101, Rel. José Neiva, 3ª Turma do TRF2, j. 18/12/2007)                               Em recente julgado, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o Executado não poderia se ressarcir do valor gasto com a contratação da garantia indispensável para a oposição de Embargos: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. VALORES PARA CONTRATAÇÃO DE SEGURO GARANTIA. RESSARCIMENTO PELA FAZENDA PÚBLICA INDEVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA EXECUÇÃO E NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. FIXAÇÃO DEVIDA. I - No tocante ao ressarcimento do valor despendido com a apresentação de seguro garantia para viabilizar o ajuizamento dos embargos à execução, observa-se que o art. 82 do CPC/2015, dispõe que as partes devem prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, sendo devido ao vencido pagar ao vencedor as despesas que antecipou. II - O art. 84 do CPC/2015, delimita a abrangência de despesas em custas dos atos do processo, indenização de viagem e remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha. As custas dos atos processuais são as taxas judiciais para o impulsionamento do feito, já as despesas são aqueles valores pagos para viabilizar o cumprimento do ato judicial, sendo ato coercitivo e sem o qual o processo não se desenvolve, tais como as despesas com porte de remessa e retorno dos autos, com publicação de editais e diligências com oficiais de justiça. III - O art. 16 da Lei n. 6.830/1980 dispõe que para garantia da execução é necessário o depósito, a juntada de prova de fiança bancária ou seguro garantia ou, ainda, intimação da penhora. O devedor pode escolher qual garantia oferecer, o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública. IV - No tocante à fixação em separado de honorários advocatícios na execução fiscal e nos embargos à execução, verifica-se ser possível ao juiz, quando do julgamento dos embargos à execução, arbitrar valor único para a verba de sucumbência relativa às condenações na ação executiva e na ação de embargos à execução. Os efeitos decorrentes da sentença de procedência dos embargos à execução atingem o próprio feito executivo, sendo possível assim que o julgador determine fixação única de honorários, a abranger os embargos à execução e à execução fiscal, desde que não ultrapasse o valor máximo permitido no art. 85 do CPC/2015. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp n. 1.946.955/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 1/7/2022; AgRg no REsp n. 1.165.291/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 4/8/2015, DJe de 11/9/2015.) V - Recurso Especial improvido. (REsp n. 1.852.810/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 19/9/2022.) Segundo o entendimento do julgado, o executado pode escolher a melhor forma de garantir o débito "o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública". Entretanto, todos que advogam em face da Fazenda Pública sabem da recalcitrância dos Entes Públicos em aceitarem bens à penhora, sempre discordando da nomeação, muitas vezes sem nenhum motivo justo, preferindo sempre que a garantia recaia sobre dinheiro ou fiança bancária ou seguro garantia. Desse modo, a garantia por meio de fiança ou seguro não é propriamente uma escolha dos executados, mas uma imposição do exequente. Portanto, seria importante que fosse permitido o ressarcimento de tais despesas com a garantia, principalmente nos casos em que foram oferecidos bens injustamente não aceitos pelo exequente, já que seria uma tentativa de distribuir melhor os ônus nas Execuções Fiscais infundadas. Tal permissão também levaria os Exequentes a depurarem melhor os créditos antes de os executar e possibilitaria que formas mais baratas de garantia fossem aceitas nas Execuções Fiscais. ________________ 1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022.pdf, p 171. 2 Em outros julgados tal pleito não restou aceito: 5005404-13.2019.4.03.6126 (4ª Turma TRF3); 0004474-02.2017.4.03.6110 (6ª Turma TRF3) e 5058075-42.2017.4.04.7100 (2ª turma TRF4)
Quando do Julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.3848.640/RS aos 7/5/14, a Corte Especial do STJ fixou o entendimento, por maioria de votos, de que "na fase de execução o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". Referido julgamento, sob a ótica do então art. 543-C do CPC/73 (equivalente art. 1036 e seguintes, do CPC/15, restou fundamentado, em síntese: "A questão jurídica sujeita à presente afetação, responsabilidade do devedor pelo pagamento de juros de mora e correção monetária sobre os valores depositados em juízo na fase de execução, foi exaustivamente debatida por esta Corte Superior, tendo-se firmado entendimento no sentido da responsabilidade da instituição financeira depositária, não do devedor, pela remuneração do depósito judicial, conforme se verifica nos seguintes julgados: (...) Sobre o tema da remuneração dos depósitos judiciais, houve inclusive a edição de duas súmulas, embora restritas à questão da correção monetária. Confira-se: Súmula 179/STJ - O estabelecimento de credito que recebe dinheiro, em deposito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos. Súmula 271/STJ - A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário. Não obstante a pacificação da jurisprudência desta Corte Superior, identificou-se no Núcleo de Recursos Repetitivos - NURER/STJ a subida de uma multiplicidade de recursos especiais referentes essa mesma controvérsia, principalmente nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, uma das demandas de massa com maior número de recursos nesta Corte. Tornou-se necessário, portanto, afetar a matéria ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, para impedir a subida em massa de recursos. A tese que se pretende consolidar segue, essencialmente, a linha do entendimento já firmado por esta Corte, nos precedentes supracitados, sugerindo-se a redação, conforme a proposta feita pelo eminente Ministro Ari Parglender, em seu voto, nos seguintes termos: Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Na redação ora proposta, optou-se por limitar a tese à fase de execução, pois, na fase de conhecimento, o devedor somente é liberado dos encargos da mora se o credor aceitar o depósito parcial. É o que se depreende do disposto no art. 314 do Código Civil, abaixo transcrito: Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. (...)" (STJ, Corte Especial, Resp n. 1.348.640/RS, Corte Especial, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 07.04.2014) Consoante assentado em 2014 pela Corte Especial, o deposito judicial,  realizado pelo devedor interrompe a incidência de juros moratórios e atualização monetária e o libera da obrigação de pagamento. Todavia, referida decisão sujeitou-se a proposta de revisão do entendimento supra citado por força da afetação do Recurso Especial n. 1.820.963/SP, para decisão sob o rito do Tema Repetitivo n. 677, o qual passou a abordar a seguinte questão submetida para julgamento: "Proposta de revisão da tese firmada pela Segunda Seção no REsp 1.348.640/RS, relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para definição de: se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor." (grifou-se) Em outras palavras, por força da afetação, sob o rito do art. 1036 e seguintes do CPC atual, o STJ reexaminou a mesma questão, desta feita sob o prisma dos recursos depositados em juízo terem o condão de (i) autorizar o imediato levantamento pelo credor (hipótese de nítido interesse do devedor em quitar o pagamento da dívida, à exemplo do parcelamento previsto no art. 916 do CPC ou do depósito em juízo destinado ao pagamento da dívida, art. 904, I, do CPC) ou (ii) por qualquer outra razão, há resistência do devedor em impedir aludido levantamento (por vezes quando o depósito espontâneo é utilizado como condição de obtenção do efeito suspensivo aos embargos do devedor - art. 919, § 1º ou quando referido depósito decorre do cumprimento de ordem de penhora online e que o devedor ainda será intimado para apresentação de eventual defesa contra referido ato de constrição patrimonial). E, no julgamento do tema 677 levado à efeito aos 19/10/22, por votação unânime, proclamou novo enunciado quanto a questão: "Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial." O v. acórdão da Corte Especial ainda será disponibilizado. De toda sorte, as principais linhas do quanto decidido puderam ser obtidas no Informativo de Jurisprudência no 755, do STJ: "Trata-se de proposta de revisão de tese repetitiva acerca dos efeitos do depósito judicial em garantia do Juízo (Tema 677). No julgamento do REsp 1.348.640/RS foi firmada a tese repetitiva no sentido de que "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". Em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação. Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o "pagamento" da "garantia do juízo", para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/1973 (art. 523 do CPC/15). A obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor. No plano de direito material, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado, nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil. Outrossim, tem-se por caracterizada a mora do devedor até que este a purgue, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/2002). A purga da mora na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento pontual desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a efetiva entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade. Embora o Código Civil tenha sido lacunoso a respeito do tema, limitando-se a tratar das obrigações de dar coisa certa ou incerta - com o que não se confunde a obrigação de pagar -, o Código de Processo Civil, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, deixa claro que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos exatos termos do art. 904 do CPC/2015. Na mesma linha, o art. 906 do CPC, expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores. Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. Se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito. Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores. Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação. Há de se destacar que o depósito judicial na execução não se confunde com o depósito na ação de consignação em pagamento, que é ação com procedimento especial cabível nas estritas hipóteses do art. 335 do CC/02, em especial quando há recusa do credor em receber o pagamento ou dar-lhe quitação, sem justa causa (inc. I), ou, ainda, quando pende litígio sobre o objeto do pagamento (inc. V). Este apenas tem o condão de extinguir a obrigação do devedor quando para ele concorrer os mesmos requisitos de validade do pagamento, como tempo, modo, valor e lugar (arts. 336 e 337 do CC/2002), sendo que, de todo modo, a Lei Processual garante ao credor a imediata disponibilidade da quantia, como dispõe o art. 545, § 1º, do CPC/2015. Assim, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi. Entendimento em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida - com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença judicial (art. 523 do CPC/15), ou com o pagamento dos honorários pela metade, na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) - a menor ou maior duração do processo executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de depósito mantido com a instituição financeira. Assim, na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.  (STJ, Resp n. 1.820.963/SP, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 19.10.2022, grifou-se)1 Pelo que se depreende do quanto decidido, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor. Na medida em que boa parte das dívidas é composta de juros e atualização monetária, o precedente supra citado terá impacto significativo no campo da execução de título extrajudicial (e igualmente na fase de cumprimento de sentença). Espera-se que o v. acórdão deixe claro (iii) qual o ato processual de efetiva entrega do valor depositado ao credor, para efeito de interrupção de acréscimo do quantum debeatur dos consectários da mora do devedor: seria (ii.i) a expedição de guia de levantamento ou efetiva transferência de quantia em favor do credor?; (ii.ii) em se tratando de depósito judicial manejado como garantia do juízo, o trânsito em julgado da r. decisão que julgar improcedente os embargos do devedor?; (ii.iii) em se tratando da penhora forçada de ativos financeiros, a preclusão da oportunidade conferida ao devedor para resistir ou impugnar o ato de penhora ou quando transitada em julgado eventual impugnação nesse sentido? e; (ii.iv) a forma de cálculo do quantum debeatur deve ser orientada pelo cálculo atualizado por seus consectários decorrentes da mora do devedor, abatendo-se os valores depositados ou referidos valores, para fins de abatimento, também devem ser atualizados? A resposta a tais questionamentos certamente imprimirá maior segurança jurídica, estabilidade e isonomia das decisões judiciais, mormente em se tratando de precedente obrigatório cuja tese terá aplicação sobre os órgãos fracionários e juízos de primeira instância (art. 927, III), a trazer impactos sobre a execução de título extrajudicial. Aguardemos, pois, pela vindoura disponibilização do v. acórdão referente ao julgamento do tema repetitivo 677, que oportunamente será objeto de comentários nesta coluna. ______________ 1 Informações obtidas junto ao Informativo de Jurisprudência n. 755 (7 de novembro de 2022), In. https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/ 
quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Cumprimento de sentença e parcelamento da dívida

Como se sabe, o art. 916, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável à execução por quantia certa, permite que o executado, no prazo para apresentar embargos à execução, reconheça o crédito do exequente e realize o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e honorários de advogado, para a finalidade de obter a permissão do juiz para "pagar o restante em até 6 (seis) parcela mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês". Trata-se da possibilidade de o executado obter um parcelamento da dívida autorizado por lei e por isso alguns chamam essa hipótese de "moratória legal". Ocorre que o CPC atual, por meio do § 7º do art. 916, proíbe que este parcelamento da dívida previsto em lei seja aplicado ao procedimento do cumprimento de sentença ("o disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento de sentença"). Em outras palavras, por disposição expressa de lei, a "moratória legal" é permitida na execução fundada em título extrajudicial, mas é proibida na execução fundada em título judicial (cumprimento de sentença). Tanto isso é verdade que, no cumprimento de sentença, se o executado fizer um depósito judicial em valor inferior ao montante total da execução, o § 2º do art. 523 do CPC expressamente determina que "efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante". Ou seja, se o executado depositar 30% (trinta por cento) do valor da execução, por exemplo, incidirá multa de 10% (dez por cento) e mais honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o saldo devedor em aberto. Por isso é que o executado, no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, não pode sequer invocar o princípio da menor onerosidade da execução (CPC, art. 805) para pedir a aplicação do art. 916, do CPC, ao cumprimento de sentença "por analogia". Isso porque, além de o § 7º do art. 916 do mesmo diploma legal vedar expressamente esse expediente, também haveria o óbice do parágrafo único do art. 805 que impõe ao executado que alegar ser essa medida executiva a mais gravosa "indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados". Ora, o meio do art. 916, do CPC, para executar não pode ser considerado mais eficaz, dado que descarta a multa de 10% (dez por cento) e os honorários advocatícios de 10% (dez por cento), para o executado, se ele depositar um valor menor que o do débito em execução. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça em julgado recente assim ementado: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. PEDIDO DA PARTE EXECUTADA DE PARCELAMENTO DO DÉBITO. VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NO ART. 916, § 7º, DO CPC/2015. MITIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir se a vedação constante do art. 916, § 7º, do CPC/2015 - que obsta a aplicação da regra de parcelamento do crédito exequendo ao cumprimento de sentença - pode ser mitigada, à luz do princípio da menor onerosidade da execução para o devedor. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, formada à luz do diploma processual revogado, admitia a realização, no cumprimento de sentença, do parcelamento do valor da execução pelo devedor previsto apenas para a execução de título executivo extrajudicial (art. 745-A do CPC/1973), em virtude da incidência das regras desta espécie executiva subsidiariamente àquela, conforme dispunha o art. 475-R do CPC/1973. Precedentes. 3. Com a entrada em vigor do CPC/2015, todavia, fica superado esse entendimento, dada a inovação legislativa, vedando expressamente o parcelamento do débito na execução de título judicial (art. 916, § 7º), com a ressalva de que credor e devedor podem transacionar em sentido diverso da lei, tendo em vista se tratar de direito patrimonial disponível. 4. O princípio da menor onerosidade, a seu turno, constitui exceção à regra - de que o processo executivo visa, precipuamente, a satisfação do crédito, devendo ser promovido no interesse do credor - e a sua aplicação pressupõe a possibilidade de processamento da execução por vários meios igualmente eficazes (art. 805 do CPC/2015/2015), evitando-se, por conseguinte, conduta abusiva por parte do credor. 5. Saliente-se, nesse contexto, que a admissão do parcelamento do débito exequendo traria como consequências, por exemplo, a não incidência da multa e dos honorários decorrentes do não pagamento voluntário pelo executado no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015, e a imposição ao credor de maior demora no recebimento do seu crédito, depois de já suportada toda a delonga decorrente da fase de conhecimento. É evidente, desse modo, a inexistência de meios igualmente eficazes, a impossibilitar a incidência do princípio da menor onerosidade. 6. Portanto, nos termos da vedação contida no art. 916, § 7º, do CPC/2015, inexiste direito subjetivo do executado ao parcelamento da obrigação de pagar quantia certa, em fase de cumprimento de sentença, não cabendo nem mesmo ao juiz a sua concessão unilateralmente, ainda que em caráter excepcional. 7. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 1.891.577/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 14/6/2022.) Em razão disso, está proibida a aplicação do art. 916, do CPC, no cumprimento de sentença. Somente se houver efetivo acordo de vontades entre exequente e executado no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia é que poderá haver parcelamento da dívida. Nessa hipótese, não se trata de mitigação do disposto no § 7º do art. 916 ou de afastamento da incidência do § 2º do art. 523, ambos do CPC. Em verdade, o que acontece nessa última hipótese é um acordo de vontades entre o exequente (que abre mão de parte de seus direitos) e do executado (que propõe pagar parceladamente o valor da dívida e aceita o regime do art. 916 para a hipótese de não pagar alguma parcela do débito tempestivamente).
quinta-feira, 27 de outubro de 2022

O recente enunciado nº 8 do pleno do STJ

Em recente orientação, o STJ prolatou o Enunciado n. 8, o qual prevê que: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal". Como é sabido, no último mês de julho foi introduzida em nosso sistema a Emenda Constitucional n. 125/2022, a qual estabeleceu nova redação para o artigo 105 da Constituição Federal, e previu a adoção do filtro da relevância para a admissão dos recursos especiais perante o STJ. Veja-se:  "Art. 105. ...................................................................................................... § 1º ............................................................................................................... § 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento. § 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos: I - ações penais; II - ações de improbidade administrativa; III - ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; IV - ações que possam gerar inelegibilidade; V - hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça; VI - outras hipóteses previstas em lei."(NR) Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação". Com a nova redação do art. 105 da Magna Carta, naturalmente instalou-se a dúvida se o filtro seletor da relevância já seria desde logo - independentemente de normas regulamentadoras - exigido para fins de verificação da admissibilidade dos recursos especiais; especialmente diante da redação do art. 3º da Emenda Constitucional n. 125/2022. Não tardaram aparecer decisões de tribunais a quo negando seguimento a recursos especiais interpostos após a vigência da referida emenda constitucional, com a motivação de que o filtro seletor da relevância não teria sido abordado nos apelos endereçados ao STJ; e isso mesmo, diga-se, a despeito de a própria redação do art. 105 da Constituição Federal ser explícita quanto à competência do STJ para examinar a presença da relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso. Na decisão proferida no Recurso Especial n. 5738415-77.2019.8.09.0051, a Vice- Presidência do TJ-GO, em setembro de 2022, entendeu que: "uma vez que não consta da peça recursal em estudo a alegação de relevância infraconstitucional, e tampouco se enquadra o caso em alguma das hipóteses de presunção de relevância, a inadmissão deste recurso é medida que se impõe". Igualmente, em setembro de 2022, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0801223-97.2019.8.12.0027/50000, a Vice-Presidência do TJ-MS entendeu que "as questões aqui discutidas não se enquadram nos casos de relevância presumida citados, sendo, portanto, ônus da parte recorrente demonstrar a existência desse requisito, do que in casu não se desincumbiu, daí que, a meu juízo, o presente recurso não merece prosperar". E na mesma linha foi a posição do gabinete da presidência do TJDF, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0727063-86.2020.8.07.0001.  Neste cenário, em diálogo com a segurança jurídica, elogiável foi a postura do STJ ao prolatar o mencionado Enunciado n. 8, que demonstra a necessidade de se aguardar a vigência de lei regulamentadora da disciplina do filtro seletor da relevância aplicável aos recursos especiais. Cumpre relembrar que a relevância do Recurso Especial foi inspirada no instituto da repercussão geral do Recurso Extraordinário, o qual, apesar de ter se originado da EC nº 45, cuja publicação se deu em 2004, foi regulamentado em 2006 pela lei 11.418, que adicionou os artigos 543-A e 543-B ao CPC/73, e passou a ser exigido apenas em 2007, após a publicação da Emenda Regimental n° 21, que concluiu a disciplina do tema no Regimento Interno do STF. À época, o Supremo Tribunal Federal, a fim de solucionar as discussões sobre o termo inicial da aplicação do instituto da repercussão geral, firmou o entendimento de que "a demonstração formal e fundamentada da existência de repercussão geral de questões constitucionais (art. 543-A, § 2°, do CPC) só é exigível para os recursos extraordinários interpostos de acórdãos publicados após 3.5.2007 (data da publicação da Emenda Regimental n° 21)". Nesse mesmo sentido há diversos acórdãos da Corte. Assim, inexistindo ainda lei que regulamente o tema ou mesmo previsão regimental, por parte do STJ, órgão competente para conhecer e julgar o Recurso Especial, é certo que o filtro da relevância ainda não poderia ser exigido para fins de admissibilidade recursal. E foi essa a boa diretriz adotada no Enunciado n. 8 do Pleno do STJ.
Atualmente se busca dar uma maior efetividade ao processo de execução. Muitos processos de execução e cumprimentos de sentença não são satisfeitos pela não localização de bens do devedor. É o famoso ganhar, mas não levar e que muito impacta a imagem do Judiciário frente a população. Com a total implementação do Sistema Sisbajud surgiu uma nova funcionalidade, que ficou conhecida como "teimosinha", que nada mais é do que a reiteração automática de ordens de bloqueio on-line de contas judiciais pelo período de 30 dias. Como toda novidade, ela ainda vem sofrendo algumas resistências por parte de magistrados quanto a sua aplicação: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDATO - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PEDIDO DE CONSULTA AO SISTEMA DE BUSCA DE ATIVOS DO PODER JUDICIÁRIO (SISBAJUD) POR MEIO DA FERRAMENTA "TEIMOSINHA" - DESCABIMENTO, NA HIPÓTESE - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Sopesados os princípios da utilidade e eficácia do processo, assim como o princípio da razoabilidade, de rigor, por ora, o indeferimento do pedido de reiteração de diligência com o escopo de realizar pesquisa de ativo financeiro junto ao SISBAJUD, via ferramenta "teimosinha", eis que o pedido de pesquisa de bens ou ativos financeiros por meio dos sistemas eletrônicos em curtos períodos de tempo, como ocorre no caso, caracteriza abuso de tal direito." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2225767-56.2022.8.26.0000; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barretos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/10/2022; Data de Registro: 14/10/2022) Entretanto, é de se comemorar que a teimosinha vem sendo aceita na maioria dos julgados recém exarados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: "EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Reiteração automática de ordem de bloqueio de valores por meio do sistema SISBAJUD - Pesquisas automáticas realizadas por até trinta dias mediante uma só ordem - Nova funcionalidade denominada "Teimosinha" - Possibilidade - Modalidade colocada à disposição do julgador que não é restrita a casos de fraude ou conduta ilícita - Princípio da efetividade da execução impõe a utilização de novas ferramentas legitimamente disponibilizadas e desenvolvidas pelo CNJ - Pleito do exequente que deve ser deferido - Decisão reformada - RECURSO PROVIDO."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2227465-97.2022.8.26.0000; Relator (a): Spencer Almeida Ferreira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Diadema - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 17/10/2022; Data de Registro: 17/10/2022) "Agravo de Instrumento. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu a reiteração das pesquisas, deferindo o bloqueio SISBAJUD na forma singular. Inconformismo. Reiteração automática de ordens de bloqueio ("teimosinha"), pelo sistema Sisbajud. Ferramenta que permite a repetição de operação até a satisfação do débito ou até o decurso do prazo de reiteração de 30 dias. Mecanismo oficial que deve ser respeitado. Inteligência do art. 805 c.c. 797 ambos do CPC. Decisão reformada. Recurso provido."  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2222548-35.2022.8.26.0000; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro de Paulínia - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/10/2022; Data de Registro: 17/10/2022) "IMISSÃO DE POSSE. Fase de cumprimento de sentença. Pedido de bloqueio permanente de ativos financeiros por meio do sistema SISBAJUD ("teimosinha"). Deferimento. Agravo do executado. Desacolhimento. Tentativas infrutíferas de penhora dos bens do agravado. Medida que perfaz legítima tentativa de satisfação do crédito. Execução que se processa no interesse do credor, nos termos do artigo 797 do NCPC. Decisão mantida. Recurso desprovido." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2174704-89.2022.8.26.0000; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 7ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 17/10/2022; Data de Registro: 17/10/2022) Existem inclusive julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo possibilitando a utilização da teimosinha sem a limitação dos 30 dias, até a satisfação do crédito: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Cumprimento de sentença - Pedido de reiteração de pesquisa pelo SISBAJUD, na modalidade denominada 'teimosinha' - Indeferimento - Inconformismo - Ausência de dispositivo legal com limitação quantitativa e temporal da realização de tal pesquisa - Possibilidade de deferimento da medida para garantia dos princípios da efetividade e celeridade da execução - Decisão reformada - Recurso provido." (g.n.) (TJSP;  Agravo de Instrumento 2191802-87.2022.8.26.0000; Relator (a): Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/10/2022; Data de Registro: 16/10/2022) "Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu o pedido de penhora bancária de forma reiterada, conhecida como teimosinha. Inadmissibilidade. Ferramenta que substituiu o BACENJUD ampliando sobremaneira a eficácia do processo de bloqueio de ativos financeiros da parte executada. Possibilidade de bloqueio permanente até satisfação integral do débito executado. Decisão reformada. Recurso provido." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2202768-46.2021.8.26.0000; Relator (a): Ruy Coppola; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2021; Data de Registro: 29/09/2021) Outra ferramenta recente lançada pelo Conselho Nacional de Justiça é o Sniper. A análise da nova ferramenta já foi objeto de artigo do professor Elias Marques de Medeiros Neto nessa mesma coluna1. Em poucas palavras, é uma ferramenta digital para agilizar e centralizar a busca de ativos e patrimônios em diversas bases de dados. Apesar de lançada há mais de dois meses, ainda não pode ser utilizada na Justiça Estadual Paulista, eis que não implementada e regulamentada. Portanto, os pedidos de sua utilização vêm sendo afastados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: "Agravo de instrumento. Pedido de pesquisa de bens pelo Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER). Ferramenta que, a despeito de anunciada pelo Colendo Conselho Nacional de Justiça ainda não foi regulamentada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Indeferimento do pleito. Recurso não provido." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2234418-77.2022.8.26.0000; Relator (a): Roberto Mac Cracken; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Vinhedo - 3ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 11/10/2022; Data de Registro: 11/10/2022) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Decisão que indeferiu pedido de pesquisa patrimonial junto ao Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER). Inconformismo do credor. PEDIDO DE PESQUISA JUNTO AO SNIPER. Providência, ineficaz, no momento, uma vez que não implementada e regulamentada no âmbito desta C. Corte, devendo o credor valer-se das ferramentas disponibilizadas pelo Judiciário suficientes a garantir a efetividade do processo de execução. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. Ademais, o pedido de pesquisa junto ao SNIPER requer a quebra de sigilo bancário mediante a análise objetiva e nas hipóteses do artigo 1º, §4º, da Lei Complementar n.º 105/2001. Hipótese não verificada no caso concreto. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO." (TJSP;  Agravo de Instrumento 2237936-75.2022.8.26.0000; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/10/2022; Data de Registro: 14/10/2022) Desse modo, faz-se urgente que o Maior Tribunal do Brasil e do Mundo implemente e regulamente tal nova ferramenta, que certamente auxiliará na localização de bens e na diminuição do congestionamento que as execuções e cumprimentos de sentenças frustrados causam em nosso ordenamento. __________ 1 Disponível aqui.
O caput do art. 700, combinado com seu inciso I, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que "a ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz" o "pagamento de quantia em dinheiro". Caso essa "prova escrita sem eficácia de título executivo" desperte no juiz dúvida quanto a sua idoneidade, deve ser aplicado o § 5º do art. 700 do CPC cujo teor é o seguinte: "Havendo dúvida quanto à idoneidade de prova documental apresentada pelo autor, o juiz intimá-lo-á para, querendo, emendar a petição inicial, adaptando-a ao procedimento comum". Em decorrência do estabelecido nos dispositivos acima mencionados (CPC, art. 700, caput, inciso I e § 5º), se o juiz determinar ao autor de uma ação monitória a juntada de documentos complementares àqueles que foram apresentados junto com a petição inicial, não resta dúvida de que o magistrado entendeu ser a prova escrita apresentada incapaz de autorizar o prosseguimento desse procedimento especial (ação monitória). Ou seja, se o juiz determinar ao autor a apresentação de mais documentos, fica claro que ele entende não ser viável o prosseguimento da ação monitória. Não é necessária a intimação expressa para emendar a inicial da ação monitória para convertê-la ao procedimento comum. Nesse sentido, decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. EMENDA À INICIAL. INTIMAÇÃO. EMBARGOS MONITÓRIOS. TEMPESTIVOS. CONVERSÃO. PROCEDIMENTO COMUM. 1. Recurso especial interposto em 11/08/2020 e concluso ao gabinete em 14/09/2021. 2. Cuida-se de ação monitória. 3. O propósito recursal consiste em definir se é necessária a intimação da parte para converter a ação monitória em procedimento comum. 4. A emenda à exordial e a oposição de embargos monitórios têm por consequência a conversão de procedimento monitório em procedimento ordinário. 5. O rito comum será dotado de cognição plena e exauriente, com ampla dilação probatória. Assim, a cognição da ação monitória, que em princípio é sumária, será dilatada mediante iniciativa do réu em opor embargos, permitindo que se forme um juízo completo e definitivo sobre a existência ou não do direito do autor. Precedentes. 6. O documento que serve de base para a propositura da ação monitória gera apenas a presunção de existência do débito, a partir de um juízo perfunctório próprio da primeira fase do processo monitório. Trazendo o réu-embargante elementos suficientes para contrapor a plausibilidade das alegações que levaram à expedição do mandado de pagamento, demonstrando a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado na inicial, caberá ao autor-embargado superar os óbices criados, inclusive com a apresentação de documentação complementar, se for o caso. Precedentes. 7. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 1.955.835/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022.)" No corpo do acórdão acima referido, ao se interpretar o art. 700, § 5º, do CPC, a Min. Nancy Andrighi afirmou o seguinte: "A literalidade do art. 700, § 5º não indica a exigência de intimação da parte para escolher sobre a conversão do processo ao rito comum, mas sim obriga o julgador a intimá-la a complementar suas alegações com todos os meios de prova admitidos em direito se houver dúvida quanto ao direito alegado, o que acarreta a conversão do procedimento em ordinário". Em outras palavras, o rito monitório deverá ser convertido em comum quando o autor fizer uso do comando do § 5º do art. 700 para juntar novas provas e emendar a inicial. Não há possibilidade de escolha para o autor se ele quiser continuar com o processo. Ou se adota o rito comum ou será o caso de indeferimento da petição inicial. Em outra oportunidade, o signatário do presente artigo já expressou a mesma opinião: "Caso o juiz determine a emenda da petição inicial para adaptá-la ao procedimento comum, suscitando dúvida sobre a idoneidade da prova para embasar a 'ação monitória', mas o autor não concorde em emendá-la, a petição inicial deverá ser indeferida com fundamento nos arts. 330 e 700, § 4º, do CPC" (SOUZA, André Pagani de. Comentários ao art. 700. In: SCARPINELLA BUENO, Cassio (coord.). Comentários ao código de processo civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 353). Portanto, não há qualquer possibilidade de o autor escolher entre o procedimento monitório ou o comum. Se o juiz entender que a prova apresentada na inicial não é apta a desencadear o procedimento monitório, só há uma possibilidade de o processo continuar: a adoção do procedimento comum. Portanto, desnecessário intimar a parte para emendar a inicial, se o juiz já determinou a apresentação de novos documentos. Nesse sentido, a Min. Nancy Andrighi, no julgado acima mencionado, decidiu o seguinte: "Diante do exposto, conclui-se que o rito monitório irá se converter em comum quando o autor usufruir da faculdade de emendar a petição inicial com novas provas, bem como quando forem opostos embargos monitórios. Não sendo necessário, portanto, intimar a parte para que ela escolha se deseja a conversão do procedimento monitório em comum, haja vista que isto é uma consequência direta dos acontecimentos determinados em lei" (grifos nossos). Tudo isso acontece porque, com a juntada de novos documentos, amplia-se a cognição jurisdicional de tal maneira que só é possível realizá-la se for adotado procedimento comum. Portanto, é flagrante a desnecessidade de intimação do autor para converter ação monitória em procedimento comum quanto se determina a juntada de novos documentos.
Não é novidade as polêmicas que gravitam em torno da inteligência do art. 139, VI, do CPC, ao prever o poder do juiz para, "(...) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto obrigação pecuniária". Algumas balizas haviam sido traçadas, como (i) tais medidas devem ser aplicadas subsidiariamente, condicionadas a existência de indícios de que exista patrimônio penhorável, (ii) além da necessidade de o magistrado aplicá-las com observância dos princípios da proporcionalidade, motivação e contraditório. Nos referimos ao julgamento do Recurso Especial n. 189.6421/SP. E, tal qual anotado pelo colega Elias Marques de Medeiros Neto, noutra oportunidade nesta coluna, quando do julgamento do AgInt no Resp. n. 179.9638/SP, a terceira turma do STJ fixou como requisitos para aplicação dat. 139, IV, (i) verificada a existência de indício de que devedor possui patrimônio expropriável, (ii) a decisão deve ser fundamentada cm base nas especificidades constatadas, (iii) a utilização subsidiária da medida atípica, esgotadas as diligências promovidas para a satisfação do crédito e (iv) há de se observar o contraditório e a proporcionalidade. Ainda, na proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.955.539/SP (canalizada no Tema Repetitivo n. 1.137/STJ), com vistas a se formar precedente obrigatório, a Segunda Seção do STJ decidirá sobre a seguinte controvérsia: "Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos." Por fim, a questão também será examinada pelo STJ no julgamento da ADI n. 5941, sob o prisma de exame da constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC, em especial na proposta apresentada pela Procuradoria Geral da República,  para que sua aplicação seja subsidiária  e com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando=se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direito.1 A par das infindáveis discussões que gravitam em torno do tema, recentemente a terceira turma do STJ posicionou-se quanto eventual limitação temporal quando da aplicação da medida coercitiva: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. DEVOLUÇÃO DE PASSAPORTE APREENDIDO HÁ DOIS ANOS COMO MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA PARA COMPELIR DEVEDOR A ADIMPLIR OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA. DEFICIENTE INSTRUÇÃO DO HABEAS CORPUS, QUE NÃO RETRATA A REALIDADE DOS FATOS PROCESSUAIS. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DE BOA-FÉ, ETICIDADE E COOPERAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DA INSTRUÇÃO ADEQUADA DO WRIT. ÔNUS DO PACIENTE. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. INUTILIDADE, INEFICÁCIA, DESNECESSIDADE OU CARÁTER PENALIZADOR DA MEDIDA. ÔNUS PROBATÓRIO DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE COTAS SOCIAIS DAS PESSOAS JURÍDICAS DE QUE É SÓCIO O DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA EXPRESSÃO ECONÔMICA, DESEMBARAÇO E SUSCETIBILIDADE DE PENHORA. PENHORABILIDADE NÃO DEDUTÍVEL DOS ELEMENTOS EXISTENTES, SOBRETUDO DIANTE DA EXISTÊNCIA DE DIVERSAS OUTRAS EXECUÇÕES FISCAIS E TRABALHISTAS. ÔNUS DA PROVA DO DEVEDOR. OFERECIMENTO À PENHORA DE RENDIMENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO. INSIGNIFICÂNCIA NO CONTEXTO DA DÍVIDA, QUE, DESSE MODO, SOMENTE SERIA ADIMPLIDA APÓS MAIS DE CINCO DÉCADAS. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DO PASSAPORTE SOB ESSE FUNDAMENTO. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. MANUTENÇÃO DA PATRIMONIALIDADE DA EXECUÇÃO. INCÔMODOS PESSOAIS AO DEVEDOR QUE O CONVENÇAM A ADIMPLIR E NÃO SOFRER ESSAS RESTRIÇÕES. POSSIBILIDADE. DURAÇÃO DA RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PRÉ-FIXAÇÃO. MEDIDA QUE DEVE PERDURAR PELO TEMPO NECESSÁRIO PARA VERIFICAÇÃO DA EFETIVIDADE DA MEDIDA. 1- O propósito do presente habeas corpus é definir se é manifestamente ilegal ou teratológico o acórdão que indeferiu o pedido de devolução do passaporte do paciente, apreendido há dois anos como medida coercitiva  atípica destinada a vencer a sua renitência em adimplir obrigação de pagar quantia certa decorrente de condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, cuja execução se iniciou há dezessete anos. 2- Conquanto não admita ampla dilação probatória, o habeas corpus deve ser suficientemente instruído pelo paciente, a quem cabe, em homenagem aos deveres de boa-fé, eticidade e cooperação, colacionar toda a prova documental necessária à compreensão da controvérsia e à adequada reconstrução dos fatos relevantes ao julgamento. 3- Ao paciente que pretende a retomada de seu passaporte apreendido como medida coercitiva atípica, impõe-se o ônus de provar a inexistência de esgotamento das medidas executivas típicas, de índole essencialmente patrimoniais e expropriatórias, bem como que a medida coercitiva atípica deferida seria inútil, ineficaz, desnecessária ou se revestiria de mera penalidade pelo inadimplemento da obrigação. 4- Descabe cogitar a possibilidade de penhora de cotas sociais das pessoas jurídicas de que o paciente é sócio, como razão suficiente para a devolução do passaporte do devedor, sem que existam evidências de que as referidas cotas possuem expressão econômica, estão livres e poderão ser objeto de penhora válida, ônus que igualmente cabe ao paciente. 5- O oferecimento à penhora de parte dos rendimentos advindos de aposentadoria e pensão por morte recebidos pelo devedor somente será relevante para o fim de viabilizar o desbloqueio de seu passaporte se os valores obtidos a partir dessa modalidade executiva forem suficientes para o adimplemento integral da obrigação em tempo razoável. 6- As medidas coercitivas atípicas não modificam a natureza patrimonial da execução, mas, ao revés, servem apenas para causar ao devedor determinados incômodos pessoais que o convençam ser mais vantajoso adimplir a obrigação do que sofrer as referidas restrições impostas pelo juiz, de modo que a retenção do passaporte do devedor deve perdurar pelo tempo necessário para que se verifique, na prática, a efetividade da medida e a sua capacidade de dobrar a renitência do devedor, sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio. 7- Na hipótese em exame, os elementos obtidos neste habeas corpus e nos demais processos e recursos que envolveram a paciente e os demais co-executados que foram submetidos ao exame desta Corte demonstram que: (i) trata-se de dívida de honorários advocatícios sucumbenciais inadimplida desde 2006, ou seja, há mais de dezessete anos; (ii) o esgotamento das medidas executivas típicas está suficientemente evidenciado; (iii) há indícios suficientes de ocultação patrimonial da paciente e dos demais co-executados, sua filha e seu genro; (iv) é absolutamente razoável inferir que as cotas sociais das pessoas jurídicas de que a paciente é sócia não possuem expressão econômica, não estão livres e não são suscetíveis de penhora, inclusive diante da existência de inúmeras outras  execuções fiscais e trabalhistas; (v) os rendimentos de aposentadoria e pensão oferecidos à penhora são insignificantes diante do valor da dívida, que, nesse contexto, somente seria quitada daqui a mais de cinquenta anos; (vi) o oferecimento de bem à penhora após dezesseis anos de execução infrutífera, ainda que claramente insignificante diante de seu contexto patrimonial e nitidamente insuficiente para adimplir a dívida, é evidência de que a retenção do passaporte do devedor está lhe causando o necessário incômodo pretendido por ocasião do deferimento da medida coercitiva atípica. 8- Ordem denegada." (STJ, HC n. 711.194/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 21.06.2022, grifou-se) Inicialmente ao enfrentar a questão, o relator designado, Ministro Marco Aurélio Belizze, concedeu a ordem de habeas corpus, em síntese: "(...) Tendo em vista a questão controvertida nos autos, importante relembrar que o entendimento sedimentado por esta Corte Superior é no sentido de ser admissível, ao menos em tese, a impetração de habeas corpus para impugnar decisão que determina suspensão ou apreensão de passaporte, pois é medida que limita o direito de ir e vir do devedor e pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário. (...) Em face disso, constata-se que, na espécie, a manutenção da medida coercitiva se mostra abusiva e desproporcional, pois o voto condutor do acórdão a quo manteve a medida constritiva ao argumento de não ser razoável que a devedora realize viagens ao exterior à custa da efetividade do processo e de não estar comprovada a necessidade da sua permanência nos Estado Unidos. Entretanto, como bem salientou o voto vencido do aresto estadual, a medida foi implementada há aproximadamente 2 (dois) anos e a paciente teria oferecido o percentual de 30% de sua aposentadoria para abatimento proporcional do débito, o qual, ainda que longevo, demonstra uma conduta inversa àquelas conhecidas dos devedores recalcitrantes. Assim, não ficou devidamente comprovado que, com o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do crédito, a executada deixou de indicar bens à penhora ou que há indícios de ocultação de patrimônio. Corroborando essa tese, a exequente Mirian Elisa Tenório compareceu espontaneamente aos autos (e-STJ, fls. 137-173) informando que a paciente é empresária, sócia da Galetti e Bocci Promoção de Venda Ltda., bem como possui participação societária em outras 4 (quatro) sociedades empresárias. Desse modo, afirma que "as alegações apresentadas no presente remédio de habeas corpus, sob o manto da legalidade, na verdade têm o nítido propósito de impedira justa aplicação do Direito e da Justiça, portanto afrontam o dever ético e de boa-fé. A Paciente se mantém em plena atividade, explora negócios comerciais lucrativos, ou seja, não possui somente os benefícios previdenciários apontados pelos Impetrantes, tampouco necessita da ajuda de "terceiros" para sobreviver" (e-STJ, fl. 138). Desse modo, a própria exequente confirma que não houve o exaurimento prévio dos meios típicos de satisfação do crédito exequendo, haja vista a possibilidade de, ao menos em tese, serem expropriadas as referidas cotas sociais, conforme procedimento estabelecido no art. 861 do CPC/2015. Por conseguinte, manter o bloqueio do passaporte no caso vertente se mostra ilegal, já que as medidas executivas atípicas devem ser adotadas com certa  cautela, observando-se, além daquelas diretrizes delineadas por esta Corte e acima citadas, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para não configurar uma medida extremamente gravosa e que não consiga alcançar o fim que se pretende. Assim, não é possível que os meios executivos atípicos sejam impostos por tempo indeterminado sem a demonstração de uma justificativa plausível, e que se revele apenas como uma penitência imposta ao devedor sem a potencialidade de coagi-lo ao adimplemento. Esclareça-se, ainda, que nada impede que o Juízo da execução determine a implementação de novas medidas constritivas (típicas e atípicas), caso vislumbre a presença de novos elementos capazes de justificar a sua adoção, tomando-se como base as diretivas traçadas acima. Por fim, importante deixar claro que não se descura da afetação do Tema 1.137/STJ à Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça para fixação de precedente vinculante, no qual se delimitou a seguinte questão para julgamento, nestes termos:  Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos. Destaca-se que, a despeito de ter sido determinada a suspensão do processamento de todos os feitos e recursos pendentes que versem sobre idêntica matéria e que tramitem no território nacional, essa indicação não impede a análise de questões urgentes e flagrantemente ilegais, como é o caso dos autos. Diante dessas considerações, concedo, de ofício, a ordem de habeas corpus, nos termos da fundamentação supra. Fica prejudicado o pedido de reconsideração. É como voto." (STJ, HC n. 711.194/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 21.06.2022, grifou-se) Todavia, prevaleceu a divergência instaurada pela Ministra Nancy Andrighi, cujo voto foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora: "(...) 06) Também se colhe dos autos do RHC 128.327/SP que a decisão interlocutória que determinou o bloqueio dos passaportes de todos os executados (da paciente, de ANDREA e de HERMANN) ocorreu no ano de 2019 (isto é, mais de 14 anos após o início do cumprimento de sentença) e, ainda que sucintamente, está lastreada na ausência de oferecimento de bens passíveis de penhora pelos executados. (...) 14) De todo modo, não se pode olvidar que, de fato, a paciente VANDA e a filha ANDREA constam como empresárias do ramo de petróleo e combustível, como atestam os documentos que somente foram juntados pela exequente (fls. 137/175, e-STJ). E também é correto dizer que, de fato, há inúmeras execuções fiscais contra elas ajuizadas (fls. 54/63, e-STJ). 15) De outro lado, examinando-se o teor do HC 637.802/SP e a petição inicial do habeas corpus em julgamento, impetrado quase um ano depois daquele primeiro, percebe-se não existir o apontamento de nenhuma circunstância fática que justificasse uma nova impetração, nem mesmo o lapso temporal transcorrido desde a apreensão. 16) A esse respeito, como orienta a jurisprudência desta Corte, "a mera repetição de fundamentos de fato e de direito já ventilados em idêntico habeas corpus (...) implica em manifesta inexistência de interesse processual, nas modalidades utilidade e adequação" (HC 412.492/SC, 3ª Turma, DJe 18/12/2017). 17) É igualmente útil ao desfecho da controvérsia destacar que a matéria em questão foi devolvida a esta Corte também no AREsp 1.854.464/SP, que não foi conhecido por incidência da Súmula 182/STJ em decisão unipessoal da Presidência e transitou em julgado em 23/05/2021. 18) É que, contra a decisão interlocutória que determinou a apreensão dos passaportes da paciente, proferida em setembro/2019, houve também a interposição de agravo de instrumento pela paciente, que veio a ser desprovido pelo TJ/SP, por unanimidade, sob os seguintes fundamentos: A agravante explica que foi coautora de pedido de "Alienação Judicial de coisa comum" julgado improcedente (fls. 2). Acerca desta execução de honorários de sucumbência, limita-se a afirmar que: "O Exequente direcionou de várias formas a sua execução para penhora de valores e bens dos Executados" (sic) (fls. 2). Poderia ter esclarecido que o cumprimento de sentença teve início em abril/2006 (fls. 133/135). A r. decisão agravada impôs a medida porque não houve o pagamento da dívida nem oferecimento de bens à penhora (fls. 627). A agravante nada diz sobre esses fundamentos. Convenientemente, nada informa sobre sua profissão (fls. 1) nem sobre seu patrimônio. Noto que ela havia se qualificado como "comerciante" na inicial da ação de conhecimento (fls. 20). Seu endereço residencial em Jundiaí permanece o mesmo (fls. 1 e 20). Nesse contexto, o bloqueio do passaporte com base no art. 139, IV, do CPC se mostra eficaz para a concretização da tutela jurisdicional. A agravante tem plena liberdade de locomoção no Brasil. Viagem ao exterior à custa da efetividade deste processo não é razoável. (fls. 742/746, e-STJ, do AREsp 1.854.464/SP). 19) Como se observa do histórico acima mencionado, o requisito do prévio esgotamento das medidas executivas típicas, essencialmente patrimoniais e expropriatórias, está amplamente demonstrado na hipótese em exame, conforme reiteradamente certificado pelas instâncias ordinárias e também por esta Corte em julgamento anterior (AgInt no RHC 128.327/SP). 20) Nesse contexto, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator, não é razoável supor, tampouco se pode inferir das frágeis provas documentais que instruem o presente writ, que não tenha havido o exaurimento dos meios executivos típicos nos dezesseis anos de tramitação do cumprimento de sentença. 21) É importante registrar, no ponto, que caberia à paciente produzir a prova, neste habeas corpus, de que não teria havido o exaurimento das medidas executivas típicas e de que a apreensão do passaporte, nesse contexto, seria ineficaz, inútil ou se revestiria de mera penalidade pelo inadimplemento da obrigação, mas, como reiteradamente destacado, o presente writ não está suficientemente aparelhado, seja por desídia, seja por algum propósito escuso. 22) Especificamente sobre a penhora das cotas sociais das pessoas jurídicas mencionadas pela exequente em sua petição de fls. 137/175 (e-STJ), hipótese aventada como admissível pelo e. Relator, destaque-se, em primeiro lugar, que não há nenhuma evidência de que as referidas cotas possuem alguma expressão econômica, especialmente porque, relembre-se, cogita-se a existência de provas na origem acerca da participação da paciente em atos de adulteração de combustíveis e de sonegação fiscal, questão cujo conhecimento, repise-se, foi subtraído desta Corte pela própria paciente. 23) Em segundo lugar, anote-se que não há absolutamente nenhuma evidência de que tais cotas estariam livres e seriam suscetíveis de penhora, seja porque se tratam de pessoas jurídicas constituídas há muitos anos (1999, 2000, 2001, 2003 e 2018), seja porque se constata ainda a existência de dezenas de execuções fiscais e trabalhistas em face da paciente, consoante certidões de fls. 54/63, e-STJ. 24) Com o perdão da insistência, mas era dever da paciente comprovar a teratologia ou manifesta ilegalidade da manutenção da apreensão de seu passaporte a partir de uma reconstrução verdadeira dos fatos processuais e desse ônus, com a devida venia, ela não se desincumbiu minimamente. 25) De outro lado, no que se refere especificamente ao oferecimento, pela paciente, de 30% de seus rendimentos como aposentada e pensionista para a quitação da dívida, que fora reputada pelo e. Relator como  suficiente para o desbloqueio do passaporte com base no princípio da boa-fé, são necessários alguns esclarecimentos e reflexões. 26) O valor originário da dívida executada, repise-se, inadimplida desde 2006, era de aproximadamente R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). O valor atualizado da dívida para esta data, com juros e correção monetária, é superior a R$ 920.000,00 (novecentos e vinte mil reais). 27) O valor líquido dos benefícios auferidos pela paciente totaliza R$ 5.097,70 (fls. 68/73, e-STJ), de modo que a penhora de 30% desse valor resultaria em um benefício mensal à credora da ordem de R$ 1.529,31. 28) Se, por hipótese, o valor da dívida executada não fosse mais atualizado ou corrigido a partir desta data, conclui-se que, ainda assim, seriam necessários 601 (seiscentos e um) meses para o adimplemento da dívida, ou seja, mais de 50 (cinquenta) anos. 29) Dado que a paciente atualmente possui 71 anos e a expectativa média de vida dos brasileiros é, segundo a mais recente pesquisa do IBGE, de 76,8 anos, é bastante razoável inferir que nem mesmo metade da dívida será adimplida a partir do método sugerido pela paciente, de modo que está evidenciada a absoluta inocuidade da medida. 30) A propósito, registre-se que o oferecimento dessa insignificante quantia mensal após mais de dezesseis anos de execução, sem que nenhuma outra forma fosse viabilizada ao longo de todo esse período, não é apenas inócua, mas, ao revés, é até mesmo desrespeitosa e ofensiva ao credor e à dignidade do Poder Judiciário, na medida em que são oferecidas migalhas em troca de um passaporte para o mundo e, quiçá, para a inadimplência definitiva. (...) 32) Aliás, os contornos que se deve dar à iniciativa da paciente são, com a máxima venia, substancialmente diferentes. O oferecimento de algum valor, por mais insignificante que seja, pelo devedor contumaz e claramente despido de boa-fé, após dois anos de bloqueio de seu passaporte, é, a meu juízo, a prova cabal de eficácia da medida coercitiva atípica, pois é representativo de que a restrição pessoal está lhe causando o necessário incômodo que havia sido pretendido por ocasião de seu deferimento. 33) Nesse particular, é importante salientar que as medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não são penalidades judiciais impostas ao devedor, pois, se assim fossem, implicariam obrigatoriamente em quitação da dívida após o cumprimento da referida pena, o que não ocorre. 34) Por esse motivo, é correto dizer que essas medidas também não representam uma superação do dogma da patrimonialidade da execução, uma vez que são os bens - e apenas os bens - do devedor que respondem pelas suas dívidas. Não se deve confundir, todavia, patrimonialidade da execução com a possibilidade de imposição de restrições pessoais como método para dobrar a recalcitrância do devedor. 35) De fato, essas medidas devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores. 36) A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, a propósito, é questão inédita nesta Corte, pois os precedentes até aqui examinados se circunscreveram aos pressupostos para deferimento de medidas dessa natureza, mas não às hipóteses de manutenção e de verificação de efetividade após o transcurso de determinado período. 37) E, nesse particular, é correto afirmar que não há uma formula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais. 38) No que tange ao bloqueio de passaporte, é particularmente interessante observar o peculiar e injustificado interesse que os devedores que afirmam estar em situação de miserabilidade, de insolvência ou de qualquer modo impossibilitados de adimplir as suas dívidas, possuem especificamente na posse desse documento. 39) Isso porque ou bem o devedor realmente se encontra em situação de penúria financeira e não reúne condições de satisfazer a dívida (e, nessa hipótese, a suspensão do passaporte será duplamente inócua, como técnica coercitiva e porque o documento apenas ficará sob a posse do devedor no Brasil, diante da impossibilidade de custear viagens internacionais) ou o devedor está realmente ocultando patrimônio e terá revogada a suspensão tão logo quite as suas dívidas. 40) Sublinhe-se que, na hipótese, não há nenhuma circunstância fática justificadora do desbloqueio de passaporte da paciente e que autorize, antes da quitação da dívida, a retomada de suas viagens internacionais que, ao que tudo indica, eram bastante corriqueiras. 41) Com efeito, somente foi colacionado ao presente habeas corpus um e-mail, que teria sido enviado em 09/12/2020 pela filha da paciente, ANDREA, que, relembre-se, também é executada no mesmo processo de origem, por meio do qual ela noticia já ter havido a alegada cirurgia, que teria sido exitosa e com boa recuperação, na qual informa ter saudades da mãe, que gostaria de revê-la e que, a despeito das supostas dificuldades financeiras, supostamente custearia as passagens porque seria "um esforço para que possamos nos ver e passar alguns dias juntas, não vai matar ninguém" (fl. 66, e-STJ). 42) Com todo o respeito, é absolutamente intolerável esse tipo de postura do devedor, que maximiza os seus próprios problemas e necessidades e minimiza, sem nenhum conhecimento ou autorização, os problemas e necessidades do credor, pretendendo, às expensas desse, manter íntegros os seus padrões de vida e os seus hábitos. 43) Em suma, a partir do contexto acima mencionado e por qualquer ângulo que se examine a questão, não há que se falar em teratologia ou em manifesta ilegalidade da decisão de fls. 75/77 (e-STJ) e no acórdão de fls. 79/85 (e-STJ), que, de maneira fundamentada e aderente à realidade da execução que se iniciou, repise-se uma vez mais, em abril/2006, rejeitaram o pedido de desbloqueio do passaporte da paciente. 44) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator, DENEGO A ORDEM pretendida pela paciente." (STJ, HC n. 711.194/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 21.06.2022, grifou-se) Ao que se extrai do voto vencedor acima, as medidas coercitivas previstas no art. 139, IV, do CPC, (i) devem perdurar pelo tempo necessário para verificação de sua efetividade, (ii) a ausência de elementos fáticos novos não reclama a alteração da medida coercitiva determinada (ao revés, o incômodo do devedor em preocupar-se com a revogação da medida, sem contudo contribuir para a satisfação da tutela executiva, revela sua efetividade), (iii) é ônus do devedor demonstrar o esgotamento de cumprimento das medidas executivas típicas, de índole essencialmente patrimonial e expropriatória, bem como (iv) que a medida coercitiva atípica deferida seria inútil, ineficaz, desnecessária ou se revestiria de mera penalidade pelo inadimplemento da obrigação e, por fim, (v) tais medidas coercitivas tem por desiderato causar ao devedor determinados incômodos pessoais que o convençam a ser mais vantajoso adimplir a obrigação do que sofrer referidas restrições impostas pelo magistrado. Tem-se, pois, mais um capítulo da série "art. 139, IV, do CPC", cuja temática quiçá se estenderá de série para diversas temporadas, porquanto o fenômeno jurídico vem sendo examinado pelo STJ de modo fragmentado. O que se espera, independentemente do posicionamento adotado, em especial quando do vindouro julgamento do Tema Repetitivo n. 1.137/STJ, é que as premissas objetivas a serem adotadas sejam aplicadas sem distinção, a assegurar a tão esperada segurança jurídica, isonomia e previsibilidade que se espera das decisões do Poder Judiciário, mantendo-se um sistema íntegro e coerente, tal qual inclusive necessito o legislador assim o prever no art. 926 do CPC2. __________ 1 Disponível aqui. 2 "Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente."
A prática de atos de comunicação por meio eletrônico é a regra do Código de Processo Civil ("CPC"). Nesse sentido, tanto o artigo 246, quanto o artigo 270, do CPC, estabelecem as regras para que a citação ocorra de forma eletrônica. Com isso, tanto as empresas públicas, como privadas, devem manter cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do Conselho Nacional de Justiça ("CNJ"), para garantir o recebimento de citações e intimações (art. 246, §1º, do CPC). A citação eletrônica ocorrerá da seguinte maneira: (i) o juiz determinará a citação por meio eletrônico no prazo de 2 (dois) dias úteis, a contar da decisão; (ii) a pessoa jurídica, ao receber a citação com as devidas orientações, terá até 3 (três) dias úteis para confirmar seu recebimento; e (iii) o prazo do réu para apresentação de defesa começará no quinto dia útil após a confirmação de recebimento da citação realizada por e-mail. Caso não ocorra a confirmação do recebimento da citação eletrônica no prazo estipulado, a citação ocorrerá por carta com aviso de recebimento, ou oficial de justiça, de modo que o Réu, na primeira oportunidade em que se manifestar no processo, deverá apresentar justificativa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica. Além disso, destaca-se que o artigo 1.051 do CPC já previa o prazo de 30 (trinta) dias para que as empresas públicas e privadas realizassem o cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do CNJ, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial. Em respeito ao quanto disposto no CPC, o artigo 196 desse código delegou ao CNJ o poder para regulamentar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meio eletrônico, zelando-se pela compatibilidade dos sistemas; motivo pelo qual foi editada a resolução CNJ n. 234/2016, seguida pela Resolução CNJ n. 455/2022, que revogou a Resolução anterior. Através das citadas Resoluções, foi criada a Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário, que preceitua o modo de cadastramento das pessoas indicadas nos §§ 1º e 2º do art. 246 do CPC. Para além disso, o CNJ, recentemente, criou o "Portal de Serviços do Poder Judiciário", ferramenta desenvolvida pelo "Programa Justiça 4.0", objetivando a uniformização do acesso aos processos judiciais de tribunais de todo o país em um ambiente virtual único, sem a necessidade de acessar-se diferentes sistemas de processo eletrônico. A integração dos tribunais à Plataforma Digital do Poder Judiciário segue avançando, de modo que em agosto/2022, 68 (sessenta e oito) tribunais já haviam concluído a integração. Neste sentido, os cadastros de pessoas físicas e jurídicas e de seus representantes serão possibilitados a partir de 30 de setembro de 2022, data provável de disponibilização do sistema, de acordo com o noticiado pelo CNJ. As empresas seguirão um cronograma de cadastramento em fases a partir do dia 30 de setembro de 2022 e terão um prazo de 90 (noventa) dias para concluir o processo, conforme informações que serão oportunamente disponibilizadas no Portal do CNJ. O cadastro é facultado às pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte. No entanto, o CNJ recomenda que todos se cadastrem. Frisa-se que a pessoa jurídica que não realizar o devido cadastro no sistema instituído pelo CNJ poderá vir a ser condenada ao pagamento de multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa, por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos os artigos 77, inciso V e 246, §1º-C, do CPC. Desta forma, a medida instituída pelo CPC e ora regulamentada pelo CNJ, objetiva viabilizar a tendência contemporânea de prática de atos processuais pelo formato eletrônico.
O Estudo das Execuções Fiscais mostra-se importante, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1 E como é notório, em grande parte das Execuções Fiscais o valor cobrado é bastante baixo, muitas vezes sendo inferior ao próprio custo de tramitação do processo2.   Desse modo, continua relevante a previsão contida no artigo 34 da Lei de Execuções Fiscais: "Art. 34 - Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração."3   Referida previsão sempre foi questionada por parte da doutrina4, entretanto, teve sua constitucionalidade reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011, ao julgar o Tema 408 de Repercussão Geral5.   Apesar da previsão legal prever a restrição de recursos em face da sentença, desde muito a doutrina vem entendendo que tal restrição também seria aplicável ao Agravo de Instrumento:  "(...) é evidente que, eliminando o duplo grau no principal, não o manteve no secundário. Assim, não cabe, nas execuções de alçada, o recurso de agravo(...); em contrapartida, não precluem as decisões. O ideal da irrecorribilidade das interlocutórias se implantou indiretamente, devolvendo-se ao conhecimento do órgão julgador, nas execuções de alçada, através da interposição dos embargos infringentes, todas as questões porventura antes decididas e nele impugnadas." (Araken de Assis, Manual da execução. 11ª ed., São Paulo: RT, 2007. p. 1.059 e 1.061.)  "Voltou-se, assim, ao sistema de causas de alc¸ada, para as quais na~o vigora o duplo grau de jurisdic¸a~o por provocac¸a~o das partes. Duas indagac¸o~es, pelo menos, suscita a inovac¸a~o em seus aspectos pra'ticos: a) caberia agravo de instrumento das deciso~es interlocuto'rias nas causas de alc¸ada? b) caberia o duplo grau de jurisdic¸a~o necessa'rio (antigo recurso ex officio)? Parece-nos que ambos os expedientes esta~o implicitamente inadmitidos pela atual sistema'tica das causas de alc¸ada para as execuc¸o~es fiscais." (Humberto Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, edição eletrônica, p. 356/357) Esse também era o entendimento da Súmula 259 do extinto Tribunal Federal da Recursos:  "Não cabe agravo de instrumento em causa sujeita à alçada de que trata a Lei 6.825/80, salvo se versar sobre o valor da causa ou admissibilidade de recurso." Tal entendimento continua sendo prestigiado pelas duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça:  "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 50 ORTNS. ALÇADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO. 1. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias é regida pela Lei n. 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, conforme dispõe o art. 1º da referida Lei de Execução Fiscal. 2. O art. 34 da LEF estabelece o valor de alçada para eventual acesso ao segundo grau de jurisdição no montante de 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs. 3. Em interpretação sistemática do regramento legal, conclui-se pelo não cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias na hipótese de a execução fiscal não alcançar o valor de alçada do art. 34 da Lei n. 6.830/1980, conforme antigo entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 259 do ex-TFR. 4. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp n. 1.831.509/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe de 7/10/2021.) "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 50 ORTNS. ALÇADA. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CABIMENTO. I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em processo de execução fiscal, determinou a intimação da municipalidade para o recolhimento das despesas de citação postal, sob pena de extinção da ação executiva. No Tribunal a quo, não se conheceu do recurso. II - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015. III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar que não há recurso para a segunda instância quando o valor executado for inferior ao valor de alçada, de modo que, estando o valor da execução abaixo do estipulado, haverá exceção ao duplo grau de jurisdição, seja para a Fazenda Pública, seja para o executado. Confiram-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.700.964/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/8/2020, DJe 27/8/2020 e AgInt no AREsp 1.831.509/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe 7/10/2021. IV - Recurso especial improvido." (AREsp n. 1.751.847/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022.) No IAC no RMS 54712 / SP, a Primeira Seção, do Superior Tribunal de Justiça também decidiu que "Não é cabível mandado de segurança contra decisão proferida em execução fiscal no contexto do art. 34 da lei 6.830/80". Desse modo, a limitação recursal imposta pela lei somente em face da sentença vem sendo estendida para também abranger o Agravo de Instrumento e mesmo o Mandado de Segurança cabendo ao jurisdicional ficar atento a tão extensão. __________ 1 Disponível aqui, p 171. 2 "De todo modo, com base nos dados fornecidos, é possível fazer constatações relevantes em relação a um dos problemas identificados: grande parte das execuções fiscais ajuizadas exige valores inferiores ao custo de tramitação do próprio processo de execução. A análise preliminar dos dados leva à conclusão de que é necessário alterar o sistema de cobrança de débitos, evitando-se ajuizamento de execuções fiscais que custarão mais do que o valor que se pretende cobrar." (Disponível aqui, p. 127) 3 "Valor de alçada: 50 OTNs. Para a atualização do valor de alçada, utiliza-se a sequência de indexadores OTN/BTN/INPC/UFIR, aplicando ainda o IPCA-E a contar de janeiro de 2000, data da última UFIR divulgada. Note-se que a UFIR foi extinta pela MP n. 1973-67, em 26 de outubro de 2000, mas vinha sendo fixada anualmente, sendo que seu último valor foi de R$ 1.0641, em 1o de janeiro de 2000. De rigor a utilização do IPCA-E a partir de janeiro de 2001 consoante a decisão do STJ no REsp 1.168.625, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pois servia de parâmetro para a fixação da UFIR (vide adiante a ementa e os comentários sobre o critério adotado e os valores indicados em tal julgado). Não há como aplicar a SELIC porque esta abrange tanto correção como juros. A aplicação da TR, por sua vez, não recompõe sequer o processo inflacionário, além do que não encontra sustentação legal, na medida em que a atualização do valor da causa não corresponde à hipótese do art. 1o-F da Lei n. 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009, que determina a utilização dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança para a atualização das condenações impostas à Fazenda Pública. Valor de alçada, atualizado pelo IPCA-E: jan/2018: R$ 1.020,16; jan/2017: R$ 990,26; jan/2016: R$ 934,74; jan/2015: R$ 844,09; jan/2014: R$ 785,87; jan/2013: R$ 742,45; jan/2012: R$ 701,91; jan/2011: R$ 658,73; jan/2010: R$ 622,66; jan/2009: R$ 597,64; jan/2008: R$ 563,27; jan/2007: R$ 539,72; jan/2006: 524,22; jan/2005: R$ 495,11; jan/2004: R$ 460,42; jan/2003: R$ 419,09; jan/2002: R$ 374,23; e jan/2001: R$ 348,08." (Leis de processo tributário comentadas: processo administrativo fiscal, protesto extrajudicial de títulos e execução fiscal / Leandro Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka - 9. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, edição eletrônica, p. 760)".   4 "(...) se afirma sem susto a impropriedade do dispositivo. Não há de se conceber, ao menos na vigência da nossa Constituição, a possibilidade de se suprimir o direito de acesso ao Judiciário, seja em primeira ou segunda instância. A ampla defesa e o pleno direito de ação, se tomados como garantias efetivas, como demanda a moderna processualística, fulminam a legitimidade da limitação fundada no valor de alçada." (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro - Administrativo e Judicial. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 678.). 5 "É compatível com a Constituição o art. 34 da lei 6.830/1980, que afirma incabível apelação em casos de execução fiscal cujo valor seja inferior a 50 ORTN."
Os honorários advocatícios já tiverem seu reconhecimento como caráter alimentar e, portanto, devem alocar-se na ordem de recebimento de crédito por equiparação ao crédito trabalhista na falência. Dúvidas emergiram, a  se tais créditos, equiparados a trabalhistas, dizem respeito somente a honorários sucumbenciais ou contratuais, b) se tal equiparação se observa somente na falência ou também na recuperação judicial e c) a interpretação quanto a aplicação do art. 83, I, da lei 11.101/2005, ao trazer a limitação de 150 (cento e cinquenta) salários mínios por credor na ordem de classificação dos créditos trabalhistas. Recentemente a Primeira Turma do STJ examinou a questão sob tais prismas: "DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RECURSO ESPECIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. CRÉDITO TRABALHISTA POR EQUIPARAÇÃO. LIMITAÇÃO DO TRATAMENTO PREFERENCIAL (LEI 11.101/2005, ART. 83, I). POSSIBILIDADE. PREVISÃO NO PLANO. QUESTÃO FÁTICA. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO. OMISSÃO RELEVANTE CONFIGURADA. RECURSOS ESPECIAIS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. "1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal" (REsp 1.152.218/RS, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Corte Especial, DJe de 9/10/2014). 2. "Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), as Turmas de Direito Privado firmaram o entendimento de que é possível, por deliberação da AGC, a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, desde que devida e expressamente previsto pelo plano de recuperação judicial, instrumento adequado para dispor sobre forma de pagamento das dívidas da empresa em soerguimento (princípio da preservação da empresa)" (REsp 1.812.143/MT, Relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe de 17/11/2021). 3. Na hipótese, o eg. Tribunal a quo não se manifestou sobre fato essencial ao julgamento da questão de direito, relativamente à existência, ou não, de previsão no plano de recuperação judicial - instrumento adequado para dispor sobre a forma de pagamento das dívidas da sociedade em soerguimento - da limitação pleiteada, o que impede que se aplique, de pronto, o entendimento adotado por ambas as Turmas de direito privado no que diz respeito à aplicabilidade do art. 83, I, da Lei 11.101/2005 à hipótese dos autos, mormente diante das vedações impostas pelas Súmulas 5 e 7 deste Pretório. 4. Ademais, alega-se peculiaridade relevante, quanto à inexistência de crédito trabalhista à época da aprovação do Plano de Recuperação, o que justificaria a eventual inexistência de previsão no Plano, ensejando, assim, debate acerca da possibilidade de haver ou não a limitação do elevado valor do crédito relativo aos honorários, apesar da inexistência de deliberação em tal sentido, dado que a natureza alimentar do crédito é reconhecida. 5. Por tais razões, deve ser acolhida a apontada violação ao art. 1.022 do CPC/2015, tão somente com relação ao pleito de limitação do valor dos créditos a 150 salários-mínimos, nos termos do art. 83, I, da Lei 11.101/2005, anulando-se o v. acórdão proferido em sede de embargos declaratórios para que outro seja proferido e, assim, sanada a omissão verificada, inclusive quanto às peculiaridades do caso, notadamente à inexistência de crédito trabalhista à época da aprovação do Plano de Recuperação, deliberando-se quanto ao cabimento ou não da limitação do valor do crédito. 6. Recursos especiais parcialmente providos. (STJ, REsp n. 1.785.467/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Raul Araújo, v.u., j. 02.08.2022, grifou-se) Ao enfrentar a questão, o voto condutor bem examinou: "(...) Cinge-se a controvérsia em definir a classificação dos créditos discutidos nos autos, oriundos de honorários advocatícios de sucumbência, para fins de habilitação na recuperação judicial das agravantes REDE ENERGIA PARTICIPAÇÕES S/A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL e OUTRAS, bem como analisar a possibilidade de limitação do tratamento preferencial para os referidos créditos, nos termos do art. 83, I, da Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005).  (...) Contudo, em juízo de retratação (art. 543-C, § 7º, II, do CPC/73, atual art. 1.040, II, do CPC/2015) em razão do julgamento do REsp 1.152.218/RS (Tema 637 dos recursos repetitivos), o Tribunal a quo alterou seu entendimento para concluir pela equiparação do crédito perseguido pelas recorridas aos créditos trabalhistas, nos seguintes termos: "No que se refere, entretanto, ao item I.3 acima (classificação do crédito), sobrevindo decisão em recurso repetitivo do E. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, este Relator a ela se submete: Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal (REsp nº 1.152/218/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, dj 07.05.14). III. DISPOSITIVO: Pelos fundamentos expostos, mantém a rejeição da preliminar de não conhecimento e, submetendo-se à decisão em recurso repetitivo, dá-se parcial provimento ao recurso para atribuir a classificação de privilegiado trabalhista ao crédito ostentado pela Sociedade de Advogados." (fls. 558/559, g.n.) Todavia, irresignadas, as recorrentes alegam a inaplicabilidade da tese formada no julgamento do repetitivo ao caso, sustentando a ausência de similitude fática em razão de se tratar de hipótese de habilitação de crédito pertencente a sociedade de advogados em recuperação judicial, enquanto o precedente obrigatório trata de caso de habilitação de crédito de advogado autônomo em falência. Ocorre que, por ocasião do julgamento do mencionado recurso repetitivo, esta Corte Superior firmou o entendimento de que os créditos resultantes de honorários advocatícios ostentam os mesmos privilégios legais dados aos créditos trabalhistas, especificamente aqueles previstos na Lei 11.101/2005, inclusive em caso de recuperação judicial. Confira-se a ementa do mencionado precedente:  "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ART. 24 DA LEI N. 8.906/1994. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITO TRABALHISTA. 1. Para efeito do art. 543-C do Código de Processo Civil: 1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal. 1.2) São créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005. 2. Recurso especial provido." (REsp 1.152.218/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 9/10/2014, g.n.) Assim, a qualificação dos créditos em classes de credores, conforme a ordem de preferência legal, possui tratamento único, seja na falência ou na recuperação judicial, não assistindo razão às recorrentes no que tange à apontada diferenciação entre falência e recuperação judicial. Tal entendimento foi melhor elucidado quando do julgamento do REsp 1.649.774/SP, de relatoria do il. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Terceira Turma, DJe de 15/2/2019), in verbis: "Especificamente em razão da natureza dos créditos resultantes de honorários advocatícios, que ostenta o caráter alimentar, admite-se a equiparação destes com o créditos trabalhistas, a ensejar aos seus titulares os correspondentes privilégios fixados em lei em face de concurso de credores em geral, tal como se dá na falência, na recuperação judicial, na liquidação extrajudicial e na insolvência civil. Sem olvidar a distinção existente entre o salário - concebido como a remuneração decorrente da prestação de serviços, no âmbito da relação de emprego, definida nos arts. 2º e 3º da CLT - e os honorários advocatícios - compreendidos como a remuneração à prestação do serviço do profissional da advocacia, com registro na Ordem dos Advogados do Brasil, convencionados, fixados por arbitramento ou advindos da sucumbência -, sobressai inequívoca a identidade da natureza alimentar de tais verbas, destinando-se, cada qual, à subsistência de seu titular e de sua família. Não se pode, assim, conferir tratamento díspar a realidades tão assemelhadas. Com essa compreensão, encontra-se pacificado no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o posicionamento de que os créditos resultantes de honorários advocatícios ostentam os mesmos privilégios legais dados aos créditos trabalhistas, especificamente aqueles previstos na Lei n. 11.105/2005, tese, ressalta-se, firmada em recurso especial representativo da controvérsia pela Corte Especial, por ocasião do julgamento do REsp 1.152.218/ES, nos termos da seguinte ementa:(...)" (...) De igual modo, o STJ, também no julgamento do referido REsp 1.649.774/SP, já se manifestou no sentido de que o fato de os créditos serem titularizados por sociedade de advogados não afasta sua natureza alimentar, uma vez que a remuneração pelo trabalho desenvolvido pelos advogados organizados em sociedade também se destina à subsistência de cada um dos causídicos integrantes da banca e de suas famílias. (...) Ainda, diferentemente do alegado pelas recorrentes, consoante entendimento desta Corte, os honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, possuem natureza alimentar para fins de habilitação em falência e recuperação judicial, conforme previsto no art. 85, § 14, do CPC/2015. Nesse sentido: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DE HONORÁRIOS CONTRATUAIS. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. EQUIPARAÇÃO AO CRÉDITO DE NATUREZA TRABALHISTA. ART. 85, § 14, DO CPC/2015. RECURSO DESPROVIDO. 1. Consoante decidiu a Corte Especial do STJ no julgamento do REsp n. 1.152.218/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 9/10/2014 - sob o rito dos recursos repetitivos -, "os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal". 2. Sob essa perspectiva, não há que se fazer distinção entre honorários sucumbenciais e contratuais, à mingua, inclusive, do devido amparo legal, tendo em vista que o art. 85, § 14, do CPC/2015 expressamente dispõe que "os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho". 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1.582.186/RS, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 3/8/2020, g.n.) Nesse cenário, não assiste razão às recorrentes ao afirmar que o crédito em discussão não pode ser classificado com o privilégio de trabalhista por se tratar de honorários de sucumbência e por não guardar similitude fática com a hipótese tratada no REsp  .152.218/RS, razão pela qual deve ser mantido o acórdão estadual, no ponto. Assiste razão às recorrentes, contudo, no que diz respeito à omissão do Tribunal a quo em analisar a alegação de necessidade de limitação dos créditos equiparados a trabalhistas a 150 salários-mínimos, nos termos do art. 83, I, da Lei 11.101/2005. (...) Consoante entendimento firmado pela eg. Terceira Turma no julgamento do mesmo REsp 1.649.774/SP, a limitação prevista no art. 83, I, da Lei 11.101/2005 não tem aplicação automática na recuperação judicial, cabendo às recuperandas e aos credores da respectiva classe, segundo critérios e quorum definidos em lei, deliberarem sobre o estabelecimento de um patamar máximo para o tratamento preferencial dos créditos trabalhistas, isto é, somente incidirá a limitação do art. 83, I, da Lei de Falências e Recuperação Judicial caso haja previsão expressa no respectivo plano de recuperação. (...) A eg. Quarta Turma adotou o mesmo posicionamento no julgamento do REsp 1.812.143/MT, de relatoria do Ministro Marco Buzzi (DJe de 17/11/2021), firmando o entendimento de que, nos casos em que se busca a habilitação em recuperação judicial de honorários advocatícios de elevado valor - crédito trabalhista por equiparação -, é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei 11.101/2005 desde que deliberado pela assembleia-geral de credores e expressamente previsto no plano recuperacional. O julgado foi assim ementado: "RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - HONORÁRIOS DE ADVOGADO " - CRÉDITO TRABALHISTA POR EQUIPARAÇÃO - POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DE PAGAMENTO, DESDE QUE CONSENSUALMENTE ESTABELECIDO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES - PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firmada no sentido de que não há aplicação automática do limite previsto no art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, pois a forma de pagamento dos créditos é estabelecida consensualmente pelos credores e pela recuperanda no plano de recuperação judicial 1.1. É permitido, portanto, à Assembleia Geral de Credores - AGC, em determinados créditos e situações específicas, a liberdade de negociar prazos de pagamentos, diretriz, inclusive, que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial da empresa. 2. Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), as Turmas de Direito Privado firmaram o entendimento de que é possível, por deliberação da AGC, a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, desde que devida e expressamente previsto pelo plano de recuperação judicial, instrumento adequado para dispor sobre forma de pagamento das dívidas da empresa em soerguimento (princípio da preservação da empresa). Precedentes. 3. Recurso especial provido para cassar o acórdão estadual e, por conseguinte, restabelecer, em relação ao referido crédito concursal, o plano de recuperação judicial homologado pelo juízo universal. (REsp 1.812.143/MT, Relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 17/11/2021, g.n.) Ocorre que a eg. Corte de origem, apesar de provocada com a oposição de embargos de declaração, não analisou o pleito de limitação do tratamento preferencial para os créditos discutidos nestes autos, nos termos do art. 83, I, da Lei 11.101/2005, deixando de examinar questões relevantes para o deslinde da controvérsia e que, na via estreita do recurso especial, não poderia ser analisada de plano. (...) Por essa razão, deve ser acolhida a alegada violação ao art. 1.022 do CPC/2015, tão somente com relação ao pleito de limitação da habilitação dos créditos trabalhistas a 150 salários para efeito de falência, nos termos do art. 83, I, da Lei 11.101/2005, anulando-se o v. acórdão proferido em sede de embargos declaratórios e determinando-se, por conseguinte, que outro seja proferido e, assim, seja sanada a omissão aqui verificada, inclusive quanto às peculiaridades do caso, quanto à  inexistência de crédito trabalhista à época da aprovação do Plano de Recuperação, quando poderá haver ou não a limitação do valor do crédito em face de tais peculiaridades." (STJ, REsp n. 1.785.467/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Raul Araújo, v.u., j. 02.08.2022, grifou-se) O recente entendimento do STJ joga luzes as discussões que circundam o tema, para assim, também amparado da leitura do julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.151.218/RS (Tema n. 637) firmar o entendimento de que a) os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência e também na recuperação judicial, b) a circunstância de créditos serem titularizados por sociedade de advogados ou por determinado causídico não afasta sua natureza alimentar, c) tal caráter alimentar aplica-se tanto para honorários sucumbenciais quanto contratuais, ex vi ao quanto disposto no art. 85, § 14º, do CPC e d) a limitação prevista no art. 83, I, da lei 11.101/2005 não se aplica automaticamente no âmbito da recuperação judicial, cabendo às recuperandas e credores da respectiva classe deliberarem sobre o estabelecimento de um patamar máximo para o tratamento preferencial dos créditos trabalhistas, de sorte que tal norma somente incidirá caso haja previsão expressa no respectivo plano de recuperação e deliberado o tema em assembleia geral de credores.
De acordo com o art. 50, do Código Civil (CC), que versa sobre a desconsideração da personalidade jurídica: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso". Ou seja, preenchidos os requisitos (confusão patrimonial ou desvio de finalidade) os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações da pessoa jurídica poderão ser estendidos aos bens particulares dos administradores e dos seus sócios. O art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC), por sua vez, admite a desconsideração inversa da personalidade jurídica. Isso significa afirmar que, uma vez preenchidos os requisitos do art. 50, do CC, os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações dos sócios e dos administradores poderão ser estendidos aos bens da pessoa jurídica. Essa é a desconsideração em sentido inverso. Questão importante é saber se o sócio teria interesse em recorrer de uma decisão que decreta a desconsideração inversa da personalidade jurídica. Isso porque, para o sócio, à primeira vista, seria interessante ter mais alguém responsável pelo pagamento da sua dívida. Nessa linha de raciocínio, se tem mais alguém para pagar, isso seria melhor para o devedor originário, faltando-lhe interesse para recorrer de uma decisão que lhe seria até benéfica. Porém, em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o sócio tem interesse recursal nesses casos. Confira-se, a propósito, a ementa da decisão: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE DO SÓCIO EXECUTADO. LEGITIMIDADE E INTERESSE RECURSAL DO SÓCIO PARA RECORRER DA DECISÃO. EXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir, além da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, a legitimidade e o interesse recursal do sócio executado para impugnar a decisão que deferiu o pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica dos entes empresariais dos quais é sócio. (...) 3. A jurisprudência desta Corte Superior assenta-se no sentido de que, sendo deferido o pedido de desconsideração, o interesse recursal da empresa devedora originária é excepcional, evidenciado no propósito de defesa do seu patrimônio moral, da honra objetiva, do bom nome, ou seja, da proteção da sua personalidade, abrangendo, inclusive, a sua autonomia e a regularidade da administração, inexistindo, por outro lado, interesse na defesa da esfera de direitos dos sócios/administradores. 4. Na desconsideração inversa da personalidade jurídica, por sua vez, verifica-se que o resultado do respectivo incidente pode interferir não apenas na esfera jurídica do devedor (decorrente do surgimento de eventual direito de regresso da sociedade em seu desfavor ou do reconhecimento do seu estado de insolvência), mas também na relação jurídica de material estabelecida entre ele e os demais sócios do ente empresarial, como porventura a ingerência na affectio societatis. 5. Desse modo, sobressaem hialinos o interesse e a legitimidade do sócio devedor, tanto para figurar no polo passivo do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica, quanto para recorrer da decisão que lhe ponha fim, seja na condição de parte vencida, seja na condição de terceiro em relação ao incidente, em interpretação sistemática dos arts. 135 e 996 do Código de Processo Civil de 2015, notadamente para questionar sobre a presença ou não, no caso concreto, dos requisitos ensejadores ao deferimento do pedido. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido". (REsp n. 1.980.607/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 12/8/2022, grifos nossos.) Com o devido respeito, não é possível concordar com a afirmação de que haveria uma ação de regresso daquele que teve o seu patrimônio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica (a sociedade) contra o sócio a justificar o seu interesse recursal. É bem verdade que o julgado acima mencionado se escora em respeitável doutrina para sustentar tal afirmação. Veja-se: "Em viés semelhante, asseveram Fernando da Fonseca Gajardoni e outros ser evidente o interesse jurídico do devedor originário, pois, havendo o acolhimento do pleito de desconsideração e a satisfação da obrigação através do patrimônio do terceiro atingido pela desconsideração, surge para este o direito de regresso em face do devedor. (Comentários ao Código de Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 205)". Entretanto, é forçoso reconhecer que quando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada, o integrante da pessoa jurídica responde por dívida própria. Essa responsabilidade do integrante da pessoa jurídica decorre do fato de ele ter se beneficiado de uma atividade abusiva e lesiva realizada por meio da pessoa jurídica (SALOMÃO FILHO, Calixto. "O novo direito societário". 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 202).   Como o signatário já teve oportunidade de asseverar "É possível perceber, portanto, que a responsabilidade decorrente da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pode ser confundida com a responsabilidade civil decorrente da 'teoria dualista da obrigação', pois com ela se admite que o responsável exerça seu direito de regresso em face do devedor, caso o primeiro pague a dívida do segundo. (...) Porém, como já asseverado, a teoria dualista da obrigação não é de grande utilidade para se entender a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque não se pode considerar que quando a teoria da desconsideração é aplicada a pessoa jurídica passa a ser considerada a devedora e o seu integrante para a ser considerado o responsável pela dívida. Se assim fosse, haveria uma verdadeira contradição na aplicação da disregard doctrine: ao mesmo tempo que se afirma desconsiderar a personalidade jurídica, ela seria considerada para se entender que uma pessoa seria responsável e outra pessoa seria a devedora. Na verdade, decorre da aplicação da disregard doctrine que a pessoa jurídica e seu integrante, sociedade e sócio, são na realidade uma só pessoa, ambos devedores e responsáveis pelo adimplemento da mesma dívida" (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 89-90). O mesmo raciocínio acima exposto vale para a desconsideração inversa da personalidade jurídica. Não há ação de regresso cabível pois a responsabilidade é primária e não secundária. A pessoa jurídica participou do ato abusivo e fraudulento e portanto responde por ato próprio. Dívida e responsabilidade estão concentradas na mesma pessoa. Em razão do exposto, não se pode concordar com este argumento utilizado pelo STJ no acórdão acima mencionado de que haveria uma ação de regresso cabível para justificar o interesse recursal do sócio na desconsideração da personalidade jurídica inversa. Quanto aos demais argumentos, em razão do espaço, vamos deixar a sua análise para outra oportunidade aqui na Coluna "CPC na prática". Mas com esse argumento, da existência de possível e eventual ação de regresso a justificar o interesse recursal, não se pode concordar, respeitadas as opiniões em contrário.
Como já tivemos a oportunidade de ilustrar, a execução, no Brasil, é um fator de forte preocupação para se alcançar o almejado patamar de efetividade processual idealizado pelo legislador no artigo 4 do CPC/15. Nos índices apresentados pelo Justiça em Números do CNJ, existem mais de "79 milhões de demandas em tramitação, das quais nada menos do que 42,81 milhões são de natureza executiva fiscal, civil e cumprimento de sentenças, equivalente a 54,2% de todo o acervo do Poder Judiciário (...) Os dados do CNJ ainda indicam que apenas 14,9% desses processos de execução atingem a satisfação do crédito perseguido, enquanto a taxa de congestionamento é de 85,1%, ou seja, de cada 100 processos de execução que tramitavam em 2018, somente 14,9 obtiveram baixa definitiva nos mapas estatísticos."1 No levantamento mais recente, reconheceu-se que uma grande causa dos alarmantes números de execuções pendentes é a falta de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente. Ademais, as dívidas chegam ao judiciário após esgotados os meios de cobrança administrativos - daí a difícil recuperação."2 Neste cenário, conforme já escrevemos3, um procedimento eficiente de busca de bens do devedor seria um forte aliado nessa cruzada contra a falta de efetividade e eficiência na implementação dos atos executivos. O tema também traça interessante comunicação com as previsões do CPC/15 que estipulam medidas de reforço à efetividade e à cooperação processual, tais como a prevista no artigo 772, III, do CPC/15. Vale realçar que o artigo 772 do CPC/15 reforça o dever do juiz de determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável4. Reforça-se que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell,5 para quem "deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".  Em linha com o artigo 6º. do CPC/15, efetivar as providências do artigo 772 do CPC/15, em uma postura mais cooperativa do Poder Judiciário na busca e localização de bens do devedor, seria um fator de contribuição para a melhor eficiência do processo de execução no Brasil. Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa6, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell7 já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor". É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera; não importando quantas medidas atípicas o magistrado defira em favor do credor. Ao saber quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor e o magistrado já poderão se posicionar, de forma mais eficiente, para as providências de expropriação do patrimônio daquele que deve.   Daí a crucial e relevante importância da recente ferramenta do CNJ denominada "Sniper", que muito pode auxiliar os sujeitos processuais na localização de bens do devedor. Conforme noticiado8: "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta terça-feira (16/8), ferramenta digital para agilizar e centralizar a busca de ativos e patrimônios em diversas bases de dados. O Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), desenvolvido no Programa Justiça 4.0, identifica em segundos os vínculos patrimoniais, societários e financeiros entre pessoas físicas e jurídicas. Com isso, a expectativa é que a busca de ativos - que hoje chega a levar meses e mobiliza uma equipe especializada em investigação patrimonial a partir da análise de documentos - possa ser feita rapidamente. Os resultados são representados em grafos (conjunto de informações e das relações existentes entre eles) de fácil compreensão pela magistratura, indicando as ligações entre os atores de forma simples, o que contribui para reduzir o tempo de conclusão dos processos na fase de execução e cumprimento de sentença - maior gargalo atual dos processos judiciais (...).Com uma interface amigável e navegação intuitiva em plataforma web, o Sniper já disponibiliza uma consulta rápida a bases de dados abertas e fechadas, com a possibilidade de incluir novas bases de informações. O acesso ao sistema só é ser feito por pessoas autorizadas, a partir da decisão de quebra de sigilo, para garantir a segurança das informações. Por meio do sistema, usuários e usuárias podem buscar dados de pessoas físicas e jurídicas pelo nome, CPF, razão social, nome fantasia ou CNPJ. É possível visualizar as informações, a relação de bens e ativos (incluindo aeronaves e embarcações) e as relações com outras pessoas físicas e jurídicas. As informações podem ser exportadas em um relatório no formato .pdf e anexadas a um processo judicial. Atualmente, já estão integrados ao Sniper os dados de CPF e CNPJ, as bases de candidatos e bens declarados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informações sobre sanções administrativas, empresas punidas e acordos de leniência (CGU), dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (Anac), embarcações listadas no Registro Especial Brasileiro (Tribunal Marítimo) e informações sobre processos judiciais, como partes, classe, assunto dos processos e valores (cabeçalho processual, do CNJ). No módulo de dados sigilosos, poderão ser adicionadas informações fiscais e bancárias, com acesso restrito a usuários autorizados, a partir da integração com o Infojud e Sisbajud". É certo que quanto mais eficaz for o uso da ferramenta do CNJ, em conformidade com o espírito da efetividade, eficiência e cooperação, melhor será a contribuição para almejarmos com uma execução cada vez mais próxima dos ditames do artigo 4 e 8 do CPC/15. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. No mesmo sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1228. 5 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183. 6 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25. 7 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392.  8 CNJ lança ferramenta que permite identificar ativos e agilizar execução.
Uma das maiores e mais comemoradas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2.015 foi a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, que possibilita o prévio contraditório sobre as alegações do Requerente, no prazo de 15 dias, e com ampla possibilidade probatória, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. No caso clássico de desconsideração, a empresa figura como devedora e seus sócios são tidos como responsáveis secundários no caso de ocorrência das previsões constantes do artigo 50 do Código Civil e 28 do Código do Consumidor. Temos também a desconsideração inversa, na qual o sócio é o devedor e a sociedade empresarial é a responsável patrimonial secundária, quando constatado que o sócio transferiu seu patrimônio pessoal para a sociedade empresarial com o objetivo de frustrar a satisfação de seus credores. Mesmo não sendo positivada em nosso ordenamento, a desconsideração inversa é amplamente aceita pela Doutrina e pela Jurisprudência1, sendo que o artigo 133, § 2º, do Código acabou também prevendo a aplicação do incidente para esses casos.  Dúvida que surgiu é se deferida a desconsideração a empresa, no caso da desconsideração tradicional e o sócio, no caso da desconsideração inversa, teriam legitimidade para recorrer de tal decisão. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, após decisões conflitantes entre Turmas, já havia decidido quanto a possibilidade da empresa recorrer no caso de desconsideração tradicional da Personalidade Jurídica:  "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. PEDIDO DEFERIDO. IMPUGNAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO PROVIDOS. 1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão que decide legitimidade da pessoa jurídica para interpor recurso de pronunciamento judicial que desconsidera a personalidade jurídica. 2. No caso, entendeu-se que, diante do rol de legitimados à interposição de recursos (arts. 499 do Código de Processo Civil de 1973 e 996 do Código de Processo Civil de 2015), do qual emerge a noção de sucumbência fundada no binômio necessidade/utilidade, a pessoa jurídica detém a mencionada legitimidade quando tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade. Fundamenta-se tal entendimento no fato de que à pessoa jurídica interessa a preservação de sua boa fama, assim como a punição de condutas ilícitas que venham a deslustrá-la. 3. Os fundamentos trazidos no acórdão recorrido estão mais condizentes com a própria noção de distinção de personalidades no ordenamento jurídico pátrio. A pessoa jurídica, como ente com personalidade distinta dos sócios que a compõem, também possui direitos a serem preservados, dentre eles o patrimônio moral, a honra objetiva, o bom nome. De fato, o argumento da falta de interesse na reforma da decisão, tendo em vista o fato de que apenas os sócios seriam prejudicados com a resolução (já que é sobre os seus bens particulares que recairia a responsabilidade pelas obrigações societárias), mostra-se frágil. 4. "O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, pode partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração" (REsp 1.421.464/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 12/5/2014) 5. Embargos de divergência conhecidos, aos quais se nega provimento." (EREsp n. 1.208.852/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 4/5/2016, DJe de 20/5/2016.) Em recentíssimo julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que em caso de desconsideração inversa, o sócio também seria legitimado a recorrer de tal decisão:  "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE DO SÓCIO EXECUTADO. LEGITIMIDADE E INTERESSE RECURSAL DO SÓCIO PARA RECORRER DA DECISÃO. EXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir, além da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, a legitimidade e o interesse recursal do sócio executado para impugnar a decisão que deferiu o pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica dos entes empresariais dos quais é sócio. 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 3. A jurisprudência desta Corte Superior assenta-se no sentido de que, sendo deferido o pedido de desconsideração, o interesse recursal da empresa devedora originária é excepcional, evidenciado no propósito de defesa do seu patrimônio moral, da honra objetiva, do bom nome, ou seja, da proteção da sua personalidade, abrangendo, inclusive, a sua autonomia e a regularidade da administração, inexistindo, por outro lado, interesse na defesa da esfera de direitos dos sócios/administradores. 4. Na desconsideração inversa da personalidade jurídica, por sua vez, verifica-se que o resultado do respectivo incidente pode interferir não apenas na esfera jurídica do devedor (decorrente do surgimento de eventual direito de regresso da sociedade em seu desfavor ou do reconhecimento do seu estado de insolvência), mas também na relação jurídica de material estabelecida entre ele e os demais sócios do ente empresarial, como porventura a ingerência na affectio societatis. 5. Desse modo, sobressaem hialinos o interesse e a legitimidade do sócio devedor, tanto para figurar no polo passivo do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica, quanto para recorrer da decisão que lhe ponha fim, seja na condição de parte vencida, seja na condição de terceiro em relação ao incidente, em interpretação sistemática dos arts. 135 e 996 do Código de Processo Civil de 2015, notadamente para questionar sobre a presença ou não, no caso concreto, dos requisitos ensejadores ao deferimento do pedido. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (g.n.) (REsp n. 1.980.607/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 12/8/2022.) Desse modo a jurisprudência acompanha o entendimento da doutrina majoritária, que defende a existência de legitimidade recursal em face de quem tem a desconsideração decretada. Por todos cita-se o entendimento do Professor Cássio Scarpinella Bueno: "Quando se tratar de desconsideração da pessoa jurídica, para a responsabilização do sócio, contudo, tem a própria pessoa jurídica legitimidade recursal? E se tratar da chamada "desconsideração inversa", o próprio sócio tem legitimidade recursal? As respostas positivas a estas duas questões pressupõem que a pessoa jurídica e a pessoa natural consigam demonstrar interesse jurídico próprio no caso concreto para que, ainda que na qualidade de terceiros em relação ao incidente, atestem a sua legitimidade recursal. Ao caso, merece ser aplicada, portanto, a mesma diretriz que o parágrafo único do art. 966 reserva para o recurso de terceiro".2   Portanto, em caso de desconsideração da personalidade jurídica o devedor principal terá legitimidade para recorrer nos casos em que provar que tem interesse jurídico próprio na interposição do recurso. ______________ 1 Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque: "Admite-se expressamente a denominada desconsideração inversa (art. 133, § 2º), aceita pela doutrina e pela jurisprudência no regime processual anterior. Trata-se de fenômeno segundo o qual a pessoa física, mediante atos simulados ou fraudulentos, procura furta-se ao cumprimento de obrigações, transferindo bens a pessoa jurídica da qual é sócio." (Comentários ao Código de Processo Civil: da intervenção de terceiros até da defensoria pública: vol. III: art. 119 a 187, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 130). 2 Comentários ao Código de processo civil, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 582/583.
No tocante ao procedimento ligado a medida cautelar, o CPC/73 previa em seu art. 806 o prazo de 30 (trinta) dias para formulação do pedido principal, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório1. O CPC/2015, ao disciplinar dentre as tutelas provisórias de urgência, a chamada tutela cautelar requerida em caráter antecedente (arts. 305 a 310), disciplinou, em seu art. 308, o prazo de 30 (trinta) dias para formulação do pedido principal, prazo esse contado da efetivação da tutela cautelar. A inovação procedimental ligado ao instituto ficou por conta da formulação de referido pedido principal (i) nos mesmos autos em que tramita a tutela cautelar e, (ii) dispensado o adiantamento de novas custas processuais. Ainda, a tutela cautelar restou aprimorada com vistas a permitir que autor, querendo, (iii) veicule o pedido principal diretamente com o pedido de tutela cautelar (art. 308, § 1º). Por sua vez, o CPC em vigor disciplina que os prazos correm em dias úteis, regra que ocupa o art. 219, frisando o legislador que a observância de tal regra é restrita aos prazos processuais2. Dúvida há de surgir, portanto, se o prazo previsto no art. 308 do CPC em vigor há de ser contado em dias úteis ou corridos (tal qual o regime do CPC/73). Em verdade o exame de tal questão reside em saber a natureza jurídica do prazo previsto para a formulação do pedido principal ligado a tutela cautelar antecedente. Recentemente a Primeira Turma do STJ examinou a questão: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). 2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/1973, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (Súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes. 3. Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). 4. No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da Súmula 83 do STJ. 5. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no REsp n. 198.2986/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, v.u., j. 21.06.2022, grifou-se) Ao enfrentar a questão, o voto condutor bem examinou: "(...) Pois bem. Como se observa, para o órgão julgador, o prazo para a formulação do pedido principal deve ser contado em dias corridos porque seria teria natureza decadencial, e não processual, hipótese em que o prazo seria contado em dias úteis. Deve ser mantido, à luz da jurisprudência deste Tribunal Superior. Com efeito, ainda na vigência do CPC/1973, à luz dos arts. 806 e 808, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (Súmula 482 do STJ). Ao se consultar os precedentes mencionados na proposta da referida súmula, percebe-se que, à época, havia orientação jurisprudencial deste Tribunal pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal, daí porque a não observância resultava na extinção do processo cautelar. Nesse sentido, dentre outros: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR. CONTAGEM DE PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. EFETIVAÇÃO DA LIMINAR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Interpretando o artigo 806 do CPC o prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da medida liminar e não da sua ciência ao requerente da cautelar. 2. Em caso de descumprimento do prazo, ocorre a extinção da Ação Cautelar, sem julgamento de mérito. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1319930/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011) Direito Processual civil. Cautelar. Indisponibilidade dos bens. Ação Principal. Propositura. Prazo de decadência. Termo inicial. Efetivação da liminar. - Enquanto não efetivada a medida liminar, ou seja, tornados efetivamente indisponíveis os bens dos requeridos, não começa a fluir o prazo de decadência do direito de promover a ação principal. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 687.208/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 16/10/2006, p. 365) PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR. PRAZO DECADENCIAL. DIES A QUO DO TRINTÍDIO LEGAL. ARESTO EMBARGADO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. Trata-se de agravo regimental interposto por ALBERTO KATZ em face de decisão que negou seguimento a embargos de divergência ao entendimento de encontrar-se superada a dissonância interpretativa entre os julgados indicados. Sustenta o agravante que deve ser reformada a decisão objurgada, pois não pretende que a contagem do prazo decadencial seja feita a partir da ciência do requerente acerca da cautelar deferida pelo juízo de primeira instância. Ao contrário, em absoluta conformidade com o entendimento consolidado desta Corte, sempre partiu da premissa que a contagem do prazo decadencial se inicia com a efetivação da medida liminar, recaindo a discussão, contudo, sobre o momento em que se pode reputar verificada tal efetivação. 2. Há de ser confirmada a decisão agravada no sentido da impossibilidade de se emprestar seguimento a recurso de embargos de divergência que traz à colação aresto cuja tese encontra-se superada nesta Casa. 3. A decisão ora agravada apreciou cuidadosamente a dissidência invocada, tendo lançado fundamentação suficiente para embasar a conclusão adotada, não merecendo sofrer nenhuma alteração. Pretende o embargante, na verdade, suscitar a definição acerca do momento em que a efetivação da medida cautelar pode ser reputada verificada. Mas, conforme consignado no próprio acórdão que examinou os embargos de declaração, a constatação de tal situação implicaria em reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula 07/STJ. Não haveria a possibilidade, nesta seara especial, de se certificar se, desde a intimação, o embargante realmente começou a sofrer constrições em seu patrimônio, passando a estar impedido de dispor livremente de seus bens ou não. 4. Agravo regimental não-provido. (AgRg nos EREsp 583.345/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/06/2006, DJ 01/08/2006, p. 332). Ainda pela natureza decadencial do prazo, confiram-se: AgInt no AREsp 1351646/CE, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021; AgInt nos EDcl no REsp 1801977/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe 20/11/2020; AgInt no AREsp 898.521/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 01/02/2017. Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). De fato, quanto aos prazos processuais, a Lei n. 13.105/2015 - CPC/2015 estabelece, que, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis (art. 209); e que, "decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa" (art. 223). E, no que se refere ao processo cautelar, o CPC/2015 dispõe, ainda, que, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, sob pena de cessar a eficácia da cautelar, hipótese em que será vedado a renovação do pedido, salvo sob novo fundamento (arts. 308 e 309). No contexto, portanto, deve-se reconhecer que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior, razão pela qual não deve ser conhecido o recurso, seja pela alínea 'a' do permissivo, seja pela 'c'. (...)" O recente entendimento do STJ soa acertado, porquanto não nos parece razoável pensar que a circunstância de novel legislação passar a prever a contagem dos prazos em dias úteis retira ou modifica o entendimento de que determinado prazo tem natureza jurídica de decadencial, ocasião cujo cômputo dar-se-á em dias corridos. __________ 1 CPC/73: Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. 2 Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.