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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
É conhecida a redação do artigo 382, parágrafo quarto, do CPC/15, que, quanto ao procedimento de produção antecipada de provas, estabelece que: "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário". Já tivemos a oportunidade de externar opinião sobre o tema em artigo publicado em 13/9/2016 no Migalhas, em trabalho no qual sou um dos coautores: Naquele texto, já havíamos concluído que: "Em suma, a produção antecipada de prova sem urgência não pode ser utilizada de forma abusiva pelo requerente, sendo certo que compete ao magistrado verificar os limites e a pertinência da prova pretendida, a legalidade de sua produção e se os requisitos legais para a antecipação estão presentes; podendo o requerido questionar em sua defesa se a finalidade da lei é (ou não!) atendida. Uma análise sistemática e constitucional do novo CPC revela que a impossibilidade de apresentação de defesa no âmbito da antecipação da prova é dotada de aplicação limitada ao âmbito de cognição horizontal do órgão julgador. A própria limitação a respeito da apreciação de fatos e consequências jurídicas deles advindas deve ser vista com certo cuidado, por necessidade de análise da finalidade da produção da prova que se pretende realizar. Espera-se que a presente opinião auxilie e sirva de estímulo ao estudo e construção de trabalhos de maior fôlego a respeito do tema". Ou seja, não é nova a preocupação com a literalidade do referido dispositivo processual, sendo que, sempre que houver abuso no manejo da produção antecipada de prova, compete ao magistrado zelar pela finalidade do instituto e observar o espírito dos princípios estruturantes do CPC/15. E nessa linha foi a recente posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 2037088, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, tendo-se permitido que o princípio do contraditório seja adequadamente observado, no procedimento de produção antecipada de provas, quando houver fundados questionamentos acerca dos requisitos necessários para o ajuizamento da medida em tela. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão. 2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil. 3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão. 4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas. 5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos. 6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal. 7. Recurso especial provido". A posição do STJ é bem-vinda e está em sintonia com uma visão constitucional do processo civil, de modo que todo e qualquer instituto processual precisa ser interpretado em conformidade com os princípios estruturantes do CPC/15; sendo que, no caso em referência, forte é a diretriz de que a produção antecipada de provas precisa ser compreendida, sem prejuízo das particularidades deste procedimento, em linha com os princípios do contraditório e da ampla defesa quanto aos seus requisitos de ajuizamento e subsequente trâmite.
Em pretérita edição desta coluna1 registramos o quanto decidido pela Corte Especial STJ ao decidir o Tema n. 1076 que, em sede de julgamento de Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que "(i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Precedeu o julgamento do Tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Em outras ocasiões trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154-5-6. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Por fim, o colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16.03.2022, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF.8 Esperava-se que o precedente obrigatório firmado mediante a fixação do Tema Repetitivo n. 1.076 finalmente colocasse um ponto final sobrea questão, ao menos no âmbito do STJ. Todavia, referido tema voltou à baila recentemente, na tentativa da corte cidadã pensar melhor acerca do quanto decidido há pouco mais de um ano atrás quando do julgamento do recurso especial repetitivo, o qual, diga-se de passagem, contou com a participação de inúmeras entidades representativas dos mais variados seguimentos (Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP, Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dentre outros), a expor os mais variados pontos de vista no intuito de defender a aplicação ou não da regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC. E, no recente julgado do recurso especial n. 1.743.330-AM, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA 1076/STJ. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DISTINTA DAQUELAS CONSIDERADAS RELEVANTES NA FORMAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO PELA INJUSTIÇA, DESPROPORCIONALIDADE, IRRAZOABILIDADE, FALTA DE EQUIDADE OU DISSENSO EM RELAÇÃO A PRECEDENTES DE OUTRAS CORTES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES QUE EM TESE JUSTIFICARIAM A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO INOCORRENTE SOB ESSES FUNDAMENTOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1076/STJ QUE DEVERÁ SER APLICADA ATÉ QUE SOBREVENHA EVENTUAL MODIFICAÇÃO DECORRENTE DE SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL OU ATÉ QUE HAJA EVENTUAL SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE NESTA CORTE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SITUAÇÃO DE FATO IRRELEVANTE. CIRCUNSTÂNCIA CONSIDERADA EM RECURSOS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA POR OCASIÃO DA FIXAÇÃO DA TESE RELATIVA AO TEMA 1076/STJ. 1- Embargos de terceiro opostos em 14/06/2017. Recurso especial interposto em 29/03/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa. 3- A distinção que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 4- Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta. 5- O art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários desta Corte se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 6- A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para diferenciar a hipótese em exame em relação ao precedente firmado no julgamento do tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente - e foi considerada - em dois dos recursos representativos da controvérsia (REsp 1.906.623/SP e REsp 1.644.077/PR) e, ainda assim, compreendeu a Corte Especial se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal. 7- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários, ressalvado expressamente o entendimento pessoal da Relatora para o acórdão. (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) O relator inicialmente designado, Ministro Moura Ribeiro, entendeu pelo provimento do recurso especial, ao fundamento, em síntese, de que "(...) o Tribunal amazonense extinguiu o feito, sem resolução de mérito, ao reconhecer a carência da ação, por falta de interesse processual da WAVE, sob o argumento de que não existiria nenhuma constrição judicial e nem sequer ameaça em relação ao imóvel matriculado sob o número 18.849, de sua propriedade. Importante lembrar também que o TJAM arbitrou a verba honorária em 10% do valor dado à demanda, que foi fixado por determinação de ofício em R$ 7.900.000,00 (sete milhões e novecentos mil reais), colhendo então o montante de R$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), sem contar que tal verba, atualizada para os dias atuais já se aproxima da quantia de R$ 2 milhões de reais!(...) ) em prevalecendo o acórdão recorrido, apoiado em uma interpretação literal de precedente desta Corte, a fixação de honorários em tal monta se traduz em imoderação e abusividade, com o devido acatamento, ferindo de morte os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além da cooperação e do bem comum, retratado na paz social." Todavia, referido voto ficou vencido pelo voto divergente inaugurado pela Ministra Nancy Andrighi, o qual foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora: "(...) 20) Antes, contudo, é preciso registrar que, se o presente julgamento tivesse ocorrido antes de dois relevantes momentos históricos desta Corte, não teria absolutamente nenhuma dúvida em acompanhar o voto do e. Relator, por compreender que, de fato, a remuneração do trabalho do patrono não condiz com a atividade por ele desenvolvida. 21) O primeiro desses momentos é o julgamento do REsp 1.746.072/PR, perante a 2ª Seção, cujo acórdão foi publicado no DJe 29/03/2019. Naquela ocasião, esta Corte deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Relembre-se somente que, naquela assentada, fiquei vencida juntamente apenas da e. Ministra Maria Isabel Gallotti e do e. Ministro Marco Buzzi. 22) O segundo momento, obviamente, é o recente julgamento do tema 1076, perante a Corte Especial, cujos acórdãos foram publicados em 31/05/2022, em que aquela sinalização inicial se materializou em forma de um precedente vinculante. Relembre-se que, naquele julgamento, também fiquei vencida, desta feita junto às e. Ministras Maria Isabel Gallotti, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e ao e. Ministro Herman Benjamin. 23) O e. Relator, em seu judicioso voto, propõe seja reconhecida a existência de uma distinção entre o precedente firmado no tema 1076 e a hipótese em exame, de modo que se imporia solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso, em primeiro lugar, verificar exatamente o que se deve compreender como uma distinção apta a diferenciar determinada hipótese do precedente. 24) Quanto ao ponto, leciona Ravi Peixoto: A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação. Muito embora simples na teoria, a utilização da técnica guarda um grande desafio argumentativo, que é o de "demonstrar o quanto os fatos que ensejam a distinção são decisivos disposições normativas". Havendo sucesso na argumentação, o precedente invocado simplesmente será inaplicável ao caso concreto, sendo possível ao magistrado decidir de forma diversa. (...) O desafio é justamente esse, o de categorização dos fatos relevantes e irrelevantes no caso suscitado como precedente e no caso concreto em questão. Isso porque, nem toda particularidade implica na distinção, pois ela pode ser insuficiente para implicar na inaplicabilidade do precedente. Por vezes, mais importante do que os próprios fatos enquanto ocorridos, é a forma como são compreendidos e categorizados, o que dependerá da atividade argumentativa dos sujeitos processuais nos casos posteriores, o que irá delimitar adequadamente o precedente. (...) Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática. (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343). 25) A partir dessas premissas, não há dúvida de que a distinção somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 26) Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta. 27) Sobre o debate a respeito desses aspectos do precedente formado no tema 1076 - desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça - gostaria de ressaltar que, em voto vencido de longas 38 laudas, suscitei todas essas matérias que agora são novamente reavivadas por S. Exa., fundando-me naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito. 28) Todos esses fundamentos, contudo, foram expressamente repelidos pela Corte Especial no julgamento do tema 1076, que, ao fixar as conhecidas teses sobre o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, colocou-nos na posição de fixar honorários no patamar mínimo de 10% sobre valor da causa originário de R$ 7.900.000,00, a ser corrigido desde junho/2017, em embargos de terceiro em que houve apenas uma petição inicial, uma emenda à petição inicial e um agravo de instrumento que extinguiu a ação por falta de interesse processual. 29) Desse modo, é correto dizer que essa situação perdurará, ao menos: (i) se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.850.512/SP, do RE 1.412.074/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.906.618/SP, e do RE 1.412.069/PR, interposto a partir do julgamento do REsp 1.644.077/PR, que foram utilizados, nesta Corte, para a formação do tema 1076; ou (i i) se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 30) A única eventual distinção que realmente diz respeito a fatos proposta no judicioso voto do e. Relator versa sobre a inaplicabilidade do precedente às hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, pois, sustenta S. Exa. que, nesse cenário, a fixação dos honorários deveria ocorrer de modo proporcional à matéria efetivamente apreciada e com razoabilidade. 31) Entretanto, registre-se que esse fato - ações extintas sem resolução de mérito - foi expressamente considerado no precedente, compreendendo a Corte Especial que a tese firmada no julgamento do tema 1076 seria aplicável também nessas hipóteses. 32) Com efeito, na hipótese fática examinada no REsp 1.906.623/SP, um daqueles que serviram de base ao tema 1076, havia sido ajuizada, no ano de 2018, uma execução fiscal no importe originário de R$ 5.771.703,75 (cinco milhões, setecentos e setenta e um mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos), sobrevindo a extinção do processo sem resolução de mérito, em virtude de exceção de pré-executividade, porque a exigibilidade dos tributos estava suspensa em virtude de liminar em mandado de segurança. 33) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa superava R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais, à luz do art. 85, §3º, I a V, e §5º, do CPC/15, superaria R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais). 34) Ainda assim, contudo, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito. 35) Na hipótese fática examinada no REsp 1.644.077/PR, por sua vez, havia sido ajuizada, no ano de 1997, uma execução fiscal no importe de R$ 1.165.746,54 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), sobrevindo a extinção parcial do processo sem resolução de mérito, excluindo-se um dos litisconsortes em função de sua ilegitimidade passiva, também no âmbito de uma exceção de pré-executividade. 36) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa se aproximava de R$ 4.600.000,00 (quatro milhões e seiscentos mil reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da litisconsorte excluída, à luz do art. 85, §3º e §5º, do CPC/15, superaria R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). 37) E, ainda assim, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção parcial do processo sem resolução de mérito apenas pela exclusão de um dos litisconsortes. 38) Dessa forma, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator e compreendendo as razões trazidas por S. Exa., não há que se falar em distinção sob nenhum ângulo que se examine a matéria. 4. DISPOSITIVO Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial ao fundamento de incidência das Súmulas 284/STF e 211/STJ; se porventura superadas as preliminares, NEGO-LHE PROVIMENTO, ressalvando expressamente a minha posição pessoal, mas em obediência à tese firmada no tema 1076, majorando os honorários em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal de 10 para 10,5%." (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) Embora o v. acórdão em comento não dê pista se a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi (e acompanhada pelos demais pares da turma julgadora) diga respeito (i) ao não conhecimento do recurso especial ou (ii) ao subsidiário exame da matéria de fundo, fato é que a Terceira Turma, vencido o Ministro Moura Ribeiro, permaneceu firme em respeitar o quanto decidido quando da formação da tese cristalizada no Tema 1.076. E, respeitado entendimento em sentido contrário, não há como ser diferente. A uma, repita-se que a formação da tese firmada no Tema 1.076 precedeu de amplíssimo debate e participação dos setores representativos da sociedade em seus mais variados seguimentos, cada um propondo sua tese e antítese respectiva, diga-se da passagem para aplicar ou não um comando claro e objetivo previsto no art. 85, § 2º do CPC (o qual de igual sorte foi fruto de amplo debate no Congresso Nacional, seguido de aprovação e vigência do CPC/2015). A duas, o quanto decidido no Tema 1.076 data pouco mais de um ano, sendo indevido, senão inapropriado e sem previsão legal, conferir ao próprio órgão inaugurador de referido tema a oportunidade de, por suas cortes fracionárias, pensar melhor, senão revistar questões amplamente debatidas e superadas quando do julgamento que cristalizou o precedente vinculante. A três, como bem posto pela Ministra Nancy Andrighi, "(...) não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente." A quatro, a razão de ser da técnica de julgamento de recurso especial repetitivo e instrumentos congêneres tem o condão de exatamente conferir (i) segurança jurídica, (ii) previsibilidade das decisões do Poder Judiciário, (iii) isonomia para que o tratamento conferido a dado caso concreto seja o mesmo em caso congênere e (iv) celeridade, porquanto questões já examinadas à exaustão e debatidas pelo Poder Judiciário deverão valer-se de técnicas que confiram resposta jurisdicional mais rápida ao jurisdicionado que se vale do precedente vinculante. Revisitar, num curtíssimo espaço de tempo desde a formação do precedente vinculante, o quanto já debatido e examinado à exaustão quando da formação do Tema repetitivo significa negar sua vigência, senão ignorar todo o trabalho despendido pelo próprio Poder Judiciário, partes envolvidas e interessadas, quando da formação do tema repetitivo. E mais, assim o fazendo abre-se uma porteira para a parte que litiga contrariamente ao tema repetitivo, seguir até o STJ dizendo que seu caso é distinto, a indevidamente suscitar a aplicação da técnica do distinguishing e tornar uma prática de exceção como regra. Consequência de tal situação será a enxurrada de vindouros recursos especiais a baterem a porta do STJ, a congestionar o exame de tais recursos, pautas de julgamento, enfim, uma série de atos processuais cujo desiderato da técnica de julgamento do recurso especial repetitivo e seus impactos seria exatamente o oposto. Daí porque é digno de aplausos o voto vencedor quando inaugurada a divergência pela Ministra Nancy Andrighi: embora publicamente tenha posição contrária a tese firmada no Tema Repetitivo 1.076 (tendo inclusive declarado voto divergente na ocasião do julgamento), defendeu com maestria as razões de distinção ou não do precedente ao caso concreto, curvando-se ao quanto decidido, por maioria de votos, no tocante a matéria de fundo ensejadora do tema repetitivo. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui.  6 Disponível aqui.  7 Disponível aqui.  8 Disponível aqui. 
Como se sabe, o art. 196 da Constituição Federal (CF) estabelece "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Apesar de o direito à saúde estar assegurado na CF como um direito de todos e como um dever do Estado, a realidade brasileira é bem diferente. Aquele ou aquela que precisam de medicamentos e não têm como arcar com os custos do tratamento de uma determinada doença muitas vezes têm que recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer o que está disposto no art. 196 da CF. Tema importante que envolve esta triste realidade é a questão dos honorários advocatícios arbitrados nas demandas que devem ser propostas contra o Estado para condená-lo ao cumprimento da obrigação de fornecer os medicamentos necessários para manutenção da saúde do cidadão e assim cumprir de maneira forçada o que está no art. 196 da CF. É o advogado, que exerce função indispensável à administração da justiça (CF, art. 133), quem está na linha de frente do combate à ineficiência do Estado em garantir o acesso à saúde. É o advogado que acolhe o enfermo em um dos momentos mais difíceis da vida dele, ajuda a reunir todos os documentos necessários (laudos, prescrições médicas, exames, declarações de profissionais de saúde, comprovantes de situação de necessidade extrema, listas de medicamentos publicadas pelo SUS e pela ANVISA, etc.) e vai ao Poder Judiciário para lutar para garantir o que o art. 196 da CF prometeu: o direito à saúde e o dever de o Estado assegurar isso para todos. Para exercer esta função indispensável à administração da justiça, o advogado precisa ter uma remuneração digna e compatível com a relevância do seu papel na sociedade. Se o Estado cumprisse a Constituição, não seria necessário o seu trabalho. Assim, tratar do tema da remuneração do advogado é algo crucial e não deve ser deixado em segundo plano. O tema dos honorários advocatícios está disciplinado pelo art. 85, do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece em seu caput o seguinte: "A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". Os critérios de fixação dos honorários do advogado estão no § 2º do mesmo dispositivo, caso exista proveito econômico no processo. Confira-se: "§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço". Caso o proveito econômico obtido no processo seja inestimável ou o valor a ser recebido pelo vencedor seja irrisório ou, ainda, quando o valor da demanda seja muito baixo, o § 8º do art. 85 preceitua que "o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º". Muita controvérsia existe em torno da interpretação do § 8º do art. 85 do CPC para definir o que é "valor inestimável" ou "valor irrisório" de uma demanda, que autorizariam o juiz a fixar os honorários fora das balizas do § 2º do mesmo dispositivo legal que impõe ao magistrado arbitrar honorários advocatícios em valores entre 10% e 20% do valor da causa. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o interpretar o § 8º do art. 85 do CPC, fixou a seguinte tese, como Tema Repetitivo n. 1.076: "i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo". No que diz respeito às demandas que versam sobre a condenação do réu ao fornecimento de medicamentos para o autor como modo de assegurar o cumprimento do art. 196 da CF, o STJ decidiu que deveria ser aplicado o § 8º do art. 85 do CPC, por se entender que o benefício alcançado por aquele que recebe os medicamentos seria "inestimável". Confira-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIRETO À SAÚDE. VALOR INESTIMÁVEL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. EQUIDADE. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado Administrativo n. 3). 2. O STJ, no julgamento do Tema 106, firmou o entendimento de que a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 3. Não se pode concluir que a exigência da comprovação da hipossuficiência financeira, como requisito para o Poder Público fornecer gratuitamente a medicação prescrita ao autor, leve ao reconhecimento de um estimável proveito econômico. 4. A obrigação de fazer imposta ao Estado, em tais casos, dá-se em caráter excepcional, somente se preenchidos todos os critérios estabelecidos no recurso repetitivo, sendo certo que as demandas dessa natureza objetivam a preservação da vida e/ou da saúde garantidas constitucionalmente, bens cujo valor é inestimável, o que justifica a fixação de honorários por equidade. 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.881.171/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 9/3/2021, grifos nossos)" Ocorre que o entendimento acima transcrito fecha os olhos para uma realidade importante que é a dos preços dos medicamentos e tratamentos envolvidos. É certo que a preservação da vida e da saúde têm valor inestimável, mas os tratamentos e remédios utilizados para estas finalidades têm valores muito bem definidos. Nesse caso, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no § 2º do art. 85, do CPC, ou no § 3º, caso o réu seja a Fazenda Pública. Foi exatamente por isso que, recentemente, em junho de 2023, o STJ mudou de opinião e determinou que fossem levados em consideração os valores dos medicamentos para arbitramento dos honorários advocatícios. Confira-se: "AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. EQUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. 1. Trata-se, na origem, de ação proposta por portador de adenocarcinoma de próstata contra o Estado de São Paulo, objetivando o fornecimento do medicamento XTANDI 40ing (ENZALUTAMIDA), na quantidade de cento e vinte comprimidos por mês, por tempo indeterminado. Foi dado à causa o valor de R$ 148.499,04 (cento e quarenta e oito mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quatro centavos - válidos para novembro de 2017), que corresponderia ao valor do tratamento médico prescrito em favor da parte autora, pelo período de 12 (doze) meses. 2. O pedido foi julgado procedente para condenar a ré a fornecer o medicamento pleiteado na inicial, por seu respectivo princípio ativo, conforme prescrição médica, sem preferências por marcas, e enquanto durar o tratamento. A ré foi condenada, ainda, ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000 reais. 3. A Apelação da parte autora para majorar os honorários advocatícios não foi provida. Ao exercer o juízo de retratação, em virtude do julgamento do tema 1.076 pelo STJ, o Tribunal de origem manteve o aresto vergastado pelos seguinte fundamentos: "In casu, infere-se de singela leitura do v. acórdão de fls. 188/195, que, no caso concreto, a fixação dos honorários advocatícios por equidade não conflita com os requisitos estabelecidos pelo Tema 1.076 do STJ que, modificando orientação anterior, passou a entender que o arbitramento da verba honorária por equidade não se aplica à condenação de valor excessivo e que o artigo 85, § 8º, da lei adjetiva de 2015, seria utilizado apenas em caráter excepcional, contudo, a mesma Corte assentou entendimento no sentido de que nas ações em que se busca o fornecimento de medicamentos de forma gratuita, os honorários sucumbenciais podem ser arbitrados por apreciação equitativa, tendo em vista que o proveito econômico, em regra, é inestimável". 4. A irresignação prospera porque a Corte Especial do STJ, em hipótese análoga, de demanda voltada ao custeio de medicamentos para tratamento de saúde, entendeu que a fixação da verba honorária com base no art. 85, §8º, do CPC/2015 estaria restrita às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, as de estado e de direito de família: AgInt nos EDcl nos EREsp 1.866.671/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 27.9.2022. 5. Recurso Especial provido, com o retorno dos autos à Corte de origem para fixação do valor da verba honorária. (REsp n. 2.060.919/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 28/6/2023, grifos nossos.)". Esta última decisão do STJ, cuja ementa está acima transcrita, parece ser a mais acertada, tendo em vista que há proveito econômico evidente (R$ 148.499,04), uma vez que os valores dos medicamentos não podem ser solenemente ignorados. O advogado tem responsabilidade para reunir todos os documentos necessários para garantir os direitos de seu cliente e o acolhe em um dos momentos mais difíceis da sua vida, como já dito, sendo muitas vezes a sua última esperança. É ele que tranquiliza o jurisdicionado e seus familiares e mantém acesa a chama da credibilidade na justiça. É função, como diz a própria Constituição Federal, indispensável a administração da justiça. No caso concreto acima descrito, o advogado receberia menos de um salário mínimo por aproximadamente 5 (cinco) anos de trabalho, caso não fosse proferida a decisão do STJ de 06.06.2023 acima ementada. Pergunta-se: seria justo?
Sem dúvidas, o artigo 85 do Código de Processo Civil é um dos que mais sofrem questionamentos em nossas Cortes. Ao tratar de forma pormenorizada sobre os honorários advocatícios tal dispositivo acabou por criar muitas dúvidas nos operadores e decisões judiciais conflitantes. Dessa vez, não abordaremos o já famoso § 8º e a impossibilidade da redução dos honorários advocatícios para o seu arbitramento por equidade. Tal tese foi objeto do Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça e mostra de forma cristalina como o sistema de precedentes do CPC/15 é falho e permite que um julgamento repetitivo não seja respeitado. Outro parágrafo bastante questionado é § 19, que prevê que "os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência na forma da lei". Em artigo publicado em fevereiro de 2.019 nessa própria coluna1, tive oportunidade de demonstrar a falta de uniformidade no tratamento do tema na doutrina e na jurisprudência. Nem o julgamento da ADIN 6.053/DF, em 2020, pacificou o tema De fato, o Supremo Tribunal Federal definiu que "1. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei."  Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente julgando que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito do precatório devido pelo ente público. Nesse sentido e citando inúmeros outros julgados no mesmo sentido temos o seguinte recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO PROCURADOR JUDICIAL. INEXISTÊNCIA. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. O entendimento do Tribunal de origem está em desconformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, "no sentido de que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito previsto no título. Precedentes: REsp 1.668.647/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 20/6/2017; AgInt no AREsp 909941/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma. Julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017" (STJ, AgInt no REsp 1.893.299/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/08/2021). III. Precedentes: STJ, AgInt no AREsp 1.834.717/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/5/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.907.197/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 2/6/2021; AgInt no REsp 1.718.785/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/10/2020; AgInt no AREsp 909.941/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 31/8/2017; REsp 1.668.647/SP, Rel. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/6/2017; AgRg no AREsp 5.466/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/8/2011. Em situações semelhantes - inclusive do Distrito Federal -, o STJ acolheu a tese do particular: STJ, AgInt no REsp 1.991.336/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 5/10/2022; RCD no REsp 1.861.943/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/10/2021. No mesmo sentido, dentre outras, as seguintes decisões monocráticas: STJ, REsp 2.064.366/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 29/05/2023; REsp 2.055.072/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 23/03/2023. IV. Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 2.003.127/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. 26.06.2023, publ. 30.6.23) Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acaba com uma injustiça, pois muitas vezes o particular tinha que se sujeitar a receber o seu crédito pelo moroso sistema do precatório e, em caso de sucumbência recíproca, tinha de pagar de imediato os honorários advocatícios aos Entes Públicos. Entretanto, a solução de tal injustiça talvez gere outra injustiça com os advogados públicos, que deixam de receber os honorários sobre esse montante compensado com o valor do precatório. Talvez o mais justo seria pensar uma forma de recompensar os Advogados Públicos nesses casos. O § 14, do artigo 85, em boa hora, vedou a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca e nesse caso parece que é exatamente o que está acontecendo, com a compensação da verba honorária dos advogados públicos com o valor do precatório devido pelo Poder Público. Resta saber, caso se entenda a questão constitucional, se o Supremo Tribunal Federal chancelará o entendimento de que os "honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade". Nesse caso, como geralmente acontece, a solução parece não estar nos extremos (os advogados públicos não devem receber os honorários sucumbenciais ou a verba honorária pertence exclusivamente aos procuradores e não se poderia compensar com o crédito a ser recebido via precatório). Caberia assim, à lei, prevista no § 19 tentar compatibilizar as duas posições sem que a solução de uma injustiça crie outra. __________ 1 Disponível aqui.
Foi publicada, no Diário Oficial da União de 14.07.2023, a lei 14.620 de 13 de julho de 2023, que, dentre outras disposições, altera o art. 784 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), com a inserção do parágrafo 4º: "Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura". O art. 784 do Código de Processo Civil prevê quais são os títulos executivos extrajudiciais, sendo que, no inciso III, é conferida a força executiva ao documento particular assinado pelas partes e por 2 (duas) testemunhas. Desta forma, considerando que a referida lei, entra em vigor na data da sua publicação, a partir de 14/7/2023, na linha do que o Superior Tribunal de Justiça já havia decidido1, passa a ser conferida força executiva aos contratos eletrônicos, dispensando a assinatura de testemunhas. Sem prejuízo da observância de legislação específica para cada respectivo título executivo extrajudicial, vale lembrar que a validade jurídica de documentos assinados em forma eletrônica está regulamentada pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001, cujo artigo 10 prevê que "As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP- Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil". Em seguida, o §2º da referida Medida Provisória estabelece a ausência de óbice na utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Lembramos que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em conformidade com a referida Medida Provisória, tem julgados sinalizando a necessidade de assinatura eletrônica de certificação digital ligada ao ICP-Brasil, para fins de configuração do título executivo extrajudicial.2 __________ 1 REsp 1495920(2014/0295300-9 de 07/06/2018), de Relatoria ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 2 Agravo de Instrumento nº 2289091-25.2019.8.26.0000, 11ª. Câmara de Direito Privado, de Relatoria do Desembargador Marino Neto; e Agravo de Instrumento nº 2289089-55.2019.8.26.0000, 14ª. Câmara de Direito Privado, de Relatoria do Desembargador Achile Alesina.
O efeito interruptivo ocasionado pela oposição dos Embargos de Declaração para a interposição de novos recursos é sem dúvida o seu principal diferencial frente aos outros recursos. O "caput" do artigo 1.026 do Código de Processo Civil foi claro ao prever que a interrupção somente se daria para a interposição de novos recursos e não para toda e qualquer manifestação ou defesa a ser apresentada nos autos1. Entretanto, dúvida surge se tal previsão poderia ser estendida para interromper o prazo também para a apresentação de defesa ou outras manifestações. Em recente julgado a Quarta Câmara do Superior Tribunal de Justiça afastou tal possibilidade:          "RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado. 2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença." (Recurso Especial 1.822.287 - PR, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento 03/07/2023)2 Em seu voto o Ministro Relator conclui que "Nessa perspectiva, é forçoso concluir pelo não cabimento de interpretação extensiva da regra contida no art. 1.026 do CPC/2015, sob pena de verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o termo "recurso" não dá margem para o intérprete validamente extrair o sentido de "defesa ajuizada pelo devedor"."  O Ministro Raul Araújo apresentou voto divergente (vencido) prevendo que "Não vejo como se possa exigir que a parte embargante, antes de proferido o julgamento dos embargos de declaração acerca de ponto omisso, contraditório ou obscuro, existente na decisão, possa já manejar sua manifestação, seja de defesa, seja de recurso vertical na sequência dos embargos de declaração. Por quê? Porque há uma incompletude a ser ainda colmatada com o julgamento dos embargos de declaração. Então, o ato judicial embargado só se perfectibiliza após o julgamento dos embargos de declaração."  Desse modo, não sendo unânime o entendimento da Quarta Turma do STJ, existindo entendimentos díspares nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais, seria importante que o Superior Tribunal de Justiça pacificasse o tema com um novo julgamento, agora sob a égide dos processos repetitivos. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Zumar Duarte: "Anote-se, o dispositivo é claro: "(...) interrompem o prazo para a interposição de recurso". Logo, a interrupção se dá quanto ao prazo de outros recursos, não para prática de qualquer outro tipo de ato processual." (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 1630) 2 Há também julgado da Terceira Turma do STJ nesse mesmo sentido: "A contestação possui natureza jurídica de defesa. O recurso, por sua vez, é uma continuação do exercício do direito de ação, representando remédio voluntário idôneo a ensejar a reanálise de decisões judiciais proferidas dentro de um mesmo processo. Denota-se, portanto, que a contestação e o recurso possuem naturezas jurídicas distintas. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, nos termos do art. 538 do CPC/73. Tendo em vista a natureza jurídica diversa da contestação e do recurso, não se aplica a interrupção do prazo para oferecimento da contestação, estando configurada a revelia" (STJ, REsp 1542510/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, jul. 27.09.2016, DJe 07.10.2016).
Já registramos nesta coluna o quanto decidido pelo STJ no tocante a aplicação do tema repetitivo 10761 que, em sede de julgamento de recurso especial repetitivo, fixou a tese de que " (i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Antecedeu julgamento do tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Noutras oportunidades trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154 5 6. A interpretação destinada a afastar a aplicação do art. 85, § 2º, do CPC (seja contra legem¸ seja mediante interpretação extensiva) parte das premissas, em síntese, (i) do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Ainda, colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16/3/22, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF8. Por fim, referenciamos julgado da terceira turma do STJ, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, que, muito embora tenha figurado como voto vencido quando da formação do tema repetitivo 1076, houve por aplicar - afastando qualquer distinguishing - o quanto decidido por maioria por seus pares9. E em relação a Fazenda Pública, cabe nesta oportunidade registrar a recente decisão monocrática voltada a prover Recurso Especial reclamando a aplicação da regra do art. 85, § 3º do CPC contra o Poder Público: "(...) A parte recorrente afirma que "É incontroverso que os honorários de sucumbência estão submetidos ao regime jurídico do CPC de 2015, fato este reconhecido textualmente pelo acórdão recorrido. A despeito disso, ao arbitrar a verba sucumbencial, o TRF5 violou expressamente o comando do §3º do art. 85 do CPC de 2015" (fl. 1.034e). Assevera que "A aplicação subsidiária do §8º do art. 85 do CPC é ratificada pela regra do art. 140, parágrafo único, do CPC, segundo a qual 'o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei', igualmente violada pelo acórdão recorrido. Tampouco há que se cogitar da incidência do princípio constitucional da proporcionalidade para fins de redução dos honorários advocatícios" (fl. 1.037e). Acrescenta, ainda, que "No caso em tela, não há como se ter por equitativo o juízo realizado pelo TRF5, porquanto não se mostra nem justo, nem razoável, diante da natureza ínfima (diante do valor da causa) dos honorários arbitrados" (fl. 1.039e). Por fim, requer "seja conhecido e provido o presente recurso especial, para: i) reformar o acórdão recorrido, majorando os honorários de sucumbência em conformidade com os percentuais mínimos e máximos previstos no art.85, §3º, do CPC, afastando a aplicação do §8º do referido dispositivo, ou, sucessivamente, à luz dos parâmetros do art. 85, §2º, do CPC;(ii) sucessivamente, a anulação do acórdão recorrido, determinando-se o retorno dos autos ao TRF5, afim de que este proceda à majoração dos honorários sucumbenciais" (fl. 1.045e). Contrarrazões a fls. 1.054/1.083e. Foi determinado o sobrestamento do feito (fls. 1.086/1.087e) e, em posterior juízo de retratação, o acórdão foi mantido. Confira-se a ementa do julgado: "Tributário e Processual Civil. Embargos de terceiro. Condenação da União em honorários advocatícios. Montante elevado da causa. Aplicação da equidade ao presente caso, nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil. Juízo de retratação. Inadequação. Retorno dos autos à Presidência desta e. Corte. 1. Autos que retornam da Presidência para que esta Turma faça a adequação ao julgamento representativo de controvérsia afetado ao Tema nº 1076, quando o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 2. O v. acórdão negou provimento à apelação, em face do elevado valor atribuído à causa, R$23.925.685,95 (vinte e três milhões, novecentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e noventa e cinco centavos), desse modo, foi aplicado a equidade ao presente caso, estabelecida no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, mantendo a verba honorária fixada na sentença em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 3. Ao exame dos autos, constata-se ser o caso de fixação mediante apreciação equitativa (art.85, § 8º, do Código de Processo Civil), em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e em razão do alto valor da causa - superior a vinte e três milhões de reais. 4. Ademais, a simples aplicação do percentual fixado no § 3º, do art. 85, do Código de Processo Civil acarretaria em honorários vultosos, em montante muito superior ao que seria razoável ao presente caso, o que resultaria enriquecimento indevido e injustificado, tendo em vista as especificidades do caso em debate. 5. Registre-se, ainda, que para o deslinde da presente demanda não foi necessária realização de diligência ou perícias nem tampou a matéria debatida nos autos é de grande complexidade, bem como o montante fixado foi condizente com trabalho realizado pelo advogado. 6. Na linha da tese aqui defendida, em que se reconheceu a possibilidade de fixação de honorários advocatícios por apreciação equitativa na hipótese de a condenação se mostrar desproporcional e injusta, inclusive com base no quanto decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal na ACO 2.988/DF, em embargos de declaração (julgado em 21 de fevereiro de 2022), a afastar o precedente estabelecido no Tema 1.076, pelo Superior Tribunal de Justiça, menciona-se o precedente desta Quarta Turma ao julgar o processo n° 0805327-76.2021.4.0500300, da relatoria do des. Rubens de Mendonça Canuto Neto (julgado em 26 de abril de 2022), e o precedente firmado em sessão ampliada, da Segunda e Quarta Turmas, referente ao processo n° 0802586-32.2015.4.05.8000, sendo relator o des. Paulo Cordeiro (julgado em 25 de abril de 2022). 7. Desse modo, não há em que se ajustar o acórdão já proferido por esta Turma ao paradigma (Resp 1.850.512/SP), tema 1.076, diante da ausência de dissonância entre os julgamentos desta e. Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça. 8. Por este entender, deixo de exercer o juízo de retratação previsto no art. 1.040, inc. II, do Código de Processo Civil, mantendo os temos do acórdão turmário, com determinação de retorno destes autos à Presidência" (fls. 1.537/1.538e). Opostos novos Embargos de Declaração (1.565/1.570e), eles foram igualmente rejeitados (fls. 1.607/1.610e). O Recurso Especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fls.  1.638/1.639e) (...)" O voto condutor prossegue: "(...)Feito o breve escorço, tem-se que a irresignação merece prosperar. Com efeito, no que toca à controvérsia, a Corte local assim se manifestou: "(...) 16. É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções, muitas vezes, são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. 17. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota. 18. Tal situação não passou despercebida pelos estudiosos da Análise Econômica do Direito, os quais afirmam, com segurança, que os honorários sucumbenciais desempenham também um papel sancionador e entram no cálculo realizado pelas partes para chegar à decisão - sob o ponto de vista econômico - em torno da racionalidade de iniciar um litígio. 19. Os advogados devem lançar, em primeira mão, um olhar crítico sobre a viabilidade e probabilidade de êxito da demanda antes de iniciá-la. Em seguida, devem informar seus clientes com o máximo de transparência, para que juntos possam tomar a decisão mais racional considerando os custos de uma possível sucumbência. Promove-se, desta forma, uma litigância mais responsável, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional. 20. O art. 20 da 'Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro' (Decreto-lei 4.657/42), incluído pela lei 13.655/18, prescreve que, 'nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão'. Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório. 21. Acrescente-se que a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/15, pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante 10 da Súmula do STF. 22. Embora não tenha sido suscitado pelas partes ou amigos da Corte, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração de jurisprudência dominante do STJ, a qual ainda se encontra em vias de consolidação. 23. Assim, não se configura a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto. 24. Teses jurídicas firmadas: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide-, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 25. Recurso especial conhecido e improvido, devolvendo-se o processo ao Tribunal de origem a fim de que arbitre os honorários observando os limites contidos no art. 85, §§ 3°, 4°, 5° e 6º, do CPC, nos termos da fundamentação. 26. Recurso julgado sob a sistemática dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e arts. 256-N e seguintes do Regimento Interno do STJ" (STJ, REsp 1.906.618/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, DJe de 31/5/2022). Não estando a hipótese dos autos contida nas exceções acima indicadas, devem ser observados, portanto, os percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC/2015. Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao Recurso Especial, para determinar que os honorários advocatícios sejam fixados de acordo com a previsão do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º e 5º, do CPC." (Voto monocrático prolatado pela Ministra Assusete Magalhães aos 18/05/2023, REsp n. 2061451/PE, DJ 26/05/2023) A r. decisão supra, prolatada contra a Fazenda Pública, aplicou entendimento que já era esperado quando da formação de precedente vinculante firmado em sede de julgamento de recurso especial repetitivo. Em outras palavras, malgrado a tese prevalecente quando do julgamento do tema repetitivo, não cabe, por meio de outros sucedâneos recursais, buscar a alteração de referido entendimento ou sua superação em tão curto espaço de tempo, o que feriria a instituição, propósito e dinâmica do sistema de recursos repetitivos. ____________ 1 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/369717/afastamento-de-honorarios-por-equidade-alem-de-hipoteses-legais 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se 3 https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI286170,21048-Honorarios+advocaticios+por+equidade+interpretacao+extensiva+ou 4 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/287831/aplicacao-extensiva-de-honorarios-advocaticios-por-equidade-primeiros-passos-para-a-uniformizacao-do-tema 5 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/330443/honorarios-advocaticios-por-equidade-em-demanda-de-valor-milionario 6 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/326277/honorarios-advocaticios-por-equidade-alem-da-previsao-legal--1--a-4--turmas-do-stj-ja-afastaram-interpretacao-extensiva--agora-acao-declaratoria-de-constitucionalidade-perante-o-stf 7 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/362260/stj-a-fixacao-dos-honorarios-advocaticios-por-equidade 8 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/365255/honorarios-por-equidade-e-o-respeito-do-stf-ao-entendimento-do-stj 9 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/385159/precedente-vinculante-firmado-no-tema-1076-e-sua-observancia-pelo-stj
Como se sabe, o inciso I do art. 835 do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: "dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira". Entretanto, o parágrafo segundo do mesmo artigo estabelece que "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento". Muito se pergunta se o exequente é obrigado a aceitar a substituição de penhora de dinheiro, que seria preferencial, por seguro garantia judicial. A resposta dada pelo Superior Tribunal de Justiça é que sim, o exequente é obrigado a aceitar a substituição, se estiverem preenchidos três requisitos: (i) insuficiência do valor da garantia; (ii) defeito formal; (iii) inidoneidade da salvaguarda oferecida. Confira-se, a propósito, o teor da ementa de julgado recente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ART. 829, § 2º, DO CPC/15. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. ART. 835, § 2º, DO CPC/15. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA EM DINHEIRO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL. ACRÉSCIMO DE TRINTA POR CENTO AO VALOR DO DÉBITO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO CREDOR/EXEQUENTE. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE EXPRESSAMENTE EQUIPAROU A FIANÇA BANCÁRIA E O SEGURO GARANTIA JUDICIAL AO DINHEIRO. HARMONIA ENTRE OS PRINCÍPIOS DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO E DA MENOR ONEROSIDADE AO EXECUTADO. REJEIÇÃO SOMENTE POR INSUFICIÊNCIA, DEFEITO FORMAL OU INIDONEIDADE DA SALVAGUARDA OFERECIDA. SITUAÇÃO NÃO VERIFICADA NA HIPÓTESE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. 1. Embargos à execução de título executivo extrajudicial, dos quais foi extraído o presente recurso especial, interposto em 1º/2/2022 e concluso ao gabinete em 10/11/2022. 2. O propósito recursal consiste em decidir se, em execução de título extrajudicial, é possível a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial, observados os requisitos do art. 835, §2º, do CPC/15, notadamente diante da discordância da parte exequente. 3. O legislador, ao dispor sobre a ordem preferencial de bens e a substituição da penhora, expressamente equiparou a fiança bancária e o seguro-garantia judicial ao dinheiro, nos seguintes termos: "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento" (art. 835, § 2º, do CPC/15). 4. Precedente desta Terceira Turma a afirmar que: "dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida" REsp 1.691.748/PR, DJe 17/11/2017). 5. Hipótese em que o acórdão recorrido manteve a decisão do Juízo de primeiro grau que deferiu a substituição da penhora de ativos financeiros dos recorridos por seguro garantia judicial, sob o fundamento de que, na sistemática do CPC/15, ao executado é facultada a referida substituição, desde que com acréscimo de 30% no valor do débito, sendo prescindível a aceitação pelo exequente/recorrente. Necessidade de manutenção do decisum. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 2.034.482/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023, grifos nossos.)" O seguro garantia judicial é um instrumento importante para garantir que o exequente receba o valor devido, ao mesmo tempo em que impede que uma sociedade empresária executada fique sem capital circulante. Assim, merece aplausos a decisão do Superior Tribunal de Justiça pela interpretação dada ao art. 835, § 2º, do CPC.
Uma das vantagens do sistema de precedentes, que tão bem inspirou a formação do CPC/15, é a busca de maior previsibilidade na prestação da tutela jurisdicional, garantindo-se, portanto, a obtenção da segurança jurídica.  E uma das ferramentas utilizadas pelo CPC/15 para lastrear a tentativa de uma maior uniformidade na prestação da tutela jurisdicional - notadamente em situações similares - é a dinâmica adotada para o julgamento dos recursos que tramitam no formato de "repetitivos", conforme previsão da Subseção II do capítulo que trata do sistema recursal no código.    Como disciplina o diploma processual, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, poderá haver afetação do tema para julgamento de acordo com as disposições do CPC/15, dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, observado sempre o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.  E o artigo 1037 do CPC/15 diz que, uma vez selecionado um recurso especial e/ou extraordinário paradigma da controvérsia, o relator, no tribunal superior, constatando a presença dos pressupostos para o julgamento dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, proferirá decisão de afetação, na qual, dentre outras providências: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; e II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.  O parágrafo 9º do artigo 1037 do CPC/15 permite que a parte interessada, caso queira requerer o prosseguimento do trâmite do seu processo, demonstre a distinção entre a questão a ser decidida no seu caso e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado no sistema dos repetitivos.  Este requerimento, conforme prevê o artigo 1037 do CPC/15, deve ser endereçado: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. E contra a decisão que resolver o aludido requerimento, caberá: (i) agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; e (ii) agravo interno, se a decisão for de relator.  Mas a grande dúvida é se cabe agravo interno, nos termos do artigo 1021 do CPC/15, contra a decisão de afetação de que trata o artigo 1037 do CPC/15? Ou a parte interessada pode apenas se valer, em um primeiro momento, do requerimento de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do código?  O Ministro Navarro Dantas, em belo artigo sobre o tema, opina pelo cabimento do agravo interno contra a referida decisão de afetação, apesar de reconhecer a tendência jurisprudencial contrária: "Se não seguirem o exemplo que pelo menos a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está dando, ao começar uma interessante guinada nessa jurisprudência ? e aqui se tem em mente, de modo preciso, esses casos em que se alega distinguishing ?, que ao menos considerem deixar clara a possibilidade de que a parte que busca demonstrar a distinção do seu caso o possa fazer no tribunal de origem (na linha da formulação primeva do enunciado), com amplo manejo do agravo interno. Embora talvez o ideal seja possibilitar à parte, sem ambages, requerer o reconhecimento da distinção de seu caso onde e no momento em que lhe parecesse mais conveniente ? tanto perante o tribunal de origem como junto às cortes superiores de destino ?, sempre que a questão surgir em face da problemática dos sobrestamentos decorrentes do procedimento de julgamento de recursos repetitivos. E em qualquer dessas hipóteses, podendo agravar internamente, se necessário"1.  A Professora Teresa Arruda Alvim2, por sua vez, explicita que o procedimento a ser seguido, para fins da distinção, com observância do devido contraditório, é o disciplinado nos parágrafos nono e seguintes do artigo 1037 do CPC/15.  E o tema vem sendo objeto de recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, nos quais, basicamente, se destacam as seguintes diretrizes: (i) a decisão de afetação não é recorrível por agravo interno, podendo, no máximo, ser desafiada pelo requerimento de distinção de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do CPC/15; (ii) a posterior decisão, que resolver o requerimento de distinção, poderá sim ser objeto de recursos, conforme previsão do mesmo artigo do código.  Bem didático, nessa linha, é o acórdão proferido no AgInt no REsp 1888324 / MG, da Relatoria do Min. Benedito Gonçalves, da Primeira Turma do STJ, julgado em 26/04/2021:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TEMA AFETADO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DESPACHO. MEIO DE IMPUGNAÇÃO. 1. Antes da edição do Código de Processo Civil de 2015, esta Corte entendia ser inadmissível o recurso interposto contra despacho que, ante a pendência de julgamento de recurso submetido à sistemática dos recursos repetitivos, determina o sobrestamento do apelo especial na Instância de origem, em virtude da ausência de conteúdo decisório da decisão impugnada. 2. O § 9º do artigo 1.037 do CPC/2015 trouxe a possibilidade de apresentação do requerimento de distinção para a impugnação ao referido despacho de sobrestamento do recurso, com o escopo de demonstrar a diferença entre a questão a ser decidida no processo sobrestado e aquela a ser julgada no repetitivo. Por sua vez, o § 13º do art. 1.037 do CPC/2015 dispõe que é cabível o agravo interno em face da decisão que resolver o requerimento de distinção. 3. No caso dos autos, verifica-se o cabimento do presente agravo interno, porquanto interposto em face da decisão que apreciou o requerimento de distinção. No tocante à matéria discutida no apelo especial, tem-se que a análise da questão versada nos autos perpassa pela apreciação da possibilidade ou não de inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa (Tema 1.055). Assim, em observância ao princípio da economia processual e para evitar decisões dissonantes, tem-se que deve ser mantida a decisão que determinou o retorno dos autos à origem, nos termos dos arts. 1.040, I e II, e 1.041 do CPC/2015. 4. Agravo interno não conhecido."  Posição semelhante foi a adotada no AgInt no AREsp 1359426 / RS, da Relatoria do Ministro Gurgel de Faria:  "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMA. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS. IRRECORRIBILIDADE. 1. É inadmissível a interposição de recurso em desfavor de decisão que determina a baixa dos autos para sobrestamento do feito, em virtude da pendência de julgamento de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral. 2. Nos termos do art. 1.037, §§ 9º e 10, do CPC/2015, a única hipótese de alteração da decisão de sobrestamento seria a demonstração, por meio de requerimento, de que a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso extraordinário afetado seriam distintas, o que não ocorreu na hipótese dos autos".  E, justamente no sentido de admitir o agravo interno interposto contra a decisão que realmente aprecia o requerimento de distinção, vale pontuar o acórdão proferido no EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1791759 / SP, da relatoria do Ministro Raul Araujo:  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. CABIMENTO DE AGRAVO INTERNO COMO IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE RESOLVE DISTINÇÃO ENTRE O TEMA REPETITIVO AFETADO PENDENTE DE JULGAMENTO E A QUESTÃO DE DIREITO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL. OCORRÊNCIA. RECURSO REPETITIVO. DISTINÇÃO ENTRE O TEMA 1.039 E O CASO DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS OCORRIDOS DURANTE A VIGÊNCIA CONTRATUAL EXTINTA E INDETERMINAÇÃO DO INÍCIO DE VÍCIOS OCULTOS E PROGRESSIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos do Código de Processo Civil de 2015, "a parte deve demonstrar, no caso concreto, a distinção entre o tema trazido em seu especial e a tese jurídica com repercussão geral pendente de julgamento no STF, por meio de requerimento previsto no art. 1.037, § 9º, de modo que o agravo interno é cabível da decisão que resolver esse requerimento (art. 1.037, § 13)", cf. AgInt no AgInt no AREsp 517.626/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2020, DJe de 13/03/2020. 2. Pretensão de cobertura securitária postulada perante a seguradora após o fim do contrato de financiamento discutida sob duplo fundamento: (a) sob o viés da falta de interesse pela extinção do contrato; e (b) também pela prescrição da pretensão de cobrança deduzida após o transcurso de tempo desde a quitação do financiamento. Debate integrante do Tema 1.039 dos recursos repetitivos  fixação do termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória em face de seguradora nos contratos, ativos ou extintos, do Sistema Financeiro de Habitação , cf. ProAfR no REsp 1.799.288/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2019, DJe de 09/12/2019. 3. Embargos de declaração acolhidos, a fim de conhecer do agravo interno, ao qual se nega provimento".  A abertura que o CPC/15 conferiu à parte interessada para demonstrar a distinção do seu caso, do tema afetado para apreciação dentro do rito dos recursos repetitivos, é uma providência que prestigia o contraditório, sem prejuízo da preocupação do legislador em procurar garantir a uniformidade e a segurança jurídica na prestação da preciosa tutela jurisdicional dentro das melhores diretrizes do artigo 37 da CF/88 e dos princípios estruturantes do Diploma Processual.  __________ 1 Decisão que devolve recurso à origem para sobrestá-lo é irrecorrível? 2 ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrô-nico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui.
Em junho de 2019 tive oportunidade de escrever artigo nessa coluna mostrando o entendimento antagônico das duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto o cabimento ou não do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais1. De fato, a 1ª Turma possui há muito entendimento afastando o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional), mas mantendo a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no artigo 50 do Código Civil2. Já a 2ª Turma possui reiterados julgados3 entendendo que havia verdadeira incompatibilidade entre o incidente e a lei de Execução Fiscal, e, portanto, afastava o incidente em qualquer hipótese em se tratando de Execução Fiscal. Conforme defendido anteriormente nesse espaço, o entendimento peremptório da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça quando ao não cabimento do Incidente em Execução Fiscal não parecia ser o mais correto. De fato, no caso de desconsideração da personalidade jurídica baseada no artigo 50 do Código Civil, em que se verifica o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, faz-se necessária a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica4. No ano passado tivemos um julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolhendo o entendimento da 1ª Turma quanto a necessidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos de formação de Grupo Econômico em Execução Fiscal: "PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESAS DO GRUPO ECONÔMICO. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. INDEFERIMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. I - Na origem, trata-se de gravo de instrumento interposto pela União contra a decisão que, nos autos da execução fiscal relativa a débitos previdenciários ajuizada contra a Usina Taquara Ltda., indeferiu o pedido de inclusão das empresas Auto Vanessa Ltda., Monte Sinai Veículos Ltda, Itaúna Veículos e Peças Ltda. e Agropecuária Taquara Ltda. no polo passivo. No Tribunal a quo, a decisão foi mantida. Esta Corte negou provimento ao recurso especial. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a compreensão de que, para fins de redirecionamento da execução fiscal, a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas não identificada no ato de lançamento ou não enquadrada nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, faz-se necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 do CPC/2015 (Recurso Especial 1.775.269/PR relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em21/2/2019, DJe 1º/3/2019.) III - Discute-se sobre a necessidade ou não de instauração do mencionado incidente, para fins de redirecionamento da execução fiscal. IV - O Tribunal regional levou em conta que: "[...] naquele julgamento do REsp 1.775.269/PR, o qual se passa a acompanhar, que o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome da CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, e, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora" (fl. 147). V - Em tal contexto, se a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial". VI - Quando mais não seja, o entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte de Justiça. Veja-se: (AgInt no REsp 1.912.254/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves e AgInt no REsp 1.866.138/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/4/2021, DJe 6/5/2021.) VII - Agravo interno improvido." (g.n.) (STJ - Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.977.696-AL (2021/0363274), Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, j. 15/08/2022) Espera-se que tal julgado não seja um caso isolado5, mas a superação do antigo entendimento da Segunda Turma, com a pacificação da jurisprudência das Câmaras de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto a necessidade do incidente nos casos de efetiva desconsideração da personalidade jurídica e de formação de grupos econômicos nas Execuções Fiscais. __________ 1 Disponível aqui. 2 Recurso Especial nº 1.775.269 - PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. u., in DJe de 01/03/2019. 3 REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019. No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.866.901/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/08/2020; AREsp 1.455.240/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/08/2019; AgInt no REsp n. 1.742.004/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/12/2020. 4 O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas 0017610-97.2016.4.03.00000, julgou indispensável a instauração do incidente para a comprovação de responsabilidade tributária em execução fiscal em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto, além de inclusão de pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal. 5 Cumpre ressaltar que no AREsp nº 1861267 / RS, em Dezembro de 2.022, o Ministro Francisco Falcão, da 2ª Turma, voltou a votar no sentido de ser incompatível o incidente com a Lei de Execução Fiscal. A Ministra Assusete Magalhães pediu vistas e os autos aguardam julgamento. 
O art. 240 do CPC prevê que a citação válida, ainda que ordenada por juiz incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor. Não obstante referido caput trate dos efeitos da citação válida, o parágrafo primeiro de aludido dispositivo dispõe que "(...) a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação". Em outras palavras, os efeitos de interrupção da prescrição, embora retroajam à data da propositura da ação, são produzidos exclusivamente pelo ato judicial que determina a citação. Nesse contexto, é certo que entre os diversos atos processuais que precedem a ordem judicial de citação (a exemplo da distribuição e registro da demanda e exame dos requisitos da petição inicial) podem levar tempo, senão meses, até se consumar a efetiva ordem de comparecimento do réu para apresentação de defesa em juízo. Hipótese comum é a emenda ou aditamento da petição inicial, atos processuais esses que, somente após o Autor emendar ou aditar a petição inicial, seguida da remessa à conclusão e, finalmente, o juiz examinar e se dar por satisfeito com referida emenda, determinará então a ulterior citação. Nesse liame recentemente o STJ decidiu que para efeito de aplicação do § 1º do art. 240 supra citado, a interrupção da prescrição somente se consumará quando a petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo:  "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EMENDA À INICIAL. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional. 2. O Tribunal de origem decidiu com base nos elementos de prova dos autos que estava prescrita a pretensão, rever esse entendimento esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo a que se nega provimento. (STJ, AGInt no AREsp 2.235.620/PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 09/05/2023, v.u.)  O voto condutor, em julgamento unânime, bem elucida: (...) Conforme consignado na decisão agravada, o Tribunal de origem ao avaliar a interrupção da prescrição, baseando-se no conjunto fático-probatório dos autos, o acórdão concluiu (e-STJ, fls. 816-818):   "Verifica-se que as partes assinaram um termo de entrega da obra(mov. 1.10) em 03.10.2013 e tal prazo seria o fatal para o pagamento da última parcela conforme acordado em contrato assinado entre as partes (mov. 1.9). Ocorre que tal questão, acerca da data e que a obra foi entregue, estava controversa nos autos. Assim, após a audiência de instrução e julgamento (mov. 95.2 a95.7) a questão acerca da data que a obra foi efetivamente entregue, ficou provada, e por isso, o novo entendimento do juízo; e conclui-se que a obra foi entregue em funcionamento em 03 outubro de 2013 (mov. 1.10). Assim, a citação válida constitui em mora o devedor, com interrupção pelo despacho que a ordena, a qual retroage à data da propositura da ação (art. 240 § 1º do CPC). Então, é a citação o marco de interrupção prescricional e não o ajuizamento da ação. Ocorre que em 02.10.2018 a parte apelante ajuizou ação de protesto interruptivo de prescrição nº 0004593-88.2018.8.16.0109 perante a Vara Cível da Comarca de Mandaguari e teve que apresentar emenda à petição inicial em10/12/2018 (mov. 1.13). Ao receber a petição inicial o magistrado ordenou sua emenda, porque não foram preenchidos os requisitos do art. 319 do atual CPC, sendo que somente em 10.12.2018 o apelante apresenta a emenda e, assim, foi ordenada a citação, quando houve o acolhimento da emenda da exordial. Por ser assim, a interrupção da prescrição retroage à data da aceitação da emenda, ou seja, do reconhecimento de que a petição inicial preenche os requisitos legalmente exigidos para o desenvolvimento válido e regular do processo. (...) Friso que, entender de forma contrária seria admitir a dispensa dos requisitos legalmente exigidos para a validade da petição inicial, bastando que a parte distribua a ação antes de escoado o prazo prescricional para, depois, buscara regularização de peça inadequada de ingresso. Na espécie, como a pretensão de cobrança foi encoberta pela prescrição em 03.10.2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013), ou seja, antes da emenda à inicial dos autos nº 0004593-88.2018.8.16.0109, ocorrida em 10.12.2018, tem-se que se operou a prescrição, devendo ser extinto o processo com resolução de mérito, conforme bem decidiu o magistrado." ( Sem grifo no original). Ressalta-se que o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a interrupção da prescrição, na forma prevista no 240, §1º, do CPC/2015, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo.   Nesse sentido: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. INTUITO INFRINGENTE. FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA. 1. Os princípios da fungibilidade recursal e da economia processual autorizam o recebimento de pedido de reconsideração como agravo regimental. 2. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional. 3. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e do art. 255, §2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, requisita comprovação e demonstração, a qual não foi configurada na presente hipótese em virtude da ausência de similitude fática entre os acórdãos paradigmas e o impugnado. 4. Agravo regimental não provido." (EDcl no REsp n. 1.527.154/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/10/2015, DJe de 3/11/2015 - sem grifo no original). Dessa forma, levando-se em consideração que a prescrição ocorreu no dia 03/10/2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013) e a emenda à inicial ocorreu apenas em 10/12/2018, mister o reconhecimento da prescrição da pretensão da agravada. Em síntese, concluiu o STJ que o despacho que determina a citação é que tem o condão de gerar o efeito interruptivo da prescrição, cuja regra do § 1º do art. 240 determina a retroatividade a data da propositura da ação. Referido julgado soa acertado pois, não obstante seguir à risca a redação do § 1º acima citado, deixa de conferir qualquer margem de interpretação destinada a relativizar a aplicação do dispositivo. Aos operadores do direito fica a máxima dormientibus non succurrit jus, a evitar de distribuir a demanda no último dia ou próximo do termo ad quem do prazo prescricional, porquanto o efeito interruptivo se materializa somente mediante o ato processual que ordena a citação e, nesse ínterim diversas intempéries podem ocorrer, como a demora de distribuição ou remessa à conclusão, ou ulterior determinação de emenda ou aditamento da petição inicial, de sorte que, somente quando superadas tais etapas e aceita a petição inicial, finalmente se consumará o ato de determinação da citação, cujo um de seus efeitos reside na interrupção da prescrição.
quinta-feira, 25 de maio de 2023

Citação por meio de aplicativo de celular

Como se sabe, a citação1 é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual (CPC, art. 248, caput). Daí já é possível entender o tamanho da importância que a citação tem para o processo civil. Tanto isso é verdade que para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado (CPC, art. 239), salvo nos casos de improcedência liminar do pedido (CPC, art. 332) e indeferimento da inicial (CPC, arts. 330 e 331). Mesmo com essas exceções, o réu ou o executado, ainda que vitoriosos, são informados do resultado final do processo (CPC, art. 331, § 3º; art. 332, § 2º). Não é por acaso que esse ato de comunicação processual - a citação - é tido como um pressuposto de existência do processo2. Sem citação válida não existe processo. A forma preferencial de se realizar a citação é por meio eletrônico, de acordo com o caput do art. 246 do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 14.195/2021. Confira-se: "A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça". Da leitura do dispositivo acima não fica claro o que é considerado "meio eletrônico" e o que seria "endereço eletrônico". Seria apenas a citação por e-mail ou os aplicativos de mensagens via celular também estariam aí incluídos nessa ideia de "citação por meio eletrônico"? A resposta está na Resolução CNJ 455/2022, que em seu art. 2º, inciso I, estabelece que meio eletrônico é "qualquer forma de armazenamento, tráfego de documentos, arquivos digitais e dados". Já o inciso III do mesmo dispositivo afirma que endereço eletrônico é "toda a forma de identificação individualizada para recebimento e envio de comunicação/mensagem digital, tal como correio eletrônico (e-mail), aplicativos de mensagens, perfis em redes sociais, e o Domicílio Judicial Eletrônico". Apesar de a Resolução CNJ 455/2022 afirmar que "endereço eletrônico" podem ser "e-mail, aplicativos de mensagens e perfis em redes sociais" no inciso III do art. 2º, o art. 18 da mesma norma impõe um meio exclusivo para a citação por meio eletrônico. Veja-se: "Art. 18. A citação por meio eletrônico será realizada exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico, nos termos do art. 246 do CPC, com exceção da citação por Edital, a ser realizada via DJEN" (grifos nossos). Portanto, para o CPC e para a Resolução CNJ 455/2022, a citação por meio eletrônico somente pode ser feita pelo Domicílio Judicial Eletrônico. E o que é isso? Pois bem, mais uma vez devemos nos socorrer do site do CNJ, tendo em vista que esta é uma pergunta frequente: "É um módulo que centraliza as comunicações processuais, como citações e intimações, de todos os tribunais brasileiros em um só local"3. Infelizmente, o Domicílio Judicial Eletrônico, tal qual descrito acima ainda não existe (ainda). A Portaria CNJ n. 29, de 09.02.2023, que "divulga os requisitos técnicos mínimos exigidos para a transmissão eletrônica dos atos processuais destinados ao Domicílio Judicial Eletrônico e dá outras providências", estabeleceu em seu artigo 2º, um prazo de 90 (noventa) dias para os órgãos do Poder Judiciário, exceto o Supremo Tribunal Federal, para adequar seus sistemas processuais eletrônicos, de modo a viabilizar a utilização do Domicílio Judicial Eletrônico. Lamentavelmente, tal prazo não foi observado e foi publicada recentemente a Portaria CNJ n. 129, de 12.05.2023, prorrogando, "impreterivelmente", por mais 90 (noventa) dias, o prazo a que se refere o artigo 2º da Portaria CNJ n. 29/2023. E mais, o CNJ informa por meio de seu site que "a liberação do Domicílio Judicial Eletrônico ocorrerá de modo faseado, com um cronograma específico de acordo com o público-alvo"4. De acordo com o CNJ, a liberação do Domicílio Judicial Eletrônico priorizará em primeiro lugar as instituições financeiras que têm um prazo final para cadastro no sistema até 15.08.2023, depois as demais instituições privadas, em seguida as instituições públicas e, por último, as pessoas físicas5. Assim, enquanto não há Domicílio Judicial Eletrônico, que seria a forma exclusiva para realização de citação por meio eletrônico nos termos do art. 18 da Resolução CNJ 455/22, combinada com o art. 246, do Código de Processo Civil, o que tem prevalecido para o cidadão comum é a total insegurança jurídica. Em alguns julgados, é aceita a citação por meio de e-mail informado previamente pelo destinatário da comunicação processual. Em outros julgados, também é aceita a citação por meio de aplicativos de mensagens (por exemplo, "Whatsapp") utilizados pelos Srs. Oficiais de Justiça durante suas diligências, ao arrepio do comando do art. 18 da Resolução CNJ 455/22 e do § 1º-A do art. 246 do CPC que determina que a citação deve ser exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico e, se não houver confirmação do seu recebimento por parte do citando em 3 (três) dias, outro meio de citação deve ser utilizado (pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria ou por edital, nesta ordem). A título meramente ilustrativo, vale mencionar decisão da 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2210378-65.2021.8.26.0000, considerou que: "Com as alterações promovidas recentemente pela Lei 14.195/2021 ao art. 246 do CPC/2015, a citação será feita  preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça, do que deflui a necessidade de expressa anuência, com a indicação do endereço eletrônico pelo citando, que deverá confirmar o recebimento, sob pena de realizar-se a citação pelos meios convencionais (art. 246, § 1º, CPC/2015)". Ou seja, acertadamente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nesta oportunidade, aplicou o art. 256, § 1º, do CPC, determinando que a citação deveria ser realizada na forma que está ali preconizada. Por outro lado, 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2212821-86.2021.8.26.0000, afirmou que: "Assim sendo, seja pela atual redação do CPC, art. 246, seja pela normativa emanada do c. CNJ e do e. TJSP, a citação por meio eletrônico pressupõe indicação pelo citando de seu endereço eletrônico em bancos de dados ou convênio do Poder Judiciário". Todavia, apesar dessa passagem, o respectivo v. acórdão permitiu a citação por e-mail, diante das particularidades do caso concreto, por entender que: "No caso dos autos, o agravante alega que o coexecutado '(...) está em constante contato com o (...) por e-mail e WhatsApp, todos respondidos normalmente, inclusive tratando dos seus débitos e deste processo, pedindo documentos etc.' (fls. 8), tendo trazido para tanto cópia do email (...), em que ele enviou mensagem a prepostos do (...) em 23/06/2021 (fls. 9) e foi respondido em 23/07/2021 (fls. 9). Desse modo, por considerar que a parte se utiliza desta via para se comunicar com o Banco, tem-se como possível a citação do coexecutado (...)através do e-mail (...) indicado pelo agravante". Ou seja, em outra ocasião, o mesmo Tribunal decidiu de maneira diferente aceitando a citação por meio de aplicativo de mensagens ("WhatsApp"), "por considerar que a parte utiliza desta via para se comunicar com o Banco", então autor da demanda, contrariando o art. 246, do CPC, que determina a citação por outros meios quando não confirmado o recebimento da mensagem eletrônica pelo seu destinatário. Com o devido respeito, urge levar em consideração que vivemos em um país caracterizado pela pobreza, pela violência, cujo desempenho na área da educação ocupa os últimos lugares em qualquer "ranking" internacional que tenta avaliar nosso sistema escolar, onde milhares de pessoas vivem na miséria sem saber quando e qual será a próxima refeição. Se o destinatário da citação não sabe lidar com maestria com um aplicativo de mensagens ("WhatsApp", "Signal", "Telegram", "Messenger" etc.), se não é totalmente alfabetizado, se não tem dinheiro para comprar um celular ou pagar um pacote de dados para uma operadora de celular, se não é letrado em informática e não sabe sequer o que é um "PDF", como fica a situação dessa pessoa que recebeu uma mensagem do Poder Judiciário? Como garantir que foi ela que abriu a mensagem ou se não foi algum terceiro? Aliás, já ocorreu para alguém que há aparelhos de celular compartilhados por mais de uma pessoa da mesma família ou comunidade? Tudo isso sem esquecer que o § 4º do art. 246 impõe que "as citações por correio eletrônico serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante". Em outras palavras, não basta comunicar que um pedido de tutela jurisdicional foi formulado contra o citando, mas também é de rigor que se oriente o destinatário da mensagem sobre as providências que ele pode tomar e as consequências no caso de omissão. Nesse contexto, a pessoa que será citada tem o direito de saber qual o teor da comunicação processual e quais as consequências deverá suportar na hipótese de não responder ao chamado do Poder Judiciário. E mais, tem o direito de ser devidamente identificada e de confirmar o recebimento para mostrar que foi ela quem recebeu e leu a mensagem e não um terceiro. Sem que isso seja garantido ao cidadão, está flagrantemente violado o direito à ampla defesa e ao contraditório insculpidos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. A consequência última é a nulidade do ato praticado, ou melhor, a inexistência do processo. __________ 1 Como esta Coluna está dedicada ao processo civil, não trataremos da citação no processo penal, que tem sido aceita na forma de comunicação por meio de aplicativos de celular, observados alguns requisitos, como se depreende da ementa de julgado abaixo transcrita: "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL CONTRA VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A, CAPUT) MAJORADO (CP, ART. 226, INC. II), EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71, CAPUT). ESTUPRO QUALIFICADO (CP, ART. 213, § 1º), MAJORADO (CP, ART. 226, INC. II). CONCURSO FORMAL (CP, ART. 69). CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. APLICATIVO DE CELULAR WHATSAPP. EXCEPCIONALIDADE. ESTADO PANDÊMICO. ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A PROTEÇÃO DO CIDADÃO E PARA O ACESSO AO JUDICIÁRIO. PROSSEGUIMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS DE FORMA ELETRÔNICA. REGULAMENTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO RÉU. INDICAÇÃO DE TODO O PROCEDIMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DO AGRAVANTE. CITAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 5. O Tribunal de origem deixou bem registrado que, no caso concreto, foram observadas todas as diretrizes previstas para a prática do ato, sendo a lisura da citação do paciente pelo aplicativo WhatsApp demonstrada ao menos pelos seguintes elementos: número telefônico fornecido pelo concunhado; confirmação da sua identidade por telefone pelo oficial de justiça quando da citação e certificação realizada por ele; utilização do mesmo número de telefone para confirmação de sua identidade, com posterior comparecimento para interrogatório, pela autoridade policial; anuência quanto à realização do ato; informação de que o réu não possuía condições para contratação de profissional para patrocinar sua defesa, de modo que foi nomeada a Defensoria Pública. (...) (AgRg no HC n. 685.286/PR, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022, grifos nossos) 2 Cassio Scarpinella Bueno, "Curso Sistematizado de Direito Processual Civil", v. 1, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 2022, p. 345-347. 3 Fonte: CNJ. Acesso em 24.05.2023. 4 Fonte: CNJ. Acesso em 24.05.2023. 5 Idem.
Cândido Rangel Dinamarco1 destaca que a execução civil consiste em uma "cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material".2 E a execução, nos termos dos artigos 4º e 8º do CPC/15, deve ser efetiva e eficiente, entregando-se ao autor, em tempo oportuno, o bem da vida que lhe é devido em virtude do previsto em título executivo. A força motriz da execução civil é a busca de satisfação do direito do exequente, "e não a definição, para o caso concreto, do direito de uma das partes. Isto é, não é objetivo da execução forçada determinar quem tem razão. Pode-se dizer, assim, que, visualizada a tutela jurisdicional como resultado, na execução forçada tal ocorrerá, normalmente, com a entrega do bem devido ao exequente".3 A máxima eficiência e a célere e efetiva realização do direito material devido ao credor, com a oportuna satisfação do que lhe é devido, seguindo o princípio do devido processo legal, é a tônica da execução por quantia certa contra devedor solvente. Os atos executivos devem ser praticados no interesse do credor e para satisfazer o seu crédito4. Como observa Cássio Scarpinella Bueno5, o princípio do resultado tem íntima ligação com o art. 805 do CPC/15, o qual estabelece o conhecido princípio da menor onerosidade do devedor; que prevê textualmente que quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso. Cabe, contudo, ao executado indicar precisamente outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já deferidos pelo magistrado. Apresenta-se aqui o desafio de obter-se a uma execução equilibrada, voltada a satisfazer os interesses do credor, mas com o cuidado de não atropelar as garantias do devido processo legal que possam ser invocadas pelo devedor. Também se convida o magistrado a verificar o caso concreto e observar, dentro do princípio do resultado e da busca da máxima eficiência em benefício do credor, como garantir que o devedor não tenha sua dignidade ferida e não sofra além do estritamente necessário a coerção inerente ao processo de execução.  O que é certo é que o moderno processo civil é voltado à efetiva realização do direito material devido ao seu titular; de tal sorte que o art. 805 do CPC não pode ser utilizado pelo devedor como escudo para não pagar o que é devido ao credor. Como lembra Cândido Rangel Dinamarco6, as preocupações com art. 805 do CPC: "não devem, todavia, abrir espaço para exageros nem seria aceitável que pudessem conduzir ao comprometimento da efetivação da tutela executiva em nome de um suposto direito do devedor a resistir incontroladamente ao exercício da jurisdição". Para o professor, não se pode "crucificar o devedor, e muito menos aquele infeliz e de boa-fé..., que não paga porque não pode; nem também relaxar o sistema e deixá-lo nas mãos de caloteiros e chicanistas que se escondem e protegem sob o manto de regras e sub-regras processuais e garantias constitucionais manipuladas de modo a favorecê-los em sua obstinação a não adimplir (...); amenizar sim, privilegiar não. Este é o espírito do art. 620 do Código de Processo Civil". E é exatamente com esse espírito que o Superior Tribunal de Justiça, em alguns julgados, desde que observado o princípio da dignidade da pessoa humana, começou a relativizar o comando da impenhorabilidade do salário; cuja constrição, nos termos do artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15, era permitida em apenas algumas hipóteses legalmente previstas: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IMPENHORABILIDADE. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORA. SUBSISTÊNCIA E DIGNIDADE. EFETIVIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ. SITUAÇÃO CONCRETA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. A impenhorabilidade do salário pode ser mitigada, não só nas hipóteses expressamente previstas no art. 833, §2º, CPC, mas em qualquer caso no qual se verifique a ausência de prejuízo à manutenção do mínimo existencial e à subsistência do devedor e de sua família. 2. Se, de um lado, os princípios da menor onerosidade e da dignidade da pessoa humana visam a impedir a execução abusiva, por outro lado também cabe à parte executada agir de acordo com os princípios da boa-fé processual, da cooperação e da efetividade do processo. 3. A situação financeira concreta do devedor foi expressamente abordada no acórdão e a modificação do entendimento adotado demandaria a reapreciação de matéria fático-probatória, o que não é possível em sede de recurso especial. Súmula 7/STJ. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO". (AgInt no REsp 2021507 / SP, 3ª. Turma, j. 27/03/2023, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO).  "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE PERCENTUAL DA REMUNERAÇÃO. PAGAMENTO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DIGNA DO DEVEDOR. ACÓRDÃO EM PERFEITA HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, "embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora de salário com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna do devedor e sua família". Incide, no ponto, a aplicação do óbice da Súmula 83/STJ. 2. A modificação da conclusão a que chegou Tribunal de origem pelo cabimento da penhora de percentual da remuneração do executado - ao entendimento de que, no caso concreto, seria preservada a dignidade e subsistência do devedor e sua família - exigiria o reexame do conjunto fático-probatório acostado aos autos, o que não se admite no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento". (AgInt no REsp 1975476 / PR, 3ª. Turma, j. 11/04/2022, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE). E, mais recentemente, no julgamento dos Embargos de Divergência EREsp nº 1874222 / DF, da relatoria do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a penhora de salário, além das hipóteses previstas no artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15: "O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado"; e "Para o relator, o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade"; e "O ministro afirmou que esse juízo de ponderação deve ser feito à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade. 'A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família, disse. Dessa forma, o relator entendeu que é possível a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família."7 Vale lembrar que a realidade da execução civil no Brasil demonstra um cenário enorme de desafios para que possamos atingir a tão almejada efetividade processual prevista no CPC/15. Diante disso, naturalmente, a cuidadosa recente orientação da Corte Especial, em nome de uma execução equilibrada, e sem prejuízo do artigo 805 do CPC/15, está em sintonia com a busca do respeito aos comandos dos artigos 4º. e 8º. do diploma processual. __________ 1 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução civil. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 120. 2 Moacyr Amaral Santos doutrina que a execução é "o processo pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por base um título (...), empregando medidas coativas, efetiva e realiza a sanção. Pelo processo de execução, por meio de tais medidas, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor. A execução, portanto, é a atuação da sanção inerente ao título executivo". (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268). 3 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2ª. ed.  São Paulo: RT, 2004. p. 34. 4 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 311. 5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62. v. 3.  6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Menor Onerosidade e Efetividade da Tutela Jurisdicional. In: Nova Era do Processo Civil. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 296-297 e p. 302 e p. 305. 7 Disponível aqui. Acesso em 30.04.2023.
Nos últimos dias muito se discutiu sobre a penhorabilidade dos salários em virtude de recente julgamento proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ)1. De fato, em 19/04/2023, o mais alto órgão julgador do STJ entendeu que poderia ocorrer a penhora de salário, mesmo que menor que 50 salários-mínimos, e para o pagamento de verba não alimentar. O acórdão do referido julgado ainda não está disponível, mas o "site" do Superior Tribunal de Justiça resumiu os principais pontos julgamento2. Segundo o "site": "Os embargos de divergência foram interpostos por um credor contra acórdão da Quarta Turma que indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado - em torno de R$ 8.500. A dívida objeto da execução tem origem em cheques de aproximadamente R$ 110 mil." Para o Ministro Relator "A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família" Portanto, foi autorizada a penhora de salário de montante muito menor do que a autorizada em Lei. Retorna-se ao tema para demonstrar que tal decisão é apenas uma reiteração de entendimento da Corte Especial do STJ exarada em 2018. Desse modo, rememoraremos os principais pontos de artigo escrito para essa coluna em 16/05/20193.  É do nosso ordenamento a total impenhorabilidade dos salários, exceto para o pagamento de prestações alimentícias. O artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 1943 previa que os salários seriam absolutamente impenhoráveis. Já o artigo 833, IV do Código de Processo Civil de 2.015 suprimiu o termo "absolutamente"4 e agora consta que são impenhoráveis: "IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º." O parágrafo § 2º excetua o caso de prestação alimentícia e inova ao possibilitar a penhora de salário superior a 50 salários-mínimos. Nesses sete anos de vigência do Código de Processo Civil, o que se tem visto é a flexibilização de tal dispositivo, permitindo-se a penhora de salários em outras situações não previstas pelo Código de Processo Civil. Como julgado mais importante nesse período podemos citar os Embargos de Divergência nº 1.518.169 da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que assentou, em outubro de 2018, que "4. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes."5  Portanto, há quase cinco anos já existe julgamento da Corte Especial do STJ mitigando a previsão legal quanto a impenhorabilidade dos salários, sendo que o julgado atual apenas reiterou tal entendimento de 2.018.  E nesses dois casos o ponto central da discussão, por mais que se concorde com a flexibilização da penhora de salários6, é que ela é totalmente contrária à lei, quando ocorre em dívidas não alimentícias ou em salários inferiores a 50 salários-mínimos. Se não se concorda com a previsão legal, ou se declara a lei inconstitucional ou se modifica a lei. É preocupante que a jurisprudência passe a interpretar o Código de Processo Civil de uma forma totalmente contrária à expressa previsão legal. E o entendimento pela flexibilização das regras de penhorabilidade de salários é o que vem prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido. (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) Criou-se assim, um critério subjetivo que seria a análise de percentual de salário que seria capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Pela expressa previsão do Código de Processo Civil esse valor seria de 50 salários-mínimos e somente o percentual que suplantar esse valor pode ser penhorado. Entretanto, pelo entendimento jurisprudencial, se dez salários forem suficientes para dar guarida à dignidade do devedor, os outros 40 salários poderiam ser penhorados.  Portanto, por mais que esses julgados possam ter feito "justiça" no caso concreto, eles trazem grande insegurança jurídica ao contrariar expressa previsão legal e criam um caráter subjetivo inexistente no CPC. __________ 1 ERESP 1.874.222/DF. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Tal supressão seria determinante para permitir a mitigação da previsão legal, segundo o recente julgado da Corte Especial do STJ. De fato,  para o Relator (Ministro João Otávio de Noronha), o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade" (ERESP 1.874.222/DF). Em que pese o entendimento do E. STJ, salvo melhor juízo, as previsões do artigo 833 do CPC são casos de Impenhorabilidade Absoluta e os casos de Impenhorabilidade Relativa estão previstos no artigo 834 do CPC. 5 Parte da doutrina também defende esse entendimento. Nesse sentido é a posição de Bruno Garcia Redondo: "A nosso ver, portanto, o limite de 50 salários não é absoluto, podendo ser relativizado no caso concreto." (Breves Comentários ao Novo Código de processo Civil / Teresa Arruda Alvim Wambier ...[etal.], coordenadores, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2016).   6 Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves: "Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo." (Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.320).
Em pretérita edição desta coluna1 registramos o quanto decidido pela Corte Especial STJ ao decidir o Tema n. 1076 que, em sede de julgamento de Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que " (i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Precedeu o julgamento do Tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Em outras ocasiões trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154-5-6. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Por fim, o colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16.03.2022, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF.8 Esperava-se que o precedente obrigatório firmado mediante a fixação do Tema Repetitivo n. 1.076 finalmente colocasse um ponto final sobrea questão, ao menos no âmbito do STJ. Todavia, referido tema voltou à baila recentemente, na tentativa da corte cidadã pensar melhor acerca do quanto decidido há pouco mais de um ano atrás quando do julgamento do recurso especial repetitivo, o qual, diga-se de passagem, contou com a participação de inúmeras entidades representativas dos mais variados seguimentos (Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP, Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dentre outros), a expor os mais variados pontos de vista no intuito de defender a aplicação ou não da regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC. E, no recente julgado do recurso especial n. 1.743.330-AM, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA 1076/STJ. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DISTINTA DAQUELAS CONSIDERADAS RELEVANTES NA FORMAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO PELA INJUSTIÇA, DESPROPORCIONALIDADE, IRRAZOABILIDADE, FALTA DE EQUIDADE OU DISSENSO EM RELAÇÃO A PRECEDENTES DE OUTRAS CORTES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES QUE EM TESE JUSTIFICARIAM A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO INOCORRENTE SOB ESSES FUNDAMENTOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1076/STJ QUE DEVERÁ SER APLICADA ATÉ QUE SOBREVENHA EVENTUAL MODIFICAÇÃO DECORRENTE DE SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL OU ATÉ QUE HAJA EVENTUAL SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE NESTA CORTE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SITUAÇÃO DE FATO IRRELEVANTE. CIRCUNSTÂNCIA CONSIDERADA EM RECURSOS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA POR OCASIÃO DA FIXAÇÃO DA TESE RELATIVA AO TEMA 1076/STJ. 1- Embargos de terceiro opostos em 14/06/2017. Recurso especial interposto em 29/03/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa. 3- A distinção que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 4- Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta. 5- O art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários desta Corte se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 6- A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para diferenciar a hipótese em exame em relação ao precedente firmado no julgamento do tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente - e foi considerada - em dois dos recursos representativos da controvérsia (REsp 1.906.623/SP e REsp 1.644.077/PR) e, ainda assim, compreendeu a Corte Especial se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal. 7- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários, ressalvado expressamente o entendimento pessoal da Relatora para o acórdão. (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) O relator inicialmente designado, Ministro Moura Ribeiro, entendeu pelo provimento do recurso especial, ao fundamento, em síntese, de que "(...) o Tribunal amazonense extinguiu o feito, sem resolução de mérito, ao reconhecer a carência da ação, por falta de interesse processual da WAVE, sob o argumento de que não existiria nenhuma constrição judicial e nem sequer ameaça em relação ao imóvel matriculado sob o número 18.849, de sua propriedade. Importante lembrar também que o TJAM arbitrou a verba honorária em 10% do valor dado à demanda, que foi fixado por determinação de ofício em R$ 7.900.000,00 (sete milhões e novecentos mil reais), colhendo então o montante de R$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), sem contar que tal verba, atualizada para os dias atuais já se aproxima da quantia de R$ 2 milhões de reais!(...) ) em prevalecendo o acórdão recorrido, apoiado em uma interpretação literal de precedente desta Corte, a fixação de honorários em tal monta se traduz em imoderação e abusividade, com o devido acatamento, ferindo de morte os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além da cooperação e do bem comum, retratado na paz social." Todavia, referido voto ficou vencido pelo voto divergente inaugurado pela Ministra Nancy Andrighi, o qual foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora: "(...) 20) Antes, contudo, é preciso registrar que, se o presente julgamento tivesse ocorrido antes de dois relevantes momentos históricos desta Corte, não teria absolutamente nenhuma dúvida em acompanhar o voto do e. Relator, por compreender que, de fato, a remuneração do trabalho do patrono não condiz com a atividade por ele desenvolvida. 21) O primeiro desses momentos é o julgamento do REsp 1.746.072/PR, perante a 2ª Seção, cujo acórdão foi publicado no DJe 29/03/2019. Naquela ocasião, esta Corte deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Relembre-se somente que, naquela assentada, fiquei vencida juntamente apenas da e. Ministra Maria Isabel Gallotti e do e. Ministro Marco Buzzi. 22) O segundo momento, obviamente, é o recente julgamento do tema 1076, perante a Corte Especial, cujos acórdãos foram publicados em 31/05/2022, em que aquela sinalização inicial se materializou em forma de um precedente vinculante. Relembre-se que, naquele julgamento, também fiquei vencida, desta feita junto às e. Ministras Maria Isabel Gallotti, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e ao e. Ministro Herman Benjamin. 23) O e. Relator, em seu judicioso voto, propõe seja reconhecida a existência de uma distinção entre o precedente firmado no tema 1076 e a hipótese em exame, de modo que se imporia solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso, em primeiro lugar, verificar exatamente o que se deve compreender como uma distinção apta a diferenciar determinada hipótese do precedente.   24) Quanto ao ponto, leciona Ravi Peixoto: A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação. Muito embora simples na teoria, a utilização da técnica guarda um grande desafio argumentativo, que é o de "demonstrar o quanto os fatos que ensejam a distinção são decisivos disposições normativas". Havendo sucesso na argumentação, o precedente invocado simplesmente será inaplicável ao caso concreto, sendo possível ao magistrado decidir de forma diversa. (...) O desafio é justamente esse, o de categorização dos fatos relevantes e irrelevantes no caso suscitado como precedente e no caso concreto em questão. Isso porque, nem toda particularidade implica na distinção, pois ela pode ser insuficiente para implicar na inaplicabilidade do precedente. Por vezes, mais importante do que os próprios fatos enquanto ocorridos, é a forma como são compreendidos e categorizados, o que dependerá da atividade argumentativa dos sujeitos processuais nos casos posteriores, o que irá delimitar adequadamente o precedente. (...) Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática. (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343). 25) A partir dessas premissas, não há dúvida de que a distinção somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 26) Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta. 27) Sobre o debate a respeito desses aspectos do precedente formado no tema 1076 - desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça - gostaria de ressaltar que, em voto vencido de longas 38 laudas, suscitei todas essas matérias que agora são novamente reavivadas por S. Exa., fundando-me naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito. 28) Todos esses fundamentos, contudo, foram expressamente repelidos pela Corte Especial no julgamento do tema 1076, que, ao fixar as conhecidas teses sobre o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, colocou-nos na posição de fixar honorários no patamar mínimo de 10% sobre valor da causa originário de R$ 7.900.000,00, a ser corrigido desde junho/2017, em embargos de terceiro em que houve apenas uma petição inicial, uma emenda à petição inicial e um agravo de instrumento que extinguiu a ação por falta de interesse processual. 29) Desse modo, é correto dizer que essa situação perdurará, ao menos: (i) se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.850.512/SP, do RE 1.412.074/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.906.618/SP, e do RE 1.412.069/PR, interposto a partir do julgamento do REsp 1.644.077/PR, que foram utilizados, nesta Corte, para a formação do tema 1076; ou (i i) se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 30) A única eventual distinção que realmente diz respeito a fatos proposta no judicioso voto do e. Relator versa sobre a inaplicabilidade do precedente às hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, pois, sustenta S. Exa. que, nesse cenário, a fixação dos honorários deveria ocorrer de modo proporcional à matéria efetivamente apreciada e com razoabilidade. 31) Entretanto, registre-se que esse fato - ações extintas sem resolução de mérito - foi expressamente considerado no precedente, compreendendo a Corte Especial que a tese firmada no julgamento do tema 1076 seria aplicável também nessas hipóteses. 32) Com efeito, na hipótese fática examinada no REsp 1.906.623/SP, um daqueles que serviram de base ao tema 1076, havia sido ajuizada, no ano de 2018, uma execução fiscal no importe originário de R$ 5.771.703,75 (cinco milhões, setecentos e setenta e um mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos), sobrevindo a extinção do processo sem resolução de mérito, em virtude de exceção de pré-executividade, porque a exigibilidade dos tributos estava suspensa em virtude de liminar em mandado de segurança. 33) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa superava R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais, à luz do art. 85, §3º, I a V, e §5º, do CPC/15, superaria R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais). 34) Ainda assim, contudo, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito. 35) Na hipótese fática examinada no REsp 1.644.077/PR, por sua vez, havia sido ajuizada, no ano de 1997, uma execução fiscal no importe de R$ 1.165.746,54 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), sobrevindo a extinção parcial do processo sem resolução de mérito, excluindo-se um dos litisconsortes em função de sua ilegitimidade passiva, também no âmbito de uma exceção de pré-executividade. 36) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa se aproximava de R$ 4.600.000,00 (quatro milhões e seiscentos mil reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da litisconsorte excluída, à luz do art. 85, §3º e §5º, do CPC/15, superaria R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). 37) E, ainda assim, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção parcial do processo sem resolução de mérito apenas pela exclusão de um dos litisconsortes. 38) Dessa forma, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator e compreendendo as razões trazidas por S. Exa., não há que se falar em distinção sob nenhum ângulo que se examine a matéria. 4. DISPOSITIVO Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial ao fundamento de incidência das Súmulas 284/STF e 211/STJ; se porventura superadas as preliminares, NEGO-LHE PROVIMENTO, ressalvando expressamente a minha posição pessoal, mas em obediência à tese firmada no tema 1076, majorando os honorários em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal de 10 para 10,5%." (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) Embora o v. acórdão em comento não dê pista se a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi (e acompanhada pelos demais pares da turma julgadora) diga respeito (i) ao não conhecimento do recurso especial ou (ii) ao subsidiário exame da matéria de fundo, fato é que a Terceira Turma, vencido o Ministro Moura Ribeiro, permaneceu firme em respeitar o quanto decidido quando da formação da tese cristalizada no Tema 1.076. E, respeitado entendimento em sentido contrário, não há como ser diferente. A uma, repita-se que a formação da tese firmada no Tema 1.076 precedeu de amplíssimo debate e participação dos setores representativos da sociedade em seus mais variados seguimentos, cada um propondo sua tese e antítese respectiva, diga-se da passagem para aplicar ou não um comando claro e objetivo previsto no art. 85, § 2º do CPC (o qual de igual sorte foi fruto de amplo debate no Congresso Nacional, seguido de aprovação e vigência do CPC/2015). A duas, o quanto decidido no Tema 1.076 data pouco mais de um ano, sendo indevido, senão inapropriado e sem previsão legal, conferir ao próprio órgão inaugurador de referido tema a oportunidade de, por suas cortes fracionárias, pensar melhor, senão revistar questões amplamente debatidas e superadas quando do julgamento que cristalizou o precedente vinculante. A três, como bem posto pela Ministra Nancy Andrighi, "(...) não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente." A quatro, a razão de ser da técnica de julgamento de recurso especial repetitivo e instrumentos congêneres tem o condão de exatamente conferir (i) segurança jurídica, (ii) previsibilidade das decisões do Poder Judiciário, (iii) isonomia para que o tratamento conferido a dado caso concreto seja o mesmo em caso congênere e (iv) celeridade, porquanto questões já examinadas à exaustão e debatidas pelo Poder Judiciário deverão valer-se de técnicas que confiram resposta jurisdicional mais rápida ao jurisdicionado que se vale do precedente vinculante. Revisitar, num curtíssimo espaço de tempo desde a formação do precedente vinculante, o quanto já debatido e examinado à exaustão quando da formação do Tema repetitivo significa negar sua vigência, senão ignorar todo o trabalho despendido pelo próprio Poder Judiciário, partes envolvidas e interessadas, quando da formação do tema repetitivo. E mais, assim o fazendo abre-se uma porteira para a parte que litiga contrariamente ao tema repetitivo, seguir até o STJ dizendo que seu caso é distinto, a indevidamente suscitar a aplicação da técnica do distinguishing e tornar uma prática de exceção como regra. Consequência de tal situação será a enxurrada de vindouros recursos especiais a baterem a porta do STJ, a congestionar o exame de tais recursos, pautas de julgamento, enfim, uma série de atos processuais cujo desiderato da técnica de julgamento do recurso especial repetitivo e seus impactos seria exatamente o oposto. Daí porque é digno de aplausos o voto vencedor quando inaugurada a divergência pela Ministra Nancy Andrighi: embora publicamente tenha posição contrária a tese firmada no Tema Repetitivo 1.076 (tendo inclusive declarado voto divergente na ocasião do julgamento), defendeu com maestria as razões de distinção ou não do precedente ao caso concreto, curvando-se ao quanto decidido, por maioria de votos, no tocante a matéria de fundo ensejadora do tema repetitivo. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui.
Como se sabe, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil (CPC) atual, houve várias críticas com relação ao seu art. 135 que determina a citação do sócio para manifestar-se sobre a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e requerer a produção de proas que entender cabíveis. A principal crítica sofrida diz respeito ao fato de que o sócio, antes da sua citação, poderia transferir bens do próprio patrimônio para terceiros para frustrar a execução que aconteceria caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado no requerimento de instauração do incidente a que se referem os artigos 133 e seguintes do CPC fosse deferido. Com efeito, a crítica dizia respeito ao fato de que não havia previsão de concessão de tutela de urgência na disciplina conferida ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica inserida na parte do CPC destinada à intervenção de terceiros. Entretanto, tal previsão específica era totalmente desnecessária, uma vez que as tutelas de urgência já estão disciplinadas nos artigos 294 e seguintes do CPC e, caso necessário, podem muito bem ser combinadas e aplicadas em conjunto com os dispositivos relativos ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, o signatário já teve oportunidade de sustentar que: "Então, nos termos do art. 301, do CPC/2015, a tutela provisória fundada na urgência a ser pedida juntamente com a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Nesse caso, se ao final do incidente se decidir que não é hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, o requerente responderá pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causou à parte contrária, nos termos do art. 302, do CPC/2015." (Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi (Coords.). Processo de execução e cumprimento de sentença: temas atuais e controvertidos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, v. 3, livro eletrônico)". Assim, se restar comprovado que existe risco para o resultado útil do processo, ou seja, que o sócio ou a sociedade (se for hipótese de desconsideração inversa) podem dilapidar o patrimônio antes de serem citados para participar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, devidamente comprovados, o pedido de instauração do incidente pode muito bem ser formulado cumulado como pedido de arresto ou seqüestro de bens daquele que será citado para integrar o incidente. Admitindo essa possibilidade, há recente julgado do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: "VOTO Nº 36864 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Arresto cautelar. Possibilidade. Doutrina. Todavia, inexistência de risco ao resultado útil do processo. Exegese do art. 301 do NCPC. Hipótese em que inexiste prova (ou mesmo indício) de que os bens da sociedade requerida estejam sendo dilapidados, como forma de se opor maliciosamente à eventual e futura execução. Precedentes desta C. Câmara. Decisão reformada. Recurso provido".   (TJSP;  Agravo de Instrumento 2165752-24.2022.8.26.0000; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/02/2023; Data de Registro: 08/02/2023, grifos nossos). No caso concreto, não havia riscos para o resultado útil do processo, mas o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu e admitiu a possibilidade de se realizar arresto cautelar quando da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para resguardar o resultado útil do processo e evitar que sócio ou sociedade dilapidem o patrimônio antes que a execução recaia sobre seus bens.
Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual como sendo "o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".  Luiz Guilherme Marinoni2observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."  Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...". Para Fredie Didier Jr.4, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. O tema dos negócios jurídicos processuais já foi enfrentado por três vezes no Superior Tribunal de Justiça, notadamente quanto à aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15") que tratam do assunto. O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656 / RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi. Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide. Por sua vez, no julgamento do REsp 1810444 / SP versando sobre os limites do artigo 190 do CPC/15, a 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento de que o negócio processual celebrado entre as partes não pode dispor sobre os poderes e deveres do magistrado. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ."  Humberto Theodoro Jr.5já defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. E, no mesmo sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"6. E, mais recentemente, no julgamento do REsp 1924452 / SP, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, prestigiou o instituto do negócio processual típico previsto no artigo 471 do CPC/15, mas consignou que a nomeação consensual de perito apenas é válida se houver efetiva convergência entre as partes:   "RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. PROVA PERICIAL. INDICAÇÃO PELAS PARTES. ART. 471 DO CPC/2015. PERÍCIA CONSENSUAL. COMUM ACORDO. EXIGÊNCIA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 233/2016. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o perito indicado pelo autor, com a recusa do réu, pode realizar a prova pericial determinada pelo juízo. 3. Os peritos são escolhidos entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. 4. Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia. 5. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição. 6. Inexistindo consenso entre os litigantes, o profissional indicado por uma das partes e rejeitado por outra não pode realizar a prova pericial nos autos. 7. A justificativa pautada na ausência de suspeição ou na possibilidade de nomeação de assistente técnico não é suficiente para admitir a perícia consensual sem o prévio acordo entre os sujeitos processuais. 8. Recurso especial provido". O Superior Tribunal de Justiça vem, com os acima referidos julgamentos, prestigiando a figura do negócio processual, e contribuindo para a precisa definição de quais são os requisitos e limites de aplicação deste importante instituto fortalecido com o CPC/15. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 5 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471. 6 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
O Código de Processo Civil de 2.015 (CPC/2015) alargou o alcance da Produção Antecipada de Prova prevendo uma ação de caráter genérico, autônomo e amplo a possibilitar a coleta antecipada de qualquer tipo de prova. Entretanto, desde logo surgiu controvérsia com a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que prevê que "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário". Parece claro, que tal previsão é contrária ao estabelecido no artigo 5º, § LV, da Constituição Federal, que prevê expressamente que "são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Em artigo publicado, em 16/07/2020, nessa coluna já tive oportunidade de defender a recorribilidade na produção antecipada de provas1. De outro lado, é cristalino que não cabe na produção antecipada de provas a valoração da prova a ser produzida. Também é de se esperar que em grande parte dos casos realmente não se tenha resistência à produção antecipada da prova e nem recursos. Entretanto, podem existir casos em que o interessado citado entenda que a prova requerida seria impertinente, inútil ou desarrazoada2. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Fredie Didier Júnior ao defender que "É certo que o processo de produção antecipada de prova, por restringir-se à produção da prova, é bem simples e, em razão dessa simplicidade, o contraditório realmente não poderia ter a extensão que costuma ter no procedimento comum. Mas daí a dizer, como faz o § 4º do art. 382, que neste procedimento não haverá defesa nem recurso é um salto que o legislador infraconstitucional não poderia dar. Além de revelar incoerência; afinal no mesmo art. 382 há determinação de citação de todos os interessados, até mesmo de ofício. Citação para ser mero expectador do processo é inconcebível; cita-se para que o interessado participe do processo; e a participação no processo dá-se pelo exercício do contraditório, como se sabe. Parece mais razoável compreender o dispositivo de forma não literal. Há, sim, contraditório reduzido, mas não zerado: discute-se o direito à produção da prova, a competência do órgão jurisdicional (se há regras de competência, há possibilidade de o réu discutir a aplicação delas, obviamente; a alegação de incompetência é matéria de defesa), a legitimidade, o interesse, o modo de produção da perícia (nomeação de assistente técnico, possibilidade de impugnação do perito etc.) etc. Não se admite a discussão em torno da valoração da prova e dos efeitos jurídicos dos fatos probandos - isso será objeto de contraditório em outro processo."3 Recentemente o Superior Tribunal de Justiça veio corroborar tal entendimento ao afastar a previsão literal do 382, § 4º, do CPC, que vedaria a apresentação de defesa e recurso na produção antecipada de provas: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão. 2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil. 3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão. 4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas. 5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos. 6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal. 7. Recurso especial provido." (g.n.) (REsp n. 2.037.088/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 13/3/2023.)        Desse modo, em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça consagra o entendimento já predominante na doutrina de que o artigo 382, § 4º, do CPC não pode ser aplicado de modo literal, a fim de impossibilitar a apresentação de defesa e recursos. __________ 1 Disponível aqui. 2 MOLLICA, Rogerio "A Condenação em honorários advocatícios na produção antecipada de provas", in Produção antecipada de provas: questões relevantes e aspectos polêmicos, organização Bruno Augusto Sampaio Fuga, Daniel Colnago Rodrigues e Thiago Caversan Antunes, Londrina: Thoth, 2021. No artigo citado tive a oportunidade de exemplificar duas situações em que deve ser apresentada defesa em face de produção antecipada de prova: "Veja-se o exemplo de duas empresas (A e B), concorrentes e que produzem o mesmo produto. A empresa "A" ajuíza produção antecipada de provas alegando genericamente que a empresa "B" estaria violando patente de seu produto e requerendo a realização antecipada de perícia na fábrica do concorrente para apurar os fatos. A empresa "B" está convicta que não há violação nenhuma e que o concorrente "A" só quer que seu assistente técnico entre na fábrica para verificar como é o processo de produção de "B". Nesse exemplo, a empresa "B" não poderia resistir a tal pretensão da Autora e deveria deixar que seus segredos de produção fossem revelados? Óbvio que parece que não e que a empresa "B" pode e deve resistir para mostrar a impertinência e o real motivo por trás da produção da prova que se pretende produzir antecipadamente. Em outro exemplo o Autor possui título prescrito e requerer a produção antecipada de prova pericial contábil em face do devedor para atestar que o valor constante do título entrou no caixa da empresa. Estando o título prescrito e não podendo mais ser cobrado, não poderia o devedor resistir à produção dessa prova inútil e teria de abrir sua contabilidade para o credor que não pode mais cobrá-lo? Esse parece ser mais um caso que o devedor pode e deve resistir à produção antecipada da prova." (p. 485/486) 3 Produção Antecipada da Prova, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5 - Direito Probatório, coord. Marco Félix Jobim e William Santos Ferreira, 3ª ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 729/730.
O recurso de agravo de instrumento possui hipóteses de cabimento taxativamente previstas no art. 1.015, do CPC. Diante da celeuma instaurada pela doutrina e jurisprudência quanto a admissão do recurso de agravo além das hipóteses previstas no aludido art. 1.015, a Corte Especial do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.704.250/MT (Tema n. 988), decidiu, por maioria de votos, que o rol do art. 1.015 do CPC ao arrolar hipóteses taxativas de cabimento do recurso de agravo de instrumento, em verdade cede espaço à interpretação destinada à taxatividade mitigada: "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 05/12/2018, DJe 19/12/2018) Diante de referido paradigma, o qual tivemos a oportunidade de comentar nesta coluna1, já tecemos breves comentários a entendimentos pelo cabimento de agravo de instrumento (i) contra decisão que admite a intervenção de terceiros2 (ii) decisão que afasta a arguição de prescrição3, (iii) decisão tirada de recuperação judicial e falência4, sem prejuízo, ainda, de precedentes já referenciados quanto ao cabimento do recurso de agravo tirado contra decisões ligadas a (iv) definição de competência (v) decisões relativas à produção de provas5, assim como arbitramento de honorários periciais6 (vi) quando demonstrado risco de perecimento do direito7 (vii) decisões prolatadas no curso dos embargos à execução8 (viii) decisões prolatadas em ação de improbidade administrativa9, (ix) decisões interlocutórias que deixam de homologar acordo judicial10, (x) decisões que indeferem a expedição de ofício destinado a exibição de documentos11 e, por fim, (xi) o cabimento da interposição direta de recurso de agravo contra a decisão que defere pedido de penhora (em detrimento as matérias dedutíveis por meio de impugnação ao cumprimento de sentença - art. 525, § 11º, do CPC)12 . Todavia, taxatividade mitigada não há de ser confundida com erro grosseiro, mercê nas hipóteses em que a jurisprudência entende pelo cabimento do recurso de agravo, ao prisma de exame da natureza jurídica da decisão (decisão interlocutória ou decisão que põe fim ao processo), em detrimento da interposição de recurso de apelação. Nesse contexto decidiu o STJ ao afastar o cabimento de recurso de apelação tirado contra a decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação ao cumprimento de sentença: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. REAJUSTE DE 28,86%. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. SERVIDOR VÍNCULADO A AUTARQUIA OU FUNDAÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ACOLHIMENTO PARCIAL. RECURSO CABÍVEL. DECISÃO QUE NÃO EXTINGUIU A EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. I - Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC." II - Na origem, o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado da Bahia - SINTSEF/BA apresentou pedido de cumprimento de sentença, referente à título judicial decorrente de Ação Civil Pública, na qual reconheceu o direito de servidores públicos federais, civis, aposentados e pensionistas dos Poderes da União, das Autarquias e Fundações Públicas federais, no Estado da Bahia, à incorporação em seus proventos do reajuste no percentual de 28,86% (vinte e oito vírgula oitenta e seis por cento). III - A União, em 07/04/2016, apresentou impugnação a cumprimento de sentença, objetivando a extinção do feito sem resolução de mérito quanto aos substituídos do Sindicato exequente que integram a Administração Indireta e que não apresentam vinculação direta com a União, com como o reconhecimento de excesso de execução no valor de R$ 696.338,98 (seiscentos e noventa e seis mil, trezentos e trinta e oito reais e noventa e oito centavos). IV - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, sob a égide do Novo Código de Processo Civil, a apelação é o recurso cabível contra decisão que acolhe impugnação do cumprimento de sentença e extingue a execução. Ainda, o agravo de instrumento é o recurso cabível contra as decisões que acolhem parcialmente a impugnação ou lhe negam provimento, por não acarretarem a extinção da fase executiva em andamento, portanto, com natureza jurídica de decisão interlocutória. A inobservância desta sistemática caracteriza erro grosseiro, vedada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, cabível apenas na hipótese de dúvida objetiva. V - Na hipótese, verifica-se que a decisão ora apelada reconheceu a ilegitimidade da União em relação aos exequentes que tenham vínculo com autarquia ou fundação pública, contudo determinou o prosseguimento da execução. Assim, considerando que não há extinção da execução, o recurso cabível seria o Agravo de Instrumento, o que inviabiliza a aplicação do princípio da fungibilidade. VI - Recurso especial provido para reformar o acórdão ora recorrido e não conhecer a apelação interposta pelo Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado da Bahia - SINTSEF/BA, mantendo hígida as decisões de fls. 405-420 e 441-446." (STJ, REsp n. 1.947.309 - BA (2021/0206660-0, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, v.u., j. 07.02.2023, grifou-se) Em síntese, concluiu o STJ que a decisão que julga o cumprimento sentença a priori é impugnada via recurso de agravo de instrumento. Diz-se a priori, porquanto para o respectivo cabimento é necessário concorrer as circunstâncias (i) do cumprimento de sentença, uma vez acolhido, (ii) não extinguir a execução (a exemplo do acolhimento das matérias de ilegitimidade de um dos litisconsortes ativos, excesso de execução, penhora indevida ou avaliação errônea etc.). Tal leitura em verdade se encontra em consonância com a redação do parágrafo único do art. 1.015 do CPC, ao dispor que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário." (grifou-se). Malgrado a redação supra citada, nos parece que o exame mais seguro quanto ao cabimento do recurso de agravo ou de apelação não está adstrito ao nome da decisão impugnada ser "rotulada" de "decisão interlocutória" ou "sentença" (tal como previsto no parágrafo único do art. 1.015 do CPC), mas sim ao conteúdo do que foi decidido. Tome-se como exemplo a decisão que decide exceção de pré-executividade: muito embora referida decisão venha ser rotulada de sentença, o não acolhimento da exceção de pré-executividade implica no prosseguimento do processo e, portanto impugnável via agravo de instrumento. De outra banda, a decisão que decide (i) pelo acolhimento de referida defesa, (ii) com a determinação de extinção da execução ou cumprimento de sentença necessariamente será impugnada por meio da interposição de recurso de apelação. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1797991/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18/06/2019, DJe 21/06/2019. 3 STJ, REsp 1702725/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25/06/2019, DJe 28/06/2019. 4 Consoante se depreende de brilhante artigo da lavra do Professor Rogério Mollica, ao comentar o resultado do julgamento dos recursos Especiais n. 1.707.066 e 1.717.213.    5 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2187603-32.2016.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.12.2016. 6 Disponível aqui. TJSP, Agravo de instrumento n. 2240960-87.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 3.4.2018.  7 Disponível aqui.  8 Disponível aqui. STJ, REsp n. 1682120/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.3.2019. Em verdade, referido entendimento emerge da literal redação do art. 1.015, parágrafo único, do CPC. 9 Disponível aqui. STJ, Resp n. 1.925.492-RJ, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 4.5.2021. 10 Disponível aqui. Resp n. 1817205/SC, Primeira Turma. Min. Gurgel de Faria, v.u., j. 05.10.2021. 11 Disponível aqui. 12 Disponível aqui.
Como se sabe, o art. 839, do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que "considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia". A leitura isolada deste dispositivo pode levar o leitor mais desatento a acreditar que para a realização de qualquer penhora seria necessária a apreensão e o depósito do bem objeto da constrição. Entretanto, o § 1º do art. 845 do CPC dispõe que "a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos". Em outras palavras, se o objeto da penhora for um imóvel ou um veículo automotor não depende da localização ou apreensão do bem, mas sim da apresentação da certidão da matrícula, no primeiro caso, ou da apresentação de certidão que ateste a existência do veículo, no segundo caso. Assim, caso seja apresentada a certidão da matrícula o imóvel ou a certidão que comprove a existência do veículo automotor, a penhora de tais bens pode ser feita por termo nos autos do processo. O bem será considerado penhorado no momento em que for lavrado o termo de penhora nos autos, independentemente de ele ter sido encontrado ou não. Basta ter a certeza de sua existência comprovada mediante a apresentação da respectiva certidão (CPC, art. 845, § 1º). Nesse sentido é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado recente assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 845, § 1º, DO CPC/15. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO DE EXISTÊNCIA. PENHORA POR TERMO NOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE LOCALIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA EFETUAR A CONSTRIÇÃO. EFEITOS PROCESSUAIS DA PENHORA IMEDIATOS. PREFERÊNCIA. SATISFAÇÃO DO EXEQUENTE. PREQUESTIONAMENTO. DEMAIS DISPOSITIVOS. NÃO VERIFICADO. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 14/10/1998, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 4/2/2020 e concluso ao gabinete em 22/8/2022. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a lavratura do termo de penhora de veículo automotor deve ser condicionada à sua localização, ainda que apresentada certidão de sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15. 3. Dispõe o art. 839 do CPC/15 que a penhora considerar-se-á feita mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. A regra, portanto, é que a penhora se concretiza por meio dos atos de individualização e apreensão do bem que, posteriormente, será depositado. 4. Não obstante, o Código de Processo Civil apresenta exceções à necessária apreensão do bem para a formalização da penhora: é o que prevê o CPC/15 acerca da penhora de dinheiro (art. 854), de bem imóvel e de veículo automotor (art. 845, §1º). 5. Por força do art. 845, §1º, do CPC/15, independentemente do local em que estiverem situados os bens, a penhora será realizada por termo nos autos quando se tratar de veículo automotor e for apresentada certidão que ateste a sua existência. 6. Quando requerida a penhora de veículo automotor por interesse do exequente, dispensa-se a efetiva localização do bem para a lavratura do termo de penhora nos autos, bastando, para tanto, que seja apresentada certidão que ateste a sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15. 7. Entendimento que privilegia os princípios da efetividade e da razoável duração do processo, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como assegura a produção imediata dos efeitos processuais decorrentes da penhora, como a garantia do direito de preferência (art. 797, caput, CPC/15), e reduz os riscos de ocultação de bens quando verificado hiato entre a lavratura do termo nos autos, a apreensão e a posterior entrega ao depositário. 8. Hipótese em que o acórdão recorrido condicionou a penhora de veículo automotor dos recorridos/executados à localização do referido bem, sob o fundamento de que a penhora de bens móveis pressupõe a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para afastar a localização do veículo automotor como requisito indispensável à penhora, desde que sejam apresentadas as certidões do bem, na forma do art. 845, §1º, do CPC/15. (REsp n. 2.016.739/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1/12/2022.)" No caso concreto, como se pode perceber da ementa, o juízo da execução havia condicionado a penhora de veículo automotor do executado à localização do referido bem, alegando que a penhora de bens móveis teria como pressuposto a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário. Porém, não é isso que o § 1º do art. 845 estabelece para veículos automotores. Basta comprovar a sua existência para que o automóvel seja passível de penhora mediante a lavratura de termo nos autos do processo. Dessa maneira, fica garantido o direito de preferência do exequente caso seja realizada outra penhora posteriormente por outro credor (CPC, art. 797, caput) e também fica desincentivada a ocultação do veículo automotor por parte do executado (que já terá o bem penhorado, com restrições devidamente anotadas em seu registro público).
O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O tema desperta muitas polêmicas no Brasil e foi objeto do julgamento da ADI n. 5941 no STF, em cujos autos a PGR já havia posicionado no sentido de que o artigo 139, IV, do CPC/15, deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. Vale lembrar que Teresa Arruda Alvim1enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória". Flávio Luiz Yarshell2, ainda, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado". O próprio STF já havia sinalizado, em julgamentos de HCs, para a enorme importância sobre a compreensão dos limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15. Em 04/12/2020, em decisão proferida no HC 192.127/SC, o relator Ministro Edson Fachin julgou no sentido de que: "Não tenho dúvidas de afirmar que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias. No caso dos autos, a suspensão da carteira nacional de habilitação e apreensão do passaporte da paciente, como medidas de fazer cumprir decisão judicial, tomadas no âmbito de processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas, devem ser afastadas. A desproporcionalidade da utilização de medidas executivas atípicas pelos juízes com a intenção de forçar o executado a cumprir decisão judicial, apresenta-se evidente, considerando que a imposição de medidas restritivas de direitos fundamentais, para compelir à execução de dívidas pecuniárias, não se revela, como revela o caso dos autos, compatível com a Constituição da República de 1988".  Por sua vez, em 08/06/2021, ao apreciar o HC 199.767/ DF, o relator Ministro Ricardo Lewandowski julgou no sentido de que: "A custódia do passaporte e da CNH, embora limite a possibilidade de o paciente realizar viagens internacionais e de dirigir veículo automotor, não restringe, necessariamente, sua liberdade de ir e vir". No julgamento ocorrido em fevereiro desse ano, quanto à ADI n. 5941, em controle concentrado de constitucionalidade, o STF, nos termos do voto do Min. Relator Luiz Fux, proclamou: "constitucional dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade (...). Ao votar pela improcedência do pedido, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. Ele destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso"3. É bem de ver, portanto, que os princípios dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15 ficaram muito bem ressalvados pelo STF, tendo a corte suprema se limitado a dizer que a redação do artigo 139, IV, do CPC/15 é constitucional, mas sendo ressalvada a importância do controle concreto de sua aplicação em cada situação jurisdicional, preservando-se sempre os princípios processuais e constitucionais insculpidos nos artigos acima referidos. Por isso, torna-se relevante a posição que o STJ adotará no julgamento do Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos, no qual a Segunda Seção definirá os limites e requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, verificando se "é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". O STJ, nesse julgamento, possivelmente detalhará melhor quais são os requisitos para a aplicação concreta das medidas do artigo 139, IV, do CPC/15. Como sabemos, a questão já vem sendo enfrentada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, merecendo destaque o julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio". De forma similar, ressalta-se o julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o Ministro Moura Ribeiro: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes." Em 23/04/2019, na apreciação do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios  de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da  hipótese concreta, com observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." Nesse contexto, o julgamento da ADI n. 5941, muito ao contrário do que vem sendo genericamente ventilado, se limitou a proclamar constitucional a redação do artigo 139, IV, do CPC/15, tendo-se expressamente ressalvado que sua aplicação, em cada caso concreto, deve observar os princípios processuais e constitucionais dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15; o que aumenta a responsabilidade do julgamento que ocorrerá no STJ quanto ao tema 1137, relacionado ao Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264. 2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28. 3 Disponível aqui.
É notório que o grande gargalo do processo civil é a efetiva satisfação do credor. O enorme número de processos de execução em tramitação e de cumprimentos de sentença em aberto evidenciam o problema na localização de devedores e bens aptos a satisfazerem créditos cobrados judicialmente. A grande frustação que ocorre no jurisdicionado é se sagrar vencedor em uma demanda judicial e não receber o bem da vida buscado no Judiciário1. Isso pode se dar por vários motivos, sendo os dois principais, a efetiva ausência de meios para o devedor efetuar o pagamento ou a ocultação de bens para se furtar ao pagamento devido. No primeiro caso, com a ausência total de meios para efetuar o pagamento não há muito a ser feito, pois o Judiciário não poderá criar bens e a legislação não poderá prever mecanismos para recuperar bens que não existem. Por outro lado, temos muitos endividados, que aparentam possuir riqueza e que ostentam uma excelente qualidade de vida, mesmo sem possuírem renda ou bens. São os "devedores profissionais", que ocultam bens em nome de pessoas interpostas ("laranjas").       Para esse último caso, o Código de Processo Civil de 2015 previu a possibilidade do juiz aplicar medidas executivas atípicas para tentar obter o pagamento. A previsão consta do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo se popularizou rapidamente, principalmente pelas determinações de retenções de passaportes, carteiras de motorista e cartões bancários de devedores. Entretanto, os Tribunais sempre foram reticentes à aplicação de tal mecanismo2. O Superior Tribunal de Justiça após avanços e retrocessos em relação à matéria acabou entendendo que "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."3 Parece claro que a aplicação ou não das medidas executivas atípicas depende da análise de cada caso específico.4 Entretanto, sem dúvida é uma excelente ferramenta e que se bem aplicada pode ser muito útil para que se tenha verdadeira efetividade no processo com a satisfação dos credores. Todavia, ainda faltava o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o referido dispositivo, que foi questionado pelo Partido dos Trabalhadores nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941. Desse modo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, em julgamento encerrado em 09/02/2023, a seguinte tese, proposta pelo Ministro Luiz Fux, relator do caso: "Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da pessoa humana". Portanto, é de se esperar que o recente julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal seja indutor da maior utilização das medidas executivas atípicas para aqueles casos em que sabidamente o devedor oculta bens e posterga deliberadamente a satisfação de suais obrigações. __________ 1 Para o Professor Olavo de Oliveira Neto: "Qualquer sistema de realização da tutela executiva que pretenda atender a exigência de Acesso à Justiça deve tender a completude, prevendo ou pelo menos permitindo, de modo generalizado, o emprego de meios aptos a efetivar a satisfação de prestações que não foram espontaneamente adimplidas, no menor espaço de tempo e com a prática de um mínimo necessário de atividade processual." (O Poder Geral de Coerção, São Paulo: RT, 2019, p. 316). 2 O Professor e Juiz Estadual em São Paulo Fernando da Fonseca Gajardoni conduziu interessante pesquisa que apurou que "(...) a quantidade de indeferimentos continua representando uma porcentagem substancialmente maior que a de deferimentos. No primeiro período em debate (janeiro a junho de 2017), a taxa de rejeição dos pedidos de aplicação das medidas atípicas foi de 89,79%, uma vez que entre 137 acórdãos, 123 foram indeferidos, e a porcentagem de decisões que acolheram algumas das medidas foi de 10,21%, sendo apenas 14 de 137 decisões. "GAJARDONI, Fernando da Fonseca; PEREIRA, Augusto Martins. Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJSP. In: MARCATO, Ana; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; DELLORE, Luiz; BARIONI, Rodrigo; MOLLICA, Rogerio; AMENDOEIRA JR., Sidnei; FERREIRA, William Santos. Reflexões sobre o CPC/15 . São Paulo: Verbatim, 2018. p. 287 a 302. 3 (REsp n. 1.788.950/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 26/4/2019). Sobre os requisitos exigidos pelo STJ para a aplicação do 139, IV, do CPC vide artigo publicado, em 12/05/2022, nessa coluna e de autoria do Professor Elias Marques de Medeiros.  4 "Acompanhando tal posicionamento, o STJ vem demonstrando que somente a análise do caso concreto poderá determinar a validade e a observância dos preceitos processuais fundamentais na utilização de medidas atípicas, não cabendo aos tribunais superiores limitar ou regulamentar tal questão." (Danilo Scramin Alves e Rogerio Mollica, "Considerações acerca das medidas executivas atípicas do CPC/2015 e sua incidência na jurisprudência dos tribunais superiores", in Revista de Processo nº 311/2021).
Em se tratando de execução fiscal, caso o juiz reconheça a prescrição no curso do processo por ausência de localização de bens penhoráveis, sem encontrar resistência da Exequente, não caberá a condenação desta última ao pagamento de honorários advocatícios  a título de verba de sucumbência a favor a Executada. Nesse sentido, assim decidiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTINTA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA POR PARTE DA EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ pacificou a orientação de que a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente que não resistiu ao pedido de extinção da execução fiscal. No mesmo sentido: AgInt no AgInt nos EDcl no REsp 1.849.431/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1a.Turma, DJe 17/03/2021; e AgInt no REsp 1.892.578/CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, 2a. Turma, DJe 06/04/2021). 2. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.834.263/RS, rel. Min. Manoel Erhardt, desembargador convocado do TRF-5, Primeira Turma, julgado em 7/6/2021, DJe de 11/6/2021.)". Embora louvável o entendimento do STJ acima transcrito, é preciso tomar cuidado para não se fazer generalizações. O processo cuja ementa está acima reproduzida possui algumas peculiaridades que devem ser consideradas para se aplicar o mesmo entendimento em outras hipóteses. Em primeiro lugar, é preciso observar que se trata de uma "execução fiscal", regulada pela lei 6.830/1980 (LEF), cujo art. 40, § 4º, dispõe sobre o reconhecimento da "prescrição intercorrente". Ou seja, o juiz suspenderá a execução por um ano enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Durante um ano não correrá a prescrição. Depois de um ano, caso não localizado o devedor ou bens passíveis de penhora, os autos serão remetidos ao arquivo e começará a ser contado o prazo prescricional. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Além de ser uma execução fiscal, portanto, o processo tem que ter sido arquivado pela não localização de bens passíveis de penhora e a Fazenda Pública (Exequente) tem que ser ouvida antes de formalmente reconhecida a prescrição pelo juiz. E mais, para se aplicar o entendimento do STJ acima transcrito, a Fazenda Pública obrigatoriamente não deve ter apresentado qualquer contrariedade à extinção do processo de execução fiscal em razão da ocorrência da prescrição. Em suma, o processo deve: (i) ser de execução fiscal; (ii) estar suspenso pela não localização de bens da Executada na forma do art. 40, § 4º da LEF; (iii) não ter qualquer manifestação de contrariedade por parte da Exequente. Trata-se da aplicação do princípio da causalidade. A Executada deu causa ao ajuizamento da execução fiscal, pois não pagou o tributo. E não foi a Exequente que deu causa a extinção do processo, mas sim a ausência de bens da Executada. Como a Exequente não causou a extinção do processo e não foi ela quem inadimpliu a obrigação de pagar o tributo, mas sim a parte contrária, faz sentido que ela não seja condenada ao pagamento de honorários advocatícios para a parte contrária. Por isso, a decisão do STJ acima mencionada é digna de aplausos, mas não pode ser generalizada para outras espécies de execução e para outros casos de suspensão do processo diferentes dos mencionados anteriormente.
Ao decidir o Recurso Especial Repetitivo n. 1.3848.640/RS aos 07.05.2014, a Corte Especial do STJ fixou o entendimento, por maioria de votos, de que "na fase de execução o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". Referido julgamento, sob a ótica do então art. 543-C do CPC/73 (equivalente art. 1036 e seguintes, do CPC/2015, restou fundamentado, em síntese: "A questão jurídica sujeita à presente afetação, responsabilidade do devedor pelo pagamento de juros de mora e correção monetária sobre os valores depositados em juízo na fase de execução, foi exaustivamente debatida por esta Corte Superior, tendo-se firmado entendimento no sentido da responsabilidade da instituição financeira depositária, não do devedor, pela remuneração do depósito judicial, conforme se verifica nos seguintes julgados: (...) Sobre o tema da remuneração dos depósitos judiciais, houve inclusive a edição de duas súmulas, embora restritas à questão da correção monetária. Confira-se: Súmula 179/STJ - O estabelecimento de credito que recebe dinheiro, em deposito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos. Súmula 271/STJ - A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário. Não obstante a pacificação da jurisprudência desta Corte Superior, identificou-se no Núcleo de Recursos Repetitivos - NURER/STJ a subida de uma multiplicidade de recursos especiais referentes essa mesma controvérsia, principalmente nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, uma das demandas de massa com maior número de recursos nesta Corte. Tornou-se necessário, portanto, afetar a matéria ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, para impedir a subida em massa de recursos. A tese que se pretende consolidar segue, essencialmente, a linha do entendimento já firmado por esta Corte, nos precedentes supracitados, sugerindo-se a redação, conforme a proposta feita pelo eminente Ministro Ari Parglender, em seu voto, nos seguintes termos: Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Na redação ora proposta, optou-se por limitar a tese à fase de execução, pois, na fase de conhecimento, o devedor somente é liberado dos encargos da mora se o credor aceitar o depósito parcial. É o que se depreende do disposto no art. 314 do Código Civil, abaixo transcrito: Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. (...)" (STJ, Corte Especial, Resp n. 1.348.640/RS, Corte Especial, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 07.04.2014, grifou-se) Tal como definido em 2014 pela Corte Especial, o depósito judicial,  realizado pelo devedor interrompe a incidência de juros moratórios e atualização monetária e o libera da obrigação de pagamento. Referido entendimento não chegou a se sustentar por uma década. Emergiu a proposta de revisão do entendimento supra citado por força da afetação do Recurso Especial n. 1.820.963/SP, destinada a melhor análise do Tema Repetitivo n. 677, o qual passou a abordar a seguinte questão submetida para julgamento: "Proposta de revisão da tese firmada pela Segunda Seção no REsp 1.348.640/RS, relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para definição de: se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor." (grifou-se) Por força da afetação, sob o rito do art. 1036 e seguintes do CPC atual, o STJ reexaminou a mesma questão, desta feita sob o prisma dos recursos depositados em juízo terem o condão de (i) autorizar o imediato levantamento pelo credor (hipótese de nítido interesse do devedor em quitar o pagamento da dívida, à exemplo do parcelamento previsto no art. 916 do CPC ou do depósito em juízo destinado ao pagamento da dívida, art. 904, I, do CPC) ou (ii) por qualquer outra razão, há resistência do devedor em impedir aludido levantamento (por vezes quando o depósito espontâneo é utilizado como condição de obtenção do efeito suspensivo aos embargos do devedor - art. 919, § 1º ou quando referido depósito decorre do cumprimento de ordem de penhora online e que o devedor ainda será intimado para apresentação de eventual defesa contra referido ato de constrição patrimonial). E, no reexame do Tema n. 677 levado à efeito aos 19/10/2022, por votação unânime, proclamou novo enunciado quanto a questão: "Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial." O v. acórdão da Corte Especial restou disponibilizado recentemente, mediante a ementa a saber: "DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 677/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. DEPÓSITO JUDICIAL. ENCARGOS MORATÓRIOS PREVISTOS NO TÍTULO EXECUTIVO. INCIDÊNCIA ATÉ A EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DA QUANTIA EM FAVOR DO CREDOR. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. NATUREZA E FINALIDADE DISTINTAS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DOS JUROS MORATÓRIOS. NOVA REDAÇÃO DO ENUNCIADO DO TEMA 677/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de ação de indenização, em fase de cumprimento de sentença, no bojo do qual houve a penhora online de ativos financeiros pertencentes ao devedor, posteriormente transferidos a conta bancária vinculada ao juízo da execução. 2. O propósito do recurso especial é dizer se o depósito judicial em garantia do Juízo libera o devedor do pagamento dos encargos moratórios previstos no título executivo, ante o dever da instituição financeira depositária de arcar com correção monetária e juros remuneratórios sobre a quantia depositada. 3. Em questão de ordem, a Corte Especial do STJ acolheu proposta de instauração, nos presentes autos, de procedimento de revisão do entendimento firmado no Tema 677/STJ, haja vista a existência de divergência interna no âmbito do Tribunal quanto à interpretação e alcance da tese, assim redigida: "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada". 4. Nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempos devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado. A mora persiste até que seja purgada pelo devedor, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/02). 5. A purga da mora, na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento voluntário desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade. 6. No plano processual, o Código de Processo Civil de 2015, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, é expresso no sentido de que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos termos do art. 904, I, do CPC. 7. Ainda, o CPC expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores (art. 906). 8. Dessa maneira, considerando que o depósito judicial em garantia do Juízo - seja efetuado por iniciativa do devedor, seja decorrente de penhora de ativos financeiros - não implica imediata entrega do dinheiro ao credor, tampouco enseja quitação, não se opera a cessação da mora do devedor. Consequentemente, contra ele continuarão a correr os encargos previstos no título executivo, até que haja efetiva liberação em favor do credor. 9. No momento imediatamente anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, deve ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. 10. Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. 11. O Tema 677/STJ passa a ter a seguinte redação: "na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial". 12. Hipótese concreta dos autos em que o montante devido deve ser calculado com a incidência dos juros de mora previstos na sentença transitada em julgado, até o efetivo pagamento da credora, deduzido o saldo do depósito judicial e seus acréscimos pagos pelo Banco depositário. 13. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Corte Especial, REsp n. 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, maioria de votos, j. 19.10.2022, grifou-se) O voto condutor asseverou, em síntese: "(...) 4. Destarte, em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação. Houve, é verdade, a transcrição, no bojo do voto, de ementas de dois julgados a respeito da questão (REsp's n. 783.596/RJ e n. 1.107.447/PR), porém sem o enfrentamento dos fundamentos relevantes acerca da tese. 5. Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso  representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o "pagamento" da "garantia do juízo", para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/73 (art. 523 do CPC/15). (...) 7. Foi em tal contexto, assim, que a e. Terceira Turma, em precedente de agosto/2016, culminou por relativizar a tese firmada no Tema 677, fixando a orientação de que "o depósito judicial apenas extingue a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada, mas não o libera dos consectários próprios de sua obrigação. Assim, quando do efetivo pagamento, os valores depositados com os acréscimos pagos pela instituição bancária devem ser deduzidos do montante da condenação calculado na forma do título judicial ou extrajudicial" (REsp 1.475.859/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 25/08/2016). (...) 14. Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. 15. Deveras, se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito. 16. Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora (v.g. comissão de permanência), até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores. 17. Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. 18. Por oportuno, convém esclarecer que não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação. (...) 22. Assim, em suma, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi. (...) 26. Nesses termos, a conclusão do presente julgamento não pode ser outra senão aquela que fora adotada pela Terceira Turma no REsp 1.475.859/RJ, no sentido de que o depósito judicial efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não libera o devedor dos consectários próprios de sua mora, devendo-se, quando do efetivo pagamento ao credor, deduzir do montante calculado na forma do título judicial ou extrajudicial o valor depositado judicialmente e acrescido da correção monetária e juros pagos pela instituição financeira depositária. 27. Na mesma linha de intelecção, cita-se, por oportuno, os seguintes julgados: AgInt no REsp 1.629.206/PR, 3ª Turma, DJe 21/02/2019; AgInt no AgInt no AREsp 1.687.672/SP, 3ª Turma, DJe 11/12/2020; (AgInt no AgInt no REsp 1.404.012/PR, 4ª Turma, DJe 13/02/2019; AgInt no AREsp 268.431/RS, 4ª Turma, DJe 22/05/2019; AgInt no AREsp 348.446/SP, 4ª Turma, DJe 03/09/2019; AgInt no AREsp 688.982/RS, 4ª Turma, DJe 19/12/2019. (...)" Na linha do quanto decidido por maioria de votos1, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros (iii) não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora previstos no título executivo (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor. Sobre o quantum debeatur atualizado, (iv) há de abater-se os valores depositados (acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária). Por fim, a Corte Especial determinou a modulação dos efeitos do julgado oram em comento, para que a superação da Tese n. 677/STJ tenha eficácia a) para depósitos realizados após a publicação de referida decisão, b) para depósitos anteriores em que tenha sido inaugurado o debate sobre a permanência da responsabilidade do devedor pelos consectários da mora e, c) retroativamente até o início da vigência do CPC/2015. Na medida em que boa parte das dívidas é composta de juros e atualização monetária, o precedente supra citado terá impacto significativo no campo da execução de título extrajudicial (e igualmente na fase de cumprimento de sentença). Frente ao entendimento acima, caberá ao credor apresentar o quantum debeatur, a ser abatido dos valores depositados em juízo, a demandar a expedição de ofício à instituição financeira depositária com vistas a aferir o valor depositado, acrescido de juros remuneratórios. Sobre referida diferença penderá a cobrança de novos valores. De outra banda, ficará a cargo do devedor, sempre que realizar o depósito judicial, informar se referido depósito terá o condão de pagar (ainda que parcialmente) o credor, hipótese que caracteriza o animus solvendi e, na linha do entendimento acima, o isenta dos consectários da mora a partir do aludido depósito. Por sua vez, na hipótese de referido depósito materializar-se a título de garantia necessária a obtenção de efeito suspensivo em embargos do devedor ou cumprimento de sentença, é certo que sendo julgados improcedentes os embargos à execução e transitada em julgado aludida decisão, caberá ao devedor informar em juízo a possibilidade do credor requerer o levantamento de tais valores, ato processual esse que, interpretado como depósito "disponível o levantamento ao credor" evitará a incidência de encargos da mora a partir de então, porquanto manifesto o animus solvendi. __________ 1 É certo que sobreveio voto divergente, encabeçado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado pelos Ministros Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, e Francisco Falcão, no sentido de manter a antiga redação do Tema 677. Todavia, o entendimento então defendido restou superado pela maioria dos demais pares integrantes da Corte Especial, maioria esta encabeçada pelo voto condutor da Ministra Nancy Andrighi, tendo acompanhado a ministra relatora os Ministros Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes e Benedito Gonçalves.
O relevante artigo 357 do CPC/15 cuida do saneamento e da organização do processo, sendo que é nesse momento que o magistrado: (i) resolverá as questões processuais pendentes, se houver; (ii) delimitará as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; (iii) definirá a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 do CPC/15; (iv) delimitará as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (v) designará, se necessário, audiência de instrução e julgamento. Como lembra Cássio Scarpinella Bueno1, "o principal objetivo do art. 357, assim, é o de, reconhecendo que o processo está isento de nulidades - porque as eventualmente ocorrentes foram sanadas - ou de criar condições para que eventuais vícios o sejam, prepará-lo para fase instrutória, após o que será proferida a sentença". Humberto Theodoro Júnior2, por sua vez, salienta que "a decisão de saneamento e organização do processo pode ser havida como uma decisão interlocutória que contém a múltipla declaração positiva de: (i) admissibilidade do direito de ação, por concorrerem as condições da ação, sem as quais não se legitima o julgamento do mérito; (ii) validade do processo, por concorrerem todos os pressupostos e requisitos necessários à formação e desenvolvimento válido da relação processual, e se acharem resolvidas as questões processuais ainda pendentes; (iii) delimitação dos fatos a provar, com especificação dos meios de prova pertinentes; (iv) definição da distribuição do ônus da prova; (v) delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (vi) deferimento de prova oral ou pericial, com designação da audiência de instrução e julgamento". O parágrafo primeiro do mesmo artigo 357 do CPC/15 aponta que: "§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável". O dispositivo cuida da possibilidade de as partes, e eventuais terceiros, pedirem esclarecimentos quanto aos pontos da decisão de saneamento proferida, sendo uma grande demonstração do modelo cooperativo de processo civil, tão bem delineado no princípio estruturante moldado no artigo 6 do CPC/153. Cássio Scarpinella Bueno4 lembra que esse pedido de esclarecimentos não se confunde com o recurso de embargos de declaração, sendo importante entender essa modalidade de pleito "como elemento cooperativo com vistas a uma prestação jurisdicional ótima, inclusive na perspectiva procedimental e não como recurso. Até porque pode ocorrer, em sentido diametralmente oposto, que não haja, na decisão, nenhum autorizativo para os declaratórios e, mesmo assim, ela precisar ser esclarecida e/ou ajustada para tornar a mais eficiente possível a fase instrutória do processo".   Havendo matéria impugnável por agravo de instrumento e objeto da decisão de saneamento/organização do processo, surge interessante dúvida sobre o momento de interposição do recurso de agravo; notadamente considerando que a redação do parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15 não prevê que o pedido de esclarecimentos teria o mesmo efeito interruptivo dos embargos de declaração (art. 1026 do CPC/15). Daí a relevância do julgamento, no STJ, do REsp 1703571, ocorrido em novembro de 2022, tendo sido relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira; julgamento este em que: "A Quarta Turma do STJ, por maioria, definiu que, havendo o pedido de esclarecimentos ou de ajustes previsto no artigo 357, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), o prazo para interposição de agravo de instrumento somente se inicia quando estabilizada a decisão de saneamento, ou seja, após a deliberação do juiz quanto ao requerimento; caso não haja o pedido, o prazo recursal começa após os cinco dias mencionados no dispositivo. Segundo o colegiado, a falta de um entendimento uniforme sobre o tema nas instâncias de origem vem causando insegurança jurídica e prejuízo aos litigantes, que, recorrentemente, não têm o recurso de agravo conhecido por intempestividade"5. Ou seja, para a quarta turma do STJ, o prazo para a interposição do agravo de instrumento contra a decisão de saneamento e organização do processo começa a fluir após a intimação das partes quanto à ulterior decisão referente ao pedido de esclarecimentos de que trata o parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15. Caso as partes não venham a apresentar pedido de esclarecimentos, o prazo recursal para a interposição do agravo de instrumento começa após os cinco dias mencionados no parágrafo primeiro do artigo 357 do CPC/15. Não há dúvidas de que a posição do STJ demonstra uma busca de segurança jurídica para a contagem dos prazos recursais relativos ao artigo 357 do CPC/15. Mas, vale lembrar, que a matéria ainda não está pacificada, de modo que ainda se mostra prudente o manejo do recurso de embargos de declaração diante da decisão do artigo 357 do CPC/15, caso os respectivos requisitos estejam preenchidos, para fins de segura interrupção do prazo recursal para a posterior interposição de agravo de instrumento (artigo 1026 do CPC/15).  __________ 1 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 335. 2 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 830 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 336. 4 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 336. 5 Disponível aqui.
O questionamento de penhora indevida ou avaliação errônea de bem é sempre alvo de preocupação em nosso ordenamento. No cumprimento de sentença temos oportunidade de alegar tais vícios em impugnação ao cumprimento (art. 525, § 1º, IV) ou por simples petição, caso já transcorrido o prazo para impugnação (art. 525, § 11º). Dúvida que surge é sobre a possibilidade de ser alegada diretamente em segunda instância, via Agravo de Instrumento, ou se tal estratégia poderia ser tida como supressão de instância e não poderia ser apreciada pela primeira vez pelo Tribunal. Em recentíssimo julgado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a previsão do art. 525, § 11, do CPC seria mera faculdade da parte, que poderia optar pela interposição direta do Agravo de Instrumento nos seguintes termos: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. DECISÃO. NATUREZA JURÍDICA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE SIMPLES PETIÇÃO NOS TERMOS DO ART. 525, §11 DO CPC. DESNECESSIDADE. FACULDADE DO DEVEDOR. 1- Recurso especial interposto em 14/1/2022 e concluso ao gabinete em 2/9/2022. 2- O propósito recursal consiste em dizer se, na fase de cumprimento de sentença, é cabível a interposição direta de agravo de instrumento sem a prévia utilização do procedimento de impugnação previsto no art. 525, §11, do CPC. 3- O pronunciamento judicial que determina a penhora de bens possui natureza jurídica de decisão interlocutória e não de simples despacho, notadamente porque não se limita a impulsionar o procedimento, caracterizando inegável gravame à parte devedora. 4- Na fase de cumprimento de sentença, não há óbice à interposição direta do recurso de agravo de instrumento contra decisão que determina a penhora de bens sem a prévia utilização do procedimento de impugnação previsto no art. 525, §11, do CPC. 5- Recurso especial não provido." (REsp n. 2.023.890/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 27/10/2022.) Do voto se extraí o referido trecho: "15. Ditou de outro modo, se a finalidade do texto legal é tutelar a posição do executado, cabe a ele o exame da conveniência da utilização do instrumento processual ali previsto antes da interposição de eventual recurso. 16. Além disso, não se pode olvidar que as regras jurídicas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, motivo pelo qual aquelas que estabelecem requisitos ou condições para a admissibilidade de recursos devem ser objeto de exegese estrita, pois representam restrição ao direito ao duplo grau de jurisdição e de acesso à justiça, ambos constitucionalmente consagrados." Ao que parece, a mesma conclusão deve ser aplicada à previsão de impugnação prevista no art. 525, § 1º, IV, do CPC, se bem que tal previsão parece praticamente inócua, pois a penhora incorreta ou avaliação errônea são fatos que, na prática, dificilmente serão invocados já na impugnação ao cumprimento de sentença, na medida em que, no prazo que o devedor dispõe para apresentá-la, não terá havido, ainda, qualquer penhora ou avaliação (Cf. APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2022). Desse modo, parece acertado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a incorreta penhora ou a avaliação errônea pode ser arguida em impugnação, em simples petição, se já esgotado o prazo da impugnação ou diretamente ao Tribunal pela interposição de Agravo de Instrumento. Cabe ressaltar que interposto o Agravo de Instrumento é facultado ao Agravante requerer ao juiz de primeira instância a reconsideração da decisão agravada (art. 1.018 CPC), desse modo, pode a parte prejudicada concomitantemente tentar corrigir o erro ocorrido na penhora ou na avaliação tanto em primeira como em segunda instância.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Medidas executivas atípicas no âmbito da falência

A aplicação do art. 139, IV, do CPC, referente aos poderes do juiz destinados a determinar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial é tema repleto de controvérsias e que vem sendo sedimentado mediante construção jurisprudencial. Em outras oportunidades desta coluna pudemos comentar, (i)  a inaplicabilidade na execução fiscal1-2-3, (ii) decisões do STJ e quanto a aplicação subsidiária da medida atípica, observado o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade4, (iii) não cabimento de medidas executivas atípicas destinadas a quebra de sigilo bancário5, (iv) assim como o descabimento de limitação temporal na aplicação do art. 139, IV, do CPC, podendo eventual decisão de indeferimento ser revista pelo magistrado a posteriori.6 Alguns recortes foram traçados ao tema, como (i) a aplicação subsidiária, condicionada a existência de indícios de que exista patrimônio penhorável, (ii) além da necessidade de o magistrado observar os princípios da proporcionalidade, motivação e contraditório quando da utilização do regramento7. E, tal qual anotado pelo colega Elias Marques de Medeiros Neto, noutra oportunidade nesta coluna, quando do julgamento do AgInt no Resp. n. 179.9638/SP, a terceira turma do STJ fixou como requisitos para aplicação dat. 139, IV, (i) a verificação de indício de que devedor possui patrimônio expropriável, (ii) a decisão deve ser fundamentada com base nas especificidades constatadas, (iii) a utilização subsidiária da medida atípica, esgotadas as diligências promovidas para a satisfação do crédito e (iv) há de se observar o contraditório e a proporcionalidade. Por fim, na proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.955.539/SP (canalizada no Tema Repetitivo n. 1.137/STJ), com vistas a se formar precedente obrigatório, a Segunda Seção do STJ decidirá sobre a seguinte controvérsia: "Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos." Ainda, a questão também será examinada pelo STJ no julgamento da ADI n. 5941, sob o prisma de exame da constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC, em especial na proposta apresentada pela Procuradoria Geral da República, para que sua aplicação seja subsidiária e com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direito8. Recentemente a quarta turma do STJ decidiu pelo cabimento das medidas executivas atípicas no âmbito de processo de falência, uma vez constatados indícios de ocultação patrimonial do falido:  "CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. HABEAS CORPUS. FALÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. APREENSÃO E RETENÇÃO DE PASSAPORTE DO FALIDO. MEDIDA ATÍPICA (CPC/2015, ART. 139, IV). RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A apreensão do passaporte do devedor é medida atípica e restritiva da liberdade de locomoção do indivíduo, podendo caracterizar constrangimento ilegal e arbitrário, susceptível de análise em sede de habeas corpus, como via processual adequada. 2. Em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou no ordenamento jurídico o CPC de 2015 ao prever, em seu art. 139, IV, a adoção de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda. 3. "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.782.418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23/04/2019, DJe de 26/04/2019). 4. Sendo a falência um processo de execução coletiva decretado judicialmente, deve o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, de modo que se tem como cabível, de forma subsidiária, a aplicação da referida regra do art. 139, IV, conforme previsto no art. 189 da Lei 11.101/2005. 5. Na hipótese, verifica-se a razoabilidade da medida coercitiva atípica de apreensão de passaportes, pois adotada mediante decisão fundamentada e com observância do contraditório prévio, em sede de processo de falência que perdura por mais de dez anos, após constatados fortes indícios de ocultação de vasto patrimônio em paraísos fiscais e que as luxuosas e frequentes viagens internacionais do paciente são custeadas por sua família, mas com patrimônio indevidamente transferido a familiares pelo próprio falido, tudo como forma de subtrair-se pessoalmente aos efeitos da quebra. 6. Ordem denegada." (STJ, HC n. 742.879/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 13.09.2022, v.u., grifou-se) Em análise mais detida, proclamou o voto condutor, verbis: "(...) Muitas vezes o exaurimento dos meios executivos relacionados no Código - "meios típicos de execução" - significa que o devedor realmente não dispõe de patrimônio com o qual pague a dívida. Outras vezes, no entanto, a busca persistente de bens do devedor não descortina patrimônio sujeito à execução, mas o comportamento social do executado evidencia incompatibilidade desse dado com a realidade, tais como: sinais de solvência em ambientes e em redes sociais ou públicos, em oposição à indisponibilidade patrimonial alegada e aparentada no processo. Para tais situações, indicativas, aliás, de uma postura processualmente desleal e não cooperativa, o CPC/2015 previu a regra do transcrito art. 139, IV, sem correspondente no revogado CPC/1973. Em suma, as medidas executivas atípicas agregaram-se aos meios típicos de execução a fim de permitir que o juiz, à luz das circunstâncias do caso concreto, encontre a técnica mais adequada para proporcionar a efetiva tutela do direito material violado. Logicamente, existem alguns limites materiais que vêm sendo construídos para orientar a aplicação dos meios atípicos. Um deles, que merece especial atenção, é a necessidade de prévio exaurimento dos meios típicos ou subsidiariedade dos meios atípicos. Não obstante isso, a imposição de prévio exaurimento da via típica é exigência que pode ser relativizada em alguns casos. É o que deve ocorrer quando o comportamento processual da parte, em qualquer das fases do processo, descortina a sua propensão à deslealdade ou à desordem. A boa-fé objetiva é princípio cuja inobservância deve implicar não apenas sanções processuais, como a prevista no caso de conduta atentatória à dignidade da justiça (CPC, art. 774). O descumprimento do princípio, para além da sanção punitiva, deve irradiar efeitos jurídicos para repelir as consequências da atuação maliciosa. (...) "Com efeito, consta da decisão de primeiro grau impugnada: "o esgotamento dos meios de execução/mecanismos de localização de patrimônio expropriável do devedor é presumido pela própria decretação da falência, tratando-se, assim, de quadro de inegável frustração da exigência de créditos"; "os documentos acostados aos autos, que demonstram a realização de viagens internacionais e gastos de grande vulto por parte do falido, somados ao trabalho realizado pelo escritório DFA, contratado no incidente nº 0029364-82.2018.8.19.0001, para investigar a existência de ações fraudulentas realizadas pelo falido a fim de ocultar seu patrimônio em paraísos fiscais por meio de empresas 'offsshores', demonstram haver indícios de que Daniel Birmann possui patrimônio passível de arrecadação neste feito falimentar"; "apesar de oportunizado o contraditório, o falido apenas alega que as viagens luxuosas bem como seus gastos são arcados integralmente por sua congregação religiosa ou por seus familiares, o que definitivamente não se afigura razoável, menos ainda crível"; "note-se, ainda, que deixa o falido de cumprir o dever previsto no inciso VI, do art. 104, da Lei 11.101/05, quando não esclarece os pontos indicados pelo Juízo falimentar, como se vê do item "3", II da decisão de fls. 9863/9866, proferida no feito principal da falência" (e-STJ, fls. 124-125). Em face das circunstâncias retratadas, verifica-se justo motivo para aplicação da medida atípica na situação em análise. (...) Assim, considerando que a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva decretado judicialmente, devendo o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, tem-se possível a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, de forma subsidiária, observando o disposto no art. 189 da Lei 11.101/2005: Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) Na hipótese, as instâncias ordinárias entenderam evidenciado que o paciente adotou ao longo do processo de falência, iniciado há mais de dez anos, conduta evasiva e não cooperativa. Por oportuno, seguem as esclarecedoras informações da autoridade coatora (e-STJ, fls. 161-163): "No ano de 2008 foi decretada a falência de Sam Indústria, estendida a sua controladora, Boulder, e Daniel Birmann, paciente em favor de que é impetrado o presente Habeas Corpus. Consoante constatado pela Comissão de Valores Mobiliários, e objeto do processo criminal, Daniel Birmann, controlador de Boulder, esvaziou os cofres de Sam Indústria através de uma série de milionários empréstimos feitos a ele mesmo, a ponto de insolvência e de inadimplemento de debêntures emitidas em favor de seu maior credor, um fundo de previdência. Durante quase dez anos após a decretação da falência, nenhum centavo dos falidos foi localizado para pagamento dos credores - essencialmente o Fisco e o dito fundo de previdência. Até que, substituído o administrador judicial, contratou-se escritório paulista especializado em recuperação de ativos localizados no estrangeiro. O que a partir dali foi revelado, ao custo de pesados investimentos do escritório, foi uma rede internacional de ativos ocultos e shell companies com sede em paraísos fiscais. Com efeito, no momento da falência, Daniel Birmann dizia-se o único acionista da offshore chamada Northumbria, lançada em sua declaração do Imposto de Renda pelo simbólico valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais). E era nela que se iniciava a cadeia das sociedades aparentemente desprovidas de atividade econômica e necessárias à ocultação de suas riquezas. Foi só então que se descobriu ser Daniel, por meio desta sociedade, o principal acionista da Companhia Brasileira de Cartuchos (cujas ações já foram arrecadadas), além de outras sociedades possuidoras de vasto patrimônio imobiliário, cuja real e perfeita dimensão jamais foi plenamente revelada pelo falido." Além de descortinar a ocultação de vasto patrimônio, as investigações levadas adiante pela massa trouxeram à luz, com farta prova documental, o cometimento de toda sorte de atos, posteriores à falência, visando a apagar os vestígios de patrimônio e dificultar a sua recuperação. Dentre outras ilicitudes, tem-se que Daniel Birmann doou a trust de sua família ações de offshore por ele controladas, declarando falsamente à autoridade estrangeira não possuir impedimento legal à alienação do patrimônio, embora falido fosse. Apreendidas as ações de CBC, Daniel transferiu para Nova Iorque todo o capital possível da referida empresa, rompendo com o padrão histórico de contas da sociedade, que mantinha até então no exterior parcela irrelevante de seu capital de giro. Pois bem, foi nesse contexto que o administrador judicial investigou as circunstâncias das viagens internacionais feitas pelo falido. Descobriu-se que os destinos das viagens não eram aqueles objetos de comunicação ao juízo falimentar, na letra do artigo 104 da Lei 11.101. Ao contrário, Daniel Birmann viajava a paraísos turísticos, dentre os quais Las Vegas, chegando ao ponto de se utilizar de avião particular, construído em 2014 para Northumbia pela empresa francesa Dessault e avaliado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). Portanto, certificada a incapacidade da massa de localizar seus ativos, o paciente, seis anos após a falência, comprou para a empresa por ele controlada avião de que se utiliza para voos internacionais de puro deleite, sem qualquer alteração significativa de seu padrão de vida, que permanece opulento e mantido às custas de seus credores. Foi em semelhante contexto, em que veementes os sinais da prática dos crimes dos artigos 168, 171 e 173 da Lei 11.101 que o eminente juízo a quo e esta 16ª Câmara Cível determinaram a apreensão dos passaportes do falido, a bem da proteção do patrimônio oculto e com base nos artigos 99, VII, da Lei 11.101 e 139, IV, do CPC. Não se objetiva com a medida coagi-lo ao pagamento da dívida, mas impedir a acintosa dilapidação dos ativos da massa, consumada aos olhos de todos." (grifou-se) O comportamento processual adotado pelo falido evidencia justo motivo para o emprego de medida coercitiva atípica. Além da robusta fundamentação da decisão de primeiro grau, houve respeito ao contraditório, quando lhe foi dada a oportunidade de demonstrar a inadequação da técnica processual postulada - e ao fim aplicada. As justificativas apresentadas, no entanto, não esclareceram pontos importantes, como a ocultação de patrimônio em paraísos fiscais, descumprimento de obrigação legal, realização de viagens luxuosas sem evidência de fins religiosos e doação de patrimônio aos familiares que atualmente arcam com suas despesas de viagens. Também o acórdão dito coator goza de fundamentação densa e consistente. Houve análise exaustiva e pormenorizada das circunstâncias do caso, seguida da valoração dos direitos em oposição, a fim de confirmar o deferimento parcial da tutela de urgência que determinou a apreensão e retenção dos passaportes do paciente. Com efeito, a jurisprudência do STJ considera cabível a adoção de meio executivo atípico, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, observada a subsidiariedade da medida, aplicada por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. (...) Portanto, demonstradas a conduta processualmente temerária do paciente, a consistente fundamentação da decisão e a observância do contraditório prévio, conclui-se que não há constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do paciente. Ante o exposto, denega-se a ordem de habeas corpus, ficando prejudicado o pedido de reconsideração de fls. 176/182. É como voto." (STJ, HC n. 742.879/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 13.09.2022, v.u., grifou-se) Respeitado entendimento em sentido contrário, o julgado acima soa acertado no sentido de manter congruência ao quanto decidido pelo STJ noutros precedentes. Em outras palavras, ao invés de limitar a discussão ao mero palpite se cabe ou não determinar a retenção de passaporte ou qualquer outra modalidade de medida atípica, depreende-se que houve profunda análise (i) das circunstâncias do caso concreto, (ii) em cotejo ao comportamento processual da parte pautado ou não na probidade e boa-fé, (iii) a aplicação subsidiária da medida e, ainda (iv) fundamenta sua necessidade e adequação como melhor meio coercitivo observado às circunstâncias do caso concreto. _________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Nos referimos ao julgamento do Recurso Especial n. 189.6421/SP. 8 Disponível aqui.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Impenhorabilidade do bem de luxo

A impenhorabilidade do bem de família da lei 8.009/1990 remanesce ainda que se trate de imóvel de alto padrão ou de luxo, independentemente do seu valor econômico. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL DE ALTO PADRÃO. PROTEÇÃO LEGAL MANTIDA. 1. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (Súm. 211/STJ). 2. Conforme jurisprudência do STJ, rever o entendimento do acórdão recorrido quanto às situações em que o Tribunal de origem, examinando as circunstâncias da causa, expressamente afasta a preclusão da questão atinente à impenhorabilidade do bem de família, demanda o reexame de matéria fático-probatória, atraindo a incidência da Súmula 7/STJ. 3. Nos termos da Lei n. 8.009/90 e da jurisprudência consolidada do STJ, a impenhorabilidade do bem de família remanesce ainda que se trate de imóvel de alto padrão ou de luxo. Ressalva de entendimento do Relator. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.965.350/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 29/4/2022.)" No mesmo sentido, há os seguintes julgados: REsp 1726733/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020; AgInt no AREsp 1146607/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe 07/05/2020; AgInt no REsp 1806654/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 13/12/2019; AgInt no REsp 1656079/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2018, DJe 06/12/2018; AgInt no REsp 1669123/RS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 03/04/2018. (STJ, "Jurisprudência em Teses", ed. 203, 11/11/2022)1. Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o bem de luxo é impenhorável, desde que ele seja de família, nos termos da lei 8.009/90. Este entendimento está claramente baseado no princípio da dignidade da pessoa humana inserto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. O ideal seria que tal princípio fosse considerado ao lado do princípio do acesso à justiça insculpido no art. 5º, inciso XXXV, do mesmo diploma. Ademais, seria importante que também se levasse em conta a dignidade do credor e não apenas do devedor. Há casos em que o credor tem o seu direito de acesso à justiça violado e também a sua dignidade. Portanto, a jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o bem de luxo, se for de família, é impenhorável, não pode ser levada a ferro e fogo e devem ser admitidas ponderações a depender da situação fática do credor e do devedor. __________ 1 Disponível aqui.
Conforme já noticiado nessa coluna, o STJ prolatou o Enunciado n. 8, o qual prevê que: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal". Foi em boa hora essa providência do STJ, já que começaram a surgir decisões de tribunais a quo negando seguimento a recursos especiais interpostos após a vigência da emenda constitucional n. 125/2022, com a motivação de que o filtro seletor da relevância não teria sido abordado nos apelos endereçados ao STJ. Nesse sentido, relembre-se, foi a decisão proferida no Recurso Especial n. 5738415-77.2019.8.09.0051, da Vice- Presidência do TJ-GO, e a decisão proferida no Recurso Especial n. 0801223-97.2019.8.12.0027/50000, da Vice-Presidência do TJ-MS.  Todavia, em razão da diretriz adotada pelo STJ, as presidências dos Tribunais a quo já começaram a sinalizar que o filtro seletor da relevância só será aplicável para recursos especiais interpostos diante de acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora específica. Nessa linha foi a decisão abaixo, proferida no TJMT: "Relevância de questão federal infraconstitucional A EC nº 125/2022 alterou o artigo 105, da Constituição Federal, incluindo para o recurso especial mais um requisito de admissibilidade, consistente na obrigatoriedade da parte recorrente demonstrar a "relevância da questão de direito federal infraconstitucional". Necessário destacar que o art. 1º da EC nº 125/2022 incluiu o § 2º, no art. 105, da CF passando a exigir que "no recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, (...)" (grifei). Com efeito, o art. 2º da aludida Emenda Constitucional dispôs que "a relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, (...)" (grifei). Apesar de um aparente conflito descrito acima, tem-se na verdade a edição de norma de eficácia contida no próprio texto constitucional, ao passo que a obrigatoriedade da exigência a partir da publicação consignado no art. 2º da EC nº 125 traduz-se como norma de direito intertemporal. Portanto, tem-se por necessária a regulamentação da questão. Diante desse quadro, ainda que ausente preliminar de relevância jurídica nas razões recursais, não há porque negar seguimento ao recurso especial por esse fundamento, até que advenha lei que regulamente a questão, com vistas a fornecer parâmetros necessários acerca da aludida "relevância", inclusive para fins de parametrizar o juízo de admissibilidade a ser proferido nos autos." (TJ-MT, 10064614720218110003, MT, Relator: MARIA APARECIDA RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/11/2022, Vice-Presidência, Data de Publicação: 17/11/2022) No TRF da 4ª. Região, há decisão com expressa referência ao aludido Enunciado n. 8 do Pleno do STJ: "Por fim, vale destacar que o Pleno do Superior Tribunal de Justiça aprovou, no dia 19/10/2022, o Enunciado Administrativo 8, que tem a seguinte redação: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal". Ainda, destaca-se que a arguição de relevância da questão federal para admissão do recurso especial - conhecida como filtro de relevância - foi incluída na Constituição pela Emenda Constitucional 125/2022. A proposta da lei regulamentadora da alteração constitucional será elaborada pelo STJ e remetida ao Congresso Nacional para apresentação e deliberação." (TRF-4 - AC: 50018115820154047008, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 26/10/2022, VICE-PRESIDÊNCIA). O TJ-GO, igualmente, fazendo referência ao referido enunciado, decidiu que: "Apesar de esta Vice-Presidência, balizada por uma exegese sistemática e teleológica - que rejeitou a antinomia entre o §2º do art. 105 da CF e os arts. 2º, primeira parte, e 3º, da EC n. 125/2022 -, ter, inicialmente, entendido pela autoaplicabilidade da EC n. 125/2022, exigindo, em termos objetivos, a alegação da relevância infraconstitucional, quando não presumida, para fins de exercício do juízo de admissibilidade, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, por meio do Enunciado Administrativo n. 08, de 19/10/2022, orientou que "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal", o que deve ser acatado, pois, em última instância, compete àquela Corte Superior o juízo de prelibação final do recurso especial." (TJGO - AC 5634221-14.2021.8.09.0000, RELATOR ZACARIAS NEVES COÊLHO, Data de Julgamento: 15 de novembro de 2022, VICE-PRESIDÊNCIA). Portanto, repisa-se que, em diálogo com a segurança jurídica, foi elogiável a postura do STJ ao prolatar o mencionado Enunciado n. 8, que demonstra a necessidade de se aguardar a vigência de lei regulamentadora da disciplina do filtro seletor da relevância aplicável aos recursos especiais. A lei certamente promoverá a alteração do Código de Processo Civil de 2015, e cuidará da forma e dos requisitos necessários para o manejo desse importante filtro seletor na dinâmica de trâmite e julgamento dos recursos especiais.
Voltamos ao estudo de mais um importante tema de Execuções Fiscais, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1 Diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia. Tais formas de garantia têm sido normalmente aceitas pelos exequentes, entretanto, possuem um custo anual bastante alto, ainda mais quando se verifica que os processos de Execução Fiscal possuem uma tramitação mais lenta e podem durar facilmente mais de uma década. Desse modo, os Executados por não conseguirem garantir o juízo com formas menos onerosas de garantia (penhora de bens) se vêm obrigados a gastar vultosas quantias para a obtenção de fianças bancárias e seguros garantias. Assim, nos casos em que a cobrança se mostra indevida os executados entendem que poderiam cobrar o ressarcimento desse custo dos exequentes, eis que eles que deram causa ao ajuizamento indevido da cobrança, não aceitaram os bens oferecidos em garantia e fizeram com que a parte contrária fosse obrigada a dispender esses valores das garantias para que pudessem opor Embargos à Execução Fiscal. Em julgamentos esparsos temos os Tribunais Regionais Federais permitindo o ressarcimento dos custos com a garantia ofertada em Execuções Fiscais2: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.  ART. 135, III, DO CTN.  HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE 13º SALÁRIO E REPOUSO SEMANAL REMUNERADO SOBRE HORAS EXTRAS.  LEI Nº 7.787/89 E LEI Nº 8.212/91. CABIMENTO. NÃO INCIDE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE CONTRATOS DE CESSÃO DE DIREITOS ARTÍSTICOS. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS COM FIANÇA BANCÁRIA. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20, § 4º, DO CPC. (...) 8. Cabe ao INSS ressarcir a embargante das despesas realizadas com a manutenção das fianças bancária relativas aos créditos tributários indevidamente exigidos, ou seja, aqueles correspondentes à CDA nº 31.680.093-7, equivalente a 98% (noventa e oito por cento) do valor dos créditos exeqüendos, já que a Autarquia Previdenciária deu causa à presente demanda, obrigando a executada-embargante a garantir o juízo, com a propositura da execução fiscal para cobrança dos aludidos créditos, incidindo, na espécie, o princípio da causalidade.(...)" (g.n.) (Apelação Cível nº 0041494-46.1995.4.02.5101, Rel. José Neiva, 3ª Turma do TRF2, j. 18/12/2007)                               Em recente julgado, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o Executado não poderia se ressarcir do valor gasto com a contratação da garantia indispensável para a oposição de Embargos: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. VALORES PARA CONTRATAÇÃO DE SEGURO GARANTIA. RESSARCIMENTO PELA FAZENDA PÚBLICA INDEVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA EXECUÇÃO E NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. FIXAÇÃO DEVIDA. I - No tocante ao ressarcimento do valor despendido com a apresentação de seguro garantia para viabilizar o ajuizamento dos embargos à execução, observa-se que o art. 82 do CPC/2015, dispõe que as partes devem prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, sendo devido ao vencido pagar ao vencedor as despesas que antecipou. II - O art. 84 do CPC/2015, delimita a abrangência de despesas em custas dos atos do processo, indenização de viagem e remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha. As custas dos atos processuais são as taxas judiciais para o impulsionamento do feito, já as despesas são aqueles valores pagos para viabilizar o cumprimento do ato judicial, sendo ato coercitivo e sem o qual o processo não se desenvolve, tais como as despesas com porte de remessa e retorno dos autos, com publicação de editais e diligências com oficiais de justiça. III - O art. 16 da Lei n. 6.830/1980 dispõe que para garantia da execução é necessário o depósito, a juntada de prova de fiança bancária ou seguro garantia ou, ainda, intimação da penhora. O devedor pode escolher qual garantia oferecer, o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública. IV - No tocante à fixação em separado de honorários advocatícios na execução fiscal e nos embargos à execução, verifica-se ser possível ao juiz, quando do julgamento dos embargos à execução, arbitrar valor único para a verba de sucumbência relativa às condenações na ação executiva e na ação de embargos à execução. Os efeitos decorrentes da sentença de procedência dos embargos à execução atingem o próprio feito executivo, sendo possível assim que o julgador determine fixação única de honorários, a abranger os embargos à execução e à execução fiscal, desde que não ultrapasse o valor máximo permitido no art. 85 do CPC/2015. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp n. 1.946.955/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 1/7/2022; AgRg no REsp n. 1.165.291/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 4/8/2015, DJe de 11/9/2015.) V - Recurso Especial improvido. (REsp n. 1.852.810/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 19/9/2022.) Segundo o entendimento do julgado, o executado pode escolher a melhor forma de garantir o débito "o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública". Entretanto, todos que advogam em face da Fazenda Pública sabem da recalcitrância dos Entes Públicos em aceitarem bens à penhora, sempre discordando da nomeação, muitas vezes sem nenhum motivo justo, preferindo sempre que a garantia recaia sobre dinheiro ou fiança bancária ou seguro garantia. Desse modo, a garantia por meio de fiança ou seguro não é propriamente uma escolha dos executados, mas uma imposição do exequente. Portanto, seria importante que fosse permitido o ressarcimento de tais despesas com a garantia, principalmente nos casos em que foram oferecidos bens injustamente não aceitos pelo exequente, já que seria uma tentativa de distribuir melhor os ônus nas Execuções Fiscais infundadas. Tal permissão também levaria os Exequentes a depurarem melhor os créditos antes de os executar e possibilitaria que formas mais baratas de garantia fossem aceitas nas Execuções Fiscais. ________________ 1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022.pdf, p 171. 2 Em outros julgados tal pleito não restou aceito: 5005404-13.2019.4.03.6126 (4ª Turma TRF3); 0004474-02.2017.4.03.6110 (6ª Turma TRF3) e 5058075-42.2017.4.04.7100 (2ª turma TRF4)