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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
No toante ao tema prescrição intercorrente a Primeira Turma do STJ já decidiu por afastar a condenação da exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, sendo necessário, por oportuno, a resistência do credor a extinção do feito fundada na prescrição intercorrente, a aplicar-se o princípio da sucumbência: "PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RESISTÊNCIA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. O reconhecimento da prescrição intercorrente não permite a condenação da parte exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, de modo que, se ela não resistir ao pedido de extinção do feito fundado nesse motivo, estará desonerada desse ônus; ao revés, havendo oposição do credor, a verba honorária será devida, com respaldo no princípio da sucumbência. Precedentes. 2. Hipótese em que a Fazenda Pública impugnou a exceção de pré-executividade, defendendo a inocorrência da prescrição e a continuidade da execução fiscal. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp 1.854.589/PR, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/3/2022) Por sua vez, a Terceira Turma do STJ entende que a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, tampouco atrai a sucumbência ao exequente: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMA PARA PIOR. 1. Cuida-se de agravo interno por meio do qual o executado, em razão da decretação da prescrição intercorrente, postula a fixação de honorários advocatícios em seu favor. 2. Consoante a jurisprudência de ambas as Turmas que compõem esta 2ª Seção, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. Precedentes. 3. Hipótese dos autos em que, contudo, mostra-se inviável a imputação das verbas de sucumbência à parte executada, ante o princípio da vedação da reforma para pior (non reformatio in pejus). 4. Agravo interno não provido." (AgInt nos EDcl no REsp 1.813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,Terceira Turma DJe de 18/12/2020) O cotejo de tais julgados culminou no julgamento, pela Corte Especial, dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.854.589-PR, a consolidar o seguinte entendimento: "PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA NA EXECUÇÃO EXTINTA POR PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUSTAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, PRECEDIDO DE RESISTÊNCIA DO EXEQUENTE. RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A controvérsia cinge-se em saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, mesmo após a extinção da execução pela prescrição. 2. Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais. 3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. 4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens. 5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. 6. Embargos de divergência providos para negar provimento ao recurso especial da ora embargada." (STJ, Corte Especial, Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.854.589-PR, rel. Min. Raul Araújo, j.09/11/2023, grifou-se) O voto condutor, encabeçado pelo Ministro Raul Araújo, ponderou, em síntese: "(...) Em ambos os julgados confrontados, a prescrição intercorrente foi decretada pelo d. Juízo singular, com condenação do exequente ao pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado, após a oposição de exceção de pré-executividade pelo devedor, a qual fora impugnada pela parte credora. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.854.589/PR, no acórdão embargado, houve restabelecimento da condenação prevista na r. sentença quanto à fixação de honorários advocatícios em favor da parte executada, aplicando-se o princípio da sucumbência. Por outro lado, nos autos do REsp 1.813.803/SP, no aresto paradigma, embora tenha sido reconhecida a prescrição intercorrente, não se restabeleceram os ônus sucumbenciais em favor da parte executada, por se entender aplicável o princípio da causalidade. No recurso especial relativo ao acórdão paradigma, concluiu-se que "a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente". No recurso julgado no aresto embargado, por sua vez, considerou-se que, havendo resistência da parte exequente ao pedido de aplicação da prescrição intercorrente, em exceção de pré-executividade, a verba honorária será devida pelo exequente, com respaldo no princípio da sucumbência. Portanto, mostram-se presentes conclusões jurídicas dissonantes, diante de uma mesma situação processual. De fato, em ambos os casos houve impugnação pelo credor à exceção de pré-executividade apresentada pelo devedor, a qual visava à decretação da prescrição intercorrente. Não obstante, o d. Juízo de primeira instância reconheceu o implemento da aludida prescrição e esta Corte de Justiça, no âmbito de sua competência, ao examinar a questão dos ônus sucumbenciais, deu interpretação divergente nos dois julgados mencionados. Desse modo, atendidos os requisitos de admissibilidade recursal e havendo nítida similitude processual entre os acórdãos confrontados, é devido o conhecimento dos presentes embargos de divergência. (...) No mérito, a controvérsia cinge-se a saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente, alegada em exceção de pré- xecutividade, é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, após a extinção da execução, fazendo incidir o princípio da sucumbência. (...) Nessa compreensão, com o reconhecimento da prescrição intercorrente, a parte que deu causa à instauração do processo executivo é que deverá suportar as despesas dele decorrentes. Tal ônus, portanto, é imposto, em regra, ao executado, que deixou de satisfazer espontaneamente a obrigação exequenda, evitando-se, assim, seja o devedor duplamente premiado por seu inadimplemento, livrando-se da execução e ainda auferindo honorários sucumbenciais, enquanto o credor, em contrapartida, é duplamente penalizado, com a frustração de seu direito de crédito e com a responsabilização pelo pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. (...) Contudo, examinando de forma mais aprofundada a matéria nos presentes embargos de divergência, adota-se a compreensão seguida no v. acórdão paradigma. Com a devida vênia de entendimentos contrários, considera-se que deve mesmo prevalecer, em qualquer das hipóteses acima mencionadas, a orientação pretoriana que faz prevalecer o princípio da causalidade em caso de extinção da execução pelo reconhecimento da prescrição intercorrente, notadamente quando reconhecida em razão da não localização do devedor ou de bens do executado. De fato, a resistência do exequente ao reconhecimento da prescrição intercorrente, decretada diante do decurso de prazo ocorrido após tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. Desse modo, mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar duplamente a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. Além disso, é direito da parte exequente defender-se das alegações suscitadas pela parte contrária, no caso o executado, em exceção de pré-executividade, em embargos do devedor ou em outro petitório, assim como é seu direito recorrer das decisões que não lhe são favoráveis, tal como a que decreta a prescrição intercorrente a impedir o prosseguimento do feito executivo. Veja-se que há casos em que a oposição do exequente é fundada e deve ser levada em consideração pelo julgador. Portanto, a resistência, por si só, ao pedido formulado pelo executado de reconhecimento da prescrição intercorrente ou a irresignação, por meio da interposição de recurso, contra a decisão que a decreta não tem o condão de afastar o princípio da causalidade na aplicação dos ônus sucumbenciais e abrir espaço para incidência apenas do princípio da sucumbência. O que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não -, mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização, ou de bens para penhora. Assim, em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade, no arbitramento dos ônus sucumbenciais. Destarte, a causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, gerando sua responsabilidade pela instauração do feito executório e, na sequência, pela sua própria extinção, diante da não localização do executado ou de seus bens. (...) Destarte, se trouxermos essa mesma lógica jurídica para a questão ora controvertida, ter-se-á como conclusão o seguinte: pelo princípio da causalidade, que é mais amplo do que o da sucumbência, quem deu causa à execução foi o executado inadimplente e quem deu causa à extinção do processo executivo foi o mesmo executado, ao não viabilizar sua localização ou de seus bens para penhora. Desse modo, a causa determinante para fins de arbitramento das custas e dos honorários advocatícios, ao final, não está imediatamente associada à efetiva sucumbência do exequente, que teve sua execução extinta pela prescrição intercorrente, mas à atuação do executado, o qual forçou a necessidade de instauração do processo judicial e, após, impediu ou inviabilizou sua efetivação. Assim, a causa determinante, prevalente não é a sucumbência; a causa determinante é a responsabilidade do devedor recalcitrante. Daí que o princípio da causalidade encontra ampla aplicação. (...) Acrescente-se, por derradeiro, que não se aplica, no caso em exame, a tese firmada no Tema 421 dos recursos especiais repetitivos, segundo a qual "é possível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios em decorrência da extinção da execução fiscal pelo acolhimento de exceção de pré-executividade". Isso, porque neste tema afirmou-se apenas a possibilidade de fixação de honorários advocatícios em exceção de pré-executividade, quando seu acolhimento acarreta o fim da execução fiscal em debate mais aproximado do mérito acerca da dívida executada (p. ex., anterior pagamento do crédito, compensação, consignação em pagamento, etc). Todavia, se o motivo da extinção for apenas a prescrição intercorrente, em razão da ausência de localização do devedor ou de seus bens para penhora, a incidência será daqueles outros precedentes, mais específicos, que foram acima delineados. (...) Nesse contexto, entende-se configurada a divergência jurisprudencial no presente recurso uniformizador, devendo prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do decisum que deu provimento ao recurso especial, de maneira a afastar a condenação da Fazenda estadual ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. Diante do exposto, dá-se provimento aos embargos de divergência do ESTADO DO PARANÁ, para negar provimento ao recurso especial de FARMÁCIA REGENTE FEIJÓ LTDA. É como voto." (grifou-se) Em voto vista encabeçado pela Ministra Nancy Andrighi, restou complementado: (...) 11. No entanto, do atento exame da jurisprudência desta Corte Superior, é possível concluir que o entendimento francamente majoritário é aquele segundo o qual a decretação da prescrição intercorrente em razão da ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, já que este deu causa ao ajuizamento da execução ao deixar de satisfazer dívida líquida e certa, não atraindo, portanto, os ônus sucumbenciais à parte exequente. Trata-se da aplicação do princípio da causalidade. (...) 23. Com efeito, rogando as mais respeitosas vênias às posições em contrário, eventual resistência do exequente à decretação da prescrição intercorrente não afasta os pressupostos que justificam a existência da execução, representando, a rigor, legítimo exercício do contraditório e da ampla defesa, garantias com assento constitucional. 24. Em outras palavras, a prescrição intercorrente não infirma, ao menos diretamente, a certeza e a liquidez do título executivo, tampouco faz desaparecer do mundo jurídico o inadimplemento do devedor. 25. Nesse contexto, não é razoável - e atentaria contra os princípios da boa-fé processual e da cooperação -, punir duplamente o credor, impondo-lhe o dever de arcar com os ônus sucumbenciais ao mesmo tempo em que vê frustrada a satisfação de seu crédito com a extinção da execução. 26. Por outro lado, tampouco seria lícito premiar duplamente o devedor - que logrou êxito em impedir a sua localização ou a de bens penhoráveis -, que se veria livre da dívida e ainda faria jus ao recebimento, por exemplo, de honorários sucumbenciais. 27. Conforme bem ressaltado pelo e. Relator, "o que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não - mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização ou de bens para penhora". 28. Assim, consoante a jurisprudência das Turmas que compõe a Primeira e a Segunda Seções, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização do executado ou de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. 29. Importa mencionar, por fim, que a Lei n. 14.195/2021, que deu nova redação ao §5º do art. 921 do CPC/2015, introduziu na legislação, agora de forma expressa, o referido entendimento já sedimentado, anteriormente, por esta Corte Superior. 30. Desse modo, configurada a divergência jurisprudencial, conclui-se que deve prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do acórdão que deu provimento ao recurso especial, afastando a condenação da parte exequente ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais." (grifou-se) Mediante o entendimento supra, a Corte Especial consolidou o entendimento, portanto, de que (i) a resistência do Exequente a alegação de prescrição intercorrente, uma vez acolhida, não é circunstância apta a ensejar a condenação em verba sucumbencial, (ii) tampouco quando aplicada a prescrição intercorrente diante da não localização de bens do devedor. A ratio decidendi de aludido julgado reside na premissa de que, malgrado detentor de título executivo líquido, certo e exigível, não pode o Exequente, já portador de dívida ou obrigação inadimplida, sofrer os efeitos de verba sucumbencial diante da superveniente prescrição intercorrente reconhecida nos autos. Ao final, a Corte Especial decidiu por afastar qualquer condenação do Exequente uma vez reconhecida a prescrição intercorrente, na leitura, dentre outros fundamentos, que o princípio da causalidade é mais amplo que o princípio da sucumbência. Todavia, deixou também de condenar o devedor a eventual verba sucumbencial, entendimento antes adotado no julgado paradigma que ensejou os embargos de divergência1, a afastar também a aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor. __________ 1 A rigor do entendimento posto no AGInt nos EDcl no REsp 1.1813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi utilizado como paradigma ensejador dos embargos de divergência, onde em tais hipóteses a verba sucumbencial recairia sobre o Executado, por força da aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor.
O art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida".  O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15.  Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade on line, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15.  E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa.   Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor1, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador.  E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica.  A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa.  A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado, aí se incluindo as eventuais providências, naquilo que couber, dos arts. 855 a 860 do CPC/15, caso venha a ocorrer a natural associação entre recebíveis oriundos de créditos e outros direitos patrimoniais e o faturamento da companhia.  O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi2, em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora3.  O administrador deve ter a cautela de não comprometer o funcionamento da empresa, conforme bem lembra o professor português J.P. Remédio Marques4, em lição referente ao instituto da penhora de empresa existente no direito português: "Porque de uma organização de factores de produção se trata, a penhora do estabelecimento não deve obstar ao prosseguimento do giro comercial (ou industrial), conforme se consigna no n. 3 do artigo 862-A.".  E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes." 5 Quanto ao procedimento da penhora de faturamento, de início esclarece-se que o magistrado, atendendo a requerimento do credor, pode, em decisão adequadamente motivada, deferir a constrição sobre o percentual do faturamento da empresa devedora, nos termos dos arts. 835, X, e 866 do CPC/15.  Esta decisão pode ser objeto de agravo de instrumento a ser manejado pelo devedor, o qual também pode propor ao magistrado a substituição da penhora, seja com base nos arts. 805 e 847 do CPC/15, seja com base no art. 848 do CPC/15.  O magistrado, após ouvir o credor, decidirá pela substituição da penhora de faturamento por outra modalidade de penhora, sendo certo que esta decisão também pode ser objeto de agravo de instrumento.   Nos termos dos arts. 838 e 840 do CPC/15, a penhora se aperfeiçoa com a indicação de um depositário, o qual, no caso, terá a incumbência de elaborar um plano de atuação e de pagamento para o credor, plano este que deverá ser chancelado e fiscalizado pelo magistrado.   Ao indicar o depositário, cumpre ao magistrado fixar sua remuneração, nos termos do art. 160 do CPC/15, remuneração esta que deverá ser inicialmente arcada pelo credor; o qual, todavia, deverá ser reembolsado quando do pagamento do que lhe é devido na execução. Entende-se que o depositário deve ser um expert, um verdadeiro especialista no ramo de contabilidade e/ou economia e/ou administração de empresas, além de conhecer o setor de atividade da empresa executada. Deve ser administrador qualificado.  Como lembra Araken de Assis6, o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora.  Carlos Henrique Abrão7 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade".  As partes podem recorrer da indicação do depositário, caso alguns dos requisitos essenciais para sua nomeação não tenham sido observados pelo magistrado.  E tanto para que o expert possa elaborar o seu plano de atuação, como adequadamente atuar na sua efetivação, é certo que ele precisa ter acesso aos documentos necessários para compreender as fontes de receita que a empresa possui, além de suas dívidas e despesas em geral; verificando a real necessidade de capital de giro do devedor.  O depositário administrador, na elaboração do seu plano de pagamento, deverá levar em consideração as fontes de receita da empresa, a sua necessidade de capital de giro, o valor do crédito executado, o tempo razoável para que o débito possa ser pago, a existência de créditos preferenciais e as demais dívidas e despesas do devedor. Também deverá, o administrador, apontar a sua forma de atuação, delimitando os poderes de gestão que são necessários para a implementação do plano.  Carlos Henrique Abrão8, sobre a atividade do administrador, enfatiza que: "Adjetivar o pressuposto do encargo significa emprestar ao administrador judicial inerente responsabilidade, isso porque não intervém como gestor, ou gerente delegado, mas exclusivamente funciona para verificar aquilo que é possível dentro da constrição determinada. Identificado com a realidade de sua atividade, o administrador judicial, arregaçando as mangas, deve conhecer o procedimento e verificar o crédito exigido e quais os percentuais necessários à tomada de decisão. A integração da medida judicial implica na agilidade do administrador para assumir o compromisso e apresentar ao juízo estimativa do custo e o plano de pagamento. Com razão, o desinteresse do administrador ou sua letargia, no cumprimento da ordem judicial, invariavelmente representa fator negativo que desarticula o alcance pretendido."  Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se sobre a receita bruta como um todo, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo.  Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes deverão ser ouvidas, em contraditório9, quanto aos termos do plano de pagamento, cabendo ao magistrado, em decisão motivada, recorrível por agravo de instrumento, homologar o plano ou determinar que o administrador apresente esclarecimentos ou o refaça10.  Com a homologação do plano, compete ao administrador zelar pela sua efetiva realização, atuando dentro dos limites daquele. Carlos Henrique Abrão11, neste tópico, lembra que: "... sua fiscalização deve ser rigorosa e concentrada na sua implementação. Em linhas gerais, assinalando que mensalmente o valor será transferido para a conta judicial, deve acompanhar e verificar todas as implicações e não apenas aguardar providências da empresa devedora. Comunicará na primeira oportunidade sobre o descumprimento daquilo pactuado, até para permitir eventual penhora online ou medidas paralelas. Não pode ficar o administrador desatento ou letárgico: deve manter periódica visitação e acompanhamento da atividade operacional, esclarecendo ao juízo o descumprimento e a infundada prática, motivando medidas supletivas. Com efeito, sabendo o administrador judicial que o ingresso de recursos parte de títulos recebíveis em mãos de terceiros, nada prejudica que dê ciência aos devedores e procedam ao depósito judicial dos valores, uma vez que a empresa devedora se mostrou refratária da medida judicial relativa ao faturamento. Eventual omissão do administrador, implicando letargia ou leniência em face do procedimento adotado pela empresa, poderá significar infidelidade e resultar na sua destituição. (...). Desse modo, pois, passa o administrador a frequentar o ambiente da empresa e também consultar sua escrituração, no sentido de carrear os elementos fundamentais para concretização do relatório e eventual alteração do percentual sujeito á constrição do faturamento. Existente qualquer entrave, de imediato, será comunicado pelo administrador, no propósito das providências judiciais, advertência, ato atentatório à dignidade da justiça, e, excepcionalmente, posicionar o administrador provisório gerenciando o negócio, a titulo de eliminar as barreiras impostas".  É certo que a nomeação do depositário administrador, na penhora de faturamento, não retira do devedor os poderes necessários que lhe são inerentes para a regular condução dos negócios. Mas, não se deve olvidar que o administrador, judicialmente apontado, tem a incumbência de zelar pela regular execução do plano de pagamento12.  O administrador, caso sinta que suas atividades estão sendo prejudicadas por dolo do devedor, deve comunicar tal fato prontamente ao magistrado; a quem caberá garantir que o administrador tenha todos os poderes necessários para o bom e regular exercício de sua função, podendo-se determinar medidas de força, tais como busca e apreensão de documentos e aplicação de multas ao devedor.  O administrador também deve cuidar do depósito judicial dos valores auferidos com a penhora de faturamento, sendo sua incumbência prestar contas mensalmente perante o magistrado.   As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento.  Para o caso de comprovadas falhas na atuação do administrador, além das responsabilidades inerentes ao art. 161 do CPC/15, o magistrado poderá promover sua destituição e nomear outro em seu lugar.  O administrador e/ou as partes, sempre observado o regular contraditório, também podem levar ao conhecimento do magistrado a necessidade de adequação do plano de pagamento; seja no caso de mudanças no curso dos negócios da empresa, seja em virtude de mudanças no cenário econômico, seja em razão de novas penhoras que venham a ser realizadas contra o faturamento do devedor por parte de outros credores, dentre outros fatores.  Cabe ao magistrado, após a apresentação de retificações no plano de atuação e pagamento pelo administrador, uma vez ouvidas as partes, promover a homologação do novo plano, passando o administrador a se pautar por este último. Essa decisão do juiz, além de ser motivada, também pode ser objeto de recurso de agravo de instrumento. É bem de ver que a constrição sobre o percentual do faturamento, uma vez bem regida e aplicada, pode ser um mecanismo bem menos oneroso para o devedor. Pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras on line, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa.  Essa é a lição de Carlos Henrique Abrão13: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, on line, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento".  Daí a importância do Tema Repetitivo 769, cuja questão submetida a julgamento, no STJ,  é a seguinte: "Definição a respeito: i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela lei 6.830/80; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade"14. Espera-se que a excepcionalidade estipulada no artigo 866 do CPC seja relativizada pelo STJ, conferindo-se mais eficiência no manejo da importante constrição sobre parcela do faturamento da empresa devedora.  ------------------------------ 1 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 2 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184.   3 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3.  4 MARQUES, J.P. Remédio. Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto. Porto: Almedina, 2000. p. 267. 5 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 6 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 7 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62. 8 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 67. 9 Sobre a importância de o contraditório ser observado no processo de execução, veja: KUHN, João Lacê. O princípio do contraditório no processo de execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. 10 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 656. 11 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68. 12 HERNANDEZ, José Rubens. Da penhora de faturamento. Campinas: PUCCampinas (Dissertação de Mestrado), 2003. p. 166.  13 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59. 14 Disponível aqui. 
A Jurisprudência Defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas em nossa coluna1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social. Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2.015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual2. Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, excepcionalmente, previu a possibilidade da admissão para julgamento de recurso especial que alegue violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil sem indicar o inciso violado, desde que, nas razões recursais, haja demonstração inequívoca do vício atribuído à decisão recorrida e de sua importância para a solução da controvérsia: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. ART. 1.022 DO CPC/2015 ARGUIÇÃO DESACOMPANHADA DA INDICAÇÃO DO(S) INCISO(S). SÚMULA N. 284/STF. SUPERAÇÃO. VÍCIO INTEGRATIVO. EXPOSIÇÃO DE FORMA CLARA E FUNDAMENTADA. DEMONSTRAÇÃO DA IMPORTÂNCIA PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. NOVA ORIENTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o CPC/2015. II - Decisão agravada que adota, entre outros fundamentos, a orientação de ambas as Turmas da 1ª Seção deste Tribunal Superior, consubstanciada na impossibilidade do conhecimento do Recurso Especial em relação à alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando não especificado o inciso correspondente ao vício integrativo. III - Reavaliação, conforme o art. 927, V, do estatuto processual civil e em prestígio ao princípio da instrumentalidade das formas e à ratio decidendi adotada pela Corte Especial no julgamento do EAREsp n. 1.672.966/MG, segundo a qual a inobservância à regra processual que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida. IV - Superação do óbice contido na Súmula n. 284/STF, mitigado o rigor processual e assentada a cognoscibilidade do Recurso Especial quando a alegação de violação ao art. 1.022 do CPC/2015 vier desacompanhada da indicação do(s) inciso(s) correspondente(s), desde que, inequivocamente demonstrado, nas razões recursais, de qual(ais) vício(s) integrativo(s) padeceria o provimento jurisdicional recorrido e sua importância para a solução da controvérsia. V - In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do CPC/2015 das razões do Recurso Especial extrai-se, de forma inequívoca, tais requisitos. VI - Agravo Interno parcialmente provido." (g.n.) (AgInt no AREsp n. 1.935.622/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 21/9/2023.) Deve-se alertar que o julgamento foi por apertada maioria (3X2) e de apenas uma das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, mas é de se enaltecer o entendimento da maioria vencedora de superação do vício e do conhecimento do Recurso Especial. Do voto vencedor da Min. Regina Helena Costa se extraí o seguinte trecho que o resume: "Isso porque, embora a precisão na indicação do dispositivo violado e o detalhamento da tese desenvolvida se apresentem, em minha percepção, a eliminar qualquer dúvida acerca do preenchimento de um dos requisitos de admissibilidade, a inobservância que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida. In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, consoante reconhecido no Agravo Interno, a leitura das razões do Recurso Especial (fls. 2.453/2.469e) demonstra identificação, de forma inequívoca, tanto das teses relacionadas aos vícios integrativos constantes do acórdão recorrido (três omissões e uma contradição) quanto à importância de sua solução para o deslinde da controvérsia submetida à apreciação do Poder Judiciário."  (g.n.) O voto vencedor faz remissão a outro recente acórdão da Corte Especial do STJ, que permitiu, também de modo excepcional, o conhecimento de Recurso Especial no caso de não especificação da(s) alínea(s) do artigo 105 da CF que teria(m) sido violada(s): "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA POSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO RECURSO ESPECIAL, MESMO SEM INDICAÇÃO EXPRESSA DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL EM QUE SE FUNDA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADO O SEU CABIMENTO DE FORMA INEQUÍVOCA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.029, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS, MAS REJEITADOS. 1. A falta de indicação expressa da norma constitucional que autoriza a interposição do recurso especial (alíneas a, b e c do inciso III do art. 105) implica o seu não conhecimento pela incidência da Súmula n. 284 do STF, salvo, em caráter excepcional, se as razões recursais conseguem demonstrar, de forma inequívoca, a hipótese de seu cabimento. 2. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados." (EAREsp n. 1.672.966/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 20/4/2022, DJe de 11/5/2022.)                                      Também do voto da Relatora se extraí importante trecho balizador de toda a defesa contrária à Jurisprudência Defensiva: "(...) mitigando o rigor formal, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo, a fim de dar concretude ao princípio constitucional do devido processo legal em sua dimensão substantiva de razoabilidade e proporcionalidade." Portanto, é de enaltecer tais decisões que superaram rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam quando estiver plenamente aplicável o requisito da relevância da questão federal para a interposição de Recursos Especiais. __________ 1 Disponível aqui. Disponível aqui. Disponível aqui. Disponível aqui. 2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015.
Referente a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais na fase de cumprimento de sentença, o STJ já possuiu as aludidas teses consolidadas, todas sob a égide do CPC/73: a) são cabíveis honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário (Tema Repetitivo n. 4071 e Súmula 517/STJ2);   b) não são cabíveis honorários advocatícios quando rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença (Tema 408); c) são cabíveis honorários advocatícios quando acolhida, integral ou parcialmente, a impugnação, com extinção do processo por meio de sentença (Temas 4093 e 4104). A rigor das teses supra citadas, é cediço o entendimento de que na impugnação ao cumprimento de sentença somente haverá condenação em honorários advocatícios sucumbências quando acolhida a defesa do Executado, sendo indevida tal verba quando julgada improcedente a impugnação. Todavia, em julgado recente a Quarta Turma do STJ decidiu de forma distinta ao fixar a verba honorária advocatícia em impugnação de cumprimento de sentença arbitral considerada intempestiva:  "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. PEDIDO DE NULIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. Segundo precedente da Corte Especial, é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando o incidente processual for capaz de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal. 2. A invalidação da sentença arbitral pode ser reconhecida em ação autônoma de nulidade (art. 33, § 1º, da Lei n. 9.307/1996) ou pleiteada por intermédio de impugnação ao cumprimento da sentença (art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996), quando estiver sendo executada judicialmente. 2.1. A impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, em que se busca a nulidade da sentença, possui potencial de encerrar ou modificar significativamente o processo de execução judicial. 2.2. Nesse aspecto, são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, na hipótese em que se pleiteia anulação da sentença com fundamento nos arts. 26 e 32 da Lei n. 9.307/1996. 3. Recurso especial a que se dá provimento para condenar a parte executada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais."  (STJ, REsp n. 2.1026.76/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 21.11.2023, grifou-se).  O voto condutor esclareceu: "(...) O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto por SPPATRIM ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA., para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença, sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (e-STJ, fls. 3.825/3.839). A parte exequente, ora recorrente, opôs embargos de declaração para que fosse suprida a omissão em relação ao arbitramento dos honorários de sucumbência. (...) Assim, a questão jurídica a ser definida cinge-se à necessidade de que sejam arbitrados honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese de ser rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, na qual a parte impugnante suscita a nulidade da sentença arbitral, com fundamento no art.33, § 3º, da LArb. Não se desconhece o entendimento firmado nesta Corte Superior, em sede de recurso especial repetitivo, segundo o qual não são cabíveis honorários advocatícios sucumbenciais no caso de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. Esse entendimento se baseia na premissa de que a impugnação ao cumprimento de sentença tem natureza jurídica de mero incidente do módulo processual executivo. (...) Contudo, a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral possui uma relevante peculiaridade, pois, além das matérias defensivas típicas contempladas no art. 525, § 1º, do CPC/2015, é também possível pleitear a anulação da sentença arbitral, de acordo com o disposto no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996, in verbis: (...) Em suma, a invalidação da sentença arbitral pode ser reconhecida em ação autônoma de nulidade (art. 33, § 1º) ou pleiteada por intermédio de impugnação ao cumprimento da sentença (art. 33, § 3º) quando estiver sendo executada judicialmente. (...) Essa possibilidade legal de contestar a validade da sentença arbitral por meio de impugnação encontra-se em total consonância com os princípios basilares da arbitragem, os quais visam a assegurar a celeridade e a eficiência na resolução de conflitos de interesses. Contudo, quando se opta pela impugnação como meio de questionar a validade da sentença arbitral, fundamentada nos arts. 26 e 32 da Lei n. 9.307/1996, o incidente processual passa a ter potencial de encerrar ou modificar significativamente o processo de execução judicial. De fato, segundo precedente da Corte Especial do STJ, é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando o incidente processual for capaz de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal (EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 5/4/2017). Nesse mesmo sentido: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). REMUNERAÇÃO DE DEPÓSITO JUDICIAL. INCIDENTE PROCESSUAL INSTAURADO CONTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES ESPECÍFICOS DO STJ. [...] 2. Não é cabível honorários advocatícios nos incidentes processuais, exceto nos casos em que estes são capazes de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal. Precedente da Corte Especial (EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Corte Especial, DJe 5/4/2017) . 3. Agravo desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.431.507/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 1/3/2021, DJe de 4/3/2021.) AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA DO AGRAVADO. 1. Nos termos da orientação firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, lavrada no EREsp 1.366.014/SP, em razão da ausência de previsão normativa, não são cabíveis honorários advocatícios nos incidentes processuais, exceto nos casos em que estes são capazes de extinguir o próprio processo principal. Precedentes do STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.830.273/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 4/5/2020, DJe de 7/5/2020.) Confiram-se ainda: AgInt no REsp n. 1.838.236/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/4/2020, DJe de 27/4/2020; e AgInt no AREsp n. 1.630.422/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/8/2020, DJe de 14/8/2020. Decerto que, ao se alegar a nulidade por meio de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, tem-se substancial pretensão declaratória, com elevado caráter litigioso, não se tratando de mero incidente processual. É incontestável que o incidente de impugnação cumprimento de sentença com pedido de nulidade da sentença arbitral desenvolve atividade jurisdicional de cognição exauriente, com decisão interlocutória que resolve o mérito em relação à tese de invalidade da sentença arbitral, com potencial para fazer coisa julgada sobre esse tema. Semelhante raciocínio desenvolveu a Terceira Turma em julgado recentemente proferido, manifestando entendimento de que cabem honorários advocatícios nas hipóteses de indeferimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, pois "apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido" (REsp n. 1.925.959/SP, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023). (...) Dessa forma, não importa se a alegação de nulidade é apresentada em ação própria ou em impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. Em ambas as hipóteses deve haver condenação ao pagamento de honorários advocatícios no caso de rejeição, pois o pedido de nulidade é o mesmo, só muda o procedimento escolhido. Portanto, concluo que o Tribunal de origem, ao rejeitar a impugnação por intempestividade, em que se pleiteava a anulação da sentença arbitral, sem condenar a parte impugnante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, violou o disposto nos arts. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996 e 85, §§ 1º e 2º, do CPC/2015. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para condenar o executado ao pagamento de 10% (dez por cento) a título de honorários sucumbenciais, a ser calculado sobre o proveito econômico auferido, que equivale ao valor da execução, devendo ser observado o limite de 20% (vinte por cento) total no caso de a parte ser também condenada na ação de execução, em observância a orientação fixada no Recurso Especial Repetitivo n. 1.520.710/SC (Tema n. 587). É como voto." (grifou-se)  O novel entendimento parece correto, porquanto pouco importa o rótulo ou nome iuris do meio de impugnação, defesa ou pleito de tutela apresentado. Uma vez que o seu acolhimento ou rejeição tenha o condão de formar coisa julgada material, a pacificar o litígio e prestar a tutela jurisdicional em definitivo, parece crível o cabimento de arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, mercê a luz do princípio da causalidade, a exigir da parte contrária constituir advogado necessário a defesa de seu direito. Outros exemplos não faltam em igual sentido, como os mencionados acima (julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica) ou outras hipóteses em que o incidente processual também terá o desiderato de formar coisa julgada material (a exemplo da impugnação de crédito na recuperação judicial julgada procedente). O que se espera do julgado supra, a tratar do tema ligado ao cumprimento de sentença e com vistas a guardar isonomia e coerência com seus julgados, é que o STJ também passe a admitir (em revisão ao Tema Repetitivo n. 408) a condenação de verba honorária advocatícia nas impugnações ao cumprimento de sentença julgadas improcedentes, cujo acolhimento ou matéria veiculada, mutatis mutandis, por vezes terá o condão de anular o título executivo judicial (tal como o caso em comento, referente ao pleito de anulação da sentença arbitral veiculado em sede de cumprimento de sentença. __________ 1 São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do 'cumpra-se' 2 São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.   3 Em caso de sucesso da impugnação, com extinção do feito mediante sentença (art. 475-M, § 3º), revela-se que quem deu causa ao procedimento de cumprimento de sentença foi o exequente, devendo ele arcar com as verbas advocatícias. 4 O acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, que serão fixados nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução.
O art. 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que são impenhoráveis os valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Apesar de a lei estabelecer a impenhorabilidade de valores em caderneta de poupança, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que esta impenhorabilidade também atinge valores depositados em conta corrente do devedor. Porém, este entendimento (de se aplicar o art. 833, inciso X, do CPC, por analogia, para valores depositados em conta corrente) é aplicável somente às pessoas físicas. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, assim se manifestou: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE. INAPLICABILIDADE. PESSOAS JURÍDICAS. POSSIBILIDADE DE DESBLOQUEIO EX OFFICIO. 1. A impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que direcionada a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física). Nesse sentido: "[...] a intenção do legislador foi proteger a poupança familiar e não a pessoa jurídica, mesmo que mantenha poupança como única conta bancária" (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017). 2. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.334.764/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 30/11/2023.) Como se pode perceber, no entendimento da Segunda Turma do STJ, a regra do inciso X do art. 833 do CPC tem como objetivo proteger a poupança familiar, ou seja, as pessoas físicas que integram as famílias, para que não percam todas as suas economias e acabem em uma situação incompatível com a dignidade humana. Em razão disso, apenas as pessoas físicas poderiam ser beneficiadas pela impenhorabilidade estabelecida no art. 833, inciso X, do CPC, pois são elas que integram as famílias e podem ter a dignidade humana comprometida. Nas palavras do relator Min. Campbell Marques: "Conforme assentado pela decisão recorrida, verifica-se que o entendimento proferido na origem está em conformidade com a jurisprudência do STJ, no sentido de que a impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que tal proteção direciona-se a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física), corolário do princípio da dignidade da pessoa humana (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017)". Em conclusão, a pessoa jurídica não pode se beneficiar da impenhorabilidade que o inciso X do art. 833 do CPC estabelece. Como o objetivo, em última análise, é preservar a dignidade da pessoa humana, as pessoas jurídicas ficam de fora desta proteção. Assim, apenas as pessoas físicas pode invocar a ter garantida a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos depositados em conta corrente.
O PL 4.188-c de 2021, sancionado pela Presidência da República em 30/10/2023, e convertido na lei 14.711/2023, vem sendo chamado de Marco Legal das Garantias, e traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na redação original do Projeto de Lei que foi encaminhada para a sanção presidencial, na tendência da desjudicialização, havia previsão da possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, poderia ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos. Esta previsão, em específico, foi objeto de veto presidencial quando da promulgação da lei 14.711/2023; veto este que, todavia, foi derrubado na data de 14.12.2023 pelo Congresso nacional. Com isso, nos termos da Constituição Federal, o texto do PL 4.188-c de 2021, que havia sido objeto de veto, deve ser objeto de promulgação pelo Presidente da República e/ou pelas demais autoridades previstas na Magna Carta. Uma das finalidades da lei 14.711/2023 é facilitar a localização de bens do devedor, além de buscar acelerar os procedimentos de constrição do patrimônio do executado. Nessa linha é a previsão dos artigos 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E, introduzidos no Marco Legal das Garantias, como acréscimos ao texto do decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969. Este movimento legislativo visa justamente conferir um tom mais célere para a busca e apreensão, no formato extrajudicial, dos bens móveis que tenham sido objeto de alienação fiduciária em garantia. Veja-se:  "Art. 8º-B - Desde que haja previsão expressa no contrato em cláusula em destaque e após comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste decreto-lei, é facultado ao credor promover a consolidação da propriedade perante o competente cartório de registro de títulos e documentos no lugar do procedimento judicial a que se referem os arts. 3º, 4º, 5º e 6º deste decreto-lei. § 1º É competente o cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor ou da localização do bem da celebração do contrato. § 2º Vencida e não paga a dívida, o oficial de registro de títulos e documentos, a requerimento do credor fiduciário acompanhado da comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste Decreto-Lei, notificará o devedor fiduciário para: I - pagar voluntariamente a dívida no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de consolidação da propriedade; II - apresentar, se for o caso, documentos comprobatórios de que a cobrança é total ou parcialmente indevida. § 3º O oficial avaliará os documentos apresentados na forma do inciso II do § 2º deste artigo e, na hipótese de constatar o direito do devedor, deverá abster-se de prosseguir no procedimento. § 4º Na hipótese de o devedor alegar que a cobrança é parcialmente indevida, caber-lhe-á declarar o valor que entender correto e pagá-lo dentro do prazo indicado no inciso I do § 2º deste artigo. § 5º É assegurado ao credor optar pelo procedimento judicial para cobrar a dívida ou o saldo remanescente na hipótese de frustração total ou parcial do procedimento extrajudicial. § 6º A notificação, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, será feita preferencialmente por meio eletrônico, a ser enviada ao endereço eletrônico indicado em contrato pelo devedor fiduciário. § 7º A ausência de confirmação do recebimento da notificação eletrônica em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento, implicará a realização da notificação postal, com aviso de recebimento, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, ao endereço indicado em contrato pelo devedor fiduciário, não exigido que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário, desde que o endereço seja o indicado no cadastro. § 8º Paga a dívida, ficará convalescido o contrato de alienação fiduciária em garantia. § 9º Não paga a dívida, o oficial averbará a consolidação da propriedade fiduciária ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, o oficial comunicará a este para a devida averbação. § 10. A comunicação de que trata o § 6º deste artigo deverá ocorrer conforme convênio das serventias, ainda que por meio de suas entidades representativas, com os competentes órgãos registrais. § 11. Na hipótese de não pagamento voluntário da dívida no prazo legal, é dever do devedor, no mesmo prazo e com a devida ciência do cartório de registro de títulos e documentos, entregar ou disponibilizar voluntariamente a coisa ao credor para a venda extrajudicial na forma do art. 8º-C deste Decreto-Lei, sob pena de sujeitar-se a multa de 5% (cinco por cento) do valor da dívida, respeitado o direito do devedor a recibo escrito por parte do credor. § 12. No valor total da dívida, poderão ser incluídos os valores dos emolumentos, das despesas postais e das despesas com remoção da coisa na hipótese de o devedor tê-la disponibilizado em vez de tê-la entregado voluntariamente. § 13. A notificação deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - cópia do contrato referente à dívida; II - valor total da dívida de acordo com a possível data de pagamento; III - planilha com detalhamento da evolução da dívida; IV - boleto bancário, dados bancários ou outra indicação de meio de pagamento, inclusive a faculdade de pagamento direto no competente cartório de registro de títulos e documentos; V - dados do credor, especialmente nome, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), telefone e outros canais de contato; VI - forma de entrega ou disponibilização voluntárias do bem no caso de inadimplemento; VII - advertências referentes ao disposto nos §§ 2º, 4º, 8º e 10 deste artigo. Art. 8º-C - Consolidada a propriedade, o credor poderá vender o bem na forma do art. 2º deste decreto-lei. § 1º Caso o bem não tenha sido entregue ou disponibilizado voluntariamente no prazo legal, o credor poderá requerer ao oficial de registro de títulos e documentos a busca e apreensão extrajudicial, com apresentação do valor atualizado da dívida e da planilha prevista no inciso III do § 13 do art. 8º-B deste Decreto-Lei. § 2º Recebido o requerimento, como forma de viabilizar a busca e apreensão extrajudicial, o oficial adotará as seguintes providências: I - lançará, no caso de veículos, restrição de circulação e de transferência do bem no sistema de que trata o § 9º do art. 3º deste Decreto-Lei; II - comunicará, se for o caso, aos órgãos registrais competentes para averbação da indisponibilidade do bem e da busca e apreensão extrajudicial; III - lançará a busca e apreensão extrajudicial na plataforma eletrônica mantida pelos cartórios de registro de títulos e documentos por meio de suas entidades representativas, com base no art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009; e IV - expedirá certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem. § 3º Para facilitar a realização das providências de que tratam os incisos I e II do § 2º deste artigo, os órgãos de trânsito e outros órgãos de registro poderão manter convênios com os cartórios de registro de títulos e documentos, ainda que por meio das suas entidades representativas incumbidas de promover o sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009. § 4º O credor, por si ou por terceiros mandatários, poderá realizar diligências para a localização dos bens. § 5º Os terceiros mandatários de que trata o § 4º deste artigo poderão ser empresas especializadas na localização de bens. § 6º Ato do Poder Executivo poderá definir requisitos mínimos para o funcionamento de empresas especializadas na localização de bens constituídas para os fins deste Decreto-Lei. § 7º Apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial, o credor poderá promover a venda de que trata o caput deste artigo e deverá comunicá-la ao oficial de cartório de registro de títulos e documentos, o qual adotará as seguintes providências: I - cancelará os lançamentos e as comunicações de que trata o § 2º deste artigo; II - averbará no registro pertinente ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, comunicará a este para a devida averbação. § 8º O credor fiduciário somente será obrigado por encargos tributários ou administrativos vinculados ao bem a partir da aquisição da posse plena, o que se dará com a apreensão do bem ou com a sua entrega voluntária. § 9º No prazo de 5 (cinco) dias úteis após a apreensão do bem, o devedor fiduciante terá o direito de pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário no seu requerimento, hipótese na qual será cancelada a consolidação da propriedade e restituída a posse plena do bem. § 10. No valor da dívida, o credor poderá incluir os valores com emolumentos e despesas com as providências do procedimento previsto neste artigo e no art. 8º-B deste decreto-lei, além dos tributos e demais encargos pactuados no contrato. § 11. O procedimento extrajudicial não impedirá o uso do processo judicial pelo devedor fiduciante. Art. 8º-D - No caso de a cobrança extrajudicial realizada na forma dos arts. 8º-B e 8º-C deste decreto-lei ser considerada indevida, o credor fiduciário sujeitar-se-á à multa e ao dever de indenizar de que tratam os §§ 6º e 7º do art. 3º deste Decreto-Lei. Art. 8º-E - Quando se tratar de veículos automotores, é facultado ao credor, alternativamente, promover os procedimentos de execução extrajudicial a que se referem os arts. 8º-B e 8º-C desta lei perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados, em observância às competências previstas no § 1º do art. 1.361 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Parágrafo único. Na hipótese de o credor exercer a faculdade de que trata o caput deste artigo, as empresas previstas no parágrafo único do art. 129-B da lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), praticarão os atos de processamento da execução, inclusive os atos de que trata o § 2º do art. 8º-C desta lei." Como visto, da simples leitura dos dispositivos acima, ainda há necessidade de se regulamentar melhor como algumas medidas executivas serão plenamente concretizadas no formato extrajudicial. Mas, sem prejuízo disso, muito bem-vinda é a lei 14.711/2023, a qual traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o Marco Legal das Garantias certamente objetiva conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A nova lei, portanto, tem o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias. Claro que, como proposta de reflexão, na medida em que os órgãos extrajudiciais ganham poderes para atuarem com técnicas executivas, faz-se necessário que estejam organizados para realizarem os atos previstos em Lei com a performance e legalidade necessárias; e tudo sem prejuízo da possibilidade do controle judicial, caso preciso.
O Estudo das Execuções Fiscais mostra-se importante, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1 Segundo os dados do Justiça em Números de 2022 do Conselho Nacional de Justiça temos mais de 27 milhões de Execuções Fiscais em tramitação. E como é notório, em grande parte das Execuções Fiscais o valor cobrado é bastante baixo, muitas vezes sendo inferior ao próprio custo de tramitação do processo2. Temos muitos processos sobrecarregando o Judiciário e uma arrecadação pequena frente aos valores Executados. Desse modo, mostra-se relevante a possibilidade de extinção de execuções fiscais de valores baixos. A extinção, de ofício, pelo Judiciário era dificultada pela existência da Súmula 452 do Superior Tribunal de Justiça: "A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício."                         Entretanto, em recentíssimo julgamento, encerrado em 19/12/2023, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, apreciando o Tema 1.184 da Repercussão Geral, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 1.355.208, nos termos do voto da Ministra Relatora Carmén Lúcia, vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes e, parcialmente, o Ministro Luiz Fux. Por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: "1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis". Para a Relatora: "Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida de R$ 521,84 movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição."3 Desse modo, de forma acertada, o Supremo Tribunal Federal entendeu que em créditos de pequena monta só será possível o ajuizamento de Execução Fiscal caso não se consiga fazer a cobrança extrajudicial por meios mais eficazes e menos dispendiosos. __________ 1 Disponível aqui, p 171. 2 "De todo modo, com base nos dados fornecidos, é possível fazer constatações relevantes em relação a um dos problemas identificados: grande parte das execuções fiscais ajuizadas exige valores inferiores ao custo de tramitação do próprio processo de execução. A análise preliminar dos dados leva à conclusão de que é necessário alterar o sistema de cobrança de débitos, evitando-se ajuizamento de execuções fiscais que custarão mais do que o valor que se pretende cobrar." (disponível aqui, p. 127) 3 Disponível aqui.
Noutras oportunidades nesta coluna1-2 pudemos registrar o entendimento do STJ firmado quando do Julgamento do Tema Repetitivo n. 677, o qual fixou a tese de que "(...) Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial." Pelo que se depreende do quanto decidido, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros (iii) não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora previstos no título executivo (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor. Sobre o quantum debeatur atualizado, (iv) há de abater-se os valores depositados (acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária). Recentemente, noutro julgado que envolvia questão acerca da incidência ou não da multa de 10% e honorários advocatícios de 10% previstos no art. 523 do CPC, na hipótese de haver hipoteca judiciária, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE QUOTAS SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO NO PRAZO LEGAL. EXISTÊNCIA DE HIPOTECA JUDICIÁRIA. INAPTIDÃO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% E DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO DE 10%. 1. Ação de cobrança, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em 23/6/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 9/2/2023 e concluso ao gabinete em 18/8/2023. 2. O propósito recursal consiste em definir se a existência de hipoteca judiciária isenta o devedor do pagamento da multa e dos honorários de advogado previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015. 3. No cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa, se o devedor não realizar o pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias o débito será acrescido de multa de 10% e de honorários de advogado de 10% (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015). São dois os critérios para a incidência da multa e dos honorários previstos no mencionado dispositivo: a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença 4. A multa e os honorários a que se refere o art. 523, § 1º, do CPC/2015 serão excluídos apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito. Precedentes. 5. A hipoteca judiciária prevista no art. 495 do CPC/2015 visa a assegurar futura execução, não ocasionando a imediata satisfação do direito do credor. Essa modalidade de garantia não equivale ao pagamento voluntário do débito, de modo que não isenta o devedor da multa de 10% e de honorários de advogado 10%. 6. No particular, a Corte de origem isentou os recorridos do pagamento da multa e dos honorários previstos no art. 525, § 1º, do CPC/2015, devido à existência de hipoteca judiciária sobre imóveis dos recorridos, o que se revela descabido, uma vez que não houve pagamento voluntário do débito no prazo legal. 7. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp n. 2.090.733/TO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 17.10.2023, grifou-se).  O voto condutor bem esclareceu: "(...) O propósito recursal consiste em definir se a existência de hipoteca judiciária isenta o devedor do pagamento da multa e dos honorários de advogado previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015. (...) 2. Uma vez intimado para pagar, o executado poderá adotar uma das seguintes posturas: (i) pagar a integralidade da dívida; (ii) pagar apenas parcela da dívida; (iii) ficar inerte, circunstância em que será expedido mandado de penhora e avaliação (art. 526, § 6º, do CPC/2015), ou (iv) apresentar impugnação ao cumprimento de sentença. Na primeira hipótese, o juiz deverá extinguir a execução por sentença (art. 924, II, do CPC/2015); nas demais situações, a execução prosseguirá com vistas à satisfação coativa do crédito mediante a prática de atos expropriatórios. 3. Nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015 "não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento". A multa e os honorários também são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa (art. 520, § 2º, do CPC/2015). Tais consectários incidem ex vi lege, não havendo necessidade de requerimento do credor, tampouco de previsão no título exequendo. 4. São dois os critérios para a incidência da multa e dos honorários previstos no mencionado dispositivo: a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Estes dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias ou a ação voluntária de pagamento, abrindo margem à incidência do consequente sancionador. (...) 7. Na vigência do CPC/2015, o STJ manteve seu entendimento, reiterando que o depósito de dinheiro ou a realização de penhora efetuados a título de garantia do juízo, para a obtenção de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença, uma vez que não visam à satisfação da obrigação, não elidem a multa e os honorários de 10%. É o que se depreende dos julgados citados a seguir:  AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. INSURGÊNCIA DA PARTE AGRAVANTE. 1. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento no sentido de que o depósito ou oferecimento de seguro para garantia do juízo não exime o executado da multa e dos honorários previstos no art. 523, § 1º, do NCPC. Precedentes. 2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de verificar se estaria garantida a execução pelo oferecimento de seguro-garantia, na forma como posta pelo recorrente, demandaria o reexame da matéria fática, providência vedada em sede de recurso especial, ante o óbice estabelecido pela Súmula 7/STJ. Precedentes. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.189.739/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023.) [g.n.] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SEGURO-GARANTIA. INCIDÊNCIA DA PENALIDADE DO ART. 523 DO CPC. OFERECIMENTO DO SEGURO NÃO SE CONFUNDE COM O PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Na forma da tranquila jurisprudência desta Corte, a multa do art. 523, §1º, do CPC não incidirá quando o executado pagar voluntariamente a quantum executado, situação que não se confunde com quaisquer das formas de garantia do juízo, como a penhora de bens ou valores para posterior discussão do débito ou a oferta de seguro-garantia. 2. A pretensão do recorrente de transmudar o seguro-garantia, cuja função não é outra senão assegurar futura solvência do débito, em pagamento voluntário, por alegada equivalência a valor em espécie não se mostra sequer razoável. 3. O legislador quando equiparou o seguro a dinheiro o fez no art. 835 do CPC, norma voltada a regular a ordem a ser observada quando da realização da penhora. 4. Não há nada menos pagamento voluntário do que a penhora, seja de dinheiro, ou de qualquer outro dos bens ali arrolados, pois expressão da imposição da vontade do Estado sobre o patrimônio do particular, ou seja, não é nem pagamento e nem voluntário. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp n. 1.889.144/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 26/10/2022.) [g.n.] (...) 9. Assim, somente a solvência voluntária e incondicional da dívida tem o condão de afastar a multa de 10% e os honorários de 10%. 10. O art. 495 do CPC/2015 possibilita ao credor a constituição de hipoteca judiciária mediante a inscrição, no registro de imóveis, da decisão que condena o réu ao pagamento de prestação em dinheiro ou que determina a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou dar coisa em prestação pecuniária. Cuida-se de ferramenta colocada à disposição do credor para viabilizar a efetividade das decisões judiciais. 11. Por se tratar de efeito anexo de decisões dessa natureza, a hipoteca pode ser realizada ainda que a sentença seja impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo (art. 495, § 1º, III, do CPC/2015). Ademais, a condenação genérica e a possibilidade de cumprimento provisório da sentença não obstam a sua constituição (art. 495, § 1º, I e II, do CPC/2015). 12. A hipoteca judiciária tem a função de "garantir uma possível execução definitiva ou provisória" (FONSECA, João Francisco N. da. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IX. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87). Por meio dela, o bem é afetado para que recaia sobre ele, ao depois, a penhora em eventual cumprimento de sentença (at. 835, § 3º, do CPC/2015). 13. Uma vez constituída, a hipoteca judiciária confere ao credor hipotecário o direito de preferência no pagamento, observada prioridade no registro (art. 495, § 4º, do CPC/2015). Vale dizer, o montante obtido na excussão hipotecária servirá, prioritariamente, ao pagamento do credor hipotecário, ressalvadas eventuais preferências estabelecidas a outros créditos por leis específicas. Por ser "apenas uma medida processual, diferente, portanto, da hipoteca como garantia real do direito material, a preferência apontada pelo dispositivo legal cede a qualquer regra de direito material" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. 8ª ed. Juspodivm: 2023, p. 919). (...) 15. Nessa linha de ideias, a hipoteca judiciária não acarreta, tal qual o pagamento, a imediata satisfação do direito do credor. A constituição da hipoteca judiciária, além de não derivar de ato do devedor, mas sim do próprio credor, destina-se, reitera-se, a assegurar futura execução. Inclusive, a excussão da hipoteca somente ocorrerá se o executado não pagar o débito no prazo legal. 16. Desse modo, a hipoteca judiciária não equivale ao pagamento voluntário, não isentando o devedor da multa de 10% e de honorários de advogado de 10% previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015 (...)." (STJ, REsp n. 2.090.733/TO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 17.10.2023, grifou-se). O entendimento supra soa acertado, porquanto, tal qual decidido quando da formação do Tema Repetitivo n. 677 pelo STJ, o depósito judicial a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora. Em outras palavras, o ato processual do devedor ofertar bens ou sofrer penhora não traduz imediata satisfação da execução. De outro lado, permanecendo o devedor em mora, em não havendo pagamento no prazo de 15 dias, há de incidir a multa e honorários, ambos de 10%, previstos no art. 523 do CPC, porquanto a hipoteca judiciária não se confunde com o ato de devedor de realizar o pagamento voluntário da dívida. E, inexistindo tal ato materializado nos autos, há de incidir os consectários da mora, em especial as penas previstas no art. 523 do CPC. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Momento de exigibilidade das "astreintes"

O § 3º do art. 537 do CPC estabelece que: "A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte". Trata-se de uma regra equilibrada, pois a multa coercitiva ("astreinte") pode ser exigida desde o momento em que é fixada, devendo ser depositada em juízo, ao mesmo tempo em que somente poderá ir para as mãos da parte no momento em não couber mais recurso da decisão favorável a esta mesma parte. O equilíbrio é encontrado pelo dispositivo legal sob comento porque o objetivo da "astreinte" é a coerção. É fazer com que o devedor, ora executado, de uma obrigação saia do estado de inadimplência para evitar ter que pagar a multa. Neste aspecto, ela - a multa - tira o executado da "zona de conforto" e o obriga a desembolsar o valor da multa e depositar em juízo enquanto não cumpre a obrigação objeto do inadimplemento. Por outro lado, ela não deixa o executado desprotegido na hipótese de a decisão que fixou a multa ser reformada nas instâncias superiores, pois o dinheiro permanecerá depositado em juízo até o seu trânsito em julgado. Entretanto, em decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do EARESP n. 1.833.876, a interpretação do § 3º do art. 537 mudou. Em 17.10.22, a Quarta Turma do STJ já havia decidido o seguinte: "(...) Nos termos do disposto pelos artigos 297, parágrafo único, e 537, § 3°, do CPC/15, que estabelecem que a decisão que fixa multa em sede de tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, o advento do novo diploma processual civil não alterou a necessidade de confirmação da tutela provisória em sede de sentença como requisito para o cumprimento provisório da multa cominatória, por possuir como pressuposto a existência de sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 520 do CPC/15 (...)" (AgInt no AREsp n. 1.883.876/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 20/10/2022, grifos nossos). A decisão acima referida foi objeto de embargos de declaração e, na sequência, de embargos de divergência que foram julgados em 23.11.23, pela Corte Especial do STJ que, por acórdão não unânime, acabou deixando prevalecer o entendimento de que a decisão que fixa a multa em tutela provisória somente pode ser objeto de cumprimento (execução) após a sua confirmação por sentença favorável transitada em julgado. Em outras palavras, o executado não mais será retirado da "zona de conforto" no momento em que é fixada a multa cominatória. Ele não deverá depositar tais valores em juízo ou ser compelido a fazê-lo. Ele vai poder aguardar até o trânsito em julgada da decisão favorável ao exequente para sofrer atos executivos sobre seu patrimônio. Isso significa dizer que a multa perderá grande parte da sua força coercitiva e que muitos executados preferirão aguardar a interposição de todos os recursos cabíveis e imagináveis contra a decisão que fixou a multa para somente depois disso decidir o que fazer (cumprir ou não cumprir a obrigação, por exemplo). É bem verdade que o acórdão em questão ainda não foi publicado e que para não se perder todas as esperanças com a efetividade da execução forçada das obrigações é melhor aguardar que o inteiro teor da decisão seja tornado público pela Corte Especial do STJ. Porém, as informações estão disponíveis até o momento não trazem muita esperança. Ao que tudo indica, de fato, as "astreintes" estão perdendo a sua força se somente puderem ser executadas após o trânsito em julgado de decisão favorável à parte.
quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O novo marco legal das garantias

O arsenal de instrumentos introduzido em nosso sistema executivo há quase duas décadas não evitou que os índices de congestionamento da execução no Poder Judiciário nacional ainda se mostrassem lamentáveis. O relatório Justiça em Números de 2022, do Conselho Nacional de Justiça ("CNJ"), contextualiza que "O Poder Judiciário contava com um acervo de 77 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2021, sendo que mais da metade desses processos (53,3%) se referia à fase de execução"; e "Os dados mostram que, apesar de ingressar no Poder Judiciário quase duas vezes mais casos em conhecimento do que em execução, no acervo a situação é inversa: a execução é 38,4% maior"; e "Os casos pendentes na fase de execução apresentaram uma clara tendência de crescimento do estoque entre os anos de 2009 e 2017 e permaneceram quase que estáveis até 2021" . Em especial quanto ao estoque e à taxa de congestionamento na execução, o recente relatório do CNJ indica que no Tribunal de Justiça de São Paulo o índice chega a atingir o elevado patamar de 91,5%, enquanto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região o índice chega a estratosféricos 92,8%.  A causa da baixa performance na execução é indicada, pelo referido trabalho do CNJ, como sendo a dificuldade de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente". Nesse cenário, com base em dados fornecidos pelo próprio CNJ, a crise da execução civil não será solucionada com os genéricos debates sobre a constitucionalidade - ou não - das medidas executivas atípicas, ou mesmo sobre a viabilidade - ou não - de um procedimento desjudicializado, ainda que parcialmente, de atos executivos. O contexto exige um conjunto de atos processuais que permita atingir-se rapidamente o patrimônio do devedor. Sem essa premissa sendo instrumentalizada com êxito nos casos concretos, dificilmente o sistema executivo poderá ser considerado mais eficiente em nosso país. Nesse contexto, muito bem-vindo é o PL 4.188-c de 2021, sancionado pela Presidência da República em 30/10/23, e convertido na lei 14.711/23. Essa lei vem sendo chamada de Marco Legal das Garantias, e traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o novo Marco Legal das Garantias certamente objetiva conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A nova lei, portanto, tem o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias. Um primeiro destaque é a possibilidade da execução extrajudicial do crédito hipotecário, com semelhanças ao procedimento da execução ligada à alienação fiduciária de imóvel dado em garantia. Ou seja, a execução ocorre, primariamente, através de atos do cartório de registro de imóveis. O Marco Legal das Garantias também prevê a possibilidade da contratação de um agente especializado de garantia, o qual pode auxiliar na otimização de atos necessários para melhor performance na localização e excussão de bens dos devedores. A lei também adota a possibilidade de uma negociação, regida perante o cartório de protestos, previamente à efetivação dos protestos de títulos; em sintonia, aqui, com a dinâmica da busca de uma solução consensual de conflitos. Os pontos acima descritos, que resumem parte das previsões do Marco Legal das Garantias, apresentam desafios para as novas execuções de créditos, bem como despertam a necessidade de os contratos serem redigidos já em linha com a formas adotadas na nova lei. Por fim, a lei incluiu, entre os títulos executivos extrajudiciais, o contrato de contragarantia, ou qualquer outro instrumento que materialize o direito de ressarcimento da seguradora contra tomadores de seguro-garantia e seus garantidores, dando nova redação ao artigo 784, do CPC, com a inclusão do inciso XI-A.
quinta-feira, 16 de novembro de 2023

O provimento do recurso e a sucumbência recursal

A sucumbência recursal foi uma inovação trazida pelo CPC/15 e tendo sido previsto de forma sucinta no § 11, do artigo 85, acaba gerando várias dúvidas e lacunas, sendo que o STJ vem dia a dia estabelecendo parâmetros para a sua aplicação. Uma das primeiras dúvidas que surgiu é se somente seria cabível a sucumbência recursal no caso de não conhecimento ou improvimento do recurso ou, se no caso de provimento, poderia haver a inversão dos ônus sucumbenciais e o acréscimo de sucumbência recursal. Em artigo publicado nessa coluna1, em 2019, já tive oportunidade de defender que, no caso de provimento do recurso não caberia a majoração dos honorários, mas somente a inversão dos ônus sucumbenciais ou mesmo uma nova fixação de honorários. Havendo uma nova fixação, aí sim, esses honorários poderiam ser maiores que os fixados anteriormente. Veja-se que, no caso, não haveria um acréscimo nos honorários anteriormente fixados, mas sim uma nova fixação de honorários. Tal entendimento é contrário ao Enunciado nº 243 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que prevê: "No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal". A Doutrina também divergiu sobre o assunto, conforme se extraí do entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "Já no caso de provimento total do recurso, o tribunal deverá inverter a condenação inicial e fixar os honorários recursais, em razão do tratamento isonômico exigido pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, afinal, não existe sentido admitir a fixação de honorários no caso de improvimento do recurso, mas não no caso de seu provimento". (Os honorários advocatícios pela sucumbência recursal no CPC/2015, in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador, JusPodivm, 2015, p. 727). Em recentíssimo julgado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ratificou o seu entendimento prevalecente2 e fixou a seguinte Tese: "A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação" (Tema 1.059) Desse modo, agora com o julgamento repetitivo e, portanto, vinculante resta pacificado o entendimento quanto a não incidência de sucumbência recursal no caso de parcial ou total provimento do recurso.  ____________ 1 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/307364/inversao-dos-onus-sucumbenciais-e-a-sucumbencia-recursal 2 Edição nº 129 do Jurisprudência em Teses do STJ: "4) A majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso." (g.n.) https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/JuriTeses/article/view/11387/11516
A Teoria Geral dos Recursos arrola como um de seus princípios o Princípio da Unirrecorribilidade. Vale dizer, contra determinado ato decisório cabe a interposição de um único recurso, recurso este que deve ter expressa previsão no sistema (tal qual de igual modo reza o Princípio da Tipicidade Recursal). Algumas exceções são previstas no sistema, a exemplo de recursos de fundamentação vinculada. Contra o acórdão prolatado em segundo grau de jurisdição a parte pode interpor recurso especial, recurso extraordinário, ou ambos, consoante respectiva previsão constitucional (art. 105, III, "a", "b" e "c" e art. 102, III, "a", "b", "c" e "d").  Por sua vez, o art. 932, parágrafo único do CPC confere ao relator o poder, talvez dever de, "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias  ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível". Dúvida emerge acerta da leitura e interpretação acerca do saneamento do vício recursal. O STJ já havia se manifestado, noutras oportunidades, que somente o vício formal poderia ser sanado. E, utilizado a premissa acima como fundamento, recentemente decidiu-se que uma vez interposto o recurso inadmissível, caso no mesmo prazo de impugnação da decisão seja interposto novo recurso, desta feita o recurso admissível, inexistiria margem para admissão do segundo recurso, porquanto acobertado pela preclusão: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. INTERPOSIÇÃO DO SEGUNDO RECURSO DENTRO DO PRAZO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO SEGUNDO INCONFORMISMO. DESINFLUÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA QUE IMPEDE O SEU CONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 2. A antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal. 3. Na hipótese em apreço, a parte ora recorrida impugnou, através de agravo de instrumento, a decisão extintiva do cumprimento de sentença por ela iniciado, não tendo o recurso merecido conhecimento, porquanto inadequado à impugnação desse ato judicial; mas, antes de findo o prazo recursal, interpôs apelação, da qual o Tribunal estadual conheceu e deu-lhe provimento, o que acarretou ofensa ao princípio da unirrecorribilidade, a implicar a reforma do acórdão recorrido, a fim de não se conhecer da apelação interposta pela parte recorrida. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 2075284/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, v.u., j. 08.08.2023, grifou-se) O voto condutor bem fundamentou:  " (...) Não obstante seja uníssono o entendimento desta Corte quanto à incidência do princípio da singularidade recursal, a controvérsia objeto do presente recurso é específica, pois visa definir se a interposição do recurso correto antes de decorrido o prazo recursal contra decisão já impugnada anteriormente pela mesma parte - mas através de recurso descabido, que, por isso, não mereceu conhecimento - teria o condão de suplantar o malferimento ao princípio da unirrecorribilidade. De outro modo, indaga-se: a interposição, pela mesma parte, do recurso adequado contra determinada decisão - objeto de recurso anterior - apenas se sujeitaria à preclusão temporal (ou seja, à intempestividade), e não à preclusão consumativa ínsita ao princípio da unicidade recursal? A despeito da singeleza da questão, não foi encontrado precedente específico na jurisprudência desta Corte Superior, dispondo sobre essa especificidade, razão pela qual esta relatoria reputou adequado submeter a matéria ao crivo desta Terceira Turma. Convém esclarecer que a preclusão consiste na perda de uma faculdade processual no bojo dos mesmos autos (endoprocessual), seja, em linhas gerais, pelo decurso do prazo (preclusão temporal); pela prática de um ato processual incompatível com outro (preclusão lógica); ou pela realização do ato processual antecedente, impedindo a sua repetição ou complementação posterior (preclusão consumativa). A mencionada faculdade processual, salienta-se, é exercida pelas partes por intermédio dos atos processuais, os quais, ao serem praticados, "produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais", nos termos do art. 200 do CPC/2015, o que, na visão de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, representa "a regra da eficácia imediata dos atos processuais das partes, cujos corolários são: i) a desnecessidade de qualquer ato judicial ulterior para outorgar-lhe eficácia e ii) a adoção da regra da preclusão consumativa" (Novo curso de direito processual civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II - 2ª ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 118). Sob a perspectiva da preclusão consumativa, vale citar, por exemplo, o art. 507 do CPC/2015, que dispõe ser vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a respeito das quais se operou a preclusão. Por outro lado, em relação à preclusão temporal, estabelece o art. 223, caput , do CPC/2015 que, findo o prazo, extingue-se o direito de praticar o ato processual ou de emendá-lo. A par das disposições legais dos arts. 200 e 223 do CPC/2015, Luiz Dellore, comentando o art. 507 do CPC/2015, aponta uma possível antinomia entre aqueles primeiros dispositivos legais, de modo a se questionar se o Código de Processo Civil de 2015 teria mantido ou não a preclusão consumativa, sobretudo à vista do mencionado art. 223, que assenta ser o decurso do prazo a causa extintiva do direito da parte de praticar o ato processual ou de emendá-lo - preclusão temporal - (Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015 - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 653-654). Conclui o mencionado autor em sentido positivo, reconhecendo a manutenção da preclusão consumativa pela nova sistemática processual introduzida pela Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil de 2015), porquanto expressamente prevista pela lei, a exemplo do art. 494 do CPC/2015, bem como em virtude da necessidade de se interpretar sistematicamente o art. 223 do CPC/2015, de forma que, "onde houver previsão de emenda após a apresentação do ato processual [...], afastasse a preclusão consumativa. Onde não houver essa previsão específica, segue existindo a preclusão consumativa" (2016, p. 654). (...) Trazendo a discussão para o âmbito dos recursos, o inovador parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 mitiga o rigorismo da preclusão consumativa, em observância ao princípio da primazia do julgamento de mérito, consignando que, "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível". A esse respeito, o Plenário deste Tribunal Superior, na sessão de 2 de março de 2016, aprovou o Enunciado Administrativo n. 6, segundo o qual, "nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), somente será concedido o prazo previsto no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC, para que a parte sane vício estritamente formal" (sem grifo no original). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se pautado nessa orientação, esclarecendo que, ante a possibilidade de regularização apenas de vício estritamente formal, é vedada à parte recorrente a complementação da fundamentação do recurso já interposto. Nessa linha intelectiva, confiram-se os seguintes julgados desta Corte:  PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. ART. 14, § 4º, DA LEI 10.259/2001. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS E REGIMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. [...] IV. A Corte Especial desta Corte já decidiu que "a ausência de demonstração da divergência alegada no recurso uniformizador constitui claramente vício substancial resultante da não observância do rigor técnico exigido na interposição do presente recurso, apresentando-se, pois, descabida a incidência do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 para complementação da fundamentação, possível apenas em relação a vício estritamente formal, nos termos do Enunciado Administrativo 6/STJ" (STJ, AgRg nos EREsp 1.743.945/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2019). Em igual sentido: STJ, AgInt no PUIL 760/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 02/04/2020; PUIL 1.395/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 26/02/2020. V. Agravo interno improvido. (AgInt no PUIL n. 3.460/DF, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 28/3/2023, DJe de 3/4/2023.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO. RAZÕES DO RECURSO. INVIÁVEL. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. VÍCIO SANÁVEL. ART. 1.017, § 3º, DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA Nº 284/STF. [...] 3. O art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 permite apenas o suprimento de vício formal sanável, como ausência de procuração ou assinatura, e não a complementação das razões do recurso interposto. [...] 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.106.755/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 17/2/2023.) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. NÃO CABIMENTO. DESATENDIMENTO DOS REQUISITOS PARA COMPROVAÇÃO OU CONFIGURAÇÃO DO DISSENSO PRETORIANO. DIÁRIO OFICIAL NÃO É REPOSITÓRIO OFICIAL DE JURISPRUDÊNCIA. VEDAÇÃO DE ABERTURA DE PRAZO PARA REGULARIZAR VÍCIO SUBSTANCIAL. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO NOVO CPC. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 6/STJ. RECURSO DESPROVIDO. [...] 7. Agregue-se que a ausência de demonstração da divergência alegada no recurso uniformizador constitui claramente vício substancial resultante da não observância do rigor técnico exigido na interposição do presente recurso, apresentando-se, pois, descabida a incidência do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 para complementação da fundamentação, possível apenas em relação a vício estritamente formal, nos termos do Enunciado Administrativo 6/STJ. A propósito: AgInt nos EAREsp 419.397/DF, relator Ministro Jorge Mussi, Corte Especial, DJe de 14/6/2019; AgInt nos EREsp 1.490.726/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 2/4/2019. 8. Agravo Interno não provido. (AgRg nos EDv nos EREsp n. 1.743.945/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 6/11/2019, DJe de 20/11/2019.)   (...)   Ademais, impende destacar que o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 não ampara a interposição de um novo recurso, em substituição ao anterior que se revelou descabido, por inequívoca ocorrência da preclusão consumativa. Os vícios passíveis de saneamento, que se atêm aos aspectos estritamente formais, devem se referir ao mesmo recurso, não possibilitando a interposição de um novo, em substituição ao recurso anterior que tenha se revelado descabido para impugnar a decisão combatida. Complementando, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery asseveram que, "ao interpor o recurso, a parte pratica ato processual, pelo qual consuma o seu direito de recorrer e antecipa o dies ad quem do prazo recursal (caso o recurso não tenha sido interposto no último dia do prazo)" - (Código de processo civil comentado - 19ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 751; sem grifo no original). Portanto, é de se concluir que a antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal. (...)" (STJ, REsp n. 2075284/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, v.u., j. 08.08.2023, grifou-se)  Portanto, em complementação e leitura do STJ de que para efeito de aplicação do art. 932, parágrafo único do CPC (prazo de cinco dias concedido pelo relator para que seja sanado vício ou complementada documentação ao recurso), há de se interpretar que tal dever do relator se aplica somente sobre vício estritamente formal. Recentemente, na visão de aludido tribunal, a interposição, pela mesma parte, do recurso adequado contra determinada decisão - objeto de recurso anterior - e dentro do mesmo prazo recursal, não contemplaria a inteligência de aludido regramento, porquanto acobertado, o segundo recurso, pela preclusão consumativa.
quinta-feira, 26 de outubro de 2023

IDPJ e verbas de sucumbência

Desde 30/3/2017, nesta Coluna, tem sido defendido o cabimento de condenação ao pagamento de verbas de sucumbência por parte do vencido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ)1. Em 08.07.2022, foi reiterado o entendimento lançado 5 (cinco) anos antes, a despeito da jurisprudência oscilante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)2. Ao que tudo indica, finalmente, pelo menos um dos argumentos expostos anteriormente nesta Coluna nas datas acima indicadas foram acolhidos, por maioria, pela 3ª Turma do STJ. Confira-se, a propósito, a ementa de um julgado ocorrido no mês passado: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO. 1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido. 2. O CPC de 2015 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência. 3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido. 4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 1.925.959/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023.) Cumpre notar que sólida doutrina já sustentava há bastante tempo que apesar de os artigos 133 a 137 do CPC fazerem referência a um "incidente" de desconsideração da personalidade jurídica, o que há, a bem da verdade, é uma demanda incidental. Por tal razão, o argumento de que seria um mero "incidente processual" e não comportaria condenação do vencido em verbas de sucumbência e por inexistir previsão para tanto no art. 85, do CPC, não poderia ser acolhido.  Há, efetivamente, a formulação de novo pedido e nova causa de pedir no curso do processo, quando é requerida a instauração do IDPJ. Ademais, há citação, contestação, fase instrutória (se necessária) e decisão. Em outras palavras, tem-se tudo que uma demanda tem (menos o nome)3. Por que não caberia condenação do vencido ao pagamento de verbas de sucumbência ao final do IDPJ? Claro que cabe. Trata-se de uma luz no fim do túnel e merece aplausos a decisão do STJ acima ementada. Vamos torcer para que o STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 2.072.206/SP, que versa sobre o mesmo tema e cujo julgamento foi afetado pela 3ª Turma à Corte Especial no último dia 24 de outubro de 2023, pacifique o entendimento de que cabe condenação em verbas de sucumbência na IDPJ. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 VIEIRA, Christian Garcia. "Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimento e temas polêmicos". Salvador: JusPodvum, 2017, p. 183.
O Brasil, através da lei 9.307/96, com as alterações da lei 13.129/15, estabeleceu bases sólidas para a resolução de disputas por intermédio do modelo arbitral. O próprio Código de Processo Civil de 2015 ("CPC") é um entusiasta da possibilidade de soluções de disputas através dos famosos meios alternativos, dentre eles a arbitragem, conforme se denota da leitura do seu artigo 3º. Em especial quando a arbitragem ocorre em um órgão julgador estrangeiro, é importante se analisar os termos dos artigos 15 e 960 e seguintes do CPC, os quais cuidam dos requisitos para a homologação de sentença estrangeira pelo STJ. Além disso, importante analisar também os termos das convenções internacionais nas quais o Brasil é signatário, dentre elas a famosa Convenção de Nova Iorque de 1958, reconhecida como válida no Brasil através do decreto 4.311/2002. Quando uma sentença arbitral precisa ser reconhecida como válida e exequível no Brasil, geralmente o STJ, através do procedimento previsto nos artigos 960 e seguintes do CPC, verifica apenas se aspectos formais estão atendidos e se o devido processo legal foi observado no procedimento arbitral que gerou o título a ser executado no Brasil. Veja-se, em recente julgado abaixo, a posição que predomina em nossa Corte Superior: "3. Nos termos dos artigos 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 963 a 965 do CPC/2015, 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, disciplinam o procedimento de homologação de sentença estrangeira, constituem requisitos ao seu deferimento: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira; (ii) haver a sentença sido proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; (v) não ofender a soberania, a dignidade da pessoa humana, ordem pública ou os bons costumes. 4. A argumentação apresentada pelo agravante quanto à suposta ineficácia da cláusula compromissória diz respeito ao mérito. Todavia, em se considerando que o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema de delibação na análise do pedido de homologação de sentença estrangeira, há que se verificar apenas a presença dos requisitos formais, não cabendo a esta Corte se debruçar sobre a matéria de mérito e tampouco revisar o posicionamento ali adotado pelo juízo arbitral. Precedentes". (AgInt na HDE 6347 / EX - Agravo Interno na Homologação de Decisão Estrangeira). Nos próprios termos do artigo 963 do CPC, é condição essencial para a homologação da sentença estrangeira: (i) ser proferida por autoridade competente; (ii) ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; (iii) ser eficaz no país em que foi proferida; (iv) não ofender a coisa julgada brasileira; (v) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; e (vi) não conter manifesta ofensa à ordem pública. O artigo 26 do CPC, ainda que trate do instituto da cooperação jurídica internacional, pode ser útil na tentativa de se extrair o significado, para fins processuais, de ordem pública, na medida que se exige: (i) respeito às garantias do devido processo legal; e (ii) proibição da prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. Mais uma vez, em recente julgado, o STJ manifesta que a sentença arbitral estrangeira apenas não deve ser homologada em casos excepcionais, de real colidência com a ordem pública ou por falta de observância de requisitos exigidos pela lei processual:    "DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA CONTESTADA. ORIUNDA DE CORTE ARBITRAL EM ROMA, ITÁLIA. ARTS. 15 E 17 DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ARTS. 960 E SEGUINTES DO CPC/2015. ARTS. 216-C, 216-D E 216-F DO RISTJ. ARTS. 37 A 39 DA LEI N. 9.307/1996. REQUISITOS ATENDIDOS. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DEFERIDO. 1. A homologação de decisões estrangeiras pelo Poder Judiciário possui previsão na Constituição Federal de 1988 e, desde 2004, está outorgada ao Superior Tribunal de Justiça, que a realiza com atenção aos ditames dos arts. 15 e 17 do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB), 216-A e seguintes do RISTJ e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 960 e seguintes). 2. São requisitos para homologação de sentença estrangeira: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados por autoridade consular brasileira; (ii) haver sido a sentença proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; e (v) inexistir ofensa à soberania, à dignidade da pessoa humana e/ou à ordem pública. 3. Cuidando-se de pedido de homologação de sentença estrangeira arbitral, o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira deve atender à forma do art. 37 da Lei n. 9.307/1996, somente podendo ser negado nos casos previstos nos arts. 38 e 39 da citada lei. 4. Contestação que se volta contra aspectos de mérito da sentença, que escapam à estreita via do juízo de delibação sufragado pelo sistema brasileiro. Precedentes do STJ. 5. Requisitos legais da homologação atendidos. 6. Pedido de homologação de sentença estrangeira deferido". (HDE 7488 / EX Homologação de Decisão Estrangeira). Todavia, já houve situações, ainda que não tão frequentes, em que o STJ deixou de homologar plenamente a sentença arbitral estrangeira, justamente por entender que uma questão de ordem pública não teria sido observada. Em cerca de 57 acórdãos analisados, obtidos através da pesquisa "sentença" e "arbitral" e "estrangeira" e "ordem pública", apenas 7 cuidam da não homologação plena da sentença arbitral. Os casos seriam os seguintes: (i) SEC 14385 / EX; (ii) SEC 9412 / EX; (iii) SEC 2410 / EX; (iv) SEC 269 / RU; (v) SEC 978 / GB; (vi) SEC 866 / GB; e (vii) SEC 967 / GB. Nesses casos, a comprovação de parcialidade do árbitro, a ausência de citação de uma das partes e a ausência de anuência expressa à cláusula de arbitragem foram apontados como elementos nucleares para a não homologação da sentença estrangeira. Veja-se alguns exemplos: "1. O procedimento de homologação de sentença estrangeira não autoriza o reexame do mérito da decisão homologanda, excepcionadas as hipóteses em que se configurar afronta à soberania nacional ou à ordem pública. Dado o caráter indeterminado de tais conceitos, para não subverter o papel homologatório do STJ, deve-se interpretá-los de modo a repelir apenas aqueles atos e efeitos jurídicos absolutamente incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro. 2. A prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional. A inobservância dessa prerrogativa ofende, diretamente, a ordem pública nacional, razão pela qual a decisão proferida pela Justiça alienígena, à luz de sua própria legislação, não obsta o exame da matéria pelo STJ. 3. Ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (arts. 14 e 32, II, da Lei n. 9.307/1996). 4. Dada a natureza contratual da arbitragem, que põe em relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação por este do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral. 5. Estabelecida a observância do direito brasileiro quanto à indenização, extrapola os limites da convenção a sentença arbitral que a fixa com base na avaliação financeira do negócio, ao invés de considerar a extensão do dano. 6. Sentenças estrangeiras não homologadas". (SEC 9412 / EX). "SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. "A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem." (SEC nº 967/GB, Relator Ministro José Delgado, in DJ 20/3/2006). 2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira. 3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido." (SEC 978 / GB). A posição do STJ busca prestigiar, em geral, as sentenças arbitrais proferidas no exterior, em homenagem ao modelo de solução de disputas que foi eleito pelas partes em determinado caso concreto. Todavia, a nossa Corte Superior, em homenagem à ordem pública protegida no CPC, já sinalizou, em alguns excepcionais casos, que a sentença arbitral estrangeira não pode desconsiderar o devido processo legal e os princípios estruturantes básicos que conferem segurança às partes quando da resolução de uma disputa através do instituto da arbitragem.
Na semana passada o professor Daniel Penteado de Castro trouxe nessa Coluna o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que "(i) o agravo contra despacho denegatório de seguimento de recurso especial ou extraordinário é o único recurso cabível contra respectiva decisão e (ii) se nesta hipótese restarem opostos embargos de declaração, estes não terão o condão de gerar o efeito interruptivo para interposição do recurso subsequente."1 É de se concordar com o entendimento do professor Daniel de que tal decisão é totalmente contrária à previsão do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que prevê que "Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial." (g.n.). Não havendo qualquer exceção na lei, parece claro que pela redação do CPC seria sim possível a oposição de embargos de declaração em face de decisões sobre a admissibilidade de recursos especiais e extraordinários2. Entretanto, sendo o Superior Tribunal de Justiça a última instância para a apreciação da legislação infraconstitucional, só resta acatar o entendimento evitando-se a oposição de embargos de declaração, com a apresentação desde logo de Agravo Denegatório em face de decisão que não admite recursos extraordinários e especiais. Em recentíssima decisão a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça apreciou problema derivado do entendimento acima, no sentido de que não ocorreria preclusão consumativa caso fossem opostos Embargos de Declaração (não julgados), mas o Agravo Denegatório fosse interposto dentro do prazo recursal: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTERPOSIÇÃO TEMPESTIVA DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS PARA JULGAMENTO DO RECURSO. 1. Ação de embargos do devedor. 2. O propósito recursal é dirimir suposta divergência com relação à ocorrência de preclusão consumativa nas hipóteses em que são opostos embargos de declaração contra a decisão do Tribunal de origem que inadmite o recurso especial, e, em seguida, é interposto, tempestivamente, o agravo previsto no art. 1.042 do CPC/2015. 3. A Corte Especial já decidiu que "os embargos de declaração, quando opostos contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem, não interrompem, em regra, o prazo para a interposição do agravo, único recurso cabível, salvo quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, inviabilizando-o totalmente de interpor o agravo" (AgInt nos EAREsp 166.402/PE, Corte Especial, julgado em 19/12/2016, DJe 07/02/2017). 4. Hipótese em que, seguidamente à oposição dos embargos de declaração, a recorrente interpôs o agravo em recurso especial ainda dentro do prazo legal, razão pela qual deve ser reformado o acórdão embargado para afastar a preclusão consumativa e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos à Segunda Turma, a fim de prosseguir no julgamento do recurso. 5. Embargos de divergência conhecidos e providos." (g.n.) (EAREsp n. 2.039.129/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 21/6/2023, DJe de 27/6/2023.) De acordo com o entendimento do STJ, a parte poderia opor Embargos de Declaração para tentar suprir omissão, contradição, obscuridade ou corrigir erro material. Não sendo apreciados ou rejeitados os embargos a parte poderia interpor Agravo Denegatório, desde que ainda estivesse no prazo de 15 dias úteis da intimação da decisão que não admitiu o Recurso Especial ou o Recurso Extraordinário. Segundo o acórdão "a sanção a que se sujeita a parte que opõe embargos de declaração incabíveis é a não incidência da regra do art. 1.026 do CPC/2015, especificamente com relação ao efeito interruptivo dos aclaratórios. Dessa forma, se o agravo em recurso especial que se seguir aos embargos de declaração for interposto fora do prazo de 15 dias, contado da intimação da decisão que inadmitir o recurso especial, será considerado intempestivo; de outro lado, ainda que incabíveis os embargos de declaração, se o agravo em recurso especial for interposto no prazo legal, não há falar em intempestividade deste, tampouco em preclusão consumativa." O julgado ainda esclarece que "Evidentemente, se os embargos de declaração opostos contra a decisão que inadmitir o recurso especial forem acolhidos, com modificação da decisão embargada, terá o recorrente que já tiver interposto o agravo em recurso especial o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração, consoante prevê o § 4º do art. 1.023 do CPC/2015". Portanto, tal julgado mostra uma tentativa de compatibilizar a oposição de embargos de declaração em face de decisões denegatórias de RE e RESP com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que tais embargos não interromperiam o prazo para a apresentação de Agravo Denegatório. __________ 1 Disponível aqui. 2 Nesse sentido também é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "O entendimento consagrado nos tribunais superiores não se justifica porque, naturalmente, a decisão que denega seguimento ao recurso especial e/ou extraordinário pode conter, como qualquer outra, vício formal a ser corrigido por meio de embargos de declaração (Enunciado 75 da I Jornada de direito processual civil do CJF: Cabem embargos de declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal"). Trata-se, à evidência, de mais uma demonstração da odiosa e lamentável "jurisprudência defensiva"." (Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Ed. Juspodivm, 2022, p. 1868/1869).
Um dos princípios que emerge na Teoria Geral dos Recursos é o Princípio da Tipicidade. Em outras palavras, o recurso, destinado a impugnar determinada decisão judicial, somente é cabível se assim o for previsto no sistema. Um dos recursos mais corriqueiros na advocacia reside nos chamados Embargos de Declaração, cujas hipóteses de cabimento, taxativas, está restrita a decisão embargada que padece de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, ex vi ao quanto disposto no art. 1.022, I, II e III, do CPC. De igual sorte, reza o art. 1.026 do CPC, que "... os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, e interrompem o prazo para a interposição do recurso." Em outras palavras, malgrado o órgão julgador negue provimento aos embargos de declaração, a tempestiva oposição desta modalidade recursal tem o condão de gerar o chamado Efeito Interruptivo, ou seja, o prazo de interposição do recurso subsequente aos Embargos de Declaração restará interrompido e terá início somente após a intimação da decisão de seu respectivo julgamento. Ou seja, se houver sentença e, rejeitados os embargos de declaração, o prazo para interposição de apelação terá início a partir da intimação das partes de seu respectivo julgamento. Se houver acórdão que decida a apelação e, opostos os embargos de declaração, o prazo para interpor eventual recurso especial ou extraordinário se iniciará a partir da intimação do acórdão de julgamento dos embargos de declaração. Todavia, uma regra e objetiva ganha nova dimensão e cuidados em se tratando de recurso especial e extraordinário. Explica-se. Recentemente a Terceira Turma do STJ reafirmou entendimento anterior ao CPC de 2015, para fixar a tese de que (i) o agravo contra despacho denegatório de seguimento de recurso especial ou extraordinário é o único recurso cabível contra respectiva decisão e (ii) se nesta hipótese restarem opostos embargos de declaração, estes não terão o condão de gerar o efeito interruptivo para interposição do recurso subsequente: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INCABÍVEL. PRAZO RECURSAL. NÃO INTERRUPÇÃO. AGRAVO INTEMPESTIVO. O agravo é o único recurso cabível contra a decisão que não admite o recurso especial, sendo que a oposição de declaratórios não interrompe o prazo para a interposição de agravo em recurso especial. Precedentes da Corte Especial. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AResp 1216265/SE, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 23.5.23) O voto condutor bem elucidou: "A questão jurídica resultava do fato de o legislador ter promovido a inclusão expressa do termo "qualquer decisão judicial" na redação do artigo 1.022 ao tratar das hipóteses de cabimento dos aclaratórios, sedimentando, é bem verdade, posicionamento já há muito consolidado na jurisprudência pátria. Ocorre que, melhor examinando o tema em debate e, especialmente, os precedentes mais recentes desta Corte Superior a respeito, o que se constata é que, mesmo após a entrada em vigor do CPC/15, a jurisprudência do STJ tem se mantido inalterada, conforme se observa dos seguintes julgados: AgInt no MS 25.013/DF, rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/19, DJe de 7/10/19; AgInt no AREsp 1.477.958/RS, rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 19/8/19, DJe de 21/8/19; AgInt no AREsp 1.457.368/SP, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/6/19, DJe de 28/6/19, e EDcl no AgInt no AREsp 1.277.980/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 29/4/19, DJe de 2/5/19. Além disso, após a afetação do presente recurso, a Corte Especial já se debruçou sobre o tema em apreço em mais de uma oportunidade, sempre concluindo pela prevalência da orientação jurisprudencial supra mencionada. A título de exemplo, oportuno consignar os seguintes julgados: "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA JUÍZO PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. MANIFESTA INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. O acórdão objeto dos embargos de divergência ostenta o mesmo entendimento erigido pela jurisprudência desta Casa, no sentido de que os embargos de declaração, quando opostos contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial proferida na instância ordinária, não interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no artigo 1.042 do CPC - único recurso cabível -, salvo quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, impedindo-o de interpor o agravo. Agravo interno não provido" (AgInt nos EAREsp 1.653.277/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 26/4/22, DJe de 3/5/22 - grifou-se). "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AUSENTES AS HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. Não prospera o agravo interno cujos fundamentos são a reiteração dos mesmos fundamentos expostos no recurso anteriormente indeferido. A interposição de recurso manifestamente incabível não interrompe o prazo recursal. Assim, os embargos de declaração opostos a decisão que inadmite recurso especial não interrompem o prazo para a interposição do agravo em recurso especial, único recurso cabível na hipótese. Agravo interno desprovido" (AgInt nos EDcl nos EAREsp 1.632.917/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 9/3/21, DJe de 11/3/21 - grifou-se) "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE, CONFIRMANDO A DECISÃO DO RELATOR, SEQUER CONHECEU DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL EM RAZÃO DO ÓBICE DA SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 315 DO STJ. EMBARGOS LIMINARMENTE INDEFERIDOS PELA PRESIDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. ALEGADA OMISSÃO. VÍCIO INEXISTENTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. Sob o pálido argumento de que haveria 'omissão' no acórdão embargado, os Embargantes buscam, indisfarçavelmente, a reapreciação de questão já oportunamente analisada e decidida, o que não se coaduna com a via eleita. 'O vício que autoriza os embargos de declaração é a contradição interna do julgado, não a contradição entre este e o entendimento da parte, nem menos entre este e o que ficara decidido na instância a quo, ou entre ele e outras decisões do STJ' (EDcl no AgInt nos EAREsp 1.125.072/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 14/3/19, DJe 02/4/19). Embargos de declaração rejeitados" (EDcl no AgInt nos EDcl nos EAREsp 741.649/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 12/11/19, DJe de 5/12/19 - grifou-se). Diante desse cenário, não prosperam as alegações postas no agravo, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto." O aresto supra deita fundamento puramente interpretativo e na contramão da redação do caput do art. 1022, claro em admitir embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. Ainda, o legislador do CPC em vigor também não criou regra de exceção para afastar o efeito interruptivo assegurado no art. 1.026 quando tempestivos os embargos de declaração. Respeitado o entendimento acima, o STJ criou problemas de duas ordens: a) qual a leitura e interpretação da regra de exceção criada pelo próprio STJ, qual seja: os embargos de declaração opostos contra a decisão de inadmissibilidade do recurso especial ou extraordinário não geram o efeito interruptivo, salvo "(...) quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, impedindo-o de interpor o agravo"? b) ao jurisdicionado, restará comprovar, quando da interposição de seu agravo contra despacho denegatório de seguimento de recursos especial ou extraordinário, que os embargos de declaração antes opostos se faziam necessário, dada a generalidade da decisão que inadmitiu o recurso especial. Respeitado entendimento em sentido contrário, a orientação que remanesce ao jurisdicionado é deixar de opor embargos de declaração contra a r. decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário, sob pena de restar penalizado por mais este novo tema, dentre tantos, que compõe a chamada jurisprudência defensiva voltada a inadmitir o recurso previso no art. 1.046 do CPC e acesso às Cortes Superiores.
quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Desistência da ação e repropositura da ação

Quem nunca propôs uma demanda e pensou em desistir dela logo depois que ela foi distribuída para um determinado juízo que atire a primeira pedra. No dia a dia forense, é natural que, após um determinado tempo atuando em determinada localidade, o advogado comece a se familiarizar com a "forma de pensar" de determinados magistrados que atuam em determinadas unidades jurisdicionais (varas). Assim, após da demanda ser proposta, em atenção aos princípios do juiz natural e da imparcialidade, há um sorteio para se decidir para qual vara será distribuído o processo (nas comarcas em que há mais de uma vara com a mesma competência, obviamente). De vez em quando, pode acontecer de, na vara sorteada, estar um juiz que, de antemão, já se sabe não ser simpático a uma determinada tese jurídica, por já ter se manifestado contrariamente a ela em demandas anteriores. Neste momento, após a distribuição do processo e antes da citação do réu, pode surgir o desejo da parte de desistir da demanda e tentar a sorte novamente para ver se, na próxima vez, o juiz sorteado seja outro que pense diferentemente daquele primeiro. Pensando nesse tipo de situação, o legislador inseriu no Código de Processo Civil (CPC), o inciso II do art. 286, que dispõe o seguinte: "Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda". Em razão do disposto acima, se for proposta uma ação e o autor desistir dela, o juiz deve extinguir o processo sem resolução do mérito com base no art. 485, inciso VIII, do CPC ("homologar a desistência da ação"). Uma vez reproposta idêntica demanda, com as mesmas partes, pedido e causa de pedir (CPC, art. 337, § 2º), deve incidir o art. 286, inciso II. Nesse caso, portanto, a nova demanda, idêntica a anterior, reproposta, deve ser distribuída ao mesmo juízo que homologou a desistência da ação anterior. Ou seja, esta é a distribuição "por dependência" ao juízo que primeiro teve contato com a ação. Dessa maneira, evita-se que seja violado o princípio do juiz natural e da imparcialidade e que o sistema de sorteio seja rigorosamente respeitado. Como se sabe, nosso sistema processual proíbe que a parte escolha um juiz ou juíza para julgar o seu processo. Tampouco é possível pedir o seu afastamento fora das hipóteses de impedimento e suspeição que estão elencadas nos artigos 144 e 145 do CPC. Apesar disso, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu existir uma exceção à regra do art. 286, inciso II, do CPC, conforme se pode depreender da leitura da decisão abaixo ementada: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. AJUIZAMENTO ANTERIOR NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL. DESISTÊNCIA DO AUTOR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. NOVO AJUIZAMENTO NA JUSTIÇA COMUM. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO NÃO PREVISTA NA LEI Nº 9.099/1995. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE. ART. 286, II, DO CPC/2015. APLICAÇÃO PARA AÇÕES AJUIZADAS PERANTE A MESMA JUSTIÇA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1. Ação de indenização, ajuizada em 21/5/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/2/2021 e concluso ao gabinete em 15/10/2021. 2. O propósito recursal é decidir se, sendo ajuizada ação no Juizado Especial Cível Estadual, subsequentemente extinta sem resolução de mérito em razão da desistência do autor, é cabível nova propositura na Justiça Comum. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, cabe ao autor escolher entre o processamento da ação perante o Juizado Especial Cível Estadual, sob o rito da lei 9.099/1995, ou promover a ação perante Justiça Comum, sob o rito do Código de Processo Civil. 4. A lei 9.099/1995 não veda que o autor desista da ação ajuizada perante o JEC e, após, promova a nova ação na Justiça Comum, tampouco determina que, nessa hipótese, a nova ação deve ser distribuída ao Juízo do JEC, por dependência. 5. A aplicação subsidiária do CPC ao rito da Lei nº 9.099/1995 não foi admitida pelo legislador, tendo em vista que deliberadamente deixou de prever regra nesse sentido, diversamente como fez no âmbito penal, autorizando expressamente a aplicação subsidiária do CPP. Ademais, quando a lei objetivou a aplicação de determinada norma do CPC ao microssistema do JEC, o fez expressamente. 6. O art. 286, II, do CPC/2015 é uma regra pensada pelo legislador para as ações ajuizadas perante a mesma Justiça, que seguem o rito do referido Código, sem levar em considerações as peculiaridades de outros sistemas, como o do JEC. 7. O objetivo do art. 286, II, do CPC/2015 é de coibir práticas como a de patronos que, em vez de ajuizar uma ação em litisconsórcio ativo, ajuízam diversas ações similares simultaneamente, obtendo distribuição para Juízos distintos e, na sequência, desistem das ações em trâmite nos Juízos nos quais não obtiveram liminar e, para os autores dessas ações, postulam litisconsórcio sucessivo ou assistência litisconsorcial, no Juízo em que a liminar foi deferida. 8. A desistência pelo autor da ação proposta no JEC, para ajuizá-la na Justiça Comum não se trata de má-fé processual, mas de escolha legítima de optar pelo rito processual mais completo, ao vislumbrar, por exemplo, a necessidade de uma instrução mais extensa, sendo essa opção, ademais, um risco assumido pelo próprio autor, diante dos ônus de sucumbência e da maior gama de recursos que também ficará à disposição da outra parte. 9. Portanto, sendo ajuizada ação no Juizado Especial Cível Estadual, subsequentemente extinta sem resolução de mérito em razão da desistência do autor, é cabível nova propositura na Justiça Comum, não havendo, nessa situação, distribuição por dependência ao primeiro Juízo. 10. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou a preliminar de prevenção do Juízo do JEC, arguida pelo recorrente em sua contestação, uma vez que o autor tem a faculdade de optar pela Justiça Comum, ao vislumbrar a necessidade de produção probatória mais extensa e incompatível com o JEC. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp n. 2.045.638/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023.)". Como é possível perceber, no caso concreto, o autor propôs demanda indenizatória perante o Juizado Especial Cível (JEC), nos termos da lei 9.099/1995. Em seguida, houve a desistência da ação perante o JEC, que foi homologada nos moldes do art. 485, VIII, do CPC. Posteriormente, a demanda foi proposta perante a Justiça Comum e lá ela foi julgada no mérito, sem aplicação do art. 286, inciso II, do CPC. Em outras palavras, o processo não foi distribuído por dependência ao juízo do JEC, que homologou a desistência da ação em primeiro lugar. Em recurso especial, o vencido sustentou perante o STJ a violação do art. 286, inciso II, do CPC, no caso em apreço, pelo fato de o processo não ter sido redistribuído para o JEC e ter permanecido na Justiça Comum, onde foi julgado. O STJ, por sua vez, ao interpretar o art. 286, inciso II, do CPC, entendeu que tal dispositivo deve ser aplicado somente na hipótese de ações ajuizadas perante "a mesma Justiça". Em outras palavras, se a demanda é proposta perante a Justiça Comum e reproposta perante a Justiça Comum, deve ser aplicado o art. 286, inciso II, do CPC e o segundo processo deve ser distribuído por dependência ao juízo onde tramitou o primeiro. Por outro lado, se a primeira demanda foi proposta perante o JEC e a segunda, ainda que idêntica, após a primeira desistência, foi ajuizada perante a Justiça Comum, não deve haver distribuição por dependência. O processo deve permanecer na Justiça Comum. A razão para o STJ decidir dessa maneira está no fato de que os procedimentos do JEC e da Justiça Comum são diferentes. No JEC, aplica-se a Lei n. 9.099/1995, na qual se estabelece que a escolha por este procedimento especial é uma "opção do autor" e não é proibida a desistência da ação. Na Justiça Comum, como se extrai da própria decisão, a parte pode legitimamente optar por um "rito processual mais completo, ao vislumbrar, por exemplo, a necessidade de uma instrução mais extensa, sendo essa opção, ademais, um risco assumido pelo próprio autor, diante dos ônus de sucumbência e da maior gama de recursos que também ficará à disposição da outra parte". Trata-se de uma decisão judicial acertada na qual se leva em consideração as peculiaridades da lei 9.099/95 e não se parte da premissa equivocada de que as partes (ou seus advogados) estão sempre agindo de má-fé e buscando burlar a lei. No mais das vezes, o que se busca é um procedimento que permita uma ampla produção de provas, sem as restrições do JEC, que foi desenhado para causas de menor complexidade.
É conhecida a redação do artigo 382, parágrafo quarto, do CPC/15, que, quanto ao procedimento de produção antecipada de provas, estabelece que: "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário". Já tivemos a oportunidade de externar opinião sobre o tema em artigo publicado em 13/9/2016 no Migalhas, em trabalho no qual sou um dos coautores: Naquele texto, já havíamos concluído que: "Em suma, a produção antecipada de prova sem urgência não pode ser utilizada de forma abusiva pelo requerente, sendo certo que compete ao magistrado verificar os limites e a pertinência da prova pretendida, a legalidade de sua produção e se os requisitos legais para a antecipação estão presentes; podendo o requerido questionar em sua defesa se a finalidade da lei é (ou não!) atendida. Uma análise sistemática e constitucional do novo CPC revela que a impossibilidade de apresentação de defesa no âmbito da antecipação da prova é dotada de aplicação limitada ao âmbito de cognição horizontal do órgão julgador. A própria limitação a respeito da apreciação de fatos e consequências jurídicas deles advindas deve ser vista com certo cuidado, por necessidade de análise da finalidade da produção da prova que se pretende realizar. Espera-se que a presente opinião auxilie e sirva de estímulo ao estudo e construção de trabalhos de maior fôlego a respeito do tema". Ou seja, não é nova a preocupação com a literalidade do referido dispositivo processual, sendo que, sempre que houver abuso no manejo da produção antecipada de prova, compete ao magistrado zelar pela finalidade do instituto e observar o espírito dos princípios estruturantes do CPC/15. E nessa linha foi a recente posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 2037088, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, tendo-se permitido que o princípio do contraditório seja adequadamente observado, no procedimento de produção antecipada de provas, quando houver fundados questionamentos acerca dos requisitos necessários para o ajuizamento da medida em tela. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão. 2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil. 3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão. 4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas. 5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos. 6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal. 7. Recurso especial provido". A posição do STJ é bem-vinda e está em sintonia com uma visão constitucional do processo civil, de modo que todo e qualquer instituto processual precisa ser interpretado em conformidade com os princípios estruturantes do CPC/15; sendo que, no caso em referência, forte é a diretriz de que a produção antecipada de provas precisa ser compreendida, sem prejuízo das particularidades deste procedimento, em linha com os princípios do contraditório e da ampla defesa quanto aos seus requisitos de ajuizamento e subsequente trâmite.
Em pretérita edição desta coluna1 registramos o quanto decidido pela Corte Especial STJ ao decidir o Tema n. 1076 que, em sede de julgamento de Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que "(i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Precedeu o julgamento do Tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Em outras ocasiões trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154-5-6. Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Por fim, o colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16.03.2022, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF.8 Esperava-se que o precedente obrigatório firmado mediante a fixação do Tema Repetitivo n. 1.076 finalmente colocasse um ponto final sobrea questão, ao menos no âmbito do STJ. Todavia, referido tema voltou à baila recentemente, na tentativa da corte cidadã pensar melhor acerca do quanto decidido há pouco mais de um ano atrás quando do julgamento do recurso especial repetitivo, o qual, diga-se de passagem, contou com a participação de inúmeras entidades representativas dos mais variados seguimentos (Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP, Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dentre outros), a expor os mais variados pontos de vista no intuito de defender a aplicação ou não da regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC. E, no recente julgado do recurso especial n. 1.743.330-AM, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA 1076/STJ. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DISTINTA DAQUELAS CONSIDERADAS RELEVANTES NA FORMAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO PELA INJUSTIÇA, DESPROPORCIONALIDADE, IRRAZOABILIDADE, FALTA DE EQUIDADE OU DISSENSO EM RELAÇÃO A PRECEDENTES DE OUTRAS CORTES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES QUE EM TESE JUSTIFICARIAM A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO INOCORRENTE SOB ESSES FUNDAMENTOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1076/STJ QUE DEVERÁ SER APLICADA ATÉ QUE SOBREVENHA EVENTUAL MODIFICAÇÃO DECORRENTE DE SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL OU ATÉ QUE HAJA EVENTUAL SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE NESTA CORTE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SITUAÇÃO DE FATO IRRELEVANTE. CIRCUNSTÂNCIA CONSIDERADA EM RECURSOS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA POR OCASIÃO DA FIXAÇÃO DA TESE RELATIVA AO TEMA 1076/STJ. 1- Embargos de terceiro opostos em 14/06/2017. Recurso especial interposto em 29/03/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa. 3- A distinção que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 4- Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta. 5- O art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários desta Corte se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 6- A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para diferenciar a hipótese em exame em relação ao precedente firmado no julgamento do tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente - e foi considerada - em dois dos recursos representativos da controvérsia (REsp 1.906.623/SP e REsp 1.644.077/PR) e, ainda assim, compreendeu a Corte Especial se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal. 7- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários, ressalvado expressamente o entendimento pessoal da Relatora para o acórdão. (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) O relator inicialmente designado, Ministro Moura Ribeiro, entendeu pelo provimento do recurso especial, ao fundamento, em síntese, de que "(...) o Tribunal amazonense extinguiu o feito, sem resolução de mérito, ao reconhecer a carência da ação, por falta de interesse processual da WAVE, sob o argumento de que não existiria nenhuma constrição judicial e nem sequer ameaça em relação ao imóvel matriculado sob o número 18.849, de sua propriedade. Importante lembrar também que o TJAM arbitrou a verba honorária em 10% do valor dado à demanda, que foi fixado por determinação de ofício em R$ 7.900.000,00 (sete milhões e novecentos mil reais), colhendo então o montante de R$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), sem contar que tal verba, atualizada para os dias atuais já se aproxima da quantia de R$ 2 milhões de reais!(...) ) em prevalecendo o acórdão recorrido, apoiado em uma interpretação literal de precedente desta Corte, a fixação de honorários em tal monta se traduz em imoderação e abusividade, com o devido acatamento, ferindo de morte os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além da cooperação e do bem comum, retratado na paz social." Todavia, referido voto ficou vencido pelo voto divergente inaugurado pela Ministra Nancy Andrighi, o qual foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora: "(...) 20) Antes, contudo, é preciso registrar que, se o presente julgamento tivesse ocorrido antes de dois relevantes momentos históricos desta Corte, não teria absolutamente nenhuma dúvida em acompanhar o voto do e. Relator, por compreender que, de fato, a remuneração do trabalho do patrono não condiz com a atividade por ele desenvolvida. 21) O primeiro desses momentos é o julgamento do REsp 1.746.072/PR, perante a 2ª Seção, cujo acórdão foi publicado no DJe 29/03/2019. Naquela ocasião, esta Corte deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Relembre-se somente que, naquela assentada, fiquei vencida juntamente apenas da e. Ministra Maria Isabel Gallotti e do e. Ministro Marco Buzzi. 22) O segundo momento, obviamente, é o recente julgamento do tema 1076, perante a Corte Especial, cujos acórdãos foram publicados em 31/05/2022, em que aquela sinalização inicial se materializou em forma de um precedente vinculante. Relembre-se que, naquele julgamento, também fiquei vencida, desta feita junto às e. Ministras Maria Isabel Gallotti, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e ao e. Ministro Herman Benjamin. 23) O e. Relator, em seu judicioso voto, propõe seja reconhecida a existência de uma distinção entre o precedente firmado no tema 1076 e a hipótese em exame, de modo que se imporia solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso, em primeiro lugar, verificar exatamente o que se deve compreender como uma distinção apta a diferenciar determinada hipótese do precedente. 24) Quanto ao ponto, leciona Ravi Peixoto: A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação. Muito embora simples na teoria, a utilização da técnica guarda um grande desafio argumentativo, que é o de "demonstrar o quanto os fatos que ensejam a distinção são decisivos disposições normativas". Havendo sucesso na argumentação, o precedente invocado simplesmente será inaplicável ao caso concreto, sendo possível ao magistrado decidir de forma diversa. (...) O desafio é justamente esse, o de categorização dos fatos relevantes e irrelevantes no caso suscitado como precedente e no caso concreto em questão. Isso porque, nem toda particularidade implica na distinção, pois ela pode ser insuficiente para implicar na inaplicabilidade do precedente. Por vezes, mais importante do que os próprios fatos enquanto ocorridos, é a forma como são compreendidos e categorizados, o que dependerá da atividade argumentativa dos sujeitos processuais nos casos posteriores, o que irá delimitar adequadamente o precedente. (...) Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática. (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343). 25) A partir dessas premissas, não há dúvida de que a distinção somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente. 26) Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta. 27) Sobre o debate a respeito desses aspectos do precedente formado no tema 1076 - desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça - gostaria de ressaltar que, em voto vencido de longas 38 laudas, suscitei todas essas matérias que agora são novamente reavivadas por S. Exa., fundando-me naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito. 28) Todos esses fundamentos, contudo, foram expressamente repelidos pela Corte Especial no julgamento do tema 1076, que, ao fixar as conhecidas teses sobre o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, colocou-nos na posição de fixar honorários no patamar mínimo de 10% sobre valor da causa originário de R$ 7.900.000,00, a ser corrigido desde junho/2017, em embargos de terceiro em que houve apenas uma petição inicial, uma emenda à petição inicial e um agravo de instrumento que extinguiu a ação por falta de interesse processual. 29) Desse modo, é correto dizer que essa situação perdurará, ao menos: (i) se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.850.512/SP, do RE 1.412.074/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.906.618/SP, e do RE 1.412.069/PR, interposto a partir do julgamento do REsp 1.644.077/PR, que foram utilizados, nesta Corte, para a formação do tema 1076; ou (i i) se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076. 30) A única eventual distinção que realmente diz respeito a fatos proposta no judicioso voto do e. Relator versa sobre a inaplicabilidade do precedente às hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, pois, sustenta S. Exa. que, nesse cenário, a fixação dos honorários deveria ocorrer de modo proporcional à matéria efetivamente apreciada e com razoabilidade. 31) Entretanto, registre-se que esse fato - ações extintas sem resolução de mérito - foi expressamente considerado no precedente, compreendendo a Corte Especial que a tese firmada no julgamento do tema 1076 seria aplicável também nessas hipóteses. 32) Com efeito, na hipótese fática examinada no REsp 1.906.623/SP, um daqueles que serviram de base ao tema 1076, havia sido ajuizada, no ano de 2018, uma execução fiscal no importe originário de R$ 5.771.703,75 (cinco milhões, setecentos e setenta e um mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos), sobrevindo a extinção do processo sem resolução de mérito, em virtude de exceção de pré-executividade, porque a exigibilidade dos tributos estava suspensa em virtude de liminar em mandado de segurança. 33) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa superava R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais, à luz do art. 85, §3º, I a V, e §5º, do CPC/15, superaria R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais). 34) Ainda assim, contudo, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito. 35) Na hipótese fática examinada no REsp 1.644.077/PR, por sua vez, havia sido ajuizada, no ano de 1997, uma execução fiscal no importe de R$ 1.165.746,54 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), sobrevindo a extinção parcial do processo sem resolução de mérito, excluindo-se um dos litisconsortes em função de sua ilegitimidade passiva, também no âmbito de uma exceção de pré-executividade. 36) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa se aproximava de R$ 4.600.000,00 (quatro milhões e seiscentos mil reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da litisconsorte excluída, à luz do art. 85, §3º e §5º, do CPC/15, superaria R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). 37) E, ainda assim, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção parcial do processo sem resolução de mérito apenas pela exclusão de um dos litisconsortes. 38) Dessa forma, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator e compreendendo as razões trazidas por S. Exa., não há que se falar em distinção sob nenhum ângulo que se examine a matéria. 4. DISPOSITIVO Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial ao fundamento de incidência das Súmulas 284/STF e 211/STJ; se porventura superadas as preliminares, NEGO-LHE PROVIMENTO, ressalvando expressamente a minha posição pessoal, mas em obediência à tese firmada no tema 1076, majorando os honorários em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal de 10 para 10,5%." (STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se) Embora o v. acórdão em comento não dê pista se a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi (e acompanhada pelos demais pares da turma julgadora) diga respeito (i) ao não conhecimento do recurso especial ou (ii) ao subsidiário exame da matéria de fundo, fato é que a Terceira Turma, vencido o Ministro Moura Ribeiro, permaneceu firme em respeitar o quanto decidido quando da formação da tese cristalizada no Tema 1.076. E, respeitado entendimento em sentido contrário, não há como ser diferente. A uma, repita-se que a formação da tese firmada no Tema 1.076 precedeu de amplíssimo debate e participação dos setores representativos da sociedade em seus mais variados seguimentos, cada um propondo sua tese e antítese respectiva, diga-se da passagem para aplicar ou não um comando claro e objetivo previsto no art. 85, § 2º do CPC (o qual de igual sorte foi fruto de amplo debate no Congresso Nacional, seguido de aprovação e vigência do CPC/2015). A duas, o quanto decidido no Tema 1.076 data pouco mais de um ano, sendo indevido, senão inapropriado e sem previsão legal, conferir ao próprio órgão inaugurador de referido tema a oportunidade de, por suas cortes fracionárias, pensar melhor, senão revistar questões amplamente debatidas e superadas quando do julgamento que cristalizou o precedente vinculante. A três, como bem posto pela Ministra Nancy Andrighi, "(...) não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente." A quatro, a razão de ser da técnica de julgamento de recurso especial repetitivo e instrumentos congêneres tem o condão de exatamente conferir (i) segurança jurídica, (ii) previsibilidade das decisões do Poder Judiciário, (iii) isonomia para que o tratamento conferido a dado caso concreto seja o mesmo em caso congênere e (iv) celeridade, porquanto questões já examinadas à exaustão e debatidas pelo Poder Judiciário deverão valer-se de técnicas que confiram resposta jurisdicional mais rápida ao jurisdicionado que se vale do precedente vinculante. Revisitar, num curtíssimo espaço de tempo desde a formação do precedente vinculante, o quanto já debatido e examinado à exaustão quando da formação do Tema repetitivo significa negar sua vigência, senão ignorar todo o trabalho despendido pelo próprio Poder Judiciário, partes envolvidas e interessadas, quando da formação do tema repetitivo. E mais, assim o fazendo abre-se uma porteira para a parte que litiga contrariamente ao tema repetitivo, seguir até o STJ dizendo que seu caso é distinto, a indevidamente suscitar a aplicação da técnica do distinguishing e tornar uma prática de exceção como regra. Consequência de tal situação será a enxurrada de vindouros recursos especiais a baterem a porta do STJ, a congestionar o exame de tais recursos, pautas de julgamento, enfim, uma série de atos processuais cujo desiderato da técnica de julgamento do recurso especial repetitivo e seus impactos seria exatamente o oposto. Daí porque é digno de aplausos o voto vencedor quando inaugurada a divergência pela Ministra Nancy Andrighi: embora publicamente tenha posição contrária a tese firmada no Tema Repetitivo 1.076 (tendo inclusive declarado voto divergente na ocasião do julgamento), defendeu com maestria as razões de distinção ou não do precedente ao caso concreto, curvando-se ao quanto decidido, por maioria de votos, no tocante a matéria de fundo ensejadora do tema repetitivo. __________ 1 Disponível aqui. 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui.  6 Disponível aqui.  7 Disponível aqui.  8 Disponível aqui. 
Como se sabe, o art. 196 da Constituição Federal (CF) estabelece "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Apesar de o direito à saúde estar assegurado na CF como um direito de todos e como um dever do Estado, a realidade brasileira é bem diferente. Aquele ou aquela que precisam de medicamentos e não têm como arcar com os custos do tratamento de uma determinada doença muitas vezes têm que recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer o que está disposto no art. 196 da CF. Tema importante que envolve esta triste realidade é a questão dos honorários advocatícios arbitrados nas demandas que devem ser propostas contra o Estado para condená-lo ao cumprimento da obrigação de fornecer os medicamentos necessários para manutenção da saúde do cidadão e assim cumprir de maneira forçada o que está no art. 196 da CF. É o advogado, que exerce função indispensável à administração da justiça (CF, art. 133), quem está na linha de frente do combate à ineficiência do Estado em garantir o acesso à saúde. É o advogado que acolhe o enfermo em um dos momentos mais difíceis da vida dele, ajuda a reunir todos os documentos necessários (laudos, prescrições médicas, exames, declarações de profissionais de saúde, comprovantes de situação de necessidade extrema, listas de medicamentos publicadas pelo SUS e pela ANVISA, etc.) e vai ao Poder Judiciário para lutar para garantir o que o art. 196 da CF prometeu: o direito à saúde e o dever de o Estado assegurar isso para todos. Para exercer esta função indispensável à administração da justiça, o advogado precisa ter uma remuneração digna e compatível com a relevância do seu papel na sociedade. Se o Estado cumprisse a Constituição, não seria necessário o seu trabalho. Assim, tratar do tema da remuneração do advogado é algo crucial e não deve ser deixado em segundo plano. O tema dos honorários advocatícios está disciplinado pelo art. 85, do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece em seu caput o seguinte: "A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". Os critérios de fixação dos honorários do advogado estão no § 2º do mesmo dispositivo, caso exista proveito econômico no processo. Confira-se: "§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço". Caso o proveito econômico obtido no processo seja inestimável ou o valor a ser recebido pelo vencedor seja irrisório ou, ainda, quando o valor da demanda seja muito baixo, o § 8º do art. 85 preceitua que "o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º". Muita controvérsia existe em torno da interpretação do § 8º do art. 85 do CPC para definir o que é "valor inestimável" ou "valor irrisório" de uma demanda, que autorizariam o juiz a fixar os honorários fora das balizas do § 2º do mesmo dispositivo legal que impõe ao magistrado arbitrar honorários advocatícios em valores entre 10% e 20% do valor da causa. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o interpretar o § 8º do art. 85 do CPC, fixou a seguinte tese, como Tema Repetitivo n. 1.076: "i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo". No que diz respeito às demandas que versam sobre a condenação do réu ao fornecimento de medicamentos para o autor como modo de assegurar o cumprimento do art. 196 da CF, o STJ decidiu que deveria ser aplicado o § 8º do art. 85 do CPC, por se entender que o benefício alcançado por aquele que recebe os medicamentos seria "inestimável". Confira-se, a propósito, a ementa do julgado em questão: "PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIRETO À SAÚDE. VALOR INESTIMÁVEL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. EQUIDADE. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado Administrativo n. 3). 2. O STJ, no julgamento do Tema 106, firmou o entendimento de que a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 3. Não se pode concluir que a exigência da comprovação da hipossuficiência financeira, como requisito para o Poder Público fornecer gratuitamente a medicação prescrita ao autor, leve ao reconhecimento de um estimável proveito econômico. 4. A obrigação de fazer imposta ao Estado, em tais casos, dá-se em caráter excepcional, somente se preenchidos todos os critérios estabelecidos no recurso repetitivo, sendo certo que as demandas dessa natureza objetivam a preservação da vida e/ou da saúde garantidas constitucionalmente, bens cujo valor é inestimável, o que justifica a fixação de honorários por equidade. 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.881.171/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 9/3/2021, grifos nossos)" Ocorre que o entendimento acima transcrito fecha os olhos para uma realidade importante que é a dos preços dos medicamentos e tratamentos envolvidos. É certo que a preservação da vida e da saúde têm valor inestimável, mas os tratamentos e remédios utilizados para estas finalidades têm valores muito bem definidos. Nesse caso, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no § 2º do art. 85, do CPC, ou no § 3º, caso o réu seja a Fazenda Pública. Foi exatamente por isso que, recentemente, em junho de 2023, o STJ mudou de opinião e determinou que fossem levados em consideração os valores dos medicamentos para arbitramento dos honorários advocatícios. Confira-se: "AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. EQUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. 1. Trata-se, na origem, de ação proposta por portador de adenocarcinoma de próstata contra o Estado de São Paulo, objetivando o fornecimento do medicamento XTANDI 40ing (ENZALUTAMIDA), na quantidade de cento e vinte comprimidos por mês, por tempo indeterminado. Foi dado à causa o valor de R$ 148.499,04 (cento e quarenta e oito mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quatro centavos - válidos para novembro de 2017), que corresponderia ao valor do tratamento médico prescrito em favor da parte autora, pelo período de 12 (doze) meses. 2. O pedido foi julgado procedente para condenar a ré a fornecer o medicamento pleiteado na inicial, por seu respectivo princípio ativo, conforme prescrição médica, sem preferências por marcas, e enquanto durar o tratamento. A ré foi condenada, ainda, ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000 reais. 3. A Apelação da parte autora para majorar os honorários advocatícios não foi provida. Ao exercer o juízo de retratação, em virtude do julgamento do tema 1.076 pelo STJ, o Tribunal de origem manteve o aresto vergastado pelos seguinte fundamentos: "In casu, infere-se de singela leitura do v. acórdão de fls. 188/195, que, no caso concreto, a fixação dos honorários advocatícios por equidade não conflita com os requisitos estabelecidos pelo Tema 1.076 do STJ que, modificando orientação anterior, passou a entender que o arbitramento da verba honorária por equidade não se aplica à condenação de valor excessivo e que o artigo 85, § 8º, da lei adjetiva de 2015, seria utilizado apenas em caráter excepcional, contudo, a mesma Corte assentou entendimento no sentido de que nas ações em que se busca o fornecimento de medicamentos de forma gratuita, os honorários sucumbenciais podem ser arbitrados por apreciação equitativa, tendo em vista que o proveito econômico, em regra, é inestimável". 4. A irresignação prospera porque a Corte Especial do STJ, em hipótese análoga, de demanda voltada ao custeio de medicamentos para tratamento de saúde, entendeu que a fixação da verba honorária com base no art. 85, §8º, do CPC/2015 estaria restrita às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, as de estado e de direito de família: AgInt nos EDcl nos EREsp 1.866.671/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 27.9.2022. 5. Recurso Especial provido, com o retorno dos autos à Corte de origem para fixação do valor da verba honorária. (REsp n. 2.060.919/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 28/6/2023, grifos nossos.)". Esta última decisão do STJ, cuja ementa está acima transcrita, parece ser a mais acertada, tendo em vista que há proveito econômico evidente (R$ 148.499,04), uma vez que os valores dos medicamentos não podem ser solenemente ignorados. O advogado tem responsabilidade para reunir todos os documentos necessários para garantir os direitos de seu cliente e o acolhe em um dos momentos mais difíceis da sua vida, como já dito, sendo muitas vezes a sua última esperança. É ele que tranquiliza o jurisdicionado e seus familiares e mantém acesa a chama da credibilidade na justiça. É função, como diz a própria Constituição Federal, indispensável a administração da justiça. No caso concreto acima descrito, o advogado receberia menos de um salário mínimo por aproximadamente 5 (cinco) anos de trabalho, caso não fosse proferida a decisão do STJ de 06.06.2023 acima ementada. Pergunta-se: seria justo?
Sem dúvidas, o artigo 85 do Código de Processo Civil é um dos que mais sofrem questionamentos em nossas Cortes. Ao tratar de forma pormenorizada sobre os honorários advocatícios tal dispositivo acabou por criar muitas dúvidas nos operadores e decisões judiciais conflitantes. Dessa vez, não abordaremos o já famoso § 8º e a impossibilidade da redução dos honorários advocatícios para o seu arbitramento por equidade. Tal tese foi objeto do Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça e mostra de forma cristalina como o sistema de precedentes do CPC/15 é falho e permite que um julgamento repetitivo não seja respeitado. Outro parágrafo bastante questionado é § 19, que prevê que "os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência na forma da lei". Em artigo publicado em fevereiro de 2.019 nessa própria coluna1, tive oportunidade de demonstrar a falta de uniformidade no tratamento do tema na doutrina e na jurisprudência. Nem o julgamento da ADIN 6.053/DF, em 2020, pacificou o tema De fato, o Supremo Tribunal Federal definiu que "1. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei."  Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente julgando que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito do precatório devido pelo ente público. Nesse sentido e citando inúmeros outros julgados no mesmo sentido temos o seguinte recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO PROCURADOR JUDICIAL. INEXISTÊNCIA. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. O entendimento do Tribunal de origem está em desconformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, "no sentido de que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito previsto no título. Precedentes: REsp 1.668.647/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 20/6/2017; AgInt no AREsp 909941/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma. Julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017" (STJ, AgInt no REsp 1.893.299/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/08/2021). III. Precedentes: STJ, AgInt no AREsp 1.834.717/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/5/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.907.197/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 2/6/2021; AgInt no REsp 1.718.785/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/10/2020; AgInt no AREsp 909.941/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 31/8/2017; REsp 1.668.647/SP, Rel. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/6/2017; AgRg no AREsp 5.466/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/8/2011. Em situações semelhantes - inclusive do Distrito Federal -, o STJ acolheu a tese do particular: STJ, AgInt no REsp 1.991.336/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 5/10/2022; RCD no REsp 1.861.943/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/10/2021. No mesmo sentido, dentre outras, as seguintes decisões monocráticas: STJ, REsp 2.064.366/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 29/05/2023; REsp 2.055.072/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 23/03/2023. IV. Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 2.003.127/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. 26.06.2023, publ. 30.6.23) Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acaba com uma injustiça, pois muitas vezes o particular tinha que se sujeitar a receber o seu crédito pelo moroso sistema do precatório e, em caso de sucumbência recíproca, tinha de pagar de imediato os honorários advocatícios aos Entes Públicos. Entretanto, a solução de tal injustiça talvez gere outra injustiça com os advogados públicos, que deixam de receber os honorários sobre esse montante compensado com o valor do precatório. Talvez o mais justo seria pensar uma forma de recompensar os Advogados Públicos nesses casos. O § 14, do artigo 85, em boa hora, vedou a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca e nesse caso parece que é exatamente o que está acontecendo, com a compensação da verba honorária dos advogados públicos com o valor do precatório devido pelo Poder Público. Resta saber, caso se entenda a questão constitucional, se o Supremo Tribunal Federal chancelará o entendimento de que os "honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade". Nesse caso, como geralmente acontece, a solução parece não estar nos extremos (os advogados públicos não devem receber os honorários sucumbenciais ou a verba honorária pertence exclusivamente aos procuradores e não se poderia compensar com o crédito a ser recebido via precatório). Caberia assim, à lei, prevista no § 19 tentar compatibilizar as duas posições sem que a solução de uma injustiça crie outra. __________ 1 Disponível aqui.
Foi publicada, no Diário Oficial da União de 14.07.2023, a lei 14.620 de 13 de julho de 2023, que, dentre outras disposições, altera o art. 784 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), com a inserção do parágrafo 4º: "Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura". O art. 784 do Código de Processo Civil prevê quais são os títulos executivos extrajudiciais, sendo que, no inciso III, é conferida a força executiva ao documento particular assinado pelas partes e por 2 (duas) testemunhas. Desta forma, considerando que a referida lei, entra em vigor na data da sua publicação, a partir de 14/7/2023, na linha do que o Superior Tribunal de Justiça já havia decidido1, passa a ser conferida força executiva aos contratos eletrônicos, dispensando a assinatura de testemunhas. Sem prejuízo da observância de legislação específica para cada respectivo título executivo extrajudicial, vale lembrar que a validade jurídica de documentos assinados em forma eletrônica está regulamentada pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001, cujo artigo 10 prevê que "As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP- Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil". Em seguida, o §2º da referida Medida Provisória estabelece a ausência de óbice na utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Lembramos que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em conformidade com a referida Medida Provisória, tem julgados sinalizando a necessidade de assinatura eletrônica de certificação digital ligada ao ICP-Brasil, para fins de configuração do título executivo extrajudicial.2 __________ 1 REsp 1495920(2014/0295300-9 de 07/06/2018), de Relatoria ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 2 Agravo de Instrumento nº 2289091-25.2019.8.26.0000, 11ª. Câmara de Direito Privado, de Relatoria do Desembargador Marino Neto; e Agravo de Instrumento nº 2289089-55.2019.8.26.0000, 14ª. Câmara de Direito Privado, de Relatoria do Desembargador Achile Alesina.
O efeito interruptivo ocasionado pela oposição dos Embargos de Declaração para a interposição de novos recursos é sem dúvida o seu principal diferencial frente aos outros recursos. O "caput" do artigo 1.026 do Código de Processo Civil foi claro ao prever que a interrupção somente se daria para a interposição de novos recursos e não para toda e qualquer manifestação ou defesa a ser apresentada nos autos1. Entretanto, dúvida surge se tal previsão poderia ser estendida para interromper o prazo também para a apresentação de defesa ou outras manifestações. Em recente julgado a Quarta Câmara do Superior Tribunal de Justiça afastou tal possibilidade:          "RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado. 2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença." (Recurso Especial 1.822.287 - PR, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento 03/07/2023)2 Em seu voto o Ministro Relator conclui que "Nessa perspectiva, é forçoso concluir pelo não cabimento de interpretação extensiva da regra contida no art. 1.026 do CPC/2015, sob pena de verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o termo "recurso" não dá margem para o intérprete validamente extrair o sentido de "defesa ajuizada pelo devedor"."  O Ministro Raul Araújo apresentou voto divergente (vencido) prevendo que "Não vejo como se possa exigir que a parte embargante, antes de proferido o julgamento dos embargos de declaração acerca de ponto omisso, contraditório ou obscuro, existente na decisão, possa já manejar sua manifestação, seja de defesa, seja de recurso vertical na sequência dos embargos de declaração. Por quê? Porque há uma incompletude a ser ainda colmatada com o julgamento dos embargos de declaração. Então, o ato judicial embargado só se perfectibiliza após o julgamento dos embargos de declaração."  Desse modo, não sendo unânime o entendimento da Quarta Turma do STJ, existindo entendimentos díspares nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais, seria importante que o Superior Tribunal de Justiça pacificasse o tema com um novo julgamento, agora sob a égide dos processos repetitivos. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Zumar Duarte: "Anote-se, o dispositivo é claro: "(...) interrompem o prazo para a interposição de recurso". Logo, a interrupção se dá quanto ao prazo de outros recursos, não para prática de qualquer outro tipo de ato processual." (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 1630) 2 Há também julgado da Terceira Turma do STJ nesse mesmo sentido: "A contestação possui natureza jurídica de defesa. O recurso, por sua vez, é uma continuação do exercício do direito de ação, representando remédio voluntário idôneo a ensejar a reanálise de decisões judiciais proferidas dentro de um mesmo processo. Denota-se, portanto, que a contestação e o recurso possuem naturezas jurídicas distintas. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, nos termos do art. 538 do CPC/73. Tendo em vista a natureza jurídica diversa da contestação e do recurso, não se aplica a interrupção do prazo para oferecimento da contestação, estando configurada a revelia" (STJ, REsp 1542510/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, jul. 27.09.2016, DJe 07.10.2016).
Já registramos nesta coluna o quanto decidido pelo STJ no tocante a aplicação do tema repetitivo 10761 que, em sede de julgamento de recurso especial repetitivo, fixou a tese de que " (i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo."2 Antecedeu julgamento do tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3. Noutras oportunidades trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154 5 6. A interpretação destinada a afastar a aplicação do art. 85, § 2º, do CPC (seja contra legem¸ seja mediante interpretação extensiva) parte das premissas, em síntese, (i) do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa. Ainda, colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16/3/22, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF8. Por fim, referenciamos julgado da terceira turma do STJ, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, que, muito embora tenha figurado como voto vencido quando da formação do tema repetitivo 1076, houve por aplicar - afastando qualquer distinguishing - o quanto decidido por maioria por seus pares9. E em relação a Fazenda Pública, cabe nesta oportunidade registrar a recente decisão monocrática voltada a prover Recurso Especial reclamando a aplicação da regra do art. 85, § 3º do CPC contra o Poder Público: "(...) A parte recorrente afirma que "É incontroverso que os honorários de sucumbência estão submetidos ao regime jurídico do CPC de 2015, fato este reconhecido textualmente pelo acórdão recorrido. A despeito disso, ao arbitrar a verba sucumbencial, o TRF5 violou expressamente o comando do §3º do art. 85 do CPC de 2015" (fl. 1.034e). Assevera que "A aplicação subsidiária do §8º do art. 85 do CPC é ratificada pela regra do art. 140, parágrafo único, do CPC, segundo a qual 'o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei', igualmente violada pelo acórdão recorrido. Tampouco há que se cogitar da incidência do princípio constitucional da proporcionalidade para fins de redução dos honorários advocatícios" (fl. 1.037e). Acrescenta, ainda, que "No caso em tela, não há como se ter por equitativo o juízo realizado pelo TRF5, porquanto não se mostra nem justo, nem razoável, diante da natureza ínfima (diante do valor da causa) dos honorários arbitrados" (fl. 1.039e). Por fim, requer "seja conhecido e provido o presente recurso especial, para: i) reformar o acórdão recorrido, majorando os honorários de sucumbência em conformidade com os percentuais mínimos e máximos previstos no art.85, §3º, do CPC, afastando a aplicação do §8º do referido dispositivo, ou, sucessivamente, à luz dos parâmetros do art. 85, §2º, do CPC;(ii) sucessivamente, a anulação do acórdão recorrido, determinando-se o retorno dos autos ao TRF5, afim de que este proceda à majoração dos honorários sucumbenciais" (fl. 1.045e). Contrarrazões a fls. 1.054/1.083e. Foi determinado o sobrestamento do feito (fls. 1.086/1.087e) e, em posterior juízo de retratação, o acórdão foi mantido. Confira-se a ementa do julgado: "Tributário e Processual Civil. Embargos de terceiro. Condenação da União em honorários advocatícios. Montante elevado da causa. Aplicação da equidade ao presente caso, nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil. Juízo de retratação. Inadequação. Retorno dos autos à Presidência desta e. Corte. 1. Autos que retornam da Presidência para que esta Turma faça a adequação ao julgamento representativo de controvérsia afetado ao Tema nº 1076, quando o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 2. O v. acórdão negou provimento à apelação, em face do elevado valor atribuído à causa, R$23.925.685,95 (vinte e três milhões, novecentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e noventa e cinco centavos), desse modo, foi aplicado a equidade ao presente caso, estabelecida no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, mantendo a verba honorária fixada na sentença em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 3. Ao exame dos autos, constata-se ser o caso de fixação mediante apreciação equitativa (art.85, § 8º, do Código de Processo Civil), em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e em razão do alto valor da causa - superior a vinte e três milhões de reais. 4. Ademais, a simples aplicação do percentual fixado no § 3º, do art. 85, do Código de Processo Civil acarretaria em honorários vultosos, em montante muito superior ao que seria razoável ao presente caso, o que resultaria enriquecimento indevido e injustificado, tendo em vista as especificidades do caso em debate. 5. Registre-se, ainda, que para o deslinde da presente demanda não foi necessária realização de diligência ou perícias nem tampou a matéria debatida nos autos é de grande complexidade, bem como o montante fixado foi condizente com trabalho realizado pelo advogado. 6. Na linha da tese aqui defendida, em que se reconheceu a possibilidade de fixação de honorários advocatícios por apreciação equitativa na hipótese de a condenação se mostrar desproporcional e injusta, inclusive com base no quanto decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal na ACO 2.988/DF, em embargos de declaração (julgado em 21 de fevereiro de 2022), a afastar o precedente estabelecido no Tema 1.076, pelo Superior Tribunal de Justiça, menciona-se o precedente desta Quarta Turma ao julgar o processo n° 0805327-76.2021.4.0500300, da relatoria do des. Rubens de Mendonça Canuto Neto (julgado em 26 de abril de 2022), e o precedente firmado em sessão ampliada, da Segunda e Quarta Turmas, referente ao processo n° 0802586-32.2015.4.05.8000, sendo relator o des. Paulo Cordeiro (julgado em 25 de abril de 2022). 7. Desse modo, não há em que se ajustar o acórdão já proferido por esta Turma ao paradigma (Resp 1.850.512/SP), tema 1.076, diante da ausência de dissonância entre os julgamentos desta e. Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça. 8. Por este entender, deixo de exercer o juízo de retratação previsto no art. 1.040, inc. II, do Código de Processo Civil, mantendo os temos do acórdão turmário, com determinação de retorno destes autos à Presidência" (fls. 1.537/1.538e). Opostos novos Embargos de Declaração (1.565/1.570e), eles foram igualmente rejeitados (fls. 1.607/1.610e). O Recurso Especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fls.  1.638/1.639e) (...)" O voto condutor prossegue: "(...)Feito o breve escorço, tem-se que a irresignação merece prosperar. Com efeito, no que toca à controvérsia, a Corte local assim se manifestou: "(...) 16. É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções, muitas vezes, são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. 17. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota. 18. Tal situação não passou despercebida pelos estudiosos da Análise Econômica do Direito, os quais afirmam, com segurança, que os honorários sucumbenciais desempenham também um papel sancionador e entram no cálculo realizado pelas partes para chegar à decisão - sob o ponto de vista econômico - em torno da racionalidade de iniciar um litígio. 19. Os advogados devem lançar, em primeira mão, um olhar crítico sobre a viabilidade e probabilidade de êxito da demanda antes de iniciá-la. Em seguida, devem informar seus clientes com o máximo de transparência, para que juntos possam tomar a decisão mais racional considerando os custos de uma possível sucumbência. Promove-se, desta forma, uma litigância mais responsável, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional. 20. O art. 20 da 'Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro' (Decreto-lei 4.657/42), incluído pela lei 13.655/18, prescreve que, 'nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão'. Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório. 21. Acrescente-se que a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/15, pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante 10 da Súmula do STF. 22. Embora não tenha sido suscitado pelas partes ou amigos da Corte, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração de jurisprudência dominante do STJ, a qual ainda se encontra em vias de consolidação. 23. Assim, não se configura a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto. 24. Teses jurídicas firmadas: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide-, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 25. Recurso especial conhecido e improvido, devolvendo-se o processo ao Tribunal de origem a fim de que arbitre os honorários observando os limites contidos no art. 85, §§ 3°, 4°, 5° e 6º, do CPC, nos termos da fundamentação. 26. Recurso julgado sob a sistemática dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e arts. 256-N e seguintes do Regimento Interno do STJ" (STJ, REsp 1.906.618/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, DJe de 31/5/2022). Não estando a hipótese dos autos contida nas exceções acima indicadas, devem ser observados, portanto, os percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC/2015. Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao Recurso Especial, para determinar que os honorários advocatícios sejam fixados de acordo com a previsão do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º e 5º, do CPC." (Voto monocrático prolatado pela Ministra Assusete Magalhães aos 18/05/2023, REsp n. 2061451/PE, DJ 26/05/2023) A r. decisão supra, prolatada contra a Fazenda Pública, aplicou entendimento que já era esperado quando da formação de precedente vinculante firmado em sede de julgamento de recurso especial repetitivo. Em outras palavras, malgrado a tese prevalecente quando do julgamento do tema repetitivo, não cabe, por meio de outros sucedâneos recursais, buscar a alteração de referido entendimento ou sua superação em tão curto espaço de tempo, o que feriria a instituição, propósito e dinâmica do sistema de recursos repetitivos. ____________ 1 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/369717/afastamento-de-honorarios-por-equidade-alem-de-hipoteses-legais 2 STJ, REsp 1.850.512/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 16/03/2022, DJe 31/05/2022, maioria de votos, grifou-se 3 https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI286170,21048-Honorarios+advocaticios+por+equidade+interpretacao+extensiva+ou 4 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/287831/aplicacao-extensiva-de-honorarios-advocaticios-por-equidade-primeiros-passos-para-a-uniformizacao-do-tema 5 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/330443/honorarios-advocaticios-por-equidade-em-demanda-de-valor-milionario 6 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/326277/honorarios-advocaticios-por-equidade-alem-da-previsao-legal--1--a-4--turmas-do-stj-ja-afastaram-interpretacao-extensiva--agora-acao-declaratoria-de-constitucionalidade-perante-o-stf 7 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/362260/stj-a-fixacao-dos-honorarios-advocaticios-por-equidade 8 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/365255/honorarios-por-equidade-e-o-respeito-do-stf-ao-entendimento-do-stj 9 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/385159/precedente-vinculante-firmado-no-tema-1076-e-sua-observancia-pelo-stj
Como se sabe, o inciso I do art. 835 do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: "dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira". Entretanto, o parágrafo segundo do mesmo artigo estabelece que "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento". Muito se pergunta se o exequente é obrigado a aceitar a substituição de penhora de dinheiro, que seria preferencial, por seguro garantia judicial. A resposta dada pelo Superior Tribunal de Justiça é que sim, o exequente é obrigado a aceitar a substituição, se estiverem preenchidos três requisitos: (i) insuficiência do valor da garantia; (ii) defeito formal; (iii) inidoneidade da salvaguarda oferecida. Confira-se, a propósito, o teor da ementa de julgado recente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ART. 829, § 2º, DO CPC/15. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. ART. 835, § 2º, DO CPC/15. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA EM DINHEIRO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL. ACRÉSCIMO DE TRINTA POR CENTO AO VALOR DO DÉBITO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO CREDOR/EXEQUENTE. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE EXPRESSAMENTE EQUIPAROU A FIANÇA BANCÁRIA E O SEGURO GARANTIA JUDICIAL AO DINHEIRO. HARMONIA ENTRE OS PRINCÍPIOS DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO E DA MENOR ONEROSIDADE AO EXECUTADO. REJEIÇÃO SOMENTE POR INSUFICIÊNCIA, DEFEITO FORMAL OU INIDONEIDADE DA SALVAGUARDA OFERECIDA. SITUAÇÃO NÃO VERIFICADA NA HIPÓTESE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. 1. Embargos à execução de título executivo extrajudicial, dos quais foi extraído o presente recurso especial, interposto em 1º/2/2022 e concluso ao gabinete em 10/11/2022. 2. O propósito recursal consiste em decidir se, em execução de título extrajudicial, é possível a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial, observados os requisitos do art. 835, §2º, do CPC/15, notadamente diante da discordância da parte exequente. 3. O legislador, ao dispor sobre a ordem preferencial de bens e a substituição da penhora, expressamente equiparou a fiança bancária e o seguro-garantia judicial ao dinheiro, nos seguintes termos: "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento" (art. 835, § 2º, do CPC/15). 4. Precedente desta Terceira Turma a afirmar que: "dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida" REsp 1.691.748/PR, DJe 17/11/2017). 5. Hipótese em que o acórdão recorrido manteve a decisão do Juízo de primeiro grau que deferiu a substituição da penhora de ativos financeiros dos recorridos por seguro garantia judicial, sob o fundamento de que, na sistemática do CPC/15, ao executado é facultada a referida substituição, desde que com acréscimo de 30% no valor do débito, sendo prescindível a aceitação pelo exequente/recorrente. Necessidade de manutenção do decisum. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 2.034.482/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023, grifos nossos.)" O seguro garantia judicial é um instrumento importante para garantir que o exequente receba o valor devido, ao mesmo tempo em que impede que uma sociedade empresária executada fique sem capital circulante. Assim, merece aplausos a decisão do Superior Tribunal de Justiça pela interpretação dada ao art. 835, § 2º, do CPC.
Uma das vantagens do sistema de precedentes, que tão bem inspirou a formação do CPC/15, é a busca de maior previsibilidade na prestação da tutela jurisdicional, garantindo-se, portanto, a obtenção da segurança jurídica.  E uma das ferramentas utilizadas pelo CPC/15 para lastrear a tentativa de uma maior uniformidade na prestação da tutela jurisdicional - notadamente em situações similares - é a dinâmica adotada para o julgamento dos recursos que tramitam no formato de "repetitivos", conforme previsão da Subseção II do capítulo que trata do sistema recursal no código.    Como disciplina o diploma processual, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, poderá haver afetação do tema para julgamento de acordo com as disposições do CPC/15, dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, observado sempre o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.  E o artigo 1037 do CPC/15 diz que, uma vez selecionado um recurso especial e/ou extraordinário paradigma da controvérsia, o relator, no tribunal superior, constatando a presença dos pressupostos para o julgamento dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, proferirá decisão de afetação, na qual, dentre outras providências: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; e II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.  O parágrafo 9º do artigo 1037 do CPC/15 permite que a parte interessada, caso queira requerer o prosseguimento do trâmite do seu processo, demonstre a distinção entre a questão a ser decidida no seu caso e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado no sistema dos repetitivos.  Este requerimento, conforme prevê o artigo 1037 do CPC/15, deve ser endereçado: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. E contra a decisão que resolver o aludido requerimento, caberá: (i) agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; e (ii) agravo interno, se a decisão for de relator.  Mas a grande dúvida é se cabe agravo interno, nos termos do artigo 1021 do CPC/15, contra a decisão de afetação de que trata o artigo 1037 do CPC/15? Ou a parte interessada pode apenas se valer, em um primeiro momento, do requerimento de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do código?  O Ministro Navarro Dantas, em belo artigo sobre o tema, opina pelo cabimento do agravo interno contra a referida decisão de afetação, apesar de reconhecer a tendência jurisprudencial contrária: "Se não seguirem o exemplo que pelo menos a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está dando, ao começar uma interessante guinada nessa jurisprudência ? e aqui se tem em mente, de modo preciso, esses casos em que se alega distinguishing ?, que ao menos considerem deixar clara a possibilidade de que a parte que busca demonstrar a distinção do seu caso o possa fazer no tribunal de origem (na linha da formulação primeva do enunciado), com amplo manejo do agravo interno. Embora talvez o ideal seja possibilitar à parte, sem ambages, requerer o reconhecimento da distinção de seu caso onde e no momento em que lhe parecesse mais conveniente ? tanto perante o tribunal de origem como junto às cortes superiores de destino ?, sempre que a questão surgir em face da problemática dos sobrestamentos decorrentes do procedimento de julgamento de recursos repetitivos. E em qualquer dessas hipóteses, podendo agravar internamente, se necessário"1.  A Professora Teresa Arruda Alvim2, por sua vez, explicita que o procedimento a ser seguido, para fins da distinção, com observância do devido contraditório, é o disciplinado nos parágrafos nono e seguintes do artigo 1037 do CPC/15.  E o tema vem sendo objeto de recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, nos quais, basicamente, se destacam as seguintes diretrizes: (i) a decisão de afetação não é recorrível por agravo interno, podendo, no máximo, ser desafiada pelo requerimento de distinção de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do CPC/15; (ii) a posterior decisão, que resolver o requerimento de distinção, poderá sim ser objeto de recursos, conforme previsão do mesmo artigo do código.  Bem didático, nessa linha, é o acórdão proferido no AgInt no REsp 1888324 / MG, da Relatoria do Min. Benedito Gonçalves, da Primeira Turma do STJ, julgado em 26/04/2021:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TEMA AFETADO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DESPACHO. MEIO DE IMPUGNAÇÃO. 1. Antes da edição do Código de Processo Civil de 2015, esta Corte entendia ser inadmissível o recurso interposto contra despacho que, ante a pendência de julgamento de recurso submetido à sistemática dos recursos repetitivos, determina o sobrestamento do apelo especial na Instância de origem, em virtude da ausência de conteúdo decisório da decisão impugnada. 2. O § 9º do artigo 1.037 do CPC/2015 trouxe a possibilidade de apresentação do requerimento de distinção para a impugnação ao referido despacho de sobrestamento do recurso, com o escopo de demonstrar a diferença entre a questão a ser decidida no processo sobrestado e aquela a ser julgada no repetitivo. Por sua vez, o § 13º do art. 1.037 do CPC/2015 dispõe que é cabível o agravo interno em face da decisão que resolver o requerimento de distinção. 3. No caso dos autos, verifica-se o cabimento do presente agravo interno, porquanto interposto em face da decisão que apreciou o requerimento de distinção. No tocante à matéria discutida no apelo especial, tem-se que a análise da questão versada nos autos perpassa pela apreciação da possibilidade ou não de inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa (Tema 1.055). Assim, em observância ao princípio da economia processual e para evitar decisões dissonantes, tem-se que deve ser mantida a decisão que determinou o retorno dos autos à origem, nos termos dos arts. 1.040, I e II, e 1.041 do CPC/2015. 4. Agravo interno não conhecido."  Posição semelhante foi a adotada no AgInt no AREsp 1359426 / RS, da Relatoria do Ministro Gurgel de Faria:  "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMA. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS. IRRECORRIBILIDADE. 1. É inadmissível a interposição de recurso em desfavor de decisão que determina a baixa dos autos para sobrestamento do feito, em virtude da pendência de julgamento de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral. 2. Nos termos do art. 1.037, §§ 9º e 10, do CPC/2015, a única hipótese de alteração da decisão de sobrestamento seria a demonstração, por meio de requerimento, de que a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso extraordinário afetado seriam distintas, o que não ocorreu na hipótese dos autos".  E, justamente no sentido de admitir o agravo interno interposto contra a decisão que realmente aprecia o requerimento de distinção, vale pontuar o acórdão proferido no EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1791759 / SP, da relatoria do Ministro Raul Araujo:  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. CABIMENTO DE AGRAVO INTERNO COMO IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE RESOLVE DISTINÇÃO ENTRE O TEMA REPETITIVO AFETADO PENDENTE DE JULGAMENTO E A QUESTÃO DE DIREITO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL. OCORRÊNCIA. RECURSO REPETITIVO. DISTINÇÃO ENTRE O TEMA 1.039 E O CASO DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS OCORRIDOS DURANTE A VIGÊNCIA CONTRATUAL EXTINTA E INDETERMINAÇÃO DO INÍCIO DE VÍCIOS OCULTOS E PROGRESSIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos do Código de Processo Civil de 2015, "a parte deve demonstrar, no caso concreto, a distinção entre o tema trazido em seu especial e a tese jurídica com repercussão geral pendente de julgamento no STF, por meio de requerimento previsto no art. 1.037, § 9º, de modo que o agravo interno é cabível da decisão que resolver esse requerimento (art. 1.037, § 13)", cf. AgInt no AgInt no AREsp 517.626/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2020, DJe de 13/03/2020. 2. Pretensão de cobertura securitária postulada perante a seguradora após o fim do contrato de financiamento discutida sob duplo fundamento: (a) sob o viés da falta de interesse pela extinção do contrato; e (b) também pela prescrição da pretensão de cobrança deduzida após o transcurso de tempo desde a quitação do financiamento. Debate integrante do Tema 1.039 dos recursos repetitivos  fixação do termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória em face de seguradora nos contratos, ativos ou extintos, do Sistema Financeiro de Habitação , cf. ProAfR no REsp 1.799.288/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2019, DJe de 09/12/2019. 3. Embargos de declaração acolhidos, a fim de conhecer do agravo interno, ao qual se nega provimento".  A abertura que o CPC/15 conferiu à parte interessada para demonstrar a distinção do seu caso, do tema afetado para apreciação dentro do rito dos recursos repetitivos, é uma providência que prestigia o contraditório, sem prejuízo da preocupação do legislador em procurar garantir a uniformidade e a segurança jurídica na prestação da preciosa tutela jurisdicional dentro das melhores diretrizes do artigo 37 da CF/88 e dos princípios estruturantes do Diploma Processual.  __________ 1 Decisão que devolve recurso à origem para sobrestá-lo é irrecorrível? 2 ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrô-nico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui.
Em junho de 2019 tive oportunidade de escrever artigo nessa coluna mostrando o entendimento antagônico das duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto o cabimento ou não do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais1. De fato, a 1ª Turma possui há muito entendimento afastando o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional), mas mantendo a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no artigo 50 do Código Civil2. Já a 2ª Turma possui reiterados julgados3 entendendo que havia verdadeira incompatibilidade entre o incidente e a lei de Execução Fiscal, e, portanto, afastava o incidente em qualquer hipótese em se tratando de Execução Fiscal. Conforme defendido anteriormente nesse espaço, o entendimento peremptório da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça quando ao não cabimento do Incidente em Execução Fiscal não parecia ser o mais correto. De fato, no caso de desconsideração da personalidade jurídica baseada no artigo 50 do Código Civil, em que se verifica o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, faz-se necessária a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica4. No ano passado tivemos um julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolhendo o entendimento da 1ª Turma quanto a necessidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos de formação de Grupo Econômico em Execução Fiscal: "PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESAS DO GRUPO ECONÔMICO. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. INDEFERIMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. I - Na origem, trata-se de gravo de instrumento interposto pela União contra a decisão que, nos autos da execução fiscal relativa a débitos previdenciários ajuizada contra a Usina Taquara Ltda., indeferiu o pedido de inclusão das empresas Auto Vanessa Ltda., Monte Sinai Veículos Ltda, Itaúna Veículos e Peças Ltda. e Agropecuária Taquara Ltda. no polo passivo. No Tribunal a quo, a decisão foi mantida. Esta Corte negou provimento ao recurso especial. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a compreensão de que, para fins de redirecionamento da execução fiscal, a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas não identificada no ato de lançamento ou não enquadrada nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, faz-se necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 do CPC/2015 (Recurso Especial 1.775.269/PR relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em21/2/2019, DJe 1º/3/2019.) III - Discute-se sobre a necessidade ou não de instauração do mencionado incidente, para fins de redirecionamento da execução fiscal. IV - O Tribunal regional levou em conta que: "[...] naquele julgamento do REsp 1.775.269/PR, o qual se passa a acompanhar, que o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome da CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, e, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora" (fl. 147). V - Em tal contexto, se a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial". VI - Quando mais não seja, o entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte de Justiça. Veja-se: (AgInt no REsp 1.912.254/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves e AgInt no REsp 1.866.138/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/4/2021, DJe 6/5/2021.) VII - Agravo interno improvido." (g.n.) (STJ - Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.977.696-AL (2021/0363274), Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, j. 15/08/2022) Espera-se que tal julgado não seja um caso isolado5, mas a superação do antigo entendimento da Segunda Turma, com a pacificação da jurisprudência das Câmaras de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto a necessidade do incidente nos casos de efetiva desconsideração da personalidade jurídica e de formação de grupos econômicos nas Execuções Fiscais. __________ 1 Disponível aqui. 2 Recurso Especial nº 1.775.269 - PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. u., in DJe de 01/03/2019. 3 REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019. No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.866.901/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/08/2020; AREsp 1.455.240/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/08/2019; AgInt no REsp n. 1.742.004/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/12/2020. 4 O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas 0017610-97.2016.4.03.00000, julgou indispensável a instauração do incidente para a comprovação de responsabilidade tributária em execução fiscal em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto, além de inclusão de pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal. 5 Cumpre ressaltar que no AREsp nº 1861267 / RS, em Dezembro de 2.022, o Ministro Francisco Falcão, da 2ª Turma, voltou a votar no sentido de ser incompatível o incidente com a Lei de Execução Fiscal. A Ministra Assusete Magalhães pediu vistas e os autos aguardam julgamento. 
O art. 240 do CPC prevê que a citação válida, ainda que ordenada por juiz incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor. Não obstante referido caput trate dos efeitos da citação válida, o parágrafo primeiro de aludido dispositivo dispõe que "(...) a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação". Em outras palavras, os efeitos de interrupção da prescrição, embora retroajam à data da propositura da ação, são produzidos exclusivamente pelo ato judicial que determina a citação. Nesse contexto, é certo que entre os diversos atos processuais que precedem a ordem judicial de citação (a exemplo da distribuição e registro da demanda e exame dos requisitos da petição inicial) podem levar tempo, senão meses, até se consumar a efetiva ordem de comparecimento do réu para apresentação de defesa em juízo. Hipótese comum é a emenda ou aditamento da petição inicial, atos processuais esses que, somente após o Autor emendar ou aditar a petição inicial, seguida da remessa à conclusão e, finalmente, o juiz examinar e se dar por satisfeito com referida emenda, determinará então a ulterior citação. Nesse liame recentemente o STJ decidiu que para efeito de aplicação do § 1º do art. 240 supra citado, a interrupção da prescrição somente se consumará quando a petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo:  "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EMENDA À INICIAL. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional. 2. O Tribunal de origem decidiu com base nos elementos de prova dos autos que estava prescrita a pretensão, rever esse entendimento esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo a que se nega provimento. (STJ, AGInt no AREsp 2.235.620/PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 09/05/2023, v.u.)  O voto condutor, em julgamento unânime, bem elucida: (...) Conforme consignado na decisão agravada, o Tribunal de origem ao avaliar a interrupção da prescrição, baseando-se no conjunto fático-probatório dos autos, o acórdão concluiu (e-STJ, fls. 816-818):   "Verifica-se que as partes assinaram um termo de entrega da obra(mov. 1.10) em 03.10.2013 e tal prazo seria o fatal para o pagamento da última parcela conforme acordado em contrato assinado entre as partes (mov. 1.9). Ocorre que tal questão, acerca da data e que a obra foi entregue, estava controversa nos autos. Assim, após a audiência de instrução e julgamento (mov. 95.2 a95.7) a questão acerca da data que a obra foi efetivamente entregue, ficou provada, e por isso, o novo entendimento do juízo; e conclui-se que a obra foi entregue em funcionamento em 03 outubro de 2013 (mov. 1.10). Assim, a citação válida constitui em mora o devedor, com interrupção pelo despacho que a ordena, a qual retroage à data da propositura da ação (art. 240 § 1º do CPC). Então, é a citação o marco de interrupção prescricional e não o ajuizamento da ação. Ocorre que em 02.10.2018 a parte apelante ajuizou ação de protesto interruptivo de prescrição nº 0004593-88.2018.8.16.0109 perante a Vara Cível da Comarca de Mandaguari e teve que apresentar emenda à petição inicial em10/12/2018 (mov. 1.13). Ao receber a petição inicial o magistrado ordenou sua emenda, porque não foram preenchidos os requisitos do art. 319 do atual CPC, sendo que somente em 10.12.2018 o apelante apresenta a emenda e, assim, foi ordenada a citação, quando houve o acolhimento da emenda da exordial. Por ser assim, a interrupção da prescrição retroage à data da aceitação da emenda, ou seja, do reconhecimento de que a petição inicial preenche os requisitos legalmente exigidos para o desenvolvimento válido e regular do processo. (...) Friso que, entender de forma contrária seria admitir a dispensa dos requisitos legalmente exigidos para a validade da petição inicial, bastando que a parte distribua a ação antes de escoado o prazo prescricional para, depois, buscara regularização de peça inadequada de ingresso. Na espécie, como a pretensão de cobrança foi encoberta pela prescrição em 03.10.2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013), ou seja, antes da emenda à inicial dos autos nº 0004593-88.2018.8.16.0109, ocorrida em 10.12.2018, tem-se que se operou a prescrição, devendo ser extinto o processo com resolução de mérito, conforme bem decidiu o magistrado." ( Sem grifo no original). Ressalta-se que o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a interrupção da prescrição, na forma prevista no 240, §1º, do CPC/2015, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo.   Nesse sentido: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. INTUITO INFRINGENTE. FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA. 1. Os princípios da fungibilidade recursal e da economia processual autorizam o recebimento de pedido de reconsideração como agravo regimental. 2. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional. 3. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e do art. 255, §2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, requisita comprovação e demonstração, a qual não foi configurada na presente hipótese em virtude da ausência de similitude fática entre os acórdãos paradigmas e o impugnado. 4. Agravo regimental não provido." (EDcl no REsp n. 1.527.154/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/10/2015, DJe de 3/11/2015 - sem grifo no original). Dessa forma, levando-se em consideração que a prescrição ocorreu no dia 03/10/2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013) e a emenda à inicial ocorreu apenas em 10/12/2018, mister o reconhecimento da prescrição da pretensão da agravada. Em síntese, concluiu o STJ que o despacho que determina a citação é que tem o condão de gerar o efeito interruptivo da prescrição, cuja regra do § 1º do art. 240 determina a retroatividade a data da propositura da ação. Referido julgado soa acertado pois, não obstante seguir à risca a redação do § 1º acima citado, deixa de conferir qualquer margem de interpretação destinada a relativizar a aplicação do dispositivo. Aos operadores do direito fica a máxima dormientibus non succurrit jus, a evitar de distribuir a demanda no último dia ou próximo do termo ad quem do prazo prescricional, porquanto o efeito interruptivo se materializa somente mediante o ato processual que ordena a citação e, nesse ínterim diversas intempéries podem ocorrer, como a demora de distribuição ou remessa à conclusão, ou ulterior determinação de emenda ou aditamento da petição inicial, de sorte que, somente quando superadas tais etapas e aceita a petição inicial, finalmente se consumará o ato de determinação da citação, cujo um de seus efeitos reside na interrupção da prescrição.
quinta-feira, 25 de maio de 2023

Citação por meio de aplicativo de celular

Como se sabe, a citação1 é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual (CPC, art. 248, caput). Daí já é possível entender o tamanho da importância que a citação tem para o processo civil. Tanto isso é verdade que para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado (CPC, art. 239), salvo nos casos de improcedência liminar do pedido (CPC, art. 332) e indeferimento da inicial (CPC, arts. 330 e 331). Mesmo com essas exceções, o réu ou o executado, ainda que vitoriosos, são informados do resultado final do processo (CPC, art. 331, § 3º; art. 332, § 2º). Não é por acaso que esse ato de comunicação processual - a citação - é tido como um pressuposto de existência do processo2. Sem citação válida não existe processo. A forma preferencial de se realizar a citação é por meio eletrônico, de acordo com o caput do art. 246 do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 14.195/2021. Confira-se: "A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça". Da leitura do dispositivo acima não fica claro o que é considerado "meio eletrônico" e o que seria "endereço eletrônico". Seria apenas a citação por e-mail ou os aplicativos de mensagens via celular também estariam aí incluídos nessa ideia de "citação por meio eletrônico"? A resposta está na Resolução CNJ 455/2022, que em seu art. 2º, inciso I, estabelece que meio eletrônico é "qualquer forma de armazenamento, tráfego de documentos, arquivos digitais e dados". Já o inciso III do mesmo dispositivo afirma que endereço eletrônico é "toda a forma de identificação individualizada para recebimento e envio de comunicação/mensagem digital, tal como correio eletrônico (e-mail), aplicativos de mensagens, perfis em redes sociais, e o Domicílio Judicial Eletrônico". Apesar de a Resolução CNJ 455/2022 afirmar que "endereço eletrônico" podem ser "e-mail, aplicativos de mensagens e perfis em redes sociais" no inciso III do art. 2º, o art. 18 da mesma norma impõe um meio exclusivo para a citação por meio eletrônico. Veja-se: "Art. 18. A citação por meio eletrônico será realizada exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico, nos termos do art. 246 do CPC, com exceção da citação por Edital, a ser realizada via DJEN" (grifos nossos). Portanto, para o CPC e para a Resolução CNJ 455/2022, a citação por meio eletrônico somente pode ser feita pelo Domicílio Judicial Eletrônico. E o que é isso? Pois bem, mais uma vez devemos nos socorrer do site do CNJ, tendo em vista que esta é uma pergunta frequente: "É um módulo que centraliza as comunicações processuais, como citações e intimações, de todos os tribunais brasileiros em um só local"3. Infelizmente, o Domicílio Judicial Eletrônico, tal qual descrito acima ainda não existe (ainda). A Portaria CNJ n. 29, de 09.02.2023, que "divulga os requisitos técnicos mínimos exigidos para a transmissão eletrônica dos atos processuais destinados ao Domicílio Judicial Eletrônico e dá outras providências", estabeleceu em seu artigo 2º, um prazo de 90 (noventa) dias para os órgãos do Poder Judiciário, exceto o Supremo Tribunal Federal, para adequar seus sistemas processuais eletrônicos, de modo a viabilizar a utilização do Domicílio Judicial Eletrônico. Lamentavelmente, tal prazo não foi observado e foi publicada recentemente a Portaria CNJ n. 129, de 12.05.2023, prorrogando, "impreterivelmente", por mais 90 (noventa) dias, o prazo a que se refere o artigo 2º da Portaria CNJ n. 29/2023. E mais, o CNJ informa por meio de seu site que "a liberação do Domicílio Judicial Eletrônico ocorrerá de modo faseado, com um cronograma específico de acordo com o público-alvo"4. De acordo com o CNJ, a liberação do Domicílio Judicial Eletrônico priorizará em primeiro lugar as instituições financeiras que têm um prazo final para cadastro no sistema até 15.08.2023, depois as demais instituições privadas, em seguida as instituições públicas e, por último, as pessoas físicas5. Assim, enquanto não há Domicílio Judicial Eletrônico, que seria a forma exclusiva para realização de citação por meio eletrônico nos termos do art. 18 da Resolução CNJ 455/22, combinada com o art. 246, do Código de Processo Civil, o que tem prevalecido para o cidadão comum é a total insegurança jurídica. Em alguns julgados, é aceita a citação por meio de e-mail informado previamente pelo destinatário da comunicação processual. Em outros julgados, também é aceita a citação por meio de aplicativos de mensagens (por exemplo, "Whatsapp") utilizados pelos Srs. Oficiais de Justiça durante suas diligências, ao arrepio do comando do art. 18 da Resolução CNJ 455/22 e do § 1º-A do art. 246 do CPC que determina que a citação deve ser exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico e, se não houver confirmação do seu recebimento por parte do citando em 3 (três) dias, outro meio de citação deve ser utilizado (pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria ou por edital, nesta ordem). A título meramente ilustrativo, vale mencionar decisão da 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2210378-65.2021.8.26.0000, considerou que: "Com as alterações promovidas recentemente pela Lei 14.195/2021 ao art. 246 do CPC/2015, a citação será feita  preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça, do que deflui a necessidade de expressa anuência, com a indicação do endereço eletrônico pelo citando, que deverá confirmar o recebimento, sob pena de realizar-se a citação pelos meios convencionais (art. 246, § 1º, CPC/2015)". Ou seja, acertadamente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nesta oportunidade, aplicou o art. 256, § 1º, do CPC, determinando que a citação deveria ser realizada na forma que está ali preconizada. Por outro lado, 37ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar, em 24.09.2021, o agravo de instrumento n. 2212821-86.2021.8.26.0000, afirmou que: "Assim sendo, seja pela atual redação do CPC, art. 246, seja pela normativa emanada do c. CNJ e do e. TJSP, a citação por meio eletrônico pressupõe indicação pelo citando de seu endereço eletrônico em bancos de dados ou convênio do Poder Judiciário". Todavia, apesar dessa passagem, o respectivo v. acórdão permitiu a citação por e-mail, diante das particularidades do caso concreto, por entender que: "No caso dos autos, o agravante alega que o coexecutado '(...) está em constante contato com o (...) por e-mail e WhatsApp, todos respondidos normalmente, inclusive tratando dos seus débitos e deste processo, pedindo documentos etc.' (fls. 8), tendo trazido para tanto cópia do email (...), em que ele enviou mensagem a prepostos do (...) em 23/06/2021 (fls. 9) e foi respondido em 23/07/2021 (fls. 9). Desse modo, por considerar que a parte se utiliza desta via para se comunicar com o Banco, tem-se como possível a citação do coexecutado (...)através do e-mail (...) indicado pelo agravante". Ou seja, em outra ocasião, o mesmo Tribunal decidiu de maneira diferente aceitando a citação por meio de aplicativo de mensagens ("WhatsApp"), "por considerar que a parte utiliza desta via para se comunicar com o Banco", então autor da demanda, contrariando o art. 246, do CPC, que determina a citação por outros meios quando não confirmado o recebimento da mensagem eletrônica pelo seu destinatário. Com o devido respeito, urge levar em consideração que vivemos em um país caracterizado pela pobreza, pela violência, cujo desempenho na área da educação ocupa os últimos lugares em qualquer "ranking" internacional que tenta avaliar nosso sistema escolar, onde milhares de pessoas vivem na miséria sem saber quando e qual será a próxima refeição. Se o destinatário da citação não sabe lidar com maestria com um aplicativo de mensagens ("WhatsApp", "Signal", "Telegram", "Messenger" etc.), se não é totalmente alfabetizado, se não tem dinheiro para comprar um celular ou pagar um pacote de dados para uma operadora de celular, se não é letrado em informática e não sabe sequer o que é um "PDF", como fica a situação dessa pessoa que recebeu uma mensagem do Poder Judiciário? Como garantir que foi ela que abriu a mensagem ou se não foi algum terceiro? Aliás, já ocorreu para alguém que há aparelhos de celular compartilhados por mais de uma pessoa da mesma família ou comunidade? Tudo isso sem esquecer que o § 4º do art. 246 impõe que "as citações por correio eletrônico serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante". Em outras palavras, não basta comunicar que um pedido de tutela jurisdicional foi formulado contra o citando, mas também é de rigor que se oriente o destinatário da mensagem sobre as providências que ele pode tomar e as consequências no caso de omissão. Nesse contexto, a pessoa que será citada tem o direito de saber qual o teor da comunicação processual e quais as consequências deverá suportar na hipótese de não responder ao chamado do Poder Judiciário. E mais, tem o direito de ser devidamente identificada e de confirmar o recebimento para mostrar que foi ela quem recebeu e leu a mensagem e não um terceiro. Sem que isso seja garantido ao cidadão, está flagrantemente violado o direito à ampla defesa e ao contraditório insculpidos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. A consequência última é a nulidade do ato praticado, ou melhor, a inexistência do processo. __________ 1 Como esta Coluna está dedicada ao processo civil, não trataremos da citação no processo penal, que tem sido aceita na forma de comunicação por meio de aplicativos de celular, observados alguns requisitos, como se depreende da ementa de julgado abaixo transcrita: "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL CONTRA VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A, CAPUT) MAJORADO (CP, ART. 226, INC. II), EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71, CAPUT). ESTUPRO QUALIFICADO (CP, ART. 213, § 1º), MAJORADO (CP, ART. 226, INC. II). CONCURSO FORMAL (CP, ART. 69). CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. APLICATIVO DE CELULAR WHATSAPP. EXCEPCIONALIDADE. ESTADO PANDÊMICO. ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A PROTEÇÃO DO CIDADÃO E PARA O ACESSO AO JUDICIÁRIO. PROSSEGUIMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS DE FORMA ELETRÔNICA. REGULAMENTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO RÉU. INDICAÇÃO DE TODO O PROCEDIMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DO AGRAVANTE. CITAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 5. O Tribunal de origem deixou bem registrado que, no caso concreto, foram observadas todas as diretrizes previstas para a prática do ato, sendo a lisura da citação do paciente pelo aplicativo WhatsApp demonstrada ao menos pelos seguintes elementos: número telefônico fornecido pelo concunhado; confirmação da sua identidade por telefone pelo oficial de justiça quando da citação e certificação realizada por ele; utilização do mesmo número de telefone para confirmação de sua identidade, com posterior comparecimento para interrogatório, pela autoridade policial; anuência quanto à realização do ato; informação de que o réu não possuía condições para contratação de profissional para patrocinar sua defesa, de modo que foi nomeada a Defensoria Pública. (...) (AgRg no HC n. 685.286/PR, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022, grifos nossos) 2 Cassio Scarpinella Bueno, "Curso Sistematizado de Direito Processual Civil", v. 1, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 2022, p. 345-347. 3 Fonte: CNJ. Acesso em 24.05.2023. 4 Fonte: CNJ. Acesso em 24.05.2023. 5 Idem.
Cândido Rangel Dinamarco1 destaca que a execução civil consiste em uma "cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material".2 E a execução, nos termos dos artigos 4º e 8º do CPC/15, deve ser efetiva e eficiente, entregando-se ao autor, em tempo oportuno, o bem da vida que lhe é devido em virtude do previsto em título executivo. A força motriz da execução civil é a busca de satisfação do direito do exequente, "e não a definição, para o caso concreto, do direito de uma das partes. Isto é, não é objetivo da execução forçada determinar quem tem razão. Pode-se dizer, assim, que, visualizada a tutela jurisdicional como resultado, na execução forçada tal ocorrerá, normalmente, com a entrega do bem devido ao exequente".3 A máxima eficiência e a célere e efetiva realização do direito material devido ao credor, com a oportuna satisfação do que lhe é devido, seguindo o princípio do devido processo legal, é a tônica da execução por quantia certa contra devedor solvente. Os atos executivos devem ser praticados no interesse do credor e para satisfazer o seu crédito4. Como observa Cássio Scarpinella Bueno5, o princípio do resultado tem íntima ligação com o art. 805 do CPC/15, o qual estabelece o conhecido princípio da menor onerosidade do devedor; que prevê textualmente que quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso. Cabe, contudo, ao executado indicar precisamente outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já deferidos pelo magistrado. Apresenta-se aqui o desafio de obter-se a uma execução equilibrada, voltada a satisfazer os interesses do credor, mas com o cuidado de não atropelar as garantias do devido processo legal que possam ser invocadas pelo devedor. Também se convida o magistrado a verificar o caso concreto e observar, dentro do princípio do resultado e da busca da máxima eficiência em benefício do credor, como garantir que o devedor não tenha sua dignidade ferida e não sofra além do estritamente necessário a coerção inerente ao processo de execução.  O que é certo é que o moderno processo civil é voltado à efetiva realização do direito material devido ao seu titular; de tal sorte que o art. 805 do CPC não pode ser utilizado pelo devedor como escudo para não pagar o que é devido ao credor. Como lembra Cândido Rangel Dinamarco6, as preocupações com art. 805 do CPC: "não devem, todavia, abrir espaço para exageros nem seria aceitável que pudessem conduzir ao comprometimento da efetivação da tutela executiva em nome de um suposto direito do devedor a resistir incontroladamente ao exercício da jurisdição". Para o professor, não se pode "crucificar o devedor, e muito menos aquele infeliz e de boa-fé..., que não paga porque não pode; nem também relaxar o sistema e deixá-lo nas mãos de caloteiros e chicanistas que se escondem e protegem sob o manto de regras e sub-regras processuais e garantias constitucionais manipuladas de modo a favorecê-los em sua obstinação a não adimplir (...); amenizar sim, privilegiar não. Este é o espírito do art. 620 do Código de Processo Civil". E é exatamente com esse espírito que o Superior Tribunal de Justiça, em alguns julgados, desde que observado o princípio da dignidade da pessoa humana, começou a relativizar o comando da impenhorabilidade do salário; cuja constrição, nos termos do artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15, era permitida em apenas algumas hipóteses legalmente previstas: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IMPENHORABILIDADE. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORA. SUBSISTÊNCIA E DIGNIDADE. EFETIVIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ. SITUAÇÃO CONCRETA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. A impenhorabilidade do salário pode ser mitigada, não só nas hipóteses expressamente previstas no art. 833, §2º, CPC, mas em qualquer caso no qual se verifique a ausência de prejuízo à manutenção do mínimo existencial e à subsistência do devedor e de sua família. 2. Se, de um lado, os princípios da menor onerosidade e da dignidade da pessoa humana visam a impedir a execução abusiva, por outro lado também cabe à parte executada agir de acordo com os princípios da boa-fé processual, da cooperação e da efetividade do processo. 3. A situação financeira concreta do devedor foi expressamente abordada no acórdão e a modificação do entendimento adotado demandaria a reapreciação de matéria fático-probatória, o que não é possível em sede de recurso especial. Súmula 7/STJ. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO". (AgInt no REsp 2021507 / SP, 3ª. Turma, j. 27/03/2023, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO).  "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE PERCENTUAL DA REMUNERAÇÃO. PAGAMENTO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DIGNA DO DEVEDOR. ACÓRDÃO EM PERFEITA HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, "embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora de salário com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna do devedor e sua família". Incide, no ponto, a aplicação do óbice da Súmula 83/STJ. 2. A modificação da conclusão a que chegou Tribunal de origem pelo cabimento da penhora de percentual da remuneração do executado - ao entendimento de que, no caso concreto, seria preservada a dignidade e subsistência do devedor e sua família - exigiria o reexame do conjunto fático-probatório acostado aos autos, o que não se admite no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento". (AgInt no REsp 1975476 / PR, 3ª. Turma, j. 11/04/2022, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE). E, mais recentemente, no julgamento dos Embargos de Divergência EREsp nº 1874222 / DF, da relatoria do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a penhora de salário, além das hipóteses previstas no artigo 833, parágrafo segundo, do CPC/15: "O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado"; e "Para o relator, o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade"; e "O ministro afirmou que esse juízo de ponderação deve ser feito à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade. 'A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família, disse. Dessa forma, o relator entendeu que é possível a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família."7 Vale lembrar que a realidade da execução civil no Brasil demonstra um cenário enorme de desafios para que possamos atingir a tão almejada efetividade processual prevista no CPC/15. Diante disso, naturalmente, a cuidadosa recente orientação da Corte Especial, em nome de uma execução equilibrada, e sem prejuízo do artigo 805 do CPC/15, está em sintonia com a busca do respeito aos comandos dos artigos 4º. e 8º. do diploma processual. __________ 1 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução civil. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 120. 2 Moacyr Amaral Santos doutrina que a execução é "o processo pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por base um título (...), empregando medidas coativas, efetiva e realiza a sanção. Pelo processo de execução, por meio de tais medidas, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor. A execução, portanto, é a atuação da sanção inerente ao título executivo". (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268). 3 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2ª. ed.  São Paulo: RT, 2004. p. 34. 4 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 311. 5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62. v. 3.  6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Menor Onerosidade e Efetividade da Tutela Jurisdicional. In: Nova Era do Processo Civil. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 296-297 e p. 302 e p. 305. 7 Disponível aqui. Acesso em 30.04.2023.