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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Daniel Penteado de Castro O chamado microssistema dos Juizados Especiais é composto, originariamente, pelo Juizados Especiais Estaduais Comuns (lei 9.099/95), seguido dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal (lei 12.153/2009) e Juizados Especiais Federais (lei 10.259/2001). Sob a perspectiva de proporcionar maior acesso à Justiça ao jurisdicionado, os Juizados Especiais são informados pelos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, sem prejuízo de se buscar, sempre que possível a conciliação ou transação dos interesses em litígio1. E com vistas a se atingir o escopo de tais princípios, o microssistema dos Juizados Especiais é eivado de determinadas limitações procedimentais ou restrição ao cabimento de recursos, sendo reservado, para as Cortes Superiores, somente o cabimento de recurso extraordinário2. A par de referida limitação de acesso às Cortes Superiores, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 a reclamação constitucional prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, passou a ser admitida no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, matéria esta que foi regulamentada pela Resolução 12/2009, do STJ, cuja finalidade de referida reclamação se destinava, conforme art. 1º de aludida resolução a "(...) dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C, do Código de Processo Civil (...)". De sorte que, o CPC/2015 introduziu algumas modalidades de precedentes de elevada persuasão, a rigor das decisões prolatadas em incidente de assunção de competência e no incidente de resolução de demandas repetitivas. Resta saber se tais modalidades de precedentes, uma vez violados, também desafiam o manejo da reclamação, muito embora inexista previsão na aludida resolução 12/2009, do STJ. A resposta é afirmativa. Em recente decisão, o STJ entendeu que tais precedentes, quando violados, também desafiam o cabimento de reclamação, reclamação esta fundada na resolução 03/2016 do STJ (revogadora da Resolução n. 12/2009), editada em adaptação ao regime do CPC/2015. "AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE LEI FEDERAL. CONDENAÇÃO POR LESÃO CORPORAL LEVE (129, CAPUT, CP) E AMEAÇA (ART. 147, CP). DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO ENTRE TURMAS RECURSAIS. INEXISTÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR TAIS DIVERGÊNCIAS POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 18 DA LEI 12.153/2009 LIMITADA A DECISÕES DE JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. 1. Conforme assentado pela Primeira Seção do STJ, no julgamento do RCD na Rcl 14.730/SP (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 24/02/2015), o sistema para processo e julgamento de causas em juizados especiais é composto por três microssistemas: a) Juizados Especiais Estaduais Comuns, instituídos pela Lei 9.099/1995; b) Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei 10.259/2001 e c) Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, instituídos pela Lei 12.153/2009, cada um deles submetido a regras processuais e procedimentais específicas, no que toca a recursos e ao mecanismo de uniformização de jurisprudência. 2. Apenas as leis que dispõem sobre Juizado Especial Federal (Lei 10.259/2001) e sobre Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) trouxeram em seus textos a possibilidade de se efetuar Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal perante o STJ nos artigos 14, § 4º, da Lei 10.259/2001 e 18, § 3º, e 19, caput, da Lei 12.153/2009. 3. O Pedido de Uniformização de Lei Federal proposto perante o Superior Tribunal de Justiça somente existe, portanto, no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Federais e no dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e apenas em duas hipóteses: (1) Interpretação de lei federal dissonante entre Turmas Recursais de diferentes Estados; e (2) Decisão de Turma de Uniformização que contrariar súmula do STJ. 4. Para suprir a lacuna da uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados especiais comuns, o Superior Tribunal de Justiça editou resolução, admitindo o manejo da Reclamação. Quando ainda vigorava o CPC de 1.973, a Resolução STJ n. 12/2009 admitia que fosse dirigida Reclamação a esta Corte quando decisão de Turma Recursal estadual ou do Distrito Federal a) afrontasse jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo; b) violasse súmula do STJ; ou c) fosse teratológica. 5. No entanto, após o advento do CPC/2015, a Resolução n. 12/2009 foi revogada e substituída pela Resolução n. 03/2016 que, em seu art. 1º, restringiu o cabimento da Reclamação dirigida a esta Corte à hipótese de decisão de Turma Recursal Estadual (ou do DF) que contrariar jurisprudência do STJ consolidada em a) incidente de assunção de competência; b) incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); c) julgamento de recurso especial repetitivo; d) enunciados das Súmulas do STJ; e) precedentes do STJ. 6. Assim sendo, a hipótese de divergência de entendimento jurisprudencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados não desafia o manejo de Pedido de Uniformização de Lei Federal perante o STJ. 7. Remanescem, entretanto, duas vias abertas ao jurisdicionado para discussão da matéria decidida em sede de Turmas Recursais de Juizados Especiais Comuns: a Reclamação fundada na Resolução n. 03/2016 que demonstre que a decisão da Turma recursal contraria a jurisprudência do STJ consolidada em julgamento de recurso especial repetitivo ou em precedentes do STJ; e o habeas corpus dirigido ao Tribunal de Justiça respectivo. 8. Agravo regimental a que se nega provimento". (STJ, AgRg nos EDEcl no PUI n. 694/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, v.u., DJE 2/4/2018) Muito embora a Resolução n. 03/2016 preveja a competência de processamento da reclamação destinada "(...) às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça", é certo que a ampliação do rol de manejo de aludida reclamação caminha de acordo à obediência de determinados precedentes introduzidos pelo CPC/2015. Ainda, a rigor do quanto disposto no art. 926, do CPC/2015, no sentido de determinar que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integral e coerente, tal regra também se aplica no âmbito dos Juizados Especiais, sendo necessário e aceito, por vezes, o cabimento da reclamação constitucional. __________ 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. II. 51. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 640. 2 Nesse sentido foi o entendimento firmado pelo STF (STF, Pleno, Recl. 460/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, ac. 29.06.1994, DJU 09.12.1994). Posteriormente, o art. 15, da lei 10.259/2001, passou a disciplinar o cabimento de recurso extraordinário nos Juizados Especiais Federais, recurso esse de semelhante previsão no plano do Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 21 da lei 12.153/2009).
André Pagani de Souza A lei 13.105/2015 (CPC/2015) conferiu nova disciplina para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em seu art. 85 e seus dezenove parágrafos. No que diz respeito aos recursos, o § 11 do art. 85 dispõe que: "O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal (...)"1. A novidade dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em grau de recurso reside no fato de ser obrigatória a majoração dos honorários advocatícios fixados anteriormente. Tanto isso é verdade que o § 3º do art. 20 da lei 5.925/1973 (CPC/1973) não impunha a majoração dos honorários advocatícios por parte do Tribunal quando do julgamento de um recurso, desde que observados os limites mínimo de 10% (dez por cento) e máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação. Diante disso, o que se pode considerar como inovação é que a majoração dos honorários passou ser um dever a cargo do Tribunal2, na hipótese de se negar provimento ou rejeitar recurso interposto de decisão que já havia fixado honorários advocatícios sucumbenciais a favor do recorrido em patamar inferior ao teto máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, limite esse que foi mantido pelo § 2º do art. 85 do CPC/20153. Assim, caso o recurso seja rejeitado, é de rigor que ocorra a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais que, somados, não podem ultrapassar o teto de 20% (vinte por cento) do valor da condenação à luz do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 85 do CPC/2015. Sobre o tema, Rogério Mollica já se manifestou nesta coluna em 23/11/2017, no texto "Ainda sobre a sobre a sucumbência recursal vista pelos tribunais"4, no qual destacou que o Superior Tribunal de Justiça buscou uniformizar a interpretação do § 11 do art. 85 do CPC/2015 por meio de julgado assim ementado: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA. PRESCRIÇÃO. REPARAÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. ACÓRDÃO EMBARGADO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO CABIMENTO. DECISÃO MANTIDA. (...) 5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017, grifos nossos)" Questão importante diz respeito à hipótese de não terem sido fixados honorários advocatícios na decisão recorrida. Se isso não acontecer, não há que se falar em fixação de honorários em sede recursal, pois o § 11 do art. 85 trata da majoração de honorários e não da fixação ou arbitramento de honorários em sede recursal. Ou seja, só é possível majorar algo que já existe. Portanto, se não existem honorários fixados na decisão recorrida, em sede recursal não faz o menor sentido falar em majorar. O raciocínio acima exposto é o que foi consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso cuja ementa está acima transcrita. Em outras palavras, deve haver "condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que foi interposto o recurso" para se aplicar o § 11 do art. 85 do CPC/2015. O mesmo raciocínio foi empregado em recente julgado, agora do Supremo Tribunal Federal. Confira-se: "AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO DO TRABALHO. ART. 791-A DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, INTRODUZIDO PELA LEI 13.467/2017. INAPLICABILIDADE A PROCESSO JÁ SENTENCIADO. 1. A parte vencedora pede a fixação de honorários advocatícios na causa com base em direito superveniente - a lei 13.467/2017, que promoveu a cognominada "Reforma Trabalhista". 2. O direito aos honorários advocatícios sucumbenciais surge no instante da prolação da sentença. Se tal crédito não era previsto no ordenamento jurídico nesse momento processual, não cabe sua estipulação com base em lei posterior, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STF, 1ª Turma, ARE 1014675 AGR / MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 23.03.2018, negaram provimento, v.u.) O que mais importa para o tema em questão, entretanto, não está na ementa acima transcrita, mas sim no corpo do julgado. É que, no caso concreto, o recorrente pedia, em sede recursal, o arbitramento de honorários de sucumbência recursal com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015. Porém, o art. 791-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzido pela Lei n. 13.467/2017 ("Reforma Trabalhista"), que estabelece os honorários de sucumbência nas reclamações trabalhistas, não estava em vigor na época em que foi proferida a decisão recorrida e portanto não foram fixados na origem. Assim, decidiu o Supremo Tribunal de Federal - em harmonia com o que já havia decidido o Superior Tribunal de Justiça - que não é possível fixar honorários sucumbenciais recursais se não houve arbitramento de honorários de sucumbência na decisão recorrida. O entendimento acima exposto pode ser extraído do seguinte trecho do acórdão acima mencionado da lavra do Min. Alexandre de Moraes: "(...) A ora agravante postula a aplicação da norma neste caso, de modo que a parte adversa seja condenada a lhe pagar honorários de advogado. Sem razão, contudo. O direito aos honorários advocatícios sucumbenciais surge no instante da prolação da sentença. Se tal crédito não era previsto no ordenamento jurídico nesse momento processual, não cabe sua estipulação com base em lei posterior, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. Tampouco cabe aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 2015, no tocante ao arbitramento dessa verba em fase recursal, na medida em que tal prática pressupõe previsão de honorários na origem, o que não se verifica no caso" (destacamos). Em suma, o Supremo Tribunal Federal veio confirmar, mais uma vez, aquilo que já havia decidido o Superior Tribunal de Justiça: o art. 85, § 11, do CPC/2015, somente pode ser invocado para majorar honorários advocatícios em sede recursal se eles foram arbitrados na origem. __________ 1 Daniel Penteado de Castro já tratou do tema nesta coluna em 24/8/2017, ao escrever sobre a visão dos tribunais acerca dos honorários advocatícios em grau recursal, conforme acesso em 17/4/2018. 2 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno expõe que "é pertinente também questionar se a majoração é um dever a cargo do Tribunal. A resposta mais adequada parece ser positiva, observados, à falta de autorização expressa em sentido contrário, os limites do § § 2º e 3º do art. 85" (Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 149). 3 Vale notar, como ensina José Miguel Garcia Medina, que, se for dado provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida, haverá a inversão dos honorários advocatícios sucumbenciais e não a majoração: "Havendo reforma da sentença em grau de recurso, inverte-se o ônus da sucumbência (...). Caso o recurso seja rejeitado, dispõe o art. 85, § 11, do CPC/2015, que o tribunal majorará os honorários fixados anteriormente. Consideramos correta a opção do CPC/2015, já que a sentença, ao fixar honorários, terá considerado o trabalho realizado até então, não tendo o juiz da causa como antever se haverá ou não recurso, e qual será o trabalho realizado nesta fase" (Novo código de processo civil comentado, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 186). 4 Ainda sobre a sucumbência recursal vista pelos tribunais. (Acesso em 17/4/2018).
Elias Marques de Medeiros Neto Como já abordado nesta coluna, o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 define o negócio processual da seguinte forma: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191". Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Não há dúvida que há clara divergência doutrinária e jurisprudencial sobre os limites para o manejo do negócio processual atípico. O Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC traça algumas hipóteses interessantes para a aplicação do artigo 190 do CPC/15: "São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba)". A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, por sua vez, já destacou hipóteses em que o uso do artigo 190 do CPC/15 não seria autorizado: "A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei. São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação. Somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica (arts. 190 e 191 do CPC/2015)"3. A recente Portaria 33/2018 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. Merece aplausos o artigo 38 da Portaria 33/2018 da PGFN que autoriza expressamente a Fazenda Pública a celebrar negócios processuais, com vistas a promover o recebimento do crédito: "Art. 38. O Procurador da Fazenda Nacional poderá celebrar Negócio Jurídico Processual visando a recuperação dos débitos em tempo razoável ou obtenção de garantias em dinheiro, isoladamente ou em conjunto com bens idôneos a serem substituídos em prazo determinado, inclusive mediante penhora de faturamento, observado o procedimento disposto no regulamento expedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional". Não é demais lembrar que a resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público também estimula as convenções processuais: "Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta". E, recentemente, apesar do que prevê o artigo 2, II, da Instrução Normativa n. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, a Terceira Turma do TST, no julgamento do Recurso de Revista 0147300-49.2012.5.13.0004, tendo sido Relator o Ministro Alexandre de Souza Agra, com acórdão publicado em 27/10/2017, considerou válida a convenção processual atípica para autorizar o uso de prova emprestada. Veja-se: "RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Configura-se a negativa de prestação jurisdicional se a parte não consegue, não obstante provocação mediante embargos de declaração, obter do órgão jurisdicional pronunciamento sobre aspecto essencial ao deslinde da controvérsia que não constitua inovação recursal ou matéria preclusa, como forma de homenagear o princípio da motivação, elevado ao nível constitucional, constante do art. 93, IX. No caso em análise, da decisão a quo entende-se, perfeitamente, que o pleito de horas extras foi deferido conforme a prevalência da prova do autor sobre a da reclamada, conforme o princípio da convicção motivada, restando registrado que não havia a figura do repouseiro. Ademais, improcede a alegação de prática de falso testemunho a inquinar de nula a prova uma vez que houve negócio processual, pois as partes dispensaram a oitiva de testemunhas e concordaram com a juntada da ata do dia 09.04.2013, extraída dos autos do processo nº 1221/2012-3, a ser utilizada como prova emprestada. Assim, não poderia a parte inquinar de nula a decisão, por suposta alegação de falso testemunho, se ela mesma fez negócio processual no sentido de que a Ata do processo em epígrafe fosse utilizada no presente processo como prova emprestada. Incólume o art. 93, IX, da CR/88. Recurso de revista não conhecido. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. O julgador analisou a prova e chegou à conclusão de que deveria dar prevalência à prova do autor, seja porque as fichas ministeriais e demais documentos colacionados são inservíveis como prova de jornada de trabalho, seja porque prevaleceu a prova do autor em detrimento da produzida pela reclamada, concluindo pela existência das horas extras declinadas, conforme autorização do art. 131 do CPC de 1973 (371 do CPC/2015). Incólumes, portanto, os arts. 74, §§ 1º, 2º e 3º e 818 da CLT e 333, I, do CPC de 1973. Não há falar em contrariedade à Súmula nº 338, I, II e III, do TST, pois ainda que se admita que os denominados cartões ministeriais sejam equivalentes aos cartões de ponto previstos na CLT para o controle de jornada, tais constituiriam apenas uma presunção relativa em favor do empregador, que restaria superada pela prova que militou pelo reclamante, que foi tida como suficiente a formar a convicção do julgador em detrimento dos documentos apresentados pela reclamada. Os arestos colacionados são inservíveis ao fim colimado, porque partem de premissas não reconhecidas em sede regional, como prova testemunhal contraditória, depoimento de única testemunha, não comprovação do alegado pela prova testemunhal e prova dividida, enquanto em sede regional o julgador se convenceu da prova apresentada pelo autor como idônea ao convencimento dos fatos alegados (art. 131/CPC/1973). Incidência da Súmula nº 296, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. MULTA DO ART. 475 - J DO CPC/1973 (art. 523 do CPC/2015). INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. A controvérsia não demanda mais discussões nesta Corte Superior que resolveu, mediante decisão do Tribunal Pleno, em incidente de recursos repetitivos, IRR-1786-24.2015.5.04.0000, em sessão realizada no dia 21/8/2017, que A multa coercitiva do artigo do artigo 523, parágrafo 1º do CPC (antigo artigo 475 - J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplica. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 880 da CLT e provido. CONCLUSÃO: Recurso de revista parcialmente conhecido e provido"(g.n.). O Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no artigo 190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 3 Enunciados aprovados.
quinta-feira, 5 de abril de 2018

A multa do artigo 1021, § 4º e o STJ

Rogerio Mollica O novo Código de Processo Civil procurou evitar a interposição de recursos meramente protelatórios e que sejam contrários ao entendimento consolidado dos Tribunais Superiores. Litigar e recorrer ficou mais caro. Já vimos em artigos anteriores, a sucumbência recursal e sua aplicação pelo tribunais. Faz-se necessária agora a análise das multas, que são o outro alicerce em que se baseia o novo CPC para evitar os recursos meramente protelatórios. Dentre as multas destaca-se a prevista no artigo 1.021, § 4º do novo CPC: "Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa". Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa foi enfático ao defender uma maior penalização aos recursos meramente protelatórios: "Um dos maiores problemas da sistemática recursal brasileira é a enorme permissibilidade no tocante às impugnações desprovidas de fundamento. A despeito da existência de meios inibitórios, os tribunais não se valem, como deveriam, dos poderes instituídos na norma. É raro encontrar uma decisão em que o litigante que se utilizou de recurso com claro intuito protelatório suporta a condenação da multa pela litigância de má-fé. Muito embora a fixação de honorários na fase recursal se desvele uma mudança positiva, não tem o escopo de punir e arrefecer os ânimos do recorrente malicioso. O freio à litigância temerária só será efetivo quando os tribunais agirem contundentemente para coibir esse tipo de prática". (Código de Processo Civil Comentado, coord. Helder Moroni Câmara, São Paulo: Almedina, 2016, p. 1.358) Entretanto, da mesma forma que devem ser punidos duramente os recursos meramente protelatórios, é necessário que se fixem critérios mais objetivos para a fixação da referida multa. De fato, a colegialidade é necessária para a interposição dos recursos extraordinário e especial, já que é necessário o prévio esgotamento das instâncias ordinárias. Ademais, hoje temos uma frágil colegialidade dos julgados, sendo que quase a totalidade dos julgamentos se dão por votação unânime. Portanto, a unanimidade1 não pode ser um bom critério para se saber se um recurso é meramente protelatório ou não. Desse modo, o termo manifestamente guarda relação tanto com a inadmissibilidade, como com a improcedência. Nesse sentido é o Enunciado nº 3582 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Outro não é o entendimento de Luis Guilherme Bondioli Aidar: "Por isso, o advérbio "manifestamente" é essencial para a avaliação da conduta do agravante. Apenas agravos evidentemente inadmissíveis ou evidentemente improcedentes devem levar à punição do recorrente. Perceba-se que o advérbio "manifestamente" guarda relação tanto com a inadmissibilidade quanto com a improcedência do agravo interno; recurso meramente inadmissível ou meramente improcedente não autoriza a punição do agravante"3. Por outro lado, manifestamente inadmissível ou improcedente é um termo vago e que causa dúvidas aos operadores do direito. Os julgados que aplicam a multa do artigo 1.021, § 4º do Novo CPC também muitas vezes não conseguem elucidar critérios mais objetivos para a fixação da multa: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. AGRAVO INTERNO NA ORIGEM COM REITERAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. DESATENDIMENTO DO ÔNUS DA DIALETICIDADE. APLICAÇÃO DE MULTAS PROCESSUAIS. RECOLHIMENTO PRÉVIO INEXISTENTE. PRESSUPOSTO RECURSAL NÃO OBSERVADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A multa aludida no art. 1.021, §4.º, do CPC/2015, não se aplica em qualquer hipótese de inadmissibilidade ou de improcedência, mas apenas em situações que, como a presente, se revelam qualificadas como de manifesta inviabilidade de conhecimento do agravo interno ou de impossibilidade de acolhimento das razões recursais porque inexoravelmente infundadas.2. A não comprovação, no momento da interposição do recurso especial, do prévio recolhimento da multa do § 4º do art. 1.021 do CPC, imposta pelo Tribunal de origem, implica o seu não conhecimento, por se tratar de pressuposto de admissibilidade do apelo nobre. Precedentes.3. Considerando o caráter inibitório do exercício irresponsável de recorrer inerente às multas processuais, a Lei 1.060/50 não isentou nem mesmo os beneficiários da assistência judiciária gratuita de seu pagamento, devendo este ocorrer ao final do processo nos termos do § 5º do artigo 121 do CPC/2015.4. Agravo interno não provido". (g.n.) (AgInt no AREsp 1173359/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 12/03/2018) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE.MANIFESTO DESCABIMENTO. SIMPLES PETIÇÃO. ENUNCIADO DE SÚMULA.VERIFICAÇÃO "IN CONCRETO". AUTOMATIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER. IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA. COMINAÇÃO DE MULTA.1. O controle difuso de constitucionalidade faz-se como exceção deduzida no contexto de uma ação, contestação, ou ainda de um recurso, mas não simplesmente como petição avulsa, que encerra em si apenas a pretensão do controle difuso e nada mais, muito menos quando o objeto do controle é um enunciado de súmula. Inteligência do art. 480 do CPC/1973 e do art. 948 do CPC/2015.2. Nos casos concretos em que o intuito meramente procrastinatório da parte surge patente, verificando-se um exercício automatizado do direito de recorrer sem a mínima atenção aos ensinamentos comezinhos da processualística civil, e quando verificar-se que a pretensão recursal é completamente infundada, é cabível a cominação da multa aludida no art. 1.021, §§ 4.º e 5.º, do CPC/2015.3. Agravo interno não conhecido, com a condenação do agravante ao pagamento de multa de cinco por cento sobre o valor atualizado da causa, em razão do reconhecimento do caráter de manifesta improcedência." (AgInt na PET nos EAREsp 589.461/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 05/03/2018) Entretanto, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça acabou citando critérios mais objetivos para definir o que seria um recurso manifestamente inadmissível ou improcedente: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.INOCORRÊNCIA. ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRICIONAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REINTEGRAÇÃO AO CARGO DE ANISTIADO. DEMORA DA ADMINISTRAÇÃO. TERMO INICIAL. PUBLICAÇÃO DOS DECRETOS N. 1.498/95 E 1.499/95. SÚMULA 83/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO FUNDAMENTADA NAS SÚMULAS 83 E 568/STJ (PRECEDENTE JULGADO SOB O REGIME DA REPERCUSSÃO GERAL, SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS OU QUANDO HÁ JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA SOBRE O TEMA). MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CABIMENTO.I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. III - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual considera-se como termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória, por suposto dano em razão da demora da Administração Pública Federal proceder à reintegração ao cargo ou readmissão ao emprego de anistiados pela Lei n. 8.878/94, o dia 25.05.1995, data de publicação dos Decretos ns. 1.498/95 e 1.499/95, que suspenderam os procedimentos de anistia.IV - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula 83/STJ. V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.VI - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação.VII - Considera-se manifestamente improcedente e enseja a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 nos casos em que o Agravo Interno foi interposto contra decisão fundamentada em precedente julgado sob o regime da Repercussão Geral, sob o rito dos Recursos Repetitivos ou quando há jurisprudência pacífica de ambas as Turmas da 1ª Seção acerca do tema (Súmulas ns. 83 e 568/STJ).VIII - Agravo Interno improvido, com aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa." (g.n.) (AgInt no REsp 1590249/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017) Desse modo, as multas se mostram importantes para que tenhamos dois dos principais objetivos dos novo CPC, a celeridade processual e o respeito aos precedentes. Recursos meramente protelatórios e em desacordo com o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores devem ser evitados por meio de multas. Entretanto, mostra-se importante a existência de critérios mais objetivos para a sua fixação, para que as partes possam avaliar adequadamente se seria ou não o caso de recorrer e as consequências que podem advir de eventual interposição do recurso. __________ 1 Daniel Amorim Assumpção Neves entende que "Sancionar um legítimo exercício de direito processual apenas porque a pretensão foi unilateralmente rejeitada é uma inconstitucionalidade evidente". (Novo Código de Processo Civil - Leis 13.105/2015 e 13.256/2016, 3 ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p. 635).   2 "(art. 1.021, § 4º) A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, exige manifesta inadmissibilidade ou manifesta improcedência".   3 Comentários ao Código de Processo Civil - vol. XX, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 151.
Daniel Penteado de Castro Não são de hoje os reclamos de que o tratamento dado pelo Poder Judiciário a questões jurídicas idênticas ou congêneres deveria manter-se coerente com entendimentos já firmados. Também não se quer dizer que seja vedado atribuir entendimento diverso a questão jurídica já decidida, por meio da superação de entendimentos pretéritos, senão o exame da questão sob o prisma de análise de fundamentos antes não examinados ou considerados em decisões anteriores. A tônica de referida crise aflora quando em curtíssimo espaço de tempo a jurisprudência é alterada sem muito fundamento ou, ainda, precedentes pretéritos, deixam de ser observados sem justificativa, tampouco considerados julgados emanados do órgão hierarquicamente superior ao juízo ou órgão jurisdicional prolator da decisão1. Tem-se o fenômeno da chamada jurisprudência lotérica, senão galopante, violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade das decisões emanadas da jurisdição que, a priori, é una. Nesse contexto, observava Teori Albino Zavascki: "[...] contraria-se a lei federal não apenas negando sua vigência, mas também dando a ela interpretação menos exata, assim considerada a que for contrária à orientação do STJ. Se não for admitido que o STJ exerca o controle da interpretação que as instâncias ordinárias deram à lei federal, afastando as interpretações diferentes da sua (embora razoáveis), deixará o Superior Tribunal de Justiça de ser o intérprete institucional da lei e, consequentemente, o guardião da sua observância"2. No ensejo de fixar determinadas balizas, reza o art. 926 do CPC que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente", ao passo em que o art. 9273 determina que determinados precedentes e enunciados de súmula deverão ser "observados" pelos juízes, ao passo em que, o art. 489, § 1º, V e VI4 apontam diretrizes destinadas a explicitar quando uma decisão judicial não é considerada fundamenta quando da aplicação, afastamento (distinguishing) ou superação (overruling) do precedente. Por fim, o art. 1.022, par. único, II5, preceitua considerar-se omissão para efeito de cabimento de embargos de declaração, a decisão judicial que viola uma das hipóteses arroladas no art. 489, § 1º, acima citado. Diante de referida estrutura introduzida no bojo do CPC em vigor, há de se questionar se o mandamento constante no art. 926, conjugado com o art. 489, deve limitar-se aos precedentes e enunciados de súmula arrolados no art. 927 ou referida observância também se impõe no plano vertical e horizontal de determinados precedentes, a compor um atividade integrativa voltada a uniformização da jurisprudência. A fim de tentar responder tal questionamento, o STJ já decidiu que os precedentes que ensejam o cabimento de embargos de declaração fundados no arts. 1.022, par. único, II e 489, § 1º, VI, do CPC referem-se a julgados do próprio relator e órgão colegiado, sem prejuízo do ônus do recorrente em demonstrar que os fundamentos determinantes (ratio decidendi) dos julgados apontados como precedentes devem ser cotejados com sua aplicação ao caso concreto: "(.) Inconformada, sustenta a parte agravante que: "O entendimento da relatora viola o artigo 489, CPC/15, eis que incorre na conduta prevista em seu §1º, VI, in verbis: Art. 489. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (.) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Isso porque a parte suscitou divergência jurisprudencial, em seu recurso e juntou acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça que demonstram entendimento diverso da jurisprudência apontada pela Relatora. [...] Portanto, resta evidenciado que não há posicionamento uníssono deste Superior Tribunal de Justiça com relação ao objeto do Recurso Especial em discussão, razão pela qual a decisão agravada deve ser reformada. Cabe aos julgadores, como um dos sujeitos do processo, cooperar com as partes proferindo decisão justa e efetiva, fundamentando-a de forma que acolha ou afaste de forma clara as alegações das partes, o que não ocorreu na decisão atacada, nos termos dos artigos 6º e 11 do Código de Processo Civil. Logo, requer seja conhecido o presente agravo regimental, a fim de que a Colenda Turma reforme a decisão monocrática, para que seja provido o recurso especial, a fim de declarar a não prescrição do fundo de direito da pensão por morte. (...)" (fls. 427/430). [...] É o relatório [...] Com efeito, consoante a novel jurisprudência desta Corte, "a existência de precedentes persuasivos autoriza, na forma do art. 927, IV, do CPC/2015 c/c a Súmula n. 568/STJ que: 'O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema'. Tal a eficácia mínima dos precedentes persuasivos que vinculam horizontalmente, por seus fundamentos determinantes, os ministros relatores de determinado órgão colegiado à jurisprudência nele formada, atendendo às exigências de uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência, conforme o art. 926, do CPC/2015" (STJ, AgInt no AREsp 871.076/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/08/2016). Ainda que assim não fosse, observa-se que os precedentes, citados no Recurso Especial e reiterados neste Agravo interno, não se coadunam com a mesma situação fática ora em comento. De fato, no REsp 1.416.885/PB (Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/02/2014), tratava-se de demanda proposta contra o INSS, objetivando a percepção de pensão por morte de dependente de ex-segurado, regido pelo Regime Geral de Previdência Social, tendo sido afastada, nesta Corte, a prescrição do direito de ação, em face do art. 103 da lei 8.213/91. Hipótese diversa, portanto, da habilitação à pensão por morte de servidor público, amparado em regime próprio de previdência e no Decreto 20.910/32. De igual modo, no REsp 1.439.299/PB (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/05/2014), tratava-se de demanda contra o INSS, objetivando o restabelecimento do benefício de pensão por morte, desde a data da cessação. Quanto ao REsp 1.242.692/RJ (Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/11/2013), tratava-se de demanda objetivando a revisão do benefício previdenciário, relação de trato sucessivo, hipótese diversa, portanto, da ora em análise. Por fim, em relação ao precedente do TRF da 1ª Região (AC 0025933- 04.2013.4.01.9199/MG), também se cuidava de demanda proposta contra o INSS, objetivando pensão por morte de trabalhador rural, situação diversa, como já dito, do presente caso. Ao que se tem, portanto, com relação ao art. 489, § 1º, VI, do CPC vigente - que prevê que não se considera fundamentada a decisão que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" -, não há falar em qualquer desrespeito, no caso, mormente pelo fato de que se demonstrou a distinção do caso em julgamento, a afastar os precedentes invocados pela parte recorrente. Isso porque, como exposto na decisão agravada e reafirmado acima, a tese recursal fora devidamente afastada, quando da aplicação da jurisprudência consolidada desta Corte, em relação a situação fática e jurídica dos autos. [...] Com efeito, a decisão ora agravada deveria ter sido combatida com o enfrentamento dos fundamentos determinantes do julgados apontados como precedentes, ou com a demonstração de que não se aplicariam ao caso concreto, ou de que haveria julgados contemporâneos ou posteriores do STJ, em sentido diverso, e não com a mera afirmação de que "a parte suscitou divergência jurisprudencial, em seu recurso e juntou acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça que demonstram entendimento diverso da jurisprudência apontada pela Relatora" (fl. 428e). Sendo assim, deveria ter havido, pelo agravante, a demonstração da possibilidade de distinção ou superação em relação aos precedentes firmados na decisão combatida (sejam vinculantes, sejam persuasivos), através do enfrentamento de seus fundamentos determinantes, argumentos que deveriam ter sido trazidos pelo recorrente. Interpretação do art. 489, §1º, do CPC/2015 que, mutatis mutandis, também se traduz em obrigação para as partes. Desse modo, "estando a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta Corte e não tendo a agravante trazido qualquer argumento que pudesse infirmar a decisão agravada, esta deve ser mantida íntegra, por seus próprios fundamentos" (STJ, AgRg no REsp 1.124.758/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/03/2010). (.)" (STJ, AgInt no AREsp n. 853.152/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016, grifou-se) Muito embora o recurso acima citado restou improvido, é certo que, ainda que indiretamente, houve a atividade de distinguishing em justificar o porquê do afastamento dos fundamentos determinantes constantes nos precedentes invocados pela parte à luz de sua aplicação ao caso concreto. De igual modo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, embora tenha improvido embargos de declaração, justificou, ainda que de forma sucinta, a distinção de não aplicação do precedente invocado pela parte ao caso concreto: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Cabimento do recurso condicionado à existência dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC/15 - Ausência de vício - Fundamentos do decisum suficientes à resolução da controvérsia - Embargos rejeitados. [...] Aduz o instituto-embargante, em síntese, que não houve demonstração de que o entendimento firmado pelo C. STJ no Tema 877 encontra-se superado ou, seja distinto do caso subjacente. [...] In casu, a parte embargante alega que não houve pronunciamento quanto à inaplicabilidade da tese firmada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.388.000/PR (Tema 877/STJ). O Acórdão embargado, todavia, foi claro ao consignar: "... há, inclusive, recente precedente desta C. 13ª Câmara, relativo ao mesmo título judicial (Mandado de Segurança Coletivo nº 0002370-51.2004.8.26.0053), no sentido de que, além de não correr prescrição enquanto não iniciadas diligências necessárias à liquidação do crédito resultante de sentença proferida em ação coletiva, o julgamento proferido no REsp nº 1.388.000/PR (Tema 877), por se tratar de caso distinto (no qual não se discutia, pois, a liquidez do título), é inaplicável." (destaque nosso, quanto à distinção do Tema 877/STJ). Verifica-se, assim, a ausência do aludido vício de omissão na fundamentação (error in procedendo), uma vez que houve, com efeito, demonstração da existência de distinção (distinguishing) do precedente invocado pela parte, como preceitua o artigo 489, § 1º, VI, do CPC/15." (TJSP, Embargos de Declaração n. 2085042-90.2017.8.26.0000, Rel. Spoladore Dominguez, 13ª Câmara de Direito Público, j. 16/08/2017) "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Prequestionamento. Ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. Requisitos do artigo 1.022 do NCPC não preenchidos. Embargos rejeitados. [...] Cuida-se de embargos de declaração opostos contra o v. acórdão de fls. 177/182, proferido por esta 28ª Câmara de Direito Privado e de minha relatoria, pelo qual foi dado provimento em parte ao recurso do embargante. Segundo ele, autor, o julgado deve ser reformado, pois a ré permaneceu inerte quando instada pela via administrativa a exibir os documentos. Discorre sobre a facilidade que a ré teria para enviar os documentos, pois inseridos em seu sistema completamente informatizado, embora não aberto ao público. Aponta o recurso especial n. 1.349.453 e pugna pela aplicação art. 932, IV, "b", do CPC/15. Pugna pelo prequestionamento do art. 5º, XIV e XXXV, da Constituição Federal, bem como pelo "distinguishing", nos termos do art. 489, § 1º, V, do CPC/15. [...] Nem se diga que há omissão com base no art. 489, § 1º, VI, do CPC/15, pois o acórdão não desconsiderou o entendimento do STJ que estabelece relação entre a resistência administrativa e a condenação aos ônus sucumbenciais no procedimento em questão. Pelo contrário, esse entendimento foi expressamente consignado (fls. 180), mas demonstrada a distinção do caso em julgamento, que conta com as particularidades supramencionadas que afastam a configuração de resistência, seja na via administrativa ou judicial. [...] Afinal de contas, "essa modalidade recursal só permite o reexame do acórdão embargado para o específico efeito de viabilizar um pronunciamento jurisdicional de caráter integrativo-retificador", de modo que, ausentes os vícios do artigo 1.022 do Novo Código de Processo Civil, não se admite venha esse recurso, "com desvio de sua específica função jurídico-processual, a ser utilizado com a indevida finalidade de instaurar uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal" (STF, RE n. 173.459, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 175/315)." (TJSP, Embargos de Declaração n. 1015229-21.2016.8.26.0196, Rel. Gilson Delgado Miranda, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 03/10/2017) Por sua vez, muito embora o art. 926 do CPC não faça "distinção" alguma, tampouco restrição, ao impor que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente", é certo que o enunciado interpretativo 11, aprovado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) concebeu o entendimento de que "os precedentes a que se referem os incisos V e VI, do § 1º do art. 489 do CPC, são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV, do art. 332". Ou seja, em tese não há vinculação alguma do órgão julgador a precedentes já formados pela turma ou câmara, tampouco obrigatoriedade de se fundamentar por quais razões precedentes pretéritos restaram superados (overruling) ou, ainda, sua distinção ao caso concreto. Nesta linha de raciocínio referido enunciado já restou aplicado pela Corte Bandeirante: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO INEXISTENTE. Pretensão recursal de suspensão do processo e remessa dos autos para julgamento pelo órgão regimental competente para examinar assunção de competência suscitada. Impossibilidade. Inexistência do dever da Câmara de adotar entendimento de outras Câmaras e de suspender o julgamento do recurso. Suficiência da fundamentação do acórdão. Mero inconformismo. Embargos rejeitados. [...] Afirma que o Tribunal deixou de seguir os precedentes invocados pela autora, em contrarrazões, não demonstrou a distinção de casos ou superação da jurisprudência, nem se manifestou sobre a assunção de competência suscitada. [...] Ocorre que o Tribunal só tem o dever de enfrentar questão analisada em precedente obrigatório de caráter vinculante, se a questão for relevante para infirmar a conclusão adotada. É isso que se interpreta do disposto no inciso VI, do §1º, do art. 489 do CPC-2015 em conjunto com o disposto nos artigos 489 e 927 e no §3º do art. 1.038. Logo, considera-se suficientemente fundamentado o acórdão - sendo desnecessário demonstrar a existência de distinção entre o caso em julgamento e aquele relativo ao precedente citado pela parte (distinguishing) ou fazer a superação da tese fixada no precedente citado (overruling) -, se a parte não citou precedente obrigatório de caráter vinculante." (TJSP, Embargos de Declaração n. 1001482-69.2015.8.26.0606, Rel. Paulo Galizia, 10ª Câmara de Direito Público, j. 06/03/2017) Não se nega que o Poder Judiciário não é órgão de consulta, tampouco educativo, no sentido de justificar um a um, o porque os fundamentos determinantes dos precedentes invocados pela parte não se aplicam ou diferem do caso concreto. Tal atividade jurisdicional esbarraria em excessiva tarefa hercúlea, mercê diante da contemporaneidade de uma era digital - facilitada por meio de mecanismos de "copia e cola" - sejam colacionados em defesa da parte uma infinidade de decisões (por vezes em excesso ou de forma abusiva) que não guardam ligação alguma ao caso concreto. Por outro lado, tal qual a orientação do julgado retro citado, do STJ, é certo que cabe à parte, com vistas a se provocar eventual distinguishing, cotejar os fundamentos determinantes dos julgados apontados como precedente em confronto com sua adequação ao caso concreto. Uma vez cumprido tal ônus não pode o Poder Judiciário se imiscuir em dizer que somente os precedentes elencados no art. 927 do CPC comportam as técnicas de distinguishing e overruling, sob pena de violação a inteligência do art. 926 da lei adjetiva. Vale dizer, é desejável que a jurisdição, sendo una, deve conceder idêntico "remédio jurídico" a situações congêneres, sob pena de perpetuar a odiosa coexistência de jurisprudência lotérica, instável e violadora da isonomia, segurança jurídica e previsibilidade, a conceber um cenário onde o jurisdicionado (valendo-se de um cardápio de entendimentos distintos sobre a mesma matéria) aproveita-se do julgado que melhor lhe socorre, porquanto fatalmente é o próprio Poder Judiciário que alimenta dita esperança. Na perspectiva de se coroar o quanto disposto no art. 926 do CPC, resta à jurisprudência tornar-se estável quanto a literal interpretação do art. 489, § 1º, V e VI, o qual convida a uma mudança de cultura cujo ônus não deve recair somente ao Poder Judiciário, mas também ao jurisdicionado, sob o prisma de, em colaboração, provocar o órgão jurisdicional com vistas a se obter, gradualmente e por meio de atividade integrativa, a uniformidade de decisões judiciais acerca de matérias já examinadas e decididas. __________ 1 Nesse contexto são os apontamentos de Thiago Asfor Rocha Lima ao criticar ao ausência de balizamento quanto a influência vertical e horizontal de determinado precedente (Precedentes judiciais civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013p. 134-135): "Não é raro, no Brasil, que um tribunal de segundo grau interprete e aplique um dispositivo de lei federal de maneira diversa da que foi conferida pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo em matéria infraconstitucional, mesmo estando a matéria pacificada no âmbito da Corte superior. Também não é tão incomum como deveria ser que um determinado tribunal, uma dada turma julgadora ou um julgador não se vincule sequer às próprias decisões anteriores. Essa falta de coerência externa e interna dos tribunais, além de atentar contra a segurança jurídica, a isonomia entre os jurisdicionados e a previsibilidade de suas decisões, prejudica sobremaneira a imagem do Judiciário, levando-o ao descrédito junto à sociedade. Não é esse, pois, o Judiciário que se pretende, em que prevalece a jurisprudência lotérica em detrimento de uma certeza jurídica. De nada adianta a Constituição Federal de 1988 estabelecer a isonomia como princípio fundamental se os juízes, invocando o livre convencimento, podem, por exemplo, simplesmente ignorar o entendimento emanado de uma corte hierarquicamente superior sobre o mesmo tema." 2 ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória: a súmula n. 343 do STF e as funções institucionais do Superior Tribunal de Justiça. BDJur, Brasília, DF, 28 ago. 2009, p. 11-12. Disponível em: e . Acesso em: 21 mar. 2017. 3 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. 4 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (.) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. 5 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.
André Pagani de Souza Uma pessoa que não conheça bem as decisões tomadas pelos nossos tribunais pode até ficar emocionada com o tom conciliatório da lei brasileira ao ler o § 2º do art. 3º da lei 13.105/2015 (CPC/2015) e descobrir que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos". Tal pessoa também pode ficar entusiasmada ao ler o § 3º, do mesmo artigo, que dispõe que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial". Essa mesma pessoa hipotética e que não está familiarizada com a jurisprudência dos tribunais brasileiros também pode até ficar empolgada ao ler o art. 6º, do CPC/2015, que impõe solenemente que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Também deve causar um otimismo extremado o comando do art. 139, inciso V, do CPC/2015, que preceitua que incumbe ao juiz "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". É realmente para qualquer um ficar admirado positivamente com o ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito à imposição de se tentar conciliar as pessoas em conflito. O juiz tem o dever-poder de tentar conciliar as partes1 e todos os demais sujeitos do processo devem ao menos estimular a solução consensual dos conflitos - é o que se depreende de uma singela leitura do CPC/2015. Nada disso causa espanto a uma pessoa que não conhece bem as decisões dos tribunais brasileiros, pois os dispositivos legais transcritos acima estão em harmonia com o preâmbulo da Constituição Federal brasileira de 1988, que estatui "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL": (grifamos). Ora, os representantes do povo brasileiro, desde 1988, manifestaram o desejo de se viver em uma sociedade fundada na harmonia e comprometida com a solução pacífica de controvérsias. Nada mais natural, nesse contexto, que a lei determine ao Estado-juiz: (i) o dever de tentar buscar a solução consensual de conflitos (CPC/2015, art. 3º, § 2º); (ii) o dever de estimular a solução consensual de conflitos, inclusive no curso de processo judicial (CPC/2015, art. 3º, § 3º); (iii) o dever de cooperar para que se obtenha decisão de mérito justa, efetiva e em tempo razoável; (iv) o dever de, a qualquer tempo, promover a autocomposição (CPC/2015, art. 139, inciso V). Mas a empolgação, o otimismo, o entusiasmo, devem parar por aí. Isso porque a pergunta que qualquer um faria - após ler todos estes inspiradores dispositivos no Código de Processo Civil e na Constituição Federal - é: o que acontece se ninguém tentar a conciliação das partes em conflito em um processo judicial? Resposta dada pelos tribunais com frequência: Nada. Isso mesmo, não acontece nada no processo se o juiz não tentar a conciliação. O processo segue o seu curso rumo ao prolongamento do conflito, como se nada tivesse acontecido. Confira-se, a título meramente ilustrativo, ementa de recente decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Coisa comum - Condomínio - Ausência de designação de audiência de tentativa de conciliação - Irrelevância - Possibilidade de as partes transigirem a qualquer momento - Extinção de condomínio - Admissibilidade - Imóvel partilhado por ocasião de herança - Aplicação do artigo 1.322, do Código Civil - Aluguel fixado em razão da ocupação exclusiva por um dos condôminos e que não foi objeto de impugnação - Sentença mantida - Recurso não provido. (TJ/SP; Apelação 1013683-42.2014.8.26.0020; Relator (a): Augusto Rezende; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII - Nossa Senhora do Ó - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 9/3/2018; Data de Registro: 9/3/2018, grifos nossos)". Tal decisão não é a única, conforme se pode depreender da ementa de outra decisão abaixo transcrita: "Liquidação de sentença por arbitramento, proferida nos autos da ação de reintegração na posse de imóvel urbano - Audiências de conciliação infrutíferas - Prescindibilidade de realização de nova tentativa de acordo - Medida facultativa, não compulsória, tampouco dependente de intervenção judicial e por se tratar de direito disponível e patrimonial - Possibilidade das partes transigirem a qualquer momento - Inteligência do art. 334 do Código de Processo Civil (segundo a redação anterior do art. 331 do Código de Processo Civil de 1.973) - Decisão mantida - Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2011715-78.2018.8.26.0000; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional V - São Miguel Paulista - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 9/3/2018; Data de Registro: 9/3/2018, grifos nossos)". Vale registrar, em nome da mais absoluta transparência, que não se trata de novidade o posicionamento do TJ/SP acima esboçado. Como se sabe, o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (lei 5.869/1973), já estabelecia que competia ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes". Também já existia o art. 331 do CPC/1973, que dispunha: "se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir (Redação dada pela lei 10.444, de 7.5.2002)". O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao interpretar o ordenamento jurídico anterior ao CPC/2015, também dava a mesma solução para o problema de não se tentar a conciliação, a despeito do disposto no art. 331 do CPC/1973 e no seu art. 125, IV. Veja-se: "VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 331 DO CPC. NÃO DEMONSTRADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURADA. 1. Não se conhece de alegada violação de dispositivo constitucional sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedente. 2. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada. Incidência da Súmula 282/STF. 3. Não há falar-se em nulidade da decisão, quando o caso permitir o julgamento antecipado da lide, ou seja, quando a prova a ser examinada for meramente documental, o que ocorre no caso em análise, não se justificando alegar violação ao art. 331 do CPC por ausência de tentativa de conciliação. 4. A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram, o que não ocorre in casu. 5. Recurso Especial não conhecido. (REsp 713.677/CE, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009, grifos nossos). E mais: RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - COMPROVAÇÃO - MODO DE PROCEDIMENTO - ADOÇÃO DO RITO SUMARIO NO LUGAR DO ORDINÁRIO - TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO - AUSÊNCIA - INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO ÀS PARTES - NULIDADE DO PROCESSO INEXISTENTE. I - Não se conhece o Recurso Especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2º, do RISTJ. II - No moderno direito processual pátrio, a teoria das nulidades orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando a nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, pelo que não se justifica a declaração de nulidade do processo em razão da adoção do rito sumário em lugar do ordinário na hipótese em que não se demonstrou a existência de qualquer prejuízo às partes e em que houve a dilação da instrução probatória de modo a propiciar a ampla defesa. III - A conciliação é uma forma de composição da lide, de modo que, se houve a prestação jurisdicional por meio da sentença, a ausência de tentativa de conciliação entre os litigantes não justifica a declaração da nulidade do processo, máxime quando as partes se insurgem somente em sede recursal. IV - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial (Súmula 7 do STJ). Recurso Especial a que não se conhece. (REsp 268.696/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/4/2001, DJ 7/5/2001, p. 139). Ainda: PROCESSUAL CIVIL. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DESNECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO DO CÔNJUGE. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO DISPENSADA. DEPÓSITO COMPLEMENTAR EM CONSIGNATÓRIA. Não incide a regra contida no art. 10, incisos I e II, e seu § 3º, do Código de Processo Civil, quando se trata de reconvenção proposta por promitente-vendedor contra o promitente comprador, autor de consignatória em que se discute sobre rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, ainda que disso possa resultar na desconstituição do contrato e na eventual reintegração de posse, sobretudo se a ação de consignação foi proposta apenas pelo marido, pois a discussão diz respeito exclusivamente a direitos obrigacionais, de que a reintegração é mera decorrência, não se tratando de ação possessória, que também não versa sobre direitos reais imobiliários. Quando a prova a ser examinada for meramente documental, nada justificando a abertura da instrução, não se há de cogitar de nulidade processual por ausência de tentativa de conciliação, sobretudo quando a discussão travada nos autos evidencia a plena impossibilidade de conciliação dos litigantes. O direito do autor da consignatória de proceder o depósito complementar é providência que independe de ordem judicial, podendo ser exercitado no prazo de dez dias contados da intimação da contestação. Recurso não conhecido. (REsp 174.107/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2000, DJ 18/12/2000, p. 199) No mesmo sentido: DIREITO COMERCIAL. DIREITO MARCÁRIO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ABSORVENTES. EXPRESSÃO DE PROPAGANDA O ABSORVENTE DA MULHER ATIVA E MARCA MULHER ATIVA. COLIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO ACOLHIDA PELO ACÓRDÃO ESTADUAL. SOBERANIA NO EXAME DA PROVA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA/STJ. PREQUESTIONAMENTO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. IRREGULARIDADE. DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. SUPRIMENTO. AUSÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO. ORIENTAÇÃO DA CORTE. PERDAS E DANOS. DEFERIMENTO. RECONVENÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO. MAIORIA. VOTO VENCIDO. I - Afirmada pelo acórdão estadual a possibilidade de confundir-se o consumidor, defesa se mostra a análise de suposta violação do direito marcário, por ser vedado o reexame de matéria fática na instância especial, consoante enunciado nº 7 da súmula/STJ. II - As perdas e danos, nos casos de uso indevido de marca, decorrem do próprio ato ilícito praticado pela ré. III - Não se tratando de documento indispensável à propositura da ação, mas de mera irregularidade de representação processual, possível a apresentação do contrato de licença para uso de marca firmado pela autora com sua subsidiária do Brasil após a inicial, sabido que o vigente Código de Processo Civil prestigia o sistema que se orienta no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, regularizando sempre que possível as nulidades sanáveis. IV - Uma vez proferida a sentença, pondo fim ao litígio, a falta da audiência de conciliação não é causa de anulação do processo, decidiu-se no REsp nº 168.841-SP(DJ 12.4.99). V - Não tendo o acórdão tratado do eventual abuso da liminar concedida, carece o recurso especial, no ponto, de prequestionamento, atraindo a incidência do enunciado n. 282 da súmula/STF. (REsp 101.118/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2000, DJ 11/09/2000, p. 251). Também: "DIREITO E PROCESSO CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. PERDAS E DANOS. CONCILIAÇÃO. HONORARIOS. CORREÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO PELA ALINEA 'A'. CONHECIDO PELA ALINEA 'C', MAS DESPROVIDO. I- TENDO HAVIDO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, NÃO SE HA DE COGITAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR AUSENCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. II- SEGUNDO ENTENDIMENTO MAJORITARIO DO TRIBUNAL, JA SUMULADO, A CORREÇÃO MONETARIA DOS HONORARIOS ADVOCATICIOS, QUANDO ARBITRADOS ESTES EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA, INCIDE A PARTIR DO AJUIZAMENTO. III- NÃO SE PRESTA O RECURSO ESPECIAL A INTERPRETAÇÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS. (REsp 5.442/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 4/3/1991, DJ 25/3/1991, p. 3226)" Assim, apesar de todo o estímulo e imposição legais às tentativas de conciliação, o fato é que se ninguém tentar conciliar, não há problema algum para o processo civil brasileiro, à luz das decisões judiciais tomadas atualmente - e que não discrepam do que se decidia em 1991, há quase trinta anos atrás, como pode ser visto a partir da leitura da data do julgado acima mencionado. Há, obviamente, honrosas exceções2, em que se tenta com afinco conciliar as partes em conflito, ouvindo-as de uma maneira mais humanizada, indagando-as sobre quais seriam as razões pelas quais querem permanecer em litígio e tentando-se efetivamente obter uma solução consensual, antes que lhes seja imposta uma decisão pelo Estado-juiz que, no mais das vezes, servirá apenas para prolongar o conflito, uma vez que dará ensejo a uma série de recursos e um longo percurso até o Supremo Tribunal Federal. E, quem sabe, depois disso, ainda virá uma ação rescisória... Com efeito, tentar conciliar as pessoas em conflito dá trabalho, é preciso ouvir todas elas, considerar o que estão dizendo como seres humanos, o que toma tempo dos profissionais do Direito, algo muito escasso hoje em dia e também em 1991. Era assim antes do CPC/2015 e continua sendo assim agora. Isso não há lei que mude. __________ 1 Sobre este dever-poder do juiz já escrevemos nesta mesma coluna, em 26/10/2017. 2 TJ/SP; Agravo de Instrumento 2130410-93.2015.8.26.0000; Relator (a): Percival Nogueira; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 1ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/7/2015; Data de Registro: 31/7/2015.
Elias Marques de Medeiros Neto Como se sabe, não são poucos os julgados que entendem que o rol do artigo 1015 do novo Código de Processo Civil ("NCPC") é taxativo; seguindo nesta linha, inclusive, relevante parcela da doutrina. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, tem permitido a aplicação de uma interpretação extensiva do artigo 1015 do NCPC. Em novembro de 2017, foi julgado o Recurso Especial n. 1.679.909 - RS, tendo sido relator o Ministro Luís Felipe Salomão. Naquele julgamento, prestigiou-se a interpretação extensiva do rol do artigo 1015 do NCPC, em caso que versava sobre competência. Veja-se: "Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. Recurso Especial provido. Nessa ordem de ideias, apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015, penso que a decisão interlocutória, relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma. Deveras, a possibilidade de imediata recorribilidade da decisão advém de exegese lógico-sistemática do diploma, inclusive porque é o próprio Código que determina que "o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência" (§ 3° do art. 64). Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente (passível até de rescisória - art. 966, II, CPC); b) o risco da invalidação ou substituição das decisões (art. 64, § 4°, primeira parte); c) o malferimento do princípio da celeridade, ao se exigir que a parte aguarde todo o trâmite em primeira instância para ver sua irresignação decidida tão somente quando do julgamento da apelação; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida "perpetuação" da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa. Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 - "rejeição da alegação de convenção de arbitragem" -, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda". Em dezembro de 2017, foi julgado o Recurso Especial n. 1694667 / PR, tendo sido relator o Ministro Herman Benjamin. Naquele julgamento, novamente prestigiou-se a interpretação extensiva do rol do artigo 1015 do NCPC, em caso que versava sobre a atribuição de efeito suspensivo para os embargos do devedor. Veja-se: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 1.015, X, DO CPC/2015. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ISONOMIA ENTRE AS PARTES. PARALELISMO COM O ART. 1.015, I, DO CPC/2015. NATUREZA DE TUTELA PROVISÓRIA. 1. A questão objeto da controvérsia é eminentemente jurídica e cinge-se à verificação da possibilidade de interpor Agravo de Instrumento contra decisões que não concedem efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 2. Na hipótese dos autos, a Corte Regional entendeu que não é impugnável por meio de Agravo de Instrumento a decisão que deixou de atribuir efeito suspensivo aos Embargos à Execução, pois o rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 é taxativo. 3. Em uma interpretação literal e isolada do art. 1.015, X, do CPC, nota-se que o legislador previu ser cabível o Agravo de Instrumento contra as decisões interlocutórias que concederem, modificarem ou revogarem o efeito suspensivo aos Embargos à Execução, deixando dúvidas sobre qual seria o meio de impugnação adequado para atacar o decisum que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 4. A situação dos autos reclama a utilização de interpretação extensiva do art. 1.015, X, do CPC/2015. 5. Em que pese o entendimento do Sodalício a quo de que o rol do citado art. da nova lei processual é taxativo, não sendo, portanto, possível a interposição de Agravo de Instrumento, nada obsta a utilização da interpretação extensiva. 6. "As hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um dos seus tipos". (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. Fredie Didie Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha. ed. JusPodivm, 13ª edição, p. 209). 7. De acordo com lição apresentada por Luis Guilherme Aidar Bondioli, "o embargante que não tem a execução contra si paralisada fica exposto aos danos próprios da continuidade das atividades executivas, o que reforça o cabimento do agravo de instrumento no caso". (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XX. Luis Guilherme Aidar Bondioli. ed. Saraiva, p. 126). 8. Ademais, o pedido de concessão de efeito suspensivo aos Embargos à Execução poderia perfeitamente ser subsumido ao que preconiza o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015, por ter natureza de tutela provisória de urgência. Dessa forma, por paralelismo com o referido inciso do art. 1015 do CPC/2015, qualquer deliberação sobre efeito suspensivo dos Embargos à Execução é agravável. 9. Dessa forma, deve ser dada interpretação extensiva ao comando contido no inciso X do art. 1.015 do CPC/2015, para que se reconheça a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nos casos de decisão que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 10. Recurso Especial provido". Trata-se da possibilidade de se conferir interpretação extensiva ao citado artigo 1015, conforme bem leciona a professora Teresa Arruda Alvim1: "no entanto, apesar de se tratar de enumeração taxativa, nada impede que se dê interpretação extensiva aos incisos do art. 1015. Por isso, é que, muito provavelmente, as exigências do dia a dia farão com que surjam outras hipóteses de cabimento de agravo, que não estão previstas expressamente no art. 1015, mas podem-se considerar abrangidas pela via da interpretação extensiva. Um bom exemplo é o dado por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha: se a decisão que rejeita a convenção de arbitragem é recorrível de agravo (art. 1015, III), também deve ser agravável a que dispõe sobre a competência (relativa ou absoluta), pois são situações muito semelhantes". Neste ponto, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2 são enfáticos: "A decisão relativa à convenção de arbitragem é uma decisão que trata de competência. Se a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem é agravável, também deve ser agravável a que trata de uma competência, relativa ou absoluta. (...). Embora taxativas as hipóteses de agravo de instrumento, aquela indicada no inciso III do art. 1015 comporta interpretação extensiva para incluir a decisão que versa sobre competência". Mas é certo que não são poucos os julgados que divergem acerca da natureza taxativa - ou não - do rol do artigo 1015 do CPC/15. Por isso, acertadíssimo foi o relevante julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido em 20.02.2018, pelo qual se acolheu a proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.704.520 - MT, conforme voto da Ministra Nancy Andrighi: "PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015". O Superior Tribunal de Justiça, desta forma, decidirá, em conformidade com o rito previsto para o julgamento de recursos especiais repetitivos, qual é a natureza do rol do artigo 1015 do CPC/15 e se há possibilidade de interpretação extensiva quanto ao mesmo. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça garanta a aplicação das normas fundamentais do CPC/15, prestigiando-se os princípios da efetividade, duração razoável do processo, cooperação e eficiência. Nos dois casos acima referidos e que foram julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, as normas fundamentais do CPC/15 foram observadas. Tanto a questão da competência, como a questão da necessidade de se definir se os embargos do devedor devem ou não ser recebidos com efeito suspensivo, são questões que merecem ser impugnadas por agravo de instrumento, conforme razões muito bem delineadas nos acórdãos acima citados; sendo acertada, portanto, a permissão jurisprudencial de se valer da interpretação extensiva do artigo 1015 do CPC/15 nessas hipóteses. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614.2 DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 216.
Rogerio Mollica O novo Código de Processo Civil procurou desmontar a maioria das barreiras impostas ao conhecimento dos recursos. Está claro que o novo Código buscou eliminar a jurisprudência defensiva dos Tribunais. Sob a égide do novo ordenamento se procura que eventuais vícios sejam sanados para que os recursos sejam conhecidos e julgados. Desde logo a doutrina anteviu a existência da armadilha da necessidade da comprovação prévia do feriado local, sendo que tal tema já foi objeto de estudos nessa coluna, em texto de minha autoria publicado em 06 de julho de 2017. Quando se fala em limitação à Jurisprudência Defensiva dos Tribunais, logo é citado o parágrafo único do artigo 932 que prevê: "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível". Entretanto, nesse mesmo importante artigo 932 em que temos os "poderes-deveres" dos relatores encontramos o inciso III que prevê incumbir ao relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida". A previsão quanto ao não conhecimento de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida vem sendo exacerbada a ponto de ser tida como uma nova Jurisprudência Defensiva criada por nossos Tribunais para não conhecer de uma grande quantidade de recursos1. Por outro lado, não se pode falar que seria uma novidade em nosso ordenamento, eis que somente generaliza a previsão da súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada". Poder-se-ia até entender que seria a moeda reversa da previsão do artigo 1.021, § 3º que prevê que "É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno". De fato, com as facilidades do computador e do uso do "recorta e cola" em textos, é comum que um agravo interno seja praticamente igual ao recurso que foi julgado monocraticamente2. A simples reprodução deve ser evitada, pois pode acarretar o não conhecimento do recurso. O Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente exigindo a impugnação específica a todos os fundamentos da decisão impugnada como um dos requisitos para a admissão dos recursos, sendo que a falta de tal fundamentação não pode ser suprida posteriormente: "PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRINCIPIO DA DIALETICIDADE. ART. 932, III, DO CPC DE 2.015. INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO GENÉRICA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Consoante os princípios da fungibilidade e da economia processual, e tendo em vista que o pedido de reconsideração não consta do rol de recursos do art. 994 do NCPC, é possível o recebimento pedido de reconsideração como agravo interno (RCD no AREsp 886.650/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/5/2016, DJe 25/5/2016). 2. À luz do princípio da dialeticidade, que norteia os recursos, compete à parte agravante, sob pena de não conhecimento do agravo em recurso especial, infirmar especificamente os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem para negar seguimento ao reclamo. 3. O agravo que objetiva conferir trânsito ao recurso especial obstado na origem reclama, como requisito objetivo de admissibilidade, a impugnação específica aos fundamentos utilizados para a negativa de seguimento do apelo extremo, consoante expressa previsão contida no art. 932, III, do CPC de 2.015 e art. 253, I, do RISTJ, ônus da qual não se desincumbiu a parte insurgente, sendo insuficiente alegações genéricas de não aplicabilidade do óbice invocado. 4. Esta Corte, ao interpretar o previsto no art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 (o qual traz disposição similar ao § 3º do art. 1.029 do do mesmo Código de Ritos), firmou o entendimento de que este dispositivo só se aplica para os casos de regularização de vício estritamente formal, não se prestando para complementar a fundamentação de recurso já interposto. 5. Agravo interno não provido. (RCD no AREsp 1166221/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017) Que se faz necessário o ataque aos fundamentos da decisão atacada não há dúvidas, o que não pode ocorrer é a exacerbação de tal previsão a ponto de inviabilizar o conhecimento dos recursos. Sendo assim, cabe aos advogados ficarem atentos a essa nova barreira processual e, na medida do possível, atacarem todos os fundamentos da decisão recorrida, para que o recurso possa ser conhecido e julgado. __________ 1 Nesse sentido Dierle Nunes e Antônio Aurélio de Souza Viana advertem "para a  literatura jurídica do risco do ônus da dialeticidade se tornar um novo foco para uma "pseudo-sofisticada" forma de jurisprudência defensiva e para a advocacia da impossibilidade de se reproduzir peças recursais sem indicar os fundamentos da decisão impugnada que se busca atacar com a apresentação e as razões de impugnação, de modo a seguir os comando indicados na decisão supra transcrita. Toda reprodução mecânica de arrazoados tende a ser penalizada." ("Ônus da dialeticidade: nova "jurisprudência defensiva" no STJ?", texto publicado no site Migalhas de 15/5/2017). 2 incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação e isso é indesejável. O recurso tem de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato e de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, artigo por artigo, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.470).
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Tutela da evidência em grau recursal

Daniel Penteado de Castro A então denominada "antecipação de tutela", prevista no CPC de 1973 ganhou novos contornos sob o regime da agora chamada "tutela provisória" a qual se ocupa o Livro V da Parte Geral do CPC/2015. Dentre os dispositivos que tratam de referida técnica (arts. 294 a 311), o legislador deixou claro que a tutela provisória há de ser concedida com fundamento na urgência ou evidência (art. 294), sendo este último fundamento, portanto, a dispensa do requisito da urgência ou risco de dano grave, irreparável ou de difícil reparação. No plano recursal, o parágrafo único do art. 299 é expresso em assegurar que "(...) nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito". Portanto, dúvidas não há quanto ao cabimento da tutela provisória em grau recursal. As inquietações emergem, de outra banda, no tocante ao tratamento posto no código em disciplinar a tutela provisória para diversas espécies recursais. Nesse contexto, quanto a apelação, o art. 1.012, § 4º, do CPC, aponta como requisitos para a tutela provisória recursal destinada à suspensão da eficácia da sentença a demonstração da "(...) probabilidade de provimento do recurso ou relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação", redação esta idêntica quanto aos seus requisitos no que toca a tutela provisória concedida nos embargos de declaração, disciplinada no art. 1.026, § 1º, do CPC. Vale dizer, para apelação ou embargos de declaração autoriza-se a tutela provisória, em tese restrita a suspensão da eficácia da decisão impugnada (efeito suspensivo), desde que fundada na probabilidade do provimento do recurso ou, na urgência. No que toca ao recurso de agravo de instrumento o legislador previu no art. 1.019, I, a suspensão da decisão impugnada (efeito suspensivo) ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (efeito ativo), sem dar pista alguma quanto aos seus requisitos. De igual modo, no tratamento aos recursos especial e extraordinário, o art. 1.029, § 5º prevê a concessão de efeitos suspensivo, sendo silente, de igual sorte, quando a discriminação de seus requisitos. Deveras, exceção ao regramento de definição de competência, a disciplina apartada para as modalidades recursais acima citadas no que toca aos requisitos da tutela provisória em grau recursal é despicienda, porquanto o art. 995, parágrafo único, do CPC regula o denominado efeito suspensivo a ser examinado pelo relator, de modo que "(...) a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso". Por sua vez, o art. 932, II, do CPC, ao tratar dos poderes do relator, expressamente prevê a incumbência de "(...) apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária". De sorte que, se a todo recurso é designado um relator, bastaria a inteligência dos dispositivos acima citados (art. 995, parágrafo único e 932, II) para bem pontuar o cabimento da tutela provisória no plano recursal. Ainda assim, outras dúvidas hão de surgir. Na medida em que, no tocante ao recurso de apelação e embargos de declaração, o legislador arrola requisitos alternativos ao utilizar a conjunção "ou" entre probabilidade do provimento do recurso ou houver risco de dano grave ou de difícil reparação, o poder do relator disciplinado no art. 995, parágrafo único, exige a soma de tais requisitos para a concessão de efeito suspensivo, em especial por se valer da conjunção "e". Diante de tamanhas inexatidões, uma leitura literal do art. 932, II, portanto, autoriza a tutela provisória a toda modalidade de recurso em espécie, porquanto referido dispositivo trata de poder inerente a atividade jurisdicional desempenhada pelo relator que, repita-se, é designado a todo e qualquer recurso. Ainda, referida a tutela provisória como gênero, há de se autorizar a concessão de efeito ativo ou suspensivo ao recurso, seja fundada na urgência (fumus boni iuris e periculun in mora), seja na evidência (probabilidade de provimento do recurso). Nesse contexto decidiu a 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Tutela de evidência em segundo grau Embargos à adjudicação julgados improcedentes. Reconhecimento de litigância de má fé Extração da carta condicionada ao trânsito em julgado. Possibilidade de se reconhecer os requisitos específicos da tutela, conforme art. 311 e incisos do NCPC. Aplicação do artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) que permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Autorizada a expedição da carta - Pedido acolhido. (...) Cuida-se de tutela de evidência cuja a finalidade é a imediata expedição de carta de adjudicação, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença de fls.99/104. A parte contrária se manifestou a fls.118/129, requerendo o indeferimento da tutela de evidência. É o relatório. 2. Cuida-se de pedido de tutela de evidência onde a requerente postula imediata expedição de carta de adjudicação em seu favor, a ser extraída nos autos da ação de execução que promove contra a requerida e outros. O artigo 311 do novo CPC assim estabelece acerca da Tutela de Evidência: Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. No caso a requerente entende que a parte ao apresentar os embargos o fez em caráter protelatório, além de não ter a sentença que julga os embargos improcedentes o efeito suspensivo. Realmente, a r. sentença, ao decidir os embargos reconheceu a litigância de má fé pelo efeito protelatório dos embargos. Outrossim, ao impor a expedição da carta somente após o trânsito em julgado, criou efeito suspensivo inexistente na legislação processual. O imóvel objeto da carta de adjudicação foi dado em garantia hipotecária da dívida objeto da execução. O NCPC trouxe várias inovações no âmbito recursal, dentre elas a de o relator conceder a tutela que não se limita as hipóteses do art. 995, parágrafo único, quanto à capacidade de o relator antecipar os efeitos da pretensão do recorrente, pois o artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Uma boa exegese desse dispositivo é possível extrair que qualquer das espécies de tutela provisória as previstas no Livro V do novel Diploma Processual Civil - podem ser postuladas ao tribunal, incluindo-se aí a tutela de evidência. O caso, assim, autoriza seja expedida carta, com a única observação que o caberá a requerente ressarcir eventuais danos ou prejuízos que vier a causar se e caso provida a apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos. Ante o exposto, defiro a tutela de evidência e determina-se a expedição da carta em primeiro grau." (TJSP, Tutela Cautelar Antecedente n. 2056734-44.2017.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Miguel Petroni Netto, v.u., j. 15.08.2017) Muito embora o julgado acima se refira a tutela cautelar antecedente, o raciocínio exposto projete luzes ao quanto sustentado em linhas anteriores, até porque o art. 932, II, do CPC, atribui o poder ao relator de apreciar pedido de tutela provisória "(...) nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal". E, no tocante a tutela provisória fundada na evidência resta entender melhor o significado da expressão probabilidade de provimento do recurso e, ainda, se tal requisito se enquadra em tutela da evidência, assim entendida a concessão de tutela provisória dispensado o requisito da urgência. Nessa ótica, sugere-se as hipóteses que autorizam o julgamento monocrático de recurso com base em determinados precedentes, tal qual estatui o art. 932, V, do CPC: "Art. 932. Incumbe ao relator: (...) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (...)" Afinal, se o relator pode o mais - monocraticamente prover determinado recurso nas hipóteses acima citadas, dispensando-se a colegialidade e por vezes subtraindo a oportunidade de sustentação oral nos recursos a esta assegurada1, - porque não poderia o menos (concessão de decisão revestida de provisoriedade, passível de confirmação ou revogação quando do julgamento colegiado do recurso)? __________ 1 O art. 937, I a V e VII do CPC asseguram a prerrogativa de sustentação oral nos recursos de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência e recurso de agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência.
André Pagani de Souza Como é do conhecimento de todos, o art. 334 da lei 13.105/2015 (CPC/2015), estabelece em seu caput que "se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (...)". Tamanha é a importância conferida pelo CPC/2015 à audiência de conciliação ou mediação que o § 8º do seu art. 334 determina que "o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado". Assim, se o réu ou autor, devidamente cientificados, não comparecerem à audiência de mediação ou conciliação a que se refere o caput do art. 334 do CPC/2015, estarão sujeitos à multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica pretendida. Todavia, para atenuar o rigor do § 8º do art. 334 do CPC/2015, o § 10 do mesmo dispositivo estatui que "a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir". Por isso, a presença da parte na audiência de conciliação ou mediação a que se refere o art. 334 do CPC/2015 não é obrigatória, uma vez que o § 10 do referido dispositivo permite que seja constituído representante para participar de tal ato processual com poderes para negociar e transigir. Pode surgir alguma dúvida se tal "representante" pode ser ou não o próprio advogado da parte a atuar com poderes específicos para negociar e transigir. Isso porque o art. 25 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (Aprovado pela resolução 02/2015 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, publicado no Diário Oficial da União, S.1, de 4/11/2015, p. 77), dispõe que: "é defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente". Contudo, como já teve oportunidade de esclarecer o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná "(...) Parece, no entanto, que essa proibição não se aplica à representação processual, porquanto a participação do advogado, aqui, na qualidade de representante negocial, restringir-se-á à negociação e à assinatura do termo de acordo - atividades típicas do exercício da advocacia. A restrição do Código de Ética refere-se à preposição em causas trabalhistas, nas quais a figura do preposto assume outras funções processuais - depor pela parte, por exemplo (...)". (TJ/PR, 17ª Câmara Cível, Processo 1656535-0, Rel. Lauri Caetano da Silva, decisão monocrática, j. 13.03.2017, DJ 22/3/2017). Diante disso, é inafastável a conclusão de que a parte não precisa comparecer à audiência de conciliação ou mediação a que se refere o art. 334 do CPC, desde que esteja neste ato representada por alguém com poderes para negociar e transigir, sendo que tal pessoa poderá ser, inclusive, seu próprio advogado. Nesse sentido, não há como deixar de aplaudir recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que afastou a multa ilegalmente imposta à parte que não compareceu à audiência de conciliação, mas se fez representar por seu advogado com poderes específicos para transigir e negociar. Confira-se: "Mandado de segurança - Interposição contra ato judicial que aplicou multa por ato atentatório à dignidade da justiça, em razão do não comparecimento pessoal da autora na audiência de conciliação, nos termos do art. 334, §8° do CPC - Descabimento - Comparecimento da advogada constituída pela parte com poderes específicos para transigir que afasta a incidência da penalidade, uma vez que o objetivo do legislador é a pacificação dos conflitos, devendo ser punida somente a parte que descumprir com o seu dever de colaboração com a ausência injustificada, o que não se verifica na hipótese - Direito líquido e certo da impetrante amparado pelo art. 334, §10 do CPC - Ordem concedida (TJ/SP, Mandado de Segurança n. 2102925-50.2017.8.26.0000, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Thiago de Siqueira, concederam a segurança, v.u., j. 13/11/2017)". Com efeito, não se pode nunca perder de vista que o escopo maior do processo - e não apenas do legislador que fez o CPC/2015 - é a pacificação social. Aplicar uma multa àquele que outorgou uma procuração para o seu advogado representá-lo em audiência de conciliação ou mediação (com poderes para negociar e transigir), ao arrepio do que dispõe o § 10 do art. 334 do CPC, contribuiria para prolongar conflitos em vez de eliminar conflitos, pois seria mais uma batalha secundária a ser travada (sobre o cabimento de uma multa ou não) dentro de um triste processo que nascera devido a um outro conflito certamente mais importante que a multa. É preciso acabar com o processo como instrumento para prolongar conflitos e utilizá-lo para debates de questões que realmente importam para as partes e para a sociedade como um todo (que é quem paga a conta ao final de tudo).
Elias Marques de Medeiros Neto Em 7/12/2017, tivemos a oportunidade de apresentar recentes posições do Poder Judiciário quanto à aplicação do art. 190 do CPC/15. Dada à polêmica doutrinária que se aflora em torno do tema, neste artigo novamente se aborda a existência de julgados relativos ao negócio processual atípico. Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 assim define o instituto do art. 190 do CPC/15: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191". Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Teresa Arruda Alvim3 exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...". Para Fredie Didier Jr.4, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. E no recente julgamento do Agravo de Instrumento 2118535-58.2017.8.26.0000, da 17ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Paulo Pastore Filho, decidiu-se que as partes podem convencionar, em negócio processual atípico, sobre qual bem deve recair a penhora. Veja-se: "EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL -- Acordo levado a efeito entre as partes, com previsão de penhora sobre imóveis oferecidos pelos executados - Viabilidade - Com o advento do novo CPC, é possível as partes celebrarem negócio jurídico processual, amoldando as normas processuais de acordo com os seus interesses - Inteligência do art. 190 do CPC/2015 - Composição que preserva os interesses das partes, bem como encontra arrimo no artigo 774, inciso V, e art. 829, § 2º, do CPC/2015 - Decisão reformada - Recurso provido". Por outro lado, no também recente julgamento do Agravo de Instrumento n. 2098515-46.2017.8.26.0000, da 33ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Eros Piceli, decidiu-se que as partes não podem convencionar sobre a possibilidade de se aplicar o instituto da denunciação da lide em caso concreto que seria regido pelo código de defesa do consumidor, dada a vedação de ordem pública que estaria contida no comando do art. 88 do diploma consumerista: "Ação de indenização - discussão envolvendo falha na prestação de serviço de guincho oferecido por concessionaria de rodovia - elementos que indicam a incidência do Código de Defesa do Consumidor - vedação à denunciação a lide - artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor - norma de interesse público que afasta a autocomposição prevista no artigo 190 do CPC diante de sua indisponibilidade - indeferimento da denunciação a lide mantida - agravo de instrumento não provido". Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do art. 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim5, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (arts. 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais. Fredie Didier Jr.6, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos. Humberto Theodoro Jr.7 defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. Como já dito, o Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no art.190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402. 6  DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388. 7 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A estabilização da tutela e a Fazenda Pública

Rogerio Mollica A estabilização da tutela prevista no "caput" do artigo 304 do Código de Processo Civil é uma das muitas inovações do novo CPC. A saudosa professora Ada Pellegrini Grinover sempre foi uma entusiasta de tal instituto, que é baseado na experiência Italiana e Francesa. O instituto é bastante controverso e gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da estabilização da tutela concedida em face da Fazenda Pública. O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 582 prevendo que: "Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública". O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir pelo cabimento da estabilização da tutela em face do Fazenda Pública, conforme se depreende do seguinte julgado: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO JUDICIAL IMPUGNADO. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. MEDICAMENTOS. TUTELA ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ESTABILIZAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. Matéria devolvida em sede de agravo. Impugnação da Fazenda considera as limitações para concessão da tutela antecipada em caráter antecedente. Inteligência do art. 304 DO CPC. A estabilização não qualifica a formação da coisa julgada. A estabilização da decisão estende a chamada técnica monitória para as tutelas de urgência porque condiciona o resultado do processo ao comportamento do réu ("secundum eventus defensionis"). Realidade compatível com o regime jurídico que rege os atos do Estado em juízo, a exemplo do que ocorre com a ação monitoria, na qual a formação do título executivo é decorrência da inércia do réu (Súmula 339 do STJ). Possibilidade de demandar o autor para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Inexistência de óbices para requerer tutela antecipada antecedente em face da Fazenda Pública. PRAZO PARA CUMPRIMENTO E MULTA FIXADA. Ausência de elementos que justifiquem a fixação e prazo exíguo para fornecimento de medicamento não contido na lista de dispensação obrigatória por parte do Estado. Prazo majorado para 30 dias e multa diária reduzida para R$ 200,00, limitada a R$ 60.000,00. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (g.n.)(TJSP; Agravo de Instrumento 2129259-58.2016.8.26.0000; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Sumaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2016; Data de Registro: 28/09/2016) É de se ter presente a ressalva feita pelo Professor Eduardo Talamini em artigo intitulado "Ainda a estabilização da tutela Antecipada" publicado nesse mesmo informativo Migalhas de 01/04/2016 sobre a correlação entre a estabilização da tutela, a ação monitória e a Fazenda Pública: "O CPC/15 disciplinou o tema expressamente, no âmbito da ação monitória. Adotou a segunda orientação - que dizima o efeito principal monitório: se não houver embargos ao mandado, haverá reexame necessário (art. 701, § 4.º). Logo, não se constituirá de pleno direito o título executivo. O tribunal que seria competente para o recurso, de ofício, revisará a decisão concessiva da tutela monitória. Se é assim na ação monitória, torna-se sistematicamente muito difícil, se não inviável, reconhecer a incidência do efeito monitório no caso de falta de recurso da Fazenda contra a tutela antecipada antecedente. Há ainda um segundo óbice, de caráter objetivo. Se a posição jurídico-material atingida pela tutela antecipada tem caráter indisponível, não parece possível que ela possa ser neutralizada, por tempo indeterminado (e talvez definitivamente) pelo fenômeno da estabilização. Imagine-se o caso em que se obtém tutela antecipada antecedente para sustar os efeitos do ato de exoneração de um servidor, por falta grave. Não seria razoável estabilizar-se a suspensão da eficácia de tal ato sem a cognição exauriente dos seus fundamentos de legitimidade". Realmente o grande óbice que sempre se levanta quanto a possibilidade de estabilização da tutela em face da Fazenda Pública é a existência da Remessa Necessária. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já teve oportunidade de afastar tal exigência, conforme se depreende do seguinte julgado: "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. AUSÊNCIA DE RECURSO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 304 DO NCPC. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA. APLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. - O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a tutela de urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder. - O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo. - Lecionam os Professores Érico Andrade (UFMG) e Dierle Nunes (PUC Minas) que, se obtida a tutela de urgência, no procedimento preparatório da tutela antecipatória (satisfativa), e o réu não impugnar a tutela concedida, mediante recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC), o juiz vai extinguir o processo e a medida liminar antecipatória da tutela vai continuar produzindo seus efeitos concretos mesmo na ausência de apresentação do pedido principal (art. 304, §§1º e 3º, novo CPC). - A Fazenda Pública se submete ao regime de estabilização da tutela antecipada, por não se tratar de cognição exauriente sujeita a remessa necessária. (Enunciado 21 sobre o NCPC do TJMG). -Recurso improvido". (Apelação Cível nº 0004894-49.2016.8.13.0348, Rel. Des. Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível, julgamento 08/11/2016) Leonardo Carneiro da Cunha também se mostra contrário à realização da remessa necessária nesse caso: "Não é, porém, passível de remessa necessária a decisão que concede a tutela de urgência contra a Fazenda Pública. A estabilização, para ocorrer, não depende de remessa necessária. Isso porque a estabilização, como se viu, não se confunde com a coisa julgada. A remessa necessária é imprescindível para que se produza a coisa julgada. Além do mais, não cabe tutela de urgência contra o Poder Público nos casos vedados em lei e nos casos de pagamento de valores atrasados, que exija expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor. Não sendo possível tutela de urgência com efeitos financeiros retroativos, a hipótese não alcança valor que exija a remessa necessária, aplicando sua hipótese de dispensa prevista no § 3º do art. 496 do CPC". (A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 316) Portanto, apesar do entendimento aparentemente majoritário da doutrina e da jurisprudência quanto ao cabimento da Estabilização da Tutela em face da Fazenda Pública, faz-se urgente que o Superior Tribunal de Justiça decida em definitivo a questão, já que atualmente temos muita insegurança jurídica, eis que tutelas aparentemente estabilizadas podem não estar mais, se for necessária a realização da remessa necessário nesses casos.
Daniel Penteado de Castro A chamada certidão premonitória, antes prevista no art. 615-A do CPC/73, passou a ser regulada no art. 828 do CPC/2015. Pelo teor de referido dispositivo, nas ações de execução, "(...) o exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade." Referida certidão, a ser averbada na matrícula de bens imóveis, veículos ou outros bens que, de alguma forma possuem registro de acesso público, tem o condão de (i) dar publicidade a terceiros quanto a existência da ação de execução promovida contra o devedor e, ainda (ii) por meio de referida publicidade, evitar eventual desfalque patrimonial do devedor que aliena o bem onde estava registrada a certidão, a presumir-se em fraude à execução (art. 828, § 4º, do CPC/2015) acaso o devedor não possua outros bens para pagamento do crédito executado. Nessa ótica lecionam Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge: "Assim, tanto quanto possível é importante que o exequente lance mão de meios que lhe permitam evitar que o executado desfalque seu patrimônio além do suficiente para garantir as obrigações inadimplidas. Nesta toada, uma das formas é justamente trazer ao conhecimento de terceiros a existência da execução instaurada contra o executado, o que é feito, por exemplo, por intermédio da averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. Com isso, realizada a averbação, então o eventual desfalque patrimonial e alienação do referido bem onde estava registrada a certidão, presume-se em fraude à execução, e nenhum terceiro poderá sustentar posteriormente que adquiriu o bem sem saber que estaria ele comprometido com a sujeitabilidade à expropriação. (...) Não se discute que esta certidão da execução averbada no local de registro dos bens do executado tem um papel fundamental de advertir com antecipação, atuando como se fosse uma espécie de aviso - daí receber o apelido forense de certidão premonitória - no sentido de não apenas informar o terceiro que pretenda adquirir o bem que sobre ele pesa a aura da responsabilidade patrimonial do executado, mas em especial de presumir em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação nos termos do art. 828, § 4º, do CPC. Portanto, esta técnica de proteção da responsabilidade patrimonial tem em si uma inegável função preventiva - de evitar a oneração ou alienação - mas também repressiva no sentido de facilitar o reconhecimento da fraude do bem adquirido após a averbação."1 Por sua vez, o art. 828 do CPC/2015 está topologicamente situado no Título II, do Livro II, do CPC/2015, que regula o chamado "processo de execução", processo esse cujo requisito principal impõe a pré-existência de um título executivo extrajudicial dentre aqueles arrolados no art. 784 do CPC/2015. De igual modo, o art. 828 trata de expedição da certidão premonitória em favor do "exequente". Logo, dúvidas não há de que a certidão premonitória é reservada ao processo de execução. Todavia, a jurisprudência vem flexibilizando o entendimento por aceitar o deferimento da certidão premonitória em ações de conhecimento, regidas pelo chamado procedimento comum. Nesse contexto é a inteligência dos julgados emanados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária de imóvel. Ação Declaratória de Nulidade de Atos Jurídicos. Tutela provisória indeferida em Primeiro Grau. Pretensão à averbação premonitória em fase de conhecimento. Possibilidade. Art. 828, CPC. Aplicação subsidiária das regras que regem o processo de execução. Ausência de incompatibilidade. Decisão reformada. Recurso provido. (...) Cinge-se o presente recurso à possibilidade de se efetuar a averbação premonitória junto às matrículas dos imóveis dados em garantia por alienação fiduciária, descritos na inicial, em processo de conhecimento, como tutela cautelar.Conquanto o artigo 828 do Código de Processo Civil se refira apenas às ações executivas, a interpretação analógica dos dispositivos legais está prevalecendo em orientações jurisprudenciais, para permitir a averbação de distribuições de ações ajuizadas pelo procedimento comum em registros de imóveis e veículos (dentre outros), antes mesmo da prolação de sentença de mérito, desde que presentes os requisitos autorizadores da tutela cautelar, nos termos dos artigos 300 e 301, do Diploma Processual. (...) Desta forma, recomendável a expedição de certidão premonitória, ainda que não se cuide de processo de execução, de modo que plenamente viável, no caso concreto, a incidência do artigo 828, do Código de Processo Civil. A concessão da tutela de provisória de urgência, consoante dicção do artigo 300, do Código de Processo Civil, exige a presença de "elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", observando-se que a medida "não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (§ 3º). Segundo a sistemática processual vigente, aquele que pretende se beneficiar com a tutela de urgência deve comprovar a existência de elementos de informação que conduzam à plausibilidade de suas alegações ('fumus boni iuris'), assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na prestação jurisdicional ('periculum in mora'), além da reversibilidade dos efeitos da medida. Assim, conquanto não se exija prova capaz de formar juízo de plena convicção, o requerente deve trazer aos autos elementos de informação sólidos, consistentes, aptos a proporcionar ao Magistrado a formação de um juízo de probabilidade quanto ao direito alegado. Em semelhante conjuntura, em cognição sumária, conclui-se que existem elementos suficientes para a apreciação, com segurança, das alegações da agravante, posto que, eventual procedência do pedido redundará na nulidade do procedimento de consolidação da propriedade e, diretamente, afetará os imóveis objeto das matrículas números 132.981, 132.982, 132.983, 132.984 e 132.985, afetando eventuais terceiros adquirentes. Desta forma, presentes os requisitos legais autorizadores da tutela antecipada pretendida, de rigor o seu deferimento, até para que se dê publicidade, junto às matrículas imobiliárias, da litigiosidade existente sobre os imóveis, resguardando eventual direito de terceiros, ainda que o processo se encontre em fase de conhecimento, observando-se o quanto disposto no artigo 296, do Estatuto Processual." (Agravo de Instrumento n. 2089244-13.2017.8.26.0000, Rel. Des. Bonilha Filho, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 23.06.2017, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de conhecimento. Averbação nesta ação da matrícula de bem imóvel. Aplicação analógica do artigo 615-A do CPC afeto aos processos de execução. Possibilidade. Poder geral de cautela previsto no artigo 798 do mesmo diploma legal. Averbação que dará publicidade do conflito existente entre as partes, resguardando direito de terceiro. Recurso provido." (Agravo de Instrumento nº 2262476-37.2015.8.26.0000, Rel. Des. Teixeira Leite; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 15/02/2016; Data de registro: 15/02/2016, grifou-se); "TUTELA ANTECIPADA. Ação monitória. Pretensão de concessão de arresto cautelar inominado, com base no poder geral de cautela. Não comprovada a necessidade da medida. De outra feita, possibilidade de averbação da demanda na matrícula do imóvel, por analogia ao art. 615-A do CPC, ainda que o feito se encontre em fase de conhecimento, o que resguarda suficientemente os direitos do agravante nesse momento processual. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (Agravo de Instrumento nº 2033348-87.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/11/2015; Data de registro: 10/12/2015, grifou-se); "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Averbação premonitória de ajuizamento de ação de conhecimento em registro de imóveis. Possibilidade. Aplicação analógica do art. 615-A do Código de Processo Civil. Entendimento adotado no parecer n. 266/2010-E da Corregedoria Geral de Justiça deste Tribunal. Medida tem por objetivo evitar fraude à execução, hipótese que pode se caracterizar em fase de conhecimento. Poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC). Existência de mecanismo de controle para coibir o uso abusivo do instituto (art. 615-A, § 4º, do CPC). Decisão mantida. Recurso não provido." (Agravo de Instrumento nº 2002161-61.2014.8.26.0000, Rel. Des. Gilson Delgado Miranda; Comarca: Santos; Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 07/04/2014; Data de registro: 07/04/2014, grifou-se) Os julgados acima firmaram o entendimento pelo cabimento da expedição de certidão premonitória em ação de conhecimento, pedido este que, todavia, deve ser atendido pela técnica da tutela provisória. Portanto, diferentemente da mera admissibilidade da ação de execução, o deferimento da certidão premonitória em ação de conhecimento exige a presença dos requisitos da tutela provisória (fundada na urgência ou na evidência) disciplinada nos arts. 294 a 311 do CPC/2015. A flexibilização interpretativa aplicada certamente favorece a recuperação de crédito inadimplido e outras ações de conhecimento destinadas a cobrança de valores em que não há título executivo, com o diferencial de que, em ações de cobrança de quantia regidas pelo procedimento comum, de igual modo é possível se valer da eficácia técnica da certidão premonitória. _______________ 1 - BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 622
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Um limite para a cooperação

André Pagani de Souza Recentemente, em 11/10/17, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deixou claro que a cooperação a que se refere o art. 6º, da lei 13.105/15 (CPC/15), tem limites. Com efeito, o STJ decidiu que o Estado-juiz não pode alterar a petição inicial de ofício, caso entenda necessário. No caso concreto, uma ação rescisória foi julgada extinta sem resolução de mérito porque se entendeu que o autor não emendou a petição inicial conforme determinado pelo magistrado, para cumular o pedido de rescisão com o de nova decisão. O que o STJ decidiu foi que o "princípio da cooperação" (art. 6º, CPC/15) não pode levar ao extremo de o juiz determinar a emenda da inicial e a parte não a realizar sem qualquer justificativa. Confira-se, abaixo, a ementa do julgado: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL, PARA ATENDER AO DISPOSTO NO ART. 488, I, DO CPC/73 E ART. 968, I, DO CPC/2015, E PARA ACOSTAR AOS AUTOS OS DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA DEMANDA. CUMPRIMENTO PARCIAL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 284, PARÁGRAFO ÚNICO, 295, VI, E 490, I, DO CPC/73 E DOS ARTS. 321, PARÁGRAFO ÚNICO, 330, IV, 968, § 3º, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão monocrática publicada em 05/04/2017, que, por sua vez, indeferira a petição inicial da Ação Rescisória - ajuizada sob a égide do CPC/73 -, com fulcro nos arts. 284, parágrafo único, 295, VI, e 490, I, do CPC/73 e nos arts. 321, parágrafo único, 330, IV, e 968, § 3º, do CPC/2015, na medida em que, mesmo regularmente intimados, para que procedessem à emenda à inicial, a fim de atender ao disposto no inciso I do art. 488 do CPC/73 (atual art. 968, I, do CPC/2015), bem como para que acostassem aos autos os documentos indispensáveis à propositura da demanda, sob pena de indeferimento da inicial, os autores limitaram-se a juntar, ao processo, as principais peças e decisões relativas ao feito originário, deixando, entretanto, de cumprir integralmente o despacho exarado, emendando a inicial, para cumular o pedido de rescisão com o de novo julgamento do processo. II. O art. 488, I, do CPC/73 (atual art. 968, I, do CPC/2015) dispõe que a petição inicial da Ação Rescisória será elaborada com a observância dos requisitos do art. 282 do CPC/73 (atual art. 319 do CPC/2015), devendo o autor cumular, ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo, requisito este obrigatório e que não pode ser considerado implícito, exceto nas demandas fundadas na existência de coisa julgada ou na incompetência absoluta do órgão prolator, conforme já decidiu o STJ (AR 2.677/PI, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 07/02/2008; EDcl no AgRg no REsp 1.184.763/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 22/05/2014; AgRg no REsp 647.232/SE, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJe de 05/10/2009). III. Tratando-se de demanda proposta com base no art. 485, V e IX, do CPC/73 (atual art. 966, V e VIII, do CPC/2015), a desconstituição do acórdão rescindendo exige, no caso, o novo julgamento da controvérsia, tornando-se indispensável a cumulação de pedidos rescindendo e rescisório. IV. Apesar de regularmente intimados, os agravantes restringiram-se a colacionar aos autos os documentos indispensáveis à propositura da demanda, de modo que cumpriram apenas parcialmente o comando judicial. V. Consoante o art. 284, caput e parágrafo único, do CPC/73 (atual art. 321, caput e parágrafo único, do CPC/2015), verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos pelos arts. 282 e 283 do CPC/73 (atuais arts. 319 e 320 do CPC/2015), ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende ou a complete. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. VI. Na mesma linha, prevê o art. 295, VI, do CPC/73 (art. 330, IV, do CPC/2015) que "a petição inicial será indeferida: (...) Vl - quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284" (atuais arts. 106 e 321 do CPC/2015), e 490, I, do CPC/73 (atual art. 968, § 3º, do CPC/2015), pelo que a petição inicial da Ação Rescisória deve ser indeferida, nos casos previstos no art. 295 do CPC/73 (atual art. 330 do CPC/2015). VII. Furtando-se os agravantes de cumprir integralmente o despacho exarado, deixando, assim, de emendar a inicial, a fim de atender ao disposto no inciso I do art. 488 do CPC/73 (atual art. 968, I, do CPC/2015), cumulando o pedido de rescisão com o de novo julgamento do processo, impõe-se o indeferimento da inicial. VIII. Meras alegações - no sentido de se tratar de um lapso escusável, sem prejuízo ao direito de fundo, que a manutenção do decisum causará prejuízos aos agravantes, de inexistência de má-fé, que o indeferimento da inicial configura sanção demasiadamente penosa e devastante, que foi dado cumprimento à determinação mais exaustiva, qual seja, a juntada das peças processuais, que não há falta de zelo com o processo, que os autores vêm cooperando com o processo, que é possível a abertura de novo prazo, para emenda à inicial, invocando, para tanto, os princípios da primazia do julgamento de mérito, da boa-fé processual e da cooperação - não têm o condão de modificar o decisum agravado, porquanto foi outorgada a oportunidade para que os agravantes emendassem a inicial, tendo o despacho indicado claramente os termos em que deveria dar-se a referida emenda, conforme exige a parte final do art. 321 do CPC/2015, de modo que, deixando os agravantes de dar integral cumprimento ao comando judicial, cumprindo-o apenas em parte, sem que emendassem a petição inicial, para atender ao disposto no inciso I do art. 488 do CPC/73 (atual art. 968, I, do CPC/2015), impõe-se o indeferimento da inicial. IX. O princípio da primazia do julgamento de mérito outorga, ao magistrado, o dever de possibilitar à parte sanar eventual vício, contido na petição inicial ou no recurso, a fim de possibilitar o julgamento de mérito, nas hipóteses em que for possível sanar a irregularidade, não se admitindo a não apreciação da controvérsia posta em debate apenas em razão de uma falha sanável, de sorte que, deixando a parte de atender ao comando judicial, sanando o vício, e tratando-se de vício que inviabilize o exame da controvérsia - como é o caso de desatendimento do art. 488, I, do CPC/73 -, cabe ao julgador o indeferimento da inicial ou o não conhecimento do recurso. X. Em que pese efetivamente oportunizado, aos agravantes, o saneamento do vício existente na petição inicial da Ação Rescisória, relativo à ausência de cumulação dos pedidos de rescisão do acórdão rescindendo e de novo julgamento, na forma determinada pelo art. 488, I, do CPC/73, os agravantes deixaram de fazê-lo, devendo, assim, suportar as consequências decorrentes de sua omissão, especialmente quando não compete ao julgador, com base no princípio da primazia do julgamento de mérito e da cooperação, fechar os olhos para os requisitos legais, emendando, de ofício, a petição inicial, ou outorgando reiteradas oportunidades para que a parte corrija o vício, o que violaria o princípio da paridade de tratamento, previsto nos arts. 7º e 139, I, do CPC/2015. XI. Agravo interno não provido. (AgInt na AR 5.303/BA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/10/2017, DJe 24/10/2017)". Por outras palavras, o que o STJ deixou bem claro é que o princípio da cooperação (CPC/15, art. 6º) tem limites e não deve ser aplicado sem qualquer critério, apenas impondo que o juiz colabore com as partes e que estas façam o mesmo com o magistrado. O limite ao princípio da colaboração é o princípio da imparcialidade. O Estado-juiz não pode mais ajudar demais uma das partes em detrimento da outra. No caso concreto, determinou-se a emenda da inicial e a juntada de documentos considerados essenciais. Como tais documentos não foram juntados na íntegra e não foi emendada a inicial, o juiz julgou extinto o processo sem resolução do mérito. Portanto, mandar diversas vezes emendar a inicial é algo que viola o princípio da paridade de armas. Assim, o Estado-juiz deve dar uma oportunidade de o autor emendar a inicial.
Elias Marques de Medeiros Neto O CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Antonio do Passo Cabral1 assim define o instituto do art. 190 do CPC/15: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento". Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191". Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual. Teresa Arruda Alvim3 exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...". Cassio Scarpinella Bueno4 doutrina que os negócios processuais podem versar, por exemplo, sobre escolha de conciliador, mediador e da câmara de mediação, suspensão do processo, escolha do perito, escolha do administrador depositário, e redução de prazos. Para Fredie Didier Jr.5, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos. Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do art. 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim6, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (arts. 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais. Fredie Didier Jr.7, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos. Humberto Theodoro Jr.8 defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. É certo que o Poder Judiciário terá a difícil missão de delinear quais são os limites de aplicação do art. 190 do CPC/15, sendo, portanto, importantíssimos os recentes julgados acerca do tema. No julgamento do Agravo de Instrumento n. 2045753-87.2016.8.26.0000, a 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Luis Fernando Nishi, entendeu que as partes, com base no art. 190 do CPC/15, podem versar sobre a forma pela qual recebem intimações: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Intimação para os fins do artigo 475-J do CPC/1973 - Ré executada sem advogado constituído nos autos - INTIMAÇÃO PESSOAL - DESNECESSÁRIO - Partes que estipularam mudança no procedimento para ajustá-lo a especificidade da demanda - NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL PREVISTO NO CPC/2015 - CABIMENTO - Intimações a serem realizadas no endereço declinado, ficando autorizado o recebimento de intimação por quaisquer terceiros que nele se encontrem. AUTOCOMPOSIÇÃO E CAPACIDADE PLENA DAS PARTES. DISPONIBILIDADE DOS INTERESSES A PERMITIR O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSAL - Inteligência do art. 190, do CPC/2015. DECISÃO AGRAVADA REFORMA. AGRAVO PROVIDO." Segue interessante trecho do julgado: "Consagrado na nova ordem processual, o CPC/2015 permite o negócio jurídico processual, como fundamento no dever de colaboração, face aos interesses disponíveis dos envolvidos, como forma, ainda, da efetividade da prestação jurisdicional, certo, ademais, que a disposição em análise decorre de acordo entra as partes, agora em fase de cumprimento, sem que nisso resida qualquer violação de lei". No julgamento da Apelação Cível n. 70075492462, a 16ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido relator o desembargador Paulo Sérgio Scarparo, entendeu que as partes podem convencionar sobre a realização da audiência de conciliação e sobre o momento para a apresentação de contestação: "APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ACORDO PARA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO, COM REALIZAÇÃO DE NOVA AUDIÊNCIA, A PARTIR DA QUAL CORRERIA O PRAZO PARA CONTESTAR. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL VÁLIDO. ART. 190 DO CPC. NÃO OBSTANTE, JUÍZO DE ORIGEM CONDUZIU O PROCESSO AO ARREPIO DO ACORDADO PELAS PARTES, EM INEQUÍVOCO PREJUÍZO À RÉ S&K, CUJO PRAZO CONTESTACIONAL FOI TOLHIDO. ERROR IN PROCEDENDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. DERAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ S&K PRODUTOS PARA SAUDE LTDA., RESTANDO PREJUDICADO O RECURSO DA PARTE AUTORA. UNÂNIME". Segue interessante trecho do julgado: "Percebe-se, então, que as partes acordaram a realização de nova audiência de conciliação, sendo que o prazo para contestar somente correria a partir dessa nova solenidade. Nesse ponto, convém lembrar que o CPC permitiu, em seu art. 190, às partes a realização de negócios processuais a fim de adaptar o procedimento às especificidades do caso, privilegiando, segundo a norma fundamental do art. 3º, parágrafo 4º, a utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação. Dessa forma, plenamente válido - e em consonância com o espírito do novo diploma processual - o ajuste firmado pelas partes para nova tentativa de conciliação, correndo o prazo defensivo somente a partir dessa segunda audiência". O Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no art. 190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo. __________ 1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397. 4 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 217. 5 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402. 7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388. 8 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.
quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Aspectos processuais da reforma trabalhista

Elias Marques de Medeiros Neto A recente reforma trabalhista não se destaca apenas pelas inovações no âmbito do Direito Material. Também no campo do Direito Processual existem previsões que merecem importante atenção da comunidade jurídica. Em um franco e harmônico diálogo com o CPC/15, através da lei 13.467/17, a CLT passa a contar com o art. 855-A, que dispõe que se aplicam os arts. 133 e seguintes do CPC/15 para reger o incidente de desconsideração da personalidade jurídica; o que, em outras palavras, significa afirmar que os potenciais afetados pela desconsideração da personalidade jurídica - dentre eles sócios e administradores da empresa - tem direito ao contraditório prévio antes da competente decisão acerca do tema no processo. Sem prejuízo da suspensão do processo em virtude da instauração do incidente do art. 133 do CPC/15, a possibilidade de deferimento da tutela provisória de urgência está prevista no parágrafo segundo do mesmo art. 855-A. E os competentes recursos contra a decisão que deferir a desconsideração da personalidade jurídica estão previstos no parágrafo primeiro do mesmo artigo. Neste tópico, importante é a previsão do art. 10-A da CLT, que estabelece que o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social. Igualmente importante é a previsão do parágrafo terceiro do art. 2 da CLT, que prevê que não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. Em igual relevante diálogo com o CPC/15, a atual redação do art. 818 da CLT adota a famosa teoria das cargas dinâmicas da prova, prevendo em seu parágrafo primeiro que o ônus da prova poderá ser atribuído de forma diversa nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade, à excessiva dificuldade, ou à maior facilidade de obtenção da prova por uma das partes, devendo a decisão ser fundamentada. Vale ressaltar, nos termos do enunciado 6 do Centro de Estudos Avançados de Processo - Ceapro, que "a hipossuficiência justificadora da atribuição do ônus da prova é a informativa e não a econômica". E em prestígio à teoria que afirma que o ônus da prova também é regra de instrução, o parágrafo segundo do mesmo art. 818 da CLT estipula que a atribuição dinâmica do ônus da prova deve ser deferida antes da audiência de instrução. Na mesma linha de dialogar com o CPC/15, a atual redação do art. 775 da CLT prevê a contagem dos prazos processuais em dias úteis, tal qual o faz o art. 219 do CPC/15. O ônus da sucumbência e a multa por litigância de má-fé estão previstos, respectivamente, nos arts. 790-B, 791-A, 793-B e 793-C da CLT, sendo certo que, de alguma forma, também aqui se encontra pontos de inspiração da CLT nas recentes previsões do CPC/15, seja pela vedação da compensação dos honorários na hipótese da sucumbência recíproca, seja pelos valores estipulados para a multa por litigância de má-fé. Relevantíssima alteração é a previsão do parágrafo primeiro do art. 840 da CLT, que exige que a petição inicial, tal qual ocorre no CPC/15, apresente pedido certo, determinado e com precisa indicação de seu valor; tudo de modo a contribuir para o manejo responsável da causa trabalhista. Em clara inovação em relação à prática forense trabalhista, o parágrafo terceiro do art. 843 da CLT prevê que o preposto não precisa ser empregado da pessoa jurídica reclamada; o que não o desobriga, nos termos do parágrafo primeiro, de ter conhecimento dos fatos alegados no processo. O legislador também se preocupou em escalonar a fixação da indenização por dano moral, conforme previsão do parágrafo primeiro do art. 223-G da CLT. Continuando com o seu diálogo com o CPC/15, a CLT, em seu art. 882, expressamente faz referência ao art. 835 do CPC/15, e prevê a indicação de bens à penhora, podendo o executado inclusive se valer do seguro garantia para tanto. A reforma também delineia a aplicação do critério de transcendência para o exame do recurso de revista, conforme previsão do caput do art. 896-A da CLT. Segundo o parágrafo primeiro do citado artigo, é indicadora de transcendência a questão: (i) I - econômica, se elevado o valor da causa; (ii) política, se houve desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal; (iii) social, se há postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado; e (iv) jurídica, se há existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. A presidência do TRT não tem competência para examinar a existência de transcendência, sendo tal ato da exclusiva competência do TST, conforme previsto no parágrafo sexto do art. 896-A da CLT. E em decisão recorrível à turma, o relator do recurso de revista pode monocraticamente denegar seguimento ao recurso que não demonstrar a referida transcendência. Todavia, caso a decisão do relator não reconhecendo a transcendência tenha sido proferida em sede de agravo de instrumento em recurso de revista, a decisão seria irrecorrível, conforme prevê o parágrafo quinto do art. 896-A da CLT. Não há dúvida de que a preocupação da CLT, tal qual ocorreu com a previsão na Constituição Federal da exigência da repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário, é a de restringir ao TST o exame de recursos de revista que realmente demonstrem maior repercussão, em conformidade com os critérios agora estipulados na CLT. O que se espera é que haja uma adequada regulamentação, no âmbito do TST, de como tal instituto será aplicado na prática; seguindo-se como exemplo as reformas que se deram no regimento do STF para melhor assegurar o respeito ao instituto da repercussão geral. Haveria mais relevantes aspectos do ponto de vista processual para abordar neste humilde artigo. A preocupação aqui não foi o de esgotar o tema; mas tão somente chamar a atenção para importantes pontos de processo, demonstrar o diálogo travado entre a CLT e o CPC/15 - que já vinha consagrado no art. 15 do CPC/15 - e ressaltar, por último, que tal qual ocorre com a leitura do CPC/15, a CLT deve ser interpretada sempre de acordo com as normas constitucionais, sendo que a constitucionalização da leitura das regras processuais é tendência inevitável nos tempos modernos.
Rogerio Mollica Em meu último artigo publicado nesta coluna1, tive a oportunidade de analisar algumas questões controvertidas sobre a sucumbência recursal, que é uma das esperanças do novo Código para que tenhamos uma diminuição dos recursos meramente protelatórios, a fim de se obter a tão almejada celeridade processual. Por ser um instituto novo, o Judiciário vem suprindo várias lacunas da lei e esclarecendo pontos controvertidos sobre a condenação em honorários no grau recursal. Parece claro, que seria melhor que a lei não ensejasse essas controvérsias, já que cabe ao legislador fazer a lei e ao Judiciário aplicá-la. Entretanto, tendo em vista as dificuldades do dia a dia forense e o moroso processo legislativo, diuturnamente o Judiciário vem sendo instado a decidir sobre a aplicação do novo CPC. Nesse sentido, veja-se a recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça2, que admitiu a interposição de agravo de instrumento em face de decisões sobre competência, sendo que tal matéria não se encontra no rol das previsões do artigo 1.015 do novo Código3. Com a sucumbência recursal não vem sendo diferente. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF (relator ministro Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, in DJe de 19/10/2017) fixou seguintes orientações a respeito dos honorários recursais disciplinados no novo CPC: "(...) 5 - É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo CPC; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem, no feito em que interposto o recurso; 6. Não haverá honorários recursais no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração apresentados pela parte que, na decisão que não conheceu integralmente de seu recurso ou negou-lhe provimento, teve imposta contra si a majoração prevista no parágrafo 11 do artigo 85 do CPC/2015; 7. Com a interposição de embargos de divergência em recurso especial tem início novo grau recursal, sujeitando-se o embargante, ao questionar decisão publicada na vigência do CPC/2015, à majoração dos honorários sucumbenciais, na forma do parágrafo 11 do artigo 85, quando indeferidos liminarmente pelo relator ou se o colegiado deles não conhecer ou negar-lhes provimento; 8. Quando for devida a verba honorária recursal, mas, por omissão, o relator deixar de aplicá-la em decisão monocrática, poderá o colegiado, ao não conhecer ou desprover o respectivo agravo interno, arbitrá-la ex officio, por se tratar de matéria de ordem pública, que independe de provocação da parte, não se verificando reformatio in pejus; 9. Da majoração dos honorários sucumbenciais promovida com base no parágrafo 11 do artigo 85 do CPC/2015 não poderá resultar extrapolação dos limites previstos nos parágrafos 2º e 3º do referido artigo; 10. É dispensada a configuração do trabalho adicional do advogado para a majoração dos honorários na instância recursal, que será considerado, no entanto, para quantificação de tal verba." (g.n.) Como se pode verificar, a decisão é na verdade um verdadeiro manual quanto a aplicação da sucumbência recursal. Dentre os diversos pontos, parece interessante destacar três e que se referem aos grifos na decisão. O julgado do Superior Tribunal de Justiça prevê, de forma acertada, que só teremos sucumbência recursal no caso do recurso não ser conhecido ou improvido. Portanto, no caso de provimento do recurso, teríamos somente a inversão dos honorários, sem a majoração recursal4. Tal entendimento é contrário ao Enunciado nº 243 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que prevê: "No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal." Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de se fixar honorários recursais em Agravos Internos, nos casos em que a decisão monocrática não os fixar. Por exemplo, no caso de improvimento de Recurso Especial, de forma monocrática, e sem a fixação de honorários recursais, pode a Turma os fixar no julgamento do Agravo Interno do Recorrente. Se a decisão monocrática já os tiver fixado, não poderão ser majorados via agravo interno. Cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça albergou o entendimento de que a fixação dos honorários recursais pode e deve ser feita pelo Tribunal, independentemente de pedido expresso das partes, eis que o dispositivo é imperativo ao prever que "O tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente (...)"5 Outro ponto bastante controvertido é o teto dos honorários fixados em todo o processo de conhecimento no montante de 20%. Fixados os honorários advocatícios, por equidade (§ 8º), em percentual superior aos 20%, mesmo assim seria cabível a fixação de honorários recursais? Os tribunais, em boa hora, vêm decidindo que sim, até para se evitar honorários irrisórios e aviltantes. Neste sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo: "TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - EXERCÍCIO DE 2004 E 2005 - MUNICÍPIO DE BERTIOGA - Sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva do executado e julgou extinta a execução fiscal. Apelo do exequente. ILEGITIMIDADE PASSIVA - OCORRÊNCIA - Transferência do imóvel em data anterior à propositura da execução - Impossibilidade de alteração do polo passivo no curso da demanda - Se a transferência do bem, devidamente registrada, ocorreu antes da propositura da execução, a troca do sujeito passivo não é viável - Inteligência da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça - Precedentes do STJ e desta C. Câmara. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa (R$ 2.185,00) - Verba honorária que corresponde a aproximadamente R$ 219,00 - HONORÁRIOS RECURSAIS - Artigo 85, §11 do Código de Processo Civil de 2015 - MAJORAÇÃO - POSSIBILIDADE - Ocorre que o Código de Processo Civil não é a única norma a ser aplicada - Aplicação conjunta com a Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) - Entendimento jurisprudencial no sentido de não permitir o aviltamento da profissão de advogado - Honorários que devem ser fixados de forma razoável, respeitando a dignidade da advocacia - Honorários recursais fixados em R$ 2.781,00 que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade - Verba honorária que totaliza R$ 3.000,00. Sentença mantida - Recurso desprovido." (TJSP; Apelação 0532584-28.2006.8.26.0075; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Bertioga - SETOR DE EXECUÇÕES FISCAIS; Data do Julgamento: 17/11/2017; Data de Registro: 17/11/2017) Por fim, existem julgados que aplicam a sucumbência recursal, entretanto, determinam que o juízo da fase de liquidação é que deve fixar a majoração, segundo se depreende do seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. PARCIAL procedÊNCIA Do pedido mediato. SERVIDOR PÚBLICO. Policial Militar. Pretensão de reconhecimento de vínculo empregatício. Contratação de voluntários nos termos da Lei Federal n. 10.029/2000 e da Lei Estadual n. 11.064/2002. Atos normativos declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial desta Corte. Contratação que viola a obrigatoriedade do concurso para o acesso aos cargos públicos. Tese n. 2 firmada no julgamento do IRDR n. 0038758-92.2016.8.26.0000. Reconhecimento do vínculo apenas para o fim de autorizar o pagamento das verbas remuneratórias, excluídas aquelas destinadas aos servidores providos em cargos efetivos, e para contagem de tempo para fins previdenciários. Dever de remuneração. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Possibilidade. Desconto a partir da dívida apurada. Serviço efetivamente prestado. CRITÉRIO DE INCIDÊNCIA DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS. Incidência de correção monetária e juros de mora de acordo com o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela lei n. 11.960/2009. Reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei n. 11.960/09. Entendimento aplicável apenas à correção monetária devida nos casos de precatório já expedido. Inexistência de manifestação expressa sobre a correção monetária devida nas condenações da Fazenda Pública. Precedentes do STF. Juros de mora. Citação. Correção monetária. Desde a data em que deveria ter sido feito o pagamento. Observância dos índices de remuneração básica da caderneta de poupança. HONORÁRIOS RECURSAIS. A parte que sucumbiu no julgamento do recurso deverá arcar com o pagamento de honorários advocatícios devidos no segundo grau de jurisdição. Aplicação da regra do artigo 85, § 11, da Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Majoração delegada para o juízo da fase de liquidação, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 85 do CPC. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA. PROVIDO EM PARTE O RECURSO DA RÉ E ACOLHIDA EM PARTE A REMESSA NECESSÁRIA. (g.n.) (TJSP; Apelação / Reexame Necessário 1025525-79.2015.8.26.0506; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 01/09/2017; Data de Registro: 01/09/2017) Por mais que a sentença seja ilíquida e a condenação em face da Fazenda Pública seja escalonada segundo faixas, parece ser mais conveniente que o Tribunal fixe desde logo o aumento dos honorários em face da sucumbência recursal, eis que ao deixar essa discussão para a fase de liquidação fatalmente teremos a reabertura da questão e a interposição de agravos em relação a referida fixação. __________ 1 Publicação em 5/10/2017. 2 REsp 1.679.909 4ª Turma do STJ. 3 Em artigo publicado em 20/4/2017 nessa coluna, o professor Elias Marques de Medeiros Neto já apontava a existência de vários julgados de Tribunais locais nesse sentido. 4 Esse também é o entendimento de Luiz Dellore (Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 299), Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 171) e Ronaldo Cramer (Comentários ao Código de Processo Civil, Coordenador Cássio Scarpinella Bueno, vol, 1, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 448). Em sentido contrário Luiz Henrique Volpe Camargo (Breves Comentários ao Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: RT, 2015, p. 323/325. 5 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "Entendo que a previsão legal faz com que a readequação do valor dos honorários advocatícios passe a fazer parte da profundidade do efeito devolutivo dos recursos, de forma que mesmo não havendo qualquer pedido das partes quanto a essa matéria o tribunal poderá analisa-la para readequar os honorários conforme o trabalho desempenhado em grau recursal." (Novo Código de Processo Civil Comentado, salvador: JusPodivm, 2016, p. 137).
Elias Marques de Medeiros Neto Umas das grandes novidades do CPC/15 é a previsão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme estipulado nos artigos 133 e seguintes do diploma processual. E quando um terceiro é afetado por uma ordem judicial, fruto de uma desconsideração da personalidade jurídica de uma das partes do processo, sem que tenha sido observado o rito do artigo 133 do CPC/15, o artigo 674 do código prevê a possibilidade de o prejudicado se defender através da ação de embargos de terceiro. Recentemente, em 7 de novembro de 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da apelação 0002861-86.2008.8.26.0160, tendo sido relator o Desembargador Sérgio Gomes, decidiu que: "Assim, conquanto alegado que haveria ser necessária a prova da condição da posse dos bens, nos termos do art. 1.050 do CPC/73 (art. 677 do CPC/2015), além da turbação ou esbulho na posse, consoante art. 1.046 do mesmo diploma (art. 674 do CPC/2015), tem-se que sem a decretação da desconsideração da pessoa jurídica, o embargante não pode ser parte da ação e, dessa forma, indevida a penhora sobre os bens de caráter pessoal." Naquele caso, o Tribunal de Justiça considerou, portanto, que sem o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o terceiro afetado pela ordem judicial pode e deve manejar embargos de terceiro. Mas, afinal, o que é a ação de embargos de terceiro? O artigo 674 do código prevê que aquele que não for parte no processo e sofrer constrição, e/ou ameaça de constrição, sobre bens que possua, ou sobre os quais tenha direito, poderá requerer o respectivo cancelamento do ato constritivo, e/ou a inibição de tal ato, através da ação de embargos de terceiro. Trata-se de ação de conhecimento, prevista no código como procedimento especial, que tem como objeto proteger o patrimônio de terceiro quanto à ordem de constrição, e/ou à ameaça de constrição, proveniente de processo judicial do qual o terceiro não faz parte. A constrição que autoriza o ajuizamento dos embargos de terceiro deve ter natureza judicial. Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 674, os embargos de terceiro podem ser manejados pelo terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou pelo possuidor. O parágrafo segundo do artigo 674 elenca hipóteses de terceiros legítimos para o manejo da ação de embargos de terceiro. Considera-se terceiro, para fins do ajuizamento dos embargos, o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação. Claro, todavia, que se a responsabilidade pelo pagamento da dívida puder ser atribuível ao cônjuge ou ao companheiro, com a possibilidade de os seus respectivos bens serem constritos, os embargos do devedor ou a impugnação ao cumprimento de sentença, nesta situação, passam a ser o meio processual próprio a ser manejado. O artigo 674 do Código prossegue elencando como terceiro o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução. Como já visto, o mesmo parágrafo segundo do artigo 674 do código apresenta a hipótese de se ajuizar os embargos de terceiro na situação de sofrer-se constrição de bem por força de desconsideração da personalidade jurídica; constrição esta havida sem que o terceiro tenha integrado o incidente de que trata o artigo 133 do código. Finalmente, o credor com garantia real também pode se valer dos embargos de terceiro para evitar a expropriação judicial do bem objeto da garantia real, caso não tenha sido intimado dos respectivos atos expropriatórios. O artigo 675 do código é claro ao dispor que os embargos de terceiro podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento, enquanto não transitada em julgado a sentença. Caso o processo já esteja em fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução, o prazo é de até cinco dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta. Importante regra consta do parágrafo quarto do artigo 792 do código, que prevê, para o caso de fraude à execução, que, antes de declarar a fraude, o juiz deve intimar o terceiro adquirente para que, caso queira, oponha embargos de terceiro, no prazo de quinze dias. O enunciado 191 do fórum permanente de processualistas civis, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, declara que o prazo especial do artigo 792, parágrafo quarto, é exclusivo para as hipóteses de fraude à execução, sendo que nas demais situações o prazo a ser observado é o do artigo 675 do código. Nos termos do artigo 676 do código, a ação de embargos de terceiro deve ser ajuizada perante o juízo que ordenou a constrição, devendo ser autuada em apartado. Caso o ato de constrição tenha ocorrido através de carta, os embargos de terceiro devem ser distribuídos perante o juízo deprecado, salvo na situação de a carta precatória já ter sido devolvida ao juízo deprecante e/ou na situação em que o bem constrito foi indicado expressamente pelo juízo deprecante. O artigo 677 exige que a petição inicial seja acompanhada de provas quanto à qualidade de terceiro do requerente da ação de embargos, bem como de provas quanto à posse e/ou ao domínio do bem constrito, sendo que o requerente deve juntar documentos e apresentar o rol de testemunhas. A prova da posse pode se dar em audiência preliminar designada para este fim pelo magistrado, conforme o parágrafo primeiro do artigo 677. A citação deve ser pessoal, caso o embargado não tenha procurador constituído nos autos da ação principal. O sujeito passivo da ação de embargos de terceiro, de acordo com a previsão do parágrafo quarto do artigo 677, deve ser o sujeito beneficiado com o ato da constrição, bem como o sujeito processual da ação principal que tenha feito a indicação do bem que foi constrito. O artigo 678 do código prevê a possibilidade de o juízo suspender as medidas constritivas sobre os bens litigiosos, objeto dos embargos de terceiro, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse; sendo que o parágrafo único estipula que o juízo pode condicionar a ordem de suspensão à prestação de caução pelo requerente, caução esta dispensável quando a parte for economicamente hipossuficiente. Nos termos do artigo 679 do código, os embargos de terceiro podem ser contestados no prazo de quinze dias, sendo que o procedimento, após o decurso do prazo para a apresentação da defesa, deverá seguir o rito comum. Conforme o disposto no artigo 680 do código, para os casos que versam sobre a garantia real do credor embargante, a defesa do embargado sofre limitação, de modo que este poderá apenas alegar que: (i) o devedor comum é insolvente; e/ou (ii) o título é nulo ou não obriga a terceiro, sendo que o credor embargante não teria como sustentar seu direito de preferência; e/ou (iii) outro é o bem dado em garantia. O artigo 681 do CPC cuida da sentença de procedência dos embargos de terceiro, a qual poderá ser recorrida por apelação.
quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Fim da ação de exibição de documentos?

Daniel Penteado de Castro Dúvidas não há de que as medidas cautelares típicas disciplinadas no CPC/73 foram extintas, a incluir-se a então chamada "medida cautelar de exibição", a qual se ocupavam os arts. 844 e 845 do código anterior, utilizados como fundamento de medida cautelar de exibição de documento ou coisa. Diante da supressão de uma medida cautelar típica de comum serventia na praxe forense, resta saber, no perfil do CPC/2015, qual o nome iuris empregado para a obtenção de tutela jurisdicional destinada a compelir o réu a exibição de dado documento ou coisa. Os julgados ligados a ações propostas na vigência do CPC/2015 apresentam uma variedade de entendimentos. Nesse contexto, já se decidiu que não caberia a formulação de pedido de exibição de documento na forma de tutela provisória (satisfativa ou cautelar em caráter antecedente), a carecer interesse de agir para medida que em verdade se adequa melhor à ação autônoma de produção antecipada da prova disciplina nos artigos. 382 e seguintes: "EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REQUISITOS. 1. No âmbito do novo Código de Processo Civil, o pedido de exibição de documentos, formulado de forma autônoma, antecedente e satisfativa, deve ser realizado por meio de produção antecipada de provas. 2. Cabe à parte, então, cumprir os requisitos do art. 382 do CPC, apresentando as razões que justifiquem a necessidade da antecipação e mencionando com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair. Recurso não provido." (TJSP, Apelação n. 1002136-54.2017.8.26.0196, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Melo Colombi, j. 06.06.2017, v.u., grifou-se) Em outra oportunidade, a Corte bandeirante entendeu que uma ação autônoma, pelo procedimento comum, em verdade revela o mesmo desiderato da medida cautelar de exibição de documentos antes prevista no CPC/73 e, de igual modo, tal ação é despida de interesse de agir na modalidade adequação: "AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER -EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO - Sentença que julgou procedente a ação - Pretensão da ré de reforma da r. sentença. ADMISSIBILIDADE: Em que pese a autora ter dado à ação o nome de obrigação de fazer, verifica-se dos autos que na realidade trata-se de ação cautelar de exibição de documento. A ação proposta é inadequada e não mais prevista em lei, inexistindo, portanto, os pressupostos processuais para o seu prosseguimento válido, previstos no art. 485, VI do novo CPC. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO." (TJSP, Apelação n. 1041857-60.2016.8.26.0224, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. 7.11.2017, v.u., grifou-se) Noutro giro entendeu-se que não há espaço sequer para a ação autônoma de produção antecipada da prova, mas sim, eventual pedido de exibição de documento deve se materializar pela via incidental, nos termos dos artigos 396 e seguintes do CPC: "APELAÇÃO AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO NOMINADA COMO PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS FALTA DE INTERESSE DE AGIR AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DO AJUIZAMENTO DA PRESENTE AÇÃO. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, não há mais previsão de ação cujo objeto seja a exibição de documentos. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Considerando que a presente demanda foi proposta já sob a égide do Novo Código de Processo Civil, forçoso o reconhecimento de que a apelante não preenche o binômio NECESSIDADE/UTILIDADE caracterizador de seu interesse de agir. SENTENÇA MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. (...) Por primeiro, importante salientar que, muito embora a presente ação tenha sido nomeada como produção antecipada de provas, trata-se, na verdade, da ação cautelar de exibição de documento do Código de Processo Civil de 1973. Assim, a presente ação efetivamente deveria ter sido extinta por falta de interesse de agir decorrente do fato de que não existe, no ordenamento atual, ação cautelar de exibição de documentos. Com efeito, a partir do advento do Novo Código de Processo Civil, não existe mais ação cautelar satisfativa e, assim sendo, em havendo necessidade de exibição de documentos, tal medida deve ser buscada incidentalmente. De fato, "(...) houve a unificação do procedimento, não existindo mais previsão de um processo destinado apenas a satisfazer a tutela cautelar de exibição de documento, passando tal medida a integrar a própria ação principal. Assim, o pedido de exibição deverá ser deduzido de forma incidente no feito, observando-se o disposto nos artigos 396 e seguintes do CPC (...)" (TJSP; Apelação nº 1010223-33.2016.8.26.0196; 32ª Câmara de Direito Privado; Rel. Des. KIOITSI CHICUTA; J. 15/09/2016). No mesmo sentido: TJSP; Apelação nº 1010397- 94.2016.8.26.0405; 19ª Câmara de Direito Privado; Rel. Des. RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI; J. 26/09/2016. Destarte, considerando que a presente demanda foi proposta já sob a égide do Novo Código de Processo Civil, é forçoso o reconhecimento de que a apelante é carecedora de ação, por ausência de necessidade de propor a presente demanda, já que sua pretensão pode ser deduzida em caráter incidental na futura ação declaratória. Assim, de rigor a extinção do feito sem julgamento de mérito. Dizer mais, seria acrescer folhas... Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso." (TJSP, Apelação n. 1057219-86.2016.8.26.0100, 38ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Eduardo Siqueira, j. 29.07.2017, v.u., grifou-se) Houve precedente adotando corrente diversa, para se permitir tutela jurisdicional específica formulada por meio de ação autônoma sujeita ao procedimento comum e voltada a condenação de exibição de determinado documento: "AÇÃO COM PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS Pretensão do autor de que seja anulada a respeitável sentença que extinguiu o processo, sem exame do mérito Cabimento Hipótese em que o autor pretende obter judicialmente documento relativo à relação jurídica estabelecida entre as partes, com o intuito de verificar a regularidade dos termos nele constantes Via processual escolhida pelo autor que se mostra adequada para a obtenção do provimento jurisdicional por ele postulado, o qual é necessário para os fins pretendidos Autor que tem o direito de pedir a exibição dos documentos comuns, dos quais necessita para possível defesa de seus direitos em juízo Sentença anulada Ação julgada procedente (CPC, art. 1.013, §3º) - RECURSO PROVIDO." (TJSP, Apelação n. 1026841-08.2016.8.26.0405, 13ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, j. 8.11.2017, v.u., grifou-se) E em julgado prolatado quando do fechamento deste artigo, entendeu-se pelo descabimento de ação autônoma de exibição de documento, a admitir-se, todavia, semelhante tutela jurisdicional por meio da ação autônoma de produção antecipada da prova (artigos 381 e 382 do CPC/2015), ou, ainda, a formulação de idêntica providência por meio da exibição incidental no curso de ação autônoma (artigos 396 a 404 do CPC/2015): "INTERESSE DE AGIR Ação ajuizada para exibição de documentos Inadmissibilidade, uma vez que há procedimento específico para obtenção de documentos cujo conhecimento pode viabilizar solução extrajudicial ou ajuizamento de ação principal Inteligência dos incisos II e III do art. 381 do Cód. de Proc. Civil Sentença mantida - Apelação improvida. (...) Com efeito, além de o atual Cód. de Proc. Civil não prever nenhuma cautelar específica, exige-se para o ajuizamento de tutela cautelar antecedente a presença de "perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo" (art. 305 do Cód. de Proc. Civil), o que não se vislumbra na exibição de documento. Mais ainda, o Cód. de Proc. Civil disciplinou a exibição de documentos em dois institutos distintos: produção antecipada de provas (art. 381 e seguintes) e exibição incidental (art. 396 e seguintes) cuja disciplina é análoga àquela do Cód. de Proc. Civil anterior. Já a primeira hipótese consiste em inovação do atual Cód. De Proc. Civil que, em seu art. 381, estabelece que a produção antecipada de provas é cabível quando, entre outros, "a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito" e "o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação" (inciso II e III). No caso, vê-se que a pretensão da apelante é ter o documento exibido "com a finalidade de verificar a regularidade da cobrança e de suas cláusulas" (fls. 02), o que se enquadra perfeitamente nesses incisos, uma vez que sua apresentação poderia viabilizar a solução do conflito extrajudicialmente, bem como "justificar ou evitar o ajuizamento de ação". (...)" (TJSP, Apelação n. 1015173-85.2016.8.26.0196, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Tarciso Beraldo, j. 7.11.2017, v.u., grifou-se) A ação autônoma de produção da prova, assim como o requerimento incidental de exibição de documento ou coisa, seguramente têm um fio condutor semelhante no que toca à vinda aos autos de determinada prova ou coisa, não obstante, por meio de ação autônoma, pelo procedimento comum, se obtenha semelhante providência, a corroborar boa parte dos fundamentos que revestem os precedentes supra citados. A par de entendimentos diversos que tratam do mesmo tema, resta ao jurisdicionado a angústia de torcer para haver escolhido o nome correto da ação proposta ou procedimento eleito, cujo acerto ficará sujeito ao alvedrio da corrente jurisprudencial adotada. A preocupação com o rótulo que reveste o nome de determinada ação é tema que vem perdendo importância na moderna doutrina processual voltada à ordem jurídica justa pautada no acesso à Justiça e efetividade da tutela jurisdicional. E a extinção da ação, sem resolução de mérito, para tema ainda controvertido, projeta efeitos perniciosos como esclarecer ao cliente o malogro do nome da ação ou procedimento escolhido, sem prejuízo de encargos sucumbenciais. De toda sorte, diante da divergência de entendimentos para o mesmo fenômeno e a fim de se evitar qualquer surpresa ao jurisdicionado frente ao nome da ação ou procedimento mais adequado no entender do julgador, de bom alvitre a oportunidade de emenda da petição inicial nos termos do art. 321 do CPC/2015, "(...) indicando com precisão o que deve ser corrigido ou complementado."
André Pagani de Souza O § 2º do art. 3º da lei 13.105/2015 (CPC/2015) estabelece que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos" (grifamos). Por sua vez, o § 3º, do mesmo artigo, dispõe que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial" (destacamos). Na sequência, o art. 6º, do CPC/2015, impõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (grifos nossos). No tocante aos poderes, deveres e responsabilidades, o art. 139, inciso V, preceitua que incumbe ao juiz "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". Da leitura de todos os dispositivos acima reproduzidos, é possível depreender que o Estado-juiz: (i) deve tentar buscar a solução consensual de conflitos (CPC/2015, art. 3º, § 2º); (ii) deve estimular a solução consensual de conflitos, inclusive no curso de processo judicial (CPC/2015, art. 3º, § 3º); (iii) deve cooperar para que se obtenha decisão de mérito justa, efetiva e em tempo razoável; (iv) deve, a qualquer tempo, promover a autocomposição (CPC/2015, art. 139, inciso V). Note-se que não se trata de novidade o que foi exposto até aqui, pois o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (lei 5.869/1973), já estabelecia que competia ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes". Também já existia no ordenamento o princípio da razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXVIII) e o princípio do contraditório (Constituição Federal, art. 5º, inciso LV), que impunha a participação do magistrado no processo em constante diálogo com as partes. Ou seja, não é novidade que o juiz não deve ser mero expectador do processo, mas sim sujeito que participa ativamente com o objetivo de prestar tutela jurisdicional em tempo razoável. Exatamente pelas razões acima delineadas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), em lapidar acórdão da lavra do desembargador José Percival Albano Nogueira Júnior, à luz do sistema anterior, já identificava a existência de um poder-dever do juiz de tentar conciliar as partes, conforme se pode depreender da ementa de julgado abaixo transcrita: "PRESTAÇÃO DE CONTAS - AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO - Insurgência da parte fundada na impropriedade do momento processual - Inexistência de prejuízo na atividade conciliatória, não vislumbrado os óbices elencados - Designação que encontra respaldo no poder-dever do juiz de tentar conciliar as partes a qualquer tempo e em qualquer fase processual, e merece ser prestigiada por caminhar em consonância com a evolução do direito processual na adoção do modelo cooperativo - Recurso a que se nega provimento. (TJSP; Agravo de Instrumento 2130410-93.2015.8.26.0000; Relator (a): Percival Nogueira; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 1ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/07/2015; Data de Registro: 31/07/2015, grifos nossos)". Com efeito, o juiz tem o poder-dever de tentar conciliar as partes como modo de cooperar para se obter a solução consensual do litígio, de maneira rápida e efetiva. Não deve causar espanto a afirmação de que o juiz deve cooperar. O mandamento do art. 6º é dirigido a ele, juiz, além dos outros participantes do processo, conforme se depreende da lição de Cassio Scarpinella Bueno: "Observação importante que merece ser feita é que a cooperação prevista no dispositivo em concreto deve ser praticada por todos os sujeitos do processo. Não se trata, portanto, de envolvimento apenas entre as partes (autor e réu), mas também de eventuais terceiros intervenientes (em qualquer das diversas modalidades de intervenção de terceiros), do próprio magistrado, de auxiliares da Justiça e, evidentemente, do próprio Ministério Público quando atue na qualidade de fiscal da ordem jurídica" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 68). Mas, então, de que maneira o juiz coopera "tentando conciliar" ou "estimulando a conciliação"? Em outras palavras, o que é "tentar conciliar", especificamente? Quais ações do juiz refletem que ele realmente se desincumbiu desse poder-dever e, enfim, cooperou ao "tentar conciliar"? Em primeiro lugar, o juiz deve designar a audiência para realização de mediação ou conciliação, quando a lei assim o determinar (art. 334, do CPC/2015). Além dessa hipótese, a qualquer tempo, o juiz pode designar uma audiência para tal finalidade, nos termos do art. 139, inciso V, do CPC/2015. Não se pode esquecer também que, instalada a audiência de instrução e julgamento, o juiz deverá tentar conciliar as partes, nos termos do art. 359 do CPC/2015, independentemente de já ter tentado fazer isso antes. Em segundo lugar, não se pode perder de vista que a atividade de tentar conciliar as partes é decorrente do ofício de juiz. Como bem ponderam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o inciso V do art. 139 do CPC/2015, "a atividade de tentar conciliar é decorrente do ofício de magistrado, de sorte que não pode ser vista como caracterizadora de suspeição de parcialidade do juiz, nem de prejulgamento da causa. Para tanto, deve o juiz fazer as partes anteverem as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem prejulgar a causa e sem exteriorizar o seu entendimento acerca do mérito" (Comentários ao código de processo civil: novo CPC, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 584). Observe-se que "a insistência na realização do acordo não implica quebra da imparcialidade do julgador", conforme já observou José Roberto dos Santos Bedaque ao comentar o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (Código de processo civil interpretado, 2ª edição, São Paulo, Atlas, 2005, p. 386). O que o juiz não pode, todavia, é "transformar a conciliação em escopo maior, a ponto de impor às partes esse tipo de solução" (ob. cit., p. 386). Em terceiro lugar, o juiz "tenta conciliar" ao advertir as partes, em tese, para as vantagens do acordo e os prejuízos decorrentes da formulação de pretensão manifestamente infundada. Nas palavras do Desembargador Percival Nogueira, extraídas do acórdão acima referido, "a conveniência da realização da audiência verifica-se ainda no poder de persuasão do julgador em alertar as partes quanto ao direito em discussão; sobre as consequências de seus atos, bem como, propiciar maiores elementos para formar a convicção do magistrado a respeito das teses argumentativas apresentadas" (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2130410-93.2015.8.26.0000; Relator (a): Percival Nogueira; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 1ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/7/2015; Data de Registro: 31/7/2015, fl. 6 do acórdão). Causa surpresa, entretanto, o posicionamento encontrado em julgado recente do TJ/SP que afirma ser dispensável a tentativa de conciliação e alega que as partes podem - sem o intermédio do juiz - buscar uma solução consensual, mediante negociação direta. Veja-se: "Locação. Imóvel não residencial. Despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança de aluguéis e encargos. Notícia de desocupação do imóvel antes da citação. Aditamento à inicial para adequar o pedido para ação de cobrança. Ação julgada procedente. Nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Não reconhecimento. Desnecessidade de audiência de conciliação. Situação de inadimplência incontroversa. Mora demonstrada. Recurso desprovido, com observação. É dispensável a designação de audiência de conciliação quando eventual acordo pode ser feito diretamente pelas partes e sem intervenção judicial. Não há cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, quando os elementos necessários para a convicção judicial já se encontram nos autos. A prova de pagamento faz-se mediante recibo e não cuidou a ré de provar o pagamento da dívida exigida. Bem por isso, revelou-se despicienda a realização de outras provas no caso, estando correto o julgamento antecipado da lide. O juiz é o destinatário das provas e a ele compete determinar a realização daquelas necessárias ao seu convencimento. Restou incontroversa a relação locatícia entre as partes e a situação de inadimplência da ré ficou demonstrada, sendo de rigor a procedência da ação de cobrança. (TJSP; Apelação 1045491-22.2014.8.26.0002; Relator (a): Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/06/2017; Data de Registro: 01/06/2017, grifos nossos)". A decisão acima ementada é surpreendente pois, apesar de ninguém duvidar de que as partes possam realmente buscar um acordo sem intervenção judicial, trata-se de um dever imposto ao juiz o de tentar a conciliação. Como ressaltado no início, o juiz tem o dever-poder de tentar conciliar, alertando as partes sobre suas manifestações infundadas, demonstrando as vantagens da solução consensual, de modo que elas possam antever as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem que isso comprometa a sua imparcialidade. Esse é o papel que o juiz deve desempenhar ativamente no processo, à luz do art. 3º, §§ 2º e 3º; art. 6º; art. 139, inciso V, do CPC/2015, sem abandonar as partes à própria sorte para negociar diretamente uma solução, sem intervenção judicial. Afinal, se fosse para ser assim, não teriam batido às portas do Poder Judiciário em primeiro lugar. Portanto, valendo-se mais uma vez do já citado julgado paradigmático da lavra do desembargador Percival Nogueira, "ainda que a princípio a possibilidade de conciliação pareça inaceitável ou remota, a tentativa de acordo deve ser vista como método de solução alternativo do conflito" e não deve ser descartada aprioristicamente pelo juiz, porque já formou seu convencimento. Enfim, a lei manda que o juiz tente conciliar, antes de impor uma solução para o conflito das partes. Não pode ser dispensável ou descartável a tentativa de conciliação, sob pena de violação dos artigos 3º, §§ 2º e 3º; art. 6º; art. 139, inciso V, do CPC/2015.
Elias Marques de Medeiros Neto Recentemente, o Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado n. 89 sobre o CPC/15: ENUNCIADO 89 - Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC. Sendo assim, adotou-se o entendimento de que o prazo para pagamento previsto no artigo 523 do CPC/15 deve ser contado em dias úteis; tal como ocorre com os demais prazos processuais e nos termos do artigo 219 do CPC/15. O artigo 523 do CPC/15 dispõe que caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, uma vez devidamente intimado, após a devida apresentação de requerimento de execução pelo credor, não efetue o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e também de honorários de sucumbência de 10% (dez por cento). Nos termos do enunciado 89 acima referido, o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento deve ser contado em conformidade com o artigo 219 do CPC/15, ou seja, fluindo em dias úteis, na medida em que se trata de prazo processual. Cassio Scarpinella Bueno1 lembra que "estamos, pois, no campo do processo, o prazo é processual e reclama a incidência do caput do art. 219". Igual posicionamento teve o Tribunal de Justiça de São Paulo no recente julgamento do Agravo de Instrumento 2093574-53.2017.8.26.0000, em que foi relator o Desembargador Egidio Giacoia: "Com efeito, conforme preceituado nos arts. 523 e 525 do Código de Processo Civil, inicialmente o executado é intimado para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias. Decorrido referido lapso, sem o pagamento voluntário, inicia-se novo prazo de 15 dias para a apresentação de impugnação. Logo, tendo em vista que a executada foi intimada em 20.10.2016, data de início do prazo, transcorridos 15 dias úteis, deu início a contagem de mais 15 dias para a apresentação de impugnação. Portanto, a impugnação protocolizada em 28/11/2016 é tempestiva". (g.n.). Também vale observar que o Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado n. 92, que cuida do prazo para impugnar o cumprimento de sentença: ENUNCIADO 92 - A intimação prevista no caput do art. 523 do CPC deve contemplar, expressamente, o prazo sucessivo para impugnar o cumprimento de sentença. O prazo para pagamento e o prazo para apresentar a impugnação ao cumprimento de sentença são igualmente regidos pelo artigo 219 do CPC/15. São contados em dias úteis. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o Agravo de Instrumento 2135763-46.2017.8.26.0000, tendo sido relator o Desembargador Edgar Rosa, cujo acórdão proclamou expressamente que os prazos previstos nos artigos 523 e 525 do CPC/15 devem ser contados em dias úteis: "Para melhor compreensão da controvérsia, assim dispõem os artigos 523 e 525 do CPC, no essencial, in verbis: Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. Como se observa, diferentemente da regra do CPC anterior, o novo código não condiciona a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença à prévia garantia do juízo. Além disso, o prazo para que o executado apresente impugnação começa automaticamente após o término do prazo de 15 dias para pagamento. Ou seja, a intimação do executado dá ensejo, de uma só vez, ao transcurso de dois prazos subsequentes de 15 dias úteis. Ao comentar o mencionado artigo 525 do CPC, leciona Teresa Arruda Alvim Wambier que "O caput dispõe que, após escoado o prazo de 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário, inicia-se, sem necessidade de nova intimação, outro prazo de 15 (quinze) dias para que o executado possa apresentar impugnação. Percebe- se que o executado, após ser intimado para pagar o débito, terá, no total, 30 (trinta) dias para apresentar sua impugnação: 15 (quinze) dias do pagamento voluntário (art. 537) e, na sequência, sem qualquer solução de continuidade, mais 15 dias para a impugnação. Vale o registro que, em verdade, tal prazo é de 30 (trinta) dias úteis em observância ao comando do art. 219" (Primeiros comentário ao novo código de processo civil [livro eletrônico] Teresa Arruda Alvim Wambier [et. Al.] São Paulo: RT, 2016). Portanto, o termo inicial do prazo para o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença não é a data do depósito feito em garantia, mas sim a intimação do executado para pagar o débito, ato que, como visto, deflagra dois prazos sucessivos: (i) de pagamento voluntário (15 dias); e (ii) de impugnação (15 dias), totalizando 30 (trinta) dias úteis. Ao contrário do alegado pela agravante, não se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial consolidado pelo C. STJ sob a égide do CPC/73, no sentido de que o termo inicial da impugnação é a data do depósito efetuado em garantia do juízo. Isso porque, como visto, a prévia garantia não constitui requisito para o ajuizamento da impugnação, sendo o termo inicial do prazo deflagrado de forma automática, em seguida ao escoamento do prazo para pagamento voluntário. Como leciona Humberto Theodoro Jr.: "O executado, após a intimação para pagar a dívida, terá o prazo de trinta dias úteis (art. 219) para apresentar a impugnação: quinze dias para realizar o pagamento voluntário, e mais quinze dias para impugnar o cumprimento da sentença, se for o caso. E tal prazo se conta agora independentemente de penhora ou depósito, pondo fim a controvérsia doutrinária ao tempo do CPC/1973, acerca de ser ou não a garantia da execução o marco inicial do prazo da defesa do executado. Ou seja, o executado pode apresentar a impugnação sem qualquer garantia prévia do juízo" (Código de Processo Civil anotado 20. ed. revista e atualizada Rio de Janeiro: Forense, 2016 p. 1.311 sem o destaque no original). No caso, como visto, o executado foi intimado a efetuar o pagamento em 20/2/2017 (fls. 56) e apresentou impugnação no dia 4/4/2017, quando ainda não havia escoado o trintídio legal, de forma que, como bem decidiu o juízo a quo, o incidente é tempestivo". (g.n.). A orientação do Conselho da Justiça Federal e os recentes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo contribuem para a segurança jurídica, pois auxiliam na consolidação de uma interpretação acerca da incidência do artigo 219 do CPC/15 na contagem do prazo para pagar de que trata o artigo 523 do CPC/15. __________ 1 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 445.
quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A sucumbência recursal vista pelos tribunais

Rogerio Mollica A sucumbência recursal, prevista no artigo 85, § 11º do Código de Processo Civil é uma das grandes inovações do novo CPC e uma das esperanças para que tenhamos uma diminuição dos recursos meramente protelatórios, a fim de se obter a tão almejada celeridade processual. Por ser um instituto novo, ele ainda gera inúmeras dúvidas nos aplicadores do Direito. O Judiciário, aos poucos, vem enfrentando essas questões controvertidas. Nesta coluna, em artigo datado de 13/4/2017, demonstrei que tendia a prevalecer o entendimento segundo o qual os honorários recursais além do caráter remuneratório, teriam o caráter punitivo, sendo desnecessária a apresentação de contrarrazões ao recurso ou mesmo qualquer ato do advogado do recorrido no tribunal a fim de justificar a sua fixação. Tal entendimento acabou expresso no enunciado 07 do Conselho da Justiça Federal: "A ausência de resposta ao recurso pela parte contrária, por si só, não tem o condão de afastar a aplicação do disposto no art. 85, § 11, do CPC." Uma outra questão que surge é sobre a possibilidade de se ter sucumbência recursal no caso de não haver condenação prévia em primeira instância. Por exemplo, a sentença não fixa honorários advocatícios devidos pelo réu sucumbente, o tribunal mantendo a sentença, poderia condenar o réu à sucumbência recursal? O § 11 do artigo 85 é claro ao prever que "O Tribunal, ao julgar recurso majorará os honorários fixados anteriormente (...)". Pela leitura do dispositivo, parece claro que se não ocorreu a fixação anterior não há como fixar a sucumbência recursal. Entretanto, o referido § 11º também é cristalino ao prever que os honorários recursais levarão "em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal" e conforme visto acima, os honorários sucumbenciais vêm sendo fixados independentemente de ter havido trabalho adicional por parte do advogado. Nesse caso, os Tribunais têm seguido a previsão legal, mesmo porque não há como majorar o que não foi nem ao menos fixado anteriormente. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PUBLICAÇÃO. NOME DE ADVOGADO DIVERSO DO CONSTITUÍDO. RESTITUIÇÃO DO PRAZO. AMPLA DEFESA PRESERVADA. NULIDADE. INEXISTENTE. IMPENHORABILIDADE SALARIAL. PRESERVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS. PENHORA DE COTAS DE COOPERATIVA. VIABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. 1. Execução ajuizada em 1997, da qual se extraiu o presente recurso especial, interposto em 30/08/2016 e concluso ao gabinete em 29/03/2017. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal é decidir sobre: i) a existência de nulidade processual decorrente de intimação em nome de advogado diverso do constituído pela parte; ii) a validade de penhora, no percentual de 30%, da renda mensal líquida da parte-executada; ii) a possibilidade de penhora de cotas de sociedade cooperativa da qual a parte-executada é cooperada. 3. No tratamento das nulidades processuais, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser imprescindível a demonstração de efetivo prejuízo às partes. Assim, a restituição de prazo recursal permitiu o efetivo exercício da ampla defesa, afastando o prejuízo alegado pela parte. 4. A orientação desta Corte, ao permitir a aplicação mitigada da impenhorabilidade salarial, está muito bem delimitada para situações excepcionais em que efetivamente resta preservada a dignidade do devedor, no seu núcleo essencial. Não se pode tornar em regra geral e abstrata um tratamento excepcional direcionado a circunstâncias individuais e concretas detectadas caso a caso. Precedentes. 5. É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de cooperativa, por dívida particular deste, pois responde o devedor, para o cumprimento de suas obrigações, com todos seus bens presentes e futuros (art. 591, CPC/73). Precedente da Terceira Turma. 6. Não haverá honorários de sucumbência recursal quando nas outras instâncias não houve a fixação em desfavor do recorrente. Isso porque o texto da lei prevê, expressamente, que somente serão majorados os "honorários fixados anteriormente", de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias ordinárias, não incidirá a regra do § 11 do art. 85 do CPC/15. 7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (g.n.) (REsp 1661990/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 22/8/2017) Dessa forma, também não se aplica o § 11 do artigo 85 do CPC aos recursos interpostos em Mandado de Segurança (MS), eis que, nos termos do artigo 25 da lei 12.016/2009, não cabe a condenação em honorários sucumbenciais em MS. Portanto, se não há a condenação, não pode haver a majoração em sede recursal1. Outra controvérsia que surge é se teríamos a incidência da sucumbência recursal em face de remessa necessária (art. 496 do Novo CPC), eis que a doutrina majoritária entende que não se trataria de um recurso, pois na Remessa não temos os seguintes requisitos próprios dos recursos: a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, a legitimidade, o interesse, a tempestividade e o preparo. Já tive oportunidade de defender que não há Sucumbência Recursal em virtude da Remessa Necessária, já que essa não é Recurso, mas o juiz deve ter em mente o trabalho adicional que ela causará ao advogado e pode/deve fixar os honorários acima da alíquota mínima em 1ª instância2. Leonardo Carneiro da Cunha, mesmo defendendo que a Remessa Necessária seria um Recurso, entende que "não se aplica o § 11 do art. 85 do CPC no julgamento da remessa necessária. A majoração dos honorários só se dá no âmbito dos recursos voluntários, não se aplicando nos recursos de ofício, por não haver causalidade nesses últimos". O mesmo entendimento é expresso no Enunciado nº 4 do Fórum Nacional do Poder Público (art. 85, §11, Lei 13.105/15): "A majoração dos honorários de sucumbência, prevista no § 11 do art. 85 do CPC, não se aplica ao julgamento da remessa necessária." Cumpre citar o entendimento, em sentido contrário de Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, que entende que "a causa do prolongamento do processo é a abertura de uma oportunidade para o reexame em seu favor de decisão contrária aos seus interesses, e, em decorrência, ele deve arcar com o pagamento de honorários complementares no julgamento de segundo grau, única forma de remunerar todo o trabalho realizado pelo advogado da parte vencedora"3. Os tribunais não têm fixado sucumbência recursais nesses casos, conforme se depreende dos seguintes recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: "REMESSA NECESSÁRIA/APELAÇÃO CÍVEL - SERVIDOR ESTADUAL - PAGAMENTO A MAIOR - ERRO DA ADMINISTRAÇÃO - RECEBIMENTO DE BOA FÉ - COBRANÇA POSTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA ILÍQUIDA - DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO - REMESSA NECESSÁRIA - ART. 85, § 11, DO CPC/2015 - INAPLICABILIDADE. - Nos casos em que a Administração, por um erro operacional, reconhece algum direito ao servidor que reflete no acréscimo de seus vencimentos, criando no mesmo a falsa expectativa de que os valores recebidos de boa-fé são legais e definitivos, não pode proceder posteriormente à cobrança de tais quantias. - Os valores de natureza não tributária devidos pela Fazenda Pública devem ser corrigidos pelo IPCA, a partir de quando o pagamento deveria ter sido feito, e sobre eles deve incidir juros de mora pelos índices da caderneta de poupança, nos moldes do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, desde a citação. - O arbitramento dos honorários advocatícios devidos pelo ente público deve observar o disposto no art. 85, § 3º, do NCPC, com definição do percentual em sede de liquidação na hipótese de sentença ilíquida, nos termos do que preconiza o § 4º, inciso II, do mesmo dispositivo legal. - Não há que se falar em majoração dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015, no caso de julgamento da demanda em sede de remessa necessária, com prejuízo de eventual recurso voluntário interposto, tendo em vista a inexistência de sucumbência recursal." (g.n.) (Processo nº 0548553-24.2014.8.13.0024, Rel. Juiz Convocado Adriano Mesquita Carneiro, Data Julgamento: 06/07/2017) "Embargos de declaração - inexistência de vícios no julgamento - honorários de sucumbência recursal - remessa necessária - não aplicação - não acolhimento. Não há majoração de honorários em instância recursal quando a sentença é reexaminada em remessa necessária, prejudicados os recursos interpostos pelas partes." (Processo nº 6021351-90.2015.8.13.0024, Rel. Des. Marcelo Rodrigues, Data Julgamento: 22/8/2017) Existem muitas outras controvérsias e dada a limitação de espaço, serão objeto de análise em um próximo artigo a ser publicada nesta coluna. __________ 1 Conforme Luiz Dellore em seus Comentários ao artigo 85 do CPC, in Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC de 2015 - parte geral. São Paulo: Método, 2015, p. 299. 2 Cfr."A Remessa Necessária e o Novo Código de Processo Civil" in Advocacia Pública, coord. José Henrique Mouta Araújo, Leonardo carneiro da cunha, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 461. 3 "Os honorários recursais no Novo Código de Processo Civil", in Revista do Advogado, n. 126, São Paulo: AASP, 2015, p. 31.
Daniel Penteado de Castro A desconsideração da personalidade jurídica ganhou capítulo próprio no CPC/2015 o qual é ocupado pelos arts. 133 a 137. Dentre as principais inovações, destaca-se a necessidade de processamento da desconsideração mediante incidente próprio, a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica (prática que já era aceita pelos tribunais, o seu cabimento em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial, a necessidade de suspensão do processo quando da instauração do incidente, além da garantia do contraditório em 15 (quinze) dias àquele que recair a desconsideração. Tema de constante controvérsia, já foi examinado nesta coluna a fixação de honorários advocatícios quando do julgamento do incidente1, assim como a impossibilidade da desconsideração no início da execução de título extrajudicial sem prévio contraditório2. Em arremate a tormentoso tema, o presente ensaio pretendo tecer breves apontamentos quanto ao tratamento dado pela jurisprudência em relação à possibilidade de concessão de tutela provisória no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Inicialmente, não se pode perder de vista que as crises de inadimplemento, em especial no que toca à tentativa de recuperação de créditos, por vezes demandam solução rápida e efetiva do poder judiciário, sob pena de frustração do recebimento de quantia e perecimento do próprio direito creditório. O CPC/2015, ao prever a criação de um incidente próprio de desconsideração da personalidade jurídica, caracterizado pela necessidade de prévio contraditório (art. 135), tratou de evitar situações abusivas em que a mera circunstância do não pagamento já autorizava uma desconsideração automática destinada à invasão patrimonial dos sócios ou sociedade pertencente a determinado grupo econômico, o que por vezes refletia em desagradável surpresa em que aquele que não figura no título executivo era surpreendido com precipitada constrição patrimonial. Por outro lado, não se pode presumir que o custo do contraditório e ampla defesa deva sempre ser sacramentalmente observado, mormente em situações, que também não podem ser descartadas, onde o prévio conhecimento de medida que futuramente tenha impacto patrimonial é suficiente para àquele potencial devedor desfazer-se de seu patrimônio e assim frustrar futura tutela executiva. Por tal razão, o próprio sistema permite a tutela provisória (arts. 294 a 311), cuja principal característica, em hipóteses excepcionais, é a possibilidade de inversão do contraditório, tal como inclusive já era aceito em relação à medida cautelar de arresto, prevista no CPC/1973. Vale dizer, a um dos litigantes é possível lhe ser subtraído antecipadamente o bem da vida em disputa, sendo o exercício do contraditório postergado após o deferimento de ato processual anterior, consistente no deferimento de tutela provisória de urgência. Portanto, dúvidas não há quanto ao cabimento de tutelas de urgência, mercê em situações patrimoniais que demandam resposta rápida e efetiva do poder judiciário, a permitir, em caráter excepcional (em especial quando o prévio conhecimento da tutela provisória pleiteada pode frustrar o seu cumprimento e impõe-se sua concessão inaudita alters pars), a inversão do contraditório. Resta saber se o regime das tutelas provisórias também se aplicaria ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o qual tem como um de seus desideratos estender a responsabilidade patrimonial àquele que originariamente não responde pela obrigação constante no título executivo Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que, muito embora seja obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tal providência não impede a concessão de tutela provisória destinada ao bloqueio de bens daquele que se pretende recair a desconsideração: "AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de cobrança Fase de cumprimento de sentença Inclusão de Empresa que surgiu da cisão da Empresa devedora no polo passivo da ação Alegação de confusão patrimonial Desconsideração da personalidade jurídica Possibilidade, desde que atendidas as formalidades legais Necessidade de instauração de incidente, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015. Determinação de bloqueio de recursos para garantia da execução mantida Personalidade jurídica que pode representar óbice para o pagamento do débito - Temor de que não existam bens para garantia da execução Medida concedida como tutela provisória antecedente. Agravo parcialmente provido. (...) Contudo, há alegação de confusão patrimonial e manutenção do mesmo quadro social nas duas empresas, indicando que a personalidade jurídica das sociedades representa óbice para a satisfação do crédito da agravada. Possível, neste contexto a desconsideração da personalidade jurídica, em razão da caracterização do grupo econômico. (...) Entendo, contudo, que a determinação de bloqueio de crédito da agravante a ser recebido pela municipalidade, deve ser mantido, a título de tutela provisória. Como registrado pelo magistrado na decisão agravada: "Na decisão anterior não havia sido incluída a Teto Construtora S/A em relação ao bloqueio de crédito a receber da municipalidade em função de que o prazo para pagamento voluntário do débito terá início com a intimação (item 2, fl. 489). Não obstante, a exequente trouxe notícia de situação de risco para adimplemento caso não ocorra o bloqueio dos créditos (fl. 502). Desse modo, considerando a existência de situação de risco (decorrente da transferência patrimonial e do impedimento para licitações aplicado pelo Tribunal de Contas), como forma de acautelar a presente execução, defiro o bloqueio de créditos de Teto Construtora S/A a título de arresto". E, pelos elementos trazidos aos autos, estão presentes os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil de 2015 que dispõe: "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". De fato, havendo notícia nos autos de possível confusão patrimonial, com identidade de sócios, endereço e das atividades das empresas, mesmo após a cisão, o que poderia caracterizar o mesmo grupo econômico e, ainda, o perigo de transferência patrimonial, reputo razoável o bloqueio de créditos da agravante com fins de garantir a presente execução. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, para determinar a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos termos dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015, mantendo, contudo, a determinação de bloqueio de créditos da empresa Teto Construtora S/A, junto à Municipalidade, tal como determinado pelo magistrado." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2060347-72.2017.8.26.0000, 33ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira, v.u., j. 05.06.2017, grifou-se) *** "DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - O executado é parte legítima para impugnar decisão judicial que desconsidera personalidade jurídica para alcançar o patrimônio de seus sócios ou administradores ou outras pessoas físicas ou jurídicas, no caso de desconsideração inversa - Admissível a desconsideração da personalidade jurídica de empresa que integra grupo econômico, quando verificada a existência de confusão patrimonial - A instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica tem como pressuposto a existência de prova que evidencie a plausibilidade da alegação em que fundamentado o pedido, a teor do art. 134, § 4º, do CPC/2015 - Como, na espécie, (a) embora com as limitações de início de conhecimento, a prova produzida pela parte agravante é suficiente, como exigido pelo art. 134, § 4º, do CPC/12015, para o reconhecimento da presença de fato indicativo das fraudes, que traduzem confusão patrimonial, afirmada no pedido, ante a existência de coincidência entre o objeto social e o domicilio da executada sociedade empresária e da microempresa individual, cujo patrimônio se busca alcançar com a desconsideração da personalidade jurídica, do filho do agravante executado pessoa física, que é procurador, com poderes para geri-la; (b) de rigor, o deferimento do pedido de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da executada, nos termos do art. 135, do CPC/2015, para determinar a inclusão no polo passivo da execução da pessoa jurídica em questão, (c) impondo-se, em consequência, a manutenção da r. decisão agravada, com a observação de que: (c.1) deve ser determinada a sua citação para manifestação no prazo de 15 dias (CPC/2015, arts. 134, §3º e §4º e 135) e (c.2) a execução deve ser suspensa. EXECUÇÃO - Admissível o arresto incidental ou executivo, inclusive designado de "pré-penhora", on-line de ativos financeiros, quando o devedor não é localizado em seu domicílio (CPC/2015, art. 830, correspondente ao art. 653, CPC/1973), ante as previsões legais de conversão de arresto em penhora (CPC/2015, art. 830, §§2º e §3º, correspondente ao art. 654, CPC/1973) e de penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira (CPC/2015, art. 835, I, correspondente ao art. 655, I, CPC/1973), inclusive mediante constrição judicial por procedimento on-line (CPC/2015, art. 854, correspondente ao art. 655-A) - Admissível o arresto cautelar incidentalmente no processo de execução, quando presente prova de fato que autoriza admitir risco de que a garantia da execução possa desaparecer, frustrando-lhe a eficácia e utilidade, nos termos do art. 301, CPC/2015, bem como por aplicação do art. 799, VIII (correspondente ao art. 615, III, do CPC/1973), dispõe sobre o requerimento do credor de medidas acautelatórias urgentes, para garantir a efetividade da execução - A necessidade de citação, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, do sócio ou pessoa jurídica, cujo patrimônio se busca alcançar, prevista no art. 135, do CPC/2015, em execução, não impede o deferimento de medidas acautelatórias urgentes, para garantir a efetividade do processo, quando presente prova de fato que autoriza admitir a presença dos pressupostos previstos em lei para a desconsideração da personalidade jurídica e de risco de que a garantia da execução possa desaparecer, frustrando-lhe a eficácia e utilidade, a teor dos arts. 294, 297 e 300, do CPC, além dos termos do art. 301, CPC/2015, bem como por aplicação do art. 799, VIII (correspondente ao art. 615, III, do CPC/1973), que dispõe, expressamente, sobre o requerimento do credor de medidas acautelatórias urgentes, para garantir a efetividade da execução - Na espécie, admissível o arresto, antes da citação do executado, estabelecida no art. 829, do CPC/2015, com correspondência no art. 652, do CPC/1973, e da citação das pessoas, cujo patrimônio se busca alcançar, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 135, do CPC/2015, como medida acautelatória de urgência a disposição do credor, para garantir a efetividade da execução, no caso dos autos, porque estão satisfeitos os requisitos legais, para o seu deferimento. Recurso desprovido." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2105330-59.2017.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rebello Pinho, j. 21.08.2017, v.u., grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARRESTO DE BENS DOS SÓCIOS DA DEVEDORA ANTES DA CITAÇÃO. 1. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, todavia, a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica passou a reclamar a abertura de incidente próprio para esse fim, com a citação dos sócios da empresa devedora para responder ao pedido formulado pelo credor. A decisão agravada, contudo não confrontou o disposto no art. 135 do Código de Processo Civil em vigor, porque o arresto foi deferido com fundamento no poder geral de cautela conferido ao Magistrado. Deve ser analisado, portanto, se estão preenchidos os requisitos autorizadores da tutela de urgência no caso concreto. 2. Tutela de urgência antecipatória. Probabilidade do direito invocado. Sócios que deliberaram o encerramento das atividades da devedora para frustrar a execução, reforçando os indícios de confusão patrimonial decorrente da ausência de bens passíveis de penhora enquanto ativa a sociedade. 3. O adiamento da medida pode inviabilizar o pagamento do valor buscado pelo credor, do que resulta o risco ao resultado útil de processo. 4. E não há risco de irreversibilidade de medida, porque, caso indeferido o pedido de desconsideração ao final do incidente, bastará ao D. Magistrado determinar a liberação das quantias bloqueadas. 5. Recurso não provido. Decisão mantida. (...) O contraditório pode ser postergado para dar oportunidade ao cumprimento da tutela antecipada. O que exige a Lei, e será observado, é que a parte seja ouvida e possa produzir provas a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, direitos que serão certamente assegurados neste caso. A decisão impugnada, destarte, não comporta a alteração pretendida. (TJ/SP, Agravo de instrumento n. 2095503-58.2016.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 09.08.2016, v.u., grifou-se) Em outra oportunidade, a Corte bandeirante esclareceu que, muito embora seja cabível a concessão de tutela provisória no âmbito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tal providência (e devolução ao tribunal da decisão impugnada) reflete tão somente a resolução da questão ligada ao cabimento ou não da tutela de urgência requerida antecipadamente no incidente, que ainda aguarda desfecho em ulterior cognição exauriente: "INCIDENTE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA Configurados os requisitos do art. 300, do CPC/2015, é admissível ao MM Juízo da causa deferir a tutela de urgência, conservativa ou satisfativa, adequada para garantir o resultado útil do processo, em razão do poder geral de prevenção, instituídos pelos arts. 297 e 301, do CPC/2015, cuja efetivação observará as normas referentes ao cumprimento provisório de sentença, nos termos do § único, do art. 297, do CPC/2015, ainda que requerida como incidente processual, como autoriza o § único, do art. 294, § único, antes mesmo da citação dos réus no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do CPC/2015, sendo, a propósito, relevante salientar que o inciso VIII, do art. 799, do CPC/2015, norma essa aplicável também ao cumprimento provisório de sentença de obrigação de pagar (CPC/2015, arts. 513 e 527), é expresso ao conceder ao exequente a faculdade de pleitear a medidas de urgência, dentre elas, em execução por quantia certa, o arresto on line, desde que a medida seja necessária para garantir futura penhora, a ser realizada, por conversão, após a competente citação do devedor. ARRESTO Como, na espécie, (a) a prova produzida pela parte credora (a.1) é suficiente, como exigido pelo art. 134, § 4º, do CPC/12015, para o reconhecimento da presença de fato indicativo de fraude, que autoriza a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, para determinar a inclusão no polo passivo da fase de cumprimento de sentença da parte agravante, em razão da formação de grupo econômico e existência de confusão patrimonial entre elas, e (a.2) bastante para o reconhecimento da existência de fundado receio de que a garantia do cumprimento de sentença pode desaparecer, e (b) a parte agravante (b.1) não produziu prova de que a propriedade rural, registrada em nome da executada, baste para garantir o cumprimento de sentença, (b.2) nem de percentual judicialmente arbitrado de 30% inviabiliza as atividades das agravantes, (c) de rigor, o reconhecimento da existência da presença de elementos que evidenciam a existência de probabilidade do direito, no que concerne à responsabilidade patrimonial da parte agravante pelo cumprimento das obrigações, e de fundado receio de dano, por prejuízo decorrente de fraude, em intensidade suficiente, para, na atual situação processual, o deferimento da tutela de urgência, "consistente em determinar o arresto da porcentagem determinada (30%) das pessoas jurídicas alvo do pedido de desconsideração", visto que se trata de medida adequada e necessária para garantir o resultado útil do processo, (d) impondo-se, em consequência, a manutenção da r. decisão agravada. RECURSO Observação de que o julgamento do presente agravo de instrumento ficou limitado ao pronunciamento judicial recorrido, que deliberou sobre tutela de urgência em incidente de desconsideração de personalidade jurídica, com instauração deferida, e não sobre a decisão do mérito do incidente, a que se refere o art. 136, do CPC/2015. Inadmissível decisão sobre o mérito do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, na atual situação processual, julgamento de recurso contra a r, decisão que deferiu tutela provisória, sob pena de afronta ao devido processo legal e de supressão de instância, visto que o mérito do incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica somente pode ser apreciada no momento processual, a que se refere o art. 136, do CPC/2015, ou seja, após o decurso do prazo para manifestação fixado no art. 135, do CPC, e conclusão da instrução, como expressamente estabelecido no referido art. 136. Recurso desprovido, com observação." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2190805-17.2016.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rebello Pinho, j. 05.12.2016, v.u., grifou-se) Por sua vez, há julgados indeferindo a tutela provisória no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o que não reflete sua possibilidade de cabimento, mas sim a ausência de seus requisitos: "INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - BLOQUEIO DE VALORES - Pretensão de reforma da respeitável decisão que determinou, de ofício, o bloqueio de bens dos sócios - Cabimento - Hipótese em que a r.decisão agravada não traz os fundamentos que justificariam a concessão da tutela de urgência de ofício, com o bloqueio cautelar dos bens dos sócios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica - RECURSO PROVIDO." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2213906-83.2016.8.26.0000, 13ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, v.u., j. 03.02.2017, grifou-se) "AGRAVO DE INSTRUMENTO - INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Decisão que deferiu a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, indeferindo, contudo, o pedido de bloqueio de ativos financeiros da sócia e ex-sócios da empresa executada, bem como da empresa supostamente sucessora da executada e de seus sócios - Insurgência da exequente - Descabimento - Possibilidade de requerimento de tutela de urgência cautelar, não obstante a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica importe na suspensão do processo (art. 134, §3º e art. 314 do CPC) - Contudo, agravante não demonstrou a presença dos requisitos necessários à concessão da medida cautelar pleiteada, previstos no art. 300 do Código de Processo Civil - A mera alegação de risco ao resultado útil do processo e de ocorrência de fraude, desacompanhada de outras provas, não é suficiente para justificar o deferimento do bloqueio de ativos financeiros pleiteado - Ausência de indicativos de dilapidação de patrimônio ou artifícios fraudulentos - Decisão mantida - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2060183-10.2017.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Renato Rangel Desinano, j. 14.06.2017, grifou-se) "INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Deferimento - O Código de Processo Civil de 2015 prevê a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, mediante contraditório, para que os bens dos responsáveis da empresa executada sejam atingidos (arts. 133 a 137 e art. 790, VII) - Indícios de que a empresa devedora esvaziou seu patrimônio, encerrando irregularmente suas atividades empresariais, bem como da ocorrência de abuso da personalidade jurídica da executada e de confusão patrimonial - Conjunto probatório que se mostra suficiente para permitir a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica - RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO. TUTELA PROVISÓRIA - PEDIDO DE ARRESTO - Descabimento - Ausência de fumus boni iuris e de periculum in mora - Requerimento formulado antes mesmo da citação das empresas envolvidas no incidente de desconsideração da personalidade jurídica - O Código de Processo Civil de 2015 alude ao arresto (art. 301), mas não dispõe expressamente sobre os requisitos para a sua concessão nem as hipóteses de cabimento. Daí a necessidade de se valer do disposto nos arts. 813 a 821 do CPC/1973 - Agravante que não demonstrou a existência de qualquer das hipóteses previstas no art. 813 do CPC/1973 - RECURSO DESPROVIDO NESTE TÓPICO." (TJ/SP, Agravo de instrumento n. 2068936-53.2017.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sérgio Shimura, j. 04.07.2017, v.u., grifou-se) Em sentido semelhante, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou em parte a r. decisão de primeiro grau para determinar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Todavia, confirmou a concessão da tutela provisória destinada ao bloqueio de bens em nome da empresa objeto da desconsideração: "Agravo de instrumento Ação de execução de título extrajudicial Insurgência em face de decisão que determinou a penhora direta do patrimônio pertencente à agravante Pinherinho Participações e Investimentos S/A (terceira), declarando a ineficácia da exclusão do diretor Agenor desta, perante o credor, determinando que o patrimônio da mesma responda pela dívida objeto da demanda cabimento do inconformismo Decisão que defere o pedido, sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica Necessidade de cumprimento das regras vigentes para que se decida a desconsideração (art. 133 e seguintes, do CPC) Reconhecimento obrigatório do vício da falta de oferecimento de oportunidade de defesa Hipótese de anulação da decisão agravada, para que outra seja proferida após efetivação do contraditório Necessidade, entretanto, de manutenção da constrição existente sobre o bem de propriedade da agravante, como forma de assegurar resultado útil ao processo Tutela provisória de urgência decretada com fundamento no artigo 297 do CPC Agravo provido, com determinação. (...) 2) A presente insurgência merece provimento. Isto porque, a decisão agravada não se atentou ao disposto no atual Código de Processo Civil, que determina a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a citação da pessoa jurídica a ser incluída e a suspensão do processo principal, o que estimula o provimento do recurso para que se observem as regras vigentes. E muito embora a decisão agravada não faça referência à desconsideração da personalidade jurídica da empresa agravante, é fato que a determinação de 'penhora direta do patrimônio pertencente a S/A' (fls. 29) visa alcançar o mesmo objetivo: atribuir a terceiros a responsabilidade pela satisfação do direito em questão. E se é o sócio o sujeito devedor da obrigação, e não sua empresa, também não se pode ignorar que muitas vezes os interesses dos credores são indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas. Dentro desse contexto, tem-se que a decisão agravada autorizou verdadeira desconsideração da personalidade jurídica, sem a instauração do incidente obrigatório pelo novo Código de Processo Civil (...) Se o legislador passou a exigir que, instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica (conforme o caso), será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 135), essa medida é imperativa, sob pena de se afrontar o constitucional direito à ampla defesa. (...) Entretanto, não se pode deixar de constatar que a decisão agravada, aliás, bastante bem fundamentada, traz fortes indícios de que a empresa agravante possa vir a ser chamada a também responder pela obrigação exequenda. Sem antecipar qualquer juízo de valores, e evitando qualquer prejulgamento do tema, forçoso reconhecer que tais indícios, aliados à possibilidade de, em tese, haver dilapidação do patrimônio da agravante, torna necessário que se mantenha a penhora sobre o bem (fls. 298), até final solução do incidente instaurado. Isso é feito como tutela provisória de urgência, tal como permitido pelo artigo 297 do Código de Processo Civil. Isso porque, a teor do artigo 300 do mesmo Código, "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Tal medida se mostra conveniente neste momento e não é irreversível, podendo vir a ser revista pelo MM. Juiz da causa a qualquer tempo, desde que novos elementos lhe sejam apresentados (CPC, 296). Pelo exposto, dá-se provimento ao agravo de instrumento interposto, com determinação." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2011674-48.2017.8.26.0000 , 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Jacob Valente, j. 23.03.2017, grifou-se) Faltam dados empíricos para demonstrar o que é mais comum na realidade brasileira: (i) decisões de abusiva desconsideração da personalidade jurídica e imediata invasão patrimonial ou (ii) execuções e recuperação de créditos em que o devedor se aproveita da lentidão até uma decisão efetiva com vistas a frustrar o pagamento do crédito. De toda sorte, a inovação do CPC/2015 em prever prévio contraditório e necessária instauração de incidente, com o temperamento de seu autorizar, excepcionalmente, tutela provisória consistente em medidas constritivas, parece haver encontrado um ponto de equilíbrio que assegure o resultado prático dos interesses do credor e ao mesmo tempo garanta o contraditório e ampla defesa. __________ 1 Condenação de pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado do vencedor no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 2 Impossibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no início da execução fundada em título extrajudicial sem prévio contraditório: artigos 134, § 2º e 139, inciso IV, do CPC/2015.
André Pagani de Souza O § 4º do art. 525 da lei 13.105/2015 (CPC/2015), ao tratar da impugnação ao cumprimento de sentença por meio da qual o executado alega que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, estabelece que ele deve, em sua defesa, "declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo". Caso o executado não aponte o valor que entende correto em sua impugnação ou não apresente o "demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo", o § 5º do art. 525 do CPC/2015 determina que seja liminarmente rejeitada a impugnação, se este (o excesso de execução) for o seu único fundamento. A questão de ordem prática que se coloca diz respeito à existência (ou não) de um dever para o juiz de, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese do § 5º do art. 525 do CPC/2015, intimar o impugnante para sanar eventual vício. Trata-se de questão tormentosa sobre a qual já de debruçou a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) nos dias 25 a 26 de agosto de 2015, quando foram aprovados 62 enunciados sobre a aplicação do CPC/2015, por cerca de 500 magistrados1. Na ocasião, foi aprovado o seguinte enunciado sobre o tema: Enunciado 55 da ENFAM: "Às hipóteses de rejeição liminar a que se referem os artigos 525, § 5º, 535, § 2º e 917 do CPC/2015 não se aplicam os arts. 9º e 10 desse código". Em outras palavras, os profissionais do Direito que se reuniram para debater a aplicação do CPC/2015, entenderam que não existe um dever para o juiz de intimar o executado para sanar eventual vício antes de rejeitar liminarmente a sua impugnação ao cumprimento de sentença fundada exclusivamente na alegação de excesso de execução (CPC/2015, art. 525, § 5º). Isso porque, nos termos do enunciado aprovado pela ENFAM, não deve ser aplicado o art. 10 do CPC/2015, que versa sobre a vedação das decisões-surpresa no processo civil e também não incidiria na espécie o art. 9º do mesmo diploma legal que trata do Princípio do Contraditório. Por outro lado, passados dois anos do encontro realizado pela ENFAM, houve um novo evento em que profissionais do direito se reuniram para debater a aplicação do CPC/2015 e que o mesmo tema veio à baila, merecendo, mais uma vez, a atenção de todos. Trata-se de evento organizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), denominado I Jornada de Direito Processual Civil, realizado entre os dias 24 e 25 de agosto de 2017. Na oportunidade, magistrados, membros do ministério público, advogados, defensores públicos, professores universitários e demais profissionais do direito também aprovaram uma série de enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. No total, foram 107 enunciados aprovados por cerca de 306 participantes2. Dentre os enunciados aprovados na I Jornada de Direito Processual Civil organizada pelo CJF em agosto de 2017, cumpre destacar o de n. 95, por versar exatamente sobre a aplicação do § 5º do CPC/2015: Enunciado 95 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "O juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 5º, do CPC), deve intimar o impugnante para sanar eventual vício, em observância ao dever processual de cooperação (art. 6º do CPC)". Por outras palavras, o entendimento que foi consolidado pelo enunciado é o de que o juiz deve dar a oportunidade para o impugnante sanar eventual vício antes de rejeitar liminarmente a impugnação com fundamento no art. 525, § 5º, do CPC/2015, em atenção ao dever processual de cooperação consagrado pelo art. 6º do mesmo diploma legal. Com efeito, art. 6º do CPC/2015 preceitua que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Na medida que o art. 6º coloca como destinatários do dever de cooperação todos os sujeitos do processo, ele inclui também o magistrado. Ele também deve cooperar para a que a sua decisão seja justa, efetiva e obtida em tempo razoável3. Miguel Teixeira de Sousa, ao tratar do princípio da cooperação, sustenta que decorre dele um dever de consulta por parte do magistrado. Trata-se do dever de consultar as partes sempre que o órgão judicial pretenda conhecer de matéria de fato ou de direito sobre as quais aquelas não tiveram a oportunidade de pronunciar4. Portanto, a imposição de o juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença com base no § 5º do art. 525 do CPC/2015, intimar o impugnante para sanar o vício, decorre de uma faceta do dever de cooperação insculpido no art. 6º do mesmo diploma legal, que é o dever de consulta. É dizer: o juiz deve apontar que, no seu entendimento, não foi indicado o valor correto pelo executado, ou que o seu demonstrativo do cálculo do valor devido contém vícios que, se não forem sanados, levarão à rejeição da impugnação. No fundo, trata-se de uma consequência da incidência do princípio do contraditório que está (não apenas no art. 9º ou 10 do CPC/2015), mas na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso LV. De um certo modo, não seria necessário o art. 6º do CPC/2015 impor o dever de cooperação, tampouco o art. 9º determinar a observância obrigatória do princípio do contraditório ou o art. 10 vedar ao juiz que surpreenda as partes com decisões cujo fundamento não tiveram oportunidade de se manifestar. Basta, para se alcançar todas estas conclusões, o disposto no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, que ninguém duvida dever ser cumprido por todos e que sua eficácia é imediata e independe de lei, consoante o disposto no § 1º do mesmo dispositivo constitucional. Conforme já tivemos oportunidade de sustentar, "de forma bem direta, o princípio do contraditório é endereçado também ao magistrado, que deve proporcionar às partes as condições de participarem da preparação do julgamento que será por ele feito e cujo resultado é fruto do trabalho de todos, que devem proceder em franca colaboração ao longo do processo"5. Diante do exposto, acreditamos que o enunciado 95 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF, ao estabelecer que "O juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 5º, do CPC), deve intimar o impugnante para sanar eventual vício, em observância ao dever processual de cooperação (art. 6º do CPC)" é digno de aplausos, pois está alinhado não apenas com o princípio da cooperação, mas, sobretudo, com o próprio Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da CF/1988, que deve ser observado por todos, até por força do art. 1º do CPC/2015. __________ 1 Fonte: Enfam divulga 62 enunciados sobre a aplicação do novo CPC (acesso em 20/9/2017). 2  Fonte: I Jornada de Direito Processual Civil aprova 107 enunciados sobre o tema (acesso em 20/9/2017). 3 André Pagani de Souza, Vedação das decisões-surpresa no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 118. 4 Miguel Teixeira de Sousa, Aspectos do novo processo civil português, Revista de Processo n. 86, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 175-176. 5 André Pagani de Souza, Vedação das decisões-surpresa no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 118.
Elias Marques de Medeiros Neto Em 31/8/2017, a Turma Especial do TJ/SP julgou o IRDR 0023203-35.2016.8.26.0000, tendo sido relator o desembargador Francisco Loureiro, sendo certo que o julgamento de tal importante incidente versou sobre temas de compra e venda de imóveis. Veja-se abaixo quais foram as teses fixadas pelo TJSP: "TEMA 01: É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por maioria simples de votos: É valido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Vencidos os Desembargadores Elcio Trujillo, Luis Mario Galbetti, Carlos Alberto Garbi e Beretta da Silveira. TEMA 02: Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma tenha termo inicial da data de obtenção do financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula contratual seja redigida de modo claro e não ultrapasse seis meses da data do registro da incorporação (art. 34, Lei 4.491/64). Tese jurídica proposta pelo Relator rejeitada, vencidos os Desembargadores Francisco Loureiro (Relator), Percival Nogueira, James Siano, Galdino Toledo, Álvaro Passos, Luis Mario Galbetti e Mary Grun. Tese jurídica aprovada por maioria simples de votos, conforme a proposta do Desembargador Carlos Alberto Garbi: Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para formação do grupo de adquirentes e para entrega do imóvel. Vencidos os Desembargadores Donegá Morandini, Piva Rodrigues, James Siano e Fábio Quadros. TEMA 03: Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente vendedora. Por unanimidade, deram por prejudicado em razão da afetação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (REsps 1614721/DF e 1631485/DF, Tema 971), nos termos do disposto no art. 976, parágrafo 4º, do CPC. TEMA 04: Indenização por danos morais em virtude do atraso na entrega das unidades autônomas aos promitentes compradores. Por unanimidade, rejeitaram o estabelecimento de qualquer tese em razão do tema envolver necessariamente matéria fática ao exame de cada caso concreto. TEMA 05: O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso pode ser calculado economicamente pela medida de um aluguel, que é o valor correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada". Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por maioria simples de votos: O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada. Vencidos os Desembargadores Grava Brazil e Donegá Morandini. TEMA 06: É ilícito o repasse dos juros de obra ou juros de evolução da obra, após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves de unidade autônoma, incluído o período de tolerância. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por unanimidade: "É ilícito o repasse dos "juros de obra", ou "juros de evolução de obra", ou taxa de evolução da obra", ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tolerância. TEMA 07: A restituição de valores pagos em excesso pelo promissário comprador em contratos de compromisso de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do promitente vendedor. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por unanimidade: "A restituição de valores pagos em excesso pelo promissário comprador em contratos de compromisso de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do promitente vendedor". TEMA 08: O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e multa contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais gravosos ao consumidor. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por unanimidade: "O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e multa contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais gravosos ao consumidor". TEMA 09: Não se aplica a multa prevista no art. 35, par. 5º, da L. 4.591/64 para os casos de atraso na entrega das unidades autônomas aos promissários compradores. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por unanimidade: "Não se aplica a multa prevista no artigo 35, parágrafo 5º, da Lei n. 4.591/64 para os casos de atraso de entrega das unidades autônomas aos promissários compradores". Deliberaram, por maioria, pela não suspensão dos processos em curso, nos termos da proposta do Relator: "Na forma do art. 985 do CPC, as teses aprovadas sejam aplicadas a todos os processos individuais e coletivos pendentes, ou casos futuros que versem sobre as mesmas questões de direito no Estado de São Paulo, inclusive nos juizados especiais. Não é o caso de se determinar a suspensão dos processos em curso, tema já deliberado por ocasião da decisão que admitiu o IRDR, e por mais de uma razão: (i) primeiro, porque as teses ora firmadas referendam súmulas de jurisprudência deste Tribunal de Justiça, com alteração apenas de redação; (ii) segundo, porque se escoou o prazo ânuo do art. 980 do NCPC. Eventuais recursos especial ou extraordinário serão dotados de efeito suspensivo dos efeitos deste Acórdão (art. 987 NCPC), sem que isso implique, porém, a paralisação de processos cujo prosseguimento foi autorizado por esta Turma Julgadora ao admitir o incidente. O julgamento da causa piloto será realizado pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Piracicaba, à luz das teses ora aprovadas, com escopo de evitar avocação de processo e supressão de instância", rejeitada a proposta alternativa apresentada pelo Des. Carlos Alberto Garbi: "proponho que se aplique, agora, a medida prevista na lei (arts. 313, IV, e 982, I, NCPC) e se determine a suspensão de todos os processos pendentes nesta data de julgamento no Estado de São Paulo, em qualquer grau de jurisdição, até o trânsito em julgado", que ficou vencido na questão. Farão declaração de votos os Desembargadores: Grava Brazil, Donegá Morandini, Beretta da Silveira e Carlos Alberto Garbi." Mas, afinal, o que é e qual é a importância do IRDR? O artigo 976 do CPC/15 disciplina que é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, cumulativamente, existirem repetitivos processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão única de direito e houver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Cassio Scarpinella Bueno1 doutrina que "o instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal competente para julgá-lo. Pode até ocorrer de haver recurso especial e/ou extraordinário para o STJ e/ou para o STF, respectivamente, viabilizando que o mérito do incidente alcance todo o território nacional". O mesmo professor ainda elucida que "O dispositivo evidencia que o objetivo do novel instituto é o de obter decisões iguais para casos (predominantemente) iguais. Não é por acaso, aliás, que o incidente é considerado, pelo inciso I do art. 928, como hipótese de julgamento de casos repetitivos. O incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança jurídica, papel próximo (e complementar) ao dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II). Não é por acaso, também, o destaque que a ele dá o inciso III do art. 927, que dispensa a menção aos diversos casos em que, naquele contexto, o incidente é referido ao longo de todo o CPC de 2015"2. Quanto aos requisitos para a instauração do incidente, Teresa Arruda Alvim Wambier3 ministra que: "Então, questões ditas de direito, quaestio juris, são predominantemente de direito. São aquelas em que não há discussão sobre os fatos porque, por exemplo, são comprováveis documentalmente. Ou, ainda, são aquelas situações em que os fatos já estão comprovados por várias espécies de provas e, não havendo dúvidas sobre o que ocorreu, e sobre como ocorreu, discute-se apenas sua qualificação jurídica... A nova lei exige que haja efetiva repetição de processos e não mera potencialidade de que os processos se multipliquem. Parece, todavia, que os objetivos do instituto ficariam inteiramente frustrados, se se exigisse, para a instauração do incidente, que já se tivesse instalado o caos na jurisprudência de primeiro grau, com milhares de sentenças resolvendo de modos diferentes a mesma questão de direito. Não. Se a lei exige que já haja processos "repetidos" em curso, é razoável que se entenda que bastem duas ou três dezenas, antevendo-se a inexorabilidade de a multiplicação destas ações passarem a ser muito maior". Conforme previsto no parágrafo quarto do artigo 976 do CPC/15, o incidente de resolução de demandas repetitivas é incabível quando um dos tribunais superiores, dentro de sua competência, já houver determinado a afetação de recurso para definição de tese quanto à matéria repetitiva. Caso o incidente de resolução de demandas repetitivas não seja admitido por ausência dos requisitos previstos no artigo 976 do CPC/15, é certo que, nos termos do parágrafo terceiro deste mesmo artigo, desde que os requisitos sejam futuramente preenchidos, o incidente poderá ser suscitado novamente. No âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas, o Ministério Público, quando não for o requerente, deve intervir de forma obrigatória no incidente e assumir sua titularidade em caso de desistência ou abandono por parte de quem o suscitou originalmente. De acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 976 do CPC/15, uma vez admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, o seu exame de mérito passar a ser o grande objetivo do julgador, de modo que a desistência ou abandono do processo que o originou não impede o almejado exame de mérito do incidente. Teresa Arruda Alvim Wambier4 ressalta que: "Existe evidente interesse público na criação e no bom funcionamento do instituto, que é capaz de gerar segurança jurídica e melhorar consideravelmente a performance do judiciário, poupando magistrados da verdadeira burocracia que é ter que decidir milhares de processos iguais. Por isto, este dispositivo diz que, mesmo se houver desistência ou abandono da causa no bojo da qual o incidente foi instaurado, o mérito do incidente deve ser decidido". Conforme prevê o artigo 977 do CPC/15, o pedido de instauração do incidente deve ser dirigido ao presidente do tribunal, sendo que tal pedido será feito por oficio quando realizado pelo juiz ou relator; e por petição, quando realizado pelas partes, pelo ministério público ou pela defensoria. O ofício ou a petição devem ser instruídos com todos os documentos necessários para demonstrar que estão presentes os requisitos para a instauração do incidente; sendo certo, ainda, que o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas caberá ao órgão competente do tribunal, de acordo com o seu regimento interno, para apreciar questões de uniformização de jurisprudência. De acordo com o parágrafo único do artigo 978 do CPC/15, o órgão colegiado que será designado para julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas, e fixar a respectiva tese jurídica, também deverá julgar igualmente o recurso, a remessa necessária, ou o processo de competência originária do qual se originou o incidente. O artigo 979 do CPC/15 preocupa-se com a publicidade da instauração e do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário. É orientação legal que o Conselho Nacional de Justiça providencie cadastro com a mais ampla e específica divulgação de informações quanto à tese objeto da instauração e do julgamento do incidente, dos recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário, devendo os tribunais manter banco eletrônico de dados atualizados e que possam ser enviados para fins de cadastro junto ao Conselho Nacional de Justiça. O artigo 980 do CPC/15 dispõe que o incidente deve ser julgado no prazo de até 1 (um) ano, sendo que apenas não terá preferência de julgamento em relação ao casos que envolvam réu preso e os habeas corpus. Caso o prazo de que trata o artigo 980 do CPC/15 não seja observado, o parágrafo único do mesmo artigo prevê que cessa a suspensão do trâmite dos processos que haviam sido sobrestados em razão do incidente, salvo se o relator, em decisão fundamentada, determinar de forma diversa. Teresa Arruda Alvim Wambier5 enfatiza que: "Não sendo julgado o incidente dentro deste prazo, voltam a tramitar os processos cujo curso tenha sido suspenso pelo relator, de acordo com o artigo seguinte. Esta suspensão pode permanecer, se houver decisão do relator neste sentido, evidentemente, fundamentada. Como todo prazo impróprio, seu descumprimento não gera consequências de ordem processual. No entanto, evidentemente, deve ser respeitado, principalmente num caso como este: a decisão do incidente abrangerá uma multiplicidade de processos cujo trâmite está suspenso. A demora no julgamento ofende, neste caso, escancaradamente a garantia da razoável duração do processo". Uma vez admitido o incidente, o relator determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no mesmo estado ou região dentro do âmbito de competência do tribunal. Além disso, o relator pode requisitar informações aos órgãos em cujos juízos tramitam processos referentes ao objeto do incidente, informações estas que devem ser disponibilizadas em até 15 (quinze) dias. O relator ainda deve intimar o ministério público para se manifestar em até 15 (quinze) dias. Nos termos do artigo 982, parágrafo segundo, do CPC/15, durante a suspensão de que trata o artigo 982, I, do CPC/15, a parte deve apresentar o pedido de tutela provisória de urgência perante o juízo no qual tramita o processo com trâmite sobrestado em razão do incidente. O artigo 982, parágrafos terceiro e quarto, do CPC/15, cuidam da possibilidade de qualquer um dos legitimados mencionados no artigo 977 do CPC/15 requererem ao tribunal superior, competente para a apreciação de futuro recurso especial ou extraordinário, que a suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 seja estendida a todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional, desde que versem sobre a mesma questão objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas suscitado, admitido e ainda pendente de julgamento por tribunal a quo. Independentemente dos limites de competência do tribunal no qual tramita o incidente de resolução de demandas repetitivas, o pedido de que trata o parágrafo terceiro do artigo 982 do CPC/15 pode ser apresentado por qualquer parte de processo em curso dentro do território nacional e no qual se debata a mesma questão de direito objeto de incidente já instaurado. O objetivo real dos parágrafos terceiros e quarto do artigo 982 do CPC/15 é possibilitar a ampliação dos efeitos da suspensão de que trata o inciso I do artigo 982 do CPC/15 a todos os processos individuais ou coletivos, no âmbito nacional, que tenham a mesma questão de direito objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado. Teresa Arruda Alvim Wambier6 observa que: "Identificando a segurança jurídica como um dos seus aspectos, aquele que se liga à previsibilidade, diz este dispositivo que aqueles que podem pedir para que o incidente seja instaurado - partes, MP, defensoria, juiz ou relator, podem pedir ao STJ ou ao STF, antes que o recurso especial ou extraordinário seja interposto, que todos os processos individuais ou coletivos, que estejam em curso no território nacional, sejam suspensos. Esta suspensão cessa, diz o parágrafo seguinte, se não for interposto recurso especial ou extraordinário. Se o relator não tem outra escolha, se não a de mandar suspender todos os processos que estejam tramitando na esfera de sua competência, já que esta é uma consequência natural do juízo de admissibilidade positivo do pedido de instauração do incidente de julgamento de demandas repetitivas, aqui, parece que as coisas se passam diferentemente. Este pedido não é automaticamente deferido pelo STF ou STF: deve-se avaliar se suspender todos os processos que estejam tramitando no país contribui, no caso concreto, para a realização do valor segurança jurídica. Fatores que podem ser levados em conta são: o número não tão expressivo de ações e, também, ter-se revelado tendência a que se decida predominantemente num certo sentido. Não sendo interpostos recurso especial ou extraordinário, voltam os processos, cujo trâmite for suspenso, a correr normalmente". O artigo 983 do CPC/15 prevê que o relator ouvirá as partes e os interessados na questão objeto do incidente suscitado, os quais terão o prazo de até 15 (quinze) dias para requerer a juntada de documentos e das diligências necessárias para o julgamento do incidente. Em seguida, o Ministério Público pode se manifestar no mesmo prazo de até 15 (quinze) dias. Para ter uma instrução mais completa do incidente, o relator pode se valer de audiência pública, com a oitiva de pessoas com experiência e conhecimento na matéria objeto do incidente. O amicus curiae é perfeitamente admitido no incidente de resolução de demandas repetitivas. Nos termos do parágrafo terceiro do artigo 138 do CPC/15, o amicus curiae pode, inclusive, apresentar recurso contra a decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. Cassio Scarpinella Bueno7 doutrina que "o dispositivo menciona que os outros interessados podem ser pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, o que traz à tona a figura do amicus curiae generalizada pelo art. 138. O interesse na manifestação em tais casos, importa destacar, é necessariamente o institucional e, portanto, inconfundível com o usual interesse jurídico que caracteriza as demais modalidades de intervenção de terceiro, tradicionais e novas, disciplinadas pelo CPC de 2015...Entendo que essas audiências públicas e a oitiva do amicus curiae merecem ser tratadas como as duas faces da mesma moeda, isto é, como técnicas que permitem a democratização (e, consequentemente, a legitimação) das decisões jurisdicionais tomadas em casos que, por definição, tendem a atingir uma infinidade de pessoas que não necessariamente far-se-ão representar pessoal e diretamente no processo em que será fixada a interpretação da questão jurídica. A audiência pública, esta é a verdade, é um local apropriado para que a participação do amicus curiae seja efetivada". Após a instrução, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. Uma vez julgado o incidente, nos termos do artigo 985 do CPC/15, a tese jurídica deve ser aplicada a todos os processos individuais ou coletivos, presentes e futuros, que versam sobre a mesma questão de direito e que estejam na área de jurisdição do tribunal, sendo que os processos que tramitam nos juizados especiais também deverão ser atingidos. Caso não seja observada a tese fixada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, caberá, inclusive, reclamação, conforme previsto nos artigos 985, parágrafo primeiro, e 988, IV, do CPC/15. O julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas pode ser objeto de recurso especial e extraordinário, nos termos do artigo 987 do CPC/15. Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 987 do CPC/15, o(s) recurso especial e/ou recurso extraordinário terá (ão) efeito suspensivo, além de presumir-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente referente à tese jurídica objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas. Uma vez julgado o recurso especial e/ou o recurso extraordinário, a tese jurídica fixada em sede de tribunal superior, nos termos do artigo 987 do CPC/15, deverá ser aplicada, no território nacional, em todos os processos individuais ou coletivos que versam sobre idêntica questão de direito. Conforme prevê o artigo 986 do CPC/15, é possível a revisão da tese jurídica firmada no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, em procedimento a ser instaurado perante o mesmo tribunal, a pedido dos legitimados do artigo 977, III, do CPC/15 ou por iniciativa do próprio tribunal. __________ 1 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 635. 2 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 637. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1552. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1553. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1558. 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1562. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 644.
Rogerio Mollica e Elias Marques de Medeiros Neto O Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO)1 possui enunciado com a seguinte previsão: "O efeito suspensivo automático do art. 1.012, aplica-se ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial do mérito". (art. 356) A razão do enunciado se baseia na premissa de que a natureza da decisão interlocutória parcial de mérito se mostra similar ao da sentença final de mérito, sendo certo que o NCPC não poderia tratar de forma desigual os efeitos dos respectivos recursos a serem interpostos contra esses referidos pronunciamentos judiciais. A decisão interlocutória parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do NCPC, tem a natureza de uma verdadeira sentença, não se diferenciando, em essência, do pronunciamento judicial de que trata o artigo 487 do NCPC. Teresa Arruda Alvim2 bem observa que: "O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão interlocutória de mérito. (...). Embora a decisão que julga antecipadamente parte do mérito tenha conteúdo de sentença (art. 487, I), o recurso dela cabível é o agravo de instrumento, para permitir que o processo prossiga em primeiro grau, em relação aos pedidos ou a parte do pedido não julgados". Cassio Scarpinella Bueno3 bem lembra que "não sendo o caso de extinção total ou parcial do processo, nem de julgamento antecipado total do mérito, cabe ao magistrado verificar se o caso concreto amolda-se no que o CPC de 2015 passou a identificar como julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356). Aqui também, o que o magistrado buscará, ainda que em parte, é o proferimento de sentença nos moldes do inciso I do art. 487". Neste contexto, o legislador não poderia tratar de forma abruptamente diferente os efeitos dos recursos que devem ser utilizados para provocar a revisão da sentença e da decisão interlocutória de mérito, dada a mesma essência existente nesses dois pronunciamentos judiciais. Se a apelação, interposta contra sentença, deve ser recebida com o duplo efeito, nos termos do artigo 1012 do NCPC, razoável seria afirmar que o agravo de instrumento, para a hipótese de ser interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC, também deveria ser recebido com o duplo efeito; sendo admitido com efeito suspensivo automático. Não se olvida, aqui, que o legislador se preocupou muito com a efetividade, a celeridade e a eficiência dos atos jurisdicionais, conforme bem se nota da leitura dos artigos 4 e 8 do NCPC. Mas, por outro lado, a segurança jurídica, o devido processo legal e a proporcionalidade são importantes princípios que devem nortear a leitura constitucional do processo civil (art. 1 do NCPC), de modo que se o legislador optou, em regra, conferir efeito suspensivo automático ao recurso de apelação (artigo 1012 do NCPC) interposto contra a sentença final de mérito, não parece coerente - inclusive do ponto de vista de sistema - permitir que o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito (artigo 356 do NCPC) tenha o seu curso sem o efeito suspensivo automático do artigo 1012 do NCPC. A incoerência se agrava, ao se notar que o artigo 356 do NCPC prevê inclusive, em seu paragrafo segundo, que a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto. Essa previsão permite a absurda conclusão de que a decisão parcial de mérito seria, em tese, mais forte, para fins de execução imediata, que uma sentença final de mérito, proferida após a devida instrução probatória. Este artigo não necessariamente defende que o sistema processual ideal é aquele que prevê que a sentença de mérito deva ser recorrida através de recurso de apelação que tenha o efeito suspensivo automático. Mas, defende sim, com todas as letras, que se o legislador optou por conferir efeito suspensivo automático para o recurso de apelação, não existe razão cientifica para retirar a previsão de efeito suspensivo automático para o agravo de instrumento a ser manejado contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC, que nada mais representa do que uma verdadeira sentença parcial antecipada de mérito. E nessa linha, de coerência sistêmica, as hipóteses excepcionais previstas no próprio artigo 1012 do NCPC, nas quais a apelação deve ser recebida apenas com efeito devolutivo, também se aplicariam, em tese, ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC. Essa visão estaria, no nosso humilde ver, em linha com uma leitura constitucional do processo civil, bem proclamada pela professora Teresa Arruda Alvim4 como "linha mestra fundamental da construção do novo sistema processual civil brasileiro. Um dos objetivos que se teve ao se elaborar este novo código foi o de situa-lo, expressa e explicitamente, num contexto normativo mais amplo, em que a constituição federal ocupa o principal papel". __________ 1 Ceapro. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 688. 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 331. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 60.
Daniel Penteado de Castro O CPC de 2015 trouxe inovações no regime de honorários advocatícios, dentre as principais, (i) a previsão de regras objetivas para fixação de honorários contra a Fazenda Pública (art. 85, § 3º), (ii) a vedação de compensação de condenação em verba honorária nas hipóteses de sucumbência recíproca (art. 85, § 14) e, (iii) a previsão de majoração da verba honorária advocatícia em grau recursal (art. 85, § 11º). O tema comporta diversos questionamentos e em edições anteriores desta coluna foram apontados precedentes sobre o não cabimento da majoração da verba honorária no mesmo grau recursal1, a inaplicabilidade de condenação de honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica2 e o tratamento da jurisprudência acerca da majoração da verba honorária em recurso improvido, porém não respondido3. O presente ensaio busca enriquecer a matéria acerca da condenação em verba honorária disciplinada no art. 85, § 11º do CPC4. A literal redação do dispositivo permite concluir a existência do pressuposto de pretérita condenação em verba honorária advocatícia, mormente por conta do trecho de que o tribunal "(...) majorará honorários fixados anteriormente". Tal premissa afasta o cabimento da verba honorária em recursos de agravo tirados contra decisão interlocutória em ação de conhecimento, exceção ao agravo interposto contra a sentença parcial de mérito (art. 356, § 5º). Todavia, não esclarece se cabe a verba honorária no recurso de agravo tirado de decisão interlocutória prolatada na fase de cumprimento de sentença (cujo título executivo judicial na maioria de suas hipóteses é informado de pretérito arbitramento da verba honorária) ou no processo de execução por quantia certa (em que no despacho inicial há fixação da verba honorária - art. 827, caput), tema que ainda carecem precedentes a respeito da matéria. Ao se entender que a majoração da verba honorária em grau recursal busca desestimular a interposição de recurso, todo e qualquer recurso típico (art. 994), em tese, desafiaria a majoração da verba honorária, tema específico que carece posicionamento da jurisprudência5. Por outro lado, seria defensável dizer que o intuito do legislador também o foi de remunerar o labor do advogado em grau recursal "(...) levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal" (art. 85, § 11º), sendo indiferente a circunstância do resultado do recurso apontar a manutenção ou reforma da decisão impugnada, somada à pretérita condenação na instância a quo. A par de faltarem respostas aos questionamentos acima, algumas balizas vêm sendo recortadas pela jurisprudência. Inicialmente tem se entendido pela aplicação do art. 85, § 11º a recurso interposto na vigência do CPC de 2015, posicionamento veiculado no Enunciado Administrativo n. 7 do STJ e inúmeros julgados da corte superior: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE EXECUÇÃO DE OBRAS. IRREGULARIDADE FISCAL DO CONTRATADO. RETENÇÃO DO PAGAMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO. DESCABIMENTO. ADITIVO CONTRATUAL. NEGATIVA DE PAGAMENTO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. CARÁTER MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL DO PRESENTE RECURSO. NÃO CONSTATAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DESCABIDA. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com s interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).(...) 4. A interposição do presente recurso não denota caráter manifestamente inadmissível ou improcedente a ensejar a aplicação de sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 5. O Plenário do STJ aprovou o Enunciado Administrativo n. 7, segundo o qual "somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC)" e, nos termos do enunciado n. 16 da ENFAM, "não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição" (art. 85, § 11, do CPC/2015). Precedentes. 6. Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 503038/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 31.05.2017) "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, §11, DO CPC/2015. OMISSÃO SANADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDO PARA INTEGRALIZAR O JULGADO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. Os embargos de declaração constituem instrumento processual com o escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo acórdão ou, ainda, de corrigir evidente erro material, servindo, dessa forma, como instrumento de aperfeiçoamento do julgado (art. 1.022 do CPC/2015). 2. In casu, verificada a existência de omissão no acórdão embargado quanto aos honorários recursais e considerando o disposto no artigo 85, § 11, do CPC, c/c o Enunciado Administrativo n. 7/STJ, segundo o qual "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC"), impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 10% sobre a verba arbitrada na origem. 3. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes." (EDcl no REsp 1621528/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14.08.2017)6 Os julgados acima tratam de aplicação do direito intertemporal e soa acertado o entendimento, mormente para se prevenir as partes acerca das regras do jogo a serem aplicadas quando da interposição de recurso. De igual modo, o STJ e TJSP reforçam a necessidade de pretérita condenação em verba honorária advocatícia como pressuposto para sua majoração em grau recursal: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. NÃO CABIMENTO. OMISSÃO INEXISTENTE. EMBARGOS REJEITADOS. Recurso interposto sob a égide de que nova lei processual conduz, em princípio, à aplicação da nova sucumbência. Entretanto, a inexistência de condenação ao pagamento de honorários advocatícios no Tribunal a quo impossibilita a sua majoração, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, neste grau recursal. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgInt no RE nos EDcl no AgRg no AREsp 684467 / PE, Rel. Min. Humberto Martins, Corte Especial, DJe 24.02.2017, grifou-se) "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU ERRO MATERIAL. EMBARGOS REJEITADOS. 1. É certo que o novo Código de Processo Civil estabelece que "o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento" (art. 85, § 11). A análise desse dispositivo permite exegese no sentido de que a fixação da sucumbência recursal abrange a majoração dos honorários antes fixados (na hipótese de o recurso não prosperar) e o arbitramento de nova verba, com redistribuição dos honorários antes fixados (na hipótese de provimento do recurso), considerando-se, em ambos os casos, o trabalho adicional realizado em grau recursal. 2. Por outro lado, conforme abalizado entendimento doutrinário, a majoração dos honorários advocatícios, a título de sucumbência recursal, pressupõe que tenha havido a fixação de honorários na instância a quo, ou seja, só é cabível nos feitos em que for admissível a condenação em honorários na instância a quo. 3. No caso concreto, o recurso especial origina-se de decisão interlocutória proferida em sede de medida cautelar fiscal, na qual não houve a fixação de honorários advocatícios, sobretudo porque se trata de hipótese em que não é admissível a condenação em verba honorária. Nesse contexto, revela-se descabida a fixação de honorários advocatícios, a título de sucumbência recursal. 4. Além disso, em se tratando de recurso especial julgado por meio de decisão monocrática, na qual não foi estabelecida a sucumbência recursal em razão do Enunciado Administrativo 7/STJ (no caso, a publicação do acórdão impugnado por meio do recurso especial ocorreu em dezembro/2015), não é possível a fixação da sucumbência recursal em sede de agravo interno. Isso porque, embora o agravo interno seja previsto como recurso próprio (art. 994, III, do CPC), a sua finalidade principal é a obtenção de um pronunciamento colegiado (formação de um acórdão) sobre a questão controversa, especialmente para fins de exaurimento de instância. Ressalte-se que, em regra, não é possível suscitar questão nova em sede de agravo interno, pois o objeto do recurso (recurso especial, agravo em recurso especial, embargos de divergência etc.) é delimitado no ato de sua interposição. Da mesma forma, caso não seja cabível a fixação da sucumbência recursal no momento em que proferida a decisão monocrática (por força do enunciado mencionado), não é possível ao Relator inovar e fixar a sucumbência recursal em sede de agravo interno. 5. Em suma, em se tratando de recurso julgado por meio de decisão monocrática, na qual foi estabelecida a sucumbência recursal, não é possível nova majoração em sede de agravo interno. A contrário sensu, em se tratando de recurso julgado por meio de decisão monocrática, na qual não foi estabelecida a sucumbência recursal em razão do Enunciado Administrativo 7/STJ, não é possível a fixação da sucumbência recursal em sede de agravo interno. 6. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgInt no AREsp 892042 / SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08.02.2017, grifou-se) *** "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS - Acórdão que deu provimento a recurso de agravo de instrumento - Alegação de omissão em relação à fixação de honorários advocatícios em sede de recurso - Pretensão da embargante de pronunciamento da Colenda Câmara sobre fixação de sucumbência recursal em agravo de instrumento, para condenar o agravado na sucumbência em valor correspondente de 10% a 20% do valor da causa - Impossibilidade - art. 85, § 1º do CPC/15 que dever ser analisado em conjunto com o seu § 11 - Necessidade de previa fixação da condenação em honorários na decisão agravada - Inocorrência no caso em tela - Embargos conhecidos apenas para aclarar tais questões, sem contudo, alterar o teor do julgado. EMBARGOS CONHECIDOS, SEM EFEITO MODIFICATIVO. (TJSP, Embargos de Declaração n. 2176894-35.2016.8.26.0000. Rel. Des. Roberto Mac Cracken, 22ª Câmara de Direito Público, j. 10.01.2017,grifou-se) Por sua vez, pode ocorrer do recurso apreciado em determinada instância haver sido interposto sob a vigência do CPC de 1973, a afastar a majoração da verba honorária. Todavia, novo recurso interposto naquela mesma instância, desta feita sob a vigência do CPC de 2015, desafia a aplicação da condenação em honorários advocatícios: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DO JULGADO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Omisso o julgado, há de se acolher os embargos de declaração, a fim de integrar o julgado embargado. 2. Os honorários devidos na fase de recurso especial compreendem a remuneração de todo o trabalho advocatício nesta etapa, inclusive eventual agravo interno que se faça necessário para que o recurso chegue ao conhecimento do colegiado naturalmente competente, a Turma. 3. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA SANAR A OMISSÃO SUSCITADA E MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS." (EDcl nos EDcl no AgInt no REsp 1487532 / SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 02.08.2017, grifou-se) Tema já lembrado em coluna anterior, frisa que a majoração da verba honorária deve ocorrer uma única vez em grau recursal, a aplicar-se o Enunciado n. 16 do Enfam: "PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS. RECURSO EM MESMO GRAU. NÃO CABIMENTO. OMISSÃO INEXISTENTE. 1. Os preceitos do art. 85, § 11, do CPC/2015, claramente estabelecem que a majoração dos honorários está vinculada ao trabalho desenvolvido em cada grau recursal, e não em cada recurso interposto no mesmo grau. 2. 'Não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição (art. 85, § 11, do CPC/2015)' (Enunciado 16 da ENFAM). No caso dos autos, o grau inaugurado com a interposição de recurso especial ocorreu em momento anterior à vigência da nova norma, o que torna sua aplicação indevida, sob pena de retroação de seus efeitos. Ressalte-se que até o agravo regimental, ao contrário do que aduz a embargante, foi interposto antes da vigência do novo CPC. Embargos de declaração rejeitados." (STJ, EDcl no AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1461914/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 10/08/2016, grifou-se) "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONSIDEROU O ANTERIOR DECISUM SINGULAR PARA NEGAR PROVIMENTO AO APELO NOBRE. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. (...) 4. Deixa-se de aplicar honorários sucumbenciais recursais nos termos do enunciado 16 da ENFAM: 'Não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição (art. 85, § 11, do CPC/2015)'. 5. Agravo interno desprovido." (STJ, AgInt no AgRg no REsp 1200271/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 17/05/2016)" De igual sorte, precedentes do STJ e TJSP apontam que a despeito de haver pretérita condenação em verba honorária, necessário que o resultado do recurso seja pela manutenção da decisão impugnada com vistas a se aplicar a regra do art. 85, § 11º. Vale dizer, pressupõe-se que o litigante sucumba na instância a quo e, após recorrer, sucumba novamente na instância ad quem, a afastar a aplicação do regramento nas hipóteses de provimento do recurso e consequente inversão da sucumbência: "1. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DETERMINADA NA SENTENÇA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DIANTE DA NOVA DETERMINAÇÃO DO CPC DE 2015. RETROATIVIDADE DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO ESPECIAL QUE NÃO FOI PROVIDO POR ESTE RELATOR. ABERTURA DA REAPRECIAÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS POR ESTA CORTE SUPERIOR. NÃO OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. AGRAVO IMPROVIDO. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. PEDIDO FORMULADO PELA PARTE AGRAVADA NÃO ACOLHIDO. (...) 3. Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC"; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; [...] 5. Agravo interno improvido. E indeferimento do pedido, formulado pelo agravado, de arbitramento de honorários advocatícios recursais. (AgInt nos EDcl no REsp 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJE 19.04.2017, grifou-se) "DA APELAÇÃO CÍVEL QUANTO À MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, EM RAZÃO DE TRABALHO ADICIONAL EM GRAU RECURSAL, NOS TERMOS DO ART. 85, § 11, DO CPC, PORQUE SOMENTE É CABÍVEL EM CASO DE NÃO CONHECIMENTO INTEGRAL OU DE IMPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTE DO C. STJ. EMBARGOS REJEITADOS." (TJSP, Embargos de declaração n. 1024363-72.2016.8.26.0196. Rel. Alberto Grosson, 22ª Câmara de Direito Privado, j. 03.08.2017) O tema não se exaure nos apontamentos acima e falta respostas a diversos questionamentos provocados neste breve ensaio. De toda sorte, os precedentes referenciados permitem concluir, por ora, que a aplicação do art. 85, § 11º do CPC (i) há de ser observada em recursos interpostos na vigência do CPC de 2015, (ii) pressupõe pretérita sucumbência arbitrada, (iii) os honorários são majorados na hipótese de improvimento ou não conhecimento do recurso por culpa do recorrente7, e (vi) o aumento da verba honorária não incide se já majorada no mesma instância recursal. __________ 1 CPC na prática. 2 CPC na prática. 3 CPC na prática. 4 Art. 85, § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anterioremente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º, para a fase de conhecimento. 5 Diferentemente, entende Ronaldo Cramer que: "No entanto, não é em qualquer recurso que esses honorários serão fixados, mas apenas nos recursos contra sentença ou decisão interlocutória que promove o julgamento parcial do processo, seja processual ou de mérito." In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 447. 6 Igual sentido, Edcl no REsp 1652381/SC , Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14.08.2017; Edcl no AgInt no AREsp 985958/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, DJe 14.08.2017; AgInt no AResp 1041801/Df, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 07.08.2017 e AgInt no AResp 503038/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 31.05.2017. 7 De se lembrar, hipótese de não conhecimento do recurso quando o relator ou a turma julgadora declinam da competência recursal para exame da matéria impugnada.
André Pagani de Souza A desconsideração da personalidade jurídica, no curso do processo, deve ser decretada mediante a instauração do incidente regrado pelos arts. 133 a 137 da lei 13.105/2015 (CPC/2015). Tanto isso é verdade que o § 4º do art. 795 do referido diploma legal estabelece que "para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código". Entretanto, o § 2º do art. 134 do CPC/2015 traz uma exceção à regra acima mencionada ao dispor que "dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica". Com efeito, o dispositivo acima transcrito prevê que é dispensável a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica se a parte assim o requerer na petição inicial1. Uma das consequências disso será que não haverá suspensão do processo se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica for formulado na petição inicial (art. 134, § 3º, do CPC/2015). Um problema de grave violação ao princípio do contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal (CF/1988), ao qual foi reconhecido o status de "norma fundamental do processo civil" pelos arts. 7º, 9º e 10 do CPC/2015, pode se concretizar se o § 2º do art. 134 do referido diploma for aplicado indistintamente ao processo de execução fundada em título extrajudicial. Isso pode acontecer em decorrência de uma primeira leitura apressada e sem maiores reflexões (do ponto de vista sistemático) do § 2º do art. 134 do CPC/2015 combinado com a parte final do caput do mesmo artigo, que prescreve o seguinte: "O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial" (grifamos). À luz do disposto no caput do art. 134 e no § 4º do art. 795, ambos do CPC/2015, não há dúvidas de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é cabível no processo de execução fundada em título extrajudicial e sua instauração é imprescindível para que sejam estendidos os efeitos das obrigações da pessoa jurídica para os seus integrantes, uma vez preenchidos os pressupostos estabelecidos no direito material autorizadores da medida (art. 50 do Código Civil; art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo). A violação ao princípio do contraditório já anunciada anteriormente pode ocorrer se o caput do art. 134 for aplicado em combinação com o § 2º do mesmo dispositivo do CPC/2015 no processo de execução fundada em título extrajudicial. Ou seja, pode ser violada a garantia do contraditório se o exequente inserir, na petição inicial do processo de execução fundada em título extrajudicial, os integrantes da pessoa jurídica cuja personalidade se pretende ver desconsiderada, sem conferir prévia oportunidade de defesa a estes últimos. Afirma-se que a garantia do contraditório pode ser violada no processo de execução nessa hipótese porque a citação para integrar a lide aquele que será atingido pela decisão de desconsideração da personalidade jurídica prevista no incidente (art. 135) é para o sócio manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Se for dispensado o incidente, o sócio será citado para pagar (art. 829) e não terá oportunidade sequer de se manifestar previamente sobre a intenção do credor de desconsiderar a personalidade jurídica. É lógico que, se for o caso de isso acontecer em um processo de conhecimento, não haverá problemas de violação ao princípio do contraditório ao se aplicar o § 2º do art. 134 porque a citação do art. 135 será substituída pela citação a que se refere o art. 238 do CPC/2015 para comparecimento em audiência de conciliação ou mediação (art. 334) ou para apresentação de resposta (art. 335). Por isso mesmo é que o § 3º do art. 134 dispõe que, se assim for, não há que se suspender o processo (de conhecimento). Por outro lado, se a hipótese for de processo de execução fundada em título extrajudicial que retrate uma obrigação de pagar quantia em dinheiro, o art. 829, caput, do CPC/2015 prevê que "o executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação". Veja-se: aqui no processo de execução o executado é citado para pagar em três dias e lá no processo de conhecimento o réu é citado para apresentar em defesa ou, quando muito, comparecer a uma audiência de conciliação ou mediação. Em outras palavras, se o incidente dos arts. 133 a 137 for dispensado no processo de conhecimento por que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica foi formulado na petição inicial (art. 134, § 2º) não haverá prejuízo (leia-se: violação ao contraditório) para o sócio ou integrante da pessoa jurídica porque em vez de ele ser citado para se manifestar em 15 (quinze) dias e requerer as provas cabíveis (que é a previsão do art. 135), ele será citado para comparecer em uma audiência de conciliação ou mediação (que é a previsão do art. 334 no procedimento comum) e, somente a partir daí é que começará a fluir o prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de sua defesa (art. 335). No processo de execução fundada em título extrajudicial de obrigação de pagar quantia, já é diferente. Se o incidente de desconsideração for dispensado, em vez de o sócio ou administrador da pessoa jurídica serem citados para apresentar manifestação sobre o pedido e requerer as provas cabíveis em 15 (quinze) dias, conforme o art. 135 do CPC/2015, eles serão citados para pagamento do valor da dívida (que originariamente é da pessoa jurídica) no prazo de 3 (três) dias, nos termos do art. 829 do mesmo diploma legal, sem que tenham tido oportunidade prévia de debater se estavam preenchidos os pressupostos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Eis aqui, portanto, a grave violação ao princípio do contraditório. Nesse último caso, como o sócio ou administrador da pessoa jurídica inserido na petição inicial do processo de execução fundada em título extrajudicial promovida contra a pessoa jurídica não teve prévia oportunidade de se manifestar sobre a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo citado para pagamento em apenas 3 (três) dias de valor em dinheiro indicado no título no qual figura como devedora apenas a pessoa jurídica, há flagrante violação do principio do contraditório insculpido na CF/88, no art. 5º, inciso LV, bem como nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC/2015. Por isso é que a parte final do caput art. 134 do CPC/2015, que permite a instauração do incidente dos arts. 133 a 137 no processo de execução, não deve ser interpretado de maneira afobada em conjunto com o § 2º do mesmo artigo (art. 134) que dispensa o incidente se o autor (exequente) requerer a desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial, mas sim de uma maneira mais sistemática e que não perca de vista os princípios e as normas fundamentais do processo civil. Uma interpretação sistemática do direito processual civil, que leve em consideração o art. 5º, inciso LV, da CF/88, bem como os arts. 7º, 9º e 10 do CPC/2015, não deve permitir que se deixe a exclusivo critério do autor (credor) substituir uma citação para apresentação de resposta e pedido de produção de provas (prevista no art. 135), por uma citação para pagamento em três dias (prevista pelo art. 829), subtraindo-se do sócio ou administrador da pessoa jurídica o direito de se defender previamente da imputação que lhe é feita para estender os efeitos das obrigações da pessoa jurídica para a sua esfera jurídica particular. E tem mais: a situação de grave violação do princípio do contraditório acima descrita que já é ruim para o sistema e aos jurisdicionados em geral pode ainda piorar. Imagine-se que este credor, que interpretou açodadamente o caput do art. 134 do CPC/2015 em combinação com o § 2º do mesmo artigo, sem levar em consideração o sistema processual civil como um todo e suas normas fundamentais, resolva também aplicar contra os interesses dos integrantes da pessoa jurídica o disposto no art. 139, IV, do referido diploma legal. Como se sabe, o inciso IV do art. 139 do CPC/2015 preceitua que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". Ou seja, suponha-se que o credor queira, logo no início da execução fundada em título extrajudicial no qual figure como devedora apenas a pessoa jurídica, inserir no polo passivo da petição inicial os sócios (CPC/2015, art. 134, caput e § 2º), pedindo para que, se não pagarem em 3 (três) dias o valor devido (CPC/2015, art. 829), sejam retidos os seus passaportes com medidas coercitivas (CPC, art. 139, IV, do CPC/2015), alegando estarem preenchidos os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do Código Civil, por exemplo. Trata-se de hipótese remota? Ninguém pensaria nisso? Lamentavelmente, não se trata de algo distante do dia-a-dia forense. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se deparou com uma situação parecida com essa por pelo menos duas oportunidades, conforme fazem prova as ementas de julgado abaixo transcritas: "AGRAVO INTERNO - RECONSIDERAÇÃO DENEGADA - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - INTERPRETAÇÃO DO ART. 139, INCISO IV, DO CPC - INCLUSÃO DE PLANO DO SÓCIO NO POLO PASSIVO - PRESUNÇÃO DE ATOS FRAUDULENTOS - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Agravo Regimental 2250266-17.2016.8.26.0000; Relator (a): Carlos Abrão; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/02/2017; Data de Registro: 23/02/2017)"; "(...) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Pretensão a responsabilização da sócia minoritária da empresa executada - Inadmissibilidade - Executados que sequer foram citados - Existência de bens em nome da empresa executada passíveis de penhora - Ausência de prova de dolo ou fraude a justificar a medida - Exclusão da sócia do polo passivo da ação, determinada - Revogação do termo de arresto do imóvel da agravante - Recurso provido para tal fim. (TJSP; Agravo de Instrumento 2074645-69.2017.8.26.0000; Relator (a): Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/06/2017; Data de Registro: 28/06/2017)". No acórdão relativo à primeira ementa (Agravo Regimental 2250266-17.2016.8.26.0000), o relator afirmou o seguinte: "(...) A inclusão prematura do sócio, ainda que titular de 90% do capital social da devedora, sem antes aferir o grau de solvabilidade da devedora principal, não se afigura coadunar com os princípios processuais assentes, inclusive aquele no sentido de que a execução se processa mediante a menor onerosidade ao executado (...)" E ainda asseverou: "(...) Não se localiza tout court, portanto, conveniência e oportunidade, para, de forma incipiente e prematura, ausente o pressuposto da necessidade, incluir o sócio e, ao mesmo tempo, de forma coeva, permitir o bloqueio de seu passaporte (...)". Por fim, arrematou: "Não se faz possível, no início da demanda de execução de título extrajudicial, incluir o administrador sem o mínimo de contraditório ou de revelação do estado de insolvabilidade da executada". No acórdão objeto da segunda ementa (Agravo de Instrumento 2074645-69.2017.8.26.0000), houve pedido do exequente deferido pelo juiz em primeiro grau, para inclusão e arresto de bens da sócia da pessoa jurídica executada, sem prévio contraditório. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo corrigiu a violação ao princípio do contraditório e deu provimento ao recurso interposto pela sócia, para desfazer o arresto de seu bem particular e excluí-la do polo passivo da execução. É certo que ainda é cedo para prever como a jurisprudência irá se comportar acerca da aplicação do art. 134, § 2º, do CPC/2015, na execução fundada em título extrajudicial, especialmente se combinada aos poderes do juiz descritos no art. 139, inciso IV, do mesmo diploma legal. Entretanto, é preciso tomar muito cuidado para que a interpretação desses dispositivos não cause uma grave violação ao princípio do contraditório, tão importante para a CF/88 e para o CPC/2015, conforme demonstrado. Foi o que fez, de maneira acertada, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos dois julgados acima mencionados. __________ 1 Antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, já defendíamos esta possibilidade de formação de litisconsórcio inicial no processo de conhecimento, fornecendo vários exemplos (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 127-130).
Elias Marques de Medeiros Neto O Novo Código de Processo Civil, no capítulo referente às provas, prevê, em seu artigo 372, que: "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório". Trata-se da possibilidade de o magistrado validar a utilização da prova emprestada, sendo certo que esta orientação está em consonância com a posição que predomina na doutrina e na jurisprudência pátria. A prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso. Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro." Para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos. Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal". No Fórum Permanente de Processualistas Civis do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), no encontro de Salvador, foi votado, em 2013, enunciado sugerido pelo Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), sendo aprovado por unanimidade que, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior. A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal. Exatamente neste sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado: "A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl n. 11243, Rel. Min. Gilmar Mendes, 08.06.2011, Tribunal Pleno). "É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC n. 106.398, Rel. Min. Celso de Mello, 04.10.2011, Segunda Turma). O Superior Tribunal de Justiça também já prestigiou o posicionamento acima, enfatizando a importância do respeito ao princípio do contraditório no uso da prova emprestada: "Laudo pericial realizado em outro processo e anexado por cópia na fase recursal constitui prova emprestada, qualificada como prova ilícita, porque produzida com inobservância dos princípios do contraditório e do devido processo legal, não se prestando para embasar sentença de pronúncia". (STJ, HC n. 14216/ RS, Rel. Min. Vicente Leal, 16.10.2001, Sexta Turma). Neste norte, na linha de se evitar a formação de nulidades processuais e a configuração de ilicitude de prova, é fundamental que o uso da prova emprestada observe o princípio do contraditório, bem como as nobres diretrizes do devido processo legal. Nesta linha, em julgamento recente do agravo de instrumento n. 2057552-93.2017.8.26.0000, ocorrido em 28/06/2017, a 7ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o desembargador Rômolo Russo, bem decidiu que: "Agravo de instrumento. Deferimento do exame pericial para aferição do valor locativo de imóvel. Decisão agravada que admitiu o uso de prova emprestada para a definição do valor locativo do escritório comercial situado no sétimo pavimento. Prova emprestada que se refere a escritório comercial situado no décimo sexto pavimento do mesmo edifício. Valor pertinente as unidades autônomas de um mesmo edifício que não é uniforme, ainda que possuam a mesma planta, há variação em razão do pavimento em que está situado e de sua posição geográfica no andar. Admissível a contraprova deferida, sobretudo porque o art. 372 do CPC determina que a admissão de prova emprestada deve observar o contraditório. Útil e necessária a perícia a bem da observância da ampla defesa e do contraditório. Agravo desprovido." (g.n.) Andou bem, portanto, o novo Código de Processo Civil ao frisar que a prova emprestada deve ser manejada com respeito ao princípio do contraditório; demonstrando-se, neste sentido, sua preocupação com o princípio da efetividade processual. E isso porque, como é claro, a efetividade do processo é obtida não só através de institutos que prevejam maior dinamismo e/ou celeridade e/ou economia na fluência do processo; sendo sempre necessário, também, para que o processo seja considerado efetivo, que haja o respeito ao due process of law. Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal e o princípio da proibição da prova ilícita. __________1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190. 2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323. 4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125.
Rogerio Mollica Uma das inovações mais comemoradas do Novo Código de Processo Civil foi a expressa previsão do princípio da vedação às decisões-surpresa. De fato, prevê o artigo 10 do novo ordenamento processual civil que "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício." A referida norma está em consonância com as garantias constitucionais do devido processo legal (art. 5º, caput e LIV) e do contraditório (art. 5º, LV) ao vedar que juiz ou tribunal decida qualquer questão sem que seja dado à parte se manifestar sobre ela. Também guarda íntima relação com a boa-fé objetiva prevista no artigo 5º do Novo CPC e com o princípio da colaboração insculpido no artigo 6º. Tal previsão é uma complementação do previsto no caput do artigo 9º do Novo CPC: "Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida." Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery apontam que o artigo 10 é oriundo de experiências estrangeiras recentes, como, por exemplo, na Alemanha, Itália, França e Portugal1. Cássio Scarpinella Bueno versa que "O art. 10, aplicando (e desenvolvendo) o que se pode extrair do art. 9º, quer evitar o proferimento das chamadas 'decisões-surpresa', isto é, aquelas decisões proferidas pelo magistrado sem que tenha permitido previamente às partes a oportunidade de influenciar sua decisão e, mais do que isso, sem permitir a elas que tivessem conhecimento de que decisão como aquela poderia vir a ser proferida"2. Dúvida surge quanto ao alcance do vocábulo "fundamento" previsto no artigo 10 do novo CPC. Para Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello: "Embora, no direito brasileiro, o juiz possa decidir com base em fundamento não suscitado pelas partes, (iura novit curia), deve antes, proporcionar oportunidade às partes de que se manifestem sobre ele. B.2) Este fundamento novo pode ser de fato ou de direito. Sabe-se que é difícil separa-se, completamente, questões fáticas e jurídicas, por que o direito ocorre justamente no encontro dos planos fático e normativo. Fatos, quando são juridicamente qualificados, já não são mais puros fatos. Normas, a seu turno, supõem quadros fáticos (de forma mais ou menos direta) a que se devem aplicar"3. Oreste Nestor de Souza Laspro versa que "a releitura da aplicação do aforismo iura novit curia: o brocado, que confere ao magistrado a possibilidade de se valer de norma não invocada pelas partes para aplicá-la ao caso concreto, deve ser redimensionado, a ele se acrescentando a noção de que tal possibilidade não dispensa a prévia manifestação das partes sobre a qualificação jurídica que pretende dar aos fatos e fundamentos do pedido - e tudo como forma de concretizar o contraditório e evitar surpresas ao jurisdicionado"4. O enunciado 282 do Fórum Permanente de Processualista Civis (FPPC) é até mais direto ao prever que "Para julgar em enquadramento normativo diverso daquele invocado pelas partes, ao juiz cabe observar o dever de consulta, previsto no art. 10". Desse modo, não se está falando em enquadramento jurídico, mas sim em enquadramento normativo / legal. Entretanto, no dia 1º de Agosto corrente foi publicado o Acórdão unânime da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acabou por limitar a conformação do princípio da vedação das decisões-surpresa, conforme se extraí de trecho da ementa do julgado: "O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico- circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure"5. Faz-se importante a transcrição de trecho do voto da Ministra Relatora Isabel Gallotti, no qual é explicado o referido posicionamento: "O inconformismo dos embargantes reside na aplicação, na fase de julgamento da causa, após o conhecimento do recurso especial, de dispositivo legal que, realmente, não fora invocado pelas partes, a saber, o art. 205 (prescrição decenal), ao invés do art. 206, § 3º, V (prescrição trienal), ambos do Código Civil. Não se pode pretender, todavia, que o órgão jurisdicional deixe de aplicar uma norma ao caso concreto porque as partes, embora tratem do tema, não a invocaram em seu recurso. O tema da prescrição foi amplamente debatido nas instâncias de origem e foi, inclusive, objeto de impugnação por recurso especial. Não se trata, pois, de novidade para as partes, nem ofensa ao chamado princípio da não surpresa. Deve-se ressaltar que o Código Civil estabelece que a prescrição não é disposição das partes: Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes. Assim, pouco importa que as partes não tenham aventado a incidência do prazo decenal ou mesmo que estivessem de acordo com a incidência do prazo trienal. Houve ampla discussão sobre a prescrição ao longo da demanda e o tema foi objeto de recurso, tendo essa Turma, no julgamento da causa, aplicado o prazo que entendeu correto, à luz da legislação em vigor, conforme interpretada pela jurisprudência predominante na época para ações de responsabilidade civil por descumprimento contratual. A propósito do tema, lembro o seguinte enunciado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados: "1. Entende-se por 'fundamento' referido no art. 10 do CPC 2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes." (aprovado no seminário "O Poder Judiciário e o novo CPC", agosto de 2015)6. Penso que o "fundamento" ao qual se refere o art. 10 é o fundamento jurídico - causa de pedir, circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação, conforme art. 493 do CPC/2015) - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). Lembro a distinção feita por Vicente Greco Filho: "O fato e o fundamento jurídico do pedido são a causa de pedir, na expressão latina, a causa petendi. Antes de mais nada é preciso observar que o fundamento jurídico é diferente do fundamento legal; este é a indicação (facultativa, porque o juiz conhece o direito) dos dispositivos legais a serem aplicados para que seja decretada a procedência da ação; aquele (que é de descrição essencial) refere-se à relação jurídica e fato contrário do réu que vai justificar o pedido de tutela jurisdicional." (Direito Processual Civil Brasileiro, 2º Volume, 22ª ed., pg. 136). Se ao autor e ao réu não é exigido que declinem, na inicial e na contestação, o fundamento legal, mas apenas o fundamento jurídico, não faz sentido supor que o magistrado deva proferir despacho prévio à sentença enumerando todos os dispositivos legais possivelmente em tese aplicáveis para a solução da causa. Os fatos da causa devem ser submetidos ao contraditório, não o ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz (iura novit curia), mas de todos os sujeitos ao império da lei, conforme presunção jure et de jure (art.3º da LINDB). A subsunção dos fatos à lei deve ser feita pelo juiz no ato do julgamento e não previamente, mediante a pretendida submissão à parte, pelo magistrado, dos dispositivos legais que possam ser cogitados para a decisão do caso concreto. Da sentença, que subsumiu os fatos a este ou àquele artigo de lei, caberá toda a sequencia de recursos prevista no novo Código de Processo Civil. A aventada exigência de que o juiz submetesse a prévio contraditório das partes não apenas os fundamentos jurídicos, mas também os dispositivos legais (fundamento legal) que vislumbrasse de possível incidência, sucessivamente, em relação aos pressupostos processuais, condições da ação, prejudiciais de mérito e ao próprio mérito, inclusive pedidos sucessivos ou alternativos, entravaria o andamento dos processos, conduzindo ao oposto da eficiência e celeridade desejáveis. Seria necessário exame prévio da causa pelo juiz, para que imaginasse todos os possíveis dispositivos legais em tese aplicáveis, cogitados ou não pelas partes, e a prolação de despacho submetendo artigos de lei - cujo desconhecimento não pode ser alegado sequer pelos leigos - ao contraditório, sob pena de a lei vigente não poder ser aplicada aos fatos objeto de debate na causa. A discussão em colegiado, com diversos juízes pensando a mesma causa, teria que ser paralisada a cada dispositivo legal aventado por um dos vogais, a fim de que fosse dada vista às partes. Grave seria o entrave a marcha dos processos, além de fértil campo de nulidades. O absurdo da conclusão revela, data maxima venia, o equívoco da premissa. Afasto, portanto, a alegação de ofensa aos arts. 10 e 933 do CPC/2015." Portanto, a recentíssima decisão do STJ acaba por diferenciar fundamento jurídico, de fundamento legal, sendo que somente em relação ao primeiro é necessário o contraditório, podendo, assim, o juiz decidir conforme o fundamento jurídico alegado pelas partes, ainda que se valendo de outro dispositivo legal. Tal decisão acaba por limitar o alcance que parte da doutrina dava ao princípio da vedação à decisão-surpresa e deve influenciar o entendimento de juízes e desembargadores sobre a questão. __________ 1 In Comentários ao Código de Processo Civil, Novo CPC - lei 13.105/2015, São Paulo: RT, 2015, p. 212. 2 In Manual de Direito Processual Civil, São Paulo; Saraiva, 2015, p. 89. 3 Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo, São Paulo: RT, 2015, p. 67/68. 4 In "Da expressa proibição à 'decisão-surpresa' no Novo CPC", Revista do Advogado, 126, São Paulo: AASP, 2015, p. 166. 5 Embargos de Declaração no RESP nº 1.280.825-RJ. 6 Daniel Amorim Assumpção Neves critica esse e outros Enunciados da ENFAM, que procuram fazer letra morta dos artigos 09 e 10 do Novo CPC, nos seguintes termos: "Justamente em razão da novidade legislativa deve ser criticado o enunciado 01 da ENFAM, no sentido de que o termo fundamento, previsto no art. 10 do Novo CPC, é o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. Significa dizer que o juiz estaria liberado para decidir conforme o fundamento jurídico mais apropriado ao caso concreto sem necessariamente permitir que as partes se manifestem previamente sobre ele. Se o autor qualificou os fatos narrados na petição inicial como erro apto a gerar a rescisão do contrato, o juiz poderá na sentença julgar o pedido procedente com fundamento em dolo, mesmo que em nenhum momento as partes tenham se manifestado sobre tal vício do consentimento durante o processo. Não é preciso grande esforço para notar a impropriedade do Enunciado 01 da ENFAM, que na realidade, ao menos no tocante à fundamentação jurídica, pretende pura e simplesmente revogar o art. 10 do Novo CPC. Parece também ser sem sentido o Enunciado 05 'Não viola o art. 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob contraditório'; e o Enunciado 06: 'Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório'. Haja esforço na tentativa de revogar um dispositivo legal, que, entretanto, continua em plena vigência. É claro que tais enunciados da ENFAM, que basicamente revogam os arts. 9º e 10º do Novo CPC, podem não ser aplicáveis pelos juízes no caso concreto, afinal, a esperança é a última que morre. E caso os apliquem no caso concreto, estarão contribuindo para um sem número de recursos, inclusive o recurso especial por clara violação de norma federais. Um desserviço, portanto, tanto acadêmico como prático." (Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo", Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 27/28)