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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
O Incidente de IRDR - Resolução de Demandas Repetitivas, disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC, tem como principais objetivos (i) a racionalização de julgamentos de demandas que tratem a mesma matéria e (ii) uniformização de jurisprudência ao permitir que o precedente ali formado seja aplicado igualmente nas ações suspensas até ulterior julgamento do IRDR, sem prejuízo (iii) de sua observância na qualidade de precedente obrigatório. Contra a decisão que decide o IRDR, o art. 987 do CPC é expresso em determinar que "(...) do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso", tendo o § 1º, disposto que "(...) o recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida." Por sua vez, o recurso ordinário, disciplinado nos arts. 1027 e 1028 do CPC, tem, dentre suas hipóteses de incidência de cabimento, decidir aludido recurso interposto em "(...) mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e territórios, quando denegatória a decisão." Na hipótese acima, poder-se-ia cogitar que em (i) mandado de segurança originariamente impetrado em tribunal regional federal ou tribunal estadual, (ii) todavia convertido para julgamento sob o rito do IRDR com vistas a (iii) firmar tese denegatória da segurança, o recurso cabível contra aludida decisão seria o recurso ordinário. E foi desse modo que decidiu recentemente o STJ: "PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO EM TRIBUNAL. DENEGAÇÃO. TESE FIXADA EM IRDR. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. 2. Nos termos do art. 987 do CPC/15, o apelo nobre interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem no julgamento de IRDR deve ser processado de forma qualificada, sendo recebido como representativo de controvérsia. 3. Hipótese, porém, em que o presente recurso origina-se de ação mandamental que foi impetrada diretamente no Tribunal de origem e teve a segurança denegada, prevendo a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - o recurso ordinário como o cabível no caso concreto (art. 105, II, "b"), razão pela qual é inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. 4. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, grifou-se) O voto condutor restou fundado nas seguintes razões: "(...) Note-se, entretanto, que compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. Essa é a dicção do art. 256-E do RISTJ: Art. 256-E. Compete ao relator do recurso especial representativo da controvérsia, no prazo máximo de sessenta dias úteis a contar da data de conclusão do processo, reexaminar a admissibilidade do recurso representativo da controvérsia a fim de: rejeitar, de forma fundamentada, a indicação do recurso especial como representativo da controvérsia devido à ausência dos pressupostos recursais genéricos ou específicos e ao não cumprimento dos requisitos regimentais, observado o disposto no art. 256-F deste regimento; propor à Corte Especial ou à seção a afetação do recurso especial representativo da controvérsia para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do CPC e da seção II deste capítulo. Na hipótese, não obstante as considerações tecidas pela então ministra Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, da análise dos autos, verifica-se que não é caso de afetação do recurso à sistemática dos recursos repetitivos,  visto que este não ultrapassa os requisitos de admissibilidade. É que, a despeito da disciplina do art. 987, caput, do CPC/2015, que possibilita o manejo do especial contra acórdão proferido em incidente de resolução de demanda repetitiva, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira sistemática com o texto constitucional, de modo a conferir-lhe (à norma constitucional) a máxima aplicação e efetivação, especialmente em função da aplicação do princípio da força normativa da CF/88. Tratando-se de recurso originado de ação mandamental impetrada diretamente no Tribunal de origem que teve a segurança denegada, tem-se, nos termos da alínea "b" do inciso II do art. 105 da CF/88, que tal julgado deve ser atacado por recurso ordinário. Nesse contexto, considerando que, para o caso concreto, a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - estabelece expressamente o recurso ordinário como o cabível, afigura-se inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. (...)" (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1ª seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos, j. 9.10.2024, grifou-se) Todavia, emergiu divergência inaugurada por voto-vista do Min. Paulo Sérgio Domingues, seguida de voto vista do Min. Sérgio Kukina em igual sentido, divergência essa acompanhada pelo min. Teodoro Silva Santos: "(...) Pedi vista dos autos por entender que a discussão é nova na Corte, consistindo ela em saber se o acórdão que a um só tempo denega mandado de segurança e julga o IRDR pode ser impugnado por recurso especial; e, sendo negativa a resposta, se o princípio da fungibilidade poderia ser aplicado nessa hipótese. De início, consigno que não se aplica ao caso dos autos o entendimento adotado pela Corte Especial no REsp 1.798.374 (relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 21/6/22) de que "não cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de 'causa decidida'". Isso porque, no presente feito, o Tribunal de origem decidiu a tese e o caso, como se verifica na parte dispositiva do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 478): Do exposto, no incidente de resolução de demandas repetitivas, voto pela fixação da seguinte tese: "a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública". Ainda, no caso concreto, voto pela denegação da segurança, com a condenação do impetrante ao pagamento das custas processuais. Quanto ao recurso cabível no caso dos autos, entendo que a previsão do art. 105, inciso II, alínea b, da CF/88, que sujeita o acórdão denegatório de mandado de segurança a recurso ordinário, não pode ser mitigada com o fim de cumprir as finalidades do IRDR. Por mais relevantes que sejam, tais finalidades foram instituídas no plano infraconstitucional. Concordo neste ponto com o relator. Por outro lado, o fato de o art. 987 do atual CPC estabelecer que cabe recurso especial ou extraordinário contra o julgamento do mérito do IRDR não exclui o regramento específico do recurso ordinário, previsto no art. 1.027, II, a, do mesmo código e no art. 18 da lei 12.016/09, dispositivos que reproduzem o texto constitucional. Tudo isso me faz concluir, concordando com o relator, que a interposição do recurso especial na hipótese sob exame constitui erro. E reconheço que a jurisprudência sempre classificou esse erro como inescusável. O cabimento do recurso ordinário contra a denegação da segurança foi estabelecido pela Carta de 1946 e mantido pela Carta de 1967, levando o STF a enfrentar a matéria e se posicionar, conforme o teor do súmula 272, aprovada em 13/12/63, no sentido de que "Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança". Aquela última previsão constitucional foi suprimida pelo Ato Institucional 6/69 e restabelecida pela CF/88, dando ensejo à jurisprudência desta Corte, de fato sedimentada, na mesma direção. Apesar disso, esta Corte não enfrentou situação semelhante à dos autos. A questão é nova em razão do texto do art. 987 do atual CPC, que, bem depois da consolidação do entendimento acima exposto, no ano de 2015, estabeleceu: "Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial." Mas a questão também é nova em razão do contexto em que essa previsão surge, montando o sistema de precedentes instituído pela lei processual. O acórdão que decide os recursos extraordinário e especial interpostos contra o julgamento de mérito do IRDR uniformiza o tratamento da matéria nacionalmente. Além disso, terão esses recursos, como regra, efeito suspensivo. Segundo a doutrina, isso "significa dizer que o acórdão prolatado no incidente de resolução de demandas repetitivas nasce com a eficácia suspensa (ou contida), dependendo, para liberação do seus efeitos (fundamentalmente o fim da suspensão dos processos tratando da mesma questão de direito e a vinculação dos respectivos juízos à decisão do incidente) do transcurso in albis do prazo recursal ou do julgamento dos recursos especial ou extraordinário eventualmente interpostos" (ALVIM, Angélica Arruda ... [et. al.]. Comentários ao CPC. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.138). Em tese, tais efeitos não seriam alcançados com a interposição do recurso ordinário. Esse meio de impugnação não tem efeito suspensivo e o acórdão nele proferido não foi incluído no art. 927 do CPC. Quer dizer, o acórdão que decidiu o IRDR não é suspenso pela interposição do recurso ordinário. E o julgamento desse recurso pode resultar na substituição de um acórdão da instância ordinária com efeito vinculante por um acórdão da instância superior sem efeito vinculante. O novo sistema de precedentes trazido pelo CPC de 2015 foi estruturado imaginando que sejam suscitados os incidentes a partir de ações de rito comum ou não, iniciadas em primeiro grau de jurisdição, com apelação e eventualmente recurso especial. Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário. Daí a previsão do art. 987 do CPC, a prever apenas o recurso extraordinário e o recurso especial contra o julgamento do mérito do IRDR - aplicáveis às ações em geral, mas não ao mandado de segurança. Tais circunstâncias, a meu ver, não tornam correta a interposição do recurso especial no caso dos autos. Entretanto, certamente estiveram no horizonte do Estado do Paraná que no momento precisou examinar os meios de impugnação disponíveis e confrontá-los com o modelo de causas repetitivas implantado pelo CPC. Assim, a dúvida alegada pela parte recorrente decorre do novo sistema de precedentes, o que a caracteriza como uma dúvida externa ou objetiva, a amparar o recebimento de um recurso pelo outro. Nesse sentido: "A aplicação do princípio da fungibilidade exige, entre outros requisitos, a ocorrência de erro escusável, entendido como dúvida objetiva acerca do instrumento processual cabível" (AgInt no AREsp 1.709.041/RS, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, DJe de 11/3/21). É evidente que a aceitação do recurso ordinário, se for essa a posição a prevalecer no presente caso, trará consigo desafios que precisarão ser resolvidos. Esta Corte, a meu ver, precisará compatibilizar os tradicionais efeitos desse meio de impugnação com as finalidades do IRDR. Afinal, não se pode admitir a existência de uma lacuna no sistema. Nesse sentido bem lembrou o ministro Gurgel de Faria em seu pronunciamento oral na sessão de 24/4/24, que o CPC possui instrumentos para remover essa aparente incongruência, como o Incidente de Assunção de Competência, instituto que funciona como uma válvula de escape para a hipótese cogitada e cuja instauração pode ser requerida, inclusive, pela parte recorrente (art. 947, § 1º). Também se poderia pensar na submissão do recurso ordinário ao regime de "julgamento dos recursos repetitivos". Tais questões seriam discutidas no momento próprio. Considero importante fazer essas colocações porque para qualquer que seja a posição a ser adotada no presente julgamento será necessário, senão agora, no futuro, compatibilizar o cabimento do recurso ordinário na hipótese dos autos com o sistema de precedentes instituído pelo CPC. Por fim, em razão do ineditismo e das peculiaridades que mencionei, a aplicação do princípio da fungibilidade, apenas nesse caso específico, terá o condão de orientar a interpretação da norma nesta singular questão, bem como a futura aplicação dos dispositivos legais pelas partes e pelo Judiciário, em consonância com os entendimentos desta Corte Superior. Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno, a fim de, reconhecendo a aplicação do princípio da fungibilidade exclusivamente no presente caso, receber a irresignação como recurso ordinário. É o voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, Voto Vista min. Paulo Sérgio Domingues, grifou-se) Em igual sentido, sobreveio voto-vista sentido foi o voto-vista destacado pelo Min., Sérgio Kukina: "(...). Pois bem. Desde logo, estou a comungar com a pertinente observação trazida no voto divergente do ministro Paulo Sérgio Domingues, no sentido de que "Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário". Avançando, entendo possível, no caso, o imediato conhecimento do próprio recurso especial do Estado, uma vez que, na espécie e a meu sentir, revela-se o correto. Explico. De fato, em se optando pelo recebimento do especial como recurso ordinário constitucional, por aplicação da fungibilidade, restaria frustrado o propósito do legislador processual de 2015, no ponto em que, ao indicar o cabimento do recurso especial ou extraordinário para combater decisão proferida em IRDR, objetivou a que, apreciado o mérito do recurso pelo STF ou pelo STJ, a tese jurídica adotada fosse "aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito" (art. 987, § 2º, do CPC), cujo intento, na espécie, não seria alcançado com a utilização do recurso ordinário, que nada dispõe quanto a esse enfoque vinculante. Tenho, por isso, como acertada a opção do Estado agravante pelo emprego do recurso especial (art. 987 do CPC), sendo certo, como por ele sublinhado (fls. 776/779), que a 1ª seção do STJ já teve ensejo de julgar, no mérito, recurso especial oriundo de IRDR - REsp 1.807.665/SC, de minha relatoria (em desdobramento de lides apreciadas por Juizados Especiais Estaduais), de cuja decisão, a teor da súmula 203/STJ, não caberia recurso especial. Vencido que seja, no entanto, quanto a esse entendimento, já antecipo que, então, aderirei à tese favorável à aplicação do princípio da fungibilidade, em ordem a se conhecer do especial como se ordinário fosse, porquanto presentes os requisitos da dúvida objetiva (decorrente do próprio texto legal) e da ausência de erro grosseiro ou má fé, cuidando-se, mais, de recurso induvidosamente tempestivo. Reitero, porém, a circunstância de que, em se confirmando o acórdão local por esta 1 Seção em sítio de recurso ordinário (art. 105, II, "b", da CF), a tese meritória assim sufragada terá sua eficácia vinculante restrita apenas ao estado paranaense, não se aplicando a todo o território nacional, como aconteceria caso se conhecesse e julgasse o próprio recurso especial originariamente interposto pelo Estado (art. 987, § 2º, do CPC). ANTE O EXPOSTO, peço licença para, respeitosamente, divergir dos meus eminentes pares para dar provimento ao agravo interno do Estado do Paraná, em ordem a conhecer diretamente diretamente do próprio recurso especial. Caso reste vencido nessa proposta, e para viabilizar o necessário desempate, então adiro à divergência inaugurada pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues para, com amparo no princípio da fungibilidade, conhecer do recurso especial do Estado (art. 987 do CPC) como sendo recurso ordinário constitucional (art. 105, II, "b", da CF). É como voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.2024, voto-vista min. Sérgio Kukina, grifou-se) Ao final, a 1ª seção do STJ inadmitiu o recurso especial em apertado resultado de julgamento1, por entender, por maioria de votos, incabível o manejo de recurso especial interposto contra acórdão que decidiu IRDR, dada a particularidade de, no caso, malgrado o julgamento de IRDR, trata-se de mandado de segurança originariamente impetrado no âmbito dos tribunais, a desafiar o cabimento de recurso ordinário como meio de impugnação contra o v. acórdão de segunda instância. A nosso sentir, a divergência inaugurada deveria prevalecer com vistas a aplicar-se o princípio da fungibilidade. A uma, (i) há dúvida objetiva entre o cabimento do meio de impugnação que julgou o IRDR no caso, atraindo a incidência dos arts. 1027 (recurso ordinário) ou 987, do CPC (recurso especial ou extraordinário). A duas, (ii) em vista do regime especial reservado ao julgamento do IRDR (arts. 976 a 987 do CPC) e sendo a decisão então impugnada, inequivocadamente acórdão que decidiu IRDR, por mais razão dever-se-ia admitir o cabimento de recurso especial ou extraordinário, tal qual expressamente impõe o art. 987 do CPC ao prever aludidos meios de impugnação cabíveis contra as decisões colegiadas proferidas em sede de IRDR. A três, sendo aplicado ao regime de julgamento de IRDR o caráter de uma decisão vinculante (ou precedente obrigatório), por mais razão o corretor seria admitir como meio de impugnação contra decisão colegiada ali proferida o cabimento de recurso especial ou extraordinário, a aplicar-se aludido regime disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC por inteiro (e não pela metade). 1 "CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sérgio Kukina dando provimento ao agravo interno para conhecer do recurso especial, o voto do Sr. Ministro Francisco Falcão acompanhando o Relator e o voto desempate da Sra. Ministra Regina Helena Costa (RISTJ, Art. 24, I), a Primeira Seção, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Paulo Sérgio Domingues, Teodoro Silva Santos e Sérgio Kukina, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Afrânio Vilela, Francisco Falcão e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves. Presidiu e proferiu voto-desempate a Sra. Ministra Regina Helena Costa".
Como se sabe, o art. 40, da lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), estabelece que o juiz "suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição". Conforme o § 2° do referido dispositivo legal, decorrido o prazo máximo de 1 ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. Entretanto, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, nos termos do § 4º do mesmo artigo. Assim, pode ocorrer a prescrição intercorrente no curso da execução fiscal, se o processo for suspenso nos termos do art. 40 da lei de execuções fiscais, os autos forem enviados ao arquivo após um ano em cartório e, depois disso, fluir integralmente o prazo prescricional sem que sejam localizados o devedor ou seus bens passíveis de penhora. Apesar de a prescrição ser matéria que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, não raro é necessário que o executado "alerte" o magistrado sobre a ocorrência de prescrição intercorrente por meio de exceção de pré-executividade para que o decurso do prazo prescricional seja devidamente reconhecido pelo magistrado e produza seus efeitos legais. Questão interessante é saber se são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública caso aconteça o reconhecimento da prescrição intercorrente no curso da execução fiscal e após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado. Isso porque o art. 85, do CPC, que versa sobre a fixação de honorários advocatícios de sucumbência é silente a respeito. Recentemente, o STJ julgou o recurso especial 2.046.269 e tratou de responder esta questão pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.229 DO STJ. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 40 DA LEI 6.830/80. NÃO LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO OU DE BENS PENHORÁVEIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. APLICAÇÃO. 1. A questão jurídica controvertida a ser equacionada pelo STJ, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da lei 6.830/80. 2. Os princípios da sucumbência e da causalidade estão relacionados com a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios, sendo que a fixação da verba honorária com base na sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, que caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está previsto no art. 85, caput, do CPC/15, enquanto o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada. 3. O reconhecimento da prescrição intercorrente, especialmente devido a não localização do executado ou de bens de sua propriedade aptos a serem objeto de penhora, não elimina as premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais, ante a aplicação do princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação. 4. Ainda que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em condenação ao pagamento de verba honorária ao executado. 5. Tese jurídica fixada: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". 6. Solução do caso concreto: a) não se configura ofensa aos art. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022, II, do CPC/15,quando o tribunal de origem aprecia integralmente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, mesmo que em sentido contrário ao postulado, circunstância que não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional; b) o entendimento firmado pelo TRF da 4ª região é de que os honorários advocatícios, nos casos de acolhimento da exceção de pré-executividade para reconhecer a prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da LEF, não são cabíveis quando a Fazenda Pública não apresenta resistência ao pleito do executado, enquanto o precedente vinculante aqui formado explicita a tese de que, independentemente da objeção do ente fazendário, a verba honorária não será devida em sede de exceção de pré-executividade em que se decreta a prescrição no curso da execução fiscal. 7. Hipótese em que o acórdão recorrido merece reparos quanto à tese jurídica ali fixada, mas o desfecho dado ao caso concreto deve ser mantido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 2.046.269/PR, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 15/10/24, grifos nossos)". Assim, o recurso acima ementado foi julgado pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, tendo sido fixado o tema 1.229 pela 1ª seção do STJ, nos seguintes termos: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". Em outras palavras, o entendimento que acabou prevalecendo foi o de que, no âmbito da execução fiscal, a Fazenda (exequente) não deu causa à prescrição porque a não localização de bens do devedor ou de bens passíveis de penhora não foi causada por ela. Desse modo, no entender do STJ, a Fazenda não deveria ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios para o executado na hipótese de reconhecimento da prescrição intercorrente em exceção de pré-executividade porque ela não teria dado causa à não localização do devedor ou de seus bens. Com o devido respeito, tal decisão não é irretocável, pois deixa de considerar que o executado teve que contratar advogado para apresentar exceção de pré-executividade e fazer ser reconhecida prescrição. Ou seja, o trabalho do advogado tem um custo que foi desconsiderado pela decisão do STJ. E mais, a decisão ignora a possibilidade de a Fazenda ter sido negligente na tentativa de localização do executado ou de seus bens. Assim, simplesmente deixar de atribuir honorários advocatícios ao advogado que trabalhou no processo para defender os interesses de seu cliente não é a melhor solução. Isso apenas tornará mais oneroso o acesso à justiça, pois o advogado (que exerce função essencial à justiça nos termos do art. 133, da CF/88), sabendo que não receberá verbas de sucumbência devido ao entendimento fixado no tema 1.229, deverá cuidar de fixar em valor mais elevado os honorários pactuados no contrato de prestação de serviços advocatícios, para garantir o seu sustento.
O art. 1.026 do CPC/15 estabelece expressamente que a interposição dos embargos de declaração gera o efeito interruptivo para a contagem do prazo relativo à possibilidade de manejo de eventual recurso subsequente. A doutrina é bastante enfática quanto a este inerente efeito dos embargos de declaração, relativizando-se apenas o efeito interruptivo quando os embargos de declaração são interpostos de forma intempestiva. Teresa Arruda Alvim, neste ponto, é bem didática ao expor que: "Em qualquer caso, salvo no de intempestividade, os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição dos outros recursos, para ambas as partes" (Primeiros Comentários ao Novo CPC, RT, 2ª. edição, página 1645). Não é outra, inclusive, a posição de Cássio Scarpinella Bueno, sustentando-se claramente a regra do efeito interruptivo dos embargos de declaração, tal qual previsto no artigo 1026 do CPC/15 (Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, 2ª. edição, página 699). Neste ponto, portanto, muito importante é o julgado referente ao AgInt no REsp 1.590.726, da relatoria da ministra Assusete Magalhães, na linha de relativizar o efeito interruptivo dos embargos declaração apenas quando esse recurso for interposto de forma intempestiva. Veja-se: "De fato, como destacou a decisão ora agravada, esta Corte registra precedentes no sentido de que "os embargos de declaração são oponíveis em face de qualquer decisão judicial e, uma vez opostos, ainda que não conhecidos ou não acolhidos, interrompem o prazo de eventuais e futuros recursos, com exceção do caso em que são considerados intempestivos" (STJ, REsp 1.147.525/DF, rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª TURMA, DJe de 20/09/10). No mesmo sentido: STJ, REsp 796.051/SP, rel. Ministra ELIANA CALMON, 2ª TURMA, DJU de 11/12/07; AgRg no Ag 920.272/DF, rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª TURMA, DJe de 17/02/09; AgRg no AREsp 579.960/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, DJe de 10/06/15; AgRg no AgRg no AREsp 310.064/RS, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, 1ª TURMA, DJe de 28/05/14; AgRg no REsp 1395318/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª TURMA, DJe de 29/11/13." Igual posicionamento pode ser observado no julgamento do AgInt no AREsp 1836176 / DF, relatoria do ministro Raul Araújo: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. "(...) Os Embargos de declaração, com exceção dos intempestivos, interrompem o prazo para a utilização de outros recursos. Precedentes." (AgInt nos EDcl no REsp 1.457.036/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª turma, julgado em 21/3/19, DJe de 27/3/19). 2. Agravo interno desprovido." Este foi, aliás, o entendimento da Corte Especial do STJ, na apreciação do REsp 1.522.347: "A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo contendo pedido de efeitos modificativos, não interromperem o prazo para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não conhecimento do recurso" (REsp 1.522.347/ES, relator ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe de 16/12/15). Destaca-se a importância desses julgamentos, porque ainda são observados casos, na Corte Superior, onde em situações de "não conhecimento" dos embargos de declaração, em hipóteses diversas da intempestividade, nota-se o entendimento de que este recurso não teria o efeito interruptivo de que literalmente trata o art. 1026 do CPC/15. Veja-se: "O não conhecimento dos embargos de declaração por irregularidade formal e vício de fundamentação não enseja a interrupção do prazo para a interposição de qualquer outro recurso". (AgInt nos EDcl no REsp 2.078.598). Vale dizer que essa orientação, além de ser dissonante com a própria redação do art. 1026 do CPC, afronta a diretriz histórica da Corte Superior, conforme se nota do julgado abaixo: "Desde o julgamento do EREsp 302.177/SP, Rel. E. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, pela Corte Especial deste Tribunal, DJ de 27.9.04, ficou assentado o entendimento de que os Embargos de Declaração, mesmo quando incabíveis ou de caráter manifestamente infringente, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, a não ser na hipótese de os Embargos não serem conhecidos por intempestividade, o que não se aplica à espécie. (AgRg no RECURSO ESPECIAL 1.128.286 - GO, rel. Min. Sidnei Beneti)." Nesse contexto, até mesmo por segurança jurídica, e em respeito ao princípio da legalidade, a orientação expressa do art. 1026 do CPC, quanto ao efeito interruptivo dos embargos de declaração, deve ser observada, ressalvando-se apenas as situações de intempestividade na interposição desse importante recurso.
Em petições iniciais de ações de repetição de indébito de tributos era muito comum a juntada de milhares de guias de pagamento para a comprovação dos recolhimentos a serem devolvidos. Desde 2009 o STJ pacificou o entendimento de que bastaria a juntada de um único recolhimento para comprovar a condição de contribuinte do Autor e os outros recolhimentos poderiam ser juntados somente na fase de liquidação do julgado, conforme se extrai do tema 115 do STJ: "Mostra-se suficiente para autorizar o pleito repetitório a juntada de apenas um comprovante de pagamento da taxa de iluminação pública, pois isso demonstra que era suportada pelo contribuinte uma exação que veio a ser declarada inconstitucional. A definição dos valores exatos objeto de devolução será feita por liquidação de sentença, na qual obrigatoriamente deverá ocorrer a demonstração do quantum recolhido indevidamente."1                       Já na delimitação do tema 118 do STJ restou estabelecido: "a) tratando-se de mandado de segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da anterior exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação cabal de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo fisco; e b)tratando-se de mandado de segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva alegação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação suficiente dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação mandamental." Desse modo só devem ser juntados na inicial todos os comprovantes de pagamento quando se pretende a obtenção de um juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas ou a homologação de uma compensação realizada. Isto é, quando se quer que o judiciário ateste a efetiva existência, certeza e liquidez do crédito a ser compensado. Com isso ganhou-se agilidade no ajuizamento das ações, já que não mais seria necessário juntar todos os comprovantes e durante a tramitação do feito o Autor teria tempo para levantar e organizar a comprovação de todos os recolhimentos. Entretanto, alguns julgados ainda continuam prevendo que somente os recolhimentos comprovados nos autos seriam passíveis de repetição. Em recente julgado o STJ decidiu, com base na instrumentalidade do processo, que tal previsão transitada em julgado da comprovação prévia poderia ser afastada no caso do Ente Público reconhecer a existência do pagamento, que deixou de ser comprovado pelo contribuinte nos autos: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS 489 E 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL QUE RECONHECE O DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS CUJO RECOLHIMENTO INDEVIDO TENHA SIDO COMPROVADO NOS AUTOS. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS NÃO COMPROVADAS, MAS RECONHECIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO PAGAS. ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE FÉ PÚBLICA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JULGAMENTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, consoante se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados. Tem-se como fato incontroverso, expressamente reconhecido no acórdão recorrido, que a condenação do ente público na ação de conhecimento é restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual consta informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte. Os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo, o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado. Segundo preconizam os arts. 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida. Não há, portanto, necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário. O ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste. São cabíveis os honorários advocatícios em favor da parte credora pela rejeição total ou parcial da impugnação ofertada pela Fazenda Pública, excetuada da base de cálculo apenas eventual parcela devida do crédito. Precedente: AgInt no REsp 2.008.452/SP, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 13/9/2024. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.808.482/RS, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 8/10/24, DJe de 14/10/24.)      O julgamento do STJ está correto, já que no processo o contribuinte afirmou que recolheu as exações e o Fisco comprovou tais recolhimentos documentalmente nos autos. Logo, não faz sentido o Entre Público não querer devolver os valores sob a alegação de que o autor não juntou a comprovação dos recolhimentos. Desse modo, o entendimento do STJ parece atender aos princípios da economia e celeridade processual, vedando o enriquecimento ilícito do erário em detrimento do contribuinte, que efetuou o pagamento de tributos indevidos. ________ 1 Esse é o entendimento que prevalece no STJ até os dias de hoje: AgInt no AREsp 2.450.544/MG, Relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 22/4/24, DJe de 25/4/24.
O princípio da cooperação, previsto no art. 6 do CPC, estabelece o dever de todos os sujeitos do processo em cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. A dimensão de aludido princípio coube a doutrina e jurisprudência atribuir sua melhor interpretação, a convidar a discussões em torno da melhor leitura acerca de aludido dispositivo. Recentemente o STJ examinou a matéria, sob o prisma do juiz, como sujeito do processo, também sujeitar-se ao espírito colaborativo com vistas a entrega da tutela jurisdicional mais efetiva: " PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DEVER DE COOPERAÇÃO. ART. 6º DO CPC. DIFICULDADE DE OBTER INFORMAÇÕES SOBRE A SUCESSÃO DO DE CUJOS. SOLICITAÇÃO DE AUXÍLIO DO JUÍZO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE DILIGÊNCIAS ESPECÍFICAS E IDÔNEAS À FINALIDADE. PARTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 9/6/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/4/2024 e concluso ao gabinete em 15/5/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o juiz tem o dever de cooperar com a parte na busca de informações sobre a parte contrária quando a primeira enfrenta dificuldades para obtê-las e sendo estas indispensáveis para o exercício de seus ônus, faculdades, poderes e deveres. 3. O dever de colaboração está expresso no art. 6º do CPC, o qual dispõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva", bem como presente, implicitamente, em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, a prever que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu. 4. O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 5. De fato, não pode o Juízo - de modo algum - substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições. 6. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 7. Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. 8. No recurso sob julgamento, não houve violação ao art. 6º do CPC, visto que o recorrente não se desincumbiu de seu ônus, pois se limitou a pleitear diligências genéricas, sem especificá-las, bem como não demonstrou a idoneidade dos pedidos para alcançar a finalidade de identificar os sucessores do de cujos a fim de incluí-los no polo passivo da demanda.  9. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "12. O art. 6º do CPC estabelece que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão demérito justa e efetiva". 13. Com nítida inspiração no sistema germânico-europeu, o Código de Processo Civil vigente sedimenta a opção por um modelo colaborativo do processo, por meio do qual se pretende "dividir de maneira equilibrada as posições jurídicas do juiz e das partes no processo civil, estruturando-o como uma verdadeira 'comunidade de trabalho' (Arbeitsgemeinschaft)", expressão atribuída a Leo Rosenberg (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil [livro eletrônico]: Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. RB-1.2). 14. Nesse cenário, é importante observar que as atribuições das partes não se confundem, cabendo a cada uma delas os respectivos ônus, poderes e deveres previstos pelo ordenamento jurídico. 15. Entretanto, todas essas atribuições são orientadas pelo dever de colaboração. O juiz, por exemplo, tem seu papel redesenhado, assumindo uma dupla posição: paritário no diálogo e assimétrico na decisão (MITIDIERO. op. cit.). 16. Inclusive, densificando o tema, Miguel Teixeira de Souza desdobrou o dever do cooperar dos Tribunais portugueses em quatro deveres essenciais, quais sejam: (i) esclarecimento, que "consiste no dever do tribunal de se esclarecer junto às partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo"; (ii) prevenção, por meio do qual o Juízo deve "prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências de suas alegações ou pedidos"; (iii) consulta, devendo o tribunal "consultar as partes sempre que pretenda conhecer a matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem"; e (iv) auxílio "na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de ônus ou deveres processuais", sempre que uma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz desempenho de sua atribuição (GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição Processual Civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2003, n. 6. p. 50-57). 17. Por oportuno, confira-se os termos do art. 7º do CPC português, que também dispõe expressamente acerca do princípio da cooperação (Lei n.º 41/2013. Diário da República n.º 121/2013, Série I de 2013-06-26), in verbis: Artigo 7.º Princípio da cooperação 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo. (grifou-se) 18. Por sua vez, no sistema brasileiro, além da previsão do art. 6º do CPC, há inúmeros dispositivos que impõem, sobretudo em relação à atuação do juiz, o dever de colaborar com as partes. Veja-se, entre outros: art. 9º ("não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida"); art. 10 ("o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"); art. 321 ("o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado"); art. 139, IX ("o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais"); art. 772, II e III ("o juiz pode, em qualquer momento do processo: II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça; III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável"); e art. 933 ("se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de cinco dias"). 19. Acrescente-se que a cooperação também pode ser provocada pelas partes, consoante dispõe o art. 319, II e § 1º, do CPC, o qual autoriza o autor, na petição inicial, a requerer ao juiz as diligências necessárias à obtenção de informações que desconheça referentes aos "nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do réu". 20. De modo bastante similar ao que prevê o código português e ao que estabelece o art. 319, II e § 1º, do código brasileiro, entende-se que a parte pode solicitar a cooperação do Juízo quando demonstrar que não consegue obter informações sem as quais não pode exercer seus poderes, ônus, faculdades e deveres. 21. Não se ignora que as partes devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atividades, não podendo - de modo algum - o Juízo as substituir, porquanto a ele incumbe ser imparcial. 22. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 23. Veja-se que o Juízo tem deveres de esclarecimento, diálogo, auxílio e prevenção, os quais nada mais são do que meios para que se alcance uma decisão justa, a qual interessa não apenas à parte, mas ao Sistema de Justiça. 24. Acrescente-se, ainda, que a decisão do julgador não pode interferir na sua imparcialidade, bem como deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. (...)"  (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) A despeito do julgado acima haver mantido o conteúdo decisório de indeferimento de diligência postulada pela parte, não se pode perder de vista sua contribuição para melhor delineamento do conteúdo do princípio da cooperação, sua aplicação e observância também por parte do juiz, a resistir a expectativa de que longe de se enxergar aludido princípio como "perfumaria", venha este ser aplicado em garantia às partes para um processo justo e de resultados.
Como se sabe, o art. 833, inc. X, do CPC, estabelece que são impenhoráveis "a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos". Questão tormentosa é saber se tal impenhorabilidade poderia ser reconhecida de ofício pelo juiz, ao tentar realizar a penhora nos moldes do art. 854, do CPC, e se deparar com o bloqueio "on-line" de depósito em dinheiro em caderneta de poupança de valor inferior a 40 salários mínimos. Há quem sustente que se trataria de questão de ordem pública e que o magistrado deveria reconhecer de ofício tal impenhorabilidade por se tratar de questão envolvendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). E há também o entendimento de que o juiz não poderia reconhecer de ofício a impenhorabilidade pois não se pode presumir que estaria em jogo, em todo e qualquer caso, a dignidade da pessoa humana na hipótese de penhora de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança. Ademais, seria necessário observar o princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), oportunizando ao executado a possibilidade de se manifestar sobre o bloqueio. Recentemente, ao julgar o Recurso Especial 2.061.973 e o Recurso Especial 2.066.882, pela sistemática de julgamento dos Recursos Repetitivos, a Corte Especial do STJ fixou a tese do Tema 1.235, a saber: "A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão." Com efeito, trata-se de inafastável e salutar aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV) ao processo de execução e ao cumprimento de sentença. O executado, após sofrer a constrição de seu patrimônio por meio de um bloqueio de depósito de dinheiro em instituições financeiras, deve arguir se tal valor é impenhorável ou não. Nesse sentido é o inc. I do § 3º do art. 854 do CPC: "incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis". É possível que existam outros bens do executado que permitam que ele mantenha a sua subsistência sem violação do princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Tudo isso sem mencionar que o exequente também merece ser protegido em sua dignidade, da mesma forma que o executado, e pode estar passando por situação pior que o seu adversário no processo. A título ilustrativo, cumpre reproduzir aqui a ementa de um dos julgados apreciados pelo STJ que levaram à fixação do Tema 1.235: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 1235/STJ. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DETERMINAÇÃO DE BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS DO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO EXECUTADO. IMPENHORABILIDADE DE SALDO INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. ART. 833, X, DO CPC. REGRA DE DIREITO DISPONÍVEL QUE NÃO POSSUI NATUREZA DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE ALEGAÇÃO TEMPESTIVA PELO EXECUTADO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, E § 5º, 525, IV, E 917, II, DO CPC. 1. Ação de execução fiscal, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/3/2023, concluso ao gabinete em 18/12/23 e afetado ao rito dos repetitivos por acórdão publicado em 8/3/24. 2. O propósito recursal, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, é "definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz" (Tema 1235/STJ). 3. Na égide do CPC/1973, a Corte Especial deste STJ, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens "absolutamente impenhoráveis", cuja inobservância seria uma nulidade absoluta. 4. O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II). 5. Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade. 6. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade. 7. Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública. Interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC. 8. Fixa-se a seguinte tese, para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC: "A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão". 9. No recurso sob julgamento, o juízo, antes de ouvir o executado, ao determinar a consulta prévia por meio do SISBAJUD, na forma do art. 854 do CPC, pré-determinou, de ofício, o desbloqueio de quantias que sejam inferiores a 40 salários mínimos, reconhecendo que qualquer saldo abaixo desse limite seria impenhorável, por força do art. 833, X, do CPC. 10. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a possibilidade de bloqueio dos valores depositados em contas dos executados, ficando eventual declaração de impenhorabilidade, na forma do art. 833, X, do CPC, condicionada à alegação tempestiva pelos executados (arts. 854, § 3º, II, e 917, II, do CPC). (REsp 2.066.882/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/24, DJe de 7/10/24.) Portanto, é mais uma vez digna de aplausos a decisão da Corte Especial do STJ ao firmar o Tema 1.235, para pacificar a jurisprudência em torno da aplicação do art. 833, inc. X, do CPC, vedando ao juiz conhecer de ofício a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança.
Recentemente, a quarta turma do STJ, ao apreciar o recurso especial 1897356 - RJ, realizou uma leitura precisa do excepcional instituto da desconsideração da personalidade jurídica, tendo proclamado que a mera existência de grupo econômico não é suficiente para tanto, sendo essencial a demonstração da ocorrência de abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial no caso concreto. Veja-se: "2. O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. 3. No caso, a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria, como sustentado pelo Ministério Público em primeira instância, da "eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo de apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas", o que, todavia, não foi comprovado pela perícia para tal fim determinada, a qual o acórdão recorrido consignou não haver "apontado, ou descartado, a existência dos critérios mencionados pelo MP, nem elaborado o histórico de pagamento e a comparação pedida". 4. Para ensejar a desconsideração da personalidade e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o desvio da finalidade natural da empresa prejudicada. 5. Fatos assentados pelo acórdão recorrido que não configuram abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pressupostos necessários, à luz do art. 50 do Código Civil, para a desconsideração das personalidades jurídicas das empresas envolvidas nas transações, a fim de justificar lhes fosse estendida a falência. 6. Recurso especial provido para afastar a decisão de extensão dos efeitos da falência na origem". A posição do STJ está em ampla sintonia com a origem e a finalidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, a qual surge com a importante missão de impedir o uso indevido da pessoa jurídica por parte dos seus sócios e administradores, de modo a se evitar o abusivo uso da empresa como veículo para a realização de atos ilícitos. A Disregard Doctrine tem grande influência do jurista alemão Rolf Serick, autor da teoria denominada "durchgriff der juristichen personen" - penetração na pessoa jurídica. Segundo ele, as seguintes diretrizes devem ser observadas: A) desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando esta for abusivamente manipulada para desonrar obrigações legais ou contratuais, lesando terceiros; e B) o princípio da independência da pessoa jurídica em relação aos seus sócios deve prevalecer, só devendo ser afastado nas situações acima descritas. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aquela que permite ao magistrado desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus membros, sempre que ocorra, no caso concreto, fraude e abuso de direito. No Brasil, o instituto em tela guarda previsão no artigo 28 do CDC (lei 8.078/90), no artigo 34 da lei 12.529/11, no art. 4º da lei 9.605/98, no art. 50 do Código Civil de 2002 e no art. 14 da lei 12.846/13. A edição da lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o art. 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no art. 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos." "Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O art. 28 do CDC - Código de Defesa do Consumidor, bem como o art. 4º da lei de proteção ao meio ambiente, por sua vez, avançam em relação à teoria clássica, sendo reflexos da chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Aqui se defende a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica apenas com a prova da insolvência da empresa, somada com a existência de um dano efetivo ao consumidor e/ou ao meio ambiente.  Vejamos: "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores". (CDC) "Art. 4º . Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". (lei 9.605 / 98) É bem de ver que, além do caput do art. 28 do CDC ir além da teoria clássica de Rolf Serick, permitindo hipóteses de incidência da Disregard Doctrine  mais amplas que as do art. 50 do Código Civil, é certo que o parágrafo quinto do aludido artigo, assim como o referido art. 4 da lei de proteção ao meio ambiente, apresentam o simples requisito de demonstração de que a pessoa jurídica seria, de alguma forma, obstáculo para a defesa dos direitos a serem tutelados; no caso, dos consumidores e/ou do meio ambiente.  E exatamente na linha do caput do art. 28 do CDC, segue o art. 34 da lei 12.529/11: "Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." E o art. 14 da lei 12.846/13, no âmbito de combate aos atos ilícitos de corrupção, prevê que: "A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa". Historicamente, a jurisprudência do STJ já bem diferenciou a aplicação das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, sendo inspirador o julgado do ministro Ari Pargendler neste sentido: "A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (REsp 279273 / SP, rel. min. Ari Pargendler, Terceira turma, 04.12.03). Veja-se que, em regra, nos feitos meramente cíveis, não basta a prova da insolvência da sociedade. Os demais requisitos do art. 50 do Código Civil devem estar presentes (encerramento irregular das atividades, confusão patrimonial, desvio de finalidade, dentre outros). No mais, vale lembrar que os arts. 133 e seguintes do CPC em algumas soluções procedimentais para encerrar polêmicas que se arrastavam há anos nos pretórios, tais como: (i) a impossibilidade de se decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica; (ii) a possibilidade de se aplicar o instituto, através da formação de um incidente, na fase de execução, assim como em outras fases processuais; (iii) a necessidade de uma prévia dilação probatória para se averiguar a existência dos requisitos para a aplicação do instituto, sendo certo que as pessoas a serem atingidas com a desconsideração deverão ser citadas para se defender neste incidente processual; (iv) possibilidade de manejo do agravo de instrumento; e (v) possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa. O CPC, ainda, em seu art. 674, parágrafo segundo, III, claramente admite o manejo dos embargos de terceiro por parte do sócio e/ou administrador que venham a sofrer constrição de seus bens em processo do qual originalmente não eram parte; sinalizando, contudo, para o manejo dos embargos do devedor/impugnação ao cumprimento de sentença, quando o sócio e/ou o administrador tiverem participado do processo e/ou do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O julgamento do recurso especial 1897356 - RJ, portanto, está em linha com a evolução jurisprudencial e doutrinária acerca do instituto, tendo acompanhado as diretrizes do art. 50 do diploma civil.
A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as defensorias de todos os estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa. Só no estado de SP são mais de 40 mil advogados que atuam no convênio com a Defensoria Pública. Em agosto de 2021 já tive oportunidade de escrever nessa coluna artigo defendendo que as prerrogativas processuais da Defensoria Pública fossem estendidas para os advogados dativos1. Como o valor dos honorários advocatícios recebidos em tal convênio muitas vezes é inferior ao merecido por tão nobre e indispensável papel dos advogados dativos, os honorários sucumbenciais servem para estimular que esses advogados abnegados continuem prestando um excelente serviço para a coletividade. Dúvida surge no caso do advogado dativo apresentar recurso somente quanto a fixação dos honorários advocatícios e se seria necessário ou não o recolhimento de custas. O Tribunal de Justiça de SP possui recente acórdão afastando tal cobrança de custas: "Execução de título judicial. Pronúncia da prescrição intercorrente. Preliminar do exequente Deserção. inocorrência. Curador especial que não necessita recolher custas recursais mesmo que discuta somente honorários advocatícios na apelação. O curador especial não é considerado um advogado particular, logo quando recorre sobre honorários advocatícios não necessita recolher custas ou demonstrar a necessidade da gratuidade de justiça como nos casos de advogados particulares. Nesse sentido o STJ já sedimentou de que: "Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública.". Razões do curador dos executados Pedido de condenação do exequente ao pagamento de honorários advocatícios. Observância do princípio da causalidade. Sentença mantida. Foram os executados que deram causa à propositura da ação. Inadmissível que o credor, além de não receber o crédito que lhe cabe o qual foi fulminado pela prescrição intercorrente seja ainda condenado no pagamento dos honorários de sucumbência. O artigo 921, §5º do CPC, é expresso no sentido de que, quando ocorrer a pronúncia da prescrição intercorrente, não haverá ônus para as partes. Sentença mantida. Preliminar do exequente rejeitada. Apelação do curador dos executados não provida."   (TJSP;  Apelação Cível 0108706-61.2006.8.26.0004; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/08/24; Data de Registro: 19/08/24)  Em recente julgado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA COM JULGADO DA 2ª TURMA. COMPETÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. DEFENSOR DATIVO. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ALEGADAMENTE IRRISÓRIA. RECURSO INTERPOSTO PELO ADVOGADO DATIVO EXCLUSIVAMENTE PARA MAJORAÇÃO DOS SEUS HONORÁRIOS. PREPARO. DESNECESSIDADE NA HIPÓTESE. INAPLICABILIDADE DO ART. 99, §5º, DO CPC, AO DEFENSOR DATIVO. INTERPRETAÇÃO LITERAL INSUFICIENTE E INADEQUADA. TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE ADVOGADO PARTICULAR E DEFENSOR DATIVO JUSTIFICÁVEL. EQUIPARAÇÃO ENTRE O ADVOGADO DATIVO E O DEFENSOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE. OUTROS MÉTODOS HERMENÊUTICOS ADMISSÍVEIS. EXISTÊNCIA DE UM MICROSSISTEMA DE TUTELA DOS VULNERÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO DE PREPARO AO ADVOGADO DATIVO QUE PODERIA DESESTIMULAR FORTEMENTE O EXERCÍCIO DESTA IMPORTANTE FUNÇÃO AUXILIAR À DEFESA JURÍDICA DOS HIPOSSUFICIENTES E DOS VULNERÁVEIS. NECESSIDADE DE DAR À REGRA INTERPRETAÇÃO MAIS CONSENTÂNEA COM A SUA FINALIDADE. 1- Embargos de divergência em recurso especial opostos em 01/05/20. 2- O propósito recursal é definir se a regra segundo a qual é indispensável o preparo do recurso que verse exclusivamente sobre honorários sucumbenciais nas causas em que concedido o benefício da gratuidade judiciária à parte, salvo se o próprio advogado demonstrar que faz jus à gratuidade, aplica-se também ao defensor dativo. 3- Embora a interpretação literal das regras do art. 99, §§ 4º e 5º, CPC, pudesse induzir à conclusão de que ao advogado dativo, no que se refere ao preparo, aplicar-se-iam as mesmas regras do advogado particular, exigindo-se a comprovação de que ele próprio faz jus à gratuidade judiciária, é preciso examinar a possibilidade de adoção de outros métodos hermenêuticos que melhor se amoldem à resolução da questão controvertida. 4- Isso porque seria desarrazoado impor ao defensor dativo, que atua em locais em que não há Defensoria Pública devidamente instalada, que tenha de recolher o preparo para obter a majoração de seus honorários sucumbenciais que, normalmente, já são fixados em valores bastante módicos, na hipótese em que pretenda o reexame dessa modesta remuneração. 5- O exame sistemático do conjunto das regras que disciplinam as nobres funções desempenhadas pelos advogados dativos e pela Defensoria Pública revelam que, mais do que diferenças, eles possuem muito mais semelhanças, de modo que é possível afirmar que ambas as figuras se complementam e compõem um microssistema de tutela dos vulneráveis. 6- São exemplos de regras que compõem o microssistema de tutela dos vulneráveis, compostos pela advocacia dativa e pela Defensoria Pública: (i) a concessão de prazo em dobro para a Defensoria Pública, para os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e para as entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios com a Defensoria Pública; (ii) a inaplicabilidade do ônus da impugnação específica dos fatos ao defensor público e ao advogado dativo; (iii) a possibilidade de intimação pessoal da parte quando o ato depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada, aplicável à Defensoria Pública e à advocacia dativa; e (iv) a dispensa de preparo, concedida ao advogado dativo e ao defensor público, no exercício de curadoria especial, independentemente de deferimento de gratuidade ao curatelado. 7- Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública. 8- De igual modo, essa eventual imposição não atrairá novos interessados em exercer essa função nas localidades em que não há Defensoria Pública, potencialmente diminuirá o interesse nessa atividade e, por consequência, deixará uma parcela muito significativa da população à mercê de sua própria sorte e convivendo, resignadamente, com as suas próprias mazelas. 9- Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa extensão, providos, a fim de dar provimento ao recurso especial e determinar o retorno do processo ao Tribunal de Justiça de SP para que, afastado o óbice de ausência de preparo, julgue a apelação como entender de direito." (EREsp n. 1.832.063/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 14/12/23, DJe de 8/5/24.) Conforme se depreende do entendimento do STJ, os honorários sucumbenciais dos advogados dativos muitas vezes já são fixados de forma módica e "impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados." Desse modo, o entendimento do STJ parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, afastando o pagamento de custas em recursos que versem somente sobre honorários advocatícios ________ 1 Disponível aqui.
O processo de execução pressupõe uma crise de inadimplemento por parte do devedor, de sorte que existindo título executivo líquido, certo e exigível a busca da tutela jurisdicional se presta a satisfação (ou tentativa de) do recebimento do crédito em favor do credor. Não por outra razão que aludido procedimento é dotado de menos atos processuais que se comparado ao procedimento comum e, guiado pelo Princípio da Execução, conta com instrumental a serviço da satisfação da tutela executiva (ou medidas de apoio destinadas a compelir o devedor ao pagamento), à exemplo de penhora online de bens móveis e imóveis, penhora de direitos creditórios em outras demandas, a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes e órgãos de proteção ao crédito (art.  782, § 3º do CPC) e ofício à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB, dentre outras medidas. Por outro lado, tem sido comum a resistência de alguns juízes em deferir as medidas acima, por vezes em situações em que o devedor, citado, apenas acompanha os autos, sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva.  Recentemente, a Segunda Turma do STJ examinou a questão, com vistas a reformar o v. acórdão oriundo do Tribunal Regional da 4ª Região para determinar a inclusão do nome do Executado junto ao Serasa, bem como autorizar a expedição de ofício ao CNIB: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL. UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. 1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da Taxatividade Recursal. 1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. 2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa. 3. Recurso especial a que se nega provimento".  "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS. SERASAJUD. POSSIBILIDADE. CENTRAL NACIONAL DA INDISPONIBILIDADE DE BENS - CNIB. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se acerca dos temas necessários ao integral deslinde da controvérsia, não havendo omissão, contradição, obscuridade ou erro material, afastando-se, por conseguinte, a alegada violação ao art. 1.022 do CPC/2015. 2. A jurisprudência do STJ, alinhada ao entendimento do STF na ADI 5.941/DF, admite a adoção de medidas executivas atípicas, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto. 3. Reforma-se o acórdão que indefere o uso da ferramenta denominada "SERASAJUD" que inclui o nome do executado nos cadastros de inadimplência, porquanto seu uso confere maior efetividade na demanda executória, não se mostrando medida desproporcional. 4. O Provimento n. 34/2014 instituiu a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB com fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente. 5. Recurso especial provido.  (STJ, Resp 1968880/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Afrânio Vilela, v.u., j. 10.09.2024, grifou-se)  O voto condutor bem ponderou:  "No mérito, cinge a controvérsia em analisar o acerto do acórdão que manteve o indeferimento do pedido de inclusão do nome dos agravados no SERASAJUD, bem como o lançamento de indisponibilidade junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB. (...) A análise da proporcionalidade da medida deve considerar as circunstâncias específicas de cada caso em particular, uma vez que é crucial assegurar que a medida coercitiva não prejudique de maneira desproporcional a subsistência do executado. No caso, importa mencionar que o art. 782, § 3º, do Código de Processo Civil se refere especificamente aos casos de inclusão em cadastro de inadimplentes, não trazendo requisitos para a almejada inclusão, sendo dispensável eventual "resistência das referidas instituições". Entendo, ainda, que o fato de ser possível a inclusão na via extrajudicial não impede que o credor requeira em juízo, conforme disposto na lei processual, uma vez que interpretação diversa implica: i) extensão a um óbice não previsto em lei, em prejuízo ao credor; e ii) ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF. Com relação à utilização da CNIB, observo que o Provimento n. 34/2014 instituiu com o fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e dos cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente. Considerando, ainda, que o Juízo pode adotar todas as medidas que estiverem ao alcance do Estado, e que não sejam expressamente vedadas na lei, não verifico óbice à sua utilização para ordenar o lançamento de indisponibilidade em eventual bem imóvel do devedor, sendo ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização da ferramenta. Ora, a adoção dos referidos mecanismos visam à resolução das lides em menor tempo, observando o princípio da duração razoável do processo e da eficiência, e se mostra, a meu sentir, plenamente aplicável ao caso concreto. Isso posto, dou provimento ao recurso especial para determinar a inclusão do nome dos agravados nos órgãos de proteção ao crédito, via sistema SERASAJUD e CNIB."  A despeito da expedição de ofício ao SERASAJUD e CNIB serem examinadas caso a caso, a contribuição do voto condutor enfrentou a questão sob outro prisma, em síntese, (i) o juízo pode adotar as medidas postuladas pelo credor que estiverem ao alcance do Estado (o que a fasta o seu indeferimento de plano ao alvedrio de que determinada medida não cabe quando assim postulada), (ii) tais mecanismos, em vista do Princípio da Execução, se prestam exatamente a imprimir maior eficiência ao processo executivo, (iii) é ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização de tais mecanismos. O julgado soa acertado, porquanto não se pode olvidar que a priori, o mero ajuizamento da execução já pressupõe uma crise de inadimplemento e lesão ao credor por força da inadimplência do devedor, de sorte que o ferramental previsto no sistema deve ser utilizado, afastando-se eventuais discussões quanto ao seu cabimento, o que retarda a execução e beneficia o devedor, que por vezes é citado, não se defende, não paga e fica tão somente assistindo o curso do processo sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva.
Como se sabe, a Constituição Federal (CF) estabelece, em seu artigo 5º, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Trata-se de um dos dispositivos mais importantes do texto constitucional, no que se refere ao direito processual civil, pois a um só tempo consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa. Tamanha é a importância desses princípios que José Roberto dos Santos Bedaque observou o seguinte: "Eventual violação desses princípios implica evidente nulidade dos atos processuais praticados anteriormente. Se, por algum motivo injustificado, qualquer das partes foi impedida de participar ativamente do processo e influir na convicção do julgador, tudo o que se realizar após essa falha estará comprometido" (Efetividade do processo e técnica processual, 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 495). Assim, uma vez violado o princípio do contraditório e configurado o cerceamento de defesa, os atos subsequentes serão nulos. O que fica em aberto, depois do reconhecimento da nulidade, é saber se ela é sanável ou não. Em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e declarou a nulidade de ato praticado no curso do julgamento de um recurso de apelação. Confira-se, a propósito, a ementa da decisão: "Recurso de apelação. Rejulgamento na mesma sessão que acolhe os embargos de declaração. Direito à sustentação oral. Notificação prévia. Ausência. Nulidade. Violação ao contraditório e à ampla defesa. O rejulgamento do recurso de apelação na mesma sessão que acolhe os embargos de declaração - sem a devida notificação prévia para sustentação oral - configura cerceamento ao direito de defesa e ao contraditório, ocasionando a nulidade do julgamento. (STJ, Segunda Turma, REsp 2.140.962-SE, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, por unanimidade, julgado em 3/9/2024)". No caso concreto, o Tribunal local, após o acolhimento dos embargos de declaração e a consequente anulação do julgamento anterior devido à violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, procedeu imediatamente ao rejulgamento das apelações na mesma sessão. Tal procedimento deveria ter sido precedido de uma nova inclusão em pauta e de uma oportunidade para renovação da sustentação oral (CPC, art. 937, I), pois houve uma clara divisão das etapas do julgamento, o que pode comprometer a integridade dos direitos ao contraditório e à ampla defesa das partes envolvidas. Houve o reconhecimento de uma nulidade processual pelo Tribunal de origem e, na sequência, o novo julgamento do mérito das apelações. Cumpre observar que os patronos de uma das partes não haviam sequer sido intimados do julgamento do recurso, pois o ato foi realizado em nove de antigos advocados que já não mais atuavam no processo. Diante disso, ficou claro o prejuízo a uma das partes que não foi regularmente intimada do julgamento do recurso e privada da possibilidade de apresentar sustentação oral de suas razões recursais no tocante ao mérito da apelação, direito garantido pelo inciso I do art. 937 do CPC. Para sanar esse vício de intimação prévia da parte antes do julgamento do mérito recursal, seria necessário provar que não houve dano para as partes causado pela forma como o julgamento das apelações aconteceu. Nessa linha é a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, para quem "(...) se da falha processual não decorrer dano a essa garantia ou a outro interesse da parte prejudicada, ou se a sentença transitar em julgado, desconsidera-se a nulidade" (op. cit., p. 501). Ocorre que o dano foi claro para uma das partes que deixou de realizar sustentação oral de suas razões recursais quanto ao mérito de sua apelação. Por tal razão, merece aplausos o Superior Tribunal de Justiça, por mais uma vez ter corrigido um erro de julgamento consistente em nítida violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Recentemente, a Corte Especial do STJ finalizou o julgamento do REsp 1.795.982, tendo reafirmado seu posicionamento no sentido de que a taxa oficial de juros legais - prevista no artigo 406 do CC - deve ser a Selic. Na realidade, a Corte Especial acabou por reafirmar a força do precedente oriundo do julgamento do EREsp 727842 / SP, no qual o STJ já havia se posicionado pela aplicação da Selic, para fins do artigo 406 do CC. Veja-se. Inicialmente, quando do início da vigência do Código Civil, havia certa divisão de entendimento do Superior Tribunal de Justiça. A 2ª Turma prontamente adotou a aplicação da taxa Selic ao artigo 406 do Código Civil, entendendo que esta incluía tanto os juros legais quanto a correção monetária, conforme os seguintes julgados: "2. Com o advento do novo Código Civil, quando não convencionados os juros moratórios, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional; por enquanto, a taxa SELIC (a partir da citação), com a advertência de que não pode ser ela cumulada com qualquer outro índice de correção monetária, porque já embutida no indexador."1 "2. Os juros de mora devem incidir na correção do saldo das contas vinculadas do FGTS no percentual de 0,5% ao mês até a data de entrada em vigor do Novo Código Civil. A partir de então, deverá incidir a Selic (lei 9.250/95), taxa que está em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do Código Civil de 2002)."2 A 1ª Seção deliberou sobre o tema no mesmo sentido: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. 1. Os juros moratórios, nas ações em que se discute a inclusão de expurgos inflacionários nas contas vinculadas ao FGTS, são devidos a partir da citação - que nos termos do arts. 219 do Código de Processo Civil e 406 do Código Civil vigentes, constitui o devedor em mora -, à base de 0,5% (meio ponto percentual) ao mês até a entrada em vigor do Novo Código Civil (lei 10.406/2001) e, a partir de então, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da lei 9.250/95 (Precedentes: REsp n.º 666.676/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 06/06/2005; e REsp n.º 803.628/RN, Primeira Turma, deste Relator, DJU de 18/05/2006)."3 Do outro lado, a 3ª Turma se pronunciou pela aplicação do artigo 161, § 1º, do CTN: "AGRAVO REGIMENTAL. JUROS DE MORA. NOVO CÓDIGO CIVIL. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE PARTICULARES. INAPLICABILIDADE DA SELIC. PRETENSÃO DE PÓS-QUESTIONAR. INVIABILIDADE. 1. Até a data da entrada em vigor do novo Código Civil, o juros moratórios são regulados pelo artigo 1.062 do Código Beviláqua. Depois daquela data, aplica-se a taxa prevista no artigo 406 do atual Código Civil, na razão de 1 % ao mês. 2. A taxa SELIC tem aplicação específica a casos previstos em Lei, tais como restituição ou compensação de tributos federais. Não é a ela que se refere o Art. 406 do novo Código Civil, mas ao percentual previsto no Art. 161, § 1º, do CTN. 3. Em recurso especial não se acolhe a pretensão de pós-questionar dispositivos constitucionais."4 Sucede que, em embargos de divergência, a matéria foi decidida pela Corte Especial, que votou pela aplicação da taxa Selic: "CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL.  CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento."5 A partir desse julgado, o STJ adotou firme posicionamento pela aplicação da Selic como taxa de juros legais6. Apenas para elucidar quão pacífico se tornou o tema no STJ, apontamos os seguintes julgados (incluindo aqui julgados da 3ª Turma, que havia se posicionado contrariamente nos primeiros casos): "3. A Corte Especial deste Tribunal pacificou o entendimento de que atualmente a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a Selic."7 "4.  Os juros de mora, devidos in casu a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ), devem ser calculados à base de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001), devendo observar, a partir de então, a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei nº 9.250/95 (Precedente da Corte Especial: EREsp 727.842/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 20/11/2008) 5. A incidência da taxa SELIC a título de juros moratórios, a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, em janeiro de 2003, exclui a incidência cumulativa de correção monetária, sob pena de bis in idem (Precedente: EDcl no REsp 1077077/SP, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 05/06/2009)"8 "5. Nas obrigações ainda não adimplidas, anteriores à vigência do CC/02, a jurisprudência tem se orientado no sentido de reputar aplicável, quanto aos juros, o art. 1.062 do CC/16 até a data de 10/1/2003, e o art. 406 do CC/02 após essa data. Precedentes. 6. O índice que deve ser aplicado de conformidade com o art. 406 do CC/02 é, consoante precedente da Corte Especial, a Taxa SELIC, não obstante a existência de julgados recentes aplicando, à espécie, o art. 161, §1º, do CTN. 7. A taxa SELIC abrange juros e correção monetária, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários."9 "1. "Os juros (de mora) legais devem ser fixados à taxa de 0,5% ao mês (artigo 1.062 do CC/1916) no período anterior ao início da vigência do novo Código Civil (10.1.2003) e, em relação ao período posterior, nos termos do disposto no artigo 406 do Código Civil de 2002, o qual corresponde à Taxa SELIC". (AgRg no Ag 1370108/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011)"10 "3. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002, segundo precedente da Corte Especial (EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008), é a SELIC, não sendo possível cumulá-la com correção monetária, porquanto já embutida em sua formação."11 "7. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data (EREsp n. 727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2008)."12 "6. Sobre os valores apurados em liquidação de sentença devem recair, até o efetivo pagamento, juros moratórios de 6% ao ano a partir da citação, nos termos dos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916, até 11.1.2003, quando passou a se aplicar a Taxa Selic (art. 406 do CC atual)."13 "2. Os valores a serem restituídos pelo banco serão acrescidos de juros remuneratórios de 1% ao mês, corrigidos monetariamente pelo INPC, mais juros de mora de 0,5% ao mês desde a citação e, após a vigência do novo Código Civil, da taxa Selic, índice comum de juros moratórios e correção monetária, na forma do art. 406 do CC."14 Ainda, conforme o posicionamento apontado: "2. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês  até  a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data  (EREsp  727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Corte Especial, DJe de 20/11/2008)."15 "1.  Esta  Corte  firmou  entendimento no sentido de que a fixação da taxa  dos  juros  moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406  do  Código  Civil  de  2002,  deve  ser com base na taxa Selic, podendo essa tese ser aplicada inclusive nos casos em que se discute a execução de honorários. Precedentes."16 "1.  O  Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito dos   processos  representativos  da  controvérsia  (art.  543-C  do CPC/1973  e  art.  1.036 do CPC/2015) firmou o entendimento de que a taxa  dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa  referencial  do  Sistema  Especial  de Liquidação e Custódia - SELIC 2. Agravo interno não provido."17 "3.  O  Tribunal  de  origem, ao discorrer sobre os juros moratórios, entendeu que seu termo inicial será a partir da citação e na base de 6%  ao  ano  até a entrada em vigor do Código Civil, aplicada a taxa Selic,  a partir de então, consoante interpretação feita do art. 406 do Código Civil, que se coaduna com jurisprudência desta Corte."18 "3. Os juros moratórios são devidos a partir do evento danoso no percentual de 0,5% a.m até a entrada em vigor do Código Civil atual (11.1.2003), quando deverão ser calculados na forma do seu art. 406, isto é, de acordo com a SELIC."19 Como se pode imaginar, o STJ, para fins do artigo 406 do CC, manteve sua posição sobre a aplicação da taxa SELIC nos últimos anos, como se depreende dos seguintes julgados, apenas a título exemplificativo: "AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO. 1. "A Corte Especial no julgamento de recurso especial repetitivo entendeu que por força do art. 406 do CC/02, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, a qual deve ser utilizada sem a cumulação com correção monetária por já contemplar essa rubrica em sua formação" (AgInt no REsp 1794823/RN, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe 28/5/2020). 2. Agravo interno a que se nega provimento."20 "3. Nos termos dos Temas 99 e 112/STJ, a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, vedada a acumulação com correção monetária."21 A orientação hodierna apenas segue, como mencionado previamente, os julgados da Corte Especial. Além do EREsp 727842 / SP, importante apontar que, em sede de recurso especial repetitivo, a Corte Especial firmou a seguinte tese na sessão de 02 de junho de 2010: "Tema 176: Tendo sido a sentença exequenda prolatada anteriormente à entrada em vigor do Novo Código Civil, fixado juros de 6% ao ano, correto o entendimento do Tribunal de origem ao determinar a incidência de juros de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, a partir de então, da taxa a que alude o art. 406 do Novo CC, conclusão que não caracteriza qualquer violação à coisa julgada." Por conseguinte, do ponto de vista do direito civil, resta patente a plena aplicabilidade da taxa Selic como juros legais previstos no artigo 406 do CC vigente. Ressalte-se que, conforme supracitado, a taxa Selic inclui tanto os juros moratórios quanto a correção monetária. Vale realçar, por fim, que a matéria hoje está regida pela Lei n. 14.905/2024, que claramente prestigia a orientação do STJ no sentido de ser a Selic a taxa legal de juros, para fins do artigo 406 do CC, bem como no sentido de que a Selic não pode ser simplesmente cumulada com a correção monetária. __________ 1 STJ, REsp 781594/PE, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.05.2006. 2 STJ, REsp 916567/PE, 2ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noronha, 27.03.2007. 3 STJ, REsp 875919/PE, 1ª Seção, Min. Rel. Luiz Fux, j. 13.06.2007. 4 STJ, AgRg no REsp 727842/SP, 3ª Turma, Min. Rel Humberto Gomes de Barros, j. 03.12.2007. 5 STJ, EREsp 727842 / SP, Corte Especial, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, j. 08.09.2008. 6 Nessa toada: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS MORATÓRIOS. MOMENTO DA INCIDÊNCIA. CRITÉRIOS. VIGÊNCIA NOVO CÓDIGO CIVIL. I - Trata-se de discussão acerca da incidência de juros moratórios em precatório complementar, em autos de execução de título judicial, onde o Tribunal a quo determinou que tais juros incidam à razão de 0,5% ao mês durante a vigência do Código Civil/1916 e, a partir do Novo Código, em 1% ao mês. II - Sob o argumento de que a indenização que gerou a referida execução se deu na vigência do Código Civil/1916, pretende o recorrente que durante todo o período os juros moratórios sejam fixados em 0,5% ao mês. III - Esta eg. Corte de Justiça já tem firme posicionamento no sentido de que os juros de mora são devidos à taxa de 0,5% ao mês, até a vigência do Código Civil de 2002, a partir de quando deve ser considerada a taxa que estiver em vigor para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406), ou seja, a SELIC. Precedentes: AgRg no REsp nº 972.590/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe de 23.06.2008; REsp nº 858.011/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe de 26/05/2008; REsp nº 926.140/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 12.05.2008. IV - Assim, a pretensão estadual é descabida e, por outro lado, considerando-se a peculiaridade da espécie, deve ser mantido o entendimento firmado pelo juízo a quo sobre o percentual dos juros moratórios, nada podendo se deliberar nestes autos sobre a incidência da SELIC, em observância ao princípio da non reformatio in pejus. V - Recurso improvido." - STJ, REsp 926285 / PR, 1ª Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, j. 14.10.2008. 7 STJ, REsp 945601 / SC, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.06.2009. 8 STJ, EDcl no REsp 961512 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Vasco Della Giustina, j. 14.12.2010. 9 STJ, EDcl no REsp 953460 / MG, 3ª Turma, Minª. Relª. Nancy Andrighi, j. 09.08.2011. 10 STJ, AgRg no REsp 886970 / DF, 4ª Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 16.08.2011. 11 STJ, EDcl no REsp 1025298 / RS, 2ª Seção, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012. 12 STJ, REsp 645729 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, j. 11.12.2012. 13 STJ, AgRg no AREsp 311954 / PR, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, j. 28.05.2013. 14 STJ, EDcl no AgRg no Ag 1316058 / GO, 3ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noro-nha, j. 10.09.2013. 15 STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1740851 / MA, 3ª Turma, Min. Rel. Moura Ribeiro, j. 24.06.2019. 16 STJ, AgInt no AREsp 1180613 / MS, 4ª Turma, Min. Rel. Marco Buzzi, j. 21.10.2019. 17 STJ, AgInt no REsp 1628809 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.05.2017. 18 STJ, AgInt no AREsp 870448 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Humberto Martins, j. 18.08.2016. 19 STJ, AgRg no REsp 831173 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Raul Araujo, j. 16.12.2014. 20 STJ, AgInt no REsp 1723791 / MS, 4ª Turma, Minª. Relª. Maria Isabel Gallotti, j. 08.02.2021. 21 STJ, REsp 1846819 / PR, 3ª Turma, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13.10.2020.
O art. 1.026 do CPC é claro em determinar que a oposição de embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição do recurso. Questão interessante restou abordada pelo STJ ao relacionar a preclusão consumativa ocasionada pela interposição de recurso equivocado e nova oportunidade de interposição recursal por força do efeito interruptivo gerado quando da oposição de embargos de declaração opostos contra a mesma decisão pela parte contrária. No caso, contra a decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva sobreveio equivocada interposição de agravo retido (recurso antes previsto no CPC/73 e sem previsão legal no CPC/15). A parte contrária também recorreu, opondo embargos de declaração destinados a fixação de honorários sucumbências por conta de sua exclusão da lide. Ao ser decidido os embargos de declaração sobreveio o recurso correto (agravo de instrumento) voltado a impugnar a decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade de parte. Diante deste quadro, "(...) a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento)."1 Ao examinar a questão a 4a do STJ entendeu que o primeiro recurso interposto de forma equivocada em verdade é inexistente, por não haver previsão legal do CPC. Logo, não haveria óbice para a interposição do recurso correto: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL. UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. 1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da taxatividade recursal. 1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. 2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa. 3. Recurso especial a que se nega provimento". (STJ, Resp 2141420-MT, Quarta Turma, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 06.08.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "Em decisão saneadora proferida em 4/6/18, o Juízo da Primeira Vara Criminal e Cível acolheu "a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa Drebor Indústria de Artefatos de Borracha LTDA, para extinguir o feito sem resolução do mérito quanto a essa, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil" (e-STJ, fl. 100). Contra essa decisão, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo retido (e-STJ, fls. 131/133) e DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA opôs embargos de  declaração. O recurso da parte autora não foi conhecido, por se "tratar da extinta figura do recurso de agravo retido, não mais existente sob a égide do novel Código de Processo Civil, já que não constante no rol do art. 994 [...]. A teor do disposto no art. 1009, § 1º, do Código de Processo Civil, a irresignação do autor quanto ao reconhecimento da preliminar deve ser suscitada em preliminar de eventual recurso de apelação" (e-STJ, fl. 134 - grifei). Por sua vez, os embargos de declaração da ré foram acolhidos para condenar a parte autora ao pagamento das despesas processuais de DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA, "bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do seu patrono, fixados esses em 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC" (e-STJ, fl. 103). Após o julgamento dos embargos de declaração, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo de instrumento contra decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva e excluiu da lide a ré DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA (e-STJ, fls. 5/20). Em suas contrarrazões, DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA alegou preclusão consumativa, tendo em vista ter o autor interposto "Agravo Retido da r. decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da agravada e julgou extinto o feito em relação à mesma" (e-STJ, fl. 127). O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ao julgar o agravo interno, afastou a preliminar da preclusão consumativa pelos seguintes fundamentos (e-STJ, fl. 160): 'Primeiramente, porque como bem frisou a agravada, se o recurso de agravo retido equivocadamente interposto pelo ora agravante já não mais ter previsão no CPC/15, a sua interposição deve ser considerada inexistente. Logo, não acarreta a ocorrência de preclusão consumativa pois não se trata de manejo de recurso inadequado, mas sim inexistente. Neste viés, é ainda necessário considerar que, contra a decisão saneadora ora impugnada, a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA opôs embargos de declaração, sob o fundamento de omissão do julgado, a fim de que fossem arbitrado honorários ao(s) seu(s) patronos. Aliás, tal recurso foi conhecido e acolhido. Logo, por força do que estipula o caput do art. 1.026 do CPC/15, o conhecimento de tais aclaratórios interrompeu o prazo para a interposição de outros recursos contra a mesma decisão embargada, seja da parte ré, seja da parte autora.' No mérito, o Tribunal de origem deu provimento ao agravo de instrumento " para reformar a decisão recorrida e reintegrar a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA no polo passivo da demanda" (e-STJ, fl. 163). Assim, a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento). (...) Nessa perspectiva, a preclusão consumativa, ou consumação propriamente dita, refere-se à perda de uma faculdade ou poder processual por causa de seu prévio exercício. Não se desconhece o entendimento dessa Corte Superior de que, "no sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último" (AgInt nos EAg 1213737/RJ, rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17/8/16, DJe 26/8/16). Contudo, no caso dos autos, o primeiro recurso interposto, agravo retido, não estava contemplado na legislação vigente como meio de impugnação. Segundo o princípio da taxatividade recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existência jurídica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurídicos. (...) Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve algumas mudanças significativas em relação aos recursos cabíveis, entre elas a supressão do agravo retido. No novo código, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. Nesse contexto, não foram interpostos dois recursos - agravo retido e agravo de instrumento -, mas somente um: o agravo de instrumento, tendo em vista que o retido, por não estar previsto na lei, não é recurso. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. Um ato processual inexistente, por não possuir validade ou eficácia jurídica, não pode produzir nenhuma consequência no processo. A preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição. A preclusão consumativa requer a prática de um ato processual, o que não ocorre no caso de o recurso ser inexistente. (...) Logo, contra a decisão interlocutória que declarou a ilegitimidade passiva de um dos corréus, o autor interpôs tempestivamente um único recurso previsto na legislação processual: o agravo de instrumento. Então, não houve violação do princípio da unirrecorribilidade. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. É como voto." Em síntese, o voto condutor afastou a preclusão consumativa decorrente da interposição do recurso equivocado. Em verdade, segundo o entendimento do STJ, a preclusão consumativa sequer ocorreu, tendo em vista que o ato processual de interpor o recurso equivocado não pode ser interpretado como consumado o ato de recorrer, porquanto considerado inexistente aludido recurso (data sua falta de previsão no CPC/2015). Tal voto convida a uma melhor leitura para se entender a dimensão de se considerar um ato processual tido por inexistente, dado que, sob o entendimento acima comentado, um ato processual inexistente não está acobertado pela preclusão consumativa. _________ 1 Trecho do voto condutor do Resp 2141420-MT a ser examinado a seguir.
As reformas de 2005 e 2006 no Brasil, com flagrante inspiração no princípio da cooperação, previram: (i) a aplicação de multa contra o devedor, e em favor do credor, que não paga voluntaria e tempestivamente o débito reconhecido em titulo executivo judicial (art. 475-J do CPC de 1973); (ii) a aplicação de multa contra o devedor, e em favor do credor, quando o manejo dos embargos à execução for considerado meramente protelatório (art. 740 do CPC de 1973); (iii) o incentivo ao uso da penhora online como meio de facilitar a constrição de dinheiro (art. 655-A do CPC de 1973); (iv) a possibilidade de o credor averbar nos registros públicos a existência do processo de execução em face do devedor (art. 615-A do CPC de 1973); (v) prêmio para o devedor no caso de honrar voluntaria e tempestivamente título executivo extrajudicial (art. 652-A do CPC de 1973); e (vi) a possibilidade de pagamento parcelado do débito (art. 745-A do CPC de 1973). E através dos arts. 600, IV, 601 e 652, parágrafo terceiro, do CPC de 1973, o legislador previu a possibilidade de o devedor ser punido quanto se quedar inerte diante de intimação para que colabore com o Poder Judiciário e apresente a lista de onde estão e quais são os seus bens sujeitos à constrição. As reformas de 2005 e 2006, com algumas adaptações, estão todas refletidas no CPC de 2015, conforme previsões dos arts. 523, 918, 854, 828, 827, 916 e 774.   Todos estes exemplos demonstram a preocupação do legislador brasileiro em promover a efetividade da execução, com um claro incentivo ao devedor para que colabore e cumpra espontaneamente a sua obrigação perante o credor; tornando-se a execução mais célere1. Ademais, o sistema processual brasileiro passou a conviver mais intensamente com a tendência do uso de "medidas de coerção" na execução; a qual, sem prejuízo do princípio da responsabilidade patrimonial, se somou às técnicas tradicionais de penhora para dar um fôlego maior ao Poder Judiciário na busca da máxima eficiência da tutela executiva. São os chamados meios de coerção, os quais em conjunto com as tradicionais técnicas de penhora, buscam conferir maior efetividade à execução. Para Andrea Proto Pisani são três as famosas escolas de adoção de técnicas de coerção para a satisfação do direito do credor: (i) a francesa, das astreintes, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias ao devedor, cujo montante se converte em favor do credor, o qual aumenta em virtude do descumprimento da ordem do juízo pelo devedor; (ii) a germânica-austríaca, que combina a técnica de sanção pecuniária, mas devida ao Estado, com a de prisão do devedor nos casos estipulados em lei; (iii) a anglo-saxônica, fundada no contempt of court, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias em favor do credor, e em prisão nos casos de conduta de desobediência ao juízo2. As técnicas de coerção acima referidas estão presentes no direito brasileiro, podendo ser encontradas, de certo modo, nos arts. 77, 80, 537 e 774  do CPC, além da previsão constitucional de prisão civil para o devedor de prestação alimentícia. Mas, mais recentemente, doutrina, jurisprudência e a própria legislação deram coro à aplicação de técnicas de coerção mais incisivas na execução por quantia certa contra devedor solvente, tudo de modo a se buscar tutelar de forma mais eficiente o crédito do exequente. Marcelo Lima Guerra, por exemplo, com leitura mais ampla do parágrafo quinto do art. 461 do CPC de 1973, já defendia a aplicação de multa diária contra o devedor que não paga tempestivamente o débito objeto da execução por quantia certa contra devedor solvente; além de propor que a lista de bens impenhoráveis seja diminuída, tudo na linha de contribuir-se para a obtenção da tutela executiva efetiva3. As técnicas de coerção apenas demonstram o atual espírito do processo civil, que visa à efetividade da tutela executiva, de modo a que o credor tenha, dentro de um prazo razoável e seguindo os ditames do devido processo legal, a plena realização do seu direito material. Michele Taruffo observa ser essa uma preocupação uniforme em diversos sistemas processuais, chamando especial atenção para o modelo norte americano, no qual se privilegia o princípio da adequabilidade da execução, "pelo qual todo o direito deve encontrar atuação por meio do instrumento executivo mais idôneo e eficaz em função das específicas necessidades do caso concreto. (...). Ademais, o que parece fora de dúvida é que o sistema dos remédios executivos, devendo ser adequado, tem também de ser completo, isto é, deve assegurar sempre uma tutela executiva eficaz. É significativo, de fato, que o aparecimento de situações substanciais novas não tenha comportado a crise do sistema e a criação de lacunas de tutela executiva e tenha consubstanciado, ao invés, um portente fator de evolução, no sentido da busca e da criação de novos instrumentos executivos ou de adaptação de velhos instrumentos, mas sempre no sentido do princípio pelo qual a tutela jurisdicional deve compreender também uma eficaz tutela executiva"4. O citado professor italiano, neste contexto de busca da plena efetividade processual executiva, destaca que as Rules 53 e 70 da Federal Rules of Civil Procedure dos Estados Unidos da América, por exemplo, preveem a possibilidade de o Poder Judiciário nomear um receiver; o qual, com a função típica de um administrador, tem o poder de gerir a empresa devedora, de modo a garantir que ela cesse determinada atividade nociva ao meio ambiente, bem como promova obras de despoluição e indenize os danos oriundos de sua atividade ofensiva à sociedade5.  Este é um bom exemplo de como o moderno processo civil está intensamente preocupado em como garantir que a execução garanta e promova, dentro do prazo razoável, a devida satisfação do direito material por parte do seu legítimo titular. Por isso, foi com bons olhos que a doutrina nacional recebeu a redação do artigo 537 do CPC, a qual, textualmente, prescreveu que a decisão que fixa a multa diária - astreintes - pode ser objeto de cumprimento provisório, condicionando-se apenas o levantamento do valor constrito após o trânsito em julgado da sentença que for favorável ao credor.  O texto está bem claro e em plena sintonia com todo o contexto de direcionar a execução civil a um diálogo mais construtivo com os princípios da eficiência e da efetividade, tão bem estampados nas normas fundamentais da legislação processual previstas nos artigos 4º e 8º do CPC. A técnica do cumprimento provisório da decisão que fixa a multa diária, nos termos do artigo 537 do CPC, é um mecanismo eficiente de coerção, estendendo um grande convite ao devedor para que promova o adimplemento, sob pena de onerar ainda mais sua posição processual. Vale dizer que o STJ, no julgamento do REsp 1.200.856, em 2014, sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, adotou o entendimento de que a execução provisória das astreintes somente seria possível após a sentença de mérito confirmatória da decisão que fixou a multa em sede de tutela antecipada. Entretanto, com a redação do artigo 537 do CPC, em plena harmonia com o moderno processo civil que almeja à efetividade e à eficiência da execução, o próprio STJ, no julgamento do REsp 1.958.679, modificou sua posição, passando a permitir o cumprimento provisório da decisão que fixa a multa diária, em prestígio a esse modelo de técnica de coercitiva. Veja-se trecho do julgado a relatoria da ministra Nancy Andrighi: "Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito"; e "Ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais". E é nesse cenário que, com preocupação, a comunidade jurídica, recebe o recente julgamento do EAREsp n. 1.883.876 pela Corte Especial do STJ, o qual, em direção oposta aos avanços até então obtidos na busca de um modelo efetivo e eficiente de execução civil, retorna ao entendimento anterior à vigência do artigo 537 do CPC, prestigiando-se a tese fixada no antigo REsp 1.200.856. O ministro Luis Felipe Salomão, inaugurando o voto divergente - e vencedor - pontuou que: "Inúmeras são as situações que podem ocorrer ao se permitir a eficácia imediata ou a exigibilidade da multa, sendo eu em todas será imposta ao devedor indevido desfalque patrimonial porque a decisão pende de confirmação por provimento final." Nota-se, assim, que o STJ, em relevante tema envolvendo a técnica coercitiva do artigo 537 do CPC, dialogou de forma dissonante com os princípios estruturantes do CPC, notadamente no que toca à busca de efetividade e eficiência na execução civil. __________ 1 TOMMASEO, Ferruccio. Sull'Attuazione dei Diritti di Credito nell'Esecuzione in Forma Specifica. In: Studi in Onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Giuffrè, 1979. p. 2.462. 2 PISANI, Andrea Proto. Appunti sulla Tutela di Condana. In: Studi in Onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Griuffrè, 1979. p. 1.734-1.737. v. III. 3 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003. p. 150 e 165. No mesmo sentido: BAUMÖHL, Debora Ines Kram. A nova execução. São Paulo: Atlas, 2006. p. 139. 4 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 95.  5 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 91. 
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a ampliação das hipóteses de cabimento da Reclamação, mesmo se contarmos que a Lei nº 13.256/2016 limitou a possibilidade nos casos de decisões que aplicam mal precedentes em repetitivos ou em repercussão geral. Uma Dúvida antiga na doutrina é quanto a natureza jurídica da Reclamação. Hoje, a doutrina majoritária entende que ela teria natureza de ação. Nesse sentido é o entendimento de Georges Abboud e Gustavo Favero Vaughn:  "(...) a reclamação detém natureza de ação, uma vez que por meio dela é resguardado ao interessado o direito público, subjetivo e abstrato de postular ao Estado-juiz o exercício da atividade judicante no sentido de pôr fim à lide aflorada por força do descumprimento de algum comando judicial. É a reclamação, nesses termos, uma das vias previstas em lei para expressar o direito de ação do art. 5º, XXXV, da CF. É de se ressaltar, ainda, que os três elementos da ação estão presentes na reclamação. Quanto às partes: o reclamante, que é quem busca preservar ou garantir alguma das hipóteses do art. 988 do CPC, e o reclamado, que é a quem se atribui a inobservância de uma dessas hipóteses. Quanto ao pedido: a prolação de decisão que assegure a competência do tribunal ou garanta o cumprimento de provimentos judiciais específicos. Quanto à causa de pedir: a invasão de competência ou a desobediência a comando anterior do Poder Judiciário."1 Sendo uma Ação, é cabível a fixação de honorários advocatícios, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil. Nesse sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves:  "Como entendo que a reclamação tem natureza jurídica de ação, parece-me ser cabível a condenação do derrotado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. É natural que não se condenará o órgão jurisdicional ou o juiz que conduz o processo no qual foi proferida a decisão impugnada ou usurpador de competência de tribunal superior: como também não parece correta a condenação da autoridade administrativa que pratica o ato impugnado. No primeiro caso, condena-se o Estado, sendo o juízo estadual, e a União, sendo o juízo federal e, no segundo, a pessoa jurídica de direito público à qual pertença a autoridade administrativa."2 Em recente julgado a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reiterou o entendimento da Corte sobre o cabimento dos honorários advocatícios:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RECLAMAÇÃO. RELAÇÃO PROCESSUAL CIVIL CONCRETIZADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. "Uma vez aperfeiçoada a relação processual na reclamação, são cabíveis honorários sucumbenciais para as reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl na Rcl n. 45.370/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 21/3/2024). 2. Figurando como partes rés na ação que deu origem à reclamação, o agravante e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, devem ambos, arcar com os honorários advocatícios fixados na decisão. 3. Agravo interno parcialmente provido." (AgInt nos EDcl na Rcl n. 44.797/PR, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No Supremo Tribunal Federal parece também prevalecer o entendimento favorável à fixação de honorários:  "(...) À luz do princípio da causalidade, é possível a fixação de honorários de sucumbência em reclamações constitucionais ajuizadas após o Código de Processo Civil de 2015. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido." (Rcl 47677 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 29.11.2021, DJe 10.02.2022)3 Entretanto, são incabíveis os honorários no caso do indeferimento liminar da petição inicial, sem a angularização da relação processual:  "(...) No caso, não houve a angularização da relação processual, já que, à vista da decisão que liminarmente negou seguimento à reclamação, inexistiu ordem para a citação da parte beneficiária, nos termos do art. 989, III, do CPC/15. (...)" STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 33.971/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018.  "(...) Não angularizada a relação processual mediante a citação do beneficiário do ato impugnado (art. 989, III, do CPC/15), em razão do indeferimento liminar da petição inicial da reclamação, é incabível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência. (...)" STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 36.771/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2020. Por fim, cumpre ressaltar que no caso do comparecimento espontâneo da parte, mesmo sem a citação, é possível a condenação em honorários:  "(...) Na hipótese, diante do comparecimento espontâneo da beneficiária aos autos, apresentando contestação e impugnação ao agravo interposto contra decisão que indeferiu liminarmente a reclamação, houve o aperfeiçoamento da relação processual, sendo cabível a condenação em honorários advocatícios. (...)" (STJ. 2ª Seção. Rcl 41.569-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/02/2022).  "(...) O novo Códex, inovando a disciplina legal do instituto, passou a prever a angularização da relação processual na reclamação, com a citação do beneficiário da decisão impugnada, para apresentar sua contestação, nos termos do art. 989, III, do CPC/15. Nessa nova moldura, em que o ajuizamento da reclamação nitidamente inaugura nova relação jurídica processual, mostra-se viável a aplicação do princípio geral da sucumbência, a fim de que seja a parte vencida - reclamante ou beneficiária do ato impugnado - condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios, na linha em que tem entendido o Supremo Tribunal Federal (Rcl 24417 AgR/SP e Rcl 24.464 AgR/RS). Hipótese em que, apesar de frustrada a tentativa de citação, o beneficiário do ato reclamado compareceu espontaneamente nos autos, com efetiva atuação na defesa dos seus interesses, a caracterizar o aperfeiçoamento da relação processual. Assim, diante do julgamento de improcedência da reclamação, é impositiva a condenação da parte reclamante, vencida, ao pagamento de honorários advocatícios. (...)" (STJ. 2ª Seção. EDcl na Rcl 33.747/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2018). Desse modo, estando angularizada a relação processual, é devida a fixação de honorários advocatícios na Reclamação, cabendo ao advogado da parte vencedora provocar o Tribunal em caso de omissão da decisão quanto as verbas sucumbenciais. __________ 1 ABBOUD, Georges; VAUGHN, Gustavo Fávero. Notas críticas sobre a reclamação e os provimentos judiciais vinculantes do CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 44, n. 287, p. 409-441, jan. 2019. Em seu texto os Autores ainda defendem que esse é o entendimento majoritário da Doutrina: É esse, salvo melhor juízo, o entendimento da doutrina majoritária: LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 171-179; BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 595; MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 1457-1458; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações constitucionais. São Paulo: Método, 2011. p. 305-308; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Aspectos destacados da reclamação no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 247, set. 2015. p. 300; MACÊDO, Lucas Buril de. Reclamação constitucional e precedentes obrigatórios. Revista de Processo, São Paulo, v. 238, dez. 2014. p. 416; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. v. 2. p. 777; ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 221; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Op. cit., p. 459-461; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 36. ed., São Paulo: Malheiros. p. 812, 2014; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. p. 77-78; ARAÚJO, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo, São Paulo, v. 252, 2016. p. 246-247. 2 Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 1.775. 3 No mesmo sentido: Rcl 48567 ED-AgR, Rcl 36.499-ED-AgR/RN, Rcl 27.822-ED-ED/SP e Rcl 28.403-ED-ED-AgR/SP. Já em sentido contrário temos julgados entendendo pelo não cabimento da condenação em honorários em ações de natureza constitucional: Rcl 33269 AgR, cl 44511 AgR-ED e Rcl 30226 AgR.
Como se sabe, a Constituição Federal (CF) estabelece, em seu artigo 133, que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Para exercer esta função essencial, o advogado ou a advogada, devem ser remunerados pelo seu indispensável trabalho, como parece ser óbvio. Tanto isso é verdade que o Código de Processo Civil, em seu artigo 85, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º, estabelecem os critérios para arbitramento de honorários advocatícios na hipótese um processo terminar. Confira-se: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Cumpre observar que o trabalho realizado pelo advogado ou advogada não se resume ao que está nos autos. Quando o cliente é citado para se manifestar em um processo, ele entra em contato com o advogado de sua confiança, faz consultas sobre a lei aplicável e seus desdobramentos, apresenta documentos, realiza reuniões, antes mesmo de ser elaborada a defesa, se for o caso. Não se pode duvidar que o trabalho do advogado começa muito antes de uma petição inicial ser protocolada (se o seu cliente for o autor da demanda) ou de uma contestação ser apresentada (se o seu cliente for o réu). Cabe ao advogado ou advogada esclarecer as dúvidas do cliente, sugerir outros meios adequados de solução de conflitos e apontar as consequências de cada passo dado pelo cliente, à luz do sistema jurídico. Entretanto, uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) parece transparecer uma visão mais estreita da advocacia e muito limitada do que seria o trabalho de alguém que exerce uma função essencial à Justiça. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DO ADVOGADO. AFASTAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. 1. Ação de execução de título extrajudicial, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 20/6/2023 e concluso ao gabinete em 6/10/2023. 2. O propósito recursal consiste em dizer se, na extinção do processo sem resolução de mérito, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora. 3. A condenação ao pagamento de honorários advocatícios é uma consequência objetiva da extinção do processo, sendo orientada, em caráter principal, pelo princípio da sucumbência e, subsidiariamente, pelo da causalidade. 4. O CPC/2015, ao contrário do CPC/1973, resolvendo antiga celeuma doutrinária e jurisprudencial, é explícito ao estabelecer que os limites e critérios previstos nos §2º e §3º do art. 85 devem ser aplicados independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive às hipóteses de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. (Art. 85, §6º, CPC/2015). 5. Muito embora a regra seja a fixação de honorários sucumbenciais na extinção do processo sem resolução de mérito, impõe-se pontuar que, se os honorários têm por objetivo remunerar a atuação dos advogados, inexistindo qualquer atuação do profissional, não há razão para o arbitramento da verba honorária. 6. Na extinção do processo sem resolução de mérito, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora. 7. Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois em consonância com a tese ora sustentada no sentido de que a inexistência de atuação do advogado da parte vencedora impede a fixação de honorários sucumbenciais em seu favor. 8. Recurso especial não provido. (REsp n. 2.091.586/SE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024, grifos nossos)".  No caso concreto, o Exequente propôs o processo de execução e o Executado foi citado. Porém, por desídia do Exequente, por não ter apresentado o comprovante de recolhimento das custas judiciais, apesar de regularmente intimado para tanto, o processo foi extinto sem resolução do mérito e não foram arbitrados honorários de sucumbência em favor do Executado e seus patronos. Vale observar que houve citação do Executado e que, portanto, não se pode negar a existência de um processo judicial em andamento. Não se pode negar também que o Executado não ficou inerte e teve que contratar um advogado ou advogada. Antes de mesmo de apresentar qualquer defesa, se o caso, é preciso fazer diversos esclarecimentos para o cliente. É um dever de quem exerce a advocacia. Por exemplo, o cliente deve saber que, se pagar em 3 (três) dias, haverá um desconto de 50% (cinquenta por cento) nos honorários advocatícios (CPC, art. 827, § 1º). Ou, ainda, se fizer o depósito de 30% (trinta por cento), no prazo para apresentação de defesa, poderá parcelar o restante em 6 (seis) parcelas mensais consecutivas (CPC, art. 916). Também é preciso avisar o cliente que os seus bens sujeitos a registro podem sofrer as restrições previstas no art. 828, do CPC. Ademais, é preciso avisar que, se forem apresentados embargos, os honorários de sucumbência podem alcançar até 20% (vinte por cento) do valor da causa. Também é preciso alertar para as consequências de se praticar ato atentatório à dignidade da justiça (art. 774, do CPC). Tudo isso sem deixar de informar o cliente de que podem ser tentados métodos consensuais de solução de conflitos, conforme o mandamento do art. 3º, § 3º, do CPC. Portanto, é evidente que a nobre função de advogado ou advogada não se resume a peticionar nos autos do processo. Ela começa a ser exercida muito antes de uma petição ser protocolada. Pensar que o advogado só trabalha quando protocola uma petição nos autos significa o mesmo que acreditar que um atleta de elite só trabalha quando corre a prova de cem metros rasos, durante menos de 10 segundos. Significa desconsiderar todo o trabalho duro que aconteceu antes e depois da corrida. Ou, ainda, significa acreditar que o professor que ministra uma aula de cinquenta minutos não trabalhou antes para preparar a aula e depois para corrigir as atividades feitas pelos alunos. Em resumo, a decisão do STJ acima ementada demonstra uma visão muito limitada do exercício da advocacia. O "trabalho realizado pelo advogado", mencionado no art. 85, § 2º, inciso IV, do CPC, é muito maior do que o protocolo de uma petição no processo e começa bem antes disso. Não é possível presumir que o advogado não trabalhou apenas porque não peticionou nos autos antes da extinção do feito. Conforme é possível verificar no andamento processual no "site" do STJ, tal decisão ainda não transitou em julgado. Portanto, ainda há esperança de que prevaleça uma visão da advocacia mais ampla e aderente à realidade.
A citação por edital, prevista nos arts. 256 a 259 do CPC, é aplicável, dentre outras hipóteses "I- quando desconhecido ou incerto o citando; II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando" (art. 256, caput), de sorte que  o §§s 1º a 3º d 1º do art. 256 define o conceito de citando inacessível, e réu considerado em local ignorado ou incerto.1 A despeito dos critérios objetivos postos nos dispositivos supra citados, recentemente a 3a Turma do STJ autorizou a citação por edital sem a necessidade de recusa do cumprimento de carta rogatória: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. AUSENCIA DE CITAÇÃO. CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU RESIDENTE NO EXTERIOR. ENDEREÇO INCERTO. VALOR DA CAUSA. VALOR DA AÇÃO ORIGINÁRIA. PROVEITO ECONOMICO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Ação de querela nullitatis insanabilis ajuizada em 17/3/20, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 3/11/23 e concluso ao gabinete em 19/5/24. 2. O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de "querela nullitatis". 3. O simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. 4. A negativa da carta rogatória não é pré-requisito para o deferimento de citação por edital quando o citando reside no exterior, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória. 5. Se for incerto o endereço do citando no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória. 6. Sendo o objetivo da "querela nullitatis" declarar a inexistência de sentença em razão da ausência de citação, essa decisão será desconsiderada por inteiro, motivo pelo qual o valor a ser atribuído à ação declaratória corresponderá ao do "decisum" que se pretende declarar inexistente. 7. O valor da causa deve equivaler, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda, ainda que o provimento jurisdicional buscado tenha conteúdo meramente declaratório. Precedentes. (...)" (STJ, Resp 2.145.294-SC, 3a Turma, rel. min. Nancy Andrighi, v.u., j. 18.6.24, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "(...) O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de "querela nullitatis". (...) 1. DA CITAÇÃO POR EDITAL 1. O art. 27 do CPC determina que a cooperação jurídica internacional terá por objeto a citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, além de colheita de provas e obtenção de informações. 2. Entre os mecanismos de cooperação jurídica internacional está a carta rogatória, que pode ser meio de citação quando o citando residir no exterior, em endereço certo e conhecido. 3. Nada obstante, o art. 256, II, do CPC estabelece que a citação por edital será feita quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando. 4. Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr. que o local de citação é incerto, quando, embora se saiba em qual território seja possível encontrar o citando, não se tem o endereço. (Curso de Direito Processual Civil. 21ª ed. Editoria Jus Podium). 5. Assim, sendo incerto o endereço do réu, no Brasil ou no exterior, admite-se a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC. 6. Portanto, embora o art. 256, § 1 º, do CPC, preveja que se considera inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória; isso não significa que a negativa da carta rogatória seja pré-requisito para o deferimento de citação por edital, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória. 7. Dessarte, o simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. Contudo, se for incerto o seu endereço no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória. (...) 3. DO RECURSO SOB JULGAMENTO (...) 25. Dessarte, apesar de haver informação nos autos do processo 0001286-40.2013.8.24.0090 de que a então parte ré, sócia da recorrente (EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS FLORIANED LTDA), estivesse residindo no exterior, o fato de o endereço ser incerto já justifica a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC. 26. Portanto, embora residir em outro país não justifique, por si só, a citação por edital, pois seria possível a solicitação de cooperação jurídica via carta rogatória para a citação, a incerteza do endereço autoriza esta modalidade citatória. (...) " O racional posto nas razões de decidir acima soa acertado. Isso porque malgrado o § 1º do art. 256 do CPC estabeleça ser considerado inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento da carta rogatória, é certo que o § 3º define ser considerado o réu em local ignorado um incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. Logo, o inciso II do art. 256 assegura a citação por edital, dentre outras hipóteses, quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o citando, a reputar-se inacessível a dificuldade de obtenção do endereço do citando. No caso, residente o réu no exterior, não havia como exaurir eventual tentativa de citação por carta rogatória pois desconhecido o endereço do réu, a relacionar o conceito de incerto, na dicção do § 3º supra referenciado. ____________ 1 § 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória. § 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão. § 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.
Cássio Scarpinella Bueno1 define honorários de sucumbência como "aqueles que derivam do resultado da atuação processual", devendo a parte vencida pagar os honorários ao advogado da parte vencedora. Conforme bem pontua Humberto Theodoro Jr.2, "ainda que não haja pedido expresso do vencedor é devido o ressarcimento dos honorários de seu advogado. E, mesmo funcionando o advogado em causa própria, terá direito, se vencedor, à indenização de seus honorários. É que o pagamento dessa verba não é resultado de uma questão submetida ao juiz. Ao contrário, é uma obrigação legal, que decorre automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido omitir-se frente à sua incidência".  O parágrafo primeiro do art. 85 do CPC/15 positiva o entendimento de que, além da fixação dos honorários de sucumbência na sentença referente à lide principal, também são devidos os honorários na reconvenção, no cumprimento provisório ou definitivo da sentença e na execução, seja ela resistida ou não. E o parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15 consagra o princípio da causalidade, sendo que quem deu causa ao processo deve arcar com os honorários de sucumbência na hipótese de perda de objeto da ação.  O STJ, historicamente, prestigia a adoção do princípio da causalidade, tal como previsto no parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15: "3. Ainda que se esvazie o objeto da apelação por superveniente perda do objeto da cautelar, desaparece o interesse da parte apelante na medida pleiteada, mas remanescem os consectários da sucumbência, inclusive os honorários advocatícios, contra a parte que deu causa à demanda. 4. Os honorários advocatícios serão devidos nos casos de extinção do feito pela perda superveniente do objeto, como apregoa o princípio da causalidade, pois a ratio desse entendimento está em desencadear um processo sem justo motivo e mesmo que de boa-fé. 5. São devidos os honorários advocatícios quando extinto o processo sem resolução de mérito, devendo as custas e a verba honorária ser suportadas pela parte que deu causa à instauração do processo, em observância ao princípio da causalidade. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.458.304 / PE, rel. ministro Humberto Martins, Segunda Turma, 18/11/14); e "1. O STJ entende que, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios" (STJ, AgRg no AREsp 539414 / SP, rel. ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, 11/11/14). Neste cenário, em sintonia com o princípio da causalidade, o STJ deu importante contribuição ao estabelecer que o exequente, nas hipóteses de extinção da ação de execução em virtude da prescrição intercorrente (como, por exemplo, em razão da não localização de bens do devedor), não deve ser condenado em honorários de sucumbência. Essa foi a direção adotada pelo STJ no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, no qual a Corte Especial, em 24/11/23, fixou a interpretação de que, para fins do art. 921 do CPC/15, não há condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, caso ocorra a extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente; e isso porque a extinção do caso, nessas hipóteses, ocorre em regra por falta de localização de bens do devedor, o qual, em essência, foi quem deu a real causa para o ajuizamento da execução: "Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais. 3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. 4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens. 5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor." Merece destaque o seguinte trecho do voto do ministro relator Raul Araújo: "Em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade no arbitramento dos ônus sucumbenciais". Muito importante é esse julgamento da Corte Especial do STJ, o qual, em conformidade com os termos do julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, pode ser definido como expressão da jurisprudência dominante da Corte. E, de fato, em situações similares de extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente, o STJ já assinalava a impossibilidade de condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, conforme se nota do julgamento do AgInt no REsp 2.101.827/RJ: "O princípio da causalidade, como parâmetro norteador da definição quanto ao cabimento ou não de honorários de sucumbência, conduz a análise desta Corte em diversas hipóteses semelhantes, afastando-se, regra geral, a condenação do credor em razão da extinção anômala do feito executivo quando a parte devedora tenha dado causa à demanda. Observem-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp 1.958.233/GO, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/10/22, DJe de 6/10/22; AgInt no AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp 1.613.332/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 29/9/22; AgInt no AgInt no AREsp 2.037.941/PR, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 30/9/22". Igual orientação foi adotada nos seguintes casos: "1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em caso de extinção da execução, por reconhecimento da prescrição intercorrente, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios e custas judiciais. 2. O reconhecimento da prescrição intercorrente, por ausência de localização de bens penhoráveis, não retira do executado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais. Efetivamente, a causa do ajuizamento da execução, seja por título judicial ou extrajudicial, é o inadimplemento do devedor". (AgInt no REsp 2114487/MG). "O reconhecimento da prescrição intercorrente não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação" (AgInt no REsp 1.849.437/SC, rel. ministro Gurgel De Faria, Primeira Turma, DJe de 28/10/20). "Assim como ocorre nas hipóteses de execução frustrada ou reconhecimento de prescrição intercorrente, afigura-se um contrassenso condenar o credor ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em razão da extinção parcial e anômala do feito executório, em razão da aprovação do plano de recuperação judicial da parte devedora", de modo que "mostra-se oportuno que o princípio da causalidade incida em desfavor da parte executada, já que foi a causadora da demanda executiva ao deixar de cumprir espontaneamente e tempestivamente com a obrigação evidenciada no título executivo" (AgInt nos EDcl no AREsp 1.959.034/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 31/3/22). A orientação do STJ, acima firmada no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, é classificada pela própria Corte Superior como "jurisprudência dominante", nos moldes do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, razão pela qual, em homenagem à segurança jurídica, deve ser observada pelas demais cortes do país. _____________ 1 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 276. v. 1.  2 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 47ª. ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 106. v.1.
A jurisprudência defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas nessa coluna CPC na Prática1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social. Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual.2 Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 2ª Seção do STJ, que, de forma unânime, previu a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso. Todos os usuários dos muitos sistemas de processos eletrônicos utilizados por nossos Tribunais sabem das dificuldades que muitas vezes são enfrentadas para a consulta do teor dos autos ou mesmo para o protocolo de prazos. Essas instabilidades muitas vezes não são certificadas de imediato e há sempre o risco de termos a decretação de uma intempestividade em virtude de problemas técnicos alheios às partes. Desse modo, é de se comemorar o referido julgado que está assim ementado: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA ENTRE JULGADO DA TERCEIRA E DA QUARTA TURMA DO STJ. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. COMPROVAÇÃO. INSTABILIDADE SISTEMA DE ELETRÔNICO. ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. TEMPESTIVIDADE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO PRAZO. Embargos de divergência em agravo em recurso especial opostos em 21/3/24 e conclusos ao gabinete em 16/4/24. O propósito recursal é dirimir suposta divergência em relação à possibilidade de comprovar a indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao da interposição do recurso. A lei do processo eletrônico determina, em seu art. 10, que se o sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. É entendimento deste STJ que a mera alegação de indisponibilidade do sistema eletrônico do Tribunal, sem a devida comprovação, mediante documentação oficial, não tem o condão de afastar o não conhecimento do recurso, em razão da impossibilidade de aferição da sua tempestividade. Um dos documentos idôneos a comprovar a indisponibilidade do sistema é o relatório de interrupções, que deve ser disponibilizado ao público no sítio do Tribunal, conforme disciplina o art. 10, da resolução 185 do CNJ. É desarrazoado exigir que, no dia útil seguinte ao último dia de prazo para interposição do recurso, a parte já tenha consigo documentação oficial que comprove a instabilidade de sistema, sendo que não compete a ela produzir nem disponibilizar este registro. Este Tribunal da Cidadania não pode admitir que a parte seja impedida de exercer sua ampla defesa em razão de falha técnica imputável somente ao Poder Judiciário, notadamente porque ao menos há fundamentação legal para tanto. A regra do art. 1.003, §6º, do CPC, trata somente dos feriados locais, não devendo ser aplicada extensivamente às situações que versem sobre instabilidade do sistema eletrônico, pois é fato novo e inesperado o qual a parte não necessariamente terá como comprovar até o dia útil seguinte. A fim de evitar-se uma restrição infundada ao direito da ampla defesa, necessário interpretar o art. 224, §1º do CPC de forma mais favorável à parte recorrente, que é mera vítima de eventual falha técnica no sistema eletrônico de Tribunal. Admite-se a comprovação da instabilidade do sistema eletrônico, com a juntada de documento oficial, em momento posterior ao ato de interposição do recurso. Embargos de divergência conhecidos e providos para declarar a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso." (g.n.) (EAREsp n. 2.211.940/DF, relatora ministra Nancy Andrighi, 2a Seção, julgado em 12/6/24, DJe de 18/6/24.) Deve-se alertar que mesmo com esse julgamento unânime, o ideal é que a parte seja precavida e não deixe para obter as cópias ou mesmo protocolizar suas petições nas últimas horas ou dias do prazo fatal, eis que os sistemas eletrônicos ainda apresentam muitas falhas e deve-se evitar dissabores e discussões processuais, que só atrasam a tramitação do feito.   Portanto, é de enaltecer tais decisões que afastam rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam para que o STJ efetivamente exerça o seu papel de responsável por uniformizar a interpretação da lei federal. _________ 1 Disponível aqui.  Disponível aqui.  Disponível aqui. 2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Marco Félix Jobim e  Fabrício de Farias Carvalho (Revista de Processo: RePro, São Paulo, v. 44, n. 298, dez. 2019): "Todavia, além da contribuição legislativa e doutrinária, que já vem cumprindo seu papel de forma eficiente, é necessária uma abertura dos tribunais ao novo modo de pensar o processo, em especial, sob o prisma da primazia do julgamento de mérito, rechaçando-se posturas jurisprudenciais defensivas e otimizando-se, mediante interpretação adequada ao modelo constitucional de processo, a aplicabilidade das regras aqui tratadas, para que as mesmas não tenham seu alcance tolhido por posições descomprometidas com um processo digno."
A gratuidade da justiça prevista nos arts. 98 e seguintes do CPC e na lei 10.060/50 visa proporcionar o acesso à justiça aos necessitados, considerados, "(...) para os fins legais todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família."1 A extensão do benefício contempla não só as custas judiciárias, quando cabíveis, mas todo o custo financeiro destinado a prática do ato processual, à exemplo de honorários dos peritos (art. 3º da lei 1.060/50 e art. 98, § 1º, I a IX do CPC). O conceito jurídico indeterminado "insuficiência de recursos" (art. 98, caput, do CPC) ou "situação econômica não lhe permita pagar" é tema de recorrente indagação na doutrina e definição de constante intepretação pela jurisprudência. Recentemente a segunda turma do STJ decidiu que o enquadramento na faixa de isenção do imposto de renda não é critério hábil a autorizar o deferimento da assistência judiciária gratuita: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS. ART. 99, § 5º, DO CPC/2015. ADVOGADO NÃO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. INTIMAÇÃO. RECOLHIMENTO EM DOBRO. ART. 1.007, § 4º, DO CPC/2015. PREPARO. AUSÊNCIA. DESERÇÃO CONFIGURADA. SÚMULA 187/STJ. 1. A jurisprudência do STJ, em conformidade com o art. 99, § 5º, do CPC/2015, firmou o entendimento de que, tratando-se de recurso que versa exclusivamente sobre o valor dos honorários de sucumbência fixados em favor do advogado da parte que formulou pedido de gratuidade da justiça, como no presente caso, tal recurso estará sujeito a preparo, ressalvada a hipótese em que o próprio advogado demonstrar que tem direito à assistência judiciária gratuita. 2. Desse modo, o benefício da gratuidade de justiça concedido à parte autora do processo principal não se estende ao seu procurador, que, nos autos, executa apenas os honorários advocatícios, salvo se comprovada por este a necessidade pessoal para auferir tal benefício, o que não ocorreu na espécie. 3. Outrossim, cumpre esclarecer que o STJ também vem rejeitando a adoção do critério de enquadramento na faixa de isenção de Imposto de Renda como critério para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita 4. Ademais, eventual deferimento de tal pedido após a interposição do Recurso Especial não teria efeito retroativo, não isentando a parte do recolhimento do respectivo preparo quando da interposição do apelo. Isto é, ainda que o pedido de justiça gratuita formulado no reclamo fosse deferido, o deferimento não teria o condão de afastar a deserção do recurso, o qual continuaria não sendo conhecido. 5. Nesse panorama, verifica-se que o Recurso Especial não foi oportunamente preparado e que, embora regularmente intimado para realizar recolhimento em dobro das custas processuais, a parte não o fez. Incide, no caso, o disposto na Súmula 187/STJ. 6. Agravo Interno não provido." (STJ, AGInt. no AResp. n. 2441809/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 8/04/2024, grifou-se)  O voto condutor bem elucida:  (...) Outrossim, cumpre esclarecer que o STJ também vem rejeitando a adoção do critério de enquadramento na faixa de isenção de Imposto de Renda como critério para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita Ademais, eventual deferimento de tal pedido após a interposição do Recurso Especial não teria efeito retroativo, não isentando a parte do recolhimento do respectivo preparo quando da interposição do apelo. Isto é, ainda que o pedido de justiça gratuita formulado no reclamo fosse deferido, o deferimento não teria o condão de afastar a deserção do recurso, o qual continuaria não sendo conhecido. A propósito: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO PREPARO NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. DESERÇÃO CARACTERIZADA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFERIMENTO TÁCITO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS EX NUNC. DECISÃO MANTIDA. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais e morais. 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, a parte recorrente deve comprovar, no momento da interposição do recurso especial, o recolhimento das custas e do porte de remessa e retorno devidos à União, bem como dos valores locais, estipulados pelo Tribunal de origem. Precedentes. 3. A ausência de comprovação de recolhimento do preparo no ato da interposição do Recurso Especial implica sua deserção. Incidência da Súmula 187 desta Corte. 4. O benefício da gratuidade judiciária não tem efeito retroativo, de modo que a sua concessão posterior à interposição do recurso não tem o condão de isentar a parte do recolhimento do respectivo preparo. Desse modo, nem mesmo eventual deferimento da benesse nesta fase processual, descaracterizaria a deserção do recurso especial. Precedentes. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.380.943/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023.) Nesse panorama, verifica-se que o Recurso Especial não foi oportunamente preparado e que, embora regularmente intimado para realizar recolhimento em dobro das custas processuais, a parte não o fez. Incide, no caso, o disposto na Súmula 187/STJ. Ausente a comprovação da necessidade de retificação a ser promovida na decisão agravada, proferida com fundamentos suficientes e em consonância com entendimento pacífico deste Tribunal, não há prover o Agravo Interno que contra ela se insurge. Por tudo isso, nego provimento ao Agravo Interno. É como voto. (...)"  Deveras, o entendimento supra citado (i) não só defende que o enquadramento na faixa de isenção de imposto de renda não é elemento suficiente a autorizar a concessão da gratuidade, (ii) mas também fundamenta, ao menos no que tange a interposição do recurso especial, que eventual gratuidade postulada no ato de interposição de recurso somente terá efeitos após o respectivo deferimento, não tendo este, todavia, o condão de retroagir ao ato processual quando da interposição de recurso. Em outras palavras, embora formulado o pedido de gratuidade da justiça quando interposto o recurso, eventual deferimento não contemplará o preparo recursal. Respeitado entendimento em sentido contrário o julgado acima soa parcialmente equivocado. No tocante ao entendimento de que a faixa de isenção de imposto de renda não implica deferimento automático da gratuidade da justiça, tal pensar soa razoável, porquanto outros elementos de prova poderão ser cotejados com vistas a aferir a real necessidade do benefício (a exemplo de extrato de conta corrente e faturas de cartão de crédito, comummente exigido por alguns magistrados). Todavia, entender que a gratuidade da justiça uma vez deferida, não retroagirá ao ato processual quando de seu requerimento reflete negar o próprio benefício. O CPC é claro em autorizar a concessão da gratuidade limitada a prática de "(...) algum ou a todos os atos processuais." (art. 98, § 5º), o que significa dizer que por vezes a parte não terá capacidade financeira para a prática de um único ato processual, a exemplo do recolhimento de custas de preparo em dado recurso. Logo, se por vezes a parte não dispõe de capacidade financeira para recolher o preparo necessário ao conhecimento do recurso a ser interposto e formula aludido pleito quando de sua tempestiva interposição, soa contraditório acolher o entendimento de que, malgrado a gratuidade venha a ser deferida, esta terá efeito após o seu deferimento, a ponto da benesse não poder ser estendida ao próprio fato gerador do pleito de gratuidade formulado, qual seja, o recolhimento das custas de preparo recursal. Acolher tal entendimento, com a venia de sempre, significa obrigar a parte a a) formular o pleito de gratuidade antes da interposição do recurso e b) correr para sua apreciação com urgência, c) em tempo hábil para que a benesse seja examinada e deferida antes da interposição, e, desta feita, ficará segura quanto a não aplicação da pena de deserção. __________ 1 Parágrafo único do art. 2º da lei 1.060/50.
Eugen Ehrlich sabiamente proclamou que o Direito é um mero lago em um oceano de fatos. Nesse contexto, tanto o processualista como o legislador possuem a difícil missão de sempre adaptar e/ou transformar o sistema normativo diante das intermináveis mutações fáticas.  É nesse cenário que esse humilde e breve artigo apresentará alguns pontos de diálogo entre o universo da internet e a legislação processual, tendo-se como objetivo demonstrar que possivelmente estamos no início de uma longa caminhada para adaptar os veículos do processo civil às infinitas evoluções da tecnologia.  O clássico processo civil, tido como ciência social prática voltada a instrumentalizar a satisfação do direito material a ser tutelado, precisa naturalmente conviver, nos tempos modernos, com uma realidade tecnológica avançada; o que exige, portanto, não só a adaptação profissional daqueles que militam nos pretórios, como também um olhar cauteloso sobre como zelar pela segurança jurídica e pelas garantias constitucionais em uma era cada vez mais regida por ferramentas virtuais. O CPC/15, de certa forma, já entrou em vigor com previsões contemporâneas a esse inevitável movimento tecnológico. Mas, por certo, mesmo após a vigência do diploma processual, ocorreram inserções no Código inspiradas nas novas tecnologias; tudo de modo a se demonstrar que as adaptações normativas, com esse vetor de diálogo entre direito e novas tecnologias, vieram para ficar. Um primeiro exemplo se encontra logo no art. 193 do CPC/15, que estipula que: "Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei".  E, em sintonia com os pilares fundamentais da publicidade e do contraditório, o art. 194 do CPC/15 prescreve que: "Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções." Cada vez mais, na rotina do nosso contencioso, ocorrem comunicações e práticas de atos processuais através de plataformas virtuais, sendo que esses importantes arts. 193 e 194 se mostram bem frequentes no cotidiano forense.  Com preocupação quanto à segurança jurídica, o art. 195 do CPC/15 orienta que: "O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei". E, com a mesma diretriz, é a previsão do art. 197 do CPC/15: "Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade." Para comprovar que a era da tecnologia já é um fator dominante para o modelo processual, o art. 246 do CPC/15 prescreve que a citação deve ser feita preferencialmente por meio eletrônico: "A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do CNJ." Aliás, o art. 246 do CPC/15 tem forte ligação com a portaria CNJ 46, a qual dita que, desde 1/3/24, grandes e médias empresas devem se cadastrar no Domicílio Judicial Eletrônico, integrante do Programa Justiça 4.0 do CNJ, que tem como finalidade centralizar as comunicações de processos em uma única plataforma digital. O art. 270 do CPC/15, na mesma direção, estabelece que: "As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei". Em aplaudido prestígio ao princípio da imediatidade do julgador com a prova oral produzida em audiência, o parágrafo terceiro do art. 385 do CPC/15 possibilita a realização, por vídeo conferência, do depoimento pessoal de parte que reside em comarca diferente da que está tramitando o feito: "§ 3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento". Com idêntica finalidade, para fins da prova testemunhal, é a previsão do parágrafo primeiro do art. 453: "§ 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento". Pode-se afirmar, aliás, que a prática de audiências e julgamentos virtuais tornaram-se muito frequentes na era pós pandemia relativa ao vírus Covid-19, razão pela qual o CNJ proferiu o ato normativo 0003090-74.2022.2.00.0000, de 21/6/22, para melhor reger a realização das videochamadas. Ainda no ambiente das provas, o art. 441 do CPC/15 expressamente admite o documento eletrônico: "Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica". Inegável que cada vez mais a produção de documentos ocorre nos ambientes virtuais, sendo certo que, não raro, importantes negociações acabam sendo realizadas e documentadas através de plataformas digitais.  Atento a isso, o art. 784 do CPC/15 reconhece o documento eletrônico como título executivo, salientando, em seu parágrafo 4º, que: "Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura".  Nunca é demais frisar que a segurança jurídica no manejo dos atos e negócios eletrônicos é estrutura fundamental para a higidez do procedimento executivo, de tal modo que se recomenda sempre o uso de plataformas digitais que possam conferir garantia de autenticidade das assinaturas a serem inseridas nos documentos.  Em aliança com a busca de efetividade e eficiência nos atos executivos, conforme previsões dos arts. 4º e 8º do CPC/15, as técnicas de investigação patrimonial e de penhora, na era da internet, ganharam velocidade através dos famosos sistemas da família "Jud", implementados pelo CNJ: Sisbajud; CCS-Bacen; Infojud; Infoseg; Renajud; SerasaJud; Sniper; SREI e SNGB - Sistema Nacional de Gestão de Bens. A notória penhora online tem minuciosa previsão no art. 854 do CPC/15 e é, sem dúvida, uma grande ferramenta para a célere busca de patrimônio do devedor no procedimento executivo: "Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução". Os breves pontos de diálogo acima elencados entre o CPC/15 e o mundo da internet não são exaustivos, tanto que as noticiadas recentes formas de as Cortes nacionais se organizarem para otimizar e realizar os seus trabalhos estão fortemente influenciadas pelos movimentos de automação e de aplicação de IA.  A busca de um Poder Judiciário 4.0 é regida por iniciativas de gestão de dados, categorização de atos processuais e otimização de atividades.  Segundo pesquisa do CNJ, houve um grande aumento no volume de projetos de IA no Poder Judiciário, sendo que em 2022 foram apontadas 111 iniciativas, com 53 Tribunais no país já aplicando formas avançadas de tecnologia para a prática de atos processuais.  O Janus, como exemplo, é uma solução que automatiza tarefas repetitivas e utiliza a IA para apoiar o julgamento de pedidos de candidatura e tentar agilizar na prestação de contas eleitorais. Outro projeto é o Gemini, que agrupa processos por similaridade de tema nas unidades de primeiro e segundo grau da Justiça do Trabalho, podendo ajudar a acelerar os julgamentos. Por sua vez, a Sofia, assistente virtual de atendimento (chatbot) nos juizados especiais do TJ/BA, utiliza IA na triagem automática de processos. O Amon, ainda em fase de teste, permite reconhecimento facial a partir de imagens e vídeos atendendo algumas necessidades da segurança interna do Tribunal.  Já o Toth, em fase de estudos, permitirá análise da petição inicial do advogado buscando recomendar a classe e os assuntos processuais a serem cadastrados no PJE durante a autuação. A maioria das iniciativas do Poder Judiciário está voltada para o levantamento, a classificação e gestão de dados. Mas, não há dúvidas de que existem estudos para implementação de IA para auxiliar na elaboração de textos jurídicos, para reconhecer visualmente detentos, para identificar classe e assunto de processo a partir dos termos da petição inicial, para identificar e categorizar processos com semelhanças e para fins de identificação de relevância e/ou repercussão geral e para otimizar movimentos processuais.  Destaca-se, ainda, o Projeto Victor, fruto de uma parceria entre o STF e a Universidade de Brasília, o qual foi idealizado para auxiliar a Corte Suprema na análise dos recursos extraordinários, especialmente quanto à sua classificação em temas de repercussão geral de maior incidência. No STJ, destaca-se o projeto Sócrates 2.0, concebido como uma plataforma composta por: Sistema de gerenciamento de normas; Sistema de gerenciamento de controvérsias; Sistema de gerenciamento de modelos; Pesquisa automática de jurisprudência; Pesquisa automática de doutrina;  Sistema de gerenciamento de acervo por controvérsias. Como visto, a era da tecnologia veio para transformar a rotina das atividades forenses, sendo que pontos de conexão entre o CPC/15 e o universo da internet naturalmente não se limitam aos humildes e breves exemplos acima elencados.  E em um momento de celebração de aniversário do Marco Civil da Internet, sem prejuízo da importância magistral da lei 12.965/14 como um todo, destaca-se, para fins da instrumentalização dos atos processuais, a fundamental observância do art. 3º, V, desta norma: "Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas".  Naturalmente, por fim, a evolução normativa do sistema processual prosseguirá, ainda que com atrasos, sempre buscando-se se adaptar às velozes mutações da tecnologia; em mais uma demonstração de que o direito, claro, é um mero lago em um oceano de fatos.
A possibilidade de fixação de honorários equitativos também nos casos de grande vulto é sem dúvida uma das maiores controvérsias do Código de Processo Civil de 2015 e já foi abordado por diversas vezes em nossa coluna.  De fato, entre as novidades do CPC/2015 quanto aos honorários está a restrição à sua fixação por equidade e que era amplamente aplicada no CPC/1973. De acordo com o § 8º, do artigo 85 do CPC, a equidade na fixação dos honorários advocatícios só pode se dar para aumentar honorários que seriam irrisórios1.  Entretanto, muitos juízes e Tribunais passaram a entender que o previsto no § 8º teria uma mão dupla, isto é, seria aplicado para aumentar honorários irrisórios e, também, poderia ser aplicado para diminuir honorários tidos por exorbitantes.  A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao afastar tal possibilidade no julgamento do Tema 1.076 parecia ter dado ponto final à discussão.  Entretanto, a controvérsia foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que para surpresa de muitos entendeu que a questão seria constitucional e teria repercussão geral. No dia 24/5/2024 foi publicado o esperado acórdão do Recurso Extraordinário nº 1.412.069, relatado pelo ministro André Mendonça. Nele restou esclarecido que o Tema de Repercussão Geral n.º 1.255 se restringe às demandas em que a Fazenda Pública é parte.  Essa conclusão é extraída, principalmente, dos seguintes trechos do voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes:  "Em suma, discute-se no presente Recurso Extraordinário se a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve sempre e necessariamente ter por critérios os previstos nos §§ 3º a 6º do art. 85 do CPC - ou se, em determinados casos, cabe a aplicação do § 8º do referido dispositivo legal" (pg. 31 do acórdão)  "A discussão, que tem o potencial de reproduzir-se em inúmeras causas, envolve o dispêndio de vultosas verbas públicas, em hipóteses nas quais, em princípio, não houve contraprestação que o justifique." (pg. 34 do acórdão)  "De fato, em se tratando de valores expressivos de dinheiro público, é preciso avaliar se a opção do legislador, segunda a visão que lhe conferiu o STJ, passa no teste de constitucionalidade" (pg. 36 do acórdão) Portanto, em processos envolvendo particulares, não há nenhuma razão para a não aplicação do tema 1.076 do STJ e a fixação dos honorários advocatícios entre 10% e 20%, nos termos do artigo 85, § 2, do CPC.  Se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Nesses casos, o legislador houve por bem afastar a equidade e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários-mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo e pelo interesse público que ela representa.  Desse modo, espera-se que o Supremo Tribunal Federal respeite a opção do legislador de afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios, criando critérios objetivos para tal fixação. De fato, o CPC/15 procurou afastar subjetivismos dos magistrados ao fixar honorários muito dispares nas ações que envolvem os entes públicos. __________ 1 Nesse sentido o professor Cássio Scarpinella Bueno defende que "Sua aplicação, todavia, deve ficar restrita às hipóteses referidas no próprio § 8º do artigo 85, isto é, quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando se tratar de valor da causa tão baixo que a fixação percentual referida nos §§ 3º e 4º do mesmo art. 85 não teria o condão de remunerar condignamente o trabalho do advogado. Entendimento contrário seria fazer prevalecer regra similar à do § 4º do art. 20 do CPC de 1973 que foi, como já destaquei acima, abolida do sistema processual pelo CPC de 2015." ("Honorários Advocatícios e o art. 85 do CPC de 2015: reflexões em homenagem ao professor José Rogério Cruz e Tucci", Estudos de Direito processual Civil em homenagem ao Professor José Rogério Cruz e Tucci, Salvador: Jus Podivm, 2018, p.134.
quinta-feira, 23 de maio de 2024

A impenhorabilidade presumida na visão do STJ

A penhora de ativos financeiros está consagrada no art. 854 do CPC, cujo regramento processual, uma vez cumprida a ordem inicial de bloqueio de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, preceitua (i) que no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do cumprimento da ordem, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), (ii) e, uma vez intimado o executado quanto eventual bloqueio exitoso ao credor, caberá a este o ônus de demonstrar que tais valores são impenhoráveis ou houve bloqueio em excesso ao quantum debeatur (art. 854, § 2º). Tal regramento, em atendimento ao Princípio da Execução, encontra seu contraponto no art. 833, X, do CPC, forte em dizer ser impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança em até 40 (quarenta) salários mínimos1. Malgrado o art. 854, § 2º determine o ônus do Executado suscitar eventual impenhorabilidade, a Primeira Turma do STJ recentemente decidiu que valores penhorados, em quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, detém impenhorabilidade presumida, cabendo ao juiz, de ofício, determinar sua liberação, (i) independentemente de ouvir o credor e, (ii) cabendo a este o ônus de demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA ON-LINE. SISTEMA BACENJUD. VALORES INFERIORES A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. PROVIMENTO NEGADO. 1. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos. Isso porque, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento." (STJ, Agint no AResp 2220880/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 26.02.2024, v.u., grifou-se)  O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas:  (...) A controvérsia dos autos cinge-se à (i)legitimidade do reconhecimento, de plano, da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, isso porque, além de as matérias de ordem públicas serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. A propósito, cito os seguintes precedentes desta Corte: ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. PENHORA. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE DESBLOQUEIO EX OFFICIO. 1. A penhora eletrônica não pode descurar-se do disposto no art. 833, X, do CPC, uma vez que "a previsão de impenhorabilidade das aplicações financeiras do devedor até o limite de 40 salários-mínimos é presumida, cabendo ao credor demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias de cada hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário" (AREsp n. 2.109.094, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe de 16/8/2022).   2. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte de Justiça, a impenhorabilidade constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, não havendo falar em nulidade da decisão que, de plano, determina o desbloqueio da quantia  legalmente penhorada. 3. Agravo interno não provido (AgInt no AREsp 2.151.910/RS, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/09/2022, DJe de 22/09/2022, destaquei).  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa aos art. 1.022 do CPC/2015. 2. São impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativo financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida. Precedentes: AgInt no AREsp n. 2.209.418/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023; EDcl no AgInt no AREsp n. 2.109.465/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/12/2022, DJe de 19/12/2022; AgInt no REsp n. 2.036.049/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.158.284/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 4/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.149.064/PR, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 28/10/2022. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.358.584/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) A Corte regional, como visto, decidiu em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, razão pela qual o acórdão recorrido não merece reparos. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno."  Respeitado entendimento em sentido contrário o julgado acima soa equivocado. A uma, o art. 854, § 2º do CPC dispõe expressamente ser ônus do executado suscitar eventual impenhorabilidade, não se podendo falar em impenhorabilidade presumida. A duas, a única hipótese que o CPC autoriza o cancelamento ex oficio da ordem de indisponibilidade ou penhora online é limitada a indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), o que também não se confunde com o acolhimento, ex oficio, de uma impenhorabilidade presumida. A três tal qual fundamento no aresto, se caberá ao credor a "(...) demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor", em que momento lhe será assegurada tal oportunidade de contraditório se antes disso já restar cancelada a ordem de penhora ex oficio? A quatro, não se pode olvidar a implementação, via sistema SISBAJUD, das repetições programadas de ordem de bloqueio de depósito em contas corrente ou ativos financeiros (teimosinha), cujas repetições de bloqueio recorrentes podem se estender até 30 (trinta) dias. Melhor seria ao magistrado ao menos aguardar o fim de aludido período com vistas a verificar se o total dos valores bloqueados no curso de 30 (trinta) dias transcende o limite legal de 40 (quarenta) salários mínimos. __________ 1 Posteriormente referida limitação de impenhorabilidade restou estendida pelo STJ para ativos financeiros que não sejam interpretados como reserva de capital, a exemplo de valores depositados em conta corrente.
Conforme veiculado na semana anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese relativa ao tema repetitivo n. 769. Como se sabe, a questão submetida a julgamento foi a definição, no âmbito da execução fiscal, a respeito: "i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela Lei 6.830/1980; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade"1. A tese firmada, conforme bem noticiado por Elias Marques de Medeiros Neto nessa Coluna2, foi a seguinte: "I - A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora de faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei 11.382/2006; II - No regime do CPC/2015, a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada; III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro; IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805, parágrafo único, do CPC/2015; art. 620, do CPC/1973): a) autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado". Apesar de o tema versar sobre recursos repetitivos, não se pretende aqui repetir o que foi muito bem colocado anteriormente nesta Coluna na semana passada. O objetivo é tratar apenas de uma das afirmações contidas na tese firmada, a de n. III, a saber: "A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro". Esta colocação feita pelo relator Min. Herman Benjamin, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.835.864/SP, na Primeira Seção, julgado em 18/4/2024, publicado no DJe de 9/5/2024, é muito relevante e vale a pena transcrever este trecho da ementa: "10. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, até porque em tal hipótese a própria Lei de Execução Fiscal seria incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo em que classifica a expressão monetária como o bem preferencial sobre o qual deve recair a penhora (art. 11, I), expressamente registra que a penhora sobre direitos encontra-se em último lugar (art. 11, VIII) e que a constrição sobre o estabelecimento é medida excepcional (art. 11, § 1º) - em relação aos dispositivos dos CPCs de 1973 e atual, vale a mesma observação, como acima descrito. 11. Mesmo a mudança de patamar da penhora de faturamento (que deixou de ser medida excepcional, segundo a disciplina da Lei 11.382/2006 e do novo CPC) não altera a conclusão acima, pois o legislador expressamente previu, como situações distintas, a penhora de dinheiro e do faturamento.  No sentido de rejeitar a equiparação entre tais bens: REsp 1.170.153/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.6.2010; AgRg no Ag 1.032.631/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.3.2009; AgRg no Ag 1.368.381/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23.4.2012". Em síntese, a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, pois o Código de Processo Civil (CPC) estabelece situações distintas para cada uma, bem como requisitos específicos, assim como o faz a Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/1980). O art. 835, caput, do CPC, estabelece que "a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem (...)" para em seguida, colocar a penhora de dinheiro no inciso I ("dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira") e a sobre faturamento no inciso X ("percentual do faturamento de empresa devedora"). Tal ordem não é rígida, em razão do disposto no § 1º do mesmo artigo: "é prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto". A Lei de Execuções Fiscais, por sua vez, prescreve que a penhora ou arresto de bens observará a seguinte ordem: "I - dinheiro"; (...) "§ 1º Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção" De qualquer ângulo que se examine a questão, o CPC e a Lei de Execuções Fiscais (LEF) trataram de formas distintas e penhora em dinheiro e a penhora sobre faturamento de empresa, tanto que a previsão da possibilidade de elas acontecerem, seja no processo civil ou na execução fiscal, está colocada em lugares diferentes de ambos os diplomas legais (CPC, art. 835, incisos I e X; LEF, art. 11, inciso I e § 1º). A única diferença é que a LEF previa como excepcional a medida de penhora de faturamento e agora, após o julgamento do repetitivo que resultou no Tema n. 769 do STJ, não há mais esta excepcionalidade na execução fiscal. Diante do exposto, a conclusão só pode ser uma: a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada a penhora sobre dinheiro na execução fiscal, sendo esta última prioritária, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput do art. 835 do CPC, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. __________ 1 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024). 2 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024).
Como já havíamos alertado em artigo publicado nessa coluna, o STJ havia afetado para julgamento sob rito dos repetitivos alguns recursos especiais, gerando-se o Tema Repetitivo 769, cuja questão submetida a julgamento foi a seguinte: "Definição a respeito: i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela lei 6.830/80; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade". 1 E, ao apreciar o tema, com o julgamento dos REsps 1.666.542, 1.835.864 e 1.835.865, com a relatoria do ministro Herman Benjamin, a 1ª seção do STJ reconheceu expressamente que a penhora sobre o percentual do faturamento de empresa pode ocorrer sem a necessidade do prévio esgotamento das diligências para a busca de outros bens. A tese do Tema 769, desta forma, ficou assim fixada: "A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para penhora do faturamento foi afastada após a reforma do CPC/73, pela lei 11.382. No regime do CPC/15, a penhora do faturamento listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial poderá ser definida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação. A constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender nos termos do art. 835, parágrafo 1º, do CPC/15. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro. Na aplicação do princípio da menor onerosidade, art. 805, parágrafo 1º, do CPC/15 e, similarmente, o art. 620 do 1.973: (i) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; (ii) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito a autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado". 2 Já defendíamos que a excepcionalidade estipulada no art. 866 do CPC deveria ser relativizada pelo STJ, conferindo-se mais eficiência no manejo da importante constrição sobre parcela do faturamento da empresa devedora. Por isso, é com aplausos que recebemos essa importância notícia do julgamento do Tema 769. Lembramos que o art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida". O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15. Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade online, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15. E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa.  Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor,3 em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador. E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica. A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa. A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado, aí se incluindo as eventuais providências, naquilo que couber, dos arts. 855 a 860 do CPC/15, caso venha a ocorrer a natural associação entre recebíveis oriundos de créditos e outros direitos patrimoniais e o faturamento da companhia. O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi,4 em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora.5 O administrador deve ter a cautela de não comprometer o funcionamento da empresa, conforme bem lembra o professor português J.P. Remédio Marques,6 em lição referente ao instituto da penhora de empresa existente no direito português: "Porque de uma organização de factores de produção se trata, a penhora do estabelecimento não deve obstar ao prosseguimento do giro comercial (ou industrial), conforme se consigna no n. 3 do art. 862-A." E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes." 7 Quanto ao procedimento da penhora de faturamento, de início esclarece-se que o magistrado, atendendo a requerimento do credor, pode, em decisão adequadamente motivada, deferir a constrição sobre o percentual do faturamento da empresa devedora, nos termos dos arts. 835, X, e 866 do CPC/15. Esta decisão pode ser objeto de agravo de instrumento a ser manejado pelo devedor, o qual também pode propor ao magistrado a substituição da penhora, seja com base nos arts. 805 e 847 do CPC/15, seja com base no art. 848 do CPC/15. O magistrado, após ouvir o credor, decidirá pela substituição da penhora de faturamento por outra modalidade de penhora, sendo certo que esta decisão também pode ser objeto de agravo de instrumento.  Nos termos dos arts. 838 e 840 do CPC/15, a penhora se aperfeiçoa com a indicação de um depositário, o qual, no caso, terá a incumbência de elaborar um plano de atuação e de pagamento para o credor, plano este que deverá ser chancelado e fiscalizado pelo magistrado.  Ao indicar o depositário, cumpre ao magistrado fixar sua remuneração, nos termos do art. 160 do CPC/15, remuneração esta que deverá ser inicialmente arcada pelo credor; o qual, todavia, deverá ser reembolsado quando do pagamento do que lhe é devido na execução. Entende-se que o depositário deve ser um expert, um verdadeiro especialista no ramo de contabilidade e/ou economia e/ou administração de empresas, além de conhecer o setor de atividade da empresa executada. Deve ser administrador qualificado. Como lembra Araken de Assis,8 o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora. Carlos Henrique Abrão9 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade". As partes podem recorrer da indicação do depositário, caso alguns dos requisitos essenciais para sua nomeação não tenham sido observados pelo magistrado. E tanto para que o expert possa elaborar o seu plano de atuação, como adequadamente atuar na sua efetivação, é certo que ele precisa ter acesso aos documentos necessários para compreender as fontes de receita que a empresa possui, além de suas dívidas e despesas em geral; verificando a real necessidade de capital de giro do devedor. O depositário administrador, na elaboração do seu plano de pagamento, deverá levar em consideração as fontes de receita da empresa, a sua necessidade de capital de giro, o valor do crédito executado, o tempo razoável para que o débito possa ser pago, a existência de créditos preferenciais e as demais dívidas e despesas do devedor. Também deverá, o administrador, apontar a sua forma de atuação, delimitando os poderes de gestão que são necessários para a implementação do plano. Carlos Henrique Abrão,10 sobre a atividade do administrador, enfatiza que: "Adjetivar o pressuposto do encargo significa emprestar ao administrador judicial inerente responsabilidade, isso porque não intervém como gestor, ou gerente delegado, mas exclusivamente funciona para verificar aquilo que é possível dentro da constrição determinada. Identificado com a realidade de sua atividade, o administrador judicial, arregaçando as mangas, deve conhecer o procedimento e verificar o crédito exigido e quais os percentuais necessários à tomada de decisão. A integração da medida judicial implica na agilidade do administrador para assumir o compromisso e apresentar ao juízo estimativa do custo e o plano de pagamento. Com razão, o desinteresse do administrador ou sua letargia, no cumprimento da ordem judicial, invariavelmente representa fator negativo que desarticula o alcance pretendido." Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se sobre a receita bruta como um todo, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo. Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes deverão ser ouvidas, em contraditório,11 quanto aos termos do plano de pagamento, cabendo ao magistrado, em decisão motivada, recorrível por agravo de instrumento, homologar o plano ou determinar que o administrador apresente esclarecimentos ou o refaça.12 Com a homologação do plano, compete ao administrador zelar pela sua efetiva realização, atuando dentro dos limites daquele. Carlos Henrique Abrão,13 neste tópico, lembra que: "... sua fiscalização deve ser rigorosa e concentrada na sua implementação. Em linhas gerais, assinalando que mensalmente o valor será transferido para a conta judicial, deve acompanhar e verificar todas as implicações e não apenas aguardar providências da empresa devedora. Comunicará na primeira oportunidade sobre o descumprimento daquilo pactuado, até para permitir eventual penhora online ou medidas paralelas. Não pode ficar o administrador desatento ou letárgico: Deve manter periódica visitação e acompanhamento da atividade operacional, esclarecendo ao juízo o descumprimento e a infundada prática, motivando medidas supletivas. Com efeito, sabendo o administrador judicial que o ingresso de recursos parte de títulos recebíveis em mãos de terceiros, nada prejudica que dê ciência aos devedores e procedam ao depósito judicial dos valores, uma vez que a empresa devedora se mostrou refratária da medida judicial relativa ao faturamento. Eventual omissão do administrador, implicando letargia ou leniência em face do procedimento adotado pela empresa, poderá significar infidelidade e resultar na sua destituição. (...). Desse modo, pois, passa o administrador a frequentar o ambiente da empresa e também consultar sua escrituração, no sentido de carrear os elementos fundamentais para concretização do relatório e eventual alteração do percentual sujeito á constrição do faturamento. Existente qualquer entrave, de imediato, será comunicado pelo administrador, no propósito das providências judiciais, advertência, ato atentatório à dignidade da justiça, e, excepcionalmente, posicionar o administrador provisório gerenciando o negócio, a titulo de eliminar as barreiras impostas". É certo que a nomeação do depositário administrador, na penhora de faturamento, não retira do devedor os poderes necessários que lhe são inerentes para a regular condução dos negócios. Mas, não se deve olvidar que o administrador, judicialmente apontado, tem a incumbência de zelar pela regular execução do plano de pagamento.14 O administrador, caso sinta que suas atividades estão sendo prejudicadas por dolo do devedor, deve comunicar tal fato prontamente ao magistrado; a quem caberá garantir que o administrador tenha todos os poderes necessários para o bom e regular exercício de sua função, podendo-se determinar medidas de força, tais como busca e apreensão de documentos e aplicação de multas ao devedor. O administrador também deve cuidar do depósito judicial dos valores auferidos com a penhora de faturamento, sendo sua incumbência prestar contas mensalmente perante o magistrado.  As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento. Para o caso de comprovadas falhas na atuação do administrador, além das responsabilidades inerentes ao art. 161 do CPC/15, o magistrado poderá promover sua destituição e nomear outro em seu lugar. O administrador e/ou as partes, sempre observado o regular contraditório, também podem levar ao conhecimento do magistrado a necessidade de adequação do plano de pagamento; seja no caso de mudanças no curso dos negócios da empresa, seja em virtude de mudanças no cenário econômico, seja em razão de novas penhoras que venham a ser realizadas contra o faturamento do devedor por parte de outros credores, dentre outros fatores. Cabe ao magistrado, após a apresentação de retificações no plano de atuação e pagamento pelo administrador, uma vez ouvidas as partes, promover a homologação do novo plano, passando o administrador a se pautar por este último. Essa decisão do juiz, além de ser motivada, também pode ser objeto de recurso de agravo de instrumento. É bem de ver que a constrição sobre o percentual do faturamento, uma vez bem regida e aplicada, pode ser um mecanismo bem menos oneroso para o devedor. Pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras on line, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa. Essa é a lição de Carlos Henrique Abrão15: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, online, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento". Nesse contexto, em linha com os arts. 4 e 8 do CPC/15, e em homenagem ao necessário respeito aos princípios da efetividade e da eficiência na execução civil, o STJ, ao julgar o tema 769, deu um belo passo para prestigiar a importância da penhora do percentual de faturamento da empresa. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 4 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184.   5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3.  6 MARQUES, J.P. Remédio. Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto. Porto: Almedina, 2000. p. 267. 7 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 8 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 9 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62. 10 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 67. 11 Sobre a importância de o contraditório ser observado no processo de execução, veja: KUHN, João Lacê. O princípio do contraditório no processo de execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. 12 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 656. 13 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68. 14 HERNANDEZ, José Rubens. Da penhora de faturamento. Campinas: PUCCampinas (Dissertação de Mestrado), 2003. p. 166.  15 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59.
Já tivemos oportunidade de analisar nessa coluna a necessidade de garantia do juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal e quanto ao eventual ressarcimento desses custos no caso da Fazenda Pública ser sucumbente1. De fato, diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia. Não sendo atribuído efeito suspensivo aos Embargos à Execução Fiscal ou sendo os mesmos julgados improcedentes e não tendo a apelação efeito suspensivo automático, é muito comum que o ente público, desde logo, peça que a seguradora/banco deposite integralmente nos autos o valor garantido. Esses pedidos prematuros e desarrazoados acabavam por dificultar muito o oferecimento de seguro garantia e de fiança bancária, pois poucos dias depois da prestação da garantia a seguradora ou o banco já podiam ser compelidos a depositar integralmente o valor garantido. De fato, essa possibilidade de depósito imediato acabava por limitar e encarecer as garantias. E esses pleitos vinham sendo acolhidos pelos nossos Tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça2.  Em dezembro de 2023, após a derrubada do veto presidencial, foi incluído o § 7º ao artigo 9º da Lei de Execução Fiscal:  "§ 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada." Dúvida ainda restava na comunidade jurídica quanto a aplicação da norma às garantias que haviam sido prestadas anteriormente à referida alteração legislativa. Entretanto, em recentíssimo julgado, a Primeira Turma do STJ alterou o entendimento3 então vigente na Corte e ainda decidiu que a impossibilidade da liquidação antecipada da garantia também abrangeria os casos já em tramitação:  "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE. 1. A exegese do art. 32, § 2º, da LEF revela carecer de finalidade o ato judicial que intima a seguradora a realizar o pagamento da indenização do seguro garantia judicial antes da ocorrência do trânsito em julgado da sentença desfavorável ao devedor. 2. "As garantias apresentadas na forma do II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada" (art. 9º, § 7º, da LEF, introduzido pela Lei n. 14.689/2023). 3. Cuidando-se de regra processual, o último dispositivo indicado tem imediata aplicação aos processos em tramitação. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial." (AgInt no AREsp n. 2.310.912/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 12/4/2024.) Do voto vencedor se extraem os seguintes trechos e que são bastante elucidativos quanto ao novo entendimento do STJ:  "Dito isso, se o propósito da execução é satisfazer a dívida, carece de finalidade o ato judicial que intima a seguradora para realizar o depósito do valor assegurado antes do trânsito em julgado, pois somente depois de operada essa condição é que a razão de ser desse depósito - qual seja, a de possibilitar a correspondente entrega do dinheiro ao credor (por conversão em renda da Fazenda Pública) - poderá acontecer, consoante a aludida disposição da LEF. Em outras palavras, se a finalidade da execução é satisfazer o crédito do exequente, o ato que permite a cobrança antecipada do seguro, embora onere o executado, não tem o condão de concretizar aquela (finalidade), pois, na prática, a entrega efetiva do numerário cobrado será postergada para o momento em que acontecer o trânsito em julgado dos embargos. (...) "Finalmente, não desconheço a existência de leis que permitem o repasse de valores referentes a tributos depositados judicialmente à Fazenda Pública, a exemplo do estabelecido no art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.703/1998, esta direcionada aos interesses da Fazenda Nacional. Pondero, entretanto, que a destinação precária dos valores dos depósitos judiciais à Fazenda Pública não pode servir de parâmetro para avaliar a necessidade de antecipação desse depósito à garantia do juízo da execução fiscal, questão que, como já disse, deve ser examinada à luz da ponderação dos princípios da menor onerosidade e da efetividade do processo executivo. O citado direito de repasse de valores deriva de depósitos regularmente realizados, de modo que não interfere no juízo relativo ao momento adequado em que devam ser efetuados." Portanto, é de enaltecer tal julgado, que supera o entendimento anterior da Corte e impede a intimação da seguradora/banco a efetuar o depósito integral da garantia antes do trânsito em julgado da sentença, em atenção à alteração legislativa recente da LEF e prestigiando a previsão do artigo 32, § 2º, da Lei de Execução Fiscal e o princípio da menor onerosidade. __________ 1 Disponívem aqui. 2 AgInt no AREsp 1.646.379/RJ (2ª Turma); AgInt no AREsp 1.756.612/RJ (1ª Turma) 3 O julgado faz menção a acórdão esparso e antigo da própria 1ª Turma no mesmo sentido (REsp 1033545 / RJ).
A sistemática do CPC/15 trouxe inúmeras modificações ao antes denominado processo cautelar, dentre as mais marcantes: a) a extinção das medidas cautelares nominadas, b) a formulação do pedido principal nos mesmos autos em que tramita a medida cautelar preparatória (denominada tutela cautelar requerida em caráter antecedente), c) a desnecessidade de recolhimento de novas custas iniciais quando da formulação do pedido principal1 e d) a possibilidade do autor formular, na petição inicial, o pedido cautelar e pedido principal (art. 308, § 1º do CPC). Outras características restaram mantidas como e) o prazo de contestação do pedido cautelar em 5 dias, f) a fungibilidade entre a antecipação de tutela e a tutela cautelar (art. 305, parágrafo único) e g) o pedido principal deve ser ajuizado no prazo de 30 dias após o efetivo cumprimento da tutela cautelar (art. 308, caput). Recentemente a Corte Especial do STJ conheceu de embargos de divergência com vistas a dirimir a controvérsia quanto ao prazo de formulação do pedido principal contar-se em dias úteis (inovação do CPC/15 quanto a contagem dos prazos processuais) ou em dias corridos. A divergência teve origem com vistas a impugnar precedente da 3ª turma do STJ (Resp 2.066.868/SP), perfilhando o entendimento da contagem do prazo em dias úteis: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO. Procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente ajuizado em 22/9/21, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 31/01/22 e concluso ao gabinete em 27/4/23. O propósito recursal consiste em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e qual a natureza do prazo previsto no art. 308 do CPC/15 para a formulação do pedido principal no procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Na hipótese em exame deve de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do agravo de instrumento, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente. Deferido o pedido de concessão de tutela cautelar requerido em caráter antecedente, o autor deverá adotar as medidas necessárias para que a tutela seja efetivada dentro de 30 dias, sob pena de cessar a sua eficácia (art. 309, II, do CPC/15). Após a sua efetivação integral, o autor tem a incumbência de formular o pedido principal no prazo de 30 dias, o que deverá ser feito nos mesmos autos e independentemente do adiantamento de novas custas processuais (art. 308 do CPC/15). O prazo de 30 estabelecido no art. 308 do CPC/15, diferentemente do que ocorria no CPC/73, não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela definitiva, mas à formulação do pedido principal no processo já existente. Ou seja, a formulação pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso. Consequentemente, esse prazo tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/15). Desatendido o prazo legal, a medida cautelar concedida perderá a sua eficácia (art. 309, I, do CPC/15) e o procedimento de tutela cautelar antecedente será extinto sem exame do mérito. Na espécie, o Tribunal de origem decidiu pela natureza decadencial do lapso temporal estabelecido no art. 308 do CPC/15 e declarou a intempestividade do pedido principal. No entanto, trata-se de prazo processual, de modo que o pedido foi apresentado de forma tempestiva. Recurso especial conhecido e provido." (grifou-se) Por sua vez, a divergência restou conhecida por força da existência de precedente paradigma da Primeira Turma (AGInt no REsp 1.982.986/MG, relator ministro Benedito Gonçalvez, DJE 22/6/22), por entender que o prazo para formulação do pedido principal a tutela cautelar antecedente é decadencial e, portanto, contado em dias corridos: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/15 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/73, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes. Na vigência do CPC/15, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/15), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da súmula 83 do STJ. Agravo interno não provido." (grifou-se) Ao final a Corte Especial sedimento o entendimento de contagem do prazo em dias úteis: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. Divergência verificada para dirimir controvérsia sobre se o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis. Alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, devendo o pedido principal ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar). Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/15), fato que não afeta o direito material em discussão. Constatação de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. 6. Embargos de divergência conhecidos e não providos." (STJ, Embargos de Divergência em Resp 2.066.868/SP, Corte Especial, relator min. Reis Junior, v.u., j. 3/4/24). O voto condutor, encabeçado pelo ministro Sebastião Reis júnior, ponderou, em síntese: "(...) Registro, pois, que a controvérsia é única: saber se o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e, consequentemente, se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. As razões para se considerar o mencionado prazo como de natureza material tem base a noção de Pontes de Miranda do direito substancial de cautela e de sua caducidade. Nessa linha, reputa-se tratar de prazo decadencial, tendo servido de fundamento para a elaboração da súmula 482 do STJ, editada ainda na vigência do CPC/73: 'A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.' O acórdão paradigma enumera algumas decisões desta Corte que consideram a natureza decadencial do prazo: AgInt no AREsp 1351646/CE, ministro Aurélio Bellizze, 3ª turma, DJe 15/3/21; AgInt nos EDcl no REsp 1.801.977/MS, ministro Raul Araújo, 4ª turma, DJe 20/11/20; AgInt no AREsp 898.521/SP, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, DJe 1/2/17. (...) De outro norte, sintetizo as razões daqueles que defendem a natureza jurídica processual do prazo do art. 308 do CPC: houve alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de medidas cautelares antes da formulação do pleito de concessão da tutela definitiva satisfativa; a principal mudança é a de que o pedido principal deverá ser formulado nos mesmos autos em que requerida a tutela cautelar antecedente, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar); dedução do pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo já em curso e; o transcurso do prazo não impede o ajuizamento da demanda principal, apenas retira a eficácia de tutela concedida e impede o aproveitamento dos autos no qual foi requerida. Assim, o direito material em discussão não é afetado. (...) Em ambos os julgados das turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, que firmaram entendimento no sentido da natureza processual do prazo do art. 308 do CPC, diversas foram as doutrinas citadas, dentre as quais destaco as lições de Fernando Gajardoni: 'Achamos mais adequado classificá-lo como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual). [...]. Aplica-se para a contagem do trintídio o art. 224 do CPC, excluindo-se o dia do começo (efetivação) e incluindo-se o dia do final. E aplica-se, também, o disposto no art. 219 do CPC, vez que se trata de prazo para a prática de ato processual (formulação do pedido principal), sendo, portanto, contado em dias úteis. (Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 439- 440) (grifo nosso). Em igual sentido: De qualquer modo, não se trata de um prazo de direito material, pois o seu transcurso in albis não provoca encobrimento das eficácias da pretensão e da ação que defluem da relação material objeto da lide principal (o que seria a prescrição). Também não é provocada a perda ou a morte do direito subjetivo de que irradiam a pretensão e a ação (o que seria a decadência) (sem razão, portanto, STJ, 2. a T., REsp 669.353, reI. min. Mauro Campbell Marques, Dle 16-4-2009; STJ, 3. a T., REsp 687.208, reI. min. Nancy Andrighi, Dl 16-10-2006, p. 365). Tampouco se trata de um prazo preclusional de índole pré- processual, cujo transcurso in albis impossibilitaria a dedução do pedido principal. Na realidade, está-se diante de um prazo processual, criado para o requerido não ficar indefinidamente à mercê dos efeitos da tutela cautelar contra ele concedida, sem que seja instaurada a pendência da lide principal. Por razões de política processual, sujeita-se a eficácia da medida cautelar à condição resolutiva da não dedução do pedido principal em trinta dias. Só isso. Daí ser inaceitável cogitar-se da impossibilidade de interrupção ou suspensão do prazo, como se fosse ele decadencial. Não se trata de prazo fatal e improrrogável. É corriqueira no dia a dia forense, p. ex., a sua suspensão durante o período de recesso forense; além do mais, nada impede a suspensão por qualquer das causas previstas nos arts. 220, 221, 222 e 313, I, II e III, do CPC/2015. (STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Coordenador executivo Alexandre Freire. Comentários ao Código de Processo Civil. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 308.) (grifo nosso) (...) Assentadas as bases da discussão, destaco ser incontroversa a distinção da regulação da tutela cautelar antecipada nos CPCs de 1973 e de 2015. De modo a melhor visualizar a situação, transcrevo ambos os dispositivos: CPC/73 - Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. (grifo nosso) CPC/15 - Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. (grifo nosso) Sendo visível a modificação promovida pelo legislador, resta perquirir se há repercussão quanto à natureza jurídica do instituto. Para tanto, necessário se faz distinguir as normas de direito material das processuais. Carreira Alvim aponta que normas materiais ou substanciais são aquelas que disciplinam diretamente as relações de vida, procurando compor conflitos de interesses entre os membros da comunidade social, bem como regular e organizar funções socialmente úteis (Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital). Conforme pontuado no acórdão embargado, caracteriza-se como de direito material o prazo - prescricional ou decadencial - "para a parte praticar determinado ato fora do processo" (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Livro eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749). De outro giro, para a caracterização de um prazo como processual é primordial aferir se as situações jurídicas que geram efeitos no processo. 'Prazos processuais são aqueles para prática de atos dentro do processo, sendo nele contados . O prazo que tem início, desenvolve-se e encerra-se no processo é um prazo processual [...]. Não importa se o ato a ser praticado é processual ou material; o que importa é que o prazo seja processual, vale dizer, que inicie, corra e termine no processo. O que há de ser processual é o prazo, e não o ato a ser praticado. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. Código de processo civil comentado. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 414) (grifo nosso). (...) É fato que em todos os acórdãos utilizados para substanciar o voto paradigma partiram da premissa de que se tratava de prazo decadencial. Contudo, apenas examinaram qual seria o marco inicial da contagem do prazo, qual seja, a efetivação da medida cautela, tese que não está sob julgamento. Além disso, em que pese serem decisões proferidas já sob a égide do CPC/15, o dispositivo legal analisado em todos os feitos foi o art. 806, do CPC/73. Notório o avanço do CPC/15 em robustecer o sincretismo processual. A sistemática de, implementada a medida cautelar, simples apresentação do pedido principal nos mesmos autos suprimiu do CPC a ação cautelar autônoma. Assim, a atual sistemática prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. Resta claro que o prazo de 30 dias previsto no art. 308 do CPC é para a prática de ato no mesmo processo. A consequência para a não formulação do pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias é a perda da eficácia da medida concedida (art. 309, II, CPC/15, sem afetar o direito material. Nesse sentido: 'O decurso do tempo não gera, portanto, o perecimento do direito material, mas tão somente uma consequência processual. Assim sendo, ou seja, tratando-se de prazo processual, o mesmo admite suspensão por morte, convenção das partes, força maior, férias ou recesso forense. E a forma de sua contagem deverá obedecer ao disposto nos arts. 219 e 224 do CPC/2015. Por outro lado, caso não formulado o pedido principal nesse interregno de 30 dias, cessará a eficácia da tutela cautelar (art. 309, inciso I, do CPC/15)'. DOTTI, Rogéria. Código de processo Civil Anotado. AASP, OAB Paraná. 2(grifo nosso) Desse modo, diante da inovação legislativa e da profunda alteração na sistemática da tutela cautelar antecedente, entendo que a natureza jurídica do prazo previsto no art. 308 do CPC é processual. Nesse sentido, como desdobramento lógico, sua contagem deverá ser realizada apenas considerando os dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. Ante o exposto, conheço, mas NEGO PROVIMENTO aos embargos de divergência para que prevaleça nesta Corte o entendimento de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC." (grifou-se) As ponderações acima soam acertadas pois: a) a redação do art. 308 do CPC não deixa dúvidas de que a providência de formulação do pedido principal (ou o seu não atendimento), nos mesmos autos, guarda efeitos endoprocessuais, o que não se confunde com o direito material, b) tampouco o não cumprimento de aludido prazo guardará efeitos extraprocessuais a ponto de impedir que aludido pedido seja endereçado em nova demanda, c) de sorte que, sendo a natureza jurídica de prazo processual, de rigor a observância dos artigos 219 e 224 do CPC, a observar a contagem de aludido prazo em dias úteis. __________ 1 Desde que o pedido principal tenha o mesmo proveito econômico do pedido cautelar. 2 Disponível aqui. Acesso em 28/02/2024, p. 526.
Como se sabe, o art. 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC) atual, estabelece que são impenhoráveis os valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Tal dispositivo repete o texto do art. 649, inciso X, do CPC/1973. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente mencionada no Informativo n. 804, de 19 de março de 2024, proferida nos autos do Recurso Especial n.1.677.144/RS, julgado em 21.02.2024, por unanimidade, manifestou-se no sentido de que valores depositados em outras aplicações (que não a caderneta de poupança), até 40 (quarenta) salários mínimos, também são considerados impenhoráveis se forem observadas as seguintes condições: "a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinado a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave). b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas). c) importante ressalvar que a circunstância descrita anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial). d) para os fins da impenhorabilidade descrita acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades"1. Diante disso, o STJ passou a permitir a penhora de valores do devedor em aplicações até 40 (quarenta) salários mínimos, que não necessariamente sejam cadernetas de poupança Em outras palavras, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até quarenta (40) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Ademais, se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o limite de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial. __________ 1 Disponível aqui. (acesso em 17.04.2024)
O parágrafo quarto do art. 1.021 do CPC/15 estabelece que: "Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa". Sabe-se que, nos termos do art. 932 do CPC/15, o relator, em algumas hipóteses processuais, pode relativizar o princípio da colegialidade recursal e proferir uma decisão monocrática no julgamento do recurso. Para essas situações, o CPC/15 disponibiliza à parte sucumbente a possibilidade de interpor o agravo interno, conforme disciplina o correspondente art. 1.021: "Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal". O agravo interno acaba sendo um mecanismo para garantir ao recorrente a chance de devolução da matéria ao colegiado. Todavia, nas hipóteses em que esse recurso for considerado manifestamente inadmissível, como visto acima, existe o risco de aplicação da considerável multa de um a cinco por cento do valor atualizado da causa. Fato é que em situações de manifesta inadmissibilidade do agravo interno, o STJ já chancelou a aplicação dessa onerosa penalidade, conforme se nota no julgamento do AgInt no AREsp 2.410.903/DF: "2. É manifestamente inadmissível o recurso especial quando a parte recorrente não demonstra como o acórdão recorrido violou os dispositivos legais invocados, tampouco como teria havido divergência jurisprudencial. 3. Hipótese dos autos em que é gritante a ausência de fundamentação do recurso especial, vício esse que não foi suprido sequer quando da interposição do agravo interno. Recurso interno que se revela manifestamente improcedente, a atrair a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC". O manejo intempestivo do agravo interno também já foi motivo para a aplicação da aludida multa, conforme se nota no julgamento, pelo STJ, do AgInt no AREsp 1.565.889/SP: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. INOBSERVÂNCIA. MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CPC/15. AGRAVO INTERNO INTEMPESTIVO. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. 1. A interposição de agravo interno após o prazo legal de quinze dias úteis implica o não conhecimento do recurso, por intempestividade, nos termos dos arts. 219, 1.003, § 5º, 1.021, § 4º, e 1.070 do CPC/15. 2. Recurso manifestamente inadmissível, impondo-se a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, no montante equivalente a 1% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º do citado artigo de lei. 3. Agravo interno não conhecido, com aplicação de multa". Por outro lado, a Corte Superior tem diversos julgados considerando que o mero desprovimento unânime do agravo interno não é elemento suficiente para a aplicação da aludida multa, sendo necessário mesmo que o recurso seja manifestamente inadmissível. Veja-se: "Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso" (AgInt no REsp 2.046.525 / SC. No mesmo sentido: AgInt no REsp 2.097.466/SP). "O mero não conhecimento ou a improcedência do agravo interno não enseja a necessária imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, tornando-se imperioso para tal que seja nítido o descabimento do recurso, o que não se verifica na espécie" (AgInt no AREsp 2.425.981/SP). "O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/15, devendo ser analisado caso a caso" (AgInt no AREsp 2.435.457/RJ). "A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/15 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação da parte agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória" (AgInt no CC 200.766/SP). Neste cenário, em boa hora foi a afetação do REsp 2.043.826/SC para julgamento no formato do rito dos repetitivos, no qual se apreciará o Tema 1.201: "Aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC); 2) Possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado". O Tema 1.201 do STJ estabelecerá um sinal da "manifesta inadmissibilidade" para fins de aplicação da multa prevista no parágrafo quarto do art. 1021 do CPC/15, notadamente quando o agravo interno for interposto em colidência com precedente qualificado previsto no rol do art. 927 do CPC/15. A iniciativa do STJ merece aplausos e avança um passo a mais no prestígio ao sistema de precedentes idealizado no CPC/15, em verdadeira homenagem à busca de segurança jurídica.
A possibilidade de condenação em honorários equitativos fora da expressa disposição legal do artigo 85, § 8, é sem dúvida a maior controvérsia trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. Tal celeuma ganha ainda maior importância na comunidade jurídica, eis que afeta a remuneração dos advogados, que militam no Contencioso. Como é de conhecimento de todos, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Representativo de Controvérsia (REsp nº 1.850.512/SP, Tema nº 1.076 do STJ), fixou a seguinte tese: "A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo". O que parecia ser o final da controvérsia quanto ao tema acabou não sendo e ainda hoje se discute a fixação de honorários equitativos em grande parte dos processos. O tema fica ainda mais sensível quando envolve a Fazenda Pública, eis que mesmo tendo uma fixação específica e por faixas (§ 3º) para o Poder Público em Juízo1, acaba sempre trazendo a discussão que uma fixação de honorários tidos por "exorbitantes" prejudicaria toda a coletividade. A esse respeito, o próprio acórdão exarado no Tema 1.076 trouxe ponderações bastante interessantes, confira-se: "É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota." (g.n.) (STJ, REsp nº 1.850.512/SP, Relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, Julgado em 16/03/2022, DJe de 31/05/2022) É retratada exatamente a extinção de execuções fiscais propostas sem uma prévia análise da Fazenda, de forma automática. Nesses casos, o Contribuinte não é onerado pelo Judiciário, que fixa os honorários nos termos legais, mas sim pelo Ente Público, que ajuíza e insiste em manter a cobrança de créditos totalmente indevidos. De fato, todo mundo que milita em face da Fazenda Pública sabe que é muito comum o ajuizamento de Execuções Fiscais de débitos inexistentes ou prescritos e que acabam sendo extintas, nos termos do artigo 26 da Lei de Execução Fiscal: "Art. 26 - Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Dívida Ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes." Já é entendimento unânime, que não pode prevalecer a parte final do dispositivo e a Fazenda deve ser condenada a pagar honorários nesses casos. Entretanto, o acórdão abaixo da 1ª Turma do STJ vem sendo replicado constantemente para justificar a condenação da Fazenda Pública em honorários equitativos no caso de extinções de Execuções Fiscais pelo artigo 26 da LEF: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. CANCELAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA. DESPROPORCIONALIDADE. JUÍZO DE EQUIDADE. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO TEMA REPETITIVO 1.076 DO STJ. DISTINÇÃO. 1. Não obstante a literalidade do art. 26 da LEF, que exonera as partes de quaisquer ônus, a jurisprudência desta Corte superior, sopesando a necessidade de remunerar a defesa técnica apresentada pelo advogado do executado em momento anterior ao cancelamento administrativo da CDA, passou a admitir a fixação da verba honorária, pelo princípio da causalidade. Inteligência da Súmula 153 do STJ. 2. A necessidade de deferimento de honorários advocatícios nesses casos não pode ensejar ônus excessivo ao Estado, sob pena de esvaziar, por completo, o referido artigo de lei. 3. Da sentença fundada no art. 26 da LEF não é possível identificar objetiva e direta relação de causa e efeito entre a atuação do advogado e o proveito econômico obtido pelo seu cliente, a justificar que a verba honorária seja necessariamente deferida com essa base de cálculo, de modo que ela deve ser arbitrada por juízo de equidade do magistrado, critério que, mesmo sendo residual, na específica hipótese dos autos, encontra respaldo nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade preconizados no art. 8º do CPC/2015. Precedente: REsp 1.795.760/SP, rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/11/2019, DJe 03/12/2019. 4. A hipótese em exame não se encontra abarcada pela tese jurídica firmada no julgamento do Tema repetitivo 1.076 do STJ, pois a solução adotada no caso concreto decorre da interpretação do art. 26 da LEF, aspecto não tratado no precedente obrigatório, o que justifica a distinção. 5. Agravo interno não provido." (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.967.127/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 1/8/2022.) Contudo, em recentíssima decisão, a 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo analisou a fundo o precedente do Superior Tribunal de Justiça supracitado e decidiu, que devido às particularidades existentes no paradigma do STJ, não poderia ser aplicado a todos os casos de extinção de Execução Fiscal pelo artigo 26 da LEF: "Apelação. Execução fiscal. A sentença extinguiu o feito, com fundamento no artigo 26 da LEF e condenou a Fazenda ao pagamento de honorários, estes fixados no percentual mínimo do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3º, incisos I a V do CPC. Irresignação recursal fazendária relacionada aos parâmetros utilizados para a fixação da verba honorária sucumbencial. Descabimento. Bem aplicado o entendimento exarado no Recurso Representativo de Controvérsia (REsp nº 1.850.512/SP, Tema nº 1076 do STJ), no qual foi consignada a tese de que a fixação dos honorários por equidade não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, como na hipótese dos autos. Em tais casos, se a Fazenda Pública for parte na demanda, referido Tribunal pontuou que é obrigatória a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC. No mais, não se aplica o recente julgado do STJ suscitado em sede recursal no qual admitiu-se a possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa em casos de extinção da execução com esteio no art. 26 da LEF, tendo em vista que, na espécie, é plenamente possível identificar-se, objetiva e diretamente, a relação de causa e efeito entre a atuação do advogado do executado e o resultado obtido. Nega-se provimento ao recurso, com majoração de honorários."  (TJSP;  Apelação Cível 1653835-23.2021.8.26.0090; Relator (a): Beatriz Braga; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro das Execuções Fiscais Municipais - Vara das Execuções Fiscais Municipais; Data do Julgamento: 29/02/2024; Data de Registro: 29/02/2024) No voto a Relatora explicitou: "No mais, ressalte-se que a situação tratada nos autos, ao contrário do sustentado pelo apelante, NÃO é a mesma da abarcada pelo acórdão da apelação do processo que deu origem ao AgInt no AREsp nº 1.967.127/RJ. Nele constou que "a empresa demandada ingressa nos autos em 01/09/2016 para suscitar a prescrição intercorrente (...), tese rejeitada pelo Magistrado a quo, reconhecendo a inércia exclusiva do Poder Judiciário (...); prosseguindo a execução fiscal, o executado oferece carta de fiança para a garantia dos débitos fiscais, aceita pelo Município exequente (...); contudo, verificado o cancelamento da CDA, sobreveio a sentença objurgada", que declarou "extinta a presente execução com fulcro no artigo 26 da Lei 6.830/80" e condenou a Fazenda Pública "aos honorários de sucumbência no percentual de 8% sobre o valor atualizado da causa" (Apelação nº 0132488-96.2009.8.19.0001, TJRJ, 6ª Câmara Cível, rel. Des. Sandra Santarém Cardinali, DJE 06/03/2018) (grifos nossos). Como se vê no julgado acima citado, a extinção da execução se deu a partir da constatação do cancelamento da CDA e independentemente de intervenção da executada e, no corpo do voto constou que "da sentença fundada no art. 26 da LEF não é possível identificar objetiva e direta relação de causa e efeito entre a atuação do advogado e o proveito econômico obtido pelo seu cliente, a justificar que a verba honorária seja necessariamente deferida com essa base de cálculo, de modo que ela deve ser arbitrada por juízo de equidade do magistrado". Ao revés, no caso em análise, como dito, a executada contratou advogado e apresentou exceção de pré-executividade sob o argumento de que a execução baseava-se em cobrança indevida. Somente após a apresentação da defesa da executada o Município realizou o cancelamento administrativo da dívida e requereu a extinção da execução fiscal com fundamento no artigo 26 da LEF, motivo pelo qual o feito foi extinto nos termos requeridos. Percebe-se, pois, que a hipótese em discussão nos presentes autos difere da mencionada pelo Município apelante, eis que o proveito econômico da presente demanda, além de nitidamente elevado, é plenamente apalpável porque é possível identificar-se, objetiva e diretamente, a sua relação de causa e efeito com a atuação do advogado da executada, de modo que devidamente aplicada a tese firmada no Tema 1.076 do STJ: "A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados". Assim, no paradigma do STJ, a exceção foi rejeitada pelo Judiciário e a CDA não foi extinta devido à defesa apresentada pelo Contribuinte. Entretanto, o que geralmente ocorre, é que após a apresentação da exceção, o Fisco verifica a incorreção da cobrança e pede a extinção da Execução Fiscal. Há a relação de causa (apresentação da exceção) e efeito (cancelamento da CDA e extinção da execução). Foi exatamente o que ocorreu no caso julgado pelo TJSP. Portanto, cabe ao advogado demonstrar que a sua atuação nos autos acabou levando ao cancelamento da dívida ativa e a extinção da execução fiscal, diferenciando o seu caso do paradigma do Superior Tribunal de Justiça, que é constantemente replicado para fixar os honorários de forma equitativa. __________ 1 Já tivemos oportunidade de defender nessa própria coluna que: "De fato, se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Conforme já visto, o legislador houve por bem afastar a equidade nesses casos e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo."
No toante ao tema prescrição intercorrente a Primeira Turma do STJ já decidiu por afastar a condenação da exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, sendo necessário, por oportuno, a resistência do credor a extinção do feito fundada na prescrição intercorrente, a aplicar-se o princípio da sucumbência: "PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RESISTÊNCIA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. O reconhecimento da prescrição intercorrente não permite a condenação da parte exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, de modo que, se ela não resistir ao pedido de extinção do feito fundado nesse motivo, estará desonerada desse ônus; ao revés, havendo oposição do credor, a verba honorária será devida, com respaldo no princípio da sucumbência. Precedentes. 2. Hipótese em que a Fazenda Pública impugnou a exceção de pré-executividade, defendendo a inocorrência da prescrição e a continuidade da execução fiscal. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp 1.854.589/PR, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/3/2022) Por sua vez, a Terceira Turma do STJ entende que a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, tampouco atrai a sucumbência ao exequente: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMA PARA PIOR. 1. Cuida-se de agravo interno por meio do qual o executado, em razão da decretação da prescrição intercorrente, postula a fixação de honorários advocatícios em seu favor. 2. Consoante a jurisprudência de ambas as Turmas que compõem esta 2ª Seção, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. Precedentes. 3. Hipótese dos autos em que, contudo, mostra-se inviável a imputação das verbas de sucumbência à parte executada, ante o princípio da vedação da reforma para pior (non reformatio in pejus). 4. Agravo interno não provido." (AgInt nos EDcl no REsp 1.813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,Terceira Turma DJe de 18/12/2020) O cotejo de tais julgados culminou no julgamento, pela Corte Especial, dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.854.589-PR, a consolidar o seguinte entendimento: "PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA NA EXECUÇÃO EXTINTA POR PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUSTAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, PRECEDIDO DE RESISTÊNCIA DO EXEQUENTE. RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A controvérsia cinge-se em saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, mesmo após a extinção da execução pela prescrição. 2. Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais. 3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. 4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens. 5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. 6. Embargos de divergência providos para negar provimento ao recurso especial da ora embargada." (STJ, Corte Especial, Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.854.589-PR, rel. Min. Raul Araújo, j.09/11/2023, grifou-se) O voto condutor, encabeçado pelo Ministro Raul Araújo, ponderou, em síntese: "(...) Em ambos os julgados confrontados, a prescrição intercorrente foi decretada pelo d. Juízo singular, com condenação do exequente ao pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado, após a oposição de exceção de pré-executividade pelo devedor, a qual fora impugnada pela parte credora. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.854.589/PR, no acórdão embargado, houve restabelecimento da condenação prevista na r. sentença quanto à fixação de honorários advocatícios em favor da parte executada, aplicando-se o princípio da sucumbência. Por outro lado, nos autos do REsp 1.813.803/SP, no aresto paradigma, embora tenha sido reconhecida a prescrição intercorrente, não se restabeleceram os ônus sucumbenciais em favor da parte executada, por se entender aplicável o princípio da causalidade. No recurso especial relativo ao acórdão paradigma, concluiu-se que "a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente". No recurso julgado no aresto embargado, por sua vez, considerou-se que, havendo resistência da parte exequente ao pedido de aplicação da prescrição intercorrente, em exceção de pré-executividade, a verba honorária será devida pelo exequente, com respaldo no princípio da sucumbência. Portanto, mostram-se presentes conclusões jurídicas dissonantes, diante de uma mesma situação processual. De fato, em ambos os casos houve impugnação pelo credor à exceção de pré-executividade apresentada pelo devedor, a qual visava à decretação da prescrição intercorrente. Não obstante, o d. Juízo de primeira instância reconheceu o implemento da aludida prescrição e esta Corte de Justiça, no âmbito de sua competência, ao examinar a questão dos ônus sucumbenciais, deu interpretação divergente nos dois julgados mencionados. Desse modo, atendidos os requisitos de admissibilidade recursal e havendo nítida similitude processual entre os acórdãos confrontados, é devido o conhecimento dos presentes embargos de divergência. (...) No mérito, a controvérsia cinge-se a saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente, alegada em exceção de pré- xecutividade, é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, após a extinção da execução, fazendo incidir o princípio da sucumbência. (...) Nessa compreensão, com o reconhecimento da prescrição intercorrente, a parte que deu causa à instauração do processo executivo é que deverá suportar as despesas dele decorrentes. Tal ônus, portanto, é imposto, em regra, ao executado, que deixou de satisfazer espontaneamente a obrigação exequenda, evitando-se, assim, seja o devedor duplamente premiado por seu inadimplemento, livrando-se da execução e ainda auferindo honorários sucumbenciais, enquanto o credor, em contrapartida, é duplamente penalizado, com a frustração de seu direito de crédito e com a responsabilização pelo pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. (...) Contudo, examinando de forma mais aprofundada a matéria nos presentes embargos de divergência, adota-se a compreensão seguida no v. acórdão paradigma. Com a devida vênia de entendimentos contrários, considera-se que deve mesmo prevalecer, em qualquer das hipóteses acima mencionadas, a orientação pretoriana que faz prevalecer o princípio da causalidade em caso de extinção da execução pelo reconhecimento da prescrição intercorrente, notadamente quando reconhecida em razão da não localização do devedor ou de bens do executado. De fato, a resistência do exequente ao reconhecimento da prescrição intercorrente, decretada diante do decurso de prazo ocorrido após tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. Desse modo, mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar duplamente a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. Além disso, é direito da parte exequente defender-se das alegações suscitadas pela parte contrária, no caso o executado, em exceção de pré-executividade, em embargos do devedor ou em outro petitório, assim como é seu direito recorrer das decisões que não lhe são favoráveis, tal como a que decreta a prescrição intercorrente a impedir o prosseguimento do feito executivo. Veja-se que há casos em que a oposição do exequente é fundada e deve ser levada em consideração pelo julgador. Portanto, a resistência, por si só, ao pedido formulado pelo executado de reconhecimento da prescrição intercorrente ou a irresignação, por meio da interposição de recurso, contra a decisão que a decreta não tem o condão de afastar o princípio da causalidade na aplicação dos ônus sucumbenciais e abrir espaço para incidência apenas do princípio da sucumbência. O que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não -, mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização, ou de bens para penhora. Assim, em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade, no arbitramento dos ônus sucumbenciais. Destarte, a causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, gerando sua responsabilidade pela instauração do feito executório e, na sequência, pela sua própria extinção, diante da não localização do executado ou de seus bens. (...) Destarte, se trouxermos essa mesma lógica jurídica para a questão ora controvertida, ter-se-á como conclusão o seguinte: pelo princípio da causalidade, que é mais amplo do que o da sucumbência, quem deu causa à execução foi o executado inadimplente e quem deu causa à extinção do processo executivo foi o mesmo executado, ao não viabilizar sua localização ou de seus bens para penhora. Desse modo, a causa determinante para fins de arbitramento das custas e dos honorários advocatícios, ao final, não está imediatamente associada à efetiva sucumbência do exequente, que teve sua execução extinta pela prescrição intercorrente, mas à atuação do executado, o qual forçou a necessidade de instauração do processo judicial e, após, impediu ou inviabilizou sua efetivação. Assim, a causa determinante, prevalente não é a sucumbência; a causa determinante é a responsabilidade do devedor recalcitrante. Daí que o princípio da causalidade encontra ampla aplicação. (...) Acrescente-se, por derradeiro, que não se aplica, no caso em exame, a tese firmada no Tema 421 dos recursos especiais repetitivos, segundo a qual "é possível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios em decorrência da extinção da execução fiscal pelo acolhimento de exceção de pré-executividade". Isso, porque neste tema afirmou-se apenas a possibilidade de fixação de honorários advocatícios em exceção de pré-executividade, quando seu acolhimento acarreta o fim da execução fiscal em debate mais aproximado do mérito acerca da dívida executada (p. ex., anterior pagamento do crédito, compensação, consignação em pagamento, etc). Todavia, se o motivo da extinção for apenas a prescrição intercorrente, em razão da ausência de localização do devedor ou de seus bens para penhora, a incidência será daqueles outros precedentes, mais específicos, que foram acima delineados. (...) Nesse contexto, entende-se configurada a divergência jurisprudencial no presente recurso uniformizador, devendo prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do decisum que deu provimento ao recurso especial, de maneira a afastar a condenação da Fazenda estadual ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. Diante do exposto, dá-se provimento aos embargos de divergência do ESTADO DO PARANÁ, para negar provimento ao recurso especial de FARMÁCIA REGENTE FEIJÓ LTDA. É como voto." (grifou-se) Em voto vista encabeçado pela Ministra Nancy Andrighi, restou complementado: (...) 11. No entanto, do atento exame da jurisprudência desta Corte Superior, é possível concluir que o entendimento francamente majoritário é aquele segundo o qual a decretação da prescrição intercorrente em razão da ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, já que este deu causa ao ajuizamento da execução ao deixar de satisfazer dívida líquida e certa, não atraindo, portanto, os ônus sucumbenciais à parte exequente. Trata-se da aplicação do princípio da causalidade. (...) 23. Com efeito, rogando as mais respeitosas vênias às posições em contrário, eventual resistência do exequente à decretação da prescrição intercorrente não afasta os pressupostos que justificam a existência da execução, representando, a rigor, legítimo exercício do contraditório e da ampla defesa, garantias com assento constitucional. 24. Em outras palavras, a prescrição intercorrente não infirma, ao menos diretamente, a certeza e a liquidez do título executivo, tampouco faz desaparecer do mundo jurídico o inadimplemento do devedor. 25. Nesse contexto, não é razoável - e atentaria contra os princípios da boa-fé processual e da cooperação -, punir duplamente o credor, impondo-lhe o dever de arcar com os ônus sucumbenciais ao mesmo tempo em que vê frustrada a satisfação de seu crédito com a extinção da execução. 26. Por outro lado, tampouco seria lícito premiar duplamente o devedor - que logrou êxito em impedir a sua localização ou a de bens penhoráveis -, que se veria livre da dívida e ainda faria jus ao recebimento, por exemplo, de honorários sucumbenciais. 27. Conforme bem ressaltado pelo e. Relator, "o que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não - mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização ou de bens para penhora". 28. Assim, consoante a jurisprudência das Turmas que compõe a Primeira e a Segunda Seções, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização do executado ou de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. 29. Importa mencionar, por fim, que a Lei n. 14.195/2021, que deu nova redação ao §5º do art. 921 do CPC/2015, introduziu na legislação, agora de forma expressa, o referido entendimento já sedimentado, anteriormente, por esta Corte Superior. 30. Desse modo, configurada a divergência jurisprudencial, conclui-se que deve prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do acórdão que deu provimento ao recurso especial, afastando a condenação da parte exequente ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais." (grifou-se) Mediante o entendimento supra, a Corte Especial consolidou o entendimento, portanto, de que (i) a resistência do Exequente a alegação de prescrição intercorrente, uma vez acolhida, não é circunstância apta a ensejar a condenação em verba sucumbencial, (ii) tampouco quando aplicada a prescrição intercorrente diante da não localização de bens do devedor. A ratio decidendi de aludido julgado reside na premissa de que, malgrado detentor de título executivo líquido, certo e exigível, não pode o Exequente, já portador de dívida ou obrigação inadimplida, sofrer os efeitos de verba sucumbencial diante da superveniente prescrição intercorrente reconhecida nos autos. Ao final, a Corte Especial decidiu por afastar qualquer condenação do Exequente uma vez reconhecida a prescrição intercorrente, na leitura, dentre outros fundamentos, que o princípio da causalidade é mais amplo que o princípio da sucumbência. Todavia, deixou também de condenar o devedor a eventual verba sucumbencial, entendimento antes adotado no julgado paradigma que ensejou os embargos de divergência1, a afastar também a aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor. __________ 1 A rigor do entendimento posto no AGInt nos EDcl no REsp 1.1813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi utilizado como paradigma ensejador dos embargos de divergência, onde em tais hipóteses a verba sucumbencial recairia sobre o Executado, por força da aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor.