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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Cássio Scarpinella Bueno1 define honorários de sucumbência como "aqueles que derivam do resultado da atuação processual", devendo a parte vencida pagar os honorários ao advogado da parte vencedora. Conforme bem pontua Humberto Theodoro Jr.2, "ainda que não haja pedido expresso do vencedor é devido o ressarcimento dos honorários de seu advogado. E, mesmo funcionando o advogado em causa própria, terá direito, se vencedor, à indenização de seus honorários. É que o pagamento dessa verba não é resultado de uma questão submetida ao juiz. Ao contrário, é uma obrigação legal, que decorre automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido omitir-se frente à sua incidência".  O parágrafo primeiro do art. 85 do CPC/15 positiva o entendimento de que, além da fixação dos honorários de sucumbência na sentença referente à lide principal, também são devidos os honorários na reconvenção, no cumprimento provisório ou definitivo da sentença e na execução, seja ela resistida ou não. E o parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15 consagra o princípio da causalidade, sendo que quem deu causa ao processo deve arcar com os honorários de sucumbência na hipótese de perda de objeto da ação.  O STJ, historicamente, prestigia a adoção do princípio da causalidade, tal como previsto no parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15: "3. Ainda que se esvazie o objeto da apelação por superveniente perda do objeto da cautelar, desaparece o interesse da parte apelante na medida pleiteada, mas remanescem os consectários da sucumbência, inclusive os honorários advocatícios, contra a parte que deu causa à demanda. 4. Os honorários advocatícios serão devidos nos casos de extinção do feito pela perda superveniente do objeto, como apregoa o princípio da causalidade, pois a ratio desse entendimento está em desencadear um processo sem justo motivo e mesmo que de boa-fé. 5. São devidos os honorários advocatícios quando extinto o processo sem resolução de mérito, devendo as custas e a verba honorária ser suportadas pela parte que deu causa à instauração do processo, em observância ao princípio da causalidade. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.458.304 / PE, rel. ministro Humberto Martins, Segunda Turma, 18/11/14); e "1. O STJ entende que, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios" (STJ, AgRg no AREsp 539414 / SP, rel. ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, 11/11/14). Neste cenário, em sintonia com o princípio da causalidade, o STJ deu importante contribuição ao estabelecer que o exequente, nas hipóteses de extinção da ação de execução em virtude da prescrição intercorrente (como, por exemplo, em razão da não localização de bens do devedor), não deve ser condenado em honorários de sucumbência. Essa foi a direção adotada pelo STJ no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, no qual a Corte Especial, em 24/11/23, fixou a interpretação de que, para fins do art. 921 do CPC/15, não há condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, caso ocorra a extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente; e isso porque a extinção do caso, nessas hipóteses, ocorre em regra por falta de localização de bens do devedor, o qual, em essência, foi quem deu a real causa para o ajuizamento da execução: "Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais. 3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. 4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens. 5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor." Merece destaque o seguinte trecho do voto do ministro relator Raul Araújo: "Em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade no arbitramento dos ônus sucumbenciais". Muito importante é esse julgamento da Corte Especial do STJ, o qual, em conformidade com os termos do julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, pode ser definido como expressão da jurisprudência dominante da Corte. E, de fato, em situações similares de extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente, o STJ já assinalava a impossibilidade de condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, conforme se nota do julgamento do AgInt no REsp 2.101.827/RJ: "O princípio da causalidade, como parâmetro norteador da definição quanto ao cabimento ou não de honorários de sucumbência, conduz a análise desta Corte em diversas hipóteses semelhantes, afastando-se, regra geral, a condenação do credor em razão da extinção anômala do feito executivo quando a parte devedora tenha dado causa à demanda. Observem-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp 1.958.233/GO, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/10/22, DJe de 6/10/22; AgInt no AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp 1.613.332/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 29/9/22; AgInt no AgInt no AREsp 2.037.941/PR, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 30/9/22". Igual orientação foi adotada nos seguintes casos: "1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em caso de extinção da execução, por reconhecimento da prescrição intercorrente, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios e custas judiciais. 2. O reconhecimento da prescrição intercorrente, por ausência de localização de bens penhoráveis, não retira do executado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais. Efetivamente, a causa do ajuizamento da execução, seja por título judicial ou extrajudicial, é o inadimplemento do devedor". (AgInt no REsp 2114487/MG). "O reconhecimento da prescrição intercorrente não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação" (AgInt no REsp 1.849.437/SC, rel. ministro Gurgel De Faria, Primeira Turma, DJe de 28/10/20). "Assim como ocorre nas hipóteses de execução frustrada ou reconhecimento de prescrição intercorrente, afigura-se um contrassenso condenar o credor ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em razão da extinção parcial e anômala do feito executório, em razão da aprovação do plano de recuperação judicial da parte devedora", de modo que "mostra-se oportuno que o princípio da causalidade incida em desfavor da parte executada, já que foi a causadora da demanda executiva ao deixar de cumprir espontaneamente e tempestivamente com a obrigação evidenciada no título executivo" (AgInt nos EDcl no AREsp 1.959.034/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 31/3/22). A orientação do STJ, acima firmada no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, é classificada pela própria Corte Superior como "jurisprudência dominante", nos moldes do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, razão pela qual, em homenagem à segurança jurídica, deve ser observada pelas demais cortes do país. _____________ 1 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 276. v. 1.  2 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 47ª. ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 106. v.1.
A jurisprudência defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas nessa coluna CPC na Prática1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social. Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual.2 Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 2ª Seção do STJ, que, de forma unânime, previu a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso. Todos os usuários dos muitos sistemas de processos eletrônicos utilizados por nossos Tribunais sabem das dificuldades que muitas vezes são enfrentadas para a consulta do teor dos autos ou mesmo para o protocolo de prazos. Essas instabilidades muitas vezes não são certificadas de imediato e há sempre o risco de termos a decretação de uma intempestividade em virtude de problemas técnicos alheios às partes. Desse modo, é de se comemorar o referido julgado que está assim ementado: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA ENTRE JULGADO DA TERCEIRA E DA QUARTA TURMA DO STJ. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. COMPROVAÇÃO. INSTABILIDADE SISTEMA DE ELETRÔNICO. ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. TEMPESTIVIDADE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO PRAZO. Embargos de divergência em agravo em recurso especial opostos em 21/3/24 e conclusos ao gabinete em 16/4/24. O propósito recursal é dirimir suposta divergência em relação à possibilidade de comprovar a indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao da interposição do recurso. A lei do processo eletrônico determina, em seu art. 10, que se o sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. É entendimento deste STJ que a mera alegação de indisponibilidade do sistema eletrônico do Tribunal, sem a devida comprovação, mediante documentação oficial, não tem o condão de afastar o não conhecimento do recurso, em razão da impossibilidade de aferição da sua tempestividade. Um dos documentos idôneos a comprovar a indisponibilidade do sistema é o relatório de interrupções, que deve ser disponibilizado ao público no sítio do Tribunal, conforme disciplina o art. 10, da resolução 185 do CNJ. É desarrazoado exigir que, no dia útil seguinte ao último dia de prazo para interposição do recurso, a parte já tenha consigo documentação oficial que comprove a instabilidade de sistema, sendo que não compete a ela produzir nem disponibilizar este registro. Este Tribunal da Cidadania não pode admitir que a parte seja impedida de exercer sua ampla defesa em razão de falha técnica imputável somente ao Poder Judiciário, notadamente porque ao menos há fundamentação legal para tanto. A regra do art. 1.003, §6º, do CPC, trata somente dos feriados locais, não devendo ser aplicada extensivamente às situações que versem sobre instabilidade do sistema eletrônico, pois é fato novo e inesperado o qual a parte não necessariamente terá como comprovar até o dia útil seguinte. A fim de evitar-se uma restrição infundada ao direito da ampla defesa, necessário interpretar o art. 224, §1º do CPC de forma mais favorável à parte recorrente, que é mera vítima de eventual falha técnica no sistema eletrônico de Tribunal. Admite-se a comprovação da instabilidade do sistema eletrônico, com a juntada de documento oficial, em momento posterior ao ato de interposição do recurso. Embargos de divergência conhecidos e providos para declarar a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso." (g.n.) (EAREsp n. 2.211.940/DF, relatora ministra Nancy Andrighi, 2a Seção, julgado em 12/6/24, DJe de 18/6/24.) Deve-se alertar que mesmo com esse julgamento unânime, o ideal é que a parte seja precavida e não deixe para obter as cópias ou mesmo protocolizar suas petições nas últimas horas ou dias do prazo fatal, eis que os sistemas eletrônicos ainda apresentam muitas falhas e deve-se evitar dissabores e discussões processuais, que só atrasam a tramitação do feito.   Portanto, é de enaltecer tais decisões que afastam rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam para que o STJ efetivamente exerça o seu papel de responsável por uniformizar a interpretação da lei federal. _________ 1 Disponível aqui.  Disponível aqui.  Disponível aqui. 2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Marco Félix Jobim e  Fabrício de Farias Carvalho (Revista de Processo: RePro, São Paulo, v. 44, n. 298, dez. 2019): "Todavia, além da contribuição legislativa e doutrinária, que já vem cumprindo seu papel de forma eficiente, é necessária uma abertura dos tribunais ao novo modo de pensar o processo, em especial, sob o prisma da primazia do julgamento de mérito, rechaçando-se posturas jurisprudenciais defensivas e otimizando-se, mediante interpretação adequada ao modelo constitucional de processo, a aplicabilidade das regras aqui tratadas, para que as mesmas não tenham seu alcance tolhido por posições descomprometidas com um processo digno."
A gratuidade da justiça prevista nos arts. 98 e seguintes do CPC e na lei 10.060/50 visa proporcionar o acesso à justiça aos necessitados, considerados, "(...) para os fins legais todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família."1 A extensão do benefício contempla não só as custas judiciárias, quando cabíveis, mas todo o custo financeiro destinado a prática do ato processual, à exemplo de honorários dos peritos (art. 3º da lei 1.060/50 e art. 98, § 1º, I a IX do CPC). O conceito jurídico indeterminado "insuficiência de recursos" (art. 98, caput, do CPC) ou "situação econômica não lhe permita pagar" é tema de recorrente indagação na doutrina e definição de constante intepretação pela jurisprudência. Recentemente a segunda turma do STJ decidiu que o enquadramento na faixa de isenção do imposto de renda não é critério hábil a autorizar o deferimento da assistência judiciária gratuita: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS. ART. 99, § 5º, DO CPC/2015. ADVOGADO NÃO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. INTIMAÇÃO. RECOLHIMENTO EM DOBRO. ART. 1.007, § 4º, DO CPC/2015. PREPARO. AUSÊNCIA. DESERÇÃO CONFIGURADA. SÚMULA 187/STJ. 1. A jurisprudência do STJ, em conformidade com o art. 99, § 5º, do CPC/2015, firmou o entendimento de que, tratando-se de recurso que versa exclusivamente sobre o valor dos honorários de sucumbência fixados em favor do advogado da parte que formulou pedido de gratuidade da justiça, como no presente caso, tal recurso estará sujeito a preparo, ressalvada a hipótese em que o próprio advogado demonstrar que tem direito à assistência judiciária gratuita. 2. Desse modo, o benefício da gratuidade de justiça concedido à parte autora do processo principal não se estende ao seu procurador, que, nos autos, executa apenas os honorários advocatícios, salvo se comprovada por este a necessidade pessoal para auferir tal benefício, o que não ocorreu na espécie. 3. Outrossim, cumpre esclarecer que o STJ também vem rejeitando a adoção do critério de enquadramento na faixa de isenção de Imposto de Renda como critério para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita 4. Ademais, eventual deferimento de tal pedido após a interposição do Recurso Especial não teria efeito retroativo, não isentando a parte do recolhimento do respectivo preparo quando da interposição do apelo. Isto é, ainda que o pedido de justiça gratuita formulado no reclamo fosse deferido, o deferimento não teria o condão de afastar a deserção do recurso, o qual continuaria não sendo conhecido. 5. Nesse panorama, verifica-se que o Recurso Especial não foi oportunamente preparado e que, embora regularmente intimado para realizar recolhimento em dobro das custas processuais, a parte não o fez. Incide, no caso, o disposto na Súmula 187/STJ. 6. Agravo Interno não provido." (STJ, AGInt. no AResp. n. 2441809/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 8/04/2024, grifou-se)  O voto condutor bem elucida:  (...) Outrossim, cumpre esclarecer que o STJ também vem rejeitando a adoção do critério de enquadramento na faixa de isenção de Imposto de Renda como critério para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita Ademais, eventual deferimento de tal pedido após a interposição do Recurso Especial não teria efeito retroativo, não isentando a parte do recolhimento do respectivo preparo quando da interposição do apelo. Isto é, ainda que o pedido de justiça gratuita formulado no reclamo fosse deferido, o deferimento não teria o condão de afastar a deserção do recurso, o qual continuaria não sendo conhecido. A propósito: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO PREPARO NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. DESERÇÃO CARACTERIZADA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFERIMENTO TÁCITO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS EX NUNC. DECISÃO MANTIDA. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais e morais. 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, a parte recorrente deve comprovar, no momento da interposição do recurso especial, o recolhimento das custas e do porte de remessa e retorno devidos à União, bem como dos valores locais, estipulados pelo Tribunal de origem. Precedentes. 3. A ausência de comprovação de recolhimento do preparo no ato da interposição do Recurso Especial implica sua deserção. Incidência da Súmula 187 desta Corte. 4. O benefício da gratuidade judiciária não tem efeito retroativo, de modo que a sua concessão posterior à interposição do recurso não tem o condão de isentar a parte do recolhimento do respectivo preparo. Desse modo, nem mesmo eventual deferimento da benesse nesta fase processual, descaracterizaria a deserção do recurso especial. Precedentes. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.380.943/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023.) Nesse panorama, verifica-se que o Recurso Especial não foi oportunamente preparado e que, embora regularmente intimado para realizar recolhimento em dobro das custas processuais, a parte não o fez. Incide, no caso, o disposto na Súmula 187/STJ. Ausente a comprovação da necessidade de retificação a ser promovida na decisão agravada, proferida com fundamentos suficientes e em consonância com entendimento pacífico deste Tribunal, não há prover o Agravo Interno que contra ela se insurge. Por tudo isso, nego provimento ao Agravo Interno. É como voto. (...)"  Deveras, o entendimento supra citado (i) não só defende que o enquadramento na faixa de isenção de imposto de renda não é elemento suficiente a autorizar a concessão da gratuidade, (ii) mas também fundamenta, ao menos no que tange a interposição do recurso especial, que eventual gratuidade postulada no ato de interposição de recurso somente terá efeitos após o respectivo deferimento, não tendo este, todavia, o condão de retroagir ao ato processual quando da interposição de recurso. Em outras palavras, embora formulado o pedido de gratuidade da justiça quando interposto o recurso, eventual deferimento não contemplará o preparo recursal. Respeitado entendimento em sentido contrário o julgado acima soa parcialmente equivocado. No tocante ao entendimento de que a faixa de isenção de imposto de renda não implica deferimento automático da gratuidade da justiça, tal pensar soa razoável, porquanto outros elementos de prova poderão ser cotejados com vistas a aferir a real necessidade do benefício (a exemplo de extrato de conta corrente e faturas de cartão de crédito, comummente exigido por alguns magistrados). Todavia, entender que a gratuidade da justiça uma vez deferida, não retroagirá ao ato processual quando de seu requerimento reflete negar o próprio benefício. O CPC é claro em autorizar a concessão da gratuidade limitada a prática de "(...) algum ou a todos os atos processuais." (art. 98, § 5º), o que significa dizer que por vezes a parte não terá capacidade financeira para a prática de um único ato processual, a exemplo do recolhimento de custas de preparo em dado recurso. Logo, se por vezes a parte não dispõe de capacidade financeira para recolher o preparo necessário ao conhecimento do recurso a ser interposto e formula aludido pleito quando de sua tempestiva interposição, soa contraditório acolher o entendimento de que, malgrado a gratuidade venha a ser deferida, esta terá efeito após o seu deferimento, a ponto da benesse não poder ser estendida ao próprio fato gerador do pleito de gratuidade formulado, qual seja, o recolhimento das custas de preparo recursal. Acolher tal entendimento, com a venia de sempre, significa obrigar a parte a a) formular o pleito de gratuidade antes da interposição do recurso e b) correr para sua apreciação com urgência, c) em tempo hábil para que a benesse seja examinada e deferida antes da interposição, e, desta feita, ficará segura quanto a não aplicação da pena de deserção. __________ 1 Parágrafo único do art. 2º da lei 1.060/50.
Eugen Ehrlich sabiamente proclamou que o Direito é um mero lago em um oceano de fatos. Nesse contexto, tanto o processualista como o legislador possuem a difícil missão de sempre adaptar e/ou transformar o sistema normativo diante das intermináveis mutações fáticas.  É nesse cenário que esse humilde e breve artigo apresentará alguns pontos de diálogo entre o universo da internet e a legislação processual, tendo-se como objetivo demonstrar que possivelmente estamos no início de uma longa caminhada para adaptar os veículos do processo civil às infinitas evoluções da tecnologia.  O clássico processo civil, tido como ciência social prática voltada a instrumentalizar a satisfação do direito material a ser tutelado, precisa naturalmente conviver, nos tempos modernos, com uma realidade tecnológica avançada; o que exige, portanto, não só a adaptação profissional daqueles que militam nos pretórios, como também um olhar cauteloso sobre como zelar pela segurança jurídica e pelas garantias constitucionais em uma era cada vez mais regida por ferramentas virtuais. O CPC/15, de certa forma, já entrou em vigor com previsões contemporâneas a esse inevitável movimento tecnológico. Mas, por certo, mesmo após a vigência do diploma processual, ocorreram inserções no Código inspiradas nas novas tecnologias; tudo de modo a se demonstrar que as adaptações normativas, com esse vetor de diálogo entre direito e novas tecnologias, vieram para ficar. Um primeiro exemplo se encontra logo no art. 193 do CPC/15, que estipula que: "Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei".  E, em sintonia com os pilares fundamentais da publicidade e do contraditório, o art. 194 do CPC/15 prescreve que: "Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções." Cada vez mais, na rotina do nosso contencioso, ocorrem comunicações e práticas de atos processuais através de plataformas virtuais, sendo que esses importantes arts. 193 e 194 se mostram bem frequentes no cotidiano forense.  Com preocupação quanto à segurança jurídica, o art. 195 do CPC/15 orienta que: "O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei". E, com a mesma diretriz, é a previsão do art. 197 do CPC/15: "Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade." Para comprovar que a era da tecnologia já é um fator dominante para o modelo processual, o art. 246 do CPC/15 prescreve que a citação deve ser feita preferencialmente por meio eletrônico: "A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do CNJ." Aliás, o art. 246 do CPC/15 tem forte ligação com a portaria CNJ 46, a qual dita que, desde 1/3/24, grandes e médias empresas devem se cadastrar no Domicílio Judicial Eletrônico, integrante do Programa Justiça 4.0 do CNJ, que tem como finalidade centralizar as comunicações de processos em uma única plataforma digital. O art. 270 do CPC/15, na mesma direção, estabelece que: "As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei". Em aplaudido prestígio ao princípio da imediatidade do julgador com a prova oral produzida em audiência, o parágrafo terceiro do art. 385 do CPC/15 possibilita a realização, por vídeo conferência, do depoimento pessoal de parte que reside em comarca diferente da que está tramitando o feito: "§ 3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento". Com idêntica finalidade, para fins da prova testemunhal, é a previsão do parágrafo primeiro do art. 453: "§ 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento". Pode-se afirmar, aliás, que a prática de audiências e julgamentos virtuais tornaram-se muito frequentes na era pós pandemia relativa ao vírus Covid-19, razão pela qual o CNJ proferiu o ato normativo 0003090-74.2022.2.00.0000, de 21/6/22, para melhor reger a realização das videochamadas. Ainda no ambiente das provas, o art. 441 do CPC/15 expressamente admite o documento eletrônico: "Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica". Inegável que cada vez mais a produção de documentos ocorre nos ambientes virtuais, sendo certo que, não raro, importantes negociações acabam sendo realizadas e documentadas através de plataformas digitais.  Atento a isso, o art. 784 do CPC/15 reconhece o documento eletrônico como título executivo, salientando, em seu parágrafo 4º, que: "Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura".  Nunca é demais frisar que a segurança jurídica no manejo dos atos e negócios eletrônicos é estrutura fundamental para a higidez do procedimento executivo, de tal modo que se recomenda sempre o uso de plataformas digitais que possam conferir garantia de autenticidade das assinaturas a serem inseridas nos documentos.  Em aliança com a busca de efetividade e eficiência nos atos executivos, conforme previsões dos arts. 4º e 8º do CPC/15, as técnicas de investigação patrimonial e de penhora, na era da internet, ganharam velocidade através dos famosos sistemas da família "Jud", implementados pelo CNJ: Sisbajud; CCS-Bacen; Infojud; Infoseg; Renajud; SerasaJud; Sniper; SREI e SNGB - Sistema Nacional de Gestão de Bens. A notória penhora online tem minuciosa previsão no art. 854 do CPC/15 e é, sem dúvida, uma grande ferramenta para a célere busca de patrimônio do devedor no procedimento executivo: "Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução". Os breves pontos de diálogo acima elencados entre o CPC/15 e o mundo da internet não são exaustivos, tanto que as noticiadas recentes formas de as Cortes nacionais se organizarem para otimizar e realizar os seus trabalhos estão fortemente influenciadas pelos movimentos de automação e de aplicação de IA.  A busca de um Poder Judiciário 4.0 é regida por iniciativas de gestão de dados, categorização de atos processuais e otimização de atividades.  Segundo pesquisa do CNJ, houve um grande aumento no volume de projetos de IA no Poder Judiciário, sendo que em 2022 foram apontadas 111 iniciativas, com 53 Tribunais no país já aplicando formas avançadas de tecnologia para a prática de atos processuais.  O Janus, como exemplo, é uma solução que automatiza tarefas repetitivas e utiliza a IA para apoiar o julgamento de pedidos de candidatura e tentar agilizar na prestação de contas eleitorais. Outro projeto é o Gemini, que agrupa processos por similaridade de tema nas unidades de primeiro e segundo grau da Justiça do Trabalho, podendo ajudar a acelerar os julgamentos. Por sua vez, a Sofia, assistente virtual de atendimento (chatbot) nos juizados especiais do TJ/BA, utiliza IA na triagem automática de processos. O Amon, ainda em fase de teste, permite reconhecimento facial a partir de imagens e vídeos atendendo algumas necessidades da segurança interna do Tribunal.  Já o Toth, em fase de estudos, permitirá análise da petição inicial do advogado buscando recomendar a classe e os assuntos processuais a serem cadastrados no PJE durante a autuação. A maioria das iniciativas do Poder Judiciário está voltada para o levantamento, a classificação e gestão de dados. Mas, não há dúvidas de que existem estudos para implementação de IA para auxiliar na elaboração de textos jurídicos, para reconhecer visualmente detentos, para identificar classe e assunto de processo a partir dos termos da petição inicial, para identificar e categorizar processos com semelhanças e para fins de identificação de relevância e/ou repercussão geral e para otimizar movimentos processuais.  Destaca-se, ainda, o Projeto Victor, fruto de uma parceria entre o STF e a Universidade de Brasília, o qual foi idealizado para auxiliar a Corte Suprema na análise dos recursos extraordinários, especialmente quanto à sua classificação em temas de repercussão geral de maior incidência. No STJ, destaca-se o projeto Sócrates 2.0, concebido como uma plataforma composta por: Sistema de gerenciamento de normas; Sistema de gerenciamento de controvérsias; Sistema de gerenciamento de modelos; Pesquisa automática de jurisprudência; Pesquisa automática de doutrina;  Sistema de gerenciamento de acervo por controvérsias. Como visto, a era da tecnologia veio para transformar a rotina das atividades forenses, sendo que pontos de conexão entre o CPC/15 e o universo da internet naturalmente não se limitam aos humildes e breves exemplos acima elencados.  E em um momento de celebração de aniversário do Marco Civil da Internet, sem prejuízo da importância magistral da lei 12.965/14 como um todo, destaca-se, para fins da instrumentalização dos atos processuais, a fundamental observância do art. 3º, V, desta norma: "Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas".  Naturalmente, por fim, a evolução normativa do sistema processual prosseguirá, ainda que com atrasos, sempre buscando-se se adaptar às velozes mutações da tecnologia; em mais uma demonstração de que o direito, claro, é um mero lago em um oceano de fatos.
A possibilidade de fixação de honorários equitativos também nos casos de grande vulto é sem dúvida uma das maiores controvérsias do Código de Processo Civil de 2015 e já foi abordado por diversas vezes em nossa coluna.  De fato, entre as novidades do CPC/2015 quanto aos honorários está a restrição à sua fixação por equidade e que era amplamente aplicada no CPC/1973. De acordo com o § 8º, do artigo 85 do CPC, a equidade na fixação dos honorários advocatícios só pode se dar para aumentar honorários que seriam irrisórios1.  Entretanto, muitos juízes e Tribunais passaram a entender que o previsto no § 8º teria uma mão dupla, isto é, seria aplicado para aumentar honorários irrisórios e, também, poderia ser aplicado para diminuir honorários tidos por exorbitantes.  A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao afastar tal possibilidade no julgamento do Tema 1.076 parecia ter dado ponto final à discussão.  Entretanto, a controvérsia foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que para surpresa de muitos entendeu que a questão seria constitucional e teria repercussão geral. No dia 24/5/2024 foi publicado o esperado acórdão do Recurso Extraordinário nº 1.412.069, relatado pelo ministro André Mendonça. Nele restou esclarecido que o Tema de Repercussão Geral n.º 1.255 se restringe às demandas em que a Fazenda Pública é parte.  Essa conclusão é extraída, principalmente, dos seguintes trechos do voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes:  "Em suma, discute-se no presente Recurso Extraordinário se a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve sempre e necessariamente ter por critérios os previstos nos §§ 3º a 6º do art. 85 do CPC - ou se, em determinados casos, cabe a aplicação do § 8º do referido dispositivo legal" (pg. 31 do acórdão)  "A discussão, que tem o potencial de reproduzir-se em inúmeras causas, envolve o dispêndio de vultosas verbas públicas, em hipóteses nas quais, em princípio, não houve contraprestação que o justifique." (pg. 34 do acórdão)  "De fato, em se tratando de valores expressivos de dinheiro público, é preciso avaliar se a opção do legislador, segunda a visão que lhe conferiu o STJ, passa no teste de constitucionalidade" (pg. 36 do acórdão) Portanto, em processos envolvendo particulares, não há nenhuma razão para a não aplicação do tema 1.076 do STJ e a fixação dos honorários advocatícios entre 10% e 20%, nos termos do artigo 85, § 2, do CPC.  Se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Nesses casos, o legislador houve por bem afastar a equidade e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários-mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo e pelo interesse público que ela representa.  Desse modo, espera-se que o Supremo Tribunal Federal respeite a opção do legislador de afastar a discricionariedade prevista no Código de 1973 quanto a utilização da equidade na fixação dos honorários advocatícios, criando critérios objetivos para tal fixação. De fato, o CPC/15 procurou afastar subjetivismos dos magistrados ao fixar honorários muito dispares nas ações que envolvem os entes públicos. __________ 1 Nesse sentido o professor Cássio Scarpinella Bueno defende que "Sua aplicação, todavia, deve ficar restrita às hipóteses referidas no próprio § 8º do artigo 85, isto é, quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando se tratar de valor da causa tão baixo que a fixação percentual referida nos §§ 3º e 4º do mesmo art. 85 não teria o condão de remunerar condignamente o trabalho do advogado. Entendimento contrário seria fazer prevalecer regra similar à do § 4º do art. 20 do CPC de 1973 que foi, como já destaquei acima, abolida do sistema processual pelo CPC de 2015." ("Honorários Advocatícios e o art. 85 do CPC de 2015: reflexões em homenagem ao professor José Rogério Cruz e Tucci", Estudos de Direito processual Civil em homenagem ao Professor José Rogério Cruz e Tucci, Salvador: Jus Podivm, 2018, p.134.
quinta-feira, 23 de maio de 2024

A impenhorabilidade presumida na visão do STJ

A penhora de ativos financeiros está consagrada no art. 854 do CPC, cujo regramento processual, uma vez cumprida a ordem inicial de bloqueio de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, preceitua (i) que no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do cumprimento da ordem, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), (ii) e, uma vez intimado o executado quanto eventual bloqueio exitoso ao credor, caberá a este o ônus de demonstrar que tais valores são impenhoráveis ou houve bloqueio em excesso ao quantum debeatur (art. 854, § 2º). Tal regramento, em atendimento ao Princípio da Execução, encontra seu contraponto no art. 833, X, do CPC, forte em dizer ser impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança em até 40 (quarenta) salários mínimos1. Malgrado o art. 854, § 2º determine o ônus do Executado suscitar eventual impenhorabilidade, a Primeira Turma do STJ recentemente decidiu que valores penhorados, em quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, detém impenhorabilidade presumida, cabendo ao juiz, de ofício, determinar sua liberação, (i) independentemente de ouvir o credor e, (ii) cabendo a este o ônus de demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA ON-LINE. SISTEMA BACENJUD. VALORES INFERIORES A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. PROVIMENTO NEGADO. 1. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos. Isso porque, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento." (STJ, Agint no AResp 2220880/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 26.02.2024, v.u., grifou-se)  O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas:  (...) A controvérsia dos autos cinge-se à (i)legitimidade do reconhecimento, de plano, da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, isso porque, além de as matérias de ordem públicas serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. A propósito, cito os seguintes precedentes desta Corte: ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. PENHORA. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE DESBLOQUEIO EX OFFICIO. 1. A penhora eletrônica não pode descurar-se do disposto no art. 833, X, do CPC, uma vez que "a previsão de impenhorabilidade das aplicações financeiras do devedor até o limite de 40 salários-mínimos é presumida, cabendo ao credor demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias de cada hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário" (AREsp n. 2.109.094, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe de 16/8/2022).   2. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte de Justiça, a impenhorabilidade constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, não havendo falar em nulidade da decisão que, de plano, determina o desbloqueio da quantia  legalmente penhorada. 3. Agravo interno não provido (AgInt no AREsp 2.151.910/RS, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/09/2022, DJe de 22/09/2022, destaquei).  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SISTEMA BACENJUD. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa aos art. 1.022 do CPC/2015. 2. São impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativo financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida. Precedentes: AgInt no AREsp n. 2.209.418/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023; EDcl no AgInt no AREsp n. 2.109.465/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/12/2022, DJe de 19/12/2022; AgInt no REsp n. 2.036.049/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.158.284/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 4/11/2022; AgInt no AREsp n. 2.149.064/PR, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 28/10/2022. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.358.584/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) A Corte regional, como visto, decidiu em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, razão pela qual o acórdão recorrido não merece reparos. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno."  Respeitado entendimento em sentido contrário o julgado acima soa equivocado. A uma, o art. 854, § 2º do CPC dispõe expressamente ser ônus do executado suscitar eventual impenhorabilidade, não se podendo falar em impenhorabilidade presumida. A duas, a única hipótese que o CPC autoriza o cancelamento ex oficio da ordem de indisponibilidade ou penhora online é limitada a indisponibilidade excessiva (art. 854, § 1º), o que também não se confunde com o acolhimento, ex oficio, de uma impenhorabilidade presumida. A três tal qual fundamento no aresto, se caberá ao credor a "(...) demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor", em que momento lhe será assegurada tal oportunidade de contraditório se antes disso já restar cancelada a ordem de penhora ex oficio? A quatro, não se pode olvidar a implementação, via sistema SISBAJUD, das repetições programadas de ordem de bloqueio de depósito em contas corrente ou ativos financeiros (teimosinha), cujas repetições de bloqueio recorrentes podem se estender até 30 (trinta) dias. Melhor seria ao magistrado ao menos aguardar o fim de aludido período com vistas a verificar se o total dos valores bloqueados no curso de 30 (trinta) dias transcende o limite legal de 40 (quarenta) salários mínimos. __________ 1 Posteriormente referida limitação de impenhorabilidade restou estendida pelo STJ para ativos financeiros que não sejam interpretados como reserva de capital, a exemplo de valores depositados em conta corrente.
Conforme veiculado na semana anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese relativa ao tema repetitivo n. 769. Como se sabe, a questão submetida a julgamento foi a definição, no âmbito da execução fiscal, a respeito: "i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela Lei 6.830/1980; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade"1. A tese firmada, conforme bem noticiado por Elias Marques de Medeiros Neto nessa Coluna2, foi a seguinte: "I - A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora de faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei 11.382/2006; II - No regime do CPC/2015, a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada; III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro; IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805, parágrafo único, do CPC/2015; art. 620, do CPC/1973): a) autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado". Apesar de o tema versar sobre recursos repetitivos, não se pretende aqui repetir o que foi muito bem colocado anteriormente nesta Coluna na semana passada. O objetivo é tratar apenas de uma das afirmações contidas na tese firmada, a de n. III, a saber: "A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro". Esta colocação feita pelo relator Min. Herman Benjamin, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.835.864/SP, na Primeira Seção, julgado em 18/4/2024, publicado no DJe de 9/5/2024, é muito relevante e vale a pena transcrever este trecho da ementa: "10. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, até porque em tal hipótese a própria Lei de Execução Fiscal seria incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo em que classifica a expressão monetária como o bem preferencial sobre o qual deve recair a penhora (art. 11, I), expressamente registra que a penhora sobre direitos encontra-se em último lugar (art. 11, VIII) e que a constrição sobre o estabelecimento é medida excepcional (art. 11, § 1º) - em relação aos dispositivos dos CPCs de 1973 e atual, vale a mesma observação, como acima descrito. 11. Mesmo a mudança de patamar da penhora de faturamento (que deixou de ser medida excepcional, segundo a disciplina da Lei 11.382/2006 e do novo CPC) não altera a conclusão acima, pois o legislador expressamente previu, como situações distintas, a penhora de dinheiro e do faturamento.  No sentido de rejeitar a equiparação entre tais bens: REsp 1.170.153/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.6.2010; AgRg no Ag 1.032.631/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.3.2009; AgRg no Ag 1.368.381/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23.4.2012". Em síntese, a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, pois o Código de Processo Civil (CPC) estabelece situações distintas para cada uma, bem como requisitos específicos, assim como o faz a Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/1980). O art. 835, caput, do CPC, estabelece que "a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem (...)" para em seguida, colocar a penhora de dinheiro no inciso I ("dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira") e a sobre faturamento no inciso X ("percentual do faturamento de empresa devedora"). Tal ordem não é rígida, em razão do disposto no § 1º do mesmo artigo: "é prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto". A Lei de Execuções Fiscais, por sua vez, prescreve que a penhora ou arresto de bens observará a seguinte ordem: "I - dinheiro"; (...) "§ 1º Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção" De qualquer ângulo que se examine a questão, o CPC e a Lei de Execuções Fiscais (LEF) trataram de formas distintas e penhora em dinheiro e a penhora sobre faturamento de empresa, tanto que a previsão da possibilidade de elas acontecerem, seja no processo civil ou na execução fiscal, está colocada em lugares diferentes de ambos os diplomas legais (CPC, art. 835, incisos I e X; LEF, art. 11, inciso I e § 1º). A única diferença é que a LEF previa como excepcional a medida de penhora de faturamento e agora, após o julgamento do repetitivo que resultou no Tema n. 769 do STJ, não há mais esta excepcionalidade na execução fiscal. Diante do exposto, a conclusão só pode ser uma: a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada a penhora sobre dinheiro na execução fiscal, sendo esta última prioritária, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput do art. 835 do CPC, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. __________ 1 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024). 2 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024).
Como já havíamos alertado em artigo publicado nessa coluna, o STJ havia afetado para julgamento sob rito dos repetitivos alguns recursos especiais, gerando-se o Tema Repetitivo 769, cuja questão submetida a julgamento foi a seguinte: "Definição a respeito: i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela lei 6.830/80; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade". 1 E, ao apreciar o tema, com o julgamento dos REsps 1.666.542, 1.835.864 e 1.835.865, com a relatoria do ministro Herman Benjamin, a 1ª seção do STJ reconheceu expressamente que a penhora sobre o percentual do faturamento de empresa pode ocorrer sem a necessidade do prévio esgotamento das diligências para a busca de outros bens. A tese do Tema 769, desta forma, ficou assim fixada: "A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para penhora do faturamento foi afastada após a reforma do CPC/73, pela lei 11.382. No regime do CPC/15, a penhora do faturamento listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial poderá ser definida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação. A constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender nos termos do art. 835, parágrafo 1º, do CPC/15. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro. Na aplicação do princípio da menor onerosidade, art. 805, parágrafo 1º, do CPC/15 e, similarmente, o art. 620 do 1.973: (i) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; (ii) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito a autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado". 2 Já defendíamos que a excepcionalidade estipulada no art. 866 do CPC deveria ser relativizada pelo STJ, conferindo-se mais eficiência no manejo da importante constrição sobre parcela do faturamento da empresa devedora. Por isso, é com aplausos que recebemos essa importância notícia do julgamento do Tema 769. Lembramos que o art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida". O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15. Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade online, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15. E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa.  Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor,3 em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador. E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica. A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa. A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado, aí se incluindo as eventuais providências, naquilo que couber, dos arts. 855 a 860 do CPC/15, caso venha a ocorrer a natural associação entre recebíveis oriundos de créditos e outros direitos patrimoniais e o faturamento da companhia. O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi,4 em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora.5 O administrador deve ter a cautela de não comprometer o funcionamento da empresa, conforme bem lembra o professor português J.P. Remédio Marques,6 em lição referente ao instituto da penhora de empresa existente no direito português: "Porque de uma organização de factores de produção se trata, a penhora do estabelecimento não deve obstar ao prosseguimento do giro comercial (ou industrial), conforme se consigna no n. 3 do art. 862-A." E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes." 7 Quanto ao procedimento da penhora de faturamento, de início esclarece-se que o magistrado, atendendo a requerimento do credor, pode, em decisão adequadamente motivada, deferir a constrição sobre o percentual do faturamento da empresa devedora, nos termos dos arts. 835, X, e 866 do CPC/15. Esta decisão pode ser objeto de agravo de instrumento a ser manejado pelo devedor, o qual também pode propor ao magistrado a substituição da penhora, seja com base nos arts. 805 e 847 do CPC/15, seja com base no art. 848 do CPC/15. O magistrado, após ouvir o credor, decidirá pela substituição da penhora de faturamento por outra modalidade de penhora, sendo certo que esta decisão também pode ser objeto de agravo de instrumento.  Nos termos dos arts. 838 e 840 do CPC/15, a penhora se aperfeiçoa com a indicação de um depositário, o qual, no caso, terá a incumbência de elaborar um plano de atuação e de pagamento para o credor, plano este que deverá ser chancelado e fiscalizado pelo magistrado.  Ao indicar o depositário, cumpre ao magistrado fixar sua remuneração, nos termos do art. 160 do CPC/15, remuneração esta que deverá ser inicialmente arcada pelo credor; o qual, todavia, deverá ser reembolsado quando do pagamento do que lhe é devido na execução. Entende-se que o depositário deve ser um expert, um verdadeiro especialista no ramo de contabilidade e/ou economia e/ou administração de empresas, além de conhecer o setor de atividade da empresa executada. Deve ser administrador qualificado. Como lembra Araken de Assis,8 o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora. Carlos Henrique Abrão9 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade". As partes podem recorrer da indicação do depositário, caso alguns dos requisitos essenciais para sua nomeação não tenham sido observados pelo magistrado. E tanto para que o expert possa elaborar o seu plano de atuação, como adequadamente atuar na sua efetivação, é certo que ele precisa ter acesso aos documentos necessários para compreender as fontes de receita que a empresa possui, além de suas dívidas e despesas em geral; verificando a real necessidade de capital de giro do devedor. O depositário administrador, na elaboração do seu plano de pagamento, deverá levar em consideração as fontes de receita da empresa, a sua necessidade de capital de giro, o valor do crédito executado, o tempo razoável para que o débito possa ser pago, a existência de créditos preferenciais e as demais dívidas e despesas do devedor. Também deverá, o administrador, apontar a sua forma de atuação, delimitando os poderes de gestão que são necessários para a implementação do plano. Carlos Henrique Abrão,10 sobre a atividade do administrador, enfatiza que: "Adjetivar o pressuposto do encargo significa emprestar ao administrador judicial inerente responsabilidade, isso porque não intervém como gestor, ou gerente delegado, mas exclusivamente funciona para verificar aquilo que é possível dentro da constrição determinada. Identificado com a realidade de sua atividade, o administrador judicial, arregaçando as mangas, deve conhecer o procedimento e verificar o crédito exigido e quais os percentuais necessários à tomada de decisão. A integração da medida judicial implica na agilidade do administrador para assumir o compromisso e apresentar ao juízo estimativa do custo e o plano de pagamento. Com razão, o desinteresse do administrador ou sua letargia, no cumprimento da ordem judicial, invariavelmente representa fator negativo que desarticula o alcance pretendido." Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se sobre a receita bruta como um todo, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo. Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes deverão ser ouvidas, em contraditório,11 quanto aos termos do plano de pagamento, cabendo ao magistrado, em decisão motivada, recorrível por agravo de instrumento, homologar o plano ou determinar que o administrador apresente esclarecimentos ou o refaça.12 Com a homologação do plano, compete ao administrador zelar pela sua efetiva realização, atuando dentro dos limites daquele. Carlos Henrique Abrão,13 neste tópico, lembra que: "... sua fiscalização deve ser rigorosa e concentrada na sua implementação. Em linhas gerais, assinalando que mensalmente o valor será transferido para a conta judicial, deve acompanhar e verificar todas as implicações e não apenas aguardar providências da empresa devedora. Comunicará na primeira oportunidade sobre o descumprimento daquilo pactuado, até para permitir eventual penhora online ou medidas paralelas. Não pode ficar o administrador desatento ou letárgico: Deve manter periódica visitação e acompanhamento da atividade operacional, esclarecendo ao juízo o descumprimento e a infundada prática, motivando medidas supletivas. Com efeito, sabendo o administrador judicial que o ingresso de recursos parte de títulos recebíveis em mãos de terceiros, nada prejudica que dê ciência aos devedores e procedam ao depósito judicial dos valores, uma vez que a empresa devedora se mostrou refratária da medida judicial relativa ao faturamento. Eventual omissão do administrador, implicando letargia ou leniência em face do procedimento adotado pela empresa, poderá significar infidelidade e resultar na sua destituição. (...). Desse modo, pois, passa o administrador a frequentar o ambiente da empresa e também consultar sua escrituração, no sentido de carrear os elementos fundamentais para concretização do relatório e eventual alteração do percentual sujeito á constrição do faturamento. Existente qualquer entrave, de imediato, será comunicado pelo administrador, no propósito das providências judiciais, advertência, ato atentatório à dignidade da justiça, e, excepcionalmente, posicionar o administrador provisório gerenciando o negócio, a titulo de eliminar as barreiras impostas". É certo que a nomeação do depositário administrador, na penhora de faturamento, não retira do devedor os poderes necessários que lhe são inerentes para a regular condução dos negócios. Mas, não se deve olvidar que o administrador, judicialmente apontado, tem a incumbência de zelar pela regular execução do plano de pagamento.14 O administrador, caso sinta que suas atividades estão sendo prejudicadas por dolo do devedor, deve comunicar tal fato prontamente ao magistrado; a quem caberá garantir que o administrador tenha todos os poderes necessários para o bom e regular exercício de sua função, podendo-se determinar medidas de força, tais como busca e apreensão de documentos e aplicação de multas ao devedor. O administrador também deve cuidar do depósito judicial dos valores auferidos com a penhora de faturamento, sendo sua incumbência prestar contas mensalmente perante o magistrado.  As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento. Para o caso de comprovadas falhas na atuação do administrador, além das responsabilidades inerentes ao art. 161 do CPC/15, o magistrado poderá promover sua destituição e nomear outro em seu lugar. O administrador e/ou as partes, sempre observado o regular contraditório, também podem levar ao conhecimento do magistrado a necessidade de adequação do plano de pagamento; seja no caso de mudanças no curso dos negócios da empresa, seja em virtude de mudanças no cenário econômico, seja em razão de novas penhoras que venham a ser realizadas contra o faturamento do devedor por parte de outros credores, dentre outros fatores. Cabe ao magistrado, após a apresentação de retificações no plano de atuação e pagamento pelo administrador, uma vez ouvidas as partes, promover a homologação do novo plano, passando o administrador a se pautar por este último. Essa decisão do juiz, além de ser motivada, também pode ser objeto de recurso de agravo de instrumento. É bem de ver que a constrição sobre o percentual do faturamento, uma vez bem regida e aplicada, pode ser um mecanismo bem menos oneroso para o devedor. Pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras on line, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa. Essa é a lição de Carlos Henrique Abrão15: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, online, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento". Nesse contexto, em linha com os arts. 4 e 8 do CPC/15, e em homenagem ao necessário respeito aos princípios da efetividade e da eficiência na execução civil, o STJ, ao julgar o tema 769, deu um belo passo para prestigiar a importância da penhora do percentual de faturamento da empresa. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 4 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184.   5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3.  6 MARQUES, J.P. Remédio. Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto. Porto: Almedina, 2000. p. 267. 7 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 8 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 9 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62. 10 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 67. 11 Sobre a importância de o contraditório ser observado no processo de execução, veja: KUHN, João Lacê. O princípio do contraditório no processo de execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. 12 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 656. 13 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68. 14 HERNANDEZ, José Rubens. Da penhora de faturamento. Campinas: PUCCampinas (Dissertação de Mestrado), 2003. p. 166.  15 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59.
Já tivemos oportunidade de analisar nessa coluna a necessidade de garantia do juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal e quanto ao eventual ressarcimento desses custos no caso da Fazenda Pública ser sucumbente1. De fato, diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia. Não sendo atribuído efeito suspensivo aos Embargos à Execução Fiscal ou sendo os mesmos julgados improcedentes e não tendo a apelação efeito suspensivo automático, é muito comum que o ente público, desde logo, peça que a seguradora/banco deposite integralmente nos autos o valor garantido. Esses pedidos prematuros e desarrazoados acabavam por dificultar muito o oferecimento de seguro garantia e de fiança bancária, pois poucos dias depois da prestação da garantia a seguradora ou o banco já podiam ser compelidos a depositar integralmente o valor garantido. De fato, essa possibilidade de depósito imediato acabava por limitar e encarecer as garantias. E esses pleitos vinham sendo acolhidos pelos nossos Tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça2.  Em dezembro de 2023, após a derrubada do veto presidencial, foi incluído o § 7º ao artigo 9º da Lei de Execução Fiscal:  "§ 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada." Dúvida ainda restava na comunidade jurídica quanto a aplicação da norma às garantias que haviam sido prestadas anteriormente à referida alteração legislativa. Entretanto, em recentíssimo julgado, a Primeira Turma do STJ alterou o entendimento3 então vigente na Corte e ainda decidiu que a impossibilidade da liquidação antecipada da garantia também abrangeria os casos já em tramitação:  "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE. 1. A exegese do art. 32, § 2º, da LEF revela carecer de finalidade o ato judicial que intima a seguradora a realizar o pagamento da indenização do seguro garantia judicial antes da ocorrência do trânsito em julgado da sentença desfavorável ao devedor. 2. "As garantias apresentadas na forma do II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada" (art. 9º, § 7º, da LEF, introduzido pela Lei n. 14.689/2023). 3. Cuidando-se de regra processual, o último dispositivo indicado tem imediata aplicação aos processos em tramitação. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial." (AgInt no AREsp n. 2.310.912/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 12/4/2024.) Do voto vencedor se extraem os seguintes trechos e que são bastante elucidativos quanto ao novo entendimento do STJ:  "Dito isso, se o propósito da execução é satisfazer a dívida, carece de finalidade o ato judicial que intima a seguradora para realizar o depósito do valor assegurado antes do trânsito em julgado, pois somente depois de operada essa condição é que a razão de ser desse depósito - qual seja, a de possibilitar a correspondente entrega do dinheiro ao credor (por conversão em renda da Fazenda Pública) - poderá acontecer, consoante a aludida disposição da LEF. Em outras palavras, se a finalidade da execução é satisfazer o crédito do exequente, o ato que permite a cobrança antecipada do seguro, embora onere o executado, não tem o condão de concretizar aquela (finalidade), pois, na prática, a entrega efetiva do numerário cobrado será postergada para o momento em que acontecer o trânsito em julgado dos embargos. (...) "Finalmente, não desconheço a existência de leis que permitem o repasse de valores referentes a tributos depositados judicialmente à Fazenda Pública, a exemplo do estabelecido no art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.703/1998, esta direcionada aos interesses da Fazenda Nacional. Pondero, entretanto, que a destinação precária dos valores dos depósitos judiciais à Fazenda Pública não pode servir de parâmetro para avaliar a necessidade de antecipação desse depósito à garantia do juízo da execução fiscal, questão que, como já disse, deve ser examinada à luz da ponderação dos princípios da menor onerosidade e da efetividade do processo executivo. O citado direito de repasse de valores deriva de depósitos regularmente realizados, de modo que não interfere no juízo relativo ao momento adequado em que devam ser efetuados." Portanto, é de enaltecer tal julgado, que supera o entendimento anterior da Corte e impede a intimação da seguradora/banco a efetuar o depósito integral da garantia antes do trânsito em julgado da sentença, em atenção à alteração legislativa recente da LEF e prestigiando a previsão do artigo 32, § 2º, da Lei de Execução Fiscal e o princípio da menor onerosidade. __________ 1 Disponívem aqui. 2 AgInt no AREsp 1.646.379/RJ (2ª Turma); AgInt no AREsp 1.756.612/RJ (1ª Turma) 3 O julgado faz menção a acórdão esparso e antigo da própria 1ª Turma no mesmo sentido (REsp 1033545 / RJ).
A sistemática do CPC/15 trouxe inúmeras modificações ao antes denominado processo cautelar, dentre as mais marcantes: a) a extinção das medidas cautelares nominadas, b) a formulação do pedido principal nos mesmos autos em que tramita a medida cautelar preparatória (denominada tutela cautelar requerida em caráter antecedente), c) a desnecessidade de recolhimento de novas custas iniciais quando da formulação do pedido principal1 e d) a possibilidade do autor formular, na petição inicial, o pedido cautelar e pedido principal (art. 308, § 1º do CPC). Outras características restaram mantidas como e) o prazo de contestação do pedido cautelar em 5 dias, f) a fungibilidade entre a antecipação de tutela e a tutela cautelar (art. 305, parágrafo único) e g) o pedido principal deve ser ajuizado no prazo de 30 dias após o efetivo cumprimento da tutela cautelar (art. 308, caput). Recentemente a Corte Especial do STJ conheceu de embargos de divergência com vistas a dirimir a controvérsia quanto ao prazo de formulação do pedido principal contar-se em dias úteis (inovação do CPC/15 quanto a contagem dos prazos processuais) ou em dias corridos. A divergência teve origem com vistas a impugnar precedente da 3ª turma do STJ (Resp 2.066.868/SP), perfilhando o entendimento da contagem do prazo em dias úteis: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO. Procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente ajuizado em 22/9/21, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 31/01/22 e concluso ao gabinete em 27/4/23. O propósito recursal consiste em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e qual a natureza do prazo previsto no art. 308 do CPC/15 para a formulação do pedido principal no procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Na hipótese em exame deve de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do agravo de instrumento, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente. Deferido o pedido de concessão de tutela cautelar requerido em caráter antecedente, o autor deverá adotar as medidas necessárias para que a tutela seja efetivada dentro de 30 dias, sob pena de cessar a sua eficácia (art. 309, II, do CPC/15). Após a sua efetivação integral, o autor tem a incumbência de formular o pedido principal no prazo de 30 dias, o que deverá ser feito nos mesmos autos e independentemente do adiantamento de novas custas processuais (art. 308 do CPC/15). O prazo de 30 estabelecido no art. 308 do CPC/15, diferentemente do que ocorria no CPC/73, não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela definitiva, mas à formulação do pedido principal no processo já existente. Ou seja, a formulação pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso. Consequentemente, esse prazo tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/15). Desatendido o prazo legal, a medida cautelar concedida perderá a sua eficácia (art. 309, I, do CPC/15) e o procedimento de tutela cautelar antecedente será extinto sem exame do mérito. Na espécie, o Tribunal de origem decidiu pela natureza decadencial do lapso temporal estabelecido no art. 308 do CPC/15 e declarou a intempestividade do pedido principal. No entanto, trata-se de prazo processual, de modo que o pedido foi apresentado de forma tempestiva. Recurso especial conhecido e provido." (grifou-se) Por sua vez, a divergência restou conhecida por força da existência de precedente paradigma da Primeira Turma (AGInt no REsp 1.982.986/MG, relator ministro Benedito Gonçalvez, DJE 22/6/22), por entender que o prazo para formulação do pedido principal a tutela cautelar antecedente é decadencial e, portanto, contado em dias corridos: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/15 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/73, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual "a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar" (súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes. Na vigência do CPC/15, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/15), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da súmula 83 do STJ. Agravo interno não provido." (grifou-se) Ao final a Corte Especial sedimento o entendimento de contagem do prazo em dias úteis: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. PRAZO PARA FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL (ART. 308 DO CPC/15). NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. Divergência verificada para dirimir controvérsia sobre se o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis. Alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, devendo o pedido principal ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar). Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/15), fato que não afeta o direito material em discussão. Constatação de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. 6. Embargos de divergência conhecidos e não providos." (STJ, Embargos de Divergência em Resp 2.066.868/SP, Corte Especial, relator min. Reis Junior, v.u., j. 3/4/24). O voto condutor, encabeçado pelo ministro Sebastião Reis júnior, ponderou, em síntese: "(...) Registro, pois, que a controvérsia é única: saber se o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica material ou processual e, consequentemente, se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. As razões para se considerar o mencionado prazo como de natureza material tem base a noção de Pontes de Miranda do direito substancial de cautela e de sua caducidade. Nessa linha, reputa-se tratar de prazo decadencial, tendo servido de fundamento para a elaboração da súmula 482 do STJ, editada ainda na vigência do CPC/73: 'A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.' O acórdão paradigma enumera algumas decisões desta Corte que consideram a natureza decadencial do prazo: AgInt no AREsp 1351646/CE, ministro Aurélio Bellizze, 3ª turma, DJe 15/3/21; AgInt nos EDcl no REsp 1.801.977/MS, ministro Raul Araújo, 4ª turma, DJe 20/11/20; AgInt no AREsp 898.521/SP, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, DJe 1/2/17. (...) De outro norte, sintetizo as razões daqueles que defendem a natureza jurídica processual do prazo do art. 308 do CPC: houve alteração no CPC/15 com relação ao procedimento para requerimento de medidas cautelares antes da formulação do pleito de concessão da tutela definitiva satisfativa; a principal mudança é a de que o pedido principal deverá ser formulado nos mesmos autos em que requerida a tutela cautelar antecedente, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar); dedução do pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo já em curso e; o transcurso do prazo não impede o ajuizamento da demanda principal, apenas retira a eficácia de tutela concedida e impede o aproveitamento dos autos no qual foi requerida. Assim, o direito material em discussão não é afetado. (...) Em ambos os julgados das turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, que firmaram entendimento no sentido da natureza processual do prazo do art. 308 do CPC, diversas foram as doutrinas citadas, dentre as quais destaco as lições de Fernando Gajardoni: 'Achamos mais adequado classificá-lo como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual). [...]. Aplica-se para a contagem do trintídio o art. 224 do CPC, excluindo-se o dia do começo (efetivação) e incluindo-se o dia do final. E aplica-se, também, o disposto no art. 219 do CPC, vez que se trata de prazo para a prática de ato processual (formulação do pedido principal), sendo, portanto, contado em dias úteis. (Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 439- 440) (grifo nosso). Em igual sentido: De qualquer modo, não se trata de um prazo de direito material, pois o seu transcurso in albis não provoca encobrimento das eficácias da pretensão e da ação que defluem da relação material objeto da lide principal (o que seria a prescrição). Também não é provocada a perda ou a morte do direito subjetivo de que irradiam a pretensão e a ação (o que seria a decadência) (sem razão, portanto, STJ, 2. a T., REsp 669.353, reI. min. Mauro Campbell Marques, Dle 16-4-2009; STJ, 3. a T., REsp 687.208, reI. min. Nancy Andrighi, Dl 16-10-2006, p. 365). Tampouco se trata de um prazo preclusional de índole pré- processual, cujo transcurso in albis impossibilitaria a dedução do pedido principal. Na realidade, está-se diante de um prazo processual, criado para o requerido não ficar indefinidamente à mercê dos efeitos da tutela cautelar contra ele concedida, sem que seja instaurada a pendência da lide principal. Por razões de política processual, sujeita-se a eficácia da medida cautelar à condição resolutiva da não dedução do pedido principal em trinta dias. Só isso. Daí ser inaceitável cogitar-se da impossibilidade de interrupção ou suspensão do prazo, como se fosse ele decadencial. Não se trata de prazo fatal e improrrogável. É corriqueira no dia a dia forense, p. ex., a sua suspensão durante o período de recesso forense; além do mais, nada impede a suspensão por qualquer das causas previstas nos arts. 220, 221, 222 e 313, I, II e III, do CPC/2015. (STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Coordenador executivo Alexandre Freire. Comentários ao Código de Processo Civil. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 308.) (grifo nosso) (...) Assentadas as bases da discussão, destaco ser incontroversa a distinção da regulação da tutela cautelar antecipada nos CPCs de 1973 e de 2015. De modo a melhor visualizar a situação, transcrevo ambos os dispositivos: CPC/73 - Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. (grifo nosso) CPC/15 - Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. (grifo nosso) Sendo visível a modificação promovida pelo legislador, resta perquirir se há repercussão quanto à natureza jurídica do instituto. Para tanto, necessário se faz distinguir as normas de direito material das processuais. Carreira Alvim aponta que normas materiais ou substanciais são aquelas que disciplinam diretamente as relações de vida, procurando compor conflitos de interesses entre os membros da comunidade social, bem como regular e organizar funções socialmente úteis (Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital). Conforme pontuado no acórdão embargado, caracteriza-se como de direito material o prazo - prescricional ou decadencial - "para a parte praticar determinado ato fora do processo" (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Livro eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749). De outro giro, para a caracterização de um prazo como processual é primordial aferir se as situações jurídicas que geram efeitos no processo. 'Prazos processuais são aqueles para prática de atos dentro do processo, sendo nele contados . O prazo que tem início, desenvolve-se e encerra-se no processo é um prazo processual [...]. Não importa se o ato a ser praticado é processual ou material; o que importa é que o prazo seja processual, vale dizer, que inicie, corra e termine no processo. O que há de ser processual é o prazo, e não o ato a ser praticado. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. Código de processo civil comentado. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 414) (grifo nosso). (...) É fato que em todos os acórdãos utilizados para substanciar o voto paradigma partiram da premissa de que se tratava de prazo decadencial. Contudo, apenas examinaram qual seria o marco inicial da contagem do prazo, qual seja, a efetivação da medida cautela, tese que não está sob julgamento. Além disso, em que pese serem decisões proferidas já sob a égide do CPC/15, o dispositivo legal analisado em todos os feitos foi o art. 806, do CPC/73. Notório o avanço do CPC/15 em robustecer o sincretismo processual. A sistemática de, implementada a medida cautelar, simples apresentação do pedido principal nos mesmos autos suprimiu do CPC a ação cautelar autônoma. Assim, a atual sistemática prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. Resta claro que o prazo de 30 dias previsto no art. 308 do CPC é para a prática de ato no mesmo processo. A consequência para a não formulação do pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias é a perda da eficácia da medida concedida (art. 309, II, CPC/15, sem afetar o direito material. Nesse sentido: 'O decurso do tempo não gera, portanto, o perecimento do direito material, mas tão somente uma consequência processual. Assim sendo, ou seja, tratando-se de prazo processual, o mesmo admite suspensão por morte, convenção das partes, força maior, férias ou recesso forense. E a forma de sua contagem deverá obedecer ao disposto nos arts. 219 e 224 do CPC/2015. Por outro lado, caso não formulado o pedido principal nesse interregno de 30 dias, cessará a eficácia da tutela cautelar (art. 309, inciso I, do CPC/15)'. DOTTI, Rogéria. Código de processo Civil Anotado. AASP, OAB Paraná. 2(grifo nosso) Desse modo, diante da inovação legislativa e da profunda alteração na sistemática da tutela cautelar antecedente, entendo que a natureza jurídica do prazo previsto no art. 308 do CPC é processual. Nesse sentido, como desdobramento lógico, sua contagem deverá ser realizada apenas considerando os dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. Ante o exposto, conheço, mas NEGO PROVIMENTO aos embargos de divergência para que prevaleça nesta Corte o entendimento de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC." (grifou-se) As ponderações acima soam acertadas pois: a) a redação do art. 308 do CPC não deixa dúvidas de que a providência de formulação do pedido principal (ou o seu não atendimento), nos mesmos autos, guarda efeitos endoprocessuais, o que não se confunde com o direito material, b) tampouco o não cumprimento de aludido prazo guardará efeitos extraprocessuais a ponto de impedir que aludido pedido seja endereçado em nova demanda, c) de sorte que, sendo a natureza jurídica de prazo processual, de rigor a observância dos artigos 219 e 224 do CPC, a observar a contagem de aludido prazo em dias úteis. __________ 1 Desde que o pedido principal tenha o mesmo proveito econômico do pedido cautelar. 2 Disponível aqui. Acesso em 28/02/2024, p. 526.
Como se sabe, o art. 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC) atual, estabelece que são impenhoráveis os valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Tal dispositivo repete o texto do art. 649, inciso X, do CPC/1973. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente mencionada no Informativo n. 804, de 19 de março de 2024, proferida nos autos do Recurso Especial n.1.677.144/RS, julgado em 21.02.2024, por unanimidade, manifestou-se no sentido de que valores depositados em outras aplicações (que não a caderneta de poupança), até 40 (quarenta) salários mínimos, também são considerados impenhoráveis se forem observadas as seguintes condições: "a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinado a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave). b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas). c) importante ressalvar que a circunstância descrita anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial). d) para os fins da impenhorabilidade descrita acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades"1. Diante disso, o STJ passou a permitir a penhora de valores do devedor em aplicações até 40 (quarenta) salários mínimos, que não necessariamente sejam cadernetas de poupança Em outras palavras, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até quarenta (40) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Ademais, se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o limite de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial. __________ 1 Disponível aqui. (acesso em 17.04.2024)
O parágrafo quarto do art. 1.021 do CPC/15 estabelece que: "Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa". Sabe-se que, nos termos do art. 932 do CPC/15, o relator, em algumas hipóteses processuais, pode relativizar o princípio da colegialidade recursal e proferir uma decisão monocrática no julgamento do recurso. Para essas situações, o CPC/15 disponibiliza à parte sucumbente a possibilidade de interpor o agravo interno, conforme disciplina o correspondente art. 1.021: "Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal". O agravo interno acaba sendo um mecanismo para garantir ao recorrente a chance de devolução da matéria ao colegiado. Todavia, nas hipóteses em que esse recurso for considerado manifestamente inadmissível, como visto acima, existe o risco de aplicação da considerável multa de um a cinco por cento do valor atualizado da causa. Fato é que em situações de manifesta inadmissibilidade do agravo interno, o STJ já chancelou a aplicação dessa onerosa penalidade, conforme se nota no julgamento do AgInt no AREsp 2.410.903/DF: "2. É manifestamente inadmissível o recurso especial quando a parte recorrente não demonstra como o acórdão recorrido violou os dispositivos legais invocados, tampouco como teria havido divergência jurisprudencial. 3. Hipótese dos autos em que é gritante a ausência de fundamentação do recurso especial, vício esse que não foi suprido sequer quando da interposição do agravo interno. Recurso interno que se revela manifestamente improcedente, a atrair a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC". O manejo intempestivo do agravo interno também já foi motivo para a aplicação da aludida multa, conforme se nota no julgamento, pelo STJ, do AgInt no AREsp 1.565.889/SP: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. INOBSERVÂNCIA. MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CPC/15. AGRAVO INTERNO INTEMPESTIVO. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. 1. A interposição de agravo interno após o prazo legal de quinze dias úteis implica o não conhecimento do recurso, por intempestividade, nos termos dos arts. 219, 1.003, § 5º, 1.021, § 4º, e 1.070 do CPC/15. 2. Recurso manifestamente inadmissível, impondo-se a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, no montante equivalente a 1% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º do citado artigo de lei. 3. Agravo interno não conhecido, com aplicação de multa". Por outro lado, a Corte Superior tem diversos julgados considerando que o mero desprovimento unânime do agravo interno não é elemento suficiente para a aplicação da aludida multa, sendo necessário mesmo que o recurso seja manifestamente inadmissível. Veja-se: "Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso" (AgInt no REsp 2.046.525 / SC. No mesmo sentido: AgInt no REsp 2.097.466/SP). "O mero não conhecimento ou a improcedência do agravo interno não enseja a necessária imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/15, tornando-se imperioso para tal que seja nítido o descabimento do recurso, o que não se verifica na espécie" (AgInt no AREsp 2.425.981/SP). "O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/15, devendo ser analisado caso a caso" (AgInt no AREsp 2.435.457/RJ). "A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/15 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação da parte agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória" (AgInt no CC 200.766/SP). Neste cenário, em boa hora foi a afetação do REsp 2.043.826/SC para julgamento no formato do rito dos repetitivos, no qual se apreciará o Tema 1.201: "Aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC); 2) Possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado". O Tema 1.201 do STJ estabelecerá um sinal da "manifesta inadmissibilidade" para fins de aplicação da multa prevista no parágrafo quarto do art. 1021 do CPC/15, notadamente quando o agravo interno for interposto em colidência com precedente qualificado previsto no rol do art. 927 do CPC/15. A iniciativa do STJ merece aplausos e avança um passo a mais no prestígio ao sistema de precedentes idealizado no CPC/15, em verdadeira homenagem à busca de segurança jurídica.
A possibilidade de condenação em honorários equitativos fora da expressa disposição legal do artigo 85, § 8, é sem dúvida a maior controvérsia trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. Tal celeuma ganha ainda maior importância na comunidade jurídica, eis que afeta a remuneração dos advogados, que militam no Contencioso. Como é de conhecimento de todos, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Representativo de Controvérsia (REsp nº 1.850.512/SP, Tema nº 1.076 do STJ), fixou a seguinte tese: "A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo". O que parecia ser o final da controvérsia quanto ao tema acabou não sendo e ainda hoje se discute a fixação de honorários equitativos em grande parte dos processos. O tema fica ainda mais sensível quando envolve a Fazenda Pública, eis que mesmo tendo uma fixação específica e por faixas (§ 3º) para o Poder Público em Juízo1, acaba sempre trazendo a discussão que uma fixação de honorários tidos por "exorbitantes" prejudicaria toda a coletividade. A esse respeito, o próprio acórdão exarado no Tema 1.076 trouxe ponderações bastante interessantes, confira-se: "É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota." (g.n.) (STJ, REsp nº 1.850.512/SP, Relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, Julgado em 16/03/2022, DJe de 31/05/2022) É retratada exatamente a extinção de execuções fiscais propostas sem uma prévia análise da Fazenda, de forma automática. Nesses casos, o Contribuinte não é onerado pelo Judiciário, que fixa os honorários nos termos legais, mas sim pelo Ente Público, que ajuíza e insiste em manter a cobrança de créditos totalmente indevidos. De fato, todo mundo que milita em face da Fazenda Pública sabe que é muito comum o ajuizamento de Execuções Fiscais de débitos inexistentes ou prescritos e que acabam sendo extintas, nos termos do artigo 26 da Lei de Execução Fiscal: "Art. 26 - Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Dívida Ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes." Já é entendimento unânime, que não pode prevalecer a parte final do dispositivo e a Fazenda deve ser condenada a pagar honorários nesses casos. Entretanto, o acórdão abaixo da 1ª Turma do STJ vem sendo replicado constantemente para justificar a condenação da Fazenda Pública em honorários equitativos no caso de extinções de Execuções Fiscais pelo artigo 26 da LEF: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. CANCELAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA. DESPROPORCIONALIDADE. JUÍZO DE EQUIDADE. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO TEMA REPETITIVO 1.076 DO STJ. DISTINÇÃO. 1. Não obstante a literalidade do art. 26 da LEF, que exonera as partes de quaisquer ônus, a jurisprudência desta Corte superior, sopesando a necessidade de remunerar a defesa técnica apresentada pelo advogado do executado em momento anterior ao cancelamento administrativo da CDA, passou a admitir a fixação da verba honorária, pelo princípio da causalidade. Inteligência da Súmula 153 do STJ. 2. A necessidade de deferimento de honorários advocatícios nesses casos não pode ensejar ônus excessivo ao Estado, sob pena de esvaziar, por completo, o referido artigo de lei. 3. Da sentença fundada no art. 26 da LEF não é possível identificar objetiva e direta relação de causa e efeito entre a atuação do advogado e o proveito econômico obtido pelo seu cliente, a justificar que a verba honorária seja necessariamente deferida com essa base de cálculo, de modo que ela deve ser arbitrada por juízo de equidade do magistrado, critério que, mesmo sendo residual, na específica hipótese dos autos, encontra respaldo nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade preconizados no art. 8º do CPC/2015. Precedente: REsp 1.795.760/SP, rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/11/2019, DJe 03/12/2019. 4. A hipótese em exame não se encontra abarcada pela tese jurídica firmada no julgamento do Tema repetitivo 1.076 do STJ, pois a solução adotada no caso concreto decorre da interpretação do art. 26 da LEF, aspecto não tratado no precedente obrigatório, o que justifica a distinção. 5. Agravo interno não provido." (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.967.127/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 1/8/2022.) Contudo, em recentíssima decisão, a 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo analisou a fundo o precedente do Superior Tribunal de Justiça supracitado e decidiu, que devido às particularidades existentes no paradigma do STJ, não poderia ser aplicado a todos os casos de extinção de Execução Fiscal pelo artigo 26 da LEF: "Apelação. Execução fiscal. A sentença extinguiu o feito, com fundamento no artigo 26 da LEF e condenou a Fazenda ao pagamento de honorários, estes fixados no percentual mínimo do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3º, incisos I a V do CPC. Irresignação recursal fazendária relacionada aos parâmetros utilizados para a fixação da verba honorária sucumbencial. Descabimento. Bem aplicado o entendimento exarado no Recurso Representativo de Controvérsia (REsp nº 1.850.512/SP, Tema nº 1076 do STJ), no qual foi consignada a tese de que a fixação dos honorários por equidade não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, como na hipótese dos autos. Em tais casos, se a Fazenda Pública for parte na demanda, referido Tribunal pontuou que é obrigatória a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC. No mais, não se aplica o recente julgado do STJ suscitado em sede recursal no qual admitiu-se a possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa em casos de extinção da execução com esteio no art. 26 da LEF, tendo em vista que, na espécie, é plenamente possível identificar-se, objetiva e diretamente, a relação de causa e efeito entre a atuação do advogado do executado e o resultado obtido. Nega-se provimento ao recurso, com majoração de honorários."  (TJSP;  Apelação Cível 1653835-23.2021.8.26.0090; Relator (a): Beatriz Braga; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro das Execuções Fiscais Municipais - Vara das Execuções Fiscais Municipais; Data do Julgamento: 29/02/2024; Data de Registro: 29/02/2024) No voto a Relatora explicitou: "No mais, ressalte-se que a situação tratada nos autos, ao contrário do sustentado pelo apelante, NÃO é a mesma da abarcada pelo acórdão da apelação do processo que deu origem ao AgInt no AREsp nº 1.967.127/RJ. Nele constou que "a empresa demandada ingressa nos autos em 01/09/2016 para suscitar a prescrição intercorrente (...), tese rejeitada pelo Magistrado a quo, reconhecendo a inércia exclusiva do Poder Judiciário (...); prosseguindo a execução fiscal, o executado oferece carta de fiança para a garantia dos débitos fiscais, aceita pelo Município exequente (...); contudo, verificado o cancelamento da CDA, sobreveio a sentença objurgada", que declarou "extinta a presente execução com fulcro no artigo 26 da Lei 6.830/80" e condenou a Fazenda Pública "aos honorários de sucumbência no percentual de 8% sobre o valor atualizado da causa" (Apelação nº 0132488-96.2009.8.19.0001, TJRJ, 6ª Câmara Cível, rel. Des. Sandra Santarém Cardinali, DJE 06/03/2018) (grifos nossos). Como se vê no julgado acima citado, a extinção da execução se deu a partir da constatação do cancelamento da CDA e independentemente de intervenção da executada e, no corpo do voto constou que "da sentença fundada no art. 26 da LEF não é possível identificar objetiva e direta relação de causa e efeito entre a atuação do advogado e o proveito econômico obtido pelo seu cliente, a justificar que a verba honorária seja necessariamente deferida com essa base de cálculo, de modo que ela deve ser arbitrada por juízo de equidade do magistrado". Ao revés, no caso em análise, como dito, a executada contratou advogado e apresentou exceção de pré-executividade sob o argumento de que a execução baseava-se em cobrança indevida. Somente após a apresentação da defesa da executada o Município realizou o cancelamento administrativo da dívida e requereu a extinção da execução fiscal com fundamento no artigo 26 da LEF, motivo pelo qual o feito foi extinto nos termos requeridos. Percebe-se, pois, que a hipótese em discussão nos presentes autos difere da mencionada pelo Município apelante, eis que o proveito econômico da presente demanda, além de nitidamente elevado, é plenamente apalpável porque é possível identificar-se, objetiva e diretamente, a sua relação de causa e efeito com a atuação do advogado da executada, de modo que devidamente aplicada a tese firmada no Tema 1.076 do STJ: "A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados". Assim, no paradigma do STJ, a exceção foi rejeitada pelo Judiciário e a CDA não foi extinta devido à defesa apresentada pelo Contribuinte. Entretanto, o que geralmente ocorre, é que após a apresentação da exceção, o Fisco verifica a incorreção da cobrança e pede a extinção da Execução Fiscal. Há a relação de causa (apresentação da exceção) e efeito (cancelamento da CDA e extinção da execução). Foi exatamente o que ocorreu no caso julgado pelo TJSP. Portanto, cabe ao advogado demonstrar que a sua atuação nos autos acabou levando ao cancelamento da dívida ativa e a extinção da execução fiscal, diferenciando o seu caso do paradigma do Superior Tribunal de Justiça, que é constantemente replicado para fixar os honorários de forma equitativa. __________ 1 Já tivemos oportunidade de defender nessa própria coluna que: "De fato, se já não faz sentido a aplicação do § 8º para minorar honorários fixados em ações de particulares (§ 2º), menor sentido ainda existe na aplicação em causas em que a Fazenda Pública é parte. Conforme já visto, o legislador houve por bem afastar a equidade nesses casos e previu uma fixação escalonada, isto é, quanto maior o valor em discussão, menores são as alíquotas em cada uma das faixas. Por exemplo, para a última faixa, com valores superiores a cem mil salários mínimos, os honorários só poderão ser fixados entre 1% e 3%. Desse modo, o legislador já previu alíquotas bem mais baixas que o mínimo de 10%, que temos para os particulares, exatamente pelas especificidades da Fazenda Pública em juízo."
No toante ao tema prescrição intercorrente a Primeira Turma do STJ já decidiu por afastar a condenação da exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, sendo necessário, por oportuno, a resistência do credor a extinção do feito fundada na prescrição intercorrente, a aplicar-se o princípio da sucumbência: "PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RESISTÊNCIA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. O reconhecimento da prescrição intercorrente não permite a condenação da parte exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, de modo que, se ela não resistir ao pedido de extinção do feito fundado nesse motivo, estará desonerada desse ônus; ao revés, havendo oposição do credor, a verba honorária será devida, com respaldo no princípio da sucumbência. Precedentes. 2. Hipótese em que a Fazenda Pública impugnou a exceção de pré-executividade, defendendo a inocorrência da prescrição e a continuidade da execução fiscal. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp 1.854.589/PR, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/3/2022) Por sua vez, a Terceira Turma do STJ entende que a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, tampouco atrai a sucumbência ao exequente: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMA PARA PIOR. 1. Cuida-se de agravo interno por meio do qual o executado, em razão da decretação da prescrição intercorrente, postula a fixação de honorários advocatícios em seu favor. 2. Consoante a jurisprudência de ambas as Turmas que compõem esta 2ª Seção, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. Precedentes. 3. Hipótese dos autos em que, contudo, mostra-se inviável a imputação das verbas de sucumbência à parte executada, ante o princípio da vedação da reforma para pior (non reformatio in pejus). 4. Agravo interno não provido." (AgInt nos EDcl no REsp 1.813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,Terceira Turma DJe de 18/12/2020) O cotejo de tais julgados culminou no julgamento, pela Corte Especial, dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.854.589-PR, a consolidar o seguinte entendimento: "PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA NA EXECUÇÃO EXTINTA POR PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUSTAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, PRECEDIDO DE RESISTÊNCIA DO EXEQUENTE. RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A controvérsia cinge-se em saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, mesmo após a extinção da execução pela prescrição. 2. Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais. 3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. 4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens. 5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. 6. Embargos de divergência providos para negar provimento ao recurso especial da ora embargada." (STJ, Corte Especial, Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.854.589-PR, rel. Min. Raul Araújo, j.09/11/2023, grifou-se) O voto condutor, encabeçado pelo Ministro Raul Araújo, ponderou, em síntese: "(...) Em ambos os julgados confrontados, a prescrição intercorrente foi decretada pelo d. Juízo singular, com condenação do exequente ao pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado, após a oposição de exceção de pré-executividade pelo devedor, a qual fora impugnada pela parte credora. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.854.589/PR, no acórdão embargado, houve restabelecimento da condenação prevista na r. sentença quanto à fixação de honorários advocatícios em favor da parte executada, aplicando-se o princípio da sucumbência. Por outro lado, nos autos do REsp 1.813.803/SP, no aresto paradigma, embora tenha sido reconhecida a prescrição intercorrente, não se restabeleceram os ônus sucumbenciais em favor da parte executada, por se entender aplicável o princípio da causalidade. No recurso especial relativo ao acórdão paradigma, concluiu-se que "a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente". No recurso julgado no aresto embargado, por sua vez, considerou-se que, havendo resistência da parte exequente ao pedido de aplicação da prescrição intercorrente, em exceção de pré-executividade, a verba honorária será devida pelo exequente, com respaldo no princípio da sucumbência. Portanto, mostram-se presentes conclusões jurídicas dissonantes, diante de uma mesma situação processual. De fato, em ambos os casos houve impugnação pelo credor à exceção de pré-executividade apresentada pelo devedor, a qual visava à decretação da prescrição intercorrente. Não obstante, o d. Juízo de primeira instância reconheceu o implemento da aludida prescrição e esta Corte de Justiça, no âmbito de sua competência, ao examinar a questão dos ônus sucumbenciais, deu interpretação divergente nos dois julgados mencionados. Desse modo, atendidos os requisitos de admissibilidade recursal e havendo nítida similitude processual entre os acórdãos confrontados, é devido o conhecimento dos presentes embargos de divergência. (...) No mérito, a controvérsia cinge-se a saber se a resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente, alegada em exceção de pré- xecutividade, é capaz de afastar o princípio da causalidade na fixação dos ônus sucumbenciais, após a extinção da execução, fazendo incidir o princípio da sucumbência. (...) Nessa compreensão, com o reconhecimento da prescrição intercorrente, a parte que deu causa à instauração do processo executivo é que deverá suportar as despesas dele decorrentes. Tal ônus, portanto, é imposto, em regra, ao executado, que deixou de satisfazer espontaneamente a obrigação exequenda, evitando-se, assim, seja o devedor duplamente premiado por seu inadimplemento, livrando-se da execução e ainda auferindo honorários sucumbenciais, enquanto o credor, em contrapartida, é duplamente penalizado, com a frustração de seu direito de crédito e com a responsabilização pelo pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. (...) Contudo, examinando de forma mais aprofundada a matéria nos presentes embargos de divergência, adota-se a compreensão seguida no v. acórdão paradigma. Com a devida vênia de entendimentos contrários, considera-se que deve mesmo prevalecer, em qualquer das hipóteses acima mencionadas, a orientação pretoriana que faz prevalecer o princípio da causalidade em caso de extinção da execução pelo reconhecimento da prescrição intercorrente, notadamente quando reconhecida em razão da não localização do devedor ou de bens do executado. De fato, a resistência do exequente ao reconhecimento da prescrição intercorrente, decretada diante do decurso de prazo ocorrido após tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor. Desse modo, mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar duplamente a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá. Além disso, é direito da parte exequente defender-se das alegações suscitadas pela parte contrária, no caso o executado, em exceção de pré-executividade, em embargos do devedor ou em outro petitório, assim como é seu direito recorrer das decisões que não lhe são favoráveis, tal como a que decreta a prescrição intercorrente a impedir o prosseguimento do feito executivo. Veja-se que há casos em que a oposição do exequente é fundada e deve ser levada em consideração pelo julgador. Portanto, a resistência, por si só, ao pedido formulado pelo executado de reconhecimento da prescrição intercorrente ou a irresignação, por meio da interposição de recurso, contra a decisão que a decreta não tem o condão de afastar o princípio da causalidade na aplicação dos ônus sucumbenciais e abrir espaço para incidência apenas do princípio da sucumbência. O que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não -, mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização, ou de bens para penhora. Assim, em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade, no arbitramento dos ônus sucumbenciais. Destarte, a causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, gerando sua responsabilidade pela instauração do feito executório e, na sequência, pela sua própria extinção, diante da não localização do executado ou de seus bens. (...) Destarte, se trouxermos essa mesma lógica jurídica para a questão ora controvertida, ter-se-á como conclusão o seguinte: pelo princípio da causalidade, que é mais amplo do que o da sucumbência, quem deu causa à execução foi o executado inadimplente e quem deu causa à extinção do processo executivo foi o mesmo executado, ao não viabilizar sua localização ou de seus bens para penhora. Desse modo, a causa determinante para fins de arbitramento das custas e dos honorários advocatícios, ao final, não está imediatamente associada à efetiva sucumbência do exequente, que teve sua execução extinta pela prescrição intercorrente, mas à atuação do executado, o qual forçou a necessidade de instauração do processo judicial e, após, impediu ou inviabilizou sua efetivação. Assim, a causa determinante, prevalente não é a sucumbência; a causa determinante é a responsabilidade do devedor recalcitrante. Daí que o princípio da causalidade encontra ampla aplicação. (...) Acrescente-se, por derradeiro, que não se aplica, no caso em exame, a tese firmada no Tema 421 dos recursos especiais repetitivos, segundo a qual "é possível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios em decorrência da extinção da execução fiscal pelo acolhimento de exceção de pré-executividade". Isso, porque neste tema afirmou-se apenas a possibilidade de fixação de honorários advocatícios em exceção de pré-executividade, quando seu acolhimento acarreta o fim da execução fiscal em debate mais aproximado do mérito acerca da dívida executada (p. ex., anterior pagamento do crédito, compensação, consignação em pagamento, etc). Todavia, se o motivo da extinção for apenas a prescrição intercorrente, em razão da ausência de localização do devedor ou de seus bens para penhora, a incidência será daqueles outros precedentes, mais específicos, que foram acima delineados. (...) Nesse contexto, entende-se configurada a divergência jurisprudencial no presente recurso uniformizador, devendo prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do decisum que deu provimento ao recurso especial, de maneira a afastar a condenação da Fazenda estadual ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do executado. Diante do exposto, dá-se provimento aos embargos de divergência do ESTADO DO PARANÁ, para negar provimento ao recurso especial de FARMÁCIA REGENTE FEIJÓ LTDA. É como voto." (grifou-se) Em voto vista encabeçado pela Ministra Nancy Andrighi, restou complementado: (...) 11. No entanto, do atento exame da jurisprudência desta Corte Superior, é possível concluir que o entendimento francamente majoritário é aquele segundo o qual a decretação da prescrição intercorrente em razão da ausência de localização de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, já que este deu causa ao ajuizamento da execução ao deixar de satisfazer dívida líquida e certa, não atraindo, portanto, os ônus sucumbenciais à parte exequente. Trata-se da aplicação do princípio da causalidade. (...) 23. Com efeito, rogando as mais respeitosas vênias às posições em contrário, eventual resistência do exequente à decretação da prescrição intercorrente não afasta os pressupostos que justificam a existência da execução, representando, a rigor, legítimo exercício do contraditório e da ampla defesa, garantias com assento constitucional. 24. Em outras palavras, a prescrição intercorrente não infirma, ao menos diretamente, a certeza e a liquidez do título executivo, tampouco faz desaparecer do mundo jurídico o inadimplemento do devedor. 25. Nesse contexto, não é razoável - e atentaria contra os princípios da boa-fé processual e da cooperação -, punir duplamente o credor, impondo-lhe o dever de arcar com os ônus sucumbenciais ao mesmo tempo em que vê frustrada a satisfação de seu crédito com a extinção da execução. 26. Por outro lado, tampouco seria lícito premiar duplamente o devedor - que logrou êxito em impedir a sua localização ou a de bens penhoráveis -, que se veria livre da dívida e ainda faria jus ao recebimento, por exemplo, de honorários sucumbenciais. 27. Conforme bem ressaltado pelo e. Relator, "o que deve ser analisado, para fins de fixação da sucumbência, em caso extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a atitude do exequente diante da alegação de prescrição ou da decisão que a decreta - se resiste ou não - mas sim a antecedente atitude do executado, que: em primeiro lugar, em razão de seu inadimplemento, ensejou a necessidade de se buscar o cumprimento do título executivo em sede judicial; e, em segundo lugar, não possibilitou a realização do crédito no âmbito do processo executivo, impedindo sua localização ou de bens para penhora". 28. Assim, consoante a jurisprudência das Turmas que compõe a Primeira e a Segunda Seções, a decretação da prescrição intercorrente por ausência de localização do executado ou de bens penhoráveis não afasta o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para a parte exequente. 29. Importa mencionar, por fim, que a Lei n. 14.195/2021, que deu nova redação ao §5º do art. 921 do CPC/2015, introduziu na legislação, agora de forma expressa, o referido entendimento já sedimentado, anteriormente, por esta Corte Superior. 30. Desse modo, configurada a divergência jurisprudencial, conclui-se que deve prevalecer a orientação constante do acórdão paradigma, com a reforma do acórdão que deu provimento ao recurso especial, afastando a condenação da parte exequente ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais." (grifou-se) Mediante o entendimento supra, a Corte Especial consolidou o entendimento, portanto, de que (i) a resistência do Exequente a alegação de prescrição intercorrente, uma vez acolhida, não é circunstância apta a ensejar a condenação em verba sucumbencial, (ii) tampouco quando aplicada a prescrição intercorrente diante da não localização de bens do devedor. A ratio decidendi de aludido julgado reside na premissa de que, malgrado detentor de título executivo líquido, certo e exigível, não pode o Exequente, já portador de dívida ou obrigação inadimplida, sofrer os efeitos de verba sucumbencial diante da superveniente prescrição intercorrente reconhecida nos autos. Ao final, a Corte Especial decidiu por afastar qualquer condenação do Exequente uma vez reconhecida a prescrição intercorrente, na leitura, dentre outros fundamentos, que o princípio da causalidade é mais amplo que o princípio da sucumbência. Todavia, deixou também de condenar o devedor a eventual verba sucumbencial, entendimento antes adotado no julgado paradigma que ensejou os embargos de divergência1, a afastar também a aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor. __________ 1 A rigor do entendimento posto no AGInt nos EDcl no REsp 1.1813.803/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi utilizado como paradigma ensejador dos embargos de divergência, onde em tais hipóteses a verba sucumbencial recairia sobre o Executado, por força da aplicação do princípio da causalidade em desfavor do devedor.
O art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida".  O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15.  Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade on line, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15.  E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa.   Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor1, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador.  E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica.  A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa.  A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa. Compete ao administrador fazer um plano de pagamento que atenda aos interesses do credor e que não provoque a insolvência da empresa, devendo tomar todas as cautelas necessárias para que o seu plano, uma vez judicialmente aprovado, seja fielmente executado, aí se incluindo as eventuais providências, naquilo que couber, dos arts. 855 a 860 do CPC/15, caso venha a ocorrer a natural associação entre recebíveis oriundos de créditos e outros direitos patrimoniais e o faturamento da companhia.  O cuidado está, conforme lembra Jairo Saddi2, em se checar quais são as reais "necessidades de caixa da firma, destinadas a financiar o ciclo operacional e a honrar compromissos, tais como compra de matérias primas e de mercadorias, pagamento a fornecedores, salários e encargos com pessoal, tributos, etc...". Da redação do art. 866 do CPC/15, extrai-se a certeza de que a penhora de percentual do faturamento depende, para sua realização, da figura de um depositário - administrador, o qual deverá elaborar um plano de atuação a ser submetido à aprovação judicial, bem como deverá prestar contas mensalmente perante o juízo quanto à sua atuação. É tarefa do administrador, ao elaborar o plano de atuação e pagamento, apontar qual seria o percentual e a respectiva base de cálculo para a realização da constrição sobre o faturamento; tarefa esta que, como leciona Cássio Scarpinella Bueno, deve se pautar pela necessidade de efetivamente satisfazer o direito do exequente, mas, ao mesmo tempo, preservar a existência da empresa devedora3.  O administrador deve ter a cautela de não comprometer o funcionamento da empresa, conforme bem lembra o professor português J.P. Remédio Marques4, em lição referente ao instituto da penhora de empresa existente no direito português: "Porque de uma organização de factores de produção se trata, a penhora do estabelecimento não deve obstar ao prosseguimento do giro comercial (ou industrial), conforme se consigna no n. 3 do artigo 862-A.".  E no mesmo sentido é a jurisprudência do STJ: "É possível a penhora de faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a atividade da empresa. Precedentes." 5 Quanto ao procedimento da penhora de faturamento, de início esclarece-se que o magistrado, atendendo a requerimento do credor, pode, em decisão adequadamente motivada, deferir a constrição sobre o percentual do faturamento da empresa devedora, nos termos dos arts. 835, X, e 866 do CPC/15.  Esta decisão pode ser objeto de agravo de instrumento a ser manejado pelo devedor, o qual também pode propor ao magistrado a substituição da penhora, seja com base nos arts. 805 e 847 do CPC/15, seja com base no art. 848 do CPC/15.  O magistrado, após ouvir o credor, decidirá pela substituição da penhora de faturamento por outra modalidade de penhora, sendo certo que esta decisão também pode ser objeto de agravo de instrumento.   Nos termos dos arts. 838 e 840 do CPC/15, a penhora se aperfeiçoa com a indicação de um depositário, o qual, no caso, terá a incumbência de elaborar um plano de atuação e de pagamento para o credor, plano este que deverá ser chancelado e fiscalizado pelo magistrado.   Ao indicar o depositário, cumpre ao magistrado fixar sua remuneração, nos termos do art. 160 do CPC/15, remuneração esta que deverá ser inicialmente arcada pelo credor; o qual, todavia, deverá ser reembolsado quando do pagamento do que lhe é devido na execução. Entende-se que o depositário deve ser um expert, um verdadeiro especialista no ramo de contabilidade e/ou economia e/ou administração de empresas, além de conhecer o setor de atividade da empresa executada. Deve ser administrador qualificado.  Como lembra Araken de Assis6, o depositário administrador tem a importante tarefa de elaborar um plano de gestão, que, ao mesmo tempo, garanta a eficiência da penhora e não comprometa a atividade normal da empresa devedora.  Carlos Henrique Abrão7 destaca que o depositário deve ser: "normalmente, um administrador de empresas, contador ou economista, que tenha conhecimento do assunto e possa fornecer dados concretos ao livre convencimento do juízo. É preciso que o administrador esteja habilitado e comprove a sua formação profissional, a fim de exercer com responsabilidade, transparência e neutralidade a sua função (...). Trata-se de atividade bastante complexa, peculiar e de extrema responsabilidade, que pauta o elo de ligação entre o juízo e o administrador, de tal modo que a nomeação deixa transparecer, de forma concreta, a sua submissão ao procedimento. Cumpre ao administrador apresentar o plano de pagamento, elaborar periodicamente relatórios e comunicar ao juízo toda e qualquer situação com a qual se depare e possa influenciar sua atividade".  As partes podem recorrer da indicação do depositário, caso alguns dos requisitos essenciais para sua nomeação não tenham sido observados pelo magistrado.  E tanto para que o expert possa elaborar o seu plano de atuação, como adequadamente atuar na sua efetivação, é certo que ele precisa ter acesso aos documentos necessários para compreender as fontes de receita que a empresa possui, além de suas dívidas e despesas em geral; verificando a real necessidade de capital de giro do devedor.  O depositário administrador, na elaboração do seu plano de pagamento, deverá levar em consideração as fontes de receita da empresa, a sua necessidade de capital de giro, o valor do crédito executado, o tempo razoável para que o débito possa ser pago, a existência de créditos preferenciais e as demais dívidas e despesas do devedor. Também deverá, o administrador, apontar a sua forma de atuação, delimitando os poderes de gestão que são necessários para a implementação do plano.  Carlos Henrique Abrão8, sobre a atividade do administrador, enfatiza que: "Adjetivar o pressuposto do encargo significa emprestar ao administrador judicial inerente responsabilidade, isso porque não intervém como gestor, ou gerente delegado, mas exclusivamente funciona para verificar aquilo que é possível dentro da constrição determinada. Identificado com a realidade de sua atividade, o administrador judicial, arregaçando as mangas, deve conhecer o procedimento e verificar o crédito exigido e quais os percentuais necessários à tomada de decisão. A integração da medida judicial implica na agilidade do administrador para assumir o compromisso e apresentar ao juízo estimativa do custo e o plano de pagamento. Com razão, o desinteresse do administrador ou sua letargia, no cumprimento da ordem judicial, invariavelmente representa fator negativo que desarticula o alcance pretendido."  Com a compreensão de todos os ativos e passivos da empresa, o administrador terá condições de indicar ao magistrado qual é o melhor percentual e a melhor base de cálculo da receita para a realização da penhora sobre o faturamento; se deve recair sobre a parcela líquida da receita bruta ou se sobre a receita bruta como um todo, e/ou se deve consistir em determinado percentual inferior a 5%, ou superior a este número, como exemplo.  Os limites da penhora de faturamento, incluindo percentual, base de cálculo e tempo de constrição, se baseiam, portanto, nos trabalhos do administrador, o qual, após amplo acesso aos documentos e informações necessários, elabora plano de pagamento e o submete à aprovação judicial. As partes deverão ser ouvidas, em contraditório9, quanto aos termos do plano de pagamento, cabendo ao magistrado, em decisão motivada, recorrível por agravo de instrumento, homologar o plano ou determinar que o administrador apresente esclarecimentos ou o refaça10.  Com a homologação do plano, compete ao administrador zelar pela sua efetiva realização, atuando dentro dos limites daquele. Carlos Henrique Abrão11, neste tópico, lembra que: "... sua fiscalização deve ser rigorosa e concentrada na sua implementação. Em linhas gerais, assinalando que mensalmente o valor será transferido para a conta judicial, deve acompanhar e verificar todas as implicações e não apenas aguardar providências da empresa devedora. Comunicará na primeira oportunidade sobre o descumprimento daquilo pactuado, até para permitir eventual penhora online ou medidas paralelas. Não pode ficar o administrador desatento ou letárgico: deve manter periódica visitação e acompanhamento da atividade operacional, esclarecendo ao juízo o descumprimento e a infundada prática, motivando medidas supletivas. Com efeito, sabendo o administrador judicial que o ingresso de recursos parte de títulos recebíveis em mãos de terceiros, nada prejudica que dê ciência aos devedores e procedam ao depósito judicial dos valores, uma vez que a empresa devedora se mostrou refratária da medida judicial relativa ao faturamento. Eventual omissão do administrador, implicando letargia ou leniência em face do procedimento adotado pela empresa, poderá significar infidelidade e resultar na sua destituição. (...). Desse modo, pois, passa o administrador a frequentar o ambiente da empresa e também consultar sua escrituração, no sentido de carrear os elementos fundamentais para concretização do relatório e eventual alteração do percentual sujeito á constrição do faturamento. Existente qualquer entrave, de imediato, será comunicado pelo administrador, no propósito das providências judiciais, advertência, ato atentatório à dignidade da justiça, e, excepcionalmente, posicionar o administrador provisório gerenciando o negócio, a titulo de eliminar as barreiras impostas".  É certo que a nomeação do depositário administrador, na penhora de faturamento, não retira do devedor os poderes necessários que lhe são inerentes para a regular condução dos negócios. Mas, não se deve olvidar que o administrador, judicialmente apontado, tem a incumbência de zelar pela regular execução do plano de pagamento12.  O administrador, caso sinta que suas atividades estão sendo prejudicadas por dolo do devedor, deve comunicar tal fato prontamente ao magistrado; a quem caberá garantir que o administrador tenha todos os poderes necessários para o bom e regular exercício de sua função, podendo-se determinar medidas de força, tais como busca e apreensão de documentos e aplicação de multas ao devedor.  O administrador também deve cuidar do depósito judicial dos valores auferidos com a penhora de faturamento, sendo sua incumbência prestar contas mensalmente perante o magistrado.   As partes e o magistrado, sempre dentro do espírito da cooperação, devem fiscalizar a atuação do depositário administrador, exigindo-se dele a melhor atuação técnica possível para a obtenção de uma efetiva constrição do faturamento.  Para o caso de comprovadas falhas na atuação do administrador, além das responsabilidades inerentes ao art. 161 do CPC/15, o magistrado poderá promover sua destituição e nomear outro em seu lugar.  O administrador e/ou as partes, sempre observado o regular contraditório, também podem levar ao conhecimento do magistrado a necessidade de adequação do plano de pagamento; seja no caso de mudanças no curso dos negócios da empresa, seja em virtude de mudanças no cenário econômico, seja em razão de novas penhoras que venham a ser realizadas contra o faturamento do devedor por parte de outros credores, dentre outros fatores.  Cabe ao magistrado, após a apresentação de retificações no plano de atuação e pagamento pelo administrador, uma vez ouvidas as partes, promover a homologação do novo plano, passando o administrador a se pautar por este último. Essa decisão do juiz, além de ser motivada, também pode ser objeto de recurso de agravo de instrumento. É bem de ver que a constrição sobre o percentual do faturamento, uma vez bem regida e aplicada, pode ser um mecanismo bem menos oneroso para o devedor. Pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras on line, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa.  Essa é a lição de Carlos Henrique Abrão13: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, on line, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento".  Daí a importância do Tema Repetitivo 769, cuja questão submetida a julgamento, no STJ,  é a seguinte: "Definição a respeito: i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela lei 6.830/80; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade"14. Espera-se que a excepcionalidade estipulada no artigo 866 do CPC seja relativizada pelo STJ, conferindo-se mais eficiência no manejo da importante constrição sobre parcela do faturamento da empresa devedora.  ------------------------------ 1 "O inciso I do artigo 655 reserva ao dinheiro o primeiro lugar na indicação dos bens à penhora. A regra refere-se a dinheiro em espécie, isto é, "dinheiro vivo", para fazer uso de expressão bastante frequente, ou dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira, ou seja, dinheiro guardado naquelas instituições". (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 278. v. 3.). 2 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 184.   3 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 283. v. 3.  4 MARQUES, J.P. Remédio. Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto. Porto: Almedina, 2000. p. 267. 5 STJ, AgR no REsp n. 976.925/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011. 6 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 653. 7 Abrão, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 62. 8 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 67. 9 Sobre a importância de o contraditório ser observado no processo de execução, veja: KUHN, João Lacê. O princípio do contraditório no processo de execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. 10 ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 656. 11 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68. 12 HERNANDEZ, José Rubens. Da penhora de faturamento. Campinas: PUCCampinas (Dissertação de Mestrado), 2003. p. 166.  13 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59. 14 Disponível aqui. 
A Jurisprudência Defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas em nossa coluna1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social. Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2.015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual2. Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, excepcionalmente, previu a possibilidade da admissão para julgamento de recurso especial que alegue violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil sem indicar o inciso violado, desde que, nas razões recursais, haja demonstração inequívoca do vício atribuído à decisão recorrida e de sua importância para a solução da controvérsia: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. ART. 1.022 DO CPC/2015 ARGUIÇÃO DESACOMPANHADA DA INDICAÇÃO DO(S) INCISO(S). SÚMULA N. 284/STF. SUPERAÇÃO. VÍCIO INTEGRATIVO. EXPOSIÇÃO DE FORMA CLARA E FUNDAMENTADA. DEMONSTRAÇÃO DA IMPORTÂNCIA PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. NOVA ORIENTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o CPC/2015. II - Decisão agravada que adota, entre outros fundamentos, a orientação de ambas as Turmas da 1ª Seção deste Tribunal Superior, consubstanciada na impossibilidade do conhecimento do Recurso Especial em relação à alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando não especificado o inciso correspondente ao vício integrativo. III - Reavaliação, conforme o art. 927, V, do estatuto processual civil e em prestígio ao princípio da instrumentalidade das formas e à ratio decidendi adotada pela Corte Especial no julgamento do EAREsp n. 1.672.966/MG, segundo a qual a inobservância à regra processual que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida. IV - Superação do óbice contido na Súmula n. 284/STF, mitigado o rigor processual e assentada a cognoscibilidade do Recurso Especial quando a alegação de violação ao art. 1.022 do CPC/2015 vier desacompanhada da indicação do(s) inciso(s) correspondente(s), desde que, inequivocamente demonstrado, nas razões recursais, de qual(ais) vício(s) integrativo(s) padeceria o provimento jurisdicional recorrido e sua importância para a solução da controvérsia. V - In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do CPC/2015 das razões do Recurso Especial extrai-se, de forma inequívoca, tais requisitos. VI - Agravo Interno parcialmente provido." (g.n.) (AgInt no AREsp n. 1.935.622/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 21/9/2023.) Deve-se alertar que o julgamento foi por apertada maioria (3X2) e de apenas uma das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, mas é de se enaltecer o entendimento da maioria vencedora de superação do vício e do conhecimento do Recurso Especial. Do voto vencedor da Min. Regina Helena Costa se extraí o seguinte trecho que o resume: "Isso porque, embora a precisão na indicação do dispositivo violado e o detalhamento da tese desenvolvida se apresentem, em minha percepção, a eliminar qualquer dúvida acerca do preenchimento de um dos requisitos de admissibilidade, a inobservância que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida. In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, consoante reconhecido no Agravo Interno, a leitura das razões do Recurso Especial (fls. 2.453/2.469e) demonstra identificação, de forma inequívoca, tanto das teses relacionadas aos vícios integrativos constantes do acórdão recorrido (três omissões e uma contradição) quanto à importância de sua solução para o deslinde da controvérsia submetida à apreciação do Poder Judiciário."  (g.n.) O voto vencedor faz remissão a outro recente acórdão da Corte Especial do STJ, que permitiu, também de modo excepcional, o conhecimento de Recurso Especial no caso de não especificação da(s) alínea(s) do artigo 105 da CF que teria(m) sido violada(s): "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA POSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO RECURSO ESPECIAL, MESMO SEM INDICAÇÃO EXPRESSA DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL EM QUE SE FUNDA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADO O SEU CABIMENTO DE FORMA INEQUÍVOCA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.029, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS, MAS REJEITADOS. 1. A falta de indicação expressa da norma constitucional que autoriza a interposição do recurso especial (alíneas a, b e c do inciso III do art. 105) implica o seu não conhecimento pela incidência da Súmula n. 284 do STF, salvo, em caráter excepcional, se as razões recursais conseguem demonstrar, de forma inequívoca, a hipótese de seu cabimento. 2. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados." (EAREsp n. 1.672.966/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 20/4/2022, DJe de 11/5/2022.)                                      Também do voto da Relatora se extraí importante trecho balizador de toda a defesa contrária à Jurisprudência Defensiva: "(...) mitigando o rigor formal, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo, a fim de dar concretude ao princípio constitucional do devido processo legal em sua dimensão substantiva de razoabilidade e proporcionalidade." Portanto, é de enaltecer tais decisões que superaram rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam quando estiver plenamente aplicável o requisito da relevância da questão federal para a interposição de Recursos Especiais. __________ 1 Disponível aqui. Disponível aqui. Disponível aqui. Disponível aqui. 2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015.
Referente a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais na fase de cumprimento de sentença, o STJ já possuiu as aludidas teses consolidadas, todas sob a égide do CPC/73: a) são cabíveis honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário (Tema Repetitivo n. 4071 e Súmula 517/STJ2);   b) não são cabíveis honorários advocatícios quando rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença (Tema 408); c) são cabíveis honorários advocatícios quando acolhida, integral ou parcialmente, a impugnação, com extinção do processo por meio de sentença (Temas 4093 e 4104). A rigor das teses supra citadas, é cediço o entendimento de que na impugnação ao cumprimento de sentença somente haverá condenação em honorários advocatícios sucumbências quando acolhida a defesa do Executado, sendo indevida tal verba quando julgada improcedente a impugnação. Todavia, em julgado recente a Quarta Turma do STJ decidiu de forma distinta ao fixar a verba honorária advocatícia em impugnação de cumprimento de sentença arbitral considerada intempestiva:  "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. PEDIDO DE NULIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. Segundo precedente da Corte Especial, é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando o incidente processual for capaz de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal. 2. A invalidação da sentença arbitral pode ser reconhecida em ação autônoma de nulidade (art. 33, § 1º, da Lei n. 9.307/1996) ou pleiteada por intermédio de impugnação ao cumprimento da sentença (art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996), quando estiver sendo executada judicialmente. 2.1. A impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, em que se busca a nulidade da sentença, possui potencial de encerrar ou modificar significativamente o processo de execução judicial. 2.2. Nesse aspecto, são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, na hipótese em que se pleiteia anulação da sentença com fundamento nos arts. 26 e 32 da Lei n. 9.307/1996. 3. Recurso especial a que se dá provimento para condenar a parte executada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais."  (STJ, REsp n. 2.1026.76/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 21.11.2023, grifou-se).  O voto condutor esclareceu: "(...) O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto por SPPATRIM ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA., para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença, sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (e-STJ, fls. 3.825/3.839). A parte exequente, ora recorrente, opôs embargos de declaração para que fosse suprida a omissão em relação ao arbitramento dos honorários de sucumbência. (...) Assim, a questão jurídica a ser definida cinge-se à necessidade de que sejam arbitrados honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese de ser rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, na qual a parte impugnante suscita a nulidade da sentença arbitral, com fundamento no art.33, § 3º, da LArb. Não se desconhece o entendimento firmado nesta Corte Superior, em sede de recurso especial repetitivo, segundo o qual não são cabíveis honorários advocatícios sucumbenciais no caso de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. Esse entendimento se baseia na premissa de que a impugnação ao cumprimento de sentença tem natureza jurídica de mero incidente do módulo processual executivo. (...) Contudo, a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral possui uma relevante peculiaridade, pois, além das matérias defensivas típicas contempladas no art. 525, § 1º, do CPC/2015, é também possível pleitear a anulação da sentença arbitral, de acordo com o disposto no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996, in verbis: (...) Em suma, a invalidação da sentença arbitral pode ser reconhecida em ação autônoma de nulidade (art. 33, § 1º) ou pleiteada por intermédio de impugnação ao cumprimento da sentença (art. 33, § 3º) quando estiver sendo executada judicialmente. (...) Essa possibilidade legal de contestar a validade da sentença arbitral por meio de impugnação encontra-se em total consonância com os princípios basilares da arbitragem, os quais visam a assegurar a celeridade e a eficiência na resolução de conflitos de interesses. Contudo, quando se opta pela impugnação como meio de questionar a validade da sentença arbitral, fundamentada nos arts. 26 e 32 da Lei n. 9.307/1996, o incidente processual passa a ter potencial de encerrar ou modificar significativamente o processo de execução judicial. De fato, segundo precedente da Corte Especial do STJ, é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando o incidente processual for capaz de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal (EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 5/4/2017). Nesse mesmo sentido: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). REMUNERAÇÃO DE DEPÓSITO JUDICIAL. INCIDENTE PROCESSUAL INSTAURADO CONTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES ESPECÍFICOS DO STJ. [...] 2. Não é cabível honorários advocatícios nos incidentes processuais, exceto nos casos em que estes são capazes de extinguir ou alterar substancialmente o próprio processo principal. Precedente da Corte Especial (EREsp 1.366.014/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Corte Especial, DJe 5/4/2017) . 3. Agravo desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.431.507/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 1/3/2021, DJe de 4/3/2021.) AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA DO AGRAVADO. 1. Nos termos da orientação firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, lavrada no EREsp 1.366.014/SP, em razão da ausência de previsão normativa, não são cabíveis honorários advocatícios nos incidentes processuais, exceto nos casos em que estes são capazes de extinguir o próprio processo principal. Precedentes do STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.830.273/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 4/5/2020, DJe de 7/5/2020.) Confiram-se ainda: AgInt no REsp n. 1.838.236/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/4/2020, DJe de 27/4/2020; e AgInt no AREsp n. 1.630.422/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/8/2020, DJe de 14/8/2020. Decerto que, ao se alegar a nulidade por meio de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, tem-se substancial pretensão declaratória, com elevado caráter litigioso, não se tratando de mero incidente processual. É incontestável que o incidente de impugnação cumprimento de sentença com pedido de nulidade da sentença arbitral desenvolve atividade jurisdicional de cognição exauriente, com decisão interlocutória que resolve o mérito em relação à tese de invalidade da sentença arbitral, com potencial para fazer coisa julgada sobre esse tema. Semelhante raciocínio desenvolveu a Terceira Turma em julgado recentemente proferido, manifestando entendimento de que cabem honorários advocatícios nas hipóteses de indeferimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, pois "apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido" (REsp n. 1.925.959/SP, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023). (...) Dessa forma, não importa se a alegação de nulidade é apresentada em ação própria ou em impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. Em ambas as hipóteses deve haver condenação ao pagamento de honorários advocatícios no caso de rejeição, pois o pedido de nulidade é o mesmo, só muda o procedimento escolhido. Portanto, concluo que o Tribunal de origem, ao rejeitar a impugnação por intempestividade, em que se pleiteava a anulação da sentença arbitral, sem condenar a parte impugnante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, violou o disposto nos arts. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/1996 e 85, §§ 1º e 2º, do CPC/2015. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para condenar o executado ao pagamento de 10% (dez por cento) a título de honorários sucumbenciais, a ser calculado sobre o proveito econômico auferido, que equivale ao valor da execução, devendo ser observado o limite de 20% (vinte por cento) total no caso de a parte ser também condenada na ação de execução, em observância a orientação fixada no Recurso Especial Repetitivo n. 1.520.710/SC (Tema n. 587). É como voto." (grifou-se)  O novel entendimento parece correto, porquanto pouco importa o rótulo ou nome iuris do meio de impugnação, defesa ou pleito de tutela apresentado. Uma vez que o seu acolhimento ou rejeição tenha o condão de formar coisa julgada material, a pacificar o litígio e prestar a tutela jurisdicional em definitivo, parece crível o cabimento de arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, mercê a luz do princípio da causalidade, a exigir da parte contrária constituir advogado necessário a defesa de seu direito. Outros exemplos não faltam em igual sentido, como os mencionados acima (julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica) ou outras hipóteses em que o incidente processual também terá o desiderato de formar coisa julgada material (a exemplo da impugnação de crédito na recuperação judicial julgada procedente). O que se espera do julgado supra, a tratar do tema ligado ao cumprimento de sentença e com vistas a guardar isonomia e coerência com seus julgados, é que o STJ também passe a admitir (em revisão ao Tema Repetitivo n. 408) a condenação de verba honorária advocatícia nas impugnações ao cumprimento de sentença julgadas improcedentes, cujo acolhimento ou matéria veiculada, mutatis mutandis, por vezes terá o condão de anular o título executivo judicial (tal como o caso em comento, referente ao pleito de anulação da sentença arbitral veiculado em sede de cumprimento de sentença. __________ 1 São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do 'cumpra-se' 2 São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.   3 Em caso de sucesso da impugnação, com extinção do feito mediante sentença (art. 475-M, § 3º), revela-se que quem deu causa ao procedimento de cumprimento de sentença foi o exequente, devendo ele arcar com as verbas advocatícias. 4 O acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, que serão fixados nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução.
O art. 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que são impenhoráveis os valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Apesar de a lei estabelecer a impenhorabilidade de valores em caderneta de poupança, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que esta impenhorabilidade também atinge valores depositados em conta corrente do devedor. Porém, este entendimento (de se aplicar o art. 833, inciso X, do CPC, por analogia, para valores depositados em conta corrente) é aplicável somente às pessoas físicas. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, assim se manifestou: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE. INAPLICABILIDADE. PESSOAS JURÍDICAS. POSSIBILIDADE DE DESBLOQUEIO EX OFFICIO. 1. A impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que direcionada a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física). Nesse sentido: "[...] a intenção do legislador foi proteger a poupança familiar e não a pessoa jurídica, mesmo que mantenha poupança como única conta bancária" (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017). 2. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.334.764/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 30/11/2023.) Como se pode perceber, no entendimento da Segunda Turma do STJ, a regra do inciso X do art. 833 do CPC tem como objetivo proteger a poupança familiar, ou seja, as pessoas físicas que integram as famílias, para que não percam todas as suas economias e acabem em uma situação incompatível com a dignidade humana. Em razão disso, apenas as pessoas físicas poderiam ser beneficiadas pela impenhorabilidade estabelecida no art. 833, inciso X, do CPC, pois são elas que integram as famílias e podem ter a dignidade humana comprometida. Nas palavras do relator Min. Campbell Marques: "Conforme assentado pela decisão recorrida, verifica-se que o entendimento proferido na origem está em conformidade com a jurisprudência do STJ, no sentido de que a impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que tal proteção direciona-se a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física), corolário do princípio da dignidade da pessoa humana (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017)". Em conclusão, a pessoa jurídica não pode se beneficiar da impenhorabilidade que o inciso X do art. 833 do CPC estabelece. Como o objetivo, em última análise, é preservar a dignidade da pessoa humana, as pessoas jurídicas ficam de fora desta proteção. Assim, apenas as pessoas físicas pode invocar a ter garantida a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos depositados em conta corrente.
O PL 4.188-c de 2021, sancionado pela Presidência da República em 30/10/2023, e convertido na lei 14.711/2023, vem sendo chamado de Marco Legal das Garantias, e traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na redação original do Projeto de Lei que foi encaminhada para a sanção presidencial, na tendência da desjudicialização, havia previsão da possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, poderia ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos. Esta previsão, em específico, foi objeto de veto presidencial quando da promulgação da lei 14.711/2023; veto este que, todavia, foi derrubado na data de 14.12.2023 pelo Congresso nacional. Com isso, nos termos da Constituição Federal, o texto do PL 4.188-c de 2021, que havia sido objeto de veto, deve ser objeto de promulgação pelo Presidente da República e/ou pelas demais autoridades previstas na Magna Carta. Uma das finalidades da lei 14.711/2023 é facilitar a localização de bens do devedor, além de buscar acelerar os procedimentos de constrição do patrimônio do executado. Nessa linha é a previsão dos artigos 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E, introduzidos no Marco Legal das Garantias, como acréscimos ao texto do decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969. Este movimento legislativo visa justamente conferir um tom mais célere para a busca e apreensão, no formato extrajudicial, dos bens móveis que tenham sido objeto de alienação fiduciária em garantia. Veja-se:  "Art. 8º-B - Desde que haja previsão expressa no contrato em cláusula em destaque e após comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste decreto-lei, é facultado ao credor promover a consolidação da propriedade perante o competente cartório de registro de títulos e documentos no lugar do procedimento judicial a que se referem os arts. 3º, 4º, 5º e 6º deste decreto-lei. § 1º É competente o cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor ou da localização do bem da celebração do contrato. § 2º Vencida e não paga a dívida, o oficial de registro de títulos e documentos, a requerimento do credor fiduciário acompanhado da comprovação da mora na forma do § 2º do art. 2º deste Decreto-Lei, notificará o devedor fiduciário para: I - pagar voluntariamente a dívida no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de consolidação da propriedade; II - apresentar, se for o caso, documentos comprobatórios de que a cobrança é total ou parcialmente indevida. § 3º O oficial avaliará os documentos apresentados na forma do inciso II do § 2º deste artigo e, na hipótese de constatar o direito do devedor, deverá abster-se de prosseguir no procedimento. § 4º Na hipótese de o devedor alegar que a cobrança é parcialmente indevida, caber-lhe-á declarar o valor que entender correto e pagá-lo dentro do prazo indicado no inciso I do § 2º deste artigo. § 5º É assegurado ao credor optar pelo procedimento judicial para cobrar a dívida ou o saldo remanescente na hipótese de frustração total ou parcial do procedimento extrajudicial. § 6º A notificação, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, será feita preferencialmente por meio eletrônico, a ser enviada ao endereço eletrônico indicado em contrato pelo devedor fiduciário. § 7º A ausência de confirmação do recebimento da notificação eletrônica em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento, implicará a realização da notificação postal, com aviso de recebimento, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, ao endereço indicado em contrato pelo devedor fiduciário, não exigido que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário, desde que o endereço seja o indicado no cadastro. § 8º Paga a dívida, ficará convalescido o contrato de alienação fiduciária em garantia. § 9º Não paga a dívida, o oficial averbará a consolidação da propriedade fiduciária ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, o oficial comunicará a este para a devida averbação. § 10. A comunicação de que trata o § 6º deste artigo deverá ocorrer conforme convênio das serventias, ainda que por meio de suas entidades representativas, com os competentes órgãos registrais. § 11. Na hipótese de não pagamento voluntário da dívida no prazo legal, é dever do devedor, no mesmo prazo e com a devida ciência do cartório de registro de títulos e documentos, entregar ou disponibilizar voluntariamente a coisa ao credor para a venda extrajudicial na forma do art. 8º-C deste Decreto-Lei, sob pena de sujeitar-se a multa de 5% (cinco por cento) do valor da dívida, respeitado o direito do devedor a recibo escrito por parte do credor. § 12. No valor total da dívida, poderão ser incluídos os valores dos emolumentos, das despesas postais e das despesas com remoção da coisa na hipótese de o devedor tê-la disponibilizado em vez de tê-la entregado voluntariamente. § 13. A notificação deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - cópia do contrato referente à dívida; II - valor total da dívida de acordo com a possível data de pagamento; III - planilha com detalhamento da evolução da dívida; IV - boleto bancário, dados bancários ou outra indicação de meio de pagamento, inclusive a faculdade de pagamento direto no competente cartório de registro de títulos e documentos; V - dados do credor, especialmente nome, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), telefone e outros canais de contato; VI - forma de entrega ou disponibilização voluntárias do bem no caso de inadimplemento; VII - advertências referentes ao disposto nos §§ 2º, 4º, 8º e 10 deste artigo. Art. 8º-C - Consolidada a propriedade, o credor poderá vender o bem na forma do art. 2º deste decreto-lei. § 1º Caso o bem não tenha sido entregue ou disponibilizado voluntariamente no prazo legal, o credor poderá requerer ao oficial de registro de títulos e documentos a busca e apreensão extrajudicial, com apresentação do valor atualizado da dívida e da planilha prevista no inciso III do § 13 do art. 8º-B deste Decreto-Lei. § 2º Recebido o requerimento, como forma de viabilizar a busca e apreensão extrajudicial, o oficial adotará as seguintes providências: I - lançará, no caso de veículos, restrição de circulação e de transferência do bem no sistema de que trata o § 9º do art. 3º deste Decreto-Lei; II - comunicará, se for o caso, aos órgãos registrais competentes para averbação da indisponibilidade do bem e da busca e apreensão extrajudicial; III - lançará a busca e apreensão extrajudicial na plataforma eletrônica mantida pelos cartórios de registro de títulos e documentos por meio de suas entidades representativas, com base no art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009; e IV - expedirá certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem. § 3º Para facilitar a realização das providências de que tratam os incisos I e II do § 2º deste artigo, os órgãos de trânsito e outros órgãos de registro poderão manter convênios com os cartórios de registro de títulos e documentos, ainda que por meio das suas entidades representativas incumbidas de promover o sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009. § 4º O credor, por si ou por terceiros mandatários, poderá realizar diligências para a localização dos bens. § 5º Os terceiros mandatários de que trata o § 4º deste artigo poderão ser empresas especializadas na localização de bens. § 6º Ato do Poder Executivo poderá definir requisitos mínimos para o funcionamento de empresas especializadas na localização de bens constituídas para os fins deste Decreto-Lei. § 7º Apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial, o credor poderá promover a venda de que trata o caput deste artigo e deverá comunicá-la ao oficial de cartório de registro de títulos e documentos, o qual adotará as seguintes providências: I - cancelará os lançamentos e as comunicações de que trata o § 2º deste artigo; II - averbará no registro pertinente ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão, comunicará a este para a devida averbação. § 8º O credor fiduciário somente será obrigado por encargos tributários ou administrativos vinculados ao bem a partir da aquisição da posse plena, o que se dará com a apreensão do bem ou com a sua entrega voluntária. § 9º No prazo de 5 (cinco) dias úteis após a apreensão do bem, o devedor fiduciante terá o direito de pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário no seu requerimento, hipótese na qual será cancelada a consolidação da propriedade e restituída a posse plena do bem. § 10. No valor da dívida, o credor poderá incluir os valores com emolumentos e despesas com as providências do procedimento previsto neste artigo e no art. 8º-B deste decreto-lei, além dos tributos e demais encargos pactuados no contrato. § 11. O procedimento extrajudicial não impedirá o uso do processo judicial pelo devedor fiduciante. Art. 8º-D - No caso de a cobrança extrajudicial realizada na forma dos arts. 8º-B e 8º-C deste decreto-lei ser considerada indevida, o credor fiduciário sujeitar-se-á à multa e ao dever de indenizar de que tratam os §§ 6º e 7º do art. 3º deste Decreto-Lei. Art. 8º-E - Quando se tratar de veículos automotores, é facultado ao credor, alternativamente, promover os procedimentos de execução extrajudicial a que se referem os arts. 8º-B e 8º-C desta lei perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados, em observância às competências previstas no § 1º do art. 1.361 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Parágrafo único. Na hipótese de o credor exercer a faculdade de que trata o caput deste artigo, as empresas previstas no parágrafo único do art. 129-B da lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), praticarão os atos de processamento da execução, inclusive os atos de que trata o § 2º do art. 8º-C desta lei." Como visto, da simples leitura dos dispositivos acima, ainda há necessidade de se regulamentar melhor como algumas medidas executivas serão plenamente concretizadas no formato extrajudicial. Mas, sem prejuízo disso, muito bem-vinda é a lei 14.711/2023, a qual traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o Marco Legal das Garantias certamente objetiva conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A nova lei, portanto, tem o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias. Claro que, como proposta de reflexão, na medida em que os órgãos extrajudiciais ganham poderes para atuarem com técnicas executivas, faz-se necessário que estejam organizados para realizarem os atos previstos em Lei com a performance e legalidade necessárias; e tudo sem prejuízo da possibilidade do controle judicial, caso preciso.
O Estudo das Execuções Fiscais mostra-se importante, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1 Segundo os dados do Justiça em Números de 2022 do Conselho Nacional de Justiça temos mais de 27 milhões de Execuções Fiscais em tramitação. E como é notório, em grande parte das Execuções Fiscais o valor cobrado é bastante baixo, muitas vezes sendo inferior ao próprio custo de tramitação do processo2. Temos muitos processos sobrecarregando o Judiciário e uma arrecadação pequena frente aos valores Executados. Desse modo, mostra-se relevante a possibilidade de extinção de execuções fiscais de valores baixos. A extinção, de ofício, pelo Judiciário era dificultada pela existência da Súmula 452 do Superior Tribunal de Justiça: "A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício."                         Entretanto, em recentíssimo julgamento, encerrado em 19/12/2023, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, apreciando o Tema 1.184 da Repercussão Geral, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 1.355.208, nos termos do voto da Ministra Relatora Carmén Lúcia, vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes e, parcialmente, o Ministro Luiz Fux. Por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: "1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis". Para a Relatora: "Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida de R$ 521,84 movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição."3 Desse modo, de forma acertada, o Supremo Tribunal Federal entendeu que em créditos de pequena monta só será possível o ajuizamento de Execução Fiscal caso não se consiga fazer a cobrança extrajudicial por meios mais eficazes e menos dispendiosos. __________ 1 Disponível aqui, p 171. 2 "De todo modo, com base nos dados fornecidos, é possível fazer constatações relevantes em relação a um dos problemas identificados: grande parte das execuções fiscais ajuizadas exige valores inferiores ao custo de tramitação do próprio processo de execução. A análise preliminar dos dados leva à conclusão de que é necessário alterar o sistema de cobrança de débitos, evitando-se ajuizamento de execuções fiscais que custarão mais do que o valor que se pretende cobrar." (disponível aqui, p. 127) 3 Disponível aqui.
Noutras oportunidades nesta coluna1-2 pudemos registrar o entendimento do STJ firmado quando do Julgamento do Tema Repetitivo n. 677, o qual fixou a tese de que "(...) Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial." Pelo que se depreende do quanto decidido, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros (iii) não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora previstos no título executivo (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor. Sobre o quantum debeatur atualizado, (iv) há de abater-se os valores depositados (acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária). Recentemente, noutro julgado que envolvia questão acerca da incidência ou não da multa de 10% e honorários advocatícios de 10% previstos no art. 523 do CPC, na hipótese de haver hipoteca judiciária, a Terceira Turma do STJ assim decidiu: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE QUOTAS SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO NO PRAZO LEGAL. EXISTÊNCIA DE HIPOTECA JUDICIÁRIA. INAPTIDÃO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% E DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO DE 10%. 1. Ação de cobrança, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em 23/6/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 9/2/2023 e concluso ao gabinete em 18/8/2023. 2. O propósito recursal consiste em definir se a existência de hipoteca judiciária isenta o devedor do pagamento da multa e dos honorários de advogado previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015. 3. No cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa, se o devedor não realizar o pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias o débito será acrescido de multa de 10% e de honorários de advogado de 10% (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015). São dois os critérios para a incidência da multa e dos honorários previstos no mencionado dispositivo: a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença 4. A multa e os honorários a que se refere o art. 523, § 1º, do CPC/2015 serão excluídos apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito. Precedentes. 5. A hipoteca judiciária prevista no art. 495 do CPC/2015 visa a assegurar futura execução, não ocasionando a imediata satisfação do direito do credor. Essa modalidade de garantia não equivale ao pagamento voluntário do débito, de modo que não isenta o devedor da multa de 10% e de honorários de advogado 10%. 6. No particular, a Corte de origem isentou os recorridos do pagamento da multa e dos honorários previstos no art. 525, § 1º, do CPC/2015, devido à existência de hipoteca judiciária sobre imóveis dos recorridos, o que se revela descabido, uma vez que não houve pagamento voluntário do débito no prazo legal. 7. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp n. 2.090.733/TO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 17.10.2023, grifou-se).  O voto condutor bem esclareceu: "(...) O propósito recursal consiste em definir se a existência de hipoteca judiciária isenta o devedor do pagamento da multa e dos honorários de advogado previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015. (...) 2. Uma vez intimado para pagar, o executado poderá adotar uma das seguintes posturas: (i) pagar a integralidade da dívida; (ii) pagar apenas parcela da dívida; (iii) ficar inerte, circunstância em que será expedido mandado de penhora e avaliação (art. 526, § 6º, do CPC/2015), ou (iv) apresentar impugnação ao cumprimento de sentença. Na primeira hipótese, o juiz deverá extinguir a execução por sentença (art. 924, II, do CPC/2015); nas demais situações, a execução prosseguirá com vistas à satisfação coativa do crédito mediante a prática de atos expropriatórios. 3. Nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015 "não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento". A multa e os honorários também são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa (art. 520, § 2º, do CPC/2015). Tais consectários incidem ex vi lege, não havendo necessidade de requerimento do credor, tampouco de previsão no título exequendo. 4. São dois os critérios para a incidência da multa e dos honorários previstos no mencionado dispositivo: a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Estes dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias ou a ação voluntária de pagamento, abrindo margem à incidência do consequente sancionador. (...) 7. Na vigência do CPC/2015, o STJ manteve seu entendimento, reiterando que o depósito de dinheiro ou a realização de penhora efetuados a título de garantia do juízo, para a obtenção de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença, uma vez que não visam à satisfação da obrigação, não elidem a multa e os honorários de 10%. É o que se depreende dos julgados citados a seguir:  AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. INSURGÊNCIA DA PARTE AGRAVANTE. 1. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento no sentido de que o depósito ou oferecimento de seguro para garantia do juízo não exime o executado da multa e dos honorários previstos no art. 523, § 1º, do NCPC. Precedentes. 2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de verificar se estaria garantida a execução pelo oferecimento de seguro-garantia, na forma como posta pelo recorrente, demandaria o reexame da matéria fática, providência vedada em sede de recurso especial, ante o óbice estabelecido pela Súmula 7/STJ. Precedentes. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.189.739/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023.) [g.n.] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SEGURO-GARANTIA. INCIDÊNCIA DA PENALIDADE DO ART. 523 DO CPC. OFERECIMENTO DO SEGURO NÃO SE CONFUNDE COM O PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Na forma da tranquila jurisprudência desta Corte, a multa do art. 523, §1º, do CPC não incidirá quando o executado pagar voluntariamente a quantum executado, situação que não se confunde com quaisquer das formas de garantia do juízo, como a penhora de bens ou valores para posterior discussão do débito ou a oferta de seguro-garantia. 2. A pretensão do recorrente de transmudar o seguro-garantia, cuja função não é outra senão assegurar futura solvência do débito, em pagamento voluntário, por alegada equivalência a valor em espécie não se mostra sequer razoável. 3. O legislador quando equiparou o seguro a dinheiro o fez no art. 835 do CPC, norma voltada a regular a ordem a ser observada quando da realização da penhora. 4. Não há nada menos pagamento voluntário do que a penhora, seja de dinheiro, ou de qualquer outro dos bens ali arrolados, pois expressão da imposição da vontade do Estado sobre o patrimônio do particular, ou seja, não é nem pagamento e nem voluntário. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp n. 1.889.144/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 26/10/2022.) [g.n.] (...) 9. Assim, somente a solvência voluntária e incondicional da dívida tem o condão de afastar a multa de 10% e os honorários de 10%. 10. O art. 495 do CPC/2015 possibilita ao credor a constituição de hipoteca judiciária mediante a inscrição, no registro de imóveis, da decisão que condena o réu ao pagamento de prestação em dinheiro ou que determina a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou dar coisa em prestação pecuniária. Cuida-se de ferramenta colocada à disposição do credor para viabilizar a efetividade das decisões judiciais. 11. Por se tratar de efeito anexo de decisões dessa natureza, a hipoteca pode ser realizada ainda que a sentença seja impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo (art. 495, § 1º, III, do CPC/2015). Ademais, a condenação genérica e a possibilidade de cumprimento provisório da sentença não obstam a sua constituição (art. 495, § 1º, I e II, do CPC/2015). 12. A hipoteca judiciária tem a função de "garantir uma possível execução definitiva ou provisória" (FONSECA, João Francisco N. da. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IX. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87). Por meio dela, o bem é afetado para que recaia sobre ele, ao depois, a penhora em eventual cumprimento de sentença (at. 835, § 3º, do CPC/2015). 13. Uma vez constituída, a hipoteca judiciária confere ao credor hipotecário o direito de preferência no pagamento, observada prioridade no registro (art. 495, § 4º, do CPC/2015). Vale dizer, o montante obtido na excussão hipotecária servirá, prioritariamente, ao pagamento do credor hipotecário, ressalvadas eventuais preferências estabelecidas a outros créditos por leis específicas. Por ser "apenas uma medida processual, diferente, portanto, da hipoteca como garantia real do direito material, a preferência apontada pelo dispositivo legal cede a qualquer regra de direito material" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. 8ª ed. Juspodivm: 2023, p. 919). (...) 15. Nessa linha de ideias, a hipoteca judiciária não acarreta, tal qual o pagamento, a imediata satisfação do direito do credor. A constituição da hipoteca judiciária, além de não derivar de ato do devedor, mas sim do próprio credor, destina-se, reitera-se, a assegurar futura execução. Inclusive, a excussão da hipoteca somente ocorrerá se o executado não pagar o débito no prazo legal. 16. Desse modo, a hipoteca judiciária não equivale ao pagamento voluntário, não isentando o devedor da multa de 10% e de honorários de advogado de 10% previstos no art. 523, § 1º, do CPC/2015 (...)." (STJ, REsp n. 2.090.733/TO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 17.10.2023, grifou-se). O entendimento supra soa acertado, porquanto, tal qual decidido quando da formação do Tema Repetitivo n. 677 pelo STJ, o depósito judicial a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora. Em outras palavras, o ato processual do devedor ofertar bens ou sofrer penhora não traduz imediata satisfação da execução. De outro lado, permanecendo o devedor em mora, em não havendo pagamento no prazo de 15 dias, há de incidir a multa e honorários, ambos de 10%, previstos no art. 523 do CPC, porquanto a hipoteca judiciária não se confunde com o ato de devedor de realizar o pagamento voluntário da dívida. E, inexistindo tal ato materializado nos autos, há de incidir os consectários da mora, em especial as penas previstas no art. 523 do CPC. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Momento de exigibilidade das "astreintes"

O § 3º do art. 537 do CPC estabelece que: "A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte". Trata-se de uma regra equilibrada, pois a multa coercitiva ("astreinte") pode ser exigida desde o momento em que é fixada, devendo ser depositada em juízo, ao mesmo tempo em que somente poderá ir para as mãos da parte no momento em não couber mais recurso da decisão favorável a esta mesma parte. O equilíbrio é encontrado pelo dispositivo legal sob comento porque o objetivo da "astreinte" é a coerção. É fazer com que o devedor, ora executado, de uma obrigação saia do estado de inadimplência para evitar ter que pagar a multa. Neste aspecto, ela - a multa - tira o executado da "zona de conforto" e o obriga a desembolsar o valor da multa e depositar em juízo enquanto não cumpre a obrigação objeto do inadimplemento. Por outro lado, ela não deixa o executado desprotegido na hipótese de a decisão que fixou a multa ser reformada nas instâncias superiores, pois o dinheiro permanecerá depositado em juízo até o seu trânsito em julgado. Entretanto, em decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do EARESP n. 1.833.876, a interpretação do § 3º do art. 537 mudou. Em 17.10.22, a Quarta Turma do STJ já havia decidido o seguinte: "(...) Nos termos do disposto pelos artigos 297, parágrafo único, e 537, § 3°, do CPC/15, que estabelecem que a decisão que fixa multa em sede de tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, o advento do novo diploma processual civil não alterou a necessidade de confirmação da tutela provisória em sede de sentença como requisito para o cumprimento provisório da multa cominatória, por possuir como pressuposto a existência de sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 520 do CPC/15 (...)" (AgInt no AREsp n. 1.883.876/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 20/10/2022, grifos nossos). A decisão acima referida foi objeto de embargos de declaração e, na sequência, de embargos de divergência que foram julgados em 23.11.23, pela Corte Especial do STJ que, por acórdão não unânime, acabou deixando prevalecer o entendimento de que a decisão que fixa a multa em tutela provisória somente pode ser objeto de cumprimento (execução) após a sua confirmação por sentença favorável transitada em julgado. Em outras palavras, o executado não mais será retirado da "zona de conforto" no momento em que é fixada a multa cominatória. Ele não deverá depositar tais valores em juízo ou ser compelido a fazê-lo. Ele vai poder aguardar até o trânsito em julgada da decisão favorável ao exequente para sofrer atos executivos sobre seu patrimônio. Isso significa dizer que a multa perderá grande parte da sua força coercitiva e que muitos executados preferirão aguardar a interposição de todos os recursos cabíveis e imagináveis contra a decisão que fixou a multa para somente depois disso decidir o que fazer (cumprir ou não cumprir a obrigação, por exemplo). É bem verdade que o acórdão em questão ainda não foi publicado e que para não se perder todas as esperanças com a efetividade da execução forçada das obrigações é melhor aguardar que o inteiro teor da decisão seja tornado público pela Corte Especial do STJ. Porém, as informações estão disponíveis até o momento não trazem muita esperança. Ao que tudo indica, de fato, as "astreintes" estão perdendo a sua força se somente puderem ser executadas após o trânsito em julgado de decisão favorável à parte.
quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O novo marco legal das garantias

O arsenal de instrumentos introduzido em nosso sistema executivo há quase duas décadas não evitou que os índices de congestionamento da execução no Poder Judiciário nacional ainda se mostrassem lamentáveis. O relatório Justiça em Números de 2022, do Conselho Nacional de Justiça ("CNJ"), contextualiza que "O Poder Judiciário contava com um acervo de 77 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2021, sendo que mais da metade desses processos (53,3%) se referia à fase de execução"; e "Os dados mostram que, apesar de ingressar no Poder Judiciário quase duas vezes mais casos em conhecimento do que em execução, no acervo a situação é inversa: a execução é 38,4% maior"; e "Os casos pendentes na fase de execução apresentaram uma clara tendência de crescimento do estoque entre os anos de 2009 e 2017 e permaneceram quase que estáveis até 2021" . Em especial quanto ao estoque e à taxa de congestionamento na execução, o recente relatório do CNJ indica que no Tribunal de Justiça de São Paulo o índice chega a atingir o elevado patamar de 91,5%, enquanto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região o índice chega a estratosféricos 92,8%.  A causa da baixa performance na execução é indicada, pelo referido trabalho do CNJ, como sendo a dificuldade de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente". Nesse cenário, com base em dados fornecidos pelo próprio CNJ, a crise da execução civil não será solucionada com os genéricos debates sobre a constitucionalidade - ou não - das medidas executivas atípicas, ou mesmo sobre a viabilidade - ou não - de um procedimento desjudicializado, ainda que parcialmente, de atos executivos. O contexto exige um conjunto de atos processuais que permita atingir-se rapidamente o patrimônio do devedor. Sem essa premissa sendo instrumentalizada com êxito nos casos concretos, dificilmente o sistema executivo poderá ser considerado mais eficiente em nosso país. Nesse contexto, muito bem-vindo é o PL 4.188-c de 2021, sancionado pela Presidência da República em 30/10/23, e convertido na lei 14.711/23. Essa lei vem sendo chamada de Marco Legal das Garantias, e traz importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais. Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o novo Marco Legal das Garantias certamente objetiva conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A nova lei, portanto, tem o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias. Um primeiro destaque é a possibilidade da execução extrajudicial do crédito hipotecário, com semelhanças ao procedimento da execução ligada à alienação fiduciária de imóvel dado em garantia. Ou seja, a execução ocorre, primariamente, através de atos do cartório de registro de imóveis. O Marco Legal das Garantias também prevê a possibilidade da contratação de um agente especializado de garantia, o qual pode auxiliar na otimização de atos necessários para melhor performance na localização e excussão de bens dos devedores. A lei também adota a possibilidade de uma negociação, regida perante o cartório de protestos, previamente à efetivação dos protestos de títulos; em sintonia, aqui, com a dinâmica da busca de uma solução consensual de conflitos. Os pontos acima descritos, que resumem parte das previsões do Marco Legal das Garantias, apresentam desafios para as novas execuções de créditos, bem como despertam a necessidade de os contratos serem redigidos já em linha com a formas adotadas na nova lei. Por fim, a lei incluiu, entre os títulos executivos extrajudiciais, o contrato de contragarantia, ou qualquer outro instrumento que materialize o direito de ressarcimento da seguradora contra tomadores de seguro-garantia e seus garantidores, dando nova redação ao artigo 784, do CPC, com a inclusão do inciso XI-A.
quinta-feira, 16 de novembro de 2023

O provimento do recurso e a sucumbência recursal

A sucumbência recursal foi uma inovação trazida pelo CPC/15 e tendo sido previsto de forma sucinta no § 11, do artigo 85, acaba gerando várias dúvidas e lacunas, sendo que o STJ vem dia a dia estabelecendo parâmetros para a sua aplicação. Uma das primeiras dúvidas que surgiu é se somente seria cabível a sucumbência recursal no caso de não conhecimento ou improvimento do recurso ou, se no caso de provimento, poderia haver a inversão dos ônus sucumbenciais e o acréscimo de sucumbência recursal. Em artigo publicado nessa coluna1, em 2019, já tive oportunidade de defender que, no caso de provimento do recurso não caberia a majoração dos honorários, mas somente a inversão dos ônus sucumbenciais ou mesmo uma nova fixação de honorários. Havendo uma nova fixação, aí sim, esses honorários poderiam ser maiores que os fixados anteriormente. Veja-se que, no caso, não haveria um acréscimo nos honorários anteriormente fixados, mas sim uma nova fixação de honorários. Tal entendimento é contrário ao Enunciado nº 243 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que prevê: "No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal". A Doutrina também divergiu sobre o assunto, conforme se extraí do entendimento de Luiz Henrique Volpe Camargo: "Já no caso de provimento total do recurso, o tribunal deverá inverter a condenação inicial e fixar os honorários recursais, em razão do tratamento isonômico exigido pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, afinal, não existe sentido admitir a fixação de honorários no caso de improvimento do recurso, mas não no caso de seu provimento". (Os honorários advocatícios pela sucumbência recursal no CPC/2015, in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador, JusPodivm, 2015, p. 727). Em recentíssimo julgado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ratificou o seu entendimento prevalecente2 e fixou a seguinte Tese: "A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação" (Tema 1.059) Desse modo, agora com o julgamento repetitivo e, portanto, vinculante resta pacificado o entendimento quanto a não incidência de sucumbência recursal no caso de parcial ou total provimento do recurso.  ____________ 1 https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/307364/inversao-dos-onus-sucumbenciais-e-a-sucumbencia-recursal 2 Edição nº 129 do Jurisprudência em Teses do STJ: "4) A majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso." (g.n.) https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/JuriTeses/article/view/11387/11516
A Teoria Geral dos Recursos arrola como um de seus princípios o Princípio da Unirrecorribilidade. Vale dizer, contra determinado ato decisório cabe a interposição de um único recurso, recurso este que deve ter expressa previsão no sistema (tal qual de igual modo reza o Princípio da Tipicidade Recursal). Algumas exceções são previstas no sistema, a exemplo de recursos de fundamentação vinculada. Contra o acórdão prolatado em segundo grau de jurisdição a parte pode interpor recurso especial, recurso extraordinário, ou ambos, consoante respectiva previsão constitucional (art. 105, III, "a", "b" e "c" e art. 102, III, "a", "b", "c" e "d").  Por sua vez, o art. 932, parágrafo único do CPC confere ao relator o poder, talvez dever de, "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias  ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível". Dúvida emerge acerta da leitura e interpretação acerca do saneamento do vício recursal. O STJ já havia se manifestado, noutras oportunidades, que somente o vício formal poderia ser sanado. E, utilizado a premissa acima como fundamento, recentemente decidiu-se que uma vez interposto o recurso inadmissível, caso no mesmo prazo de impugnação da decisão seja interposto novo recurso, desta feita o recurso admissível, inexistiria margem para admissão do segundo recurso, porquanto acobertado pela preclusão: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. INTERPOSIÇÃO DO SEGUNDO RECURSO DENTRO DO PRAZO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO SEGUNDO INCONFORMISMO. DESINFLUÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA QUE IMPEDE O SEU CONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 2. A antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal. 3. Na hipótese em apreço, a parte ora recorrida impugnou, através de agravo de instrumento, a decisão extintiva do cumprimento de sentença por ela iniciado, não tendo o recurso merecido conhecimento, porquanto inadequado à impugnação desse ato judicial; mas, antes de findo o prazo recursal, interpôs apelação, da qual o Tribunal estadual conheceu e deu-lhe provimento, o que acarretou ofensa ao princípio da unirrecorribilidade, a implicar a reforma do acórdão recorrido, a fim de não se conhecer da apelação interposta pela parte recorrida. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 2075284/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, v.u., j. 08.08.2023, grifou-se) O voto condutor bem fundamentou:  " (...) Não obstante seja uníssono o entendimento desta Corte quanto à incidência do princípio da singularidade recursal, a controvérsia objeto do presente recurso é específica, pois visa definir se a interposição do recurso correto antes de decorrido o prazo recursal contra decisão já impugnada anteriormente pela mesma parte - mas através de recurso descabido, que, por isso, não mereceu conhecimento - teria o condão de suplantar o malferimento ao princípio da unirrecorribilidade. De outro modo, indaga-se: a interposição, pela mesma parte, do recurso adequado contra determinada decisão - objeto de recurso anterior - apenas se sujeitaria à preclusão temporal (ou seja, à intempestividade), e não à preclusão consumativa ínsita ao princípio da unicidade recursal? A despeito da singeleza da questão, não foi encontrado precedente específico na jurisprudência desta Corte Superior, dispondo sobre essa especificidade, razão pela qual esta relatoria reputou adequado submeter a matéria ao crivo desta Terceira Turma. Convém esclarecer que a preclusão consiste na perda de uma faculdade processual no bojo dos mesmos autos (endoprocessual), seja, em linhas gerais, pelo decurso do prazo (preclusão temporal); pela prática de um ato processual incompatível com outro (preclusão lógica); ou pela realização do ato processual antecedente, impedindo a sua repetição ou complementação posterior (preclusão consumativa). A mencionada faculdade processual, salienta-se, é exercida pelas partes por intermédio dos atos processuais, os quais, ao serem praticados, "produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais", nos termos do art. 200 do CPC/2015, o que, na visão de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, representa "a regra da eficácia imediata dos atos processuais das partes, cujos corolários são: i) a desnecessidade de qualquer ato judicial ulterior para outorgar-lhe eficácia e ii) a adoção da regra da preclusão consumativa" (Novo curso de direito processual civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II - 2ª ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 118). Sob a perspectiva da preclusão consumativa, vale citar, por exemplo, o art. 507 do CPC/2015, que dispõe ser vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a respeito das quais se operou a preclusão. Por outro lado, em relação à preclusão temporal, estabelece o art. 223, caput , do CPC/2015 que, findo o prazo, extingue-se o direito de praticar o ato processual ou de emendá-lo. A par das disposições legais dos arts. 200 e 223 do CPC/2015, Luiz Dellore, comentando o art. 507 do CPC/2015, aponta uma possível antinomia entre aqueles primeiros dispositivos legais, de modo a se questionar se o Código de Processo Civil de 2015 teria mantido ou não a preclusão consumativa, sobretudo à vista do mencionado art. 223, que assenta ser o decurso do prazo a causa extintiva do direito da parte de praticar o ato processual ou de emendá-lo - preclusão temporal - (Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015 - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 653-654). Conclui o mencionado autor em sentido positivo, reconhecendo a manutenção da preclusão consumativa pela nova sistemática processual introduzida pela Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil de 2015), porquanto expressamente prevista pela lei, a exemplo do art. 494 do CPC/2015, bem como em virtude da necessidade de se interpretar sistematicamente o art. 223 do CPC/2015, de forma que, "onde houver previsão de emenda após a apresentação do ato processual [...], afastasse a preclusão consumativa. Onde não houver essa previsão específica, segue existindo a preclusão consumativa" (2016, p. 654). (...) Trazendo a discussão para o âmbito dos recursos, o inovador parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 mitiga o rigorismo da preclusão consumativa, em observância ao princípio da primazia do julgamento de mérito, consignando que, "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível". A esse respeito, o Plenário deste Tribunal Superior, na sessão de 2 de março de 2016, aprovou o Enunciado Administrativo n. 6, segundo o qual, "nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), somente será concedido o prazo previsto no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC, para que a parte sane vício estritamente formal" (sem grifo no original). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se pautado nessa orientação, esclarecendo que, ante a possibilidade de regularização apenas de vício estritamente formal, é vedada à parte recorrente a complementação da fundamentação do recurso já interposto. Nessa linha intelectiva, confiram-se os seguintes julgados desta Corte:  PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. ART. 14, § 4º, DA LEI 10.259/2001. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS E REGIMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. [...] IV. A Corte Especial desta Corte já decidiu que "a ausência de demonstração da divergência alegada no recurso uniformizador constitui claramente vício substancial resultante da não observância do rigor técnico exigido na interposição do presente recurso, apresentando-se, pois, descabida a incidência do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 para complementação da fundamentação, possível apenas em relação a vício estritamente formal, nos termos do Enunciado Administrativo 6/STJ" (STJ, AgRg nos EREsp 1.743.945/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2019). Em igual sentido: STJ, AgInt no PUIL 760/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 02/04/2020; PUIL 1.395/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 26/02/2020. V. Agravo interno improvido. (AgInt no PUIL n. 3.460/DF, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 28/3/2023, DJe de 3/4/2023.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO. RAZÕES DO RECURSO. INVIÁVEL. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. VÍCIO SANÁVEL. ART. 1.017, § 3º, DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA Nº 284/STF. [...] 3. O art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 permite apenas o suprimento de vício formal sanável, como ausência de procuração ou assinatura, e não a complementação das razões do recurso interposto. [...] 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.106.755/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 17/2/2023.) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. NÃO CABIMENTO. DESATENDIMENTO DOS REQUISITOS PARA COMPROVAÇÃO OU CONFIGURAÇÃO DO DISSENSO PRETORIANO. DIÁRIO OFICIAL NÃO É REPOSITÓRIO OFICIAL DE JURISPRUDÊNCIA. VEDAÇÃO DE ABERTURA DE PRAZO PARA REGULARIZAR VÍCIO SUBSTANCIAL. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO NOVO CPC. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 6/STJ. RECURSO DESPROVIDO. [...] 7. Agregue-se que a ausência de demonstração da divergência alegada no recurso uniformizador constitui claramente vício substancial resultante da não observância do rigor técnico exigido na interposição do presente recurso, apresentando-se, pois, descabida a incidência do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 para complementação da fundamentação, possível apenas em relação a vício estritamente formal, nos termos do Enunciado Administrativo 6/STJ. A propósito: AgInt nos EAREsp 419.397/DF, relator Ministro Jorge Mussi, Corte Especial, DJe de 14/6/2019; AgInt nos EREsp 1.490.726/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 2/4/2019. 8. Agravo Interno não provido. (AgRg nos EDv nos EREsp n. 1.743.945/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 6/11/2019, DJe de 20/11/2019.)   (...)   Ademais, impende destacar que o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 não ampara a interposição de um novo recurso, em substituição ao anterior que se revelou descabido, por inequívoca ocorrência da preclusão consumativa. Os vícios passíveis de saneamento, que se atêm aos aspectos estritamente formais, devem se referir ao mesmo recurso, não possibilitando a interposição de um novo, em substituição ao recurso anterior que tenha se revelado descabido para impugnar a decisão combatida. Complementando, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery asseveram que, "ao interpor o recurso, a parte pratica ato processual, pelo qual consuma o seu direito de recorrer e antecipa o dies ad quem do prazo recursal (caso o recurso não tenha sido interposto no último dia do prazo)" - (Código de processo civil comentado - 19ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 751; sem grifo no original). Portanto, é de se concluir que a antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal. (...)" (STJ, REsp n. 2075284/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, v.u., j. 08.08.2023, grifou-se)  Portanto, em complementação e leitura do STJ de que para efeito de aplicação do art. 932, parágrafo único do CPC (prazo de cinco dias concedido pelo relator para que seja sanado vício ou complementada documentação ao recurso), há de se interpretar que tal dever do relator se aplica somente sobre vício estritamente formal. Recentemente, na visão de aludido tribunal, a interposição, pela mesma parte, do recurso adequado contra determinada decisão - objeto de recurso anterior - e dentro do mesmo prazo recursal, não contemplaria a inteligência de aludido regramento, porquanto acobertado, o segundo recurso, pela preclusão consumativa.
quinta-feira, 26 de outubro de 2023

IDPJ e verbas de sucumbência

Desde 30/3/2017, nesta Coluna, tem sido defendido o cabimento de condenação ao pagamento de verbas de sucumbência por parte do vencido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ)1. Em 08.07.2022, foi reiterado o entendimento lançado 5 (cinco) anos antes, a despeito da jurisprudência oscilante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)2. Ao que tudo indica, finalmente, pelo menos um dos argumentos expostos anteriormente nesta Coluna nas datas acima indicadas foram acolhidos, por maioria, pela 3ª Turma do STJ. Confira-se, a propósito, a ementa de um julgado ocorrido no mês passado: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO. 1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido. 2. O CPC de 2015 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência. 3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido. 4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 1.925.959/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023.) Cumpre notar que sólida doutrina já sustentava há bastante tempo que apesar de os artigos 133 a 137 do CPC fazerem referência a um "incidente" de desconsideração da personalidade jurídica, o que há, a bem da verdade, é uma demanda incidental. Por tal razão, o argumento de que seria um mero "incidente processual" e não comportaria condenação do vencido em verbas de sucumbência e por inexistir previsão para tanto no art. 85, do CPC, não poderia ser acolhido.  Há, efetivamente, a formulação de novo pedido e nova causa de pedir no curso do processo, quando é requerida a instauração do IDPJ. Ademais, há citação, contestação, fase instrutória (se necessária) e decisão. Em outras palavras, tem-se tudo que uma demanda tem (menos o nome)3. Por que não caberia condenação do vencido ao pagamento de verbas de sucumbência ao final do IDPJ? Claro que cabe. Trata-se de uma luz no fim do túnel e merece aplausos a decisão do STJ acima ementada. Vamos torcer para que o STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 2.072.206/SP, que versa sobre o mesmo tema e cujo julgamento foi afetado pela 3ª Turma à Corte Especial no último dia 24 de outubro de 2023, pacifique o entendimento de que cabe condenação em verbas de sucumbência na IDPJ. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 VIEIRA, Christian Garcia. "Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimento e temas polêmicos". Salvador: JusPodvum, 2017, p. 183.
O Brasil, através da lei 9.307/96, com as alterações da lei 13.129/15, estabeleceu bases sólidas para a resolução de disputas por intermédio do modelo arbitral. O próprio Código de Processo Civil de 2015 ("CPC") é um entusiasta da possibilidade de soluções de disputas através dos famosos meios alternativos, dentre eles a arbitragem, conforme se denota da leitura do seu artigo 3º. Em especial quando a arbitragem ocorre em um órgão julgador estrangeiro, é importante se analisar os termos dos artigos 15 e 960 e seguintes do CPC, os quais cuidam dos requisitos para a homologação de sentença estrangeira pelo STJ. Além disso, importante analisar também os termos das convenções internacionais nas quais o Brasil é signatário, dentre elas a famosa Convenção de Nova Iorque de 1958, reconhecida como válida no Brasil através do decreto 4.311/2002. Quando uma sentença arbitral precisa ser reconhecida como válida e exequível no Brasil, geralmente o STJ, através do procedimento previsto nos artigos 960 e seguintes do CPC, verifica apenas se aspectos formais estão atendidos e se o devido processo legal foi observado no procedimento arbitral que gerou o título a ser executado no Brasil. Veja-se, em recente julgado abaixo, a posição que predomina em nossa Corte Superior: "3. Nos termos dos artigos 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 963 a 965 do CPC/2015, 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, disciplinam o procedimento de homologação de sentença estrangeira, constituem requisitos ao seu deferimento: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira; (ii) haver a sentença sido proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; (v) não ofender a soberania, a dignidade da pessoa humana, ordem pública ou os bons costumes. 4. A argumentação apresentada pelo agravante quanto à suposta ineficácia da cláusula compromissória diz respeito ao mérito. Todavia, em se considerando que o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema de delibação na análise do pedido de homologação de sentença estrangeira, há que se verificar apenas a presença dos requisitos formais, não cabendo a esta Corte se debruçar sobre a matéria de mérito e tampouco revisar o posicionamento ali adotado pelo juízo arbitral. Precedentes". (AgInt na HDE 6347 / EX - Agravo Interno na Homologação de Decisão Estrangeira). Nos próprios termos do artigo 963 do CPC, é condição essencial para a homologação da sentença estrangeira: (i) ser proferida por autoridade competente; (ii) ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; (iii) ser eficaz no país em que foi proferida; (iv) não ofender a coisa julgada brasileira; (v) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; e (vi) não conter manifesta ofensa à ordem pública. O artigo 26 do CPC, ainda que trate do instituto da cooperação jurídica internacional, pode ser útil na tentativa de se extrair o significado, para fins processuais, de ordem pública, na medida que se exige: (i) respeito às garantias do devido processo legal; e (ii) proibição da prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. Mais uma vez, em recente julgado, o STJ manifesta que a sentença arbitral estrangeira apenas não deve ser homologada em casos excepcionais, de real colidência com a ordem pública ou por falta de observância de requisitos exigidos pela lei processual:    "DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA CONTESTADA. ORIUNDA DE CORTE ARBITRAL EM ROMA, ITÁLIA. ARTS. 15 E 17 DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ARTS. 960 E SEGUINTES DO CPC/2015. ARTS. 216-C, 216-D E 216-F DO RISTJ. ARTS. 37 A 39 DA LEI N. 9.307/1996. REQUISITOS ATENDIDOS. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DEFERIDO. 1. A homologação de decisões estrangeiras pelo Poder Judiciário possui previsão na Constituição Federal de 1988 e, desde 2004, está outorgada ao Superior Tribunal de Justiça, que a realiza com atenção aos ditames dos arts. 15 e 17 do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB), 216-A e seguintes do RISTJ e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 960 e seguintes). 2. São requisitos para homologação de sentença estrangeira: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados por autoridade consular brasileira; (ii) haver sido a sentença proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; e (v) inexistir ofensa à soberania, à dignidade da pessoa humana e/ou à ordem pública. 3. Cuidando-se de pedido de homologação de sentença estrangeira arbitral, o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira deve atender à forma do art. 37 da Lei n. 9.307/1996, somente podendo ser negado nos casos previstos nos arts. 38 e 39 da citada lei. 4. Contestação que se volta contra aspectos de mérito da sentença, que escapam à estreita via do juízo de delibação sufragado pelo sistema brasileiro. Precedentes do STJ. 5. Requisitos legais da homologação atendidos. 6. Pedido de homologação de sentença estrangeira deferido". (HDE 7488 / EX Homologação de Decisão Estrangeira). Todavia, já houve situações, ainda que não tão frequentes, em que o STJ deixou de homologar plenamente a sentença arbitral estrangeira, justamente por entender que uma questão de ordem pública não teria sido observada. Em cerca de 57 acórdãos analisados, obtidos através da pesquisa "sentença" e "arbitral" e "estrangeira" e "ordem pública", apenas 7 cuidam da não homologação plena da sentença arbitral. Os casos seriam os seguintes: (i) SEC 14385 / EX; (ii) SEC 9412 / EX; (iii) SEC 2410 / EX; (iv) SEC 269 / RU; (v) SEC 978 / GB; (vi) SEC 866 / GB; e (vii) SEC 967 / GB. Nesses casos, a comprovação de parcialidade do árbitro, a ausência de citação de uma das partes e a ausência de anuência expressa à cláusula de arbitragem foram apontados como elementos nucleares para a não homologação da sentença estrangeira. Veja-se alguns exemplos: "1. O procedimento de homologação de sentença estrangeira não autoriza o reexame do mérito da decisão homologanda, excepcionadas as hipóteses em que se configurar afronta à soberania nacional ou à ordem pública. Dado o caráter indeterminado de tais conceitos, para não subverter o papel homologatório do STJ, deve-se interpretá-los de modo a repelir apenas aqueles atos e efeitos jurídicos absolutamente incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro. 2. A prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional. A inobservância dessa prerrogativa ofende, diretamente, a ordem pública nacional, razão pela qual a decisão proferida pela Justiça alienígena, à luz de sua própria legislação, não obsta o exame da matéria pelo STJ. 3. Ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (arts. 14 e 32, II, da Lei n. 9.307/1996). 4. Dada a natureza contratual da arbitragem, que põe em relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação por este do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral. 5. Estabelecida a observância do direito brasileiro quanto à indenização, extrapola os limites da convenção a sentença arbitral que a fixa com base na avaliação financeira do negócio, ao invés de considerar a extensão do dano. 6. Sentenças estrangeiras não homologadas". (SEC 9412 / EX). "SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. "A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem." (SEC nº 967/GB, Relator Ministro José Delgado, in DJ 20/3/2006). 2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira. 3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido." (SEC 978 / GB). A posição do STJ busca prestigiar, em geral, as sentenças arbitrais proferidas no exterior, em homenagem ao modelo de solução de disputas que foi eleito pelas partes em determinado caso concreto. Todavia, a nossa Corte Superior, em homenagem à ordem pública protegida no CPC, já sinalizou, em alguns excepcionais casos, que a sentença arbitral estrangeira não pode desconsiderar o devido processo legal e os princípios estruturantes básicos que conferem segurança às partes quando da resolução de uma disputa através do instituto da arbitragem.
Na semana passada o professor Daniel Penteado de Castro trouxe nessa Coluna o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que "(i) o agravo contra despacho denegatório de seguimento de recurso especial ou extraordinário é o único recurso cabível contra respectiva decisão e (ii) se nesta hipótese restarem opostos embargos de declaração, estes não terão o condão de gerar o efeito interruptivo para interposição do recurso subsequente."1 É de se concordar com o entendimento do professor Daniel de que tal decisão é totalmente contrária à previsão do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que prevê que "Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial." (g.n.). Não havendo qualquer exceção na lei, parece claro que pela redação do CPC seria sim possível a oposição de embargos de declaração em face de decisões sobre a admissibilidade de recursos especiais e extraordinários2. Entretanto, sendo o Superior Tribunal de Justiça a última instância para a apreciação da legislação infraconstitucional, só resta acatar o entendimento evitando-se a oposição de embargos de declaração, com a apresentação desde logo de Agravo Denegatório em face de decisão que não admite recursos extraordinários e especiais. Em recentíssima decisão a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça apreciou problema derivado do entendimento acima, no sentido de que não ocorreria preclusão consumativa caso fossem opostos Embargos de Declaração (não julgados), mas o Agravo Denegatório fosse interposto dentro do prazo recursal: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTERPOSIÇÃO TEMPESTIVA DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS PARA JULGAMENTO DO RECURSO. 1. Ação de embargos do devedor. 2. O propósito recursal é dirimir suposta divergência com relação à ocorrência de preclusão consumativa nas hipóteses em que são opostos embargos de declaração contra a decisão do Tribunal de origem que inadmite o recurso especial, e, em seguida, é interposto, tempestivamente, o agravo previsto no art. 1.042 do CPC/2015. 3. A Corte Especial já decidiu que "os embargos de declaração, quando opostos contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem, não interrompem, em regra, o prazo para a interposição do agravo, único recurso cabível, salvo quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, inviabilizando-o totalmente de interpor o agravo" (AgInt nos EAREsp 166.402/PE, Corte Especial, julgado em 19/12/2016, DJe 07/02/2017). 4. Hipótese em que, seguidamente à oposição dos embargos de declaração, a recorrente interpôs o agravo em recurso especial ainda dentro do prazo legal, razão pela qual deve ser reformado o acórdão embargado para afastar a preclusão consumativa e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos à Segunda Turma, a fim de prosseguir no julgamento do recurso. 5. Embargos de divergência conhecidos e providos." (g.n.) (EAREsp n. 2.039.129/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 21/6/2023, DJe de 27/6/2023.) De acordo com o entendimento do STJ, a parte poderia opor Embargos de Declaração para tentar suprir omissão, contradição, obscuridade ou corrigir erro material. Não sendo apreciados ou rejeitados os embargos a parte poderia interpor Agravo Denegatório, desde que ainda estivesse no prazo de 15 dias úteis da intimação da decisão que não admitiu o Recurso Especial ou o Recurso Extraordinário. Segundo o acórdão "a sanção a que se sujeita a parte que opõe embargos de declaração incabíveis é a não incidência da regra do art. 1.026 do CPC/2015, especificamente com relação ao efeito interruptivo dos aclaratórios. Dessa forma, se o agravo em recurso especial que se seguir aos embargos de declaração for interposto fora do prazo de 15 dias, contado da intimação da decisão que inadmitir o recurso especial, será considerado intempestivo; de outro lado, ainda que incabíveis os embargos de declaração, se o agravo em recurso especial for interposto no prazo legal, não há falar em intempestividade deste, tampouco em preclusão consumativa." O julgado ainda esclarece que "Evidentemente, se os embargos de declaração opostos contra a decisão que inadmitir o recurso especial forem acolhidos, com modificação da decisão embargada, terá o recorrente que já tiver interposto o agravo em recurso especial o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração, consoante prevê o § 4º do art. 1.023 do CPC/2015". Portanto, tal julgado mostra uma tentativa de compatibilizar a oposição de embargos de declaração em face de decisões denegatórias de RE e RESP com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que tais embargos não interromperiam o prazo para a apresentação de Agravo Denegatório. __________ 1 Disponível aqui. 2 Nesse sentido também é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: "O entendimento consagrado nos tribunais superiores não se justifica porque, naturalmente, a decisão que denega seguimento ao recurso especial e/ou extraordinário pode conter, como qualquer outra, vício formal a ser corrigido por meio de embargos de declaração (Enunciado 75 da I Jornada de direito processual civil do CJF: Cabem embargos de declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal"). Trata-se, à evidência, de mais uma demonstração da odiosa e lamentável "jurisprudência defensiva"." (Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Ed. Juspodivm, 2022, p. 1868/1869).
Um dos princípios que emerge na Teoria Geral dos Recursos é o Princípio da Tipicidade. Em outras palavras, o recurso, destinado a impugnar determinada decisão judicial, somente é cabível se assim o for previsto no sistema. Um dos recursos mais corriqueiros na advocacia reside nos chamados Embargos de Declaração, cujas hipóteses de cabimento, taxativas, está restrita a decisão embargada que padece de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, ex vi ao quanto disposto no art. 1.022, I, II e III, do CPC. De igual sorte, reza o art. 1.026 do CPC, que "... os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, e interrompem o prazo para a interposição do recurso." Em outras palavras, malgrado o órgão julgador negue provimento aos embargos de declaração, a tempestiva oposição desta modalidade recursal tem o condão de gerar o chamado Efeito Interruptivo, ou seja, o prazo de interposição do recurso subsequente aos Embargos de Declaração restará interrompido e terá início somente após a intimação da decisão de seu respectivo julgamento. Ou seja, se houver sentença e, rejeitados os embargos de declaração, o prazo para interposição de apelação terá início a partir da intimação das partes de seu respectivo julgamento. Se houver acórdão que decida a apelação e, opostos os embargos de declaração, o prazo para interpor eventual recurso especial ou extraordinário se iniciará a partir da intimação do acórdão de julgamento dos embargos de declaração. Todavia, uma regra e objetiva ganha nova dimensão e cuidados em se tratando de recurso especial e extraordinário. Explica-se. Recentemente a Terceira Turma do STJ reafirmou entendimento anterior ao CPC de 2015, para fixar a tese de que (i) o agravo contra despacho denegatório de seguimento de recurso especial ou extraordinário é o único recurso cabível contra respectiva decisão e (ii) se nesta hipótese restarem opostos embargos de declaração, estes não terão o condão de gerar o efeito interruptivo para interposição do recurso subsequente: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INCABÍVEL. PRAZO RECURSAL. NÃO INTERRUPÇÃO. AGRAVO INTEMPESTIVO. O agravo é o único recurso cabível contra a decisão que não admite o recurso especial, sendo que a oposição de declaratórios não interrompe o prazo para a interposição de agravo em recurso especial. Precedentes da Corte Especial. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AResp 1216265/SE, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 23.5.23) O voto condutor bem elucidou: "A questão jurídica resultava do fato de o legislador ter promovido a inclusão expressa do termo "qualquer decisão judicial" na redação do artigo 1.022 ao tratar das hipóteses de cabimento dos aclaratórios, sedimentando, é bem verdade, posicionamento já há muito consolidado na jurisprudência pátria. Ocorre que, melhor examinando o tema em debate e, especialmente, os precedentes mais recentes desta Corte Superior a respeito, o que se constata é que, mesmo após a entrada em vigor do CPC/15, a jurisprudência do STJ tem se mantido inalterada, conforme se observa dos seguintes julgados: AgInt no MS 25.013/DF, rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/19, DJe de 7/10/19; AgInt no AREsp 1.477.958/RS, rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 19/8/19, DJe de 21/8/19; AgInt no AREsp 1.457.368/SP, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/6/19, DJe de 28/6/19, e EDcl no AgInt no AREsp 1.277.980/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 29/4/19, DJe de 2/5/19. Além disso, após a afetação do presente recurso, a Corte Especial já se debruçou sobre o tema em apreço em mais de uma oportunidade, sempre concluindo pela prevalência da orientação jurisprudencial supra mencionada. A título de exemplo, oportuno consignar os seguintes julgados: "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA JUÍZO PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. MANIFESTA INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. O acórdão objeto dos embargos de divergência ostenta o mesmo entendimento erigido pela jurisprudência desta Casa, no sentido de que os embargos de declaração, quando opostos contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial proferida na instância ordinária, não interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no artigo 1.042 do CPC - único recurso cabível -, salvo quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, impedindo-o de interpor o agravo. Agravo interno não provido" (AgInt nos EAREsp 1.653.277/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 26/4/22, DJe de 3/5/22 - grifou-se). "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AUSENTES AS HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. Não prospera o agravo interno cujos fundamentos são a reiteração dos mesmos fundamentos expostos no recurso anteriormente indeferido. A interposição de recurso manifestamente incabível não interrompe o prazo recursal. Assim, os embargos de declaração opostos a decisão que inadmite recurso especial não interrompem o prazo para a interposição do agravo em recurso especial, único recurso cabível na hipótese. Agravo interno desprovido" (AgInt nos EDcl nos EAREsp 1.632.917/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 9/3/21, DJe de 11/3/21 - grifou-se) "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE, CONFIRMANDO A DECISÃO DO RELATOR, SEQUER CONHECEU DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL EM RAZÃO DO ÓBICE DA SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 315 DO STJ. EMBARGOS LIMINARMENTE INDEFERIDOS PELA PRESIDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. ALEGADA OMISSÃO. VÍCIO INEXISTENTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. Sob o pálido argumento de que haveria 'omissão' no acórdão embargado, os Embargantes buscam, indisfarçavelmente, a reapreciação de questão já oportunamente analisada e decidida, o que não se coaduna com a via eleita. 'O vício que autoriza os embargos de declaração é a contradição interna do julgado, não a contradição entre este e o entendimento da parte, nem menos entre este e o que ficara decidido na instância a quo, ou entre ele e outras decisões do STJ' (EDcl no AgInt nos EAREsp 1.125.072/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 14/3/19, DJe 02/4/19). Embargos de declaração rejeitados" (EDcl no AgInt nos EDcl nos EAREsp 741.649/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 12/11/19, DJe de 5/12/19 - grifou-se). Diante desse cenário, não prosperam as alegações postas no agravo, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto." O aresto supra deita fundamento puramente interpretativo e na contramão da redação do caput do art. 1022, claro em admitir embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. Ainda, o legislador do CPC em vigor também não criou regra de exceção para afastar o efeito interruptivo assegurado no art. 1.026 quando tempestivos os embargos de declaração. Respeitado o entendimento acima, o STJ criou problemas de duas ordens: a) qual a leitura e interpretação da regra de exceção criada pelo próprio STJ, qual seja: os embargos de declaração opostos contra a decisão de inadmissibilidade do recurso especial ou extraordinário não geram o efeito interruptivo, salvo "(...) quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, impedindo-o de interpor o agravo"? b) ao jurisdicionado, restará comprovar, quando da interposição de seu agravo contra despacho denegatório de seguimento de recursos especial ou extraordinário, que os embargos de declaração antes opostos se faziam necessário, dada a generalidade da decisão que inadmitiu o recurso especial. Respeitado entendimento em sentido contrário, a orientação que remanesce ao jurisdicionado é deixar de opor embargos de declaração contra a r. decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário, sob pena de restar penalizado por mais este novo tema, dentre tantos, que compõe a chamada jurisprudência defensiva voltada a inadmitir o recurso previso no art. 1.046 do CPC e acesso às Cortes Superiores.
quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Desistência da ação e repropositura da ação

Quem nunca propôs uma demanda e pensou em desistir dela logo depois que ela foi distribuída para um determinado juízo que atire a primeira pedra. No dia a dia forense, é natural que, após um determinado tempo atuando em determinada localidade, o advogado comece a se familiarizar com a "forma de pensar" de determinados magistrados que atuam em determinadas unidades jurisdicionais (varas). Assim, após da demanda ser proposta, em atenção aos princípios do juiz natural e da imparcialidade, há um sorteio para se decidir para qual vara será distribuído o processo (nas comarcas em que há mais de uma vara com a mesma competência, obviamente). De vez em quando, pode acontecer de, na vara sorteada, estar um juiz que, de antemão, já se sabe não ser simpático a uma determinada tese jurídica, por já ter se manifestado contrariamente a ela em demandas anteriores. Neste momento, após a distribuição do processo e antes da citação do réu, pode surgir o desejo da parte de desistir da demanda e tentar a sorte novamente para ver se, na próxima vez, o juiz sorteado seja outro que pense diferentemente daquele primeiro. Pensando nesse tipo de situação, o legislador inseriu no Código de Processo Civil (CPC), o inciso II do art. 286, que dispõe o seguinte: "Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda". Em razão do disposto acima, se for proposta uma ação e o autor desistir dela, o juiz deve extinguir o processo sem resolução do mérito com base no art. 485, inciso VIII, do CPC ("homologar a desistência da ação"). Uma vez reproposta idêntica demanda, com as mesmas partes, pedido e causa de pedir (CPC, art. 337, § 2º), deve incidir o art. 286, inciso II. Nesse caso, portanto, a nova demanda, idêntica a anterior, reproposta, deve ser distribuída ao mesmo juízo que homologou a desistência da ação anterior. Ou seja, esta é a distribuição "por dependência" ao juízo que primeiro teve contato com a ação. Dessa maneira, evita-se que seja violado o princípio do juiz natural e da imparcialidade e que o sistema de sorteio seja rigorosamente respeitado. Como se sabe, nosso sistema processual proíbe que a parte escolha um juiz ou juíza para julgar o seu processo. Tampouco é possível pedir o seu afastamento fora das hipóteses de impedimento e suspeição que estão elencadas nos artigos 144 e 145 do CPC. Apesar disso, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu existir uma exceção à regra do art. 286, inciso II, do CPC, conforme se pode depreender da leitura da decisão abaixo ementada: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. AJUIZAMENTO ANTERIOR NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL. DESISTÊNCIA DO AUTOR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. NOVO AJUIZAMENTO NA JUSTIÇA COMUM. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO NÃO PREVISTA NA LEI Nº 9.099/1995. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC/2015. IMPOSSIBILIDADE. ART. 286, II, DO CPC/2015. APLICAÇÃO PARA AÇÕES AJUIZADAS PERANTE A MESMA JUSTIÇA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1. Ação de indenização, ajuizada em 21/5/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/2/2021 e concluso ao gabinete em 15/10/2021. 2. O propósito recursal é decidir se, sendo ajuizada ação no Juizado Especial Cível Estadual, subsequentemente extinta sem resolução de mérito em razão da desistência do autor, é cabível nova propositura na Justiça Comum. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, cabe ao autor escolher entre o processamento da ação perante o Juizado Especial Cível Estadual, sob o rito da lei 9.099/1995, ou promover a ação perante Justiça Comum, sob o rito do Código de Processo Civil. 4. A lei 9.099/1995 não veda que o autor desista da ação ajuizada perante o JEC e, após, promova a nova ação na Justiça Comum, tampouco determina que, nessa hipótese, a nova ação deve ser distribuída ao Juízo do JEC, por dependência. 5. A aplicação subsidiária do CPC ao rito da Lei nº 9.099/1995 não foi admitida pelo legislador, tendo em vista que deliberadamente deixou de prever regra nesse sentido, diversamente como fez no âmbito penal, autorizando expressamente a aplicação subsidiária do CPP. Ademais, quando a lei objetivou a aplicação de determinada norma do CPC ao microssistema do JEC, o fez expressamente. 6. O art. 286, II, do CPC/2015 é uma regra pensada pelo legislador para as ações ajuizadas perante a mesma Justiça, que seguem o rito do referido Código, sem levar em considerações as peculiaridades de outros sistemas, como o do JEC. 7. O objetivo do art. 286, II, do CPC/2015 é de coibir práticas como a de patronos que, em vez de ajuizar uma ação em litisconsórcio ativo, ajuízam diversas ações similares simultaneamente, obtendo distribuição para Juízos distintos e, na sequência, desistem das ações em trâmite nos Juízos nos quais não obtiveram liminar e, para os autores dessas ações, postulam litisconsórcio sucessivo ou assistência litisconsorcial, no Juízo em que a liminar foi deferida. 8. A desistência pelo autor da ação proposta no JEC, para ajuizá-la na Justiça Comum não se trata de má-fé processual, mas de escolha legítima de optar pelo rito processual mais completo, ao vislumbrar, por exemplo, a necessidade de uma instrução mais extensa, sendo essa opção, ademais, um risco assumido pelo próprio autor, diante dos ônus de sucumbência e da maior gama de recursos que também ficará à disposição da outra parte. 9. Portanto, sendo ajuizada ação no Juizado Especial Cível Estadual, subsequentemente extinta sem resolução de mérito em razão da desistência do autor, é cabível nova propositura na Justiça Comum, não havendo, nessa situação, distribuição por dependência ao primeiro Juízo. 10. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou a preliminar de prevenção do Juízo do JEC, arguida pelo recorrente em sua contestação, uma vez que o autor tem a faculdade de optar pela Justiça Comum, ao vislumbrar a necessidade de produção probatória mais extensa e incompatível com o JEC. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp n. 2.045.638/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023.)". Como é possível perceber, no caso concreto, o autor propôs demanda indenizatória perante o Juizado Especial Cível (JEC), nos termos da lei 9.099/1995. Em seguida, houve a desistência da ação perante o JEC, que foi homologada nos moldes do art. 485, VIII, do CPC. Posteriormente, a demanda foi proposta perante a Justiça Comum e lá ela foi julgada no mérito, sem aplicação do art. 286, inciso II, do CPC. Em outras palavras, o processo não foi distribuído por dependência ao juízo do JEC, que homologou a desistência da ação em primeiro lugar. Em recurso especial, o vencido sustentou perante o STJ a violação do art. 286, inciso II, do CPC, no caso em apreço, pelo fato de o processo não ter sido redistribuído para o JEC e ter permanecido na Justiça Comum, onde foi julgado. O STJ, por sua vez, ao interpretar o art. 286, inciso II, do CPC, entendeu que tal dispositivo deve ser aplicado somente na hipótese de ações ajuizadas perante "a mesma Justiça". Em outras palavras, se a demanda é proposta perante a Justiça Comum e reproposta perante a Justiça Comum, deve ser aplicado o art. 286, inciso II, do CPC e o segundo processo deve ser distribuído por dependência ao juízo onde tramitou o primeiro. Por outro lado, se a primeira demanda foi proposta perante o JEC e a segunda, ainda que idêntica, após a primeira desistência, foi ajuizada perante a Justiça Comum, não deve haver distribuição por dependência. O processo deve permanecer na Justiça Comum. A razão para o STJ decidir dessa maneira está no fato de que os procedimentos do JEC e da Justiça Comum são diferentes. No JEC, aplica-se a Lei n. 9.099/1995, na qual se estabelece que a escolha por este procedimento especial é uma "opção do autor" e não é proibida a desistência da ação. Na Justiça Comum, como se extrai da própria decisão, a parte pode legitimamente optar por um "rito processual mais completo, ao vislumbrar, por exemplo, a necessidade de uma instrução mais extensa, sendo essa opção, ademais, um risco assumido pelo próprio autor, diante dos ônus de sucumbência e da maior gama de recursos que também ficará à disposição da outra parte". Trata-se de uma decisão judicial acertada na qual se leva em consideração as peculiaridades da lei 9.099/95 e não se parte da premissa equivocada de que as partes (ou seus advogados) estão sempre agindo de má-fé e buscando burlar a lei. No mais das vezes, o que se busca é um procedimento que permita uma ampla produção de provas, sem as restrições do JEC, que foi desenhado para causas de menor complexidade.