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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
Recentemente, a 2ª seção do STJ julgou o Conflito de Competência de 206933/SP, tendo sido relatora a ministra Nancy Amdrighi. No julgamento, ocorrido em 6/2/25, a Corte entendeu que: "3. A lei 14.879/24 alterou o art. 63 do CPC no que diz respeito aos limites para a modificação da competência relativa mediante eleição de foro. A nova redação do § 1º do dispositivo dispõe que "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor". 4. Como consequência da não observância dos novos parâmetros legais, será considerada prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, sem qualquer vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico, podendo o Juízo declinar de ofício da competência, nos termos do § 5º do art. 63 do CPC. 5. Com a vigência da nova legislação, tem-se a superação parcial da súmula 33/STJ, segundo a qual "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 6. Aplica-se a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC aos processos cuja petição inicial tenha sido ajuizada após 4/6/24, data da vigência da lei 14.879/24 (art. 2º). O estabelecimento desse marco temporal decorre da interpretação conjugada do art. 14 do CPC, que estabelece a Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, e do art. 43 do CPC, segundo o qual a competência será determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial. 7. Por outro lado, a nova legislação não será aplicada às demandas ajuizadas em momento anterior à sua vigência, sobrevindo a prorrogação da competência relativa - pelo foro de eleição - em razão da inércia da contraparte e da incidência da súmula 33/STJ". Portanto, estabeleceu-se a importante premissa de que se aplica a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC/15, apenas aos processos ajuizados após a data da vigência da lei 14.879/24. Vale lembrar que a eleição consensual de foro, em contratos, é um típico negócio processual que já estava previsto em nosso sistema processual na vigência do CPC de 1973, conforme disciplinava o art. 111 daquele diploma adjetivo. Com o CPC/15, as situações de competência relativa, definidas por critérios de território e valor, também ganharam disciplina própria, no correspondente art. 63, com a permissão expressa de que as partes podem negociar modificando a competência, e elegendo o foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e obrigações. O aludido art. 63 foi alterado pela lei 14.879 de 2024, a qual acrescentou alguns critérios - verdadeiras premissas - para que as partes observem quando da arquitetura da cláusula de eleição de foro. Basicamente, quando da elaboração da convenção processual de que ora tratamos, as partes devem inserir a cláusula de eleição de foro em instrumento escrito, bem como a cláusula deve aludir expressamente a determinado negócio jurídico. Além disso, nos termos da nova lei, a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio ou residência de uma das partes ou com o local da obrigação; ressalvando-se os cenários que podem ser favoráveis ao consumidor. E apesar de a questão da competência ser matéria de contestação, nos termos do art. 337, II, do CPC/15, a lei 14.879 de 2024 permite que, caso a cláusula de eleição de foro não observe as premissas ora acima elencadas, o Poder Judiciário a desconsidere de ofício, determinando-se a redistribuição da ação ajuizada, conforme os critérios de definição legal de competência estabelecidos nos arts. 42 a 53 do CPC/15. Nesse contexto, relevantíssimo é o julgado da 2ª seção do STJ, com a apresentação de um marco temporal para que, nos termos das mudanças oriundas da lei 14.879 de 2024, o Poder Judiciário desconsidere de ofício a cláusula de eleição de foro.
A oposição de Embargos à Execução Fiscal só pode ocorrer após a total garantia do juízo, nos termos do § 1º, do artigo 16 da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80). O inciso II do referido artigo prevê ainda, que o prazo de 30 dias será contado da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia.  Portanto, pela literalidade da lei, o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal começa a fluir a partir do oferecimento da garantia, pouco importando a sua aceitação. Contudo, é muito comum que o Exequente não concorde com os termos da garantia e requeira alterações. A questão ganha maior importância no caso do seguro garantia, já que é uma forma menos dispendiosa do que a realização do depósito judicial e o oferecimento da fiança bancária e que gera contestações do Fisco, principalmente por não ser uma garantia por tempo indeterminado. Existem diversos julgados de Tribunais prevendo a aplicação literal da lei com o prazo inicial iniciando a partir da apresentação da garantia:  APELAÇÃO - Embargos à execução fiscal - Sentença de extinção do processo sem resolução de mérito por intempestividade (art. 485, X, CPC) - Irresignação da embargante/executada - Prazo para ajuizamento de embargos à execução fiscal é de 30 dias, conforme consta do art. 16 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal) - Termo inicial, a ser considerado no caso dos autos, como a "juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia" (art. 16, II, LEF) - Impossibilidade de que o termo inicial a ser considerado seja seu conhecimento acerca do aceite da Fazenda Pública da garantia ofertada - Ausência de base legal e não equiparação às demais hipóteses - Intempestividade reconhecida - Embargos à execução fiscal anteriormente opostos que já haviam sido extintos, bastando que a executada interpusesse recurso de apelação, o que não ocorreu - Manutenção da sentença - Não provimento dorecurso interposto. (g.n.)  (TJSP;  Apelação Cível 1002455-42.2022.8.26.0068; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Barueri - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/09/2022; Data de Registro: 26/09/2022)  A aplicação literal pode trazer problemas ao executado, pois se não apresenta desde logo os embargos, esses podem ser tidos como intempestivos e se os apresenta e a garantia não é aceita os embargos podem ser extintos.  Desse modo, muito importante o recentíssimo entendimento da 1ª Turma do STJ no sentido de que o prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal só começa a fluir após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz:  "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO INICIAL. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO DO ACEITE DO SEGURO GARANTIA PELO JUIZ. RECURSO PROVIDO. 1. O prazo para oposição de embargos à execução deve iniciar-se após a intimação da parte acerca do aceite do seguro garantia pelo Juiz, interpretação dos artigos 7º e 16 da Lei 6.830/1980. 2. Recurso provido." (REsp n. 2.185.262/RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024.) Já existiam julgados dos Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "garantido o juízo por meio de depósito efetuado pelo devedor, é necessária sua formalização, de modo que o prazo para oposição de embargos inicia-se a partir da intimação do depósito." (EREsp n. 767.505/RJ 1ª Seção do STJ). No mesmo sentido, entende a Corte "que o oferecimento de fiança bancária não dispensa a lavratura do termo de penhora e posterior intimação do executado acerca do ato, momento a partir do qual passará a fluir o prazo para oposição dos embargos." (AgRg no REsp n.1.043.521/MT).  Assim sendo, o recente entendimento mostra-se importante, pois mantém o entendimento já consagrado pelo STJ para o depósito judicial e a fiança bancária também para os casos de oferecimento de seguro garantia. Espera-se que tal entendimento seja acompanhado pelos Ministros da 2ª Turma do STJ.
Diante de controvérsias emergidas a respeito do novo regime do cabimento do recurso de agravo, a Corte Especial do STJ, ao Julgar o Tema Repetitivo n. 988 (REsp  n. 1.696.396) sedimentou o entendimento da tese de "taxatividade mitigada", a afastar a interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC com vistas a autorizar, excepcionalmente, o cabimento do recurso de agravo em outras hipóteses além daquelas previstas em aludido dispositivo, em especial quando verificada a urgência ou inutilidade futura do recurso restrita a devolução da matéria impugnada para reexame em sede de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC) . Nesse contexto, passou-se a admitir o cabimento de recurso de agravo contra a) decisão que indefere habilitação de crédito em recuperação judicial , b) decisão que defere pedido de levantamento em desapropriação c) decisão que inadmite intervenção de terceiros  e d) decisão interlocutória acerca da prescrição  e) decisão que afasta a impossibilidade jurídica do pedido , dentre outras hipóteses. Recentemente a celeuma restou examinada pelo STJ, desta feita não para se discutir a aplicação ou não da taxatividade mitigada ao caso concreto, mas, ao revés, consistente em examinar, quando previsto o cabimento de recurso de agravo em lei especial, se no âmbito de aludido regime há de ser observada a taxatividade mitigada PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. APLICAÇÃO. 1. A controvérsia cinge-se ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indeferiu o aditamento da inicial por intempestividade, no bojo de ação civil pública. 2. Caso em que o Tribunal de origem entendeu que a decisão agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas. 3. As duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. 4. Agravo interno desprovido (STJ, AgInt. no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "(...) O Tribunal de origem entendeu que a decisão interlocutória agravada não estava inserida no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, destacando, ainda, que não havia urgência na utilização do instrumento recursal a caracterizar a taxatividade mitigada definida pelo STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT, apreciado sob o rito de demandas repetitivas (e-STJ fls. 115/116). No julgamento dos embargos de declaração opostos pela agravada, a Corte a quo consignou, ainda, que "não há na lei de ação civil pública nenhuma particularidade quanto à admissibilidade do recurso originário" (e-STJ fl. 160). Porém, como assinalado na decisão ora agravada, as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei. Nesse sentido: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. LACUNA EXISTENTE NA LEI Nº 7.347/85. APLICAÇÃO DO ART. 19, § 1º, DA LEI N. 4.717/65. ANALOGIA. COLMATAÇÃO EMPREENDIDA NO ÂMBITO DO MICROSSISTEMA LEGAL DE TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. ART. 1.015, XIII, DO CPC. 1. Discute-se a aplicação, por analogia, do art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) na hipótese em que o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória proferida no âmbito de ação civil pública, matéria que extrapola a tese firmada no julgamento dos REsp's 1.696.396/MT e 1.704.520/MT (Tema nº 988), sob o rito repetitivo. 2. Nas ações civis públicas, cabível se revela a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória, devendo a lacuna existente na Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) ser colmatada mediante a aplicação de dispositivo também integrante do microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, a saber, o art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Nessa toada hermenêutica: REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017. 3. Afora isso, o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em demandas coletivas também encontra amparo no próprio inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015, cujo dispositivo admite a interposição do recurso instrumental em "outros casos expressamente referidos em lei". Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 4/12/2019. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.828.295/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020). (...) Assim, conquanto não prevista especificamente na Lei de Ação Civil Pública, a regra legal prevista na Lei da Ação Popular estende-se a todas as ações inseridas no microssistema de tutela coletiva, de modo que é cabível a interposição de agravo de instrumento na espécie. Por fim, embora não merecedor de acolhimento, o agravo interno, no caso, não se revela manifestamente inadmissível ou improcedente, razão pela qual não deve ser aplicada a multa do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno. (STJ, AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 2159586/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 24.01.2025, v.u., grifou-se) Pacificado o entendimento no STJ de que malgrado o art. 19º, 1º, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) prever o cabimento do recurso de agravo como meio de impugnação de decisão interlocutória tirada daquela modalidade de demanda (sem fazer restrição alguma quanto ao seu cabimento), aludido dispositivo restou interpretado a ponto de autorizar o cabimento do recurso de agravo também no âmbito das ações civis públicas, dada a leitura de ambas espécies de demanda integrarem o chamado microssistema legal de tutela dos interesses transindividuais. Logo, soa correto o julgamento supra citado, porquanto parte da perspectiva de afastar qualquer discussão em torno de aplicar-se ou não a tese da taxatividade mitigada. Longe disso, na medida em que há na lei especial a previsão do cabimento de recurso de agravo como meio de impugnação contra decisão interlocutória, despido de aludir a qualquer hipótese de cabimento, não há razão da lei especial ceder espaço a disposição em sentido contrário no art. 1.015 do CPC (de onde se extrai hipóteses restritas de cabimento do recurso de agravo).
Em 26/10/23, nesta coluna, foi escrito um artigo que terminava assim: "Vamos torcer para que o STJ, ao julgar o recurso especial 2.072.206/SP, que versa sobre o mesmo tema e cujo julgamento foi afetado pela 3ª turma à Corte Especial no último dia 24 de outubro de 2023, pacifique o entendimento de que cabe condenação em verbas de sucumbência no IDPJ"1. Ao que tudo indica, a nossa torcida deu certo! Em 13/2/25, o recurso especial 2.072.206/SP foi julgado firmando o entendimento de que cabe, sim, condenação de verbas de sucumbência no IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, disciplinado pelos arts. 133 a 137 do CPC - Código de Processo Civil. Como informado na ocasião, a controvérsia dos autos do recurso em referência poderia ser resumida em saber se é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência na hipótese de rejeição do pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que o art. 85, § 1º do Código de Processo Civil não previu, de forma expressa, os incidentes como fatos geradores de honorários. A resposta a tal indagação dada pelo STJ é positiva, ou seja, nesses casos é possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência para aquele que pede a instauração do IDPJ e tem decisão desfavorável ao final do "incidente". Vale lembrar que, desde 30/3/17, nesta coluna, tem sido defendido o cabimento de condenação ao pagamento de verbas de sucumbência por parte do vencido no IDPJ2. Em 8/7/22, foi reiterado o entendimento lançado cinco anos antes, a despeito da jurisprudência oscilante do STJ e do TJ/SP3. Em 26/10/23, foi comemorado nesta coluna que, finalmente, pelo menos um dos argumentos expostos anteriormente nesta nas datas acima indicadas (30/3/17 e 8/7/22) foram acolhidos, por maioria, pela 3ª turma do STJ. Confira-se, a propósito, a ementa de um julgado que ocorreu em setembro de 2023: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO.1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.2. O CPC/15 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência.3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.5. Recurso especial conhecido e não provido.(REsp 1.925.959/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 12/9/23, DJe de 22/9/23.) Cumpre notar que já se sustentava há bastante tempo que, apesar de os arts. 133 a 137 do CPC fazerem referência a um "incidente" de desconsideração da personalidade jurídica, o que há, a bem da verdade, é uma demanda incidental. Por tal razão, o argumento de que seria um mero "incidente processual" e não comportaria condenação do vencido em verbas de sucumbência e por inexistir previsão para tanto no art. 85, do CPC, não poderia ser acolhido. Há, efetivamente, a formulação de novo pedido e nova causa de pedir no curso do processo, quando é requerida a instauração do IDPJ. Ademais, há citação, contestação, fase instrutória (se necessária) e decisão. Em outras palavras, tem-se tudo que uma demanda tem (menos o nome)4. Agora nos resta aguardar a lavratura e publicação do acórdão do julgamento do recurso especial 2.072.206/SP para aplaudirmos mais! 1 Disponível aqui.    2 Disponível aqui. 3 Disponível aqui. 4 VIEIRA, Christian Garcia. "Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza, procedimento e temas polêmicos". Salvador: JusPodvum, 2017, p. 183.
Recentemente, a 1ª turma do STJ julgou o REsp 1601868/SC, tendo sido relator o ministro Paulo Sérgio Domingues, estabelecendo-se que: "É válida a admissão ao processo de prova emprestada, desde que respeitado o contraditório na demanda em que a prova venha a ser utilizada". Posição semelhante foi a adotada no julgamento do AgRg no RMS 43329/RS, no STJ, tendo sido relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendendo-se que: "A utilização da prova emprestada pelo Tribunal de Contas só será válida se o processo administrativo lá desenvolvido observar as garantias do devido processo legal. Assim, não há prejuízo". Igualmente importante, nesse ponto, é o julgamento do AgInt no REsp 1426271/MT, também no STJ, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, proclamando-se que: "É válida a utilização de prova emprestada, desde que observado o contraditório e ampla defesa. Precedentes do STF e do STJ. Súmula 83/STJ". É da essência do art. 372 do CPC/15 a permissão para o manejo da prova emprestada, mas desde que observado o princípio do contraditório. E a prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.  Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro." E, para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.  Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal". O art. 372 do CPC/15 dá especial importância ao princípio do contraditório, estabelecendo que a prova emprestada, para ser admitida, necessita sempre observar este nobre princípio, o qual se relaciona de forma íntima com o devido processo legal. E como bem lembra Cássio Scarpinella Bueno5, o conceito de devido processo legal tem profunda relação com a noção de devida participação das partes no processo, devendo-se assegurar às mesmas a possibilidade de defesa e contraditório: "O processo deve ser devido porque, em um Estado Democrático de Direito, não basta que o Estado atue de qualquer forma, mas deve atuar de uma específica forma, de acordo com as regras preestabelecidas e que assegurem, amplamente, que os interessados na solução da questão levada ao Judiciário exerçam todas as possibilidades de ataque e defesa que lhe pareçam necessárias, isto é, de participação". Como bem leciona Nelson Nery Jr.6, "por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a exigência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos." Novamente trazendo a importância de se assegurar a devida participação das partes no processo, Cássio Scarpinella Bueno7 relaciona a noção de contraditório com a necessidade de se garantir ao sujeito do processo a possibilidade de o mesmo influenciar, através da devida participação, na decisão a ser proferida: "Justamente em função desta nova compreensão dos elementos 'ciência' e 'informação' é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a ideia de participação na decisão do Estado, viabilizando-se, assim, mesmo que no processo, a realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito. O que se deve destacar, a este respeito, é que o princípio do contraditório deve ser entendido como a possibilidade de o destinatário da atuação do Estado influenciar - ou, quando menos, ter condições reais, efetivas de influenciar - em alguma medida, na decisão a ser proferida". Vale destacar, nesse aspecto, o enunciado 52 do FPPC, o qual enfatiza que: "Para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, considerando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária". Portanto, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior. A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal. Exatamente neste sentido já se posicionou o STF, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado: "A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl 11243, rel. min. Gilmar Mendes, 8/6/11, Tribunal Pleno); e "É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC 106.398, rel. min. Celso de Mello, 4/10/11, Segunda turma). Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal. 1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190. 2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323. 4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 104 e 105. 6 NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo Civil Na Constituição Federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 172. 7 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108.
Os embargos de divergência possuem a importante função de uniformizar a jurisprudência de nossas Cortes Superiores. De fato, o artigo 926 do CPC prevê que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência mantê-la estável, integra e coerente. Portanto, quanto maior a abrangência do cabimento de tal recurso, melhor para o sistema processual1. Desse modo, foi aplaudida a redação do § 1º do artigo 1043 do CPC ao prever que "Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária". Com tal redação o Código procurou superar o entendimento então vigente, sob a égide do CPC/1973, de que não serviriam para demonstração do dissídio pretoriano os arestos proferidos em ações originárias ou em espécies recursais diversas dos recursos especiais e extraordinários, tais como Conflito de Competência, Recurso Ordinário, Mandado de Segurança, Ação Rescisória2. Esse é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno: "O acórdão paradigmático, ou seja, o acórdão utilizado para demonstrar a dissonância do entendimento jurisprudencial e que enseja a sua uniformização mediante o emprego desse recurso, por sua vez, pode decorrer de julgamentos de recursos e de outros processos de competência originária, tais como mandados de segurança, ações rescisórias e reclamações, no que é expresso o § 1º do art. 1.043."3 Portanto, causou surpresa o recente julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça não aceitando como paradigma julgamento de Mandado de Segurança impetrado originariamente no STJ:  "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA EM SEDE DE AÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Os embargos de divergência têm por finalidade pacificar a jurisprudência no âmbito do Tribunal quanto à interpretação da legislação federal examinada na via do recurso especial. 2. Não servem como paradigmas, para fins de comprovação de dissídio jurisprudencial em embargos de divergência, acórdãos proferidos em sede de ação constitucional, notadamente porque diverso o grau de cognição com relação ao recurso especial. 3. Agravo interno não provido." (AgInt nos EAREsp n. 2.143.376/SP, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 6/11/2024, DJe de 23/12/2024.) Do voto vencedor faz-se importante a transcrição do seguinte trecho:  "Com efeito, o CPC/2015, a princípio, possibilitou a interposição de embargos de divergência contra acórdão proferido em processo de competência originária (inciso IV do art. 1.043), porém, esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 13.256/2016. Logo, o recurso uniformizador ficou restrito à hipótese de julgamento em sede de apelo especial. Nesse cenário, tem-se que a função de uniformizar a interpretação da legislação federal se dá na via do recurso especial. E, para tanto, é conveniente que o aresto paradigma tenha sido proferido em julgamento com mesmo grau de cognição." O inciso IV revogado previa que é embargável o acórdão de órgão fracionário que "nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal". Assim, a previsão revogada previa que o acórdão de julgado de competência originária poderia ensejar a oposição de Embargos de Divergência. Já o § 1º prevê que o acórdão das ações originárias poderia servir de paradigma para possibilitar o cabimento dos Embargos de Divergência. Portanto, salvo melhor juízo, o CPC/15 não permite o cabimento de embargos de divergência em face de acórdão que julgou ação originária, mas estes podem servir de paradigma para confrontar julgamentos proferidos por em recursos Extraordinário e Especial.     Nesse sentido é o entendimento expresso no muito bem fundamentado voto vencido da lavra do Min. Raul de Araújo:  "(...) seria, logicamente, perfeitamente possível aceitar-se, em embargos de divergência, que a impugnação de acórdão proferido tanto na própria ação rescisória ou em recurso ordinário em mandado de segurança não fora a revogação expressa do inciso IV do art. 1.043 do Novo CPC pela Lei 13.256/2016. Contudo, como houve a revogação, somente é possível utilizar-se o acórdão em ação originária ou em recurso como paradigma, e não como paragonado (CPC, art. 1.043, § 1º)." Em outro trecho assim previu o voto vencido:  "Destarte, o regramento do § 1º do art. 1.043 do CPC foi repetido no referido art. 266, § 1º, do RISTJ, reforçando a convicção de que não mais deveria prevalecer a jurisprudência de outrora, de feição mais restritiva, no sentido de que os paradigmas devem se limitar aos acórdãos proferidos em recursos especiais e em seus consectários. Portanto, o legislador ordinário, nos embargos de divergência em recurso especial ou recurso extraordinário, expressamente ampliou as hipóteses de cabimento e afastou aquela interpretação restritiva antes adotada na vigência do CPC de 1973, para claramente admitir que o aresto paradigma possa ser exarado em qualquer ação originária ou recurso julgado por órgão do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (art. 1.043, § 1º)."  Assim sendo, o entendimento presente no voto vencido parece se coadunar melhor com a expressa previsão legal e com a intenção do legislador. Tendo sido um julgamento com um placar um tanto apertado (8X5) talvez a matéria volte a ser julgada novamente no futuro, mas enquanto isso não ocorrer, paradigmas de ações originárias constitucionais não devem ser utilizados para a demonstração da divergência. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento da professora Teresa Arruda Alvim: "Os embargos de divergência foram bastante alterados, principalmente, quanto à sua hipótese de cabimento. Procurou-se dar aos embargos de divergência bastante rendimento, de molde a que cumpram com eficiência a sua função que é, em última análise, a de desestimular recursos para o STJ ou STF. Isso porque o fato de haver tese jurídica sobre a qual haja divergência interna corporis, no Tribunal Superior, é elemento que, obviamente, estimula recursos. O objetivo dos embargos de divergência é exata e precisamente o de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, internamente. Portanto, quanto mais larga ou abrangente for a hipótese de cabimento dos embargos de divergência, a tendência é a de que menor seja o número de recursos interpostos. Os incisos têm como marca visível a intenção do legislador no sentido de "desmanchar" a jurisprudência que, equivocadamente, restringe indevidamente o cabimento deste recurso, à luz do CPC de 1973." (Comenta´rios ao Co´digo de Processo Civil / organizadores Lenio Luiz Streck, Dierle Nunes, Leonardo Carneiro da Cunha; coordenador executivo Alexandre Freire. - 2. ed. - São Paulo : Saraiva, 2017, p. 1441). 2 EREsp 50.458/SP, CORTE ESPECIAL, Rel. Min. Demócrito Ribeiro, DJ de 07/08/1995; AgRg nos EREsp 103.701/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. José Delgado, DJe de 06/11/2006; AgRg nos EREsp 190.998/AM, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 13/10/2005; AgRg nos EREsp 793.405/RJ, TERCEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 09/05/2011. 3 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 2, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 757. Esse também é o entendimento de Luiz Dellore: "5. Embargos de divergência no caso de ação originária e outros recursos (§ 1.º). Por ausência de previsão no Código anterior, muito se debateu acerca da possibilidade de apontar a divergência entre um REsp ou RE e uma ação de competência originária do tribunal superior (como ação rescisória, mandado de segurança ou conflito de competência). 5.1. O Código buscou deixar de lado esse debate, ao expressamente afirmar ser isso possível. 5.2. Da mesma forma, o parágrafo aponta o confronto de teses contidos em recursos, o que leva à conclusão de que não somente REsp e RE (mencionados nos incisos), mas também outros recursos (como o ROC) podem ser utilizados como base para o acórdão paradigma. 5.3. Portanto, pela letra da lei, cabe divergência para discutir teses firmadas entre dois recursos, duas ações de competência originária ou entre recurso e ação de competência originária. 5.4. Esta alteração legislativa prestigia a tese decidida, e não o meio processual em que se discutiu a tese. O que é absolutamente lógico, pois o objetivo dos embargos de divergência é afastar a divergência quanto a um determinado entendimento jurisprudencial. 5.5. Contudo, a jurisprudência do STJ não vem admitindo que a divergência decorra de outro recurso que não o próprio REsp (vide jurisprudência selecionada), mantendo o entendimento firmado à luz do Código anterior. Além do viés restritivo, um argumento para isso é a revogação do inciso IV (...)" (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 1630).
O CPC/15 passou a dedicar um único dispositivo para melhor regulamentar a admissão do amicus curiae, ao que reza o art. 138: "Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. A vagueza escolhida pelo legislador para melhor definir "(...) órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada" é tema de infindável controvérsia, restando ao alvedrio dos tribunais lhe conferir a melhor interpretação. Recentemente a Primeira turma do STJ decidiu que não cabe a intervenção de amicus curiae "(...) de instituição composta exclusivamente por advogados, cujo interesse jurídico guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes.": "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AMICUS CURIAE. INTERESSE AO JULGAMENTO FAVORÁVEL A UMA DAS PARTES.IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. DESPROPROCIONALIDADE OU IRRAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA. JUROS DEMORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO MENSAL. REEXAME FÁTICOPROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL. EXISTÊNCIA DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPEDIMENTO AO INÍCIO DO LUSTRO PRESCRICIONAL. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DESÃO PAULO NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL DAS AUTORAS CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.I - A intervenção pelo amicus curiae tem espaço diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia, fazendo-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Precedentes.II - Tratando-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes, fica inviabilizada sua admissão como amicus curiae no presente caso. Precedentes.III - Consoante a jurisprudência desta Corte, não é cabível, na via especial, ressalvadas as hipóteses de flagrante desproporcionalidade ou irrazoabilidade, a revisão do valor estipulado pelas instâncias ordinárias a título de indenização, porquanto demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável à luz do óbice contido na súmula 7/STJ.IV - Em casos de responsabilidade civil extracontratual, a fluência dos juros de mora tem início a partir da data do evento danoso (súmula 54 do STJ). Aplicação da súmula 83/STJ.V - Rever a compreensão do tribunal de origem quanto à inviabilidade de retorno do de cujus ao exercício de atividade remunerada, face à enfermidade que lhe acometia, demandaria necessário revolvimento da matéria fático-probatória produzida, inviabilizando-se, assim, o arbitramento de pensão mensal em favor do grupo familiar.VI - À vista do princípio da relativa independência entre as instâncias de responsabilização, contraposta à necessária integridade do ordenamento jurídico, restou consagrado, no art. 200 do Código Civil, que a prescrição da pretensão reparatória cível só terá início após a apuração definitiva, no juízo criminal, de fato passível de enquadramento em tipo penal.VII - O entendimento deste Tribunal é uníssono no sentido de que antes do trânsito em julgado da ação criminal não corre a prescrição quando a pretensão se origina de fato que também deva ser apurado no juízo criminal, ou seja, em cenário no qual haja relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal, sendo irrelevante a ausência de oferecimento de denúncia se houve a abertura de inquérito policial posteriormente arquivado.VIII - Ainda que a ação cível seja intentada contra entes públicos, cuja responsabilidade por ação ou omissão é objetiva, o prazo prescricional não terá início antes da conclusão da apuração criminal, tendo em vista que a legislação não trouxe tal exceção, não competindo ao intérprete fazê-la.IX - Embora objetiva, consoante entendimento firmado pelo STF no Tema da repercussão geral 362, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público não se reveste de caráter absoluto, baseando-se na teoria do risco administrativo, sendo admissível seu abrandamento e, até mesmo, a exclusão da responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias, como o caso fortuito e a força maior.X - Nos termos do art. 200 do Código Civil, o prazo prescricional da pretensão ressarcitória é obstado nas hipóteses em que a conduta potencialmente danosa seja a mesma apurada no juízo criminal, devendo idêntico fato ter potencial tanto à responsabilização civil quanto à criminal, não sofrendo impacto do óbice a pretensão veiculada contra eventuais condutas autônomas praticadas por outros agentes, mesmo se ocorridas na mesma oportunidade.XII - Recurso especial do município não conhecido. Recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido." (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) O voto condutor restou fundamentado nas seguintes premissas: "I. Pedido de intervenção na qualidade de amicus curiae O LAWFARE INSTITUTE objetiva sua intervenção como amicus curiae, nos termos dos arts. 6º, § 2º, da lei 9.868/99 e 138 do Código de Processo Civil. Alega que "foi constituído no ano de 2017 tendo como missão a defesa dos direitos fundamentais, a ordem do Estado Democrático de Direito e a preservação dos direitos humanos, especialmente com a atuação contra o crescente fenômeno do lawfare, que foi definido em livro conceitual lançado por CRISTIANO ZANIN MARTINS, VALESKA T. Z. MARTINS e RAFAEL VALIM como o 'uso estratégico do Direito para fins de prejudicar, deslegitimar e perseguir um inimigo'" (fl. 1.236e). Sustenta a "presença de elementos que indiquem a possibilidade da deturpação do Direito para fins ilegítimos" porquanto "relevante dispositivo do Código Civil (art. 200) está sendo interpretado de forma atrofiada para restringir direitos fundamentais" (fl. 1.237e). (...) Acerca dessa modalidade interventiva, Eduardo Talamini ensina, in verbis: Trata-se de modalidade interventiva admissível em todas as formas processuais e tipos de procedimento. A atuação do amicus curiae, dada sua limitada esfera de poderes (e, consequentemente, sua restrita interferência procedimental), é cabível inclusive em procedimentos especiais regulados por leis esparsas em que se veda genericamente a intervenção de terceiros. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente os poderes da parte. Assim, cabe ingresso de amicus em processo do juizado especial, bem como no mandado de segurança. Em tese, admite-se a intervenção em qualquer fase processual ou grau de jurisdição. A lei não fixa limite temporal para a participação do amicus curiae. A sua admissão no processo é pautada na sua aptidão em contribuir. Assim, apenas reflexamente a fase processual é relevante: será descartada a intervenção se, naquele momento, a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver mais nenhuma relevância (destaques meus). Outrossim, ao analisar os pressupostos objetivos e subjetivos para o cabimento da intervenção do amicus curiae, o autor prossegue: A intervenção do amicus curiae cabe quando houver "relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia" (art. 138, caput, do CPC/15). As regras especiais dessa intervenção, acima enumeradas, não exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá-las. São duas as balizas: por um lado a especialidade da matéria, o seu grau de complexidade; por outro, a importância da causa, que deve ir além do interesse das partes, i.e., sua transcendência, repercussão transindividual ou institucional. São requisitos alternativos ("ou"), não necessariamente cumulativos: tanto a sofisticação da causa quanto sua importância ultra partes (i.e., que vá além das partes) pode autorizar, por si só, a intervenção. De todo modo, os dois aspectos, em casos em que não se põem isoladamente de modo tão intenso, podem ser somados, considerados conjuntamente, a fim de viabilizar a admissão do amicus. [...] Podem ser amicus curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas - e, nesse caso, tanto entes públicos como privados; entidades com ou sem fins lucrativos. Mesmos órgãos internos a outros entes públicos podem em tese intervir nessa condição. O elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a "representatividade adequada". Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica, cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições, pareceres, estudos, levantamentos etc.). A "representatividade" não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em colaborar). A existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção como amicus curiae. O simples fato de o terceiro ter interesse na solução da causa não é fundamento para permitir sua intervenção como amicus curiae. Mas, por outro lado, o seu eventual interesse no resultado do julgamento também não é, em si, óbice a que intervenha em tal condição. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o Judiciário. E é frequente que a existência de um interesse na questão discutida no processo faça do terceiro alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis. Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. Todo esse acervo - nitidamente formado a partir de interesses específicos da entidade e seus integrantes - tende a ser muito útil à solução do processo. Caberá ao julgador aproveitá-lo, filtrando eventuais desvios ou imperfeições. (Amicus curiae - comentários ao art. 138 do CPC, em Breves comentários ao novo CPC. Organizado por Teresa Wambier, F. Didier Jr., E. Talamini e B. Dantas, São Paulo, Ed. RT, 2015, pp. 438-445 - destaques meus). A seu turno, o STF assentou a compreensão segundo a qual o amicus curiae é um colaborador da Justiça que, assim, não se vincula processualmente ao deslinde da controvérsia, tampouco defende interesses próprios, como espelham os seguintes julgados: A admissão de terceiros, 'órgãos ou entidades', nos termos da lei, na condição de amicus curiae, configura circunstância de fundamental importância, porém de caráter excepcional, e que pressupõe, para tornar-se efetiva, a demonstração do atendimento de requisitos, dentre os quais, a relevância da matéria e a representatividade do terceiro. Nesse sentido anota Cléver Vasconcelos: 'O amicus curiae [...], conquanto considerado fenômeno de uma intervenção atípica, porque o 'amigo da corte' não pretende que a ação seja julgada a favor de ou contra uma das partes, mas sim colabora para uma decisão justa do Poder Judiciário, por meio de uma participação meramente informativa. O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiae, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiae, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador'. [...]. (ADPF 134 MC, relator min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 22/4/08, publicado em DJe-077 DIVULG 29/4/08 PUBLIC 30/4/08 - destaque meu). CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO ACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A RECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesse próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do interessado. 2. A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no STF possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser deferida segundo juízo do relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimidade recursal ao preterido 3. Embargos de declaração não conhecidos. (ADIn 3.460 ED, relator min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, j. 12/2/15, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 11/3/15 PUBLIC 12/3/15 - destaque meu). Desse panorama, extrai-se que a intervenção do amicus curiae caberá diante da relevância da matéria, da especificidade do tema objeto da demanda ou da repercussão social da controvérsia. A par disso, subjetivamente, faz-se necessária a potencialidade do interveniente em fornecer elementos úteis à solução do litígio, extraída do seu histórico e de seus atributos, bem como a representatividade adequada para opinar sobre a matéria sub judice. Assim, a participação do amicus curiae no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão judicial, em benefício da jurisdição. No caso, embora o ato constitutivo anexado pelo requerente esteja ilegível (fls. 1.113 e seguintes), no sítio eletrônico do instituto consta que sua missão é "a produção de conteúdo científico sobre lawfare e a análise de casos emblemáticos envolvendo o fenômeno. O Instituto nasceu em 2017 por iniciativa dos advogados Valeska Teixeira Martins, Cristiano Zanin Martins e Rafael Valim, a partir da constatação de que o Direito está sendo utilizado de forma estratégica em diversos países para obtenção de fins ilegítimos, de natureza geopolítica, política, comercial, financeira e militar" (disponível em: ). Ou seja, trata-se de instituição de caráter abrangente, composta exclusivamente por advogados, cujo interesse subjetivo guarda relação apenas com o julgamento favorável a uma das partes - na espécie, as autoras -, circunstância que afasta a sua admissão como amicus curiae. No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIÆ. EXEGESE DO ART. 138 DO CPC. DECISÃO QUE INDEFERE INGRESSO DO COLABORARDOR DA CORTE. IRRECORRIBILIDADE. HIPÓTESES DE INGRESSO: RELEVÂNCIA DA MATÉRIA, ESPECIFIDADE DO TEMA E REPERCUSSÃO SOCIAL DA CONTROVÉRSIA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PEDIDO ANTERIOR À INCLUSÃO DO FEITO EM PAUTA. NÃO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. Os amici curiae são admitidos nos processos com a função de fornecer informações, subsídios e argumentos técnicos ao julgador (CPC/15, art. 138). 2. Trata-se de discricionaridade do magistrado admitir ou não o amicus curiae, decisão essa que é irrecorrível (REsp 1.696.396, Corte Especial). 3. Não basta que o peticionante demonstre interesse na causa, mas deve comprovar concretamente os requisitos de "relevância da matéria", "especificidade do tema" e "repercussão social da controvérsia" (REsp 1.333.977, Segunda seção). 4. A figura é prevista em processos de natureza objetiva, sendo admissível em processos subjetivos apenas em situações excepcionais. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, Primeira seção). Os amici curiae não são admissíveis na hipótese em que o interesse da entidade pretenda ao resultado do julgamento favorável a uma das partes. Não pode o amicus curiae assumir a defesa dos interesses de seus associados ou representados em processo alheio (EDcl na QO no REsp 1.813.684/SP, Corte Especial). 5. O amicus curiæ deve protocolar seu pedido de ingresso como colaborador da corte antes de o processo ser incluído em pauta de julgamento (REsp n. 1.152.218/RS, Corte Especial). 6. O amicus curiæ não tem direito subjetivo à sustentação oral (Questão de Ordem no REsp 1.205.946/SP, Corte Especial). 7. Agravo interno não conhecido. (AgInt no MS 25.655/DF, relator ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 16/8/22, DJe 19/8/22 - destaque meu). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INFLUÊNCIA DA DEMORA OU DIFICULDADE NO FORNECIMENTO DE FICHAS FINANCEIRAS NO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ESTADOS DA FEDERAÇÃO E DISTRITO FEDERAL. PLEITO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIÆ. INDEFERIMENTO. DEFESA DE INTERESSE DE UMA DAS PARTES. APORTE DE DADOS TÉCNICOS. DESNECESSIDADE. 1. O amicus curiæ é previsto para as ações de natureza objetiva, sendo excepcional a admissão no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares indicar a generalização do julgado a ser proferido. 2. O STF ressaltou ser imprescindível a que não está a defender interesse privado, mas, isto sim, relevante interesse público (STF, AgRg na SS 3.273-9/RJ, rel. ministra Ellen Gracie, DJ 20/6/08). 3. No mesmo sentido: "O STF já apreciou a questão da natureza jurídica do amicus curiæ, afirmando, em voto do relator, min. Celso de Mello, na ADIn 748 AgR/RS, em 18/11/94, que não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um fato de 'admissão informal de um colaborador da corte'. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiæ, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador" (STF, ADPF 134 MC, rel. ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 22/4/08, publicado em DJe 29/4/08). 4. Na espécie, o interesse dos Estados da Federação e do Distrito Federal vincula-se diretamente ao resultado do julgamento favorável a uma das partes - no caso, a Fazenda Pública -, circunstância que afasta a aplicação do instituto. 5. Ademais, a participação de "amigo da Corte" visa ao aporte de informações relevantes ou dados técnicos (STF, ADI ED 2.591/DF, rel. ministro Eros Grau, DJ 13/4/07), situação que não se configura no caso dos autos, porquanto o tema repetitivo é de natureza eminentemente processual. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE, relator ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 22/3/17, DJe 28/3/17 - destaques meus). Ademais, a matéria controversa é exclusivamente jurídica, prescindindo de informações técnicas ou científicas que demandem a atuação de amicus curiae. Portanto, é o caso de indeferimento do pedido de intervenção formulado. (STJ, REsp. REsp 2.099.872 / SP, Primeira turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 24/9/24, v.u., grifou-se) Ao que se extrai do voto condutor acima em cotejo com o caso concreto, a rejeição de admissão do amicus curiae restou fundada nas premissas de que a) há interesse subjetivo favorável a uma das partes e b) sendo a matéria exclusivamente jurídica prescinde informações técnicas ou científicas a demandar a atuação do amicus curiae. Por sua vez, noutras ocasiões o STJ já aceitou a admissão do amicus curiae na contramão das premissas acima, ao decidir o Tema repetitivo 1.1561 (definir se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempor previsto em legislação gera dano moral in re ipsa) admitindo a participação da Febraban - Federação Brasileira dos Bancos que, a tomar partido das entidades que representa, defendeu a não configuração de dano moral ao tema, diga-se de passagem, de análise sob o prisma exclusivamente jurídico. Malgrado a rejeição fundada no voto condutor acima ou, sua admissão em situação diametralmente oposta, fato é que resta a Corte cidadã definir elementos objetivos de admissão ou rejeição do amicus curiae, a observar sua aplicação uniforme e evitar tratamentos distintos em situações semelhantes, e, desse modo, evitar limitar o necessário e amplo debate a respeito das questões que carecem a análise sob todos os prismas dada sua sensibilidade, relevância ou reverberação da decisão em casos congêneres. 1 RESP 1962275/GO, Segunda seção de Direito Privado, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24/4/24.
Como é de conhecimento geral, o art. 25 da lei 12.016, de 7/8/09 ("Lei do Mandado de Segurança") estabelece que: "Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé". Apesar de a Lei do Mandado de Segurança ("LMS") ser bastante clara no que diz respeito ao não cabimento de arbitramento de honorários advocatícios em favor do vencedor no rito do mandado de segurança, foram interpostos vários recursos de decisões que deixaram de fixar tais verbas de sucumbência. Com efeito, três recursos especiais foram afetados para serem julgados pela sistemática de julgamento dos recursos repetitivos no STJ. Trata-se do REsp 2053306/MG, do REsp 2053311/MG e do REsp 2053352/MG, todos da relatoria do min. Sérgio Kukina, julgados pela 1ª seção do STJ em 27/11/24 e com acórdãos publicados em 4/12/24. Na ocasião, a questão submetida a julgamento foi a seguinte: "Possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais". Em outras palavras, a questão era saber se, mesmo nos casos dos mandados de segurança cujas sentenças tenham efeitos patrimoniais, incide o art. 25, da LMS, que dispõe não caber condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Por exemplo, no caso do REsp 2053306/MG, ele foi interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça do referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. Nesse caso, em primeira instância, o contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. Havia, portanto, efeitos patrimoniais decorrentes da sentença proferida no mandado de segurança, que deveriam ser saldados nos mesmos autos, em razão de valores de tributos não recolhidos durante a vigência da liminar concedida anteriormente e revogada depois. Vale esclarecer que o juiz deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, sendo que tal decisão foi mantida pelo TJ/MG. Como fundamento legal, foi invocado o art. 25, da Lei do Mandado de Segurança, bem como os entendimentos consolidados nas súmulas 512 do STF e 105 do STJ1. Pois bem, em 4/12/24, a 1ª seção do STJ, ao julgar a questão, firmou a seguinte tese: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". Vale observar que a decisão da 1ª seção do STJ, que fixou o Tema Repetitivo 1.232, acima transcrito, ainda não transitou em julgado, tendo sido o MPF e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais intimados em 18/12/242. De todo modo, é importante transcrever a ementa do julgado sob análise para melhor compreender o seu alcance: "TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA N. 1.232/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal de Justiça de referido Estado, que indeferiu o pedido de arbitramento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença de mandado de segurança individual. 2. Fato relevante: O contribuinte impetrante, servidor militar aposentado, teve denegada a ordem que visava à declaração de inconstitucionalidade de desconto previdenciário, com base no Tema 160/STF, revogando-se liminar antes concedida em seu favor, ensejando a que o Instituto de Previdência, nos mesmos autos, postulasse o recebimento de valores que o inativo deixou de recolher enquanto amparado por aquela mesma liminar. 3. As decisões anteriores: o juiz estadual deferiu o pedido de cumprimento de sentença, mas indeferiu o arbitramento de honorários advocatícios reivindicado pelo órgão previdenciário, decisão mantida pelo TJ/MG. II. Questão em discussão 4. O tema em debate consiste em saber se é cabível a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual. III. Razões de decidir 5. A legislação especial do mandado de segurança, conforme o art. 25 da lei 12.016/09, veda a condenação em honorários advocatícios, aplicando-se também à fase de cumprimento de sentença. 6. A jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as súmulas 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança. 7. A natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional. IV. Dispositivo e tese 8. Tese de julgamento: "Nos termos do art. 25 da lei 12.016/09, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos". 9. Caso concreto: Recurso não provido. 10. Dispositivos relevantes citados: Lei 12.016/09, art. 25; CPC, arts. 85, § 1º, e 523, § 1º. 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.097.947/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda turma, DJe de 14/3/24; AgInt no REsp 2.077.950/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe de 21/9/23; AgInt no REsp 1.994.560/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, DJe de 22/6/23; AgInt no AgInt no AREsp 2.127.997/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda turma, DJe de 26/5/23; AgInt no REsp 2.010.538/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira turma, DJe de 30/11/22; e AgInt no REsp 1.968.010/DF, relator Ministro Manoel Erhardt, Desembargador Convocado do TRF5, Primeira turma, DJe de 11/5/22; STF, ADIn 4.296, rel. Ministro Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/21. (REsp 2.053.311/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, 1ª seção, julgado em 27/11/24, DJe de 4/12/24.) Como se pode perceber, o entendimento de que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios em mandado de segurança nunca foi imune a controvérsias, considerando o teor e a necessidade de se consolidar o entendimento nas súmulas 512 do STF, 105 do STJ e agora no Tema Repetitivo 1.232 do STJ, a despeito da clareza solar do quanto disposto no art. 25 da LMS. Assim, a decisão da 1ª seção do STJ merece aplausos, pois visa, como bem salientado no corpo do acórdão acima ementado, "a não desestimular o uso desse remédio constitucional". Vivemos em um país sabidamente em processo de democratização, mas de um passado recente inegavelmente autoritário. Portanto, não desestimular o uso de instrumentos importantes, como o mandado de segurança, para o combate contra atos abusivos e ilegais praticados pelas autoridades é imprescindível para alcançarmos a tão sonhada democracia em seu estado mais puro. Que ela não seja apenas um sonho e que se torne cada vez mais a nossa realidade. 1 STF, Súmula 512: "Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança."; STJ, Súmula 105: "Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios". 2 Vide andamento processual: Disponível aqui.
Pela sua praticidade e efetividade, a penhora on-line de ativos financeiros é o pedido número um de todos os credores. De fato, com a efetivação de tal penhora é muito comum o devedor não localizado aparecer e o jogo inverte, pois a demora na tramitação do feito passa a não mais interessar tanto ao devedor. Entretanto, a penhora de dinheiro em conta por um longo espaço de tempo pode prejudicar o desenvolvimento das atividades do devedor e é muito comum o pedido de substituição dessa penhora pela apresentação de fiança bancária ou seguro-garantia judicial, eis que o art. 835, § 2º, do CPC equiparou essas duas garantias ao dinheiro1. O Entendimento do STJ sempre vinha sendo contrário a tal pleito, que só se justificaria em casos excepcionais: "A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora sejam garantias equivalentes, a fiança e o seguro-garantia não possuem o mesmo status da penhora em dinheiro, de modo que, somente em casos excepcionais, quando comprovada a necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade, admite-se a substituição."2 A Terceira Turma do STJ3 era praticamente a única Turma Julgadora que vinha permitindo tal substituição de forma mais ampla, eis que na 4ª Turma essa possibilidade também vinha sendo bem restrita: "Admite-se a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia apenas em hipóteses excepcionais, quando necessário para evitar dano grave ao devedor, sem causar prejuízo ao exequente."4 Portanto, é de se comemorar o recente acórdão da 4ª Turma do STJ: "Processual civil. Tutela cautelar antecedente. Recurso especial. Ação de cobrança com pleito indenizatório a título de danos morais. Locação de bens móveis: maquinário e equipamentos para realização de obra. Execução provisória. Penhora on-line de dinheiro. Substituição por seguro-garantia. Possibilidade. Presença dos requisitos para a concessão da liminar. Deferimento. 1. A concessão da tutela provisória, de caráter excepcional, é cabível quando necessária para impedir o perecimento do direito e a consequente inutilidade do provimento jurisdicional. 2. Nos termos dos arts. 300 e 996, parágrafo único, do CPC, em caso de recurso sem efeito suspensivo, a eficácia da decisão recorrida pode ser suspensa por decisão do relator, na hipótese em que houver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. 3. O art. 835, § 2º, do CPC/15, equipara a dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia judicial, para fins de substituição da penhora, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30% (trinta por cento). 4. Em relação ao referido dispositivo, há diversos julgados do STJ reconhecendo que, em que pese a lei se referir à "substituição", que pressupõe a anterior penhora de outro bem, o seguro-garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. No caso de seguro-garantia judicial a idoneidade da apólice deve ser aferida mediante verificação da conformidade de suas cláusulas às normas editadas pela autoridade competente, no caso, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. 5. Ressalta-se, também, que a simples fixação de prazo de validade determinado na apólice e a inserção de cláusula condicionando os efeitos da cobertura ao trânsito em julgado da decisão não implicam inidoneidade da garantia oferecida, pois a renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia. Caso não renovada a cobertura ou se o for extemporaneamente, caraterizado estará o sinistro, de acordo com a regulamentação estabelecida pela SUSEP, abrindo-se, para o segurado, a possibilidade de execução da própria apólice em face da seguradora. Precedentes. 6. Na espécie, diante do fumus bonis iuris e do periculum in mora devidamente demonstrados, bem como, considerando-se que: i) o CPC, art. 835, § 2º, e a jurisprudência do STJ autorizam a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia; ii) o valor dado em garantia é 30% maior que o débito executado; iii) houve a juntada de apólice de seguro garantia, com validade até 4/7/29 e de certidão de regularidade da seguradora perante a SUSEP; iv) se está no âmbito de uma execução provisória; v) a manutenção da penhora em dinheiro, em sede de execução provisória, certamente causará ao executado onerosidade maior que a necessária, afetando a atividade empresarial diante da vultuosidade do valor penhorado - R$ 104 milhões -, mostra-se plausível a liberação do referido valor em favor da requerente. 7. Pedido de tutela provisória provido." (g.n.) (TutCautAnt n. 672/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/9/24, DJe de 30/9/24.) Desse modo, havendo recentes julgados favoráveis à substituição de modo mais amplo pelas duas Turmas pertencentes à Segunda Seção do Tribunal, seria interessante que o tema fosse afetado para Julgamento pela Corte Especial do STJ para possa ocorrer a pacificação do tema em todas as Turmas do STJ. 1 A possibilidade de substituição é elogiada por Daniel Assumpção Neves: "A fiança bancária e, por extensão, o seguro-garantia judicial são formas de garantia do juízo que beneficiam todos os envolvidos na execução. Para o executado, a substituição será extremamente proveitosa porque, liberado o bem que havia sido penhorado, seu dinheiro poderá ser investido, o que certamente gerará dividendos, inclusive aumentando sua capacidade de fazer frente à cobrança enfrentada na execução. Essa circunstância verifica-se, inclusive, nos casos em que a penhora tem como objeto dinheiro, porque é notória a maior rentabilidade da maioria dos investimentos quando comparados com a correção dos depósitos em juízo. Na hipótese de utilização do dinheiro para financiar empreendimentos ou projetos, fica ainda mais nítida a importância da substituição ora defendida. Por outro lado, o exequente não terá nenhum prejuízo, porque o grande atrativo da penhora de dinheiro - liquidez imediata - será plenamente mantido com as duas espécies de garantia previstas pelo art. 835, § 2º, do CPC." (Código de Processo Civil Comentado, 9ª  edição, São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 1.468). 2 AgInt no AREsp n. 2.641.137/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/11/24, DJe de 29/11/24. No mesmo sentido temos os seguintes julgados da 1ª Turma: AgInt no AREsp 2496219 / SP, AgInt no REsp 2096069 / RJ, AgInt no AREsp 1603875 / SP e AgInt no AREsp 1546716 / SP. Esse também é o entendimento da Segunda Turma do STJ nos seguintes julgados: AgInt nos EDcl no REsp 2069883 / SP e AgInt no AREsp 2268523 / CE. 3 Vide os seguintes julgados: AgInt nos EDcl no AREsp 2392225 / RJ, REsp 2128204 / PR, AgInt no AREsp 2335077 / SP. O RESP 2.034.482/SP também da 3ª Turma já foi analisado nessa coluna em junho de 2023: Disponível aqui. 4 AgInt no AREsp n. 1.924.134/SC, relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 12/9/22, DJe de 22/9/22.
Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu afetar os Recursos Especiais de números 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, para julgamento sob o rito dos repetitivos. Trata-se do tema 1296, cujo objeto é: "Definir se a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". O tema, de alguma forma, já foi enfrentado pelo STJ, conforme se nota da redação da Súmula 410: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". E, em 2018, a Corte Especial do STJ já apreciou o assunto, no julgamento do EREsp n.  1.360.577, tendo-se prestigiado a orientação da Súmula 410 do STJ: "PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO. SÚMULA 410 DO STJ. 1. É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil. 2. Embargos de divergência não providos". Agora, através do julgamento do citado tema 1296, a Corte Especial do STJ revisitará a questão relativa à necessidade de prévia intimação do devedor para fins da incidência da multa de que trata o artigo 537 do CPC ("astreintes"); adotando-se, nesse cenário, a fixação de tese através do rito do julgamento de recursos repetitivos. Vale dizer que os recentíssimos posicionamentos do STJ revelam que a redação da Súmula 410 do STJ vem sendo muito prestigiada, conforme se nota dos julgados abaixo:  "Consoante a jurisprudência desta Corte, "é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula nº 410/STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.790.821/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 5/5/2022)" (STJ, AgInt no AREsp 2384676 / SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 18.03.2024).  "Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (EREsp n. 1.360.577/MG, relator p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 7/3/2019)". (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1834125 / AM, Relator Ministro Humberto Martins, 3ª. Turma, julgado em 26.02.2024).  "É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil" (EREsp 1.360.577/MG, Relator para o acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2018, DJe de 07/03/2019)". (STJ, REsp 1497574 / SC, Relator Ministro Raul Araújo, 4ª. Turma, julgado em 24/10/2023).  "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NECESSIDADE. SÚMULA 410/STJ. PRECEDENTES. ACÓRDÃO EM DESARMONIA À JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A iterativa jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de ser necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos da Súmula n. 410/STJ. 1.1. O envio de e-mail ao departamento jurídico da instituição financeira e aos seus patronos não substitui a intimação pessoal. 2. As questões afetas à regularidade e exigibilidade da multa cominatória constituem matéria de ordem pública e, por isso, nas instâncias originárias, não se sujeitam à preclusão e são passíveis de conhecimento de ofício. 3. O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso. 4. Agravo interno improvido". (STJ, AgInt no REsp 2079082 / SP, Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 11/09/2023).  "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSÃO POR MORTE. SUPLEMENTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA. AFASTAMENTO. DESCABIMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. HONORÁRIOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. 1. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de declaratórios, impede o conhecimento do apelo nobre (Súmula nº 211/STJ). 2. É necessária a intimação pessoal do devedor de obrigação de fazer para fins de incidência das astreintes". (STJ, AgInt no AREsp 2187501 / SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª. Turma, julgado em 14/08/2023).  O assunto, além de sumulado, já conta com precedente formado nos termos do artigo 927, V, do CPC, conforme se verifica do v. acórdão da Corte Especial do STJ, relativo ao julgamento do EREsp n.  1.360.577.  De todo modo, com o julgamento do tema 1296, a Corte Especial do STJ, através do rito de apreciação dos apelos especiais repetitivos, tende a confirmar o precedente já formado no referido julgamento do EREsp n.  1.360.577, delineando-se a incidência - para a questão - do artigo 927, III, do CPC.   Frisa-se que o artigo 927, III e V, do CPC, prevê, além da observância aos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, a vinculação de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados. Fredie Didier Jr. ensina que: "Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgãos de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. Afinal, o precedente não deve vincular só o tribunal que o produziu, como também os órgãos a ele subordinados. Diante disso, precedentes do: [...] b) plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal e infraconstitucional, vinculam o próprio STJ, bem como TRFs, TJs e juízes (federais e estaduais) a ele vinculados."1 Teresa Arruda Alvim, nesse cenário, bem destaca a importância de os precedentes serem seguidos.2 E, Daniel Mitidiero, com máxima didática, enfatiza que: "As cortes de justiça e os juízes a ela ligados não podem deixar de aplicar um precedente apenas por que não concordam com a solução formulada, isto é, com seu conteúdo".3 O STJ, no julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal n. 825, elegeu os julgados da Corte Especial como exemplos de sua "jurisprudência dominante" e que deve ser seguida pelos membros da Corte: "Esse conceito abrange decisões do STJ em incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDRs), incidentes de assunção de competência (IACs), recursos repetitivos e embargos de divergência, além de julgados da Corte Especial." A dinâmica de respeito aos precedentes, adotada pelo CPC, fica nítida nos termos da Recomendação n. 134/22 do CNJ, reforçando-se os cuidados que devem ser adotados para fins de preservar-se a segurança jurídica almejada pelo sistema desenhado nos artigos 926 e 927 do CPC. Com a apreciação do tema 1296, a Corte Especial do STJ tende a novamente reforçar entendimento já sumulado e que já foi objeto de julgamento, para fins do artigo 927, V, do CPC, conforme se notou na apreciação do EREsp n.  1.360.577; tudo de modo a se almejar - em favor da segurança jurídica - que o diálogo entre a súmula 410 da Corte Superior e a multa prevista no artigo 537 do CPC, no que toca à necessidade de prévia intimação do devedor, tenha sua conclusão em linha com a diretriz histórica confirmada - e já reconfirmada - pelo STJ em diversos outros julgamentos. __________ 1 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória. Salvador: Ed. Juspodivm, 2021, p. 593. 2 "O objetivo destes institutos, ou, se se preferir, destes regimes diferenciados de julgamento de ações de recursos, é justamente o de gerar segurança e previsibilidade. Não teria sentido algum se não tivessem de ser respeitados. Sua razão de ser seria brutalmente desrespeitada e sua finalidade inteiramente comprometida". (ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui).  3 MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. São Paulo: RT, 2021, p. 320.
A proteção do bem de família está disciplinada nos arts. 1º a 5º da lei 8.009/901, tendo o CC de 2002 regrado o regime do bem de família convencional nos arts. 1711 a 17122 e, por fim, o CPC, prevê no art. 833, I, a impenhorabilidade dos "(..)bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" ao passo em que o art. 832, caput, reza que "(...) não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis." À luz do advento do CPC/15, dúvida emergiu quanto à suposta revogação dos arts. 1º e 5º da lei 8.009/90 pelo CPC em vigor. O tema foi debatido recentemente pela Primeira Turma do STJ: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REVOGAÇÃO TÁCITA DA LEI 8.009/1990 PELO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA LEGAL E VOLUNTÁRIO. COEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. O CPC declara não sujeitos à execução os bens arrolados em seu art. 833 e, na forma do art. 832, aqueles que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Assim como ocorreu sob a legislação processual passada, as hipóteses de impenhorabilidade previstas no atual CPC coexistem com a regulamentação do bem de família, que, segundo a tradição brasileira, é dada por outros diplomas legais, como o CC de 1916, o CC de 2002 e a lei 8.009/90. 2. o fato de o CPC afirmar em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita da lei 8.009/90, assim como não o fez o art. 1.711 do CC, ao tratar do bem de família voluntário. Como já se decidiu no STJ, "O bem de família legal (lei 8.009/90) e o convencional CC coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente" (REsp 1.792.265/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 14/3/22). 3. Conforme a jurisprudência do STJ, para o reconhecimento da proteção da lei 8.009/90 não é necessária a prova de que o imóvel onde reside seja o único de sua propriedade. 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp. 2+133+984/RJ, Primeira Turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 2.10.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "Trata-se de recurso especial interposto por JOSEPH BRAIS, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da CF/88, no qual se insurge contra o acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO assim ementado (fl. 126): 'ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. ART. 833 DOCPC/15. REVOGAÇÃO TÁCITA DA LEI 8.009/90. RECURSO PROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de execução fiscal, reconheceu a impenhorabilidade de imóvel do coexecutado, nos termos do art. 1º e 5º da lei 8.009/90. 2. A questão devolvida ao Tribunal no âmbito deste recurso diz respeito ao imóvel objeto de constrição na execução fiscal originária, de propriedade da agravante, que alega a impenhorabilidade do bem, por ser destinado à sua residência e de sua família, tratando-se de bem de família. 3. Merece ser ressaltada a existência de entendimento doutrinário respeitável - conforme, por exemplo, o apresentado pelo prof. Leonardo Greco em palestra realizada na EMARF - Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, em 27/10/17, o atual CPC/15, ao dispor sobre as impenhorabilidades, em seu art. 833, incisos I a XII, não incluiu, dentre essas hipóteses, os imóveis ou os chamados bens de família - que se entenderia, apenas, como sendo aqueles voluntariamente definidos e registrados como tal, na forma dos arts. 1.711 a 1.722, CC, o que não ocorre no caso dos autos, havendo, na medida em que a nova lei processual civil regula totalmente a matéria das impenhorabilidades, a revogação tácita da Lei 8.009/90. 4. A própria noção de bem de família, anteriormente contida na lei 8.009/90, já vinha sendo relativizada, para permitir a penhora do imóvel - ainda que fosse a única residência dos executados -, no caso de execução de débitos diretamente decorrentes do próprio imóvel, como, por exemplo, as despesas de condomínio ou débitos oriundos de financiamento habitacional destinado à aquisição do imóvel. Assim, reconhecida a revogação tácita da lei 8.009/90 pela nova norma processual, atualmente em vigor, são inaplicáveis, por conseguinte, os dispositivos da lei revogada mencionados pela embargante em suas razões. Precedentes desta 8ª Turma Especializada. 5. Outrossim, restou comprovado nos autos que o coexecutado, além de ser proprietário do imóvel objeto do presente agravo, é meeiro da fração de sua esposa em outros dois imóveis localizados no município de Cabo Frio/RJ. 6. Agravo de instrumento provido.' (...) Discute-se no processo se a proteção legal conferida pelos arts. 1º e 5º da lei 8.009/90 ao bem de família teria sido tacitamente revogada pelo CPC. A tese de que esses dispositivos foram revogados contraria o próprio CPC, que admite a convivência com outras declarações legais de impenhorabilidade ao estabelecer, antes de apresentar o seu próprio rol, o seguinte: Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Além de contrariar esse dispositivo, o entendimento de que o art. 833 do CPC teria exaurido as hipóteses de impenhorabilidade também é incompatível com a tradição jurídica brasileira, na qual o bem de família foi sempre regulado por outros diplomas e normas, como o CC de 1916 (art. 70 e seguintes), o CC de 2002 (arts. 1.711 e seguintes) e a lei 8.009/90. Por outro lado, o fato do CPC ter afirmado em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita do art. 5º, caput e parágrafo único, da lei 8.009/90, que, cuidando de hipótese diversa, declara a impenhorabilidade do bem de família de menor valor, quando outro não for indicado no registro público. O texto legal é o seguinte: Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do CC. O bem de família voluntário, que encontra previsão no art. 1.711 do CC e no art. 833, I, do CPC, mantém com o bem de família legal (lei 8.009/90) relação de coexistência e não de exclusão. Nesse sentido: 'RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. BEM DE FAMÍLIA LEGAL E CONVENCIONAL. COEXISTÊNCIA E PARTICULARIDADES. BEM DE FAMÍLIA LEGAL. OBRIGAÇÕES PREEXISTENTES À AQUISIÇÃO DO BEM. BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL. OBRIGAÇÕES POSTERIORES À INSTITUIÇÃO. 1. O bem de família legal (lei 8.009/90) e o convencional (CC) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente. A disciplina legal tem como instituidor o próprio Estado e volta-se para o sujeito de direito - entidade familiar -, pretendendo resguardar-lhe a dignidade por meio da proteção do imóvel que lhe sirva de residência. O bem de família convencional, decorrente da vontade do instituidor, objetiva, primordialmente, a proteção do patrimônio contra eventual execução forçada de dívidas do proprietário do bem. 2. O bem de família legal dispensa a realização de ato jurídico, bastando para sua formalização que o imóvel se destine à residência familiar. Por sua vez, para o voluntário, o CC condiciona a validade da escolha do imóvel à formalização por escritura pública e à circunstância de que seu valor não ultrapasse 1/3 do patrimônio líquido existente no momento da afetação. 3. Nos termos da lei 8.009/90, para que a impenhorabilidade tenha validade, além de ser utilizado como residência pela entidade familiar, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o beneficiário possua outros. Já na hipótese convencional, esse requisito é dispensável e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que inserido o bem. 4. Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel em que resida, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1.711, CC/02) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da lei 8.009/90). (...) (REsp 1.792.265/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/12/21, DJe de 14/3/22 - sem destaque no original.) Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal de origem, o fato do imóvel não estar registrado como bem de família não o torna penhorável, haja vista o que estabelecem os arts. 1º e 5º da lei 8.009/90. (...) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer da decisão de primeira instância que declarou a impenhorabilidade do bem de família. É o voto. (STJ, REsp. 2.133.984/RJ, Primeira Turma, rel. min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 2.10.2024, grifou-se) O julgado soa correto pois, (i) malgrado o art. 833, I, do CPC declare como impenhorável os bens declarados por ato voluntário (bem de família convencional), não sujeitos à execução, é certo que o art. 832 não faz restrição alguma da impenhorabilidade ficar renegada àquelas instituídas por ato voluntário. Do contrário, é cristalino em dizer que não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis. Ainda, (ii) não se pode perder de vista que ao arts. 1º a 5º da lei 8.009/90 tratam do regime jurídico da impenhorabilidade do bem de família, ali contemplando tanto a regulamentação do bem de família legal, quanto o bem de família convencional, previsto no art. 5º, parágrafo único, da lei especial. Logo, não há que se interpretar que a redação do art. 833, I teve o condão de revogar tacitamente toda a disciplina da lei 8.009/90, até porque, em havendo potencial conflito entre normas, há de se prestigiar o princípio da especialidade. _____________ 1 "Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; disponível aqui. II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; disponível aqui. IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Disponível aqui. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; e disponível aqui. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Disponível aqui. VIII - para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos. Disponível aqui. Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. § 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese. § 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do disponível aqui à área limitada como pequena propriedade rural. Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente." Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do disponível aqui. 2 "Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição."
Como se sabe, o art. 381, § 2º, do CPC/15, estabelece que "a produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu". Tal artigo não encontra disposição semelhante do CPC/1973, que dispunha em seu art. 800 que "as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal". Ou seja, na vigência do CPC/1973, o juízo competente para julgar a medida cautelar de produção antecipada de provas era o mesmo do juízo competente para julgar a ação principal. Contudo, mesmo na vigência do CPC/1973, o STJ entendia que poderia haver uma certa relativização da competência para facilitar a produção de provas. Confira-se, a propósito, a seguinte ementa: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REPARAÇÃO DE DANO. FORO DO LOCAL DO FATO. ORDEM PRÁTICA E PROCESSUAL. REDEFINIÇÃO DO FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. NECESSIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que poderá haver a mitigação da competência prevista no art. 800 do CPC/1973 quando se tratar de ação cautelar de produção antecipada de provas, podendo ser reconhecida a competência do foro em que se encontra o objeto da lide, por questões práticas e processuais, notadamente para viabilizar a realização de diligências e perícias. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.321.717/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018)". Em recente julgado, agora durante a vigência do CPC/2015, o STJ novamente reiterou o seu entendimento a respeito do tema, mas dessa vez respaldado na disposição expressa do § 2º do art. 382, do referido diploma legal. Cumpre notar, inclusive, que a Corte Superior fez prevalecer o foro do local do objeto a ser periciado em detrimento do foro da sede da empresa ré que coincidia com o foro de eleição. Veja-se: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO PELO RELATOR. AGRAVO INTERNO. MANIFESTAÇÃO DO COLEGIADO. VIOLAÇÃO AO ART. 932 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. LOCAL DA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA DIVERSO DO LOCAL DE SEDE DA EMPRESA RÉ E DE ELEIÇÃO. QUESTÃO DE PRATICIDADE DA INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. O propósito recursal é definir, se a produção antecipada de prova pericial pode ser processada no foro onde situado o objeto a ser periciado ao invés do foro de sede da empresa ré, que coincide com o foro eleito em contrato. 2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 4. A interposição de recurso e a devolução da matéria ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade, inexistindo interesse recursal a justificar conhecimento de suposta violação do art. 932 do CPC/2015. Precedentes. 5. Antes mesmo do advento da norma expressa do art. 381, § 2º, do CPC/2015, o STJ já permitia a relativização da competência do juízo da ação principal em relação aos procedimentos cautelares ao interpretar a aplicabilidade do art. 800 do CPC/73 à produção de provas na forma antecipada, levando em consideração questões práticas de instrução processual, além de a necessidade de se conferir maior celeridade. Precedentes. 6. Hipótese em que a realização de prova pericial em equipamento localizado em sede de empresa terceira exigirá do perito levantamento estrutural, verificação de cálculos e soluções de engenharia, além de questionamentos sobre materiais e técnicas de construção utilizados, para fins de avaliar existência de problemas ou defeitos que poderão ensejar eventual ação principal. 7. O foro de exame prévio de prova não torna ele prevento para a eventual ação principal (art. 381, § 3º, do CPC/2015), razão pela qual inexiste prejuízo presumido da parte que busca a prevalência da regra geral de competência territorial do domicílio do réu, ou da eleição de foro em contrato. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 2.136.190/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 6/6/2024)." Como é possível perceber, apesar de haver foro de eleição, que coincidia com o domicílio da ré, não haveria prejuízo presumido em favor dessa última, pois a produção antecipada de provas foi proposta no foro do local onde se encontrava o objeto a ser periciado. Ademais, não há prevenção de foro para a propositura de eventual ação principal, nos termos do § 3º do art. 381 do CPC/15, o que reforça a ideia de que a propositura da demanda no foro do local onde será realizada a perícia é benéfica para ambas as partes. Em outras palavras, merece elogios a decisão do STJ acima transcrita, que fez prevalecer o foro do local da perícia em detrimento do foro de eleição ou do domicílio do réu. No mesmo sentido é a mais abalizada doutrina, como se pode depreender da lição de Tatiana Tiberio Luz que, em primoroso trabalho sobre o tema, resultado de profunda pesquisa consubstanciada em tese de doutorado recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), ensina que: "(...) Conforme art. 381, § 2º, do Código de Processo Civil, para a ação de produção antecipada de provas, é competente o juízo do foro onde a prova deve ser produzida ou do domicílio do réu. Trata-se de uma inovação legislativa que merece aplausos, pois sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a competência para a ação de produção antecipada de provas era do foro competente para a ação que visava o acertamento da lide, o que nem sempre coincidia com o local onde a prova deveria ser realizada. Isso gerava o risco de perecimento da prova, especialmente considerando que, naquele regime, a ação de produção antecipada de provas era admitida exclusivamente com fundamento na urgência de sua produção. O atual diploma legal supera esse obstáculo ao permitir que a ação de produção antecipada de provas seja ajuizada no foro onde a prova deve ser realizada. Não obstante tal faculdade, não nos parece ser eficiente que a ação de produção antecipada de provas seja distribuída no foro do domicílio do réu se a prova a ser produzida deva ser realizada em outro local. Se, por exemplo, o autor pretender a realização de uma prova pericial em um imóvel localizado em uma comarca e o réu residir em outra, o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas no foro do domicílio do réu ensejará a expedição de carta precatória para a comarca em que a prova será produzida, se o pedido da sua produção for deferido, o que não parece haver muito sentido, mormente, se a produção da prova for fundamentada pela necessidade de sua produção urgentemente" (LUZ, Tatiana Tiberio. "Ação de produção antecipada de provas: princípios, hipóteses de cabimento e procedimento". São Paulo: Revista dos Tribunais Thomson Reuters Brasil, 2025. p. 155). Portanto, de qualquer ângulo que se examine a questão, seja à luz da jurisprudência ou da doutrina em seu estado da arte, é forçoso concluir que a decisão do STJ, de fazer prevalecer o foro do local onde está o objeto a ser periciado em detrimento do foro de eleição e do foro do domicílio do réu, merece aplausos e encontra-se irretocável. 
O relatório Justiça em Números de 2024 aponta que há 83,8 milhões de processos em tramitação, sendo que o percentual de 56,5% corresponde a execuções; e sendo que a maior parte dos processos de execução é composta pelas execuções fiscais, que representam 59% do estoque. Vale realçar que a taxa média nacional de congestionamento, quanto às execuções, é de 80,6%, o que demonstra, inevitavelmente, que temos uma grave crise na execução brasileira, ocasionada, principalmente, pela ausência de bens dos devedores para solverem os débitos exigidos. Existe, assim, uma enorme crise na execução no Brasil. E, em síntese, estudiosos no país lidam com esse cenário da execução de cinco formas: (i) propostas de reformas legislativas; (ii) estudos sobre desjudicialização; (iii) desenhos de requisitos e limites para a aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15"); (iv) debates sobre como localizar-se mais rapidamente os bens dos devedores; e (v) relativização da excepcionalidade de algumas medidas executivas, ou mesmo permissão de constrição de alguns bens tidos como impenhoráveis. Foi nesse último sentido, por exemplo, a posição da Corte Especial do STJ no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, relativizando-se a impenhorabilidade de salário prevista no artigo 833, IV, do CPC/15: "a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, em caráter excepcional, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família". A questão voltará a ser enfrentada pelo STJ no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.894.973, 2.071.335 e 2.071.382, de relatoria do ministro Raul Araújo, sob o rito dos repetitivos. A questão está cadastrada como Tema 1.230 e vai definir o "alcance da exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), em relação à regra da impenhorabilidade da verba de natureza salarial tratada no inciso IV do mesmo dispositivo, para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a cinquenta (50) salários-mínimos"1. E existe a possibilidade de a Corte Especial do STJ manter o entendimento - inclusive fixando critérios - de relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família; em linha, diga-se, com legislações processuais europeias, tal como se estipula no parágrafo 850-C da ZPO e no artigo 738 do CPC/13. Caso assim ocorra, e até mesmo por coerência, naturalmente a previsão da impenhorabilidade do montante de 40 salários-mínimos - prevista no artigo 833, X, do CPC/15, precisa ser revisitada; a exemplo, aliás, do que ocorre no parágrafo 850-k da ZPO e no artigo 738, 5, do CPC/13, nos quais a impenhorabilidade de valores em conta bancária acompanha, em sintonia, os parâmetros da proteção à verba salarial. No Brasil, registre-se, a falta de coerência do CPC/15 já ocorre nas balizas de proteção eleitas para as verbas salariais, em execuções de créditos não alimentares, apontando-se o patamar de 50 salários-mínimos no parágrafo 2º do artigo 833 do código. Por sua vez, o artigo 833, X, do CPC/15, protege a verba monetária de até 40 salários-mínimos, inexistindo uma lógica forte para explicar a razão de previsão díspares nesses dispositivos. E tal incongruência pode se agravar caso o julgamento do Tema 1.285 não acompanhe a linha de apreciação do Tema 1.230, pelo qual o STJ tende a confirmar a posição já delineada pela Corte Especial no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, fortalecendo-se um precedente que siga a diretriz da relativização do disposto no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15. Vale lembrar que o objeto do citado Tema 1.285 é justamente a interpretação do artigo 833, X, do CPC/15, cabendo ao STJ: "definir se é ou não impenhorável a quantia de até 40 salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos". O assunto será julgado pela Corte Especial do STJ, sob o rito dos repetitivos, apreciando-se os Recursos Especiais n. 2.015.693 e n. 2.020.425, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura. É certo dizer que a insegurança jurídica deve ser evitada e que a execução deve ser regida pelos pilares da efetividade e da eficiência, muito bem estampados nos artigos 4º e 8º do CPC/15; de tal sorte que a Corte Especial do STJ deve cuidar para que seus precedentes a serem fixados nos Temas 1230 e 1.285 estejam em harmonia, garantindo-se que nos casos de relativização da regra de impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15, também ocorra a relativização da proteção estipulada no artigo 833, X, do CPC/15. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 19.11.2024.
Nossos Tribunais recebem um número enorme de recursos e para tentar otimizar as pautas foram instituídos os julgamentos virtuais em muitas Cortes. Nesses julgamentos não é possível a realização de sustentação oral e nem mesmo assistir a sua realização. Em muitos casos são julgamentos que perduram por muitos dias, sendo que o Relator inclui o seu voto e os demais votantes ou acompanham ou apresentam voto divergente.  Não sendo possível sustentar oralmente e nem mesmo assistir ao julgamento virtual dúvida que surge é se seria necessária a publicação da inclusão dos feitos em pauta de julgamento. De fato, o artigo 934 do CPC prevê a obrigatoriedade da publicação da pauta de julgamento e o artigo 935 do CPC obriga que a publicação ocorra, no mínimo, 5 dias antes da realização do julgamento. Apesar de ser um Código recente, não é prevista exceção para o caso de julgamento virtual. O Tribunal de Justiça de São Paulo é uma das Cortes que instituiu o julgamento virtual e não publica a inclusão desses feitos em pauta de julgamento. O Tribunal, logo após a distribuição do recurso, publica para que as partes se manifestem, em cinco dias úteis, sobre a concordância com a realização do julgamento virtual. Não havendo oposição, o julgamento virtual é iniciado sem nova intimação das partes. Tal modalidade de julgamento está disciplinada nas Resoluções 549/2011 e 772/17 do Órgão Especial da Corte. Nesse sentido é o entendimento da Corte Paulista:  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Nulidade do julgado realizado por via de julgamento virtual Descabimento - Controvérsia recursal que não se enquadra no inciso VIII do art. 937 do CPC, sem possibilidade, pois, de sustentação oral, sendo despicienda a remessa dos autos para julgamento na modalidade presencial - Demais disso, o julgamento virtual dispensa a publicação de pauta de julgamento - Movimentação que se encontra devidamente registrada no andamento processual e disponível para consulta no site deste Tribunal - Nulidade afastada - Omissão - Ausentes as hipóteses do art. 1.022 do CPC - Caráter infringente - Inadmissibilidade - Embargos rejeitados." (g.n.)   (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 2072181-28.2024.8.26.0000; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/10/2024; Data de Registro: 29/10/2024)  "Embargos de Declaração. Acórdão que negou provimento ao recurso de apelação da ora embargante. Alegação de nulidade pela ausência de publicação da pauta de julgamento. Inocorrência. Parte que foi intimada sobre a distribuição do recurso, sendo-lhe facultado apresentar oposição ao julgamento virtual. O silêncio da recorrente, nessa hipótese, autoriza a referida modalidade de julgamento, nos termos da Resolução nº 549/2011, em sessão permanente desta C. Câmara. Cenário em que não há nova intimação ou inclusão em pauta, o que ocorre apenas nas sessões telepresenciais. Precedente deste E. TJSP. Embargos de declaração rejeitados." (g.n.)  (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 1054294-59.2019.8.26.0053; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/02/2024; Data de Registro: 27/02/2024)  "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Nulidade do acórdão embargado, por ter sido prolatado em julgamento sem intimação da parte acerca de sua inclusão em pauta e da data do julgamento - Afastamento - Julgamento virtual - Embargante que não manifestou expressa oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da Resolução nº 549/2011, com a redação que lhe foi dada pela Resolução nº 772/2017 - Inexistência de previsão, quer na legislação processual civil, quer no regimento interno ou nas demais normas deste E. Tribunal, no sentido da obrigatoriedade de intimação das partes quanto ao início do julgamento virtual do recurso - Ausência, ademais, de omissão, contradição ou obscuridade que dê ensejo a qualquer modificação no julgado - Prequestionamento - Providência cabível apenas quando a decisão embargada, efetivamente, padece de obscuridade, contradição ou omissão, vícios não verificados no caso concreto - Embargos rejeitados." (g.n.)  (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 1129422-75.2018.8.26.0100; Relator (a): Caio Marcelo Mendes de Oliveira; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2020; Data de Registro: 02/12/2020) Entretanto, recente julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça atestou que o procedimento do Tribunal de Justiça de São Paulo não estaria correto e que deveria haver a publicação da pauta de julgamento mesmo para os casos em que as partes não manifestassem oposição ao julgamento virtual:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DA PAUTA DE JULGAMENTO. PREJUÍZO. NULIDADE DO JULGADO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. Conforme expressamente dispõem os artigos 934 e 935 do Código de Processo Civil de 2015, é necessária a publicação da pauta de julgamento no órgão oficial, sendo que entre a data de publicação e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de cinco dias. 2. A ausência de publicação da pauta de julgamento, ainda que na modalidade virtual, acarreta nulidade do julgado, notadamente quando a omissão causa prejuízo ao recorrente. 3. Agravo interno provido." (AgInt no AREsp n. 2.103.074/SP, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 5/9/2024.) Do voto vencedor se extraí os seguintes trechos: "Entendo que temos que ter maiores cuidados ou redobrados cuidados nessas pautas virtuais, porque, afinal, elas, no que agilizam o trabalho do órgão julgador, de outro lado, não podem implicar sacrifício do amplo direito de defesa que a Constituição assegura às partes num processo justo. Ressalta-se que a Resolução da Corte Estadual, conforme consignado no acórdão recorrido, trata de prazo específico de cinco dias úteis para manifestação de oposição ao julgamento virtual contados da publicação da distribuição dos autos, e não de prazo para julgamento, que é estabelecido nos arts. 934 e 935 do CPC/2015 (...) "Na hipótese, a ausência de publicação da pauta de julgamento configura nulidade insanável em razão do evidente prejuízo suportado pela parte recorrente, que teve a apelação julgada contra si. Se a parte tivesse colhido êxito na apelação, o fato de não ter sido intimada e não ter tido oportunidade para produzir sustentação oral ou apresentar memoriais não teria efetivamente acarretado prejuízo. Nessas condições, impõe-se o reconhecimento da nulidade do julgamento em face da ausência de publicação da pauta virtual nos termos estabelecidos nos arts. 934 e 935 do CPC/2015." Desse modo, parece correto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pois mesmo a parte não tendo manifestado oposição ao julgamento virtual no prazo do regimento, de cinco dias úteis, permanece seu direito assegurado pelos artigos 934 e 935 do CPC de ser intimada da pauta, para que possa distribuir memoriais ou marcar audiências com os julgadores.  Esse é o primeiro julgado que se tem notícia no Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento unânime quanto a desnecessidade de publicação da pauta de julgamento nesses casos virtuais. Portanto, o mais prudente é o advogado requerer a exclusão do recurso de eventual pauta virtual caso queira despachar memoriais, requerer audiência com os julgadores e mesmo sustentar oralmente e acompanhar o julgamento presencial ou telepresencial.  
O Incidente de IRDR - Resolução de Demandas Repetitivas, disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC, tem como principais objetivos (i) a racionalização de julgamentos de demandas que tratem a mesma matéria e (ii) uniformização de jurisprudência ao permitir que o precedente ali formado seja aplicado igualmente nas ações suspensas até ulterior julgamento do IRDR, sem prejuízo (iii) de sua observância na qualidade de precedente obrigatório. Contra a decisão que decide o IRDR, o art. 987 do CPC é expresso em determinar que "(...) do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso", tendo o § 1º, disposto que "(...) o recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida." Por sua vez, o recurso ordinário, disciplinado nos arts. 1027 e 1028 do CPC, tem, dentre suas hipóteses de incidência de cabimento, decidir aludido recurso interposto em "(...) mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e territórios, quando denegatória a decisão." Na hipótese acima, poder-se-ia cogitar que em (i) mandado de segurança originariamente impetrado em tribunal regional federal ou tribunal estadual, (ii) todavia convertido para julgamento sob o rito do IRDR com vistas a (iii) firmar tese denegatória da segurança, o recurso cabível contra aludida decisão seria o recurso ordinário. E foi desse modo que decidiu recentemente o STJ: "PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO EM TRIBUNAL. DENEGAÇÃO. TESE FIXADA EM IRDR. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. 2. Nos termos do art. 987 do CPC/15, o apelo nobre interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem no julgamento de IRDR deve ser processado de forma qualificada, sendo recebido como representativo de controvérsia. 3. Hipótese, porém, em que o presente recurso origina-se de ação mandamental que foi impetrada diretamente no Tribunal de origem e teve a segurança denegada, prevendo a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - o recurso ordinário como o cabível no caso concreto (art. 105, II, "b"), razão pela qual é inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. 4. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, grifou-se) O voto condutor restou fundado nas seguintes razões: "(...) Note-se, entretanto, que compete ao relator do recurso representativo de controvérsia reexaminar a admissibilidade do apelo nobre, a fim de verificar se preenchidos os pressupostos recursais genéricos e específicos. Essa é a dicção do art. 256-E do RISTJ: Art. 256-E. Compete ao relator do recurso especial representativo da controvérsia, no prazo máximo de sessenta dias úteis a contar da data de conclusão do processo, reexaminar a admissibilidade do recurso representativo da controvérsia a fim de: rejeitar, de forma fundamentada, a indicação do recurso especial como representativo da controvérsia devido à ausência dos pressupostos recursais genéricos ou específicos e ao não cumprimento dos requisitos regimentais, observado o disposto no art. 256-F deste regimento; propor à Corte Especial ou à seção a afetação do recurso especial representativo da controvérsia para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do CPC e da seção II deste capítulo. Na hipótese, não obstante as considerações tecidas pela então ministra Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, da análise dos autos, verifica-se que não é caso de afetação do recurso à sistemática dos recursos repetitivos,  visto que este não ultrapassa os requisitos de admissibilidade. É que, a despeito da disciplina do art. 987, caput, do CPC/2015, que possibilita o manejo do especial contra acórdão proferido em incidente de resolução de demanda repetitiva, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira sistemática com o texto constitucional, de modo a conferir-lhe (à norma constitucional) a máxima aplicação e efetivação, especialmente em função da aplicação do princípio da força normativa da CF/88. Tratando-se de recurso originado de ação mandamental impetrada diretamente no Tribunal de origem que teve a segurança denegada, tem-se, nos termos da alínea "b" do inciso II do art. 105 da CF/88, que tal julgado deve ser atacado por recurso ordinário. Nesse contexto, considerando que, para o caso concreto, a Carta Magna - diploma de hierarquia superior - estabelece expressamente o recurso ordinário como o cabível, afigura-se inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. (...)" (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1ª seção, rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos, j. 9.10.2024, grifou-se) Todavia, emergiu divergência inaugurada por voto-vista do Min. Paulo Sérgio Domingues, seguida de voto vista do Min. Sérgio Kukina em igual sentido, divergência essa acompanhada pelo min. Teodoro Silva Santos: "(...) Pedi vista dos autos por entender que a discussão é nova na Corte, consistindo ela em saber se o acórdão que a um só tempo denega mandado de segurança e julga o IRDR pode ser impugnado por recurso especial; e, sendo negativa a resposta, se o princípio da fungibilidade poderia ser aplicado nessa hipótese. De início, consigno que não se aplica ao caso dos autos o entendimento adotado pela Corte Especial no REsp 1.798.374 (relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 21/6/22) de que "não cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de 'causa decidida'". Isso porque, no presente feito, o Tribunal de origem decidiu a tese e o caso, como se verifica na parte dispositiva do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 478): Do exposto, no incidente de resolução de demandas repetitivas, voto pela fixação da seguinte tese: "a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública". Ainda, no caso concreto, voto pela denegação da segurança, com a condenação do impetrante ao pagamento das custas processuais. Quanto ao recurso cabível no caso dos autos, entendo que a previsão do art. 105, inciso II, alínea b, da CF/88, que sujeita o acórdão denegatório de mandado de segurança a recurso ordinário, não pode ser mitigada com o fim de cumprir as finalidades do IRDR. Por mais relevantes que sejam, tais finalidades foram instituídas no plano infraconstitucional. Concordo neste ponto com o relator. Por outro lado, o fato de o art. 987 do atual CPC estabelecer que cabe recurso especial ou extraordinário contra o julgamento do mérito do IRDR não exclui o regramento específico do recurso ordinário, previsto no art. 1.027, II, a, do mesmo código e no art. 18 da lei 12.016/09, dispositivos que reproduzem o texto constitucional. Tudo isso me faz concluir, concordando com o relator, que a interposição do recurso especial na hipótese sob exame constitui erro. E reconheço que a jurisprudência sempre classificou esse erro como inescusável. O cabimento do recurso ordinário contra a denegação da segurança foi estabelecido pela Carta de 1946 e mantido pela Carta de 1967, levando o STF a enfrentar a matéria e se posicionar, conforme o teor do súmula 272, aprovada em 13/12/63, no sentido de que "Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança". Aquela última previsão constitucional foi suprimida pelo Ato Institucional 6/69 e restabelecida pela CF/88, dando ensejo à jurisprudência desta Corte, de fato sedimentada, na mesma direção. Apesar disso, esta Corte não enfrentou situação semelhante à dos autos. A questão é nova em razão do texto do art. 987 do atual CPC, que, bem depois da consolidação do entendimento acima exposto, no ano de 2015, estabeleceu: "Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial." Mas a questão também é nova em razão do contexto em que essa previsão surge, montando o sistema de precedentes instituído pela lei processual. O acórdão que decide os recursos extraordinário e especial interpostos contra o julgamento de mérito do IRDR uniformiza o tratamento da matéria nacionalmente. Além disso, terão esses recursos, como regra, efeito suspensivo. Segundo a doutrina, isso "significa dizer que o acórdão prolatado no incidente de resolução de demandas repetitivas nasce com a eficácia suspensa (ou contida), dependendo, para liberação do seus efeitos (fundamentalmente o fim da suspensão dos processos tratando da mesma questão de direito e a vinculação dos respectivos juízos à decisão do incidente) do transcurso in albis do prazo recursal ou do julgamento dos recursos especial ou extraordinário eventualmente interpostos" (ALVIM, Angélica Arruda ... [et. al.]. Comentários ao CPC. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.138). Em tese, tais efeitos não seriam alcançados com a interposição do recurso ordinário. Esse meio de impugnação não tem efeito suspensivo e o acórdão nele proferido não foi incluído no art. 927 do CPC. Quer dizer, o acórdão que decidiu o IRDR não é suspenso pela interposição do recurso ordinário. E o julgamento desse recurso pode resultar na substituição de um acórdão da instância ordinária com efeito vinculante por um acórdão da instância superior sem efeito vinculante. O novo sistema de precedentes trazido pelo CPC de 2015 foi estruturado imaginando que sejam suscitados os incidentes a partir de ações de rito comum ou não, iniciadas em primeiro grau de jurisdição, com apelação e eventualmente recurso especial. Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário. Daí a previsão do art. 987 do CPC, a prever apenas o recurso extraordinário e o recurso especial contra o julgamento do mérito do IRDR - aplicáveis às ações em geral, mas não ao mandado de segurança. Tais circunstâncias, a meu ver, não tornam correta a interposição do recurso especial no caso dos autos. Entretanto, certamente estiveram no horizonte do Estado do Paraná que no momento precisou examinar os meios de impugnação disponíveis e confrontá-los com o modelo de causas repetitivas implantado pelo CPC. Assim, a dúvida alegada pela parte recorrente decorre do novo sistema de precedentes, o que a caracteriza como uma dúvida externa ou objetiva, a amparar o recebimento de um recurso pelo outro. Nesse sentido: "A aplicação do princípio da fungibilidade exige, entre outros requisitos, a ocorrência de erro escusável, entendido como dúvida objetiva acerca do instrumento processual cabível" (AgInt no AREsp 1.709.041/RS, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, DJe de 11/3/21). É evidente que a aceitação do recurso ordinário, se for essa a posição a prevalecer no presente caso, trará consigo desafios que precisarão ser resolvidos. Esta Corte, a meu ver, precisará compatibilizar os tradicionais efeitos desse meio de impugnação com as finalidades do IRDR. Afinal, não se pode admitir a existência de uma lacuna no sistema. Nesse sentido bem lembrou o ministro Gurgel de Faria em seu pronunciamento oral na sessão de 24/4/24, que o CPC possui instrumentos para remover essa aparente incongruência, como o Incidente de Assunção de Competência, instituto que funciona como uma válvula de escape para a hipótese cogitada e cuja instauração pode ser requerida, inclusive, pela parte recorrente (art. 947, § 1º). Também se poderia pensar na submissão do recurso ordinário ao regime de "julgamento dos recursos repetitivos". Tais questões seriam discutidas no momento próprio. Considero importante fazer essas colocações porque para qualquer que seja a posição a ser adotada no presente julgamento será necessário, senão agora, no futuro, compatibilizar o cabimento do recurso ordinário na hipótese dos autos com o sistema de precedentes instituído pelo CPC. Por fim, em razão do ineditismo e das peculiaridades que mencionei, a aplicação do princípio da fungibilidade, apenas nesse caso específico, terá o condão de orientar a interpretação da norma nesta singular questão, bem como a futura aplicação dos dispositivos legais pelas partes e pelo Judiciário, em consonância com os entendimentos desta Corte Superior. Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno, a fim de, reconhecendo a aplicação do princípio da fungibilidade exclusivamente no presente caso, receber a irresignação como recurso ordinário. É o voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.24, Voto Vista min. Paulo Sérgio Domingues, grifou-se) Em igual sentido, sobreveio voto-vista sentido foi o voto-vista destacado pelo Min., Sérgio Kukina: "(...). Pois bem. Desde logo, estou a comungar com a pertinente observação trazida no voto divergente do ministro Paulo Sérgio Domingues, no sentido de que "Não imaginou o legislador hipótese como a dos autos, em que o incidente foi instaurado a partir de um mandado de segurança originário em segundo grau, o qual poderia ensejar, em grau de recurso e a depender da hipótese, também o recurso ordinário". Avançando, entendo possível, no caso, o imediato conhecimento do próprio recurso especial do Estado, uma vez que, na espécie e a meu sentir, revela-se o correto. Explico. De fato, em se optando pelo recebimento do especial como recurso ordinário constitucional, por aplicação da fungibilidade, restaria frustrado o propósito do legislador processual de 2015, no ponto em que, ao indicar o cabimento do recurso especial ou extraordinário para combater decisão proferida em IRDR, objetivou a que, apreciado o mérito do recurso pelo STF ou pelo STJ, a tese jurídica adotada fosse "aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito" (art. 987, § 2º, do CPC), cujo intento, na espécie, não seria alcançado com a utilização do recurso ordinário, que nada dispõe quanto a esse enfoque vinculante. Tenho, por isso, como acertada a opção do Estado agravante pelo emprego do recurso especial (art. 987 do CPC), sendo certo, como por ele sublinhado (fls. 776/779), que a 1ª seção do STJ já teve ensejo de julgar, no mérito, recurso especial oriundo de IRDR - REsp 1.807.665/SC, de minha relatoria (em desdobramento de lides apreciadas por Juizados Especiais Estaduais), de cuja decisão, a teor da súmula 203/STJ, não caberia recurso especial. Vencido que seja, no entanto, quanto a esse entendimento, já antecipo que, então, aderirei à tese favorável à aplicação do princípio da fungibilidade, em ordem a se conhecer do especial como se ordinário fosse, porquanto presentes os requisitos da dúvida objetiva (decorrente do próprio texto legal) e da ausência de erro grosseiro ou má fé, cuidando-se, mais, de recurso induvidosamente tempestivo. Reitero, porém, a circunstância de que, em se confirmando o acórdão local por esta 1 Seção em sítio de recurso ordinário (art. 105, II, "b", da CF), a tese meritória assim sufragada terá sua eficácia vinculante restrita apenas ao estado paranaense, não se aplicando a todo o território nacional, como aconteceria caso se conhecesse e julgasse o próprio recurso especial originariamente interposto pelo Estado (art. 987, § 2º, do CPC). ANTE O EXPOSTO, peço licença para, respeitosamente, divergir dos meus eminentes pares para dar provimento ao agravo interno do Estado do Paraná, em ordem a conhecer diretamente diretamente do próprio recurso especial. Caso reste vencido nessa proposta, e para viabilizar o necessário desempate, então adiro à divergência inaugurada pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues para, com amparo no princípio da fungibilidade, conhecer do recurso especial do Estado (art. 987 do CPC) como sendo recurso ordinário constitucional (art. 105, II, "b", da CF). É como voto." (STJ, AgInt no REsp. 2.056.198/PR, 1º seção, Rel. Min. Gurgel de Faria, maioria de votos., j. 9.10.2024, voto-vista min. Sérgio Kukina, grifou-se) Ao final, a 1ª seção do STJ inadmitiu o recurso especial em apertado resultado de julgamento1, por entender, por maioria de votos, incabível o manejo de recurso especial interposto contra acórdão que decidiu IRDR, dada a particularidade de, no caso, malgrado o julgamento de IRDR, trata-se de mandado de segurança originariamente impetrado no âmbito dos tribunais, a desafiar o cabimento de recurso ordinário como meio de impugnação contra o v. acórdão de segunda instância. A nosso sentir, a divergência inaugurada deveria prevalecer com vistas a aplicar-se o princípio da fungibilidade. A uma, (i) há dúvida objetiva entre o cabimento do meio de impugnação que julgou o IRDR no caso, atraindo a incidência dos arts. 1027 (recurso ordinário) ou 987, do CPC (recurso especial ou extraordinário). A duas, (ii) em vista do regime especial reservado ao julgamento do IRDR (arts. 976 a 987 do CPC) e sendo a decisão então impugnada, inequivocadamente acórdão que decidiu IRDR, por mais razão dever-se-ia admitir o cabimento de recurso especial ou extraordinário, tal qual expressamente impõe o art. 987 do CPC ao prever aludidos meios de impugnação cabíveis contra as decisões colegiadas proferidas em sede de IRDR. A três, sendo aplicado ao regime de julgamento de IRDR o caráter de uma decisão vinculante (ou precedente obrigatório), por mais razão o corretor seria admitir como meio de impugnação contra decisão colegiada ali proferida o cabimento de recurso especial ou extraordinário, a aplicar-se aludido regime disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC por inteiro (e não pela metade). 1 "CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sérgio Kukina dando provimento ao agravo interno para conhecer do recurso especial, o voto do Sr. Ministro Francisco Falcão acompanhando o Relator e o voto desempate da Sra. Ministra Regina Helena Costa (RISTJ, Art. 24, I), a Primeira Seção, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Paulo Sérgio Domingues, Teodoro Silva Santos e Sérgio Kukina, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Afrânio Vilela, Francisco Falcão e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves. Presidiu e proferiu voto-desempate a Sra. Ministra Regina Helena Costa".
Como se sabe, o art. 40, da lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), estabelece que o juiz "suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição". Conforme o § 2° do referido dispositivo legal, decorrido o prazo máximo de 1 ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. Entretanto, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, nos termos do § 4º do mesmo artigo. Assim, pode ocorrer a prescrição intercorrente no curso da execução fiscal, se o processo for suspenso nos termos do art. 40 da lei de execuções fiscais, os autos forem enviados ao arquivo após um ano em cartório e, depois disso, fluir integralmente o prazo prescricional sem que sejam localizados o devedor ou seus bens passíveis de penhora. Apesar de a prescrição ser matéria que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, não raro é necessário que o executado "alerte" o magistrado sobre a ocorrência de prescrição intercorrente por meio de exceção de pré-executividade para que o decurso do prazo prescricional seja devidamente reconhecido pelo magistrado e produza seus efeitos legais. Questão interessante é saber se são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública caso aconteça o reconhecimento da prescrição intercorrente no curso da execução fiscal e após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado. Isso porque o art. 85, do CPC, que versa sobre a fixação de honorários advocatícios de sucumbência é silente a respeito. Recentemente, o STJ julgou o recurso especial 2.046.269 e tratou de responder esta questão pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.229 DO STJ. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 40 DA LEI 6.830/80. NÃO LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO OU DE BENS PENHORÁVEIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. APLICAÇÃO. 1. A questão jurídica controvertida a ser equacionada pelo STJ, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da lei 6.830/80. 2. Os princípios da sucumbência e da causalidade estão relacionados com a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios, sendo que a fixação da verba honorária com base na sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, que caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está previsto no art. 85, caput, do CPC/15, enquanto o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada. 3. O reconhecimento da prescrição intercorrente, especialmente devido a não localização do executado ou de bens de sua propriedade aptos a serem objeto de penhora, não elimina as premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais, ante a aplicação do princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação. 4. Ainda que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em condenação ao pagamento de verba honorária ao executado. 5. Tese jurídica fixada: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". 6. Solução do caso concreto: a) não se configura ofensa aos art. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022, II, do CPC/15,quando o tribunal de origem aprecia integralmente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, mesmo que em sentido contrário ao postulado, circunstância que não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional; b) o entendimento firmado pelo TRF da 4ª região é de que os honorários advocatícios, nos casos de acolhimento da exceção de pré-executividade para reconhecer a prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da LEF, não são cabíveis quando a Fazenda Pública não apresenta resistência ao pleito do executado, enquanto o precedente vinculante aqui formado explicita a tese de que, independentemente da objeção do ente fazendário, a verba honorária não será devida em sede de exceção de pré-executividade em que se decreta a prescrição no curso da execução fiscal. 7. Hipótese em que o acórdão recorrido merece reparos quanto à tese jurídica ali fixada, mas o desfecho dado ao caso concreto deve ser mantido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 2.046.269/PR, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 15/10/24, grifos nossos)". Assim, o recurso acima ementado foi julgado pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, tendo sido fixado o tema 1.229 pela 1ª seção do STJ, nos seguintes termos: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80". Em outras palavras, o entendimento que acabou prevalecendo foi o de que, no âmbito da execução fiscal, a Fazenda (exequente) não deu causa à prescrição porque a não localização de bens do devedor ou de bens passíveis de penhora não foi causada por ela. Desse modo, no entender do STJ, a Fazenda não deveria ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios para o executado na hipótese de reconhecimento da prescrição intercorrente em exceção de pré-executividade porque ela não teria dado causa à não localização do devedor ou de seus bens. Com o devido respeito, tal decisão não é irretocável, pois deixa de considerar que o executado teve que contratar advogado para apresentar exceção de pré-executividade e fazer ser reconhecida prescrição. Ou seja, o trabalho do advogado tem um custo que foi desconsiderado pela decisão do STJ. E mais, a decisão ignora a possibilidade de a Fazenda ter sido negligente na tentativa de localização do executado ou de seus bens. Assim, simplesmente deixar de atribuir honorários advocatícios ao advogado que trabalhou no processo para defender os interesses de seu cliente não é a melhor solução. Isso apenas tornará mais oneroso o acesso à justiça, pois o advogado (que exerce função essencial à justiça nos termos do art. 133, da CF/88), sabendo que não receberá verbas de sucumbência devido ao entendimento fixado no tema 1.229, deverá cuidar de fixar em valor mais elevado os honorários pactuados no contrato de prestação de serviços advocatícios, para garantir o seu sustento.
O art. 1.026 do CPC/15 estabelece expressamente que a interposição dos embargos de declaração gera o efeito interruptivo para a contagem do prazo relativo à possibilidade de manejo de eventual recurso subsequente. A doutrina é bastante enfática quanto a este inerente efeito dos embargos de declaração, relativizando-se apenas o efeito interruptivo quando os embargos de declaração são interpostos de forma intempestiva. Teresa Arruda Alvim, neste ponto, é bem didática ao expor que: "Em qualquer caso, salvo no de intempestividade, os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição dos outros recursos, para ambas as partes" (Primeiros Comentários ao Novo CPC, RT, 2ª. edição, página 1645). Não é outra, inclusive, a posição de Cássio Scarpinella Bueno, sustentando-se claramente a regra do efeito interruptivo dos embargos de declaração, tal qual previsto no artigo 1026 do CPC/15 (Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, 2ª. edição, página 699). Neste ponto, portanto, muito importante é o julgado referente ao AgInt no REsp 1.590.726, da relatoria da ministra Assusete Magalhães, na linha de relativizar o efeito interruptivo dos embargos declaração apenas quando esse recurso for interposto de forma intempestiva. Veja-se: "De fato, como destacou a decisão ora agravada, esta Corte registra precedentes no sentido de que "os embargos de declaração são oponíveis em face de qualquer decisão judicial e, uma vez opostos, ainda que não conhecidos ou não acolhidos, interrompem o prazo de eventuais e futuros recursos, com exceção do caso em que são considerados intempestivos" (STJ, REsp 1.147.525/DF, rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª TURMA, DJe de 20/09/10). No mesmo sentido: STJ, REsp 796.051/SP, rel. Ministra ELIANA CALMON, 2ª TURMA, DJU de 11/12/07; AgRg no Ag 920.272/DF, rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª TURMA, DJe de 17/02/09; AgRg no AREsp 579.960/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, DJe de 10/06/15; AgRg no AgRg no AREsp 310.064/RS, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, 1ª TURMA, DJe de 28/05/14; AgRg no REsp 1395318/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª TURMA, DJe de 29/11/13." Igual posicionamento pode ser observado no julgamento do AgInt no AREsp 1836176 / DF, relatoria do ministro Raul Araújo: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. "(...) Os Embargos de declaração, com exceção dos intempestivos, interrompem o prazo para a utilização de outros recursos. Precedentes." (AgInt nos EDcl no REsp 1.457.036/RS, rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª turma, julgado em 21/3/19, DJe de 27/3/19). 2. Agravo interno desprovido." Este foi, aliás, o entendimento da Corte Especial do STJ, na apreciação do REsp 1.522.347: "A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo contendo pedido de efeitos modificativos, não interromperem o prazo para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não conhecimento do recurso" (REsp 1.522.347/ES, relator ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe de 16/12/15). Destaca-se a importância desses julgamentos, porque ainda são observados casos, na Corte Superior, onde em situações de "não conhecimento" dos embargos de declaração, em hipóteses diversas da intempestividade, nota-se o entendimento de que este recurso não teria o efeito interruptivo de que literalmente trata o art. 1026 do CPC/15. Veja-se: "O não conhecimento dos embargos de declaração por irregularidade formal e vício de fundamentação não enseja a interrupção do prazo para a interposição de qualquer outro recurso". (AgInt nos EDcl no REsp 2.078.598). Vale dizer que essa orientação, além de ser dissonante com a própria redação do art. 1026 do CPC, afronta a diretriz histórica da Corte Superior, conforme se nota do julgado abaixo: "Desde o julgamento do EREsp 302.177/SP, Rel. E. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, pela Corte Especial deste Tribunal, DJ de 27.9.04, ficou assentado o entendimento de que os Embargos de Declaração, mesmo quando incabíveis ou de caráter manifestamente infringente, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, a não ser na hipótese de os Embargos não serem conhecidos por intempestividade, o que não se aplica à espécie. (AgRg no RECURSO ESPECIAL 1.128.286 - GO, rel. Min. Sidnei Beneti)." Nesse contexto, até mesmo por segurança jurídica, e em respeito ao princípio da legalidade, a orientação expressa do art. 1026 do CPC, quanto ao efeito interruptivo dos embargos de declaração, deve ser observada, ressalvando-se apenas as situações de intempestividade na interposição desse importante recurso.
Em petições iniciais de ações de repetição de indébito de tributos era muito comum a juntada de milhares de guias de pagamento para a comprovação dos recolhimentos a serem devolvidos. Desde 2009 o STJ pacificou o entendimento de que bastaria a juntada de um único recolhimento para comprovar a condição de contribuinte do Autor e os outros recolhimentos poderiam ser juntados somente na fase de liquidação do julgado, conforme se extrai do tema 115 do STJ: "Mostra-se suficiente para autorizar o pleito repetitório a juntada de apenas um comprovante de pagamento da taxa de iluminação pública, pois isso demonstra que era suportada pelo contribuinte uma exação que veio a ser declarada inconstitucional. A definição dos valores exatos objeto de devolução será feita por liquidação de sentença, na qual obrigatoriamente deverá ocorrer a demonstração do quantum recolhido indevidamente."1                       Já na delimitação do tema 118 do STJ restou estabelecido: "a) tratando-se de mandado de segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da anterior exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação cabal de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo fisco; e b)tratando-se de mandado de segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva alegação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação suficiente dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação mandamental." Desse modo só devem ser juntados na inicial todos os comprovantes de pagamento quando se pretende a obtenção de um juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas ou a homologação de uma compensação realizada. Isto é, quando se quer que o judiciário ateste a efetiva existência, certeza e liquidez do crédito a ser compensado. Com isso ganhou-se agilidade no ajuizamento das ações, já que não mais seria necessário juntar todos os comprovantes e durante a tramitação do feito o Autor teria tempo para levantar e organizar a comprovação de todos os recolhimentos. Entretanto, alguns julgados ainda continuam prevendo que somente os recolhimentos comprovados nos autos seriam passíveis de repetição. Em recente julgado o STJ decidiu, com base na instrumentalidade do processo, que tal previsão transitada em julgado da comprovação prévia poderia ser afastada no caso do Ente Público reconhecer a existência do pagamento, que deixou de ser comprovado pelo contribuinte nos autos: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS 489 E 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL QUE RECONHECE O DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS CUJO RECOLHIMENTO INDEVIDO TENHA SIDO COMPROVADO NOS AUTOS. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS NÃO COMPROVADAS, MAS RECONHECIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO PAGAS. ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE FÉ PÚBLICA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JULGAMENTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, consoante se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados. Tem-se como fato incontroverso, expressamente reconhecido no acórdão recorrido, que a condenação do ente público na ação de conhecimento é restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual consta informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte. Os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo, o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado. Segundo preconizam os arts. 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida. Não há, portanto, necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário. O ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste. São cabíveis os honorários advocatícios em favor da parte credora pela rejeição total ou parcial da impugnação ofertada pela Fazenda Pública, excetuada da base de cálculo apenas eventual parcela devida do crédito. Precedente: AgInt no REsp 2.008.452/SP, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 13/9/2024. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.808.482/RS, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 8/10/24, DJe de 14/10/24.)      O julgamento do STJ está correto, já que no processo o contribuinte afirmou que recolheu as exações e o Fisco comprovou tais recolhimentos documentalmente nos autos. Logo, não faz sentido o Entre Público não querer devolver os valores sob a alegação de que o autor não juntou a comprovação dos recolhimentos. Desse modo, o entendimento do STJ parece atender aos princípios da economia e celeridade processual, vedando o enriquecimento ilícito do erário em detrimento do contribuinte, que efetuou o pagamento de tributos indevidos. ________ 1 Esse é o entendimento que prevalece no STJ até os dias de hoje: AgInt no AREsp 2.450.544/MG, Relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 22/4/24, DJe de 25/4/24.
O princípio da cooperação, previsto no art. 6 do CPC, estabelece o dever de todos os sujeitos do processo em cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. A dimensão de aludido princípio coube a doutrina e jurisprudência atribuir sua melhor interpretação, a convidar a discussões em torno da melhor leitura acerca de aludido dispositivo. Recentemente o STJ examinou a matéria, sob o prisma do juiz, como sujeito do processo, também sujeitar-se ao espírito colaborativo com vistas a entrega da tutela jurisdicional mais efetiva: " PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DEVER DE COOPERAÇÃO. ART. 6º DO CPC. DIFICULDADE DE OBTER INFORMAÇÕES SOBRE A SUCESSÃO DO DE CUJOS. SOLICITAÇÃO DE AUXÍLIO DO JUÍZO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE DILIGÊNCIAS ESPECÍFICAS E IDÔNEAS À FINALIDADE. PARTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 9/6/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/4/2024 e concluso ao gabinete em 15/5/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o juiz tem o dever de cooperar com a parte na busca de informações sobre a parte contrária quando a primeira enfrenta dificuldades para obtê-las e sendo estas indispensáveis para o exercício de seus ônus, faculdades, poderes e deveres. 3. O dever de colaboração está expresso no art. 6º do CPC, o qual dispõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva", bem como presente, implicitamente, em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, a prever que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu. 4. O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 5. De fato, não pode o Juízo - de modo algum - substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições. 6. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 7. Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. 8. No recurso sob julgamento, não houve violação ao art. 6º do CPC, visto que o recorrente não se desincumbiu de seu ônus, pois se limitou a pleitear diligências genéricas, sem especificá-las, bem como não demonstrou a idoneidade dos pedidos para alcançar a finalidade de identificar os sucessores do de cujos a fim de incluí-los no polo passivo da demanda.  9. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "12. O art. 6º do CPC estabelece que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão demérito justa e efetiva". 13. Com nítida inspiração no sistema germânico-europeu, o Código de Processo Civil vigente sedimenta a opção por um modelo colaborativo do processo, por meio do qual se pretende "dividir de maneira equilibrada as posições jurídicas do juiz e das partes no processo civil, estruturando-o como uma verdadeira 'comunidade de trabalho' (Arbeitsgemeinschaft)", expressão atribuída a Leo Rosenberg (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil [livro eletrônico]: Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. RB-1.2). 14. Nesse cenário, é importante observar que as atribuições das partes não se confundem, cabendo a cada uma delas os respectivos ônus, poderes e deveres previstos pelo ordenamento jurídico. 15. Entretanto, todas essas atribuições são orientadas pelo dever de colaboração. O juiz, por exemplo, tem seu papel redesenhado, assumindo uma dupla posição: paritário no diálogo e assimétrico na decisão (MITIDIERO. op. cit.). 16. Inclusive, densificando o tema, Miguel Teixeira de Souza desdobrou o dever do cooperar dos Tribunais portugueses em quatro deveres essenciais, quais sejam: (i) esclarecimento, que "consiste no dever do tribunal de se esclarecer junto às partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo"; (ii) prevenção, por meio do qual o Juízo deve "prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências de suas alegações ou pedidos"; (iii) consulta, devendo o tribunal "consultar as partes sempre que pretenda conhecer a matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem"; e (iv) auxílio "na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de ônus ou deveres processuais", sempre que uma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz desempenho de sua atribuição (GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição Processual Civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2003, n. 6. p. 50-57). 17. Por oportuno, confira-se os termos do art. 7º do CPC português, que também dispõe expressamente acerca do princípio da cooperação (Lei n.º 41/2013. Diário da República n.º 121/2013, Série I de 2013-06-26), in verbis: Artigo 7.º Princípio da cooperação 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo. (grifou-se) 18. Por sua vez, no sistema brasileiro, além da previsão do art. 6º do CPC, há inúmeros dispositivos que impõem, sobretudo em relação à atuação do juiz, o dever de colaborar com as partes. Veja-se, entre outros: art. 9º ("não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida"); art. 10 ("o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"); art. 321 ("o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado"); art. 139, IX ("o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais"); art. 772, II e III ("o juiz pode, em qualquer momento do processo: II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça; III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável"); e art. 933 ("se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de cinco dias"). 19. Acrescente-se que a cooperação também pode ser provocada pelas partes, consoante dispõe o art. 319, II e § 1º, do CPC, o qual autoriza o autor, na petição inicial, a requerer ao juiz as diligências necessárias à obtenção de informações que desconheça referentes aos "nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do réu". 20. De modo bastante similar ao que prevê o código português e ao que estabelece o art. 319, II e § 1º, do código brasileiro, entende-se que a parte pode solicitar a cooperação do Juízo quando demonstrar que não consegue obter informações sem as quais não pode exercer seus poderes, ônus, faculdades e deveres. 21. Não se ignora que as partes devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atividades, não podendo - de modo algum - o Juízo as substituir, porquanto a ele incumbe ser imparcial. 22. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. 23. Veja-se que o Juízo tem deveres de esclarecimento, diálogo, auxílio e prevenção, os quais nada mais são do que meios para que se alcance uma decisão justa, a qual interessa não apenas à parte, mas ao Sistema de Justiça. 24. Acrescente-se, ainda, que a decisão do julgador não pode interferir na sua imparcialidade, bem como deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais. (...)"  (STJ, Resp. 2142350/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 1.10.2024, grifou-se) A despeito do julgado acima haver mantido o conteúdo decisório de indeferimento de diligência postulada pela parte, não se pode perder de vista sua contribuição para melhor delineamento do conteúdo do princípio da cooperação, sua aplicação e observância também por parte do juiz, a resistir a expectativa de que longe de se enxergar aludido princípio como "perfumaria", venha este ser aplicado em garantia às partes para um processo justo e de resultados.
Como se sabe, o art. 833, inc. X, do CPC, estabelece que são impenhoráveis "a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos". Questão tormentosa é saber se tal impenhorabilidade poderia ser reconhecida de ofício pelo juiz, ao tentar realizar a penhora nos moldes do art. 854, do CPC, e se deparar com o bloqueio "on-line" de depósito em dinheiro em caderneta de poupança de valor inferior a 40 salários mínimos. Há quem sustente que se trataria de questão de ordem pública e que o magistrado deveria reconhecer de ofício tal impenhorabilidade por se tratar de questão envolvendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). E há também o entendimento de que o juiz não poderia reconhecer de ofício a impenhorabilidade pois não se pode presumir que estaria em jogo, em todo e qualquer caso, a dignidade da pessoa humana na hipótese de penhora de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança. Ademais, seria necessário observar o princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), oportunizando ao executado a possibilidade de se manifestar sobre o bloqueio. Recentemente, ao julgar o Recurso Especial 2.061.973 e o Recurso Especial 2.066.882, pela sistemática de julgamento dos Recursos Repetitivos, a Corte Especial do STJ fixou a tese do Tema 1.235, a saber: "A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão." Com efeito, trata-se de inafastável e salutar aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV) ao processo de execução e ao cumprimento de sentença. O executado, após sofrer a constrição de seu patrimônio por meio de um bloqueio de depósito de dinheiro em instituições financeiras, deve arguir se tal valor é impenhorável ou não. Nesse sentido é o inc. I do § 3º do art. 854 do CPC: "incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis". É possível que existam outros bens do executado que permitam que ele mantenha a sua subsistência sem violação do princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Tudo isso sem mencionar que o exequente também merece ser protegido em sua dignidade, da mesma forma que o executado, e pode estar passando por situação pior que o seu adversário no processo. A título ilustrativo, cumpre reproduzir aqui a ementa de um dos julgados apreciados pelo STJ que levaram à fixação do Tema 1.235: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 1235/STJ. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DETERMINAÇÃO DE BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS DO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO EXECUTADO. IMPENHORABILIDADE DE SALDO INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. ART. 833, X, DO CPC. REGRA DE DIREITO DISPONÍVEL QUE NÃO POSSUI NATUREZA DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE ALEGAÇÃO TEMPESTIVA PELO EXECUTADO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, E § 5º, 525, IV, E 917, II, DO CPC. 1. Ação de execução fiscal, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/3/2023, concluso ao gabinete em 18/12/23 e afetado ao rito dos repetitivos por acórdão publicado em 8/3/24. 2. O propósito recursal, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, é "definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz" (Tema 1235/STJ). 3. Na égide do CPC/1973, a Corte Especial deste STJ, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens "absolutamente impenhoráveis", cuja inobservância seria uma nulidade absoluta. 4. O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II). 5. Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade. 6. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade. 7. Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública. Interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC. 8. Fixa-se a seguinte tese, para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC: "A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão". 9. No recurso sob julgamento, o juízo, antes de ouvir o executado, ao determinar a consulta prévia por meio do SISBAJUD, na forma do art. 854 do CPC, pré-determinou, de ofício, o desbloqueio de quantias que sejam inferiores a 40 salários mínimos, reconhecendo que qualquer saldo abaixo desse limite seria impenhorável, por força do art. 833, X, do CPC. 10. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a possibilidade de bloqueio dos valores depositados em contas dos executados, ficando eventual declaração de impenhorabilidade, na forma do art. 833, X, do CPC, condicionada à alegação tempestiva pelos executados (arts. 854, § 3º, II, e 917, II, do CPC). (REsp 2.066.882/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/24, DJe de 7/10/24.) Portanto, é mais uma vez digna de aplausos a decisão da Corte Especial do STJ ao firmar o Tema 1.235, para pacificar a jurisprudência em torno da aplicação do art. 833, inc. X, do CPC, vedando ao juiz conhecer de ofício a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança.
Recentemente, a quarta turma do STJ, ao apreciar o recurso especial 1897356 - RJ, realizou uma leitura precisa do excepcional instituto da desconsideração da personalidade jurídica, tendo proclamado que a mera existência de grupo econômico não é suficiente para tanto, sendo essencial a demonstração da ocorrência de abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial no caso concreto. Veja-se: "2. O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. 3. No caso, a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria, como sustentado pelo Ministério Público em primeira instância, da "eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo de apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas", o que, todavia, não foi comprovado pela perícia para tal fim determinada, a qual o acórdão recorrido consignou não haver "apontado, ou descartado, a existência dos critérios mencionados pelo MP, nem elaborado o histórico de pagamento e a comparação pedida". 4. Para ensejar a desconsideração da personalidade e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o desvio da finalidade natural da empresa prejudicada. 5. Fatos assentados pelo acórdão recorrido que não configuram abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pressupostos necessários, à luz do art. 50 do Código Civil, para a desconsideração das personalidades jurídicas das empresas envolvidas nas transações, a fim de justificar lhes fosse estendida a falência. 6. Recurso especial provido para afastar a decisão de extensão dos efeitos da falência na origem". A posição do STJ está em ampla sintonia com a origem e a finalidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, a qual surge com a importante missão de impedir o uso indevido da pessoa jurídica por parte dos seus sócios e administradores, de modo a se evitar o abusivo uso da empresa como veículo para a realização de atos ilícitos. A Disregard Doctrine tem grande influência do jurista alemão Rolf Serick, autor da teoria denominada "durchgriff der juristichen personen" - penetração na pessoa jurídica. Segundo ele, as seguintes diretrizes devem ser observadas: A) desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando esta for abusivamente manipulada para desonrar obrigações legais ou contratuais, lesando terceiros; e B) o princípio da independência da pessoa jurídica em relação aos seus sócios deve prevalecer, só devendo ser afastado nas situações acima descritas. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aquela que permite ao magistrado desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus membros, sempre que ocorra, no caso concreto, fraude e abuso de direito. No Brasil, o instituto em tela guarda previsão no artigo 28 do CDC (lei 8.078/90), no artigo 34 da lei 12.529/11, no art. 4º da lei 9.605/98, no art. 50 do Código Civil de 2002 e no art. 14 da lei 12.846/13. A edição da lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, além de introduzir o art. 49-A no Código Civil - de modo a reforçar a vigência da premissa anteriormente codificada no artigo 20 do Código Civil de 1916 -, enfatiza, no art. 50 do Código Civil, a teoria clássica do alemão Rolf Serick; exigindo-se a demonstração do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício: "Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos." "Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica." (NR) O artigo 50 do Código Civil reflete a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência, a demonstração efetiva do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica. O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir). O art. 28 do CDC - Código de Defesa do Consumidor, bem como o art. 4º da lei de proteção ao meio ambiente, por sua vez, avançam em relação à teoria clássica, sendo reflexos da chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Aqui se defende a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica apenas com a prova da insolvência da empresa, somada com a existência de um dano efetivo ao consumidor e/ou ao meio ambiente.  Vejamos: "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores". (CDC) "Art. 4º . Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". (lei 9.605 / 98) É bem de ver que, além do caput do art. 28 do CDC ir além da teoria clássica de Rolf Serick, permitindo hipóteses de incidência da Disregard Doctrine  mais amplas que as do art. 50 do Código Civil, é certo que o parágrafo quinto do aludido artigo, assim como o referido art. 4 da lei de proteção ao meio ambiente, apresentam o simples requisito de demonstração de que a pessoa jurídica seria, de alguma forma, obstáculo para a defesa dos direitos a serem tutelados; no caso, dos consumidores e/ou do meio ambiente.  E exatamente na linha do caput do art. 28 do CDC, segue o art. 34 da lei 12.529/11: "Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." E o art. 14 da lei 12.846/13, no âmbito de combate aos atos ilícitos de corrupção, prevê que: "A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa". Historicamente, a jurisprudência do STJ já bem diferenciou a aplicação das teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, sendo inspirador o julgado do ministro Ari Pargendler neste sentido: "A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (REsp 279273 / SP, rel. min. Ari Pargendler, Terceira turma, 04.12.03). Veja-se que, em regra, nos feitos meramente cíveis, não basta a prova da insolvência da sociedade. Os demais requisitos do art. 50 do Código Civil devem estar presentes (encerramento irregular das atividades, confusão patrimonial, desvio de finalidade, dentre outros). No mais, vale lembrar que os arts. 133 e seguintes do CPC em algumas soluções procedimentais para encerrar polêmicas que se arrastavam há anos nos pretórios, tais como: (i) a impossibilidade de se decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica; (ii) a possibilidade de se aplicar o instituto, através da formação de um incidente, na fase de execução, assim como em outras fases processuais; (iii) a necessidade de uma prévia dilação probatória para se averiguar a existência dos requisitos para a aplicação do instituto, sendo certo que as pessoas a serem atingidas com a desconsideração deverão ser citadas para se defender neste incidente processual; (iv) possibilidade de manejo do agravo de instrumento; e (v) possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa. O CPC, ainda, em seu art. 674, parágrafo segundo, III, claramente admite o manejo dos embargos de terceiro por parte do sócio e/ou administrador que venham a sofrer constrição de seus bens em processo do qual originalmente não eram parte; sinalizando, contudo, para o manejo dos embargos do devedor/impugnação ao cumprimento de sentença, quando o sócio e/ou o administrador tiverem participado do processo e/ou do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O julgamento do recurso especial 1897356 - RJ, portanto, está em linha com a evolução jurisprudencial e doutrinária acerca do instituto, tendo acompanhado as diretrizes do art. 50 do diploma civil.
A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as defensorias de todos os estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa. Só no estado de SP são mais de 40 mil advogados que atuam no convênio com a Defensoria Pública. Em agosto de 2021 já tive oportunidade de escrever nessa coluna artigo defendendo que as prerrogativas processuais da Defensoria Pública fossem estendidas para os advogados dativos1. Como o valor dos honorários advocatícios recebidos em tal convênio muitas vezes é inferior ao merecido por tão nobre e indispensável papel dos advogados dativos, os honorários sucumbenciais servem para estimular que esses advogados abnegados continuem prestando um excelente serviço para a coletividade. Dúvida surge no caso do advogado dativo apresentar recurso somente quanto a fixação dos honorários advocatícios e se seria necessário ou não o recolhimento de custas. O Tribunal de Justiça de SP possui recente acórdão afastando tal cobrança de custas: "Execução de título judicial. Pronúncia da prescrição intercorrente. Preliminar do exequente Deserção. inocorrência. Curador especial que não necessita recolher custas recursais mesmo que discuta somente honorários advocatícios na apelação. O curador especial não é considerado um advogado particular, logo quando recorre sobre honorários advocatícios não necessita recolher custas ou demonstrar a necessidade da gratuidade de justiça como nos casos de advogados particulares. Nesse sentido o STJ já sedimentou de que: "Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública.". Razões do curador dos executados Pedido de condenação do exequente ao pagamento de honorários advocatícios. Observância do princípio da causalidade. Sentença mantida. Foram os executados que deram causa à propositura da ação. Inadmissível que o credor, além de não receber o crédito que lhe cabe o qual foi fulminado pela prescrição intercorrente seja ainda condenado no pagamento dos honorários de sucumbência. O artigo 921, §5º do CPC, é expresso no sentido de que, quando ocorrer a pronúncia da prescrição intercorrente, não haverá ônus para as partes. Sentença mantida. Preliminar do exequente rejeitada. Apelação do curador dos executados não provida."   (TJSP;  Apelação Cível 0108706-61.2006.8.26.0004; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/08/24; Data de Registro: 19/08/24)  Em recente julgado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão: "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA COM JULGADO DA 2ª TURMA. COMPETÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. DEFENSOR DATIVO. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ALEGADAMENTE IRRISÓRIA. RECURSO INTERPOSTO PELO ADVOGADO DATIVO EXCLUSIVAMENTE PARA MAJORAÇÃO DOS SEUS HONORÁRIOS. PREPARO. DESNECESSIDADE NA HIPÓTESE. INAPLICABILIDADE DO ART. 99, §5º, DO CPC, AO DEFENSOR DATIVO. INTERPRETAÇÃO LITERAL INSUFICIENTE E INADEQUADA. TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE ADVOGADO PARTICULAR E DEFENSOR DATIVO JUSTIFICÁVEL. EQUIPARAÇÃO ENTRE O ADVOGADO DATIVO E O DEFENSOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE. OUTROS MÉTODOS HERMENÊUTICOS ADMISSÍVEIS. EXISTÊNCIA DE UM MICROSSISTEMA DE TUTELA DOS VULNERÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO DE PREPARO AO ADVOGADO DATIVO QUE PODERIA DESESTIMULAR FORTEMENTE O EXERCÍCIO DESTA IMPORTANTE FUNÇÃO AUXILIAR À DEFESA JURÍDICA DOS HIPOSSUFICIENTES E DOS VULNERÁVEIS. NECESSIDADE DE DAR À REGRA INTERPRETAÇÃO MAIS CONSENTÂNEA COM A SUA FINALIDADE. 1- Embargos de divergência em recurso especial opostos em 01/05/20. 2- O propósito recursal é definir se a regra segundo a qual é indispensável o preparo do recurso que verse exclusivamente sobre honorários sucumbenciais nas causas em que concedido o benefício da gratuidade judiciária à parte, salvo se o próprio advogado demonstrar que faz jus à gratuidade, aplica-se também ao defensor dativo. 3- Embora a interpretação literal das regras do art. 99, §§ 4º e 5º, CPC, pudesse induzir à conclusão de que ao advogado dativo, no que se refere ao preparo, aplicar-se-iam as mesmas regras do advogado particular, exigindo-se a comprovação de que ele próprio faz jus à gratuidade judiciária, é preciso examinar a possibilidade de adoção de outros métodos hermenêuticos que melhor se amoldem à resolução da questão controvertida. 4- Isso porque seria desarrazoado impor ao defensor dativo, que atua em locais em que não há Defensoria Pública devidamente instalada, que tenha de recolher o preparo para obter a majoração de seus honorários sucumbenciais que, normalmente, já são fixados em valores bastante módicos, na hipótese em que pretenda o reexame dessa modesta remuneração. 5- O exame sistemático do conjunto das regras que disciplinam as nobres funções desempenhadas pelos advogados dativos e pela Defensoria Pública revelam que, mais do que diferenças, eles possuem muito mais semelhanças, de modo que é possível afirmar que ambas as figuras se complementam e compõem um microssistema de tutela dos vulneráveis. 6- São exemplos de regras que compõem o microssistema de tutela dos vulneráveis, compostos pela advocacia dativa e pela Defensoria Pública: (i) a concessão de prazo em dobro para a Defensoria Pública, para os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e para as entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios com a Defensoria Pública; (ii) a inaplicabilidade do ônus da impugnação específica dos fatos ao defensor público e ao advogado dativo; (iii) a possibilidade de intimação pessoal da parte quando o ato depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada, aplicável à Defensoria Pública e à advocacia dativa; e (iv) a dispensa de preparo, concedida ao advogado dativo e ao defensor público, no exercício de curadoria especial, independentemente de deferimento de gratuidade ao curatelado. 7- Impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública. 8- De igual modo, essa eventual imposição não atrairá novos interessados em exercer essa função nas localidades em que não há Defensoria Pública, potencialmente diminuirá o interesse nessa atividade e, por consequência, deixará uma parcela muito significativa da população à mercê de sua própria sorte e convivendo, resignadamente, com as suas próprias mazelas. 9- Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa extensão, providos, a fim de dar provimento ao recurso especial e determinar o retorno do processo ao Tribunal de Justiça de SP para que, afastado o óbice de ausência de preparo, julgue a apelação como entender de direito." (EREsp n. 1.832.063/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 14/12/23, DJe de 8/5/24.) Conforme se depreende do entendimento do STJ, os honorários sucumbenciais dos advogados dativos muitas vezes já são fixados de forma módica e "impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados." Desse modo, o entendimento do STJ parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, afastando o pagamento de custas em recursos que versem somente sobre honorários advocatícios ________ 1 Disponível aqui.
O processo de execução pressupõe uma crise de inadimplemento por parte do devedor, de sorte que existindo título executivo líquido, certo e exigível a busca da tutela jurisdicional se presta a satisfação (ou tentativa de) do recebimento do crédito em favor do credor. Não por outra razão que aludido procedimento é dotado de menos atos processuais que se comparado ao procedimento comum e, guiado pelo Princípio da Execução, conta com instrumental a serviço da satisfação da tutela executiva (ou medidas de apoio destinadas a compelir o devedor ao pagamento), à exemplo de penhora online de bens móveis e imóveis, penhora de direitos creditórios em outras demandas, a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes e órgãos de proteção ao crédito (art.  782, § 3º do CPC) e ofício à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB, dentre outras medidas. Por outro lado, tem sido comum a resistência de alguns juízes em deferir as medidas acima, por vezes em situações em que o devedor, citado, apenas acompanha os autos, sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva.  Recentemente, a Segunda Turma do STJ examinou a questão, com vistas a reformar o v. acórdão oriundo do Tribunal Regional da 4ª Região para determinar a inclusão do nome do Executado junto ao Serasa, bem como autorizar a expedição de ofício ao CNIB: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL. UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. 1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da Taxatividade Recursal. 1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. 2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa. 3. Recurso especial a que se nega provimento".  "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS. SERASAJUD. POSSIBILIDADE. CENTRAL NACIONAL DA INDISPONIBILIDADE DE BENS - CNIB. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se acerca dos temas necessários ao integral deslinde da controvérsia, não havendo omissão, contradição, obscuridade ou erro material, afastando-se, por conseguinte, a alegada violação ao art. 1.022 do CPC/2015. 2. A jurisprudência do STJ, alinhada ao entendimento do STF na ADI 5.941/DF, admite a adoção de medidas executivas atípicas, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto. 3. Reforma-se o acórdão que indefere o uso da ferramenta denominada "SERASAJUD" que inclui o nome do executado nos cadastros de inadimplência, porquanto seu uso confere maior efetividade na demanda executória, não se mostrando medida desproporcional. 4. O Provimento n. 34/2014 instituiu a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB com fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente. 5. Recurso especial provido.  (STJ, Resp 1968880/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Afrânio Vilela, v.u., j. 10.09.2024, grifou-se)  O voto condutor bem ponderou:  "No mérito, cinge a controvérsia em analisar o acerto do acórdão que manteve o indeferimento do pedido de inclusão do nome dos agravados no SERASAJUD, bem como o lançamento de indisponibilidade junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB. (...) A análise da proporcionalidade da medida deve considerar as circunstâncias específicas de cada caso em particular, uma vez que é crucial assegurar que a medida coercitiva não prejudique de maneira desproporcional a subsistência do executado. No caso, importa mencionar que o art. 782, § 3º, do Código de Processo Civil se refere especificamente aos casos de inclusão em cadastro de inadimplentes, não trazendo requisitos para a almejada inclusão, sendo dispensável eventual "resistência das referidas instituições". Entendo, ainda, que o fato de ser possível a inclusão na via extrajudicial não impede que o credor requeira em juízo, conforme disposto na lei processual, uma vez que interpretação diversa implica: i) extensão a um óbice não previsto em lei, em prejuízo ao credor; e ii) ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF. Com relação à utilização da CNIB, observo que o Provimento n. 34/2014 instituiu com o fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e dos cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente. Considerando, ainda, que o Juízo pode adotar todas as medidas que estiverem ao alcance do Estado, e que não sejam expressamente vedadas na lei, não verifico óbice à sua utilização para ordenar o lançamento de indisponibilidade em eventual bem imóvel do devedor, sendo ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização da ferramenta. Ora, a adoção dos referidos mecanismos visam à resolução das lides em menor tempo, observando o princípio da duração razoável do processo e da eficiência, e se mostra, a meu sentir, plenamente aplicável ao caso concreto. Isso posto, dou provimento ao recurso especial para determinar a inclusão do nome dos agravados nos órgãos de proteção ao crédito, via sistema SERASAJUD e CNIB."  A despeito da expedição de ofício ao SERASAJUD e CNIB serem examinadas caso a caso, a contribuição do voto condutor enfrentou a questão sob outro prisma, em síntese, (i) o juízo pode adotar as medidas postuladas pelo credor que estiverem ao alcance do Estado (o que a fasta o seu indeferimento de plano ao alvedrio de que determinada medida não cabe quando assim postulada), (ii) tais mecanismos, em vista do Princípio da Execução, se prestam exatamente a imprimir maior eficiência ao processo executivo, (iii) é ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização de tais mecanismos. O julgado soa acertado, porquanto não se pode olvidar que a priori, o mero ajuizamento da execução já pressupõe uma crise de inadimplemento e lesão ao credor por força da inadimplência do devedor, de sorte que o ferramental previsto no sistema deve ser utilizado, afastando-se eventuais discussões quanto ao seu cabimento, o que retarda a execução e beneficia o devedor, que por vezes é citado, não se defende, não paga e fica tão somente assistindo o curso do processo sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva.
Como se sabe, a Constituição Federal (CF) estabelece, em seu artigo 5º, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Trata-se de um dos dispositivos mais importantes do texto constitucional, no que se refere ao direito processual civil, pois a um só tempo consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa. Tamanha é a importância desses princípios que José Roberto dos Santos Bedaque observou o seguinte: "Eventual violação desses princípios implica evidente nulidade dos atos processuais praticados anteriormente. Se, por algum motivo injustificado, qualquer das partes foi impedida de participar ativamente do processo e influir na convicção do julgador, tudo o que se realizar após essa falha estará comprometido" (Efetividade do processo e técnica processual, 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 495). Assim, uma vez violado o princípio do contraditório e configurado o cerceamento de defesa, os atos subsequentes serão nulos. O que fica em aberto, depois do reconhecimento da nulidade, é saber se ela é sanável ou não. Em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e declarou a nulidade de ato praticado no curso do julgamento de um recurso de apelação. Confira-se, a propósito, a ementa da decisão: "Recurso de apelação. Rejulgamento na mesma sessão que acolhe os embargos de declaração. Direito à sustentação oral. Notificação prévia. Ausência. Nulidade. Violação ao contraditório e à ampla defesa. O rejulgamento do recurso de apelação na mesma sessão que acolhe os embargos de declaração - sem a devida notificação prévia para sustentação oral - configura cerceamento ao direito de defesa e ao contraditório, ocasionando a nulidade do julgamento. (STJ, Segunda Turma, REsp 2.140.962-SE, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, por unanimidade, julgado em 3/9/2024)". No caso concreto, o Tribunal local, após o acolhimento dos embargos de declaração e a consequente anulação do julgamento anterior devido à violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, procedeu imediatamente ao rejulgamento das apelações na mesma sessão. Tal procedimento deveria ter sido precedido de uma nova inclusão em pauta e de uma oportunidade para renovação da sustentação oral (CPC, art. 937, I), pois houve uma clara divisão das etapas do julgamento, o que pode comprometer a integridade dos direitos ao contraditório e à ampla defesa das partes envolvidas. Houve o reconhecimento de uma nulidade processual pelo Tribunal de origem e, na sequência, o novo julgamento do mérito das apelações. Cumpre observar que os patronos de uma das partes não haviam sequer sido intimados do julgamento do recurso, pois o ato foi realizado em nove de antigos advocados que já não mais atuavam no processo. Diante disso, ficou claro o prejuízo a uma das partes que não foi regularmente intimada do julgamento do recurso e privada da possibilidade de apresentar sustentação oral de suas razões recursais no tocante ao mérito da apelação, direito garantido pelo inciso I do art. 937 do CPC. Para sanar esse vício de intimação prévia da parte antes do julgamento do mérito recursal, seria necessário provar que não houve dano para as partes causado pela forma como o julgamento das apelações aconteceu. Nessa linha é a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, para quem "(...) se da falha processual não decorrer dano a essa garantia ou a outro interesse da parte prejudicada, ou se a sentença transitar em julgado, desconsidera-se a nulidade" (op. cit., p. 501). Ocorre que o dano foi claro para uma das partes que deixou de realizar sustentação oral de suas razões recursais quanto ao mérito de sua apelação. Por tal razão, merece aplausos o Superior Tribunal de Justiça, por mais uma vez ter corrigido um erro de julgamento consistente em nítida violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Recentemente, a Corte Especial do STJ finalizou o julgamento do REsp 1.795.982, tendo reafirmado seu posicionamento no sentido de que a taxa oficial de juros legais - prevista no artigo 406 do CC - deve ser a Selic. Na realidade, a Corte Especial acabou por reafirmar a força do precedente oriundo do julgamento do EREsp 727842 / SP, no qual o STJ já havia se posicionado pela aplicação da Selic, para fins do artigo 406 do CC. Veja-se. Inicialmente, quando do início da vigência do Código Civil, havia certa divisão de entendimento do Superior Tribunal de Justiça. A 2ª Turma prontamente adotou a aplicação da taxa Selic ao artigo 406 do Código Civil, entendendo que esta incluía tanto os juros legais quanto a correção monetária, conforme os seguintes julgados: "2. Com o advento do novo Código Civil, quando não convencionados os juros moratórios, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional; por enquanto, a taxa SELIC (a partir da citação), com a advertência de que não pode ser ela cumulada com qualquer outro índice de correção monetária, porque já embutida no indexador."1 "2. Os juros de mora devem incidir na correção do saldo das contas vinculadas do FGTS no percentual de 0,5% ao mês até a data de entrada em vigor do Novo Código Civil. A partir de então, deverá incidir a Selic (lei 9.250/95), taxa que está em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do Código Civil de 2002)."2 A 1ª Seção deliberou sobre o tema no mesmo sentido: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. 1. Os juros moratórios, nas ações em que se discute a inclusão de expurgos inflacionários nas contas vinculadas ao FGTS, são devidos a partir da citação - que nos termos do arts. 219 do Código de Processo Civil e 406 do Código Civil vigentes, constitui o devedor em mora -, à base de 0,5% (meio ponto percentual) ao mês até a entrada em vigor do Novo Código Civil (lei 10.406/2001) e, a partir de então, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da lei 9.250/95 (Precedentes: REsp n.º 666.676/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 06/06/2005; e REsp n.º 803.628/RN, Primeira Turma, deste Relator, DJU de 18/05/2006)."3 Do outro lado, a 3ª Turma se pronunciou pela aplicação do artigo 161, § 1º, do CTN: "AGRAVO REGIMENTAL. JUROS DE MORA. NOVO CÓDIGO CIVIL. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE PARTICULARES. INAPLICABILIDADE DA SELIC. PRETENSÃO DE PÓS-QUESTIONAR. INVIABILIDADE. 1. Até a data da entrada em vigor do novo Código Civil, o juros moratórios são regulados pelo artigo 1.062 do Código Beviláqua. Depois daquela data, aplica-se a taxa prevista no artigo 406 do atual Código Civil, na razão de 1 % ao mês. 2. A taxa SELIC tem aplicação específica a casos previstos em Lei, tais como restituição ou compensação de tributos federais. Não é a ela que se refere o Art. 406 do novo Código Civil, mas ao percentual previsto no Art. 161, § 1º, do CTN. 3. Em recurso especial não se acolhe a pretensão de pós-questionar dispositivos constitucionais."4 Sucede que, em embargos de divergência, a matéria foi decidida pela Corte Especial, que votou pela aplicação da taxa Selic: "CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL.  CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento."5 A partir desse julgado, o STJ adotou firme posicionamento pela aplicação da Selic como taxa de juros legais6. Apenas para elucidar quão pacífico se tornou o tema no STJ, apontamos os seguintes julgados (incluindo aqui julgados da 3ª Turma, que havia se posicionado contrariamente nos primeiros casos): "3. A Corte Especial deste Tribunal pacificou o entendimento de que atualmente a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a Selic."7 "4.  Os juros de mora, devidos in casu a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ), devem ser calculados à base de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001), devendo observar, a partir de então, a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei nº 9.250/95 (Precedente da Corte Especial: EREsp 727.842/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 20/11/2008) 5. A incidência da taxa SELIC a título de juros moratórios, a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, em janeiro de 2003, exclui a incidência cumulativa de correção monetária, sob pena de bis in idem (Precedente: EDcl no REsp 1077077/SP, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 05/06/2009)"8 "5. Nas obrigações ainda não adimplidas, anteriores à vigência do CC/02, a jurisprudência tem se orientado no sentido de reputar aplicável, quanto aos juros, o art. 1.062 do CC/16 até a data de 10/1/2003, e o art. 406 do CC/02 após essa data. Precedentes. 6. O índice que deve ser aplicado de conformidade com o art. 406 do CC/02 é, consoante precedente da Corte Especial, a Taxa SELIC, não obstante a existência de julgados recentes aplicando, à espécie, o art. 161, §1º, do CTN. 7. A taxa SELIC abrange juros e correção monetária, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários."9 "1. "Os juros (de mora) legais devem ser fixados à taxa de 0,5% ao mês (artigo 1.062 do CC/1916) no período anterior ao início da vigência do novo Código Civil (10.1.2003) e, em relação ao período posterior, nos termos do disposto no artigo 406 do Código Civil de 2002, o qual corresponde à Taxa SELIC". (AgRg no Ag 1370108/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011)"10 "3. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002, segundo precedente da Corte Especial (EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008), é a SELIC, não sendo possível cumulá-la com correção monetária, porquanto já embutida em sua formação."11 "7. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data (EREsp n. 727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 20/11/2008)."12 "6. Sobre os valores apurados em liquidação de sentença devem recair, até o efetivo pagamento, juros moratórios de 6% ao ano a partir da citação, nos termos dos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916, até 11.1.2003, quando passou a se aplicar a Taxa Selic (art. 406 do CC atual)."13 "2. Os valores a serem restituídos pelo banco serão acrescidos de juros remuneratórios de 1% ao mês, corrigidos monetariamente pelo INPC, mais juros de mora de 0,5% ao mês desde a citação e, após a vigência do novo Código Civil, da taxa Selic, índice comum de juros moratórios e correção monetária, na forma do art. 406 do CC."14 Ainda, conforme o posicionamento apontado: "2. Os juros de mora incidem desde o evento danoso, à taxa de 0,5% ao mês  até  a entrada em vigor do CC/2002, e pela Taxa Selic após essa data  (EREsp  727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Corte Especial, DJe de 20/11/2008)."15 "1.  Esta  Corte  firmou  entendimento no sentido de que a fixação da taxa  dos  juros  moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406  do  Código  Civil  de  2002,  deve  ser com base na taxa Selic, podendo essa tese ser aplicada inclusive nos casos em que se discute a execução de honorários. Precedentes."16 "1.  O  Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito dos   processos  representativos  da  controvérsia  (art.  543-C  do CPC/1973  e  art.  1.036 do CPC/2015) firmou o entendimento de que a taxa  dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa  referencial  do  Sistema  Especial  de Liquidação e Custódia - SELIC 2. Agravo interno não provido."17 "3.  O  Tribunal  de  origem, ao discorrer sobre os juros moratórios, entendeu que seu termo inicial será a partir da citação e na base de 6%  ao  ano  até a entrada em vigor do Código Civil, aplicada a taxa Selic,  a partir de então, consoante interpretação feita do art. 406 do Código Civil, que se coaduna com jurisprudência desta Corte."18 "3. Os juros moratórios são devidos a partir do evento danoso no percentual de 0,5% a.m até a entrada em vigor do Código Civil atual (11.1.2003), quando deverão ser calculados na forma do seu art. 406, isto é, de acordo com a SELIC."19 Como se pode imaginar, o STJ, para fins do artigo 406 do CC, manteve sua posição sobre a aplicação da taxa SELIC nos últimos anos, como se depreende dos seguintes julgados, apenas a título exemplificativo: "AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO. 1. "A Corte Especial no julgamento de recurso especial repetitivo entendeu que por força do art. 406 do CC/02, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, a qual deve ser utilizada sem a cumulação com correção monetária por já contemplar essa rubrica em sua formação" (AgInt no REsp 1794823/RN, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe 28/5/2020). 2. Agravo interno a que se nega provimento."20 "3. Nos termos dos Temas 99 e 112/STJ, a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, vedada a acumulação com correção monetária."21 A orientação hodierna apenas segue, como mencionado previamente, os julgados da Corte Especial. Além do EREsp 727842 / SP, importante apontar que, em sede de recurso especial repetitivo, a Corte Especial firmou a seguinte tese na sessão de 02 de junho de 2010: "Tema 176: Tendo sido a sentença exequenda prolatada anteriormente à entrada em vigor do Novo Código Civil, fixado juros de 6% ao ano, correto o entendimento do Tribunal de origem ao determinar a incidência de juros de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, a partir de então, da taxa a que alude o art. 406 do Novo CC, conclusão que não caracteriza qualquer violação à coisa julgada." Por conseguinte, do ponto de vista do direito civil, resta patente a plena aplicabilidade da taxa Selic como juros legais previstos no artigo 406 do CC vigente. Ressalte-se que, conforme supracitado, a taxa Selic inclui tanto os juros moratórios quanto a correção monetária. Vale realçar, por fim, que a matéria hoje está regida pela Lei n. 14.905/2024, que claramente prestigia a orientação do STJ no sentido de ser a Selic a taxa legal de juros, para fins do artigo 406 do CC, bem como no sentido de que a Selic não pode ser simplesmente cumulada com a correção monetária. __________ 1 STJ, REsp 781594/PE, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.05.2006. 2 STJ, REsp 916567/PE, 2ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noronha, 27.03.2007. 3 STJ, REsp 875919/PE, 1ª Seção, Min. Rel. Luiz Fux, j. 13.06.2007. 4 STJ, AgRg no REsp 727842/SP, 3ª Turma, Min. Rel Humberto Gomes de Barros, j. 03.12.2007. 5 STJ, EREsp 727842 / SP, Corte Especial, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, j. 08.09.2008. 6 Nessa toada: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS MORATÓRIOS. MOMENTO DA INCIDÊNCIA. CRITÉRIOS. VIGÊNCIA NOVO CÓDIGO CIVIL. I - Trata-se de discussão acerca da incidência de juros moratórios em precatório complementar, em autos de execução de título judicial, onde o Tribunal a quo determinou que tais juros incidam à razão de 0,5% ao mês durante a vigência do Código Civil/1916 e, a partir do Novo Código, em 1% ao mês. II - Sob o argumento de que a indenização que gerou a referida execução se deu na vigência do Código Civil/1916, pretende o recorrente que durante todo o período os juros moratórios sejam fixados em 0,5% ao mês. III - Esta eg. Corte de Justiça já tem firme posicionamento no sentido de que os juros de mora são devidos à taxa de 0,5% ao mês, até a vigência do Código Civil de 2002, a partir de quando deve ser considerada a taxa que estiver em vigor para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406), ou seja, a SELIC. Precedentes: AgRg no REsp nº 972.590/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe de 23.06.2008; REsp nº 858.011/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe de 26/05/2008; REsp nº 926.140/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 12.05.2008. IV - Assim, a pretensão estadual é descabida e, por outro lado, considerando-se a peculiaridade da espécie, deve ser mantido o entendimento firmado pelo juízo a quo sobre o percentual dos juros moratórios, nada podendo se deliberar nestes autos sobre a incidência da SELIC, em observância ao princípio da non reformatio in pejus. V - Recurso improvido." - STJ, REsp 926285 / PR, 1ª Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, j. 14.10.2008. 7 STJ, REsp 945601 / SC, 2ª Turma, Minª. Relª. Eliana Calmon, j. 16.06.2009. 8 STJ, EDcl no REsp 961512 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Vasco Della Giustina, j. 14.12.2010. 9 STJ, EDcl no REsp 953460 / MG, 3ª Turma, Minª. Relª. Nancy Andrighi, j. 09.08.2011. 10 STJ, AgRg no REsp 886970 / DF, 4ª Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 16.08.2011. 11 STJ, EDcl no REsp 1025298 / RS, 2ª Seção, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012. 12 STJ, REsp 645729 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, j. 11.12.2012. 13 STJ, AgRg no AREsp 311954 / PR, 2ª Turma, Min. Rel. Herman Benjamin, j. 28.05.2013. 14 STJ, EDcl no AgRg no Ag 1316058 / GO, 3ª Turma, Min. Rel. João Otávio de Noro-nha, j. 10.09.2013. 15 STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1740851 / MA, 3ª Turma, Min. Rel. Moura Ribeiro, j. 24.06.2019. 16 STJ, AgInt no AREsp 1180613 / MS, 4ª Turma, Min. Rel. Marco Buzzi, j. 21.10.2019. 17 STJ, AgInt no REsp 1628809 / SP, 3ª Turma, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.05.2017. 18 STJ, AgInt no AREsp 870448 / SP, 2ª Turma, Min. Rel. Humberto Martins, j. 18.08.2016. 19 STJ, AgRg no REsp 831173 / RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Raul Araujo, j. 16.12.2014. 20 STJ, AgInt no REsp 1723791 / MS, 4ª Turma, Minª. Relª. Maria Isabel Gallotti, j. 08.02.2021. 21 STJ, REsp 1846819 / PR, 3ª Turma, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13.10.2020.
O art. 1.026 do CPC é claro em determinar que a oposição de embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição do recurso. Questão interessante restou abordada pelo STJ ao relacionar a preclusão consumativa ocasionada pela interposição de recurso equivocado e nova oportunidade de interposição recursal por força do efeito interruptivo gerado quando da oposição de embargos de declaração opostos contra a mesma decisão pela parte contrária. No caso, contra a decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva sobreveio equivocada interposição de agravo retido (recurso antes previsto no CPC/73 e sem previsão legal no CPC/15). A parte contrária também recorreu, opondo embargos de declaração destinados a fixação de honorários sucumbências por conta de sua exclusão da lide. Ao ser decidido os embargos de declaração sobreveio o recurso correto (agravo de instrumento) voltado a impugnar a decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade de parte. Diante deste quadro, "(...) a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento)."1 Ao examinar a questão a 4a do STJ entendeu que o primeiro recurso interposto de forma equivocada em verdade é inexistente, por não haver previsão legal do CPC. Logo, não haveria óbice para a interposição do recurso correto: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL. UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. 1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da taxatividade recursal. 1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. 2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa. 3. Recurso especial a que se nega provimento". (STJ, Resp 2141420-MT, Quarta Turma, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 06.08.2024, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "Em decisão saneadora proferida em 4/6/18, o Juízo da Primeira Vara Criminal e Cível acolheu "a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa Drebor Indústria de Artefatos de Borracha LTDA, para extinguir o feito sem resolução do mérito quanto a essa, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil" (e-STJ, fl. 100). Contra essa decisão, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo retido (e-STJ, fls. 131/133) e DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA opôs embargos de  declaração. O recurso da parte autora não foi conhecido, por se "tratar da extinta figura do recurso de agravo retido, não mais existente sob a égide do novel Código de Processo Civil, já que não constante no rol do art. 994 [...]. A teor do disposto no art. 1009, § 1º, do Código de Processo Civil, a irresignação do autor quanto ao reconhecimento da preliminar deve ser suscitada em preliminar de eventual recurso de apelação" (e-STJ, fl. 134 - grifei). Por sua vez, os embargos de declaração da ré foram acolhidos para condenar a parte autora ao pagamento das despesas processuais de DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA, "bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do seu patrono, fixados esses em 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC" (e-STJ, fl. 103). Após o julgamento dos embargos de declaração, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo de instrumento contra decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva e excluiu da lide a ré DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA (e-STJ, fls. 5/20). Em suas contrarrazões, DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA alegou preclusão consumativa, tendo em vista ter o autor interposto "Agravo Retido da r. decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da agravada e julgou extinto o feito em relação à mesma" (e-STJ, fl. 127). O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ao julgar o agravo interno, afastou a preliminar da preclusão consumativa pelos seguintes fundamentos (e-STJ, fl. 160): 'Primeiramente, porque como bem frisou a agravada, se o recurso de agravo retido equivocadamente interposto pelo ora agravante já não mais ter previsão no CPC/15, a sua interposição deve ser considerada inexistente. Logo, não acarreta a ocorrência de preclusão consumativa pois não se trata de manejo de recurso inadequado, mas sim inexistente. Neste viés, é ainda necessário considerar que, contra a decisão saneadora ora impugnada, a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA opôs embargos de declaração, sob o fundamento de omissão do julgado, a fim de que fossem arbitrado honorários ao(s) seu(s) patronos. Aliás, tal recurso foi conhecido e acolhido. Logo, por força do que estipula o caput do art. 1.026 do CPC/15, o conhecimento de tais aclaratórios interrompeu o prazo para a interposição de outros recursos contra a mesma decisão embargada, seja da parte ré, seja da parte autora.' No mérito, o Tribunal de origem deu provimento ao agravo de instrumento " para reformar a decisão recorrida e reintegrar a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA no polo passivo da demanda" (e-STJ, fl. 163). Assim, a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento). (...) Nessa perspectiva, a preclusão consumativa, ou consumação propriamente dita, refere-se à perda de uma faculdade ou poder processual por causa de seu prévio exercício. Não se desconhece o entendimento dessa Corte Superior de que, "no sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último" (AgInt nos EAg 1213737/RJ, rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17/8/16, DJe 26/8/16). Contudo, no caso dos autos, o primeiro recurso interposto, agravo retido, não estava contemplado na legislação vigente como meio de impugnação. Segundo o princípio da taxatividade recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existência jurídica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurídicos. (...) Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve algumas mudanças significativas em relação aos recursos cabíveis, entre elas a supressão do agravo retido. No novo código, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. Nesse contexto, não foram interpostos dois recursos - agravo retido e agravo de instrumento -, mas somente um: o agravo de instrumento, tendo em vista que o retido, por não estar previsto na lei, não é recurso. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. Um ato processual inexistente, por não possuir validade ou eficácia jurídica, não pode produzir nenhuma consequência no processo. A preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição. A preclusão consumativa requer a prática de um ato processual, o que não ocorre no caso de o recurso ser inexistente. (...) Logo, contra a decisão interlocutória que declarou a ilegitimidade passiva de um dos corréus, o autor interpôs tempestivamente um único recurso previsto na legislação processual: o agravo de instrumento. Então, não houve violação do princípio da unirrecorribilidade. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. É como voto." Em síntese, o voto condutor afastou a preclusão consumativa decorrente da interposição do recurso equivocado. Em verdade, segundo o entendimento do STJ, a preclusão consumativa sequer ocorreu, tendo em vista que o ato processual de interpor o recurso equivocado não pode ser interpretado como consumado o ato de recorrer, porquanto considerado inexistente aludido recurso (data sua falta de previsão no CPC/2015). Tal voto convida a uma melhor leitura para se entender a dimensão de se considerar um ato processual tido por inexistente, dado que, sob o entendimento acima comentado, um ato processual inexistente não está acobertado pela preclusão consumativa. _________ 1 Trecho do voto condutor do Resp 2141420-MT a ser examinado a seguir.
As reformas de 2005 e 2006 no Brasil, com flagrante inspiração no princípio da cooperação, previram: (i) a aplicação de multa contra o devedor, e em favor do credor, que não paga voluntaria e tempestivamente o débito reconhecido em titulo executivo judicial (art. 475-J do CPC de 1973); (ii) a aplicação de multa contra o devedor, e em favor do credor, quando o manejo dos embargos à execução for considerado meramente protelatório (art. 740 do CPC de 1973); (iii) o incentivo ao uso da penhora online como meio de facilitar a constrição de dinheiro (art. 655-A do CPC de 1973); (iv) a possibilidade de o credor averbar nos registros públicos a existência do processo de execução em face do devedor (art. 615-A do CPC de 1973); (v) prêmio para o devedor no caso de honrar voluntaria e tempestivamente título executivo extrajudicial (art. 652-A do CPC de 1973); e (vi) a possibilidade de pagamento parcelado do débito (art. 745-A do CPC de 1973). E através dos arts. 600, IV, 601 e 652, parágrafo terceiro, do CPC de 1973, o legislador previu a possibilidade de o devedor ser punido quanto se quedar inerte diante de intimação para que colabore com o Poder Judiciário e apresente a lista de onde estão e quais são os seus bens sujeitos à constrição. As reformas de 2005 e 2006, com algumas adaptações, estão todas refletidas no CPC de 2015, conforme previsões dos arts. 523, 918, 854, 828, 827, 916 e 774.   Todos estes exemplos demonstram a preocupação do legislador brasileiro em promover a efetividade da execução, com um claro incentivo ao devedor para que colabore e cumpra espontaneamente a sua obrigação perante o credor; tornando-se a execução mais célere1. Ademais, o sistema processual brasileiro passou a conviver mais intensamente com a tendência do uso de "medidas de coerção" na execução; a qual, sem prejuízo do princípio da responsabilidade patrimonial, se somou às técnicas tradicionais de penhora para dar um fôlego maior ao Poder Judiciário na busca da máxima eficiência da tutela executiva. São os chamados meios de coerção, os quais em conjunto com as tradicionais técnicas de penhora, buscam conferir maior efetividade à execução. Para Andrea Proto Pisani são três as famosas escolas de adoção de técnicas de coerção para a satisfação do direito do credor: (i) a francesa, das astreintes, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias ao devedor, cujo montante se converte em favor do credor, o qual aumenta em virtude do descumprimento da ordem do juízo pelo devedor; (ii) a germânica-austríaca, que combina a técnica de sanção pecuniária, mas devida ao Estado, com a de prisão do devedor nos casos estipulados em lei; (iii) a anglo-saxônica, fundada no contempt of court, que consiste na aplicação de sanções pecuniárias em favor do credor, e em prisão nos casos de conduta de desobediência ao juízo2. As técnicas de coerção acima referidas estão presentes no direito brasileiro, podendo ser encontradas, de certo modo, nos arts. 77, 80, 537 e 774  do CPC, além da previsão constitucional de prisão civil para o devedor de prestação alimentícia. Mas, mais recentemente, doutrina, jurisprudência e a própria legislação deram coro à aplicação de técnicas de coerção mais incisivas na execução por quantia certa contra devedor solvente, tudo de modo a se buscar tutelar de forma mais eficiente o crédito do exequente. Marcelo Lima Guerra, por exemplo, com leitura mais ampla do parágrafo quinto do art. 461 do CPC de 1973, já defendia a aplicação de multa diária contra o devedor que não paga tempestivamente o débito objeto da execução por quantia certa contra devedor solvente; além de propor que a lista de bens impenhoráveis seja diminuída, tudo na linha de contribuir-se para a obtenção da tutela executiva efetiva3. As técnicas de coerção apenas demonstram o atual espírito do processo civil, que visa à efetividade da tutela executiva, de modo a que o credor tenha, dentro de um prazo razoável e seguindo os ditames do devido processo legal, a plena realização do seu direito material. Michele Taruffo observa ser essa uma preocupação uniforme em diversos sistemas processuais, chamando especial atenção para o modelo norte americano, no qual se privilegia o princípio da adequabilidade da execução, "pelo qual todo o direito deve encontrar atuação por meio do instrumento executivo mais idôneo e eficaz em função das específicas necessidades do caso concreto. (...). Ademais, o que parece fora de dúvida é que o sistema dos remédios executivos, devendo ser adequado, tem também de ser completo, isto é, deve assegurar sempre uma tutela executiva eficaz. É significativo, de fato, que o aparecimento de situações substanciais novas não tenha comportado a crise do sistema e a criação de lacunas de tutela executiva e tenha consubstanciado, ao invés, um portente fator de evolução, no sentido da busca e da criação de novos instrumentos executivos ou de adaptação de velhos instrumentos, mas sempre no sentido do princípio pelo qual a tutela jurisdicional deve compreender também uma eficaz tutela executiva"4. O citado professor italiano, neste contexto de busca da plena efetividade processual executiva, destaca que as Rules 53 e 70 da Federal Rules of Civil Procedure dos Estados Unidos da América, por exemplo, preveem a possibilidade de o Poder Judiciário nomear um receiver; o qual, com a função típica de um administrador, tem o poder de gerir a empresa devedora, de modo a garantir que ela cesse determinada atividade nociva ao meio ambiente, bem como promova obras de despoluição e indenize os danos oriundos de sua atividade ofensiva à sociedade5.  Este é um bom exemplo de como o moderno processo civil está intensamente preocupado em como garantir que a execução garanta e promova, dentro do prazo razoável, a devida satisfação do direito material por parte do seu legítimo titular. Por isso, foi com bons olhos que a doutrina nacional recebeu a redação do artigo 537 do CPC, a qual, textualmente, prescreveu que a decisão que fixa a multa diária - astreintes - pode ser objeto de cumprimento provisório, condicionando-se apenas o levantamento do valor constrito após o trânsito em julgado da sentença que for favorável ao credor.  O texto está bem claro e em plena sintonia com todo o contexto de direcionar a execução civil a um diálogo mais construtivo com os princípios da eficiência e da efetividade, tão bem estampados nas normas fundamentais da legislação processual previstas nos artigos 4º e 8º do CPC. A técnica do cumprimento provisório da decisão que fixa a multa diária, nos termos do artigo 537 do CPC, é um mecanismo eficiente de coerção, estendendo um grande convite ao devedor para que promova o adimplemento, sob pena de onerar ainda mais sua posição processual. Vale dizer que o STJ, no julgamento do REsp 1.200.856, em 2014, sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, adotou o entendimento de que a execução provisória das astreintes somente seria possível após a sentença de mérito confirmatória da decisão que fixou a multa em sede de tutela antecipada. Entretanto, com a redação do artigo 537 do CPC, em plena harmonia com o moderno processo civil que almeja à efetividade e à eficiência da execução, o próprio STJ, no julgamento do REsp 1.958.679, modificou sua posição, passando a permitir o cumprimento provisório da decisão que fixa a multa diária, em prestígio a esse modelo de técnica de coercitiva. Veja-se trecho do julgado a relatoria da ministra Nancy Andrighi: "Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito"; e "Ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais". E é nesse cenário que, com preocupação, a comunidade jurídica, recebe o recente julgamento do EAREsp n. 1.883.876 pela Corte Especial do STJ, o qual, em direção oposta aos avanços até então obtidos na busca de um modelo efetivo e eficiente de execução civil, retorna ao entendimento anterior à vigência do artigo 537 do CPC, prestigiando-se a tese fixada no antigo REsp 1.200.856. O ministro Luis Felipe Salomão, inaugurando o voto divergente - e vencedor - pontuou que: "Inúmeras são as situações que podem ocorrer ao se permitir a eficácia imediata ou a exigibilidade da multa, sendo eu em todas será imposta ao devedor indevido desfalque patrimonial porque a decisão pende de confirmação por provimento final." Nota-se, assim, que o STJ, em relevante tema envolvendo a técnica coercitiva do artigo 537 do CPC, dialogou de forma dissonante com os princípios estruturantes do CPC, notadamente no que toca à busca de efetividade e eficiência na execução civil. __________ 1 TOMMASEO, Ferruccio. Sull'Attuazione dei Diritti di Credito nell'Esecuzione in Forma Specifica. In: Studi in Onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Giuffrè, 1979. p. 2.462. 2 PISANI, Andrea Proto. Appunti sulla Tutela di Condana. In: Studi in Onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Griuffrè, 1979. p. 1.734-1.737. v. III. 3 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003. p. 150 e 165. No mesmo sentido: BAUMÖHL, Debora Ines Kram. A nova execução. São Paulo: Atlas, 2006. p. 139. 4 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 95.  5 TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 91. 
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a ampliação das hipóteses de cabimento da Reclamação, mesmo se contarmos que a Lei nº 13.256/2016 limitou a possibilidade nos casos de decisões que aplicam mal precedentes em repetitivos ou em repercussão geral. Uma Dúvida antiga na doutrina é quanto a natureza jurídica da Reclamação. Hoje, a doutrina majoritária entende que ela teria natureza de ação. Nesse sentido é o entendimento de Georges Abboud e Gustavo Favero Vaughn:  "(...) a reclamação detém natureza de ação, uma vez que por meio dela é resguardado ao interessado o direito público, subjetivo e abstrato de postular ao Estado-juiz o exercício da atividade judicante no sentido de pôr fim à lide aflorada por força do descumprimento de algum comando judicial. É a reclamação, nesses termos, uma das vias previstas em lei para expressar o direito de ação do art. 5º, XXXV, da CF. É de se ressaltar, ainda, que os três elementos da ação estão presentes na reclamação. Quanto às partes: o reclamante, que é quem busca preservar ou garantir alguma das hipóteses do art. 988 do CPC, e o reclamado, que é a quem se atribui a inobservância de uma dessas hipóteses. Quanto ao pedido: a prolação de decisão que assegure a competência do tribunal ou garanta o cumprimento de provimentos judiciais específicos. Quanto à causa de pedir: a invasão de competência ou a desobediência a comando anterior do Poder Judiciário."1 Sendo uma Ação, é cabível a fixação de honorários advocatícios, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil. Nesse sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves:  "Como entendo que a reclamação tem natureza jurídica de ação, parece-me ser cabível a condenação do derrotado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. É natural que não se condenará o órgão jurisdicional ou o juiz que conduz o processo no qual foi proferida a decisão impugnada ou usurpador de competência de tribunal superior: como também não parece correta a condenação da autoridade administrativa que pratica o ato impugnado. No primeiro caso, condena-se o Estado, sendo o juízo estadual, e a União, sendo o juízo federal e, no segundo, a pessoa jurídica de direito público à qual pertença a autoridade administrativa."2 Em recente julgado a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reiterou o entendimento da Corte sobre o cabimento dos honorários advocatícios:  "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RECLAMAÇÃO. RELAÇÃO PROCESSUAL CIVIL CONCRETIZADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. "Uma vez aperfeiçoada a relação processual na reclamação, são cabíveis honorários sucumbenciais para as reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl na Rcl n. 45.370/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 21/3/2024). 2. Figurando como partes rés na ação que deu origem à reclamação, o agravante e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, devem ambos, arcar com os honorários advocatícios fixados na decisão. 3. Agravo interno parcialmente provido." (AgInt nos EDcl na Rcl n. 44.797/PR, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No Supremo Tribunal Federal parece também prevalecer o entendimento favorável à fixação de honorários:  "(...) À luz do princípio da causalidade, é possível a fixação de honorários de sucumbência em reclamações constitucionais ajuizadas após o Código de Processo Civil de 2015. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido." (Rcl 47677 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 29.11.2021, DJe 10.02.2022)3 Entretanto, são incabíveis os honorários no caso do indeferimento liminar da petição inicial, sem a angularização da relação processual:  "(...) No caso, não houve a angularização da relação processual, já que, à vista da decisão que liminarmente negou seguimento à reclamação, inexistiu ordem para a citação da parte beneficiária, nos termos do art. 989, III, do CPC/15. (...)" STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 33.971/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018.  "(...) Não angularizada a relação processual mediante a citação do beneficiário do ato impugnado (art. 989, III, do CPC/15), em razão do indeferimento liminar da petição inicial da reclamação, é incabível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência. (...)" STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 36.771/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2020. Por fim, cumpre ressaltar que no caso do comparecimento espontâneo da parte, mesmo sem a citação, é possível a condenação em honorários:  "(...) Na hipótese, diante do comparecimento espontâneo da beneficiária aos autos, apresentando contestação e impugnação ao agravo interposto contra decisão que indeferiu liminarmente a reclamação, houve o aperfeiçoamento da relação processual, sendo cabível a condenação em honorários advocatícios. (...)" (STJ. 2ª Seção. Rcl 41.569-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/02/2022).  "(...) O novo Códex, inovando a disciplina legal do instituto, passou a prever a angularização da relação processual na reclamação, com a citação do beneficiário da decisão impugnada, para apresentar sua contestação, nos termos do art. 989, III, do CPC/15. Nessa nova moldura, em que o ajuizamento da reclamação nitidamente inaugura nova relação jurídica processual, mostra-se viável a aplicação do princípio geral da sucumbência, a fim de que seja a parte vencida - reclamante ou beneficiária do ato impugnado - condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios, na linha em que tem entendido o Supremo Tribunal Federal (Rcl 24417 AgR/SP e Rcl 24.464 AgR/RS). Hipótese em que, apesar de frustrada a tentativa de citação, o beneficiário do ato reclamado compareceu espontaneamente nos autos, com efetiva atuação na defesa dos seus interesses, a caracterizar o aperfeiçoamento da relação processual. Assim, diante do julgamento de improcedência da reclamação, é impositiva a condenação da parte reclamante, vencida, ao pagamento de honorários advocatícios. (...)" (STJ. 2ª Seção. EDcl na Rcl 33.747/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2018). Desse modo, estando angularizada a relação processual, é devida a fixação de honorários advocatícios na Reclamação, cabendo ao advogado da parte vencedora provocar o Tribunal em caso de omissão da decisão quanto as verbas sucumbenciais. __________ 1 ABBOUD, Georges; VAUGHN, Gustavo Fávero. Notas críticas sobre a reclamação e os provimentos judiciais vinculantes do CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 44, n. 287, p. 409-441, jan. 2019. Em seu texto os Autores ainda defendem que esse é o entendimento majoritário da Doutrina: É esse, salvo melhor juízo, o entendimento da doutrina majoritária: LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 171-179; BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 595; MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 1457-1458; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações constitucionais. São Paulo: Método, 2011. p. 305-308; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Aspectos destacados da reclamação no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 247, set. 2015. p. 300; MACÊDO, Lucas Buril de. Reclamação constitucional e precedentes obrigatórios. Revista de Processo, São Paulo, v. 238, dez. 2014. p. 416; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. v. 2. p. 777; ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 221; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Op. cit., p. 459-461; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 36. ed., São Paulo: Malheiros. p. 812, 2014; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. p. 77-78; ARAÚJO, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo, São Paulo, v. 252, 2016. p. 246-247. 2 Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 1.775. 3 No mesmo sentido: Rcl 48567 ED-AgR, Rcl 36.499-ED-AgR/RN, Rcl 27.822-ED-ED/SP e Rcl 28.403-ED-ED-AgR/SP. Já em sentido contrário temos julgados entendendo pelo não cabimento da condenação em honorários em ações de natureza constitucional: Rcl 33269 AgR, cl 44511 AgR-ED e Rcl 30226 AgR.
Como se sabe, a Constituição Federal (CF) estabelece, em seu artigo 133, que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Para exercer esta função essencial, o advogado ou a advogada, devem ser remunerados pelo seu indispensável trabalho, como parece ser óbvio. Tanto isso é verdade que o Código de Processo Civil, em seu artigo 85, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º, estabelecem os critérios para arbitramento de honorários advocatícios na hipótese um processo terminar. Confira-se: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Cumpre observar que o trabalho realizado pelo advogado ou advogada não se resume ao que está nos autos. Quando o cliente é citado para se manifestar em um processo, ele entra em contato com o advogado de sua confiança, faz consultas sobre a lei aplicável e seus desdobramentos, apresenta documentos, realiza reuniões, antes mesmo de ser elaborada a defesa, se for o caso. Não se pode duvidar que o trabalho do advogado começa muito antes de uma petição inicial ser protocolada (se o seu cliente for o autor da demanda) ou de uma contestação ser apresentada (se o seu cliente for o réu). Cabe ao advogado ou advogada esclarecer as dúvidas do cliente, sugerir outros meios adequados de solução de conflitos e apontar as consequências de cada passo dado pelo cliente, à luz do sistema jurídico. Entretanto, uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) parece transparecer uma visão mais estreita da advocacia e muito limitada do que seria o trabalho de alguém que exerce uma função essencial à Justiça. Veja-se: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DO ADVOGADO. AFASTAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. 1. Ação de execução de título extrajudicial, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 20/6/2023 e concluso ao gabinete em 6/10/2023. 2. O propósito recursal consiste em dizer se, na extinção do processo sem resolução de mérito, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora. 3. A condenação ao pagamento de honorários advocatícios é uma consequência objetiva da extinção do processo, sendo orientada, em caráter principal, pelo princípio da sucumbência e, subsidiariamente, pelo da causalidade. 4. O CPC/2015, ao contrário do CPC/1973, resolvendo antiga celeuma doutrinária e jurisprudencial, é explícito ao estabelecer que os limites e critérios previstos nos §2º e §3º do art. 85 devem ser aplicados independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive às hipóteses de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. (Art. 85, §6º, CPC/2015). 5. Muito embora a regra seja a fixação de honorários sucumbenciais na extinção do processo sem resolução de mérito, impõe-se pontuar que, se os honorários têm por objetivo remunerar a atuação dos advogados, inexistindo qualquer atuação do profissional, não há razão para o arbitramento da verba honorária. 6. Na extinção do processo sem resolução de mérito, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora. 7. Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois em consonância com a tese ora sustentada no sentido de que a inexistência de atuação do advogado da parte vencedora impede a fixação de honorários sucumbenciais em seu favor. 8. Recurso especial não provido. (REsp n. 2.091.586/SE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024, grifos nossos)".  No caso concreto, o Exequente propôs o processo de execução e o Executado foi citado. Porém, por desídia do Exequente, por não ter apresentado o comprovante de recolhimento das custas judiciais, apesar de regularmente intimado para tanto, o processo foi extinto sem resolução do mérito e não foram arbitrados honorários de sucumbência em favor do Executado e seus patronos. Vale observar que houve citação do Executado e que, portanto, não se pode negar a existência de um processo judicial em andamento. Não se pode negar também que o Executado não ficou inerte e teve que contratar um advogado ou advogada. Antes de mesmo de apresentar qualquer defesa, se o caso, é preciso fazer diversos esclarecimentos para o cliente. É um dever de quem exerce a advocacia. Por exemplo, o cliente deve saber que, se pagar em 3 (três) dias, haverá um desconto de 50% (cinquenta por cento) nos honorários advocatícios (CPC, art. 827, § 1º). Ou, ainda, se fizer o depósito de 30% (trinta por cento), no prazo para apresentação de defesa, poderá parcelar o restante em 6 (seis) parcelas mensais consecutivas (CPC, art. 916). Também é preciso avisar o cliente que os seus bens sujeitos a registro podem sofrer as restrições previstas no art. 828, do CPC. Ademais, é preciso avisar que, se forem apresentados embargos, os honorários de sucumbência podem alcançar até 20% (vinte por cento) do valor da causa. Também é preciso alertar para as consequências de se praticar ato atentatório à dignidade da justiça (art. 774, do CPC). Tudo isso sem deixar de informar o cliente de que podem ser tentados métodos consensuais de solução de conflitos, conforme o mandamento do art. 3º, § 3º, do CPC. Portanto, é evidente que a nobre função de advogado ou advogada não se resume a peticionar nos autos do processo. Ela começa a ser exercida muito antes de uma petição ser protocolada. Pensar que o advogado só trabalha quando protocola uma petição nos autos significa o mesmo que acreditar que um atleta de elite só trabalha quando corre a prova de cem metros rasos, durante menos de 10 segundos. Significa desconsiderar todo o trabalho duro que aconteceu antes e depois da corrida. Ou, ainda, significa acreditar que o professor que ministra uma aula de cinquenta minutos não trabalhou antes para preparar a aula e depois para corrigir as atividades feitas pelos alunos. Em resumo, a decisão do STJ acima ementada demonstra uma visão muito limitada do exercício da advocacia. O "trabalho realizado pelo advogado", mencionado no art. 85, § 2º, inciso IV, do CPC, é muito maior do que o protocolo de uma petição no processo e começa bem antes disso. Não é possível presumir que o advogado não trabalhou apenas porque não peticionou nos autos antes da extinção do feito. Conforme é possível verificar no andamento processual no "site" do STJ, tal decisão ainda não transitou em julgado. Portanto, ainda há esperança de que prevaleça uma visão da advocacia mais ampla e aderente à realidade.
A citação por edital, prevista nos arts. 256 a 259 do CPC, é aplicável, dentre outras hipóteses "I- quando desconhecido ou incerto o citando; II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando" (art. 256, caput), de sorte que  o §§s 1º a 3º d 1º do art. 256 define o conceito de citando inacessível, e réu considerado em local ignorado ou incerto.1 A despeito dos critérios objetivos postos nos dispositivos supra citados, recentemente a 3a Turma do STJ autorizou a citação por edital sem a necessidade de recusa do cumprimento de carta rogatória: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. AUSENCIA DE CITAÇÃO. CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU RESIDENTE NO EXTERIOR. ENDEREÇO INCERTO. VALOR DA CAUSA. VALOR DA AÇÃO ORIGINÁRIA. PROVEITO ECONOMICO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Ação de querela nullitatis insanabilis ajuizada em 17/3/20, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 3/11/23 e concluso ao gabinete em 19/5/24. 2. O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de "querela nullitatis". 3. O simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. 4. A negativa da carta rogatória não é pré-requisito para o deferimento de citação por edital quando o citando reside no exterior, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória. 5. Se for incerto o endereço do citando no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória. 6. Sendo o objetivo da "querela nullitatis" declarar a inexistência de sentença em razão da ausência de citação, essa decisão será desconsiderada por inteiro, motivo pelo qual o valor a ser atribuído à ação declaratória corresponderá ao do "decisum" que se pretende declarar inexistente. 7. O valor da causa deve equivaler, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda, ainda que o provimento jurisdicional buscado tenha conteúdo meramente declaratório. Precedentes. (...)" (STJ, Resp 2.145.294-SC, 3a Turma, rel. min. Nancy Andrighi, v.u., j. 18.6.24, grifou-se) O voto condutor bem ponderou: "(...) O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de "querela nullitatis". (...) 1. DA CITAÇÃO POR EDITAL 1. O art. 27 do CPC determina que a cooperação jurídica internacional terá por objeto a citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, além de colheita de provas e obtenção de informações. 2. Entre os mecanismos de cooperação jurídica internacional está a carta rogatória, que pode ser meio de citação quando o citando residir no exterior, em endereço certo e conhecido. 3. Nada obstante, o art. 256, II, do CPC estabelece que a citação por edital será feita quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando. 4. Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr. que o local de citação é incerto, quando, embora se saiba em qual território seja possível encontrar o citando, não se tem o endereço. (Curso de Direito Processual Civil. 21ª ed. Editoria Jus Podium). 5. Assim, sendo incerto o endereço do réu, no Brasil ou no exterior, admite-se a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC. 6. Portanto, embora o art. 256, § 1 º, do CPC, preveja que se considera inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória; isso não significa que a negativa da carta rogatória seja pré-requisito para o deferimento de citação por edital, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória. 7. Dessarte, o simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. Contudo, se for incerto o seu endereço no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória. (...) 3. DO RECURSO SOB JULGAMENTO (...) 25. Dessarte, apesar de haver informação nos autos do processo 0001286-40.2013.8.24.0090 de que a então parte ré, sócia da recorrente (EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS FLORIANED LTDA), estivesse residindo no exterior, o fato de o endereço ser incerto já justifica a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC. 26. Portanto, embora residir em outro país não justifique, por si só, a citação por edital, pois seria possível a solicitação de cooperação jurídica via carta rogatória para a citação, a incerteza do endereço autoriza esta modalidade citatória. (...) " O racional posto nas razões de decidir acima soa acertado. Isso porque malgrado o § 1º do art. 256 do CPC estabeleça ser considerado inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento da carta rogatória, é certo que o § 3º define ser considerado o réu em local ignorado um incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. Logo, o inciso II do art. 256 assegura a citação por edital, dentre outras hipóteses, quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o citando, a reputar-se inacessível a dificuldade de obtenção do endereço do citando. No caso, residente o réu no exterior, não havia como exaurir eventual tentativa de citação por carta rogatória pois desconhecido o endereço do réu, a relacionar o conceito de incerto, na dicção do § 3º supra referenciado. ____________ 1 § 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória. § 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão. § 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.