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CPC Marcado

Comentários dos dispositivos do CPC.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho
É categórica, no novo Código de Processo Civil, a busca pela eficiência e racionalidade no julgamento dos processos e, consequentemente, a aproximação da família do civil law com a do cammon law. Para alcançar tal objetivo, o código privilegiou a uniformização da jurisprudência e fortaleceu a sistemática dos precedentes judiciais. Um dos institutos que visa a atingir referido propósito é o Incidente de Assunção de Competência (IAC) cuja previsão legal encontra-se no art. 947 e parágrafos. Veja o que dispõe o caput do dispositivo1: Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. O Código de 1973 já trazia instituto semelhante, porém, o diploma de 2015 tratou de forma mais detalhada, além de ampliar os efeitos da assunção de competência. O Código de 1973 assim estabelecia: Art. 555, § 1º. Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso. Notadamente, o novo código estendeu as hipóteses de cabimento, disciplinando que o incidente se aplica não apenas aos recursos, mas também à remessa necessária e aos processos de competência originária. Além disso, houve inegável expansão das possibilidades quanto à iniciativa de instauração do incidente, que antes incumbia apenas ao relator e agora pode ser feita também a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. É o que dispõe o parágrafo primeiro do art. 947 do NCPC. Teresa Arruda Wambier, ao tratar da dimensão do dispositivo, destaca: "a assunção, à luz do novo CPC, importa, ao mesmo tempo, em afetação e vinculação. Afetação, pois a tese identificada como relevante pelo relator será apreciada por órgão colegiado soberano e competente consoante o Regimento Interno do Tribunal e vinculação, porque, por regra, a decisão colegiada vinculará os juízes e órgãos fracionários do respectivo tribunal em decisões futuras2". O código, inclusive, traz previsão expressa quanto a essa vinculação, em seu art. 927, inciso III, segundo o qual os juízes e os tribunais observarão os acórdãos em incidente de assunção de competência. A aplicação do instituto, conforme se depreende do caput do art. 947, prevê a ocorrência de três requisitos: (i) a existência de relevante questão de direito, (ii) grande repercussão social e (iii) inexistência de repetição em múltiplos processos. Questão relevante é aquela diferenciada, distinta de questões corriqueiras e ordinárias que, embora não repetida em inúmeros outros processos, impacta a sociedade - repercussão social. É a questão que, por exemplo, uma vez definida, pode importar em mudanças de rumo em políticas públicas, aumento de preços, que pode afetar grupos de pessoas, consumidores, empresas, etc3. Cabe ao órgão colegiado indicado decidir sobre a existência de interesse público na assunção de competência, conforme dispõe o parágrafo segundo do artigo em comento. O terceiro requisito acima mencionado, a inexistência de repetição em múltiplos processos, consiste em excludente de aplicação do IAC, estabelecendo que o processo em questão não pode estar relacionado com demandas ou recursos repetitivos. Dessa forma, o código tenciona distinguir o incidente de assunção de competência com os instrumentos ligados a demandas ou recursos repetitivos. O primeiro se justifica pela relevância do tema objeto do processo: questão relevante de grande repercussão social, independentemente de estar replicada em outros processos. Visa à apreciação da questão por um órgão colegiado superior no âmbito do tribunal. Já os instrumentos previstos pelo CPC/2015 acerca de demandas e recursos repetitivos visam à uniformização da jurisprudência e estabilização das expectativas quanto à matéria discutida, independentemente de grande repercussão social. O parágrafo quarto do art. 947, por fim, disciplinou o cabimento do IAC "quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal". Dessa forma, o instituto também possui a finalidade de prevenir divergências entre os órgãos internos de um tribunal quanto à "relevante questão de direito" ou, compô-las, uma vez já instauradas. Ademais, importante observar que, tendo em vista o caráter vinculante das decisões ocorridas em IAC, a realização de audiências públicas e a intervenção de amicus curiae são plenamente possíveis. Em setembro de 2016, o STJ publicou a Emenda Regimental nº 24, que regulamentou as mudanças decorrentes da instituição, pelo NCPC, do incidente de assunção de competência. Os acórdãos proferidos em julgamento de IAC passaram a ser identificados como "precedentes qualificados" (art. 121-A do Regimento Interno4), implicando no dever de "estrita observância pelos juízes e tribunais", das teses adotadas em assunção de competência. O primeiro IAC foi julgado pela Segunda Seção do STJ5 em 27/6/2018 e versou sobre a imprescindibilidade ou não da intimação do credor para se reconhecer a prescrição intercorrente. O incidente foi proposto pelo relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, a fim de que o recurso especial, distribuído inicialmente à Terceira Turma, fosse julgado pela Segunda Seção, em razão da relevância das questões jurídicas e da divergência de entendimento entre a Terceira e a Quarta Turmas do tribunal, especializadas em direito privado. A controvérsia restou delimitada nos seguintes termos: "cabimento, ou não, da prescrição intercorrente nos processos anteriores ao atual CPC e imprescindibilidade de intimação e de oportunidade prévia para o credor dar andamento ao processo". O Ministério Público Federal proferiu parecer no sentido "a) do cabimento de prescrição intercorrente quando o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, que, no entanto, somente haverá de ser declarada após prévia intimação do credor para que a respeito se manifeste, a fim de que seja respeitado o princípio do contraditório, e b) da desnecessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda. 5. Mas a regra da não surpresa deve estender-se também relativamente à expectativa legitimamente criada no espírito do credor pelo posicionamento até então assumido pelo Superior Tribunal de Justiça". A Segunda Seção do STJ decidiu, por maioria, que incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/1973, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado. No tocante à necessidade de prévia intimação do credor, o STJ concluiu que: "o contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição". A Segunda Seção, por meio do IAC, uniformizou o entendimento até então divergente do Tribunal sobre a matéria, privilegiando o contraditório, o princípio da não surpresa, bem como a segurança jurídica na aplicação da prescrição intercorrente da pretensão executória. Assim, vislumbra-se que o Incidente de Assunção de Competência - IAC é um instituto jurídico inovador - não obstante ter existido normativo aproximado no Codex anterior - que identifica eminentemente o direito processual brasileiro à tradição anglo-saxã, através da aplicação do stare decisis (confiança e respeito ao precedente judicial). __________ 1 Colaboram com a coluna os colegas de escritório advogadas Karoline Ferreira Martins, Janaina Lusier Camelo Diniz e advogados Luiz Fernando Vieira Martins e Wilson Coêlho Mendes. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2111. 3 Op. Cit., p. 2112. 4 Art. 121-A. Os acórdãos proferidos em julgamento de incidente de assunção de competência e de recursos especiais repetitivos bem como os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça constituem, segundo o art. 927 do Código de Processo Civil, precedentes qualificados de estrita observância pelos Juízes e Tribunais. 5 Processo: REsp 1.604.412/SC.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Art. 1.003 do CPC - Comprovação de feriado local

O novo Código de Processo Civil trouxe expressamente o dever de comprovação do feriado local, quando da interposição do recurso. Veja-se o que estabeleceu o parágrafo sexto do art. 1.003: Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. Essa disposição expressa, contudo, não afastou a celeuma em torno da matéria, sobremaneira quando a leitura do dispositivo é feita de forma sistêmica, levando-se em consideração os princípios norteadores do novo diploma, como, por exemplo, a primazia da decisão de mérito. Em julgamento no dia 20/11/2017, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela impossibilidade de comprovação do feriado local posteriormente à interposição de recurso, restando vencedora a tese divergente apresentada pela ministra Nancy Andrighi1. Em seu voto a ministra destacou que a mudança de entendimento da Corte Especial do STJ, para admitir a comprovação do feriado local no agravo interno2 veio a reboque da alteração da jurisprudência do STF3. Apontou, entretanto, uma inflexão no entendimento do Supremo expressa pela Primeira Turma em julgamento no dia 9/8/2016, em que consignou: "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a tempestividade do recurso em virtude de feriado local ou de suspensão dos prazos processuais pelo Tribunal a quo que não sejam de conhecimento obrigatório da instância ad quem deve ser comprovada no momento de sua interposição". A ministra evidenciou, ainda, que "conquanto se reconheça que o novo Código prioriza a decisão de mérito, autorizando, inclusive, o STF e o STJ a desconsiderarem vício formal, o § 3º do seu art. 1.029 impõe, para tanto, que se trate de recurso tempestivo. A mesma ideia se pode extrair do § 2º do art. 1.036 do CPC/15, que versa sobre a sistemática dos recursos repetitivos, ao prever que o interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do Tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário interposto intempestivamente". A partir desses dispositivos, o voto condutor ressalta que o CPC de 2015 reputou a intempestividade como vício grave e, portanto, insanável, razão pela qual seria inaplicável o parágrafo único do art. 932, segundo o qual antes de dar por inadmissível o recurso, o relator deve conceder prazo ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. Além disso, registrou-se que, diversamente da previsão contida no art. 1.007, § 4º, do CPC/15, que assina prazo para que o recorrente complemente o preparo a menor, o Código não previu possibilidade de intimação da parte para comprovar, posteriormente, o feriado local, havendo, pois, um silêncio eloquente do legislador nesse caso, que não autorizaria a desejada interpretação extensiva. O voto divergente foi acompanhado pelos ministros Herman Benjamin, Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell. O ministro Raul Araújo, relator do caso, entendeu pela possibilidade de comprovação posterior quanto ao feriado local. Ele asseverou que, não obstante o art. 1.003, §6º traga expressamente o "dever-se" da norma, qual seja o dever de o recorrente comprovar a existência do feriado local, o dispositivo não apresenta qual a sanção derivaria do descumprimento desse mandado, de modo que se faz necessário, buscar a sanção nos demais textos e enunciados relacionados aos fatos cuja regulação se pretende obter. O ministro destacou o princípio da primazia da decisão de mérito, consagrado em diversos dispositivos ao longo do diploma processual civil e que impõe ao órgão julgador buscar, ao máximo, a superação e o saneamento dos vícios formais e processuais a fim de entregar às partes "a solução integral do mérito", consoante dispõe o art. 4º do CPC4. Em menção à doutrina de Fredie Didier, ressaltou que o CPC trouxe vários enunciados normativos voltados para a efetivação do princípio, como o art. 76, que prevê o dever geral de o juiz determinar a correção de incapacidade processual; o art. Art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; o art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício e o art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve mandar que a parte autora a emende ou a complete. O voto destacou a compatibilidade entre o disposto no art. 1.003, §6º, com o a previsão do art. 932, parágrafo único, segundo o qual antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá prazo de cinco dias para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. "Vale dizer, um afirma que a documentação comprobatória do feriado local deve ser apresentada no ato da interposição do recurso; o outro prevê que, não sendo apresentada tal documentação no momento oportuno, o relator, antes de considerar inadmissível o recurso, concederá prazo de cinco dias para a providência de regularização da falha". Acrescente-se ainda que, quanto aos recursos especial e extraordinário, há norma específica no Código de Processo Civil de 2015, cujo art. 1.029, § 3º, estabelece que "o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave". O relator também consignou que "a comprovação acerca da tempestividade apenas agrega certeza quanto à oportunidade do recurso, mas não o torna tempestivo se já o era antes por ter sido aviado no devido tempo. Então, a referência a "recurso tempestivo" permite a posterior comprovação da tempestividade, pois, desde que seja tempestivo o recurso, o vício formal, como é o caso da falta de certidão comprobatória de feriado local ou outro defeito meramente formal, poderá ser desconsiderado, desde que não reputado grave". Por fim, o ministro caracterizou como um retrocesso jurisprudencial reputar insanável o vício em comento: "a ausência de gravidade do vício formal quanto à ausência de certidão de feriado local atestando a tempestividade do recurso sempre foi reconhecida por esta Corte Superior. Mesmo na vigência do Código anterior, mais formalista. Seria então, um claro retrocesso jurisprudencial se passar a considerar grave agora, com o advento do Novo Código, menos formalista, o que antes era reputado escusável". Tendo restado vencido o entendimento quanto à possibilidade de saneamento do vício, a 4ª Turma do STJ, decidiu posteriormente que "a simples menção no bojo das razões recursais de ocorrência de feriado local com remissão a endereço eletrônico (link) do tribunal de origem não é meio suficientemente idôneo para comprovação da suspensão do prazo processual a teor do CPC/155". De outro lado, ao consultar doutrina abalizada, observa-se entendimento diverso ao esposado pelo STJ. Luiz Guilherme Marinoni6, ao comentar o art. 1.003, §6º do NCPC aduz: "o feriado local deve ser comprovado pelo recorrente no ato da interposição do recurso (art. 1.003, § 6º, CPC/2015). Não comprovado, deve o relator determinar a sua imediata comprovação (art. 932, parágrafo único, CPC/2015). Não atendida a ordem, cumpre-lhe não conhecer do recurso, acaso da comprovação do feriado dependa a tempestividade recursal". No mesmo sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior7: "não obstante preveja o NCPC que dita prova [do feriado local] deva ser feita na interposição do recurso, desde que não haja má-fé do recorrente, nada impedirá que a falha seja suprida na instância superior, como, aliás, se dá com as omissões sanáveis em geral (art. 352) e até mesmo com o recurso, no tocante à falta ou insuficiência do preparo (art. 1.007)". Segundo Rizzo Amaral8, "se mostra incompatível com os princípios da não surpresa (arts. 9º e 10) e com o processo de corte cooperativo o julgamento de inadmissibilidade recursal sem que se oportunize ao recorrente a comprovação do feriado local ou de outra circunstância que interfira com a tempestividade do recurso, desde que tenha sido essa circunstância alegada nas razões recursais. Somente poderá ser o recurso, de plano, inadmitido por intempestividade caso nada tenha sido dito, nas razões recursais, sobre fatos e circunstâncias que tenham interferido na contagem do prazo recursal. Do contrário, deverá o relator intimar o recorrente para que comprove as alegações contidas nas razões recursais acerca da tempestividade do recurso". Conforme se observa, há divergência entre o entendimento esposado pela Corte Especial do STJ e o posicionamento majoritário da doutrina quanto à matéria. O primeiro, privilegiando uma leitura do art. 1.003, §6º do CPC de cunho literal e a segunda, realizando uma interpretação sistemática e principiológica da norma. A discussão parece, todavia, não ter se encerrado por completo com o julgamento pela Corte Especial. Em julgamento no dia 8/11/2018, por proposta do ministro Raul Araújo, a 4ª turma do STJ decidiu afetar para julgamento da Corte Especial processo no qual se discute se a segunda-feira de Carnaval é ou não feriado forense. Ao propor a afetação do tema, o ministro pontuou que "quem quiser mostrar que houve expediente normal, faça prova de que houve expediente normal naquela segunda-feira. Será uma coisa anormal, talvez até merecedora de aplauso". O posicionamento do ministro aponta para a necessidade de unificação do entendimento do Tribunal quanto a feriados em que há ampla discussão no plano formal em torno de sua natureza, se local ou nacional, mas que, na prática, é de conhecimento geral que "o país fecha as portas", como é o caso da segunda-feira de Carnaval. Seu entendimento assinala uma espécie de inversão do ônus da prova, incumbindo àquele que tiver interesse processual em demonstrar que houve expediente em determinada data, o dever quanto à referida comprovação. __________ 1 Processo: AgInt no AREsp 957.821. 2 AgRg no AREsp 137.141/SE, julgado em 19/09/2012, DJe de 15/10/2012. 3 Registrada no RE 626.358 AgR (Tribunal Pleno, julgado em 22/03/2012, DJe de 22/08/2012). 4 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. 5 Processo: AgInt no REsp 1.752.192. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XVI, p. 257. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2016. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, vol. III, 2016, p. 978. 8 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1016-1017.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Art. 1.015 do CPC

Iniciamos hoje a primeira de uma série de publicações semanais em que comentaremos, um a um, os dispositivos do novo Código de Processo Civil. Rumo ao seu quarto ano de vigência, o diploma instituiu profundas mudanças e inovações no ordenamento pátrio, as quais foram objeto de diversas decisões judiciais, delineando a aplicação e o alcance de suas normas. Bem assim, nesse período, a doutrina pôde produzir consenso em relação a alguns temas e permanece se debruçando sobre outros, mais polêmicos. Portanto, o projeto que doravante inauguramos pretende ser uma fonte de consulta rápida, mas nem por isso superficial, do entendimento atualizado do Superior Tribunal de Justiça sobre as disposições do novo código, sobretudo aquele consolidado na sistemática de recursos repetitivos, bem como do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, naquilo que for pertinente, sempre atento às novidades jurisprudenciais e ao que mais interessa à comunidade jurídica. Isso, sem descuidar de exposições quanto ao entendimento doutrinário sobre os temas, o que é consenso e sobre quais assuntos ainda paira discussão e múltiplas interpretações. Além disso, também faremos comparações entre os institutos do Código de 1973 e as alterações trazidas pelo diploma de 2015, seu sentido, motivação e propósito. O tema de hoje é a recentíssima decisão da Corte Especial do STJ, que, em sessão no último dia 5, ampliou o cabimento de agravo de instrumento para além do rol estipulado no art. 1.015 do CPC. Vejamos o dispositivo em questão: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. O dispositivo correspondente no Código de 1973 era o art. 522 e aduzia o seguinte: Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Ao apreciar comparativamente ambos os dispositivos fica evidente que o legislador pretendeu reduzir significativamente o cabimento de recursos contra decisões interlocutórias, cumprindo uma das promessas do diploma, qual seja a simplificação da sistemática recursal, visando, em última instância, a celeridade processual. Essa opção legislativa orientou-se pela busca de, ao menos, três objetivos. O primeiro, de tornar os tribunais aptos a julgar apelações e não apenas agravos. O segundo, de eliminar a preclusão, desobrigando a parte do ônus de agravar de todo ato judicial. E, por fim, o de concentrar o julgamento da causa em uma só oportunidade, no momento da apelação. A intenção, como se vê, foi extinguir os numerosos recursos, por vezes desprovidos de fundamento, interpostos contra decisões interlocutórias, mas com a finalidade de evitar a preclusão da matéria. Desse modo, a alteração afastou a incidência do instituto da preclusão, permitindo aos tribunais apreciarem as razões de insurgência tanto contra as decisões interlocutórias, como quanto às decisões de mérito da causa, num único momento processual. Com a extinção do agravo retido e com a previsão de rol taxativo de decisões suscetíveis de agravo de instrumento - e não da cláusula aberta (decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação) contida no CPC anterior -, o legislador reforça o princípio da irrecorribilidade imediata em separado das decisões interlocutórias1. O Código de 2015 instituiu como regra o não cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, apresentando rol taxativo das hipóteses de cabimento, nos incisos de I a XIII, postergando a manifestação de insurgência das partes para o momento recursal da apelação ou de contrarrazões. Na obra "Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil2", organizada por Teresa Wambier, Freddie Didier e outros, Gilberto Bruschi, com cautela e acerto, já alertou: O rol previsto nos incisos e parágrafo único do art. 1.015 do CPC/15 aparentemente é taxativo. Se assim for, não poderá ser utilizado tal recurso em uma hipótese não prevista em lei. E acrescentou: Eventual extensão do rol para outras hipóteses talvez venha com o tempo. Tal análise caberá à doutrina e à jurisprudência, apesar de parecer que a intenção do legislador foi a de realmente elaborar um rol taxativo para o cabimento do recurso de agravo de instrumento. Na linguagem popular, "dito e feito": a Corte Especial do STJ definiu, no julgamento de dois recursos repetitivos3, a seguinte tese: O rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. A tese foi proposta pela ministra Nancy Andrighi, relatora do caso. Em seu voto, defendeu a relatora que a taxatividade do artigo 1.015 seria incapaz de tutelar adequadamente todas as questões em que pronunciamentos judiciais poderiam causar sérios prejuízos e que, por isso, deveriam ser imediatamente reexaminadas pelo segundo grau de jurisdição. A ministra também destacou que a tese por ela proposta consiste em, a partir de requisito objetivo, - a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso da apelação - possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do 1.015, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica, porque como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações. Merece destaque o entendimento cunhado pelo STJ nesse julgamento no sentido de que o rol do art. 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo. A noção de taxatividade mitigada, segundo o voto vencedor, não foi aplicada em confronto com a escolha político-legislativa, mas, ao contrário, com o escopo de resguardar a vontade do legislador, o qual registrou, no parecer de relatoria do Senador Vital do Rego, que o recurso de agravo de instrumento é sempre cabível para as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". Com a finalidade de resguardar o resultado útil do processo, a primazia da decisão de mérito e o bem da vida pleiteado, prevaleceu a interpretação de que o rol do art. 1.015 do CPC é, portanto, dotado de taxatividade mitigada, ou seja, não se trata de rol numerus clausus, mas comporta uma cláusula adicional de cabimento que estará configurada toda vez que "verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação". O Tribunal também deliberou quanto à modulação dos efeitos da decisão, prevalecendo o entendimento de que a tese somente se aplicaria às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acordão. Nesse ponto, importante destacar a relevante proteção conferida pela Corte ao princípio da segurança jurídica, a fim de estabilizar as expectativas do jurisdicionado quanto ao cabimento do agravo de instrumento. A divergência foi apresentada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, que defendeu que a taxatividade do rol deveria ser mantida, tendo em vista que esta foi a opção do legislador. Este deliberou por restringir as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, não cabendo à Corte instituir novos critérios para tal, não previstos na lei. O entendimento foi acompanhado pelos ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques. Com todo respeito à maioria formada no STJ, a flexibilização dos casos de cabimento de agravo vai de encontro aos valores preconizados pelo novo CPC, como a celeridade, a unicidade de julgamento e a redução das hipóteses recursais. __________ 1 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1028. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2250-2251. 3 Processos: REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520.