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CPC Marcado

Comentários dos dispositivos do CPC.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho
A Justiça Federal é organizada em seções judiciárias localizadas na capital e nos munícipios do interior, de sorte que há uma variedade de foros em todo o país. O artigo 51 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe sobre os foros competentes para as ações propostas pela e contra a União, ou seja, disciplina quais são os órgãos do Poder Judiciário que poderão exercer a função jurisdicional sobres tais demandas. O caput prevê que "é competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União", e o seu parágrafo único, que "se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal". Da interpretação dos aludidos enunciados extrai-se que nas ações em que a União for autora, o foro competente para o ajuizamento das ações é o domicílio do réu, enquanto que nas ações cuja ré for a União existem quatro foros competentes, podendo o autor optar por qualquer deles. São estes o foro do seu domicílio, o foro do local em que ocorreu o fato ou ato de que se originou a demanda, o do local onde está situado o bem controvertido ou o do Distrito Federal. Em se tratando de ações de usucapião especial, o direito do autor de escolher o foro competente para acionar a União é restringido em face do teor da Súmula nº 11 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "a presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de usucapião especial, não afasta a competência do foro da situação do imóvel". Assim, as ações de usucapião especial, em quaisquer circunstâncias, devem ser promovidas na comarca de situação do imóvel. Em ações dessa natureza, necessariamente, deverão ser ajuizadas no foro da situação do bem imóvel, não havendo possibilidade de seleção de foro. Em não existindo seção judiciária na localidade, a competência para processar e julgar a ação poderá vir a ser da Justiça Estadual. O artigo 51 diverge, em muito, do Código de Processo Civil de 1973 que estabelecia, em seu artigo 99, caput e inciso I, que "o foro da Capital do Estado ou do Território é competente: I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente". Todavia, a redação do artigo 51 trouxe, na essência, conteúdo normativo semelhante ao do artigo 109, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal1 de 1988. O artigo 109 §1º consigna que "as causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte". O trecho final "onde tiver domicílio" sugere a situação de uma pluralidade de domicílios, podendo esta escolher a seção judiciária quando o réu detiver mais de um domicílio. O artigo 109 §2º enuncia que "as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal". Muito embora o artigo 51 do CPC de 2015 tenha promovido inovações no plano infraconstitucional, tais modificações encontram-se presentes no ordenamento jurídico brasileiro há algum tempo, dada a sua matriz constitucional2.Tanto o artigo 51 do atual Código de Processo Civil como o artigo 109, § 2º da Constituição Federal fazem menção apenas ao termo "União", nada assentando sobre os entes que compõem a Administração Pública Indireta. O Supremo Tribunal Federal3 fixou entendimento com repercussão geral no sentido de que "a faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, §2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias". Desta maneira, a interpretação ampliativa alcança também as autarquias federais, fundações públicas compreendidas enquanto fundações autárquicas e agências reguladoras enquadradas como autarquias especiais. Ainda no plano constitucional, ressalta-se que o artigo 109 §3º da Constituição Federal4 previu que "serão processadas e julgadas na justiça estadual (...) as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual". Logo, desde que não haja vara federal no local e de que haja lei autorizativa, causas inicialmente de competência da Justiça Federal poderão tramitar perante a Justiça Estadual. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 228.955 do Rio Grande do Sul consignou que "o dispositivo contido na parte final do §3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius jurisdição) ao juízo estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido art. 1095".Ante a possibilidade de delegação da competência legislativa aos Estados-membros para dispor sobre a atividade jurisdicional das localidades que inexistir vara federal no domicílio do réu, em não sendo elaborada lei estadual autorizativa para processar e julgar as causas pela Justiça Estadual, a jurisdição será exercida pela vara federal que abrange o local do domicílio do réu. Quando houver lei estadual autorizativa e a União figure como autora da ação, as ações também deverão ser ajuizadas no foro do domicílio do réu junto ao juízo estadual. No entanto, possuindo o réu dois domicílios, um situado em local sem vara federal e outro com vara federal, a demanda poderá ser proposta em qualquer um dos juízos. Havendo a interposição dos recursos em face das decisões interlocutórias ou sentenças, o seu processamento e julgamento ocorrerá perante o Tribunal Regional Federal. O artigo 52 do CPC é uma inovação do diploma processual, contudo as regras de competência são análogas àquelas previstas no parágrafo único do artigo 51, distinguindo apenas quanto ao ente federado, vez que regula a competência dos estados-membros da federação e do Distrito Federal. O caput do dispositivo estatui que "é competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal". Já o parágrafo único traz: "se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado". À luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça6, trata-se de uma competência relativa concorrente.Como a Justiça Federal detém seções judiciárias espalhadas em todo o território nacional, verifica-se que o legislador constituinte definiu os foros competentes para processar e julgar as demandas envolvendo os entes da federação: União, Estados e Distrito Federal. Nas demandas em que o ente federativo for autor, o foro competente será o domicílio do réu e naquelas em que for réu, o ente poderá escolher dentre as opções de foro competente estabelecidas. Além disso, a Constituição Federal oportunizou aos Estados-membros a criação de lei autorizando o processamento e julgamento de determinadas ações pela Justiça Comum quando a comarca não for sede de vara do juízo federal. Dessa forma, as normas processuais e constitucionais definidoras da competência jurisdicional buscaram assegurar o acesso à justiça, ampliando as possibilidades de tramitação de feitos de competência da Justiça Federal mesmo em comarcas que não sejam sede da respectiva vara especializada.__________1 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: § 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. § 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2013 RE 627709 ED, Relator(a): Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2016, DJe-244. Divulgado em: 17-11-2016. Publicado em: 18-11-2016).4 § 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.5 (RE 228955, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 10/02/2000, DJ 24-03-2000 PP-00070 EMENT VOL-01984-04 PP-00842 REPUBLICAÇÃO: DJ 14-04-2000 PP-00056 RTJ VOL-00172-03 PP-00992) 6 (REsp 1756292/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/12/2018, DJe 11/03/2019); (AgInt no CC 157.479/SE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 04/12/2018) (AgInt no CC 163.985/MT, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 18/06/2019, DJe 25/06/2019).
As regras de competência destinam-se a distribuir, entre os vários órgãos jurisdicionais, as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição, buscando organizar e otimizar referida atividade. Entre os critérios utilizados pela legislação processual para a definição da competência, encontra-se o critério territorial, por meio do qual o foro competente para processamento e julgamento de determinadas demandas é definido com base no espaço geográfico da jurisdição. Esse foi o critério eleito pelo Código de Processo Civil para definir o chamado foro de sucessão, bem como estabelecer a competência para julgamento de causas em que for ré pessoa ausente ou incapaz, conforme regulamentação dos artigos 48 a 50 do CPC. O caput artigo 48 do CPC estabelece a competência para o julgamento de casos de inventário, partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade, impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu. Em todos esses casos, o diploma estabelece que, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro, o foro competente será o do domicílio do autor da herança. A inovação do dispositivo em relação ao código anterior, que tratava do tema no artigo 96, está na inserção das ações de impugnação ou anulação de partilha extrajudicial, novidades instituídas pela lei 11.441/07. Assim, o legislador optou por incluir essas hipóteses no mesmo regramento que trata de situações correlatas, como o inventário e a partilha. Já o parágrafo único do artigo 48 prevê as hipóteses em que o autor da herança não possuía domicílio certo. Nesses casos, será competente o foro de situação dos bens imóveis. No caso de haver bens imóveis em foros diferentes, a ação poderá ser proposta em qualquer um deles. Já na hipótese de não existirem bens imóveis, o foro competente será o do local de qualquer dos bens do espólio. O diploma anterior estabelecia ser competente o foro do lugar onde ocorreu o óbito, se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes. O novo código usou uma redação mais clara no parágrafo único e promoveu mudanças nos fatores a serem considerados para a determinação da competência territorial quando o autor da herança não possuía domicílio certo, aprimorando, de um modo geral, o regramento no que diz respeito ao chamado foro de sucessão. O foro de sucessão é "aquele no qual deve se dar, de um modo geral, o processamento e o julgamento das demandas que versam sobre a sucessão dos bens deixados pelo falecido1". O legislador cuidou, no caput, da situação em que o autor da herança possuía domicílio certo no Brasil, já no parágrafo único, da hipótese de o domicílio ser incerto. "Como se trata de competência territorial, regida por um conjunto normativo infraconstitucional, e não existe regra dispondo de modo diferente, trata-se de competência relativa"2. O artigo 49 do CPC/15, por sua vez, disciplina o foro do ausente. Dispõe que: "a ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias". O dispositivo do CPC de 2015 não difere do regramento já previsto no código de 1973, salvo modificação redacional. A regra é a de que compete ao juízo cujo foro abranger o local do último domicílio do ausente, julgar as causas em que este for réu. Trata-se, tal como no dispositivo anterior, de hipótese de competência territorial. Assim, o mesmo juízo é o competente para processar e julgar a arrecadação de bens do ausente, o inventário e a partilha dos seus bens, tanto na sucessão provisória como na sucessão definitiva (arts. 26 a 39 do Código Civil) e o cumprimento de disposições testamentárias por ele deixadas. O artigo 50 do CPC trata da competência da ação proposta contra incapaz. Estatui que: "a ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente". Interessante notar que a redação do diploma atual inseriu a referência ao foro do domicílio do assistente, explicitando que a norma possui incidência tanto nos casos de incapacidade absoluta, em que o réu é representado, como nas hipóteses de incapacidade relativa, em que o réu é assistido. O CPC de 1973 trazia apenas que "a ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio do seu representante". A despeito da omissão quanto à figura do assistente, já havia entendimento doutrinário incluindo a situação do relativamente incapaz nas hipóteses de incidência do então art. 98 do CPC/733. Também a jurisprudência já se posicionava no mesmo sentido4. O Código de 2015, portanto, veio consolidar entendimento doutrinário e jurisprudencial já existente sobre o assunto. O Superior Tribunal de Justiça5 julgou conflito de competência em que se discutia em que foro deveria ser processada ação de partilha posterior ao divórcio, porém, em caso que ocorreu a incapacidade superveniente de uma das partes, cujo domicílio era diverso daquele onde tramitou a ação de divórcio. Trata-se, pois, de conflito entre uma regra de competência funcional - prevenção por acessoriedade, no caso da ação de partilha em relação ao divórcio - e outra de competência territorial especial - domicílio do incapaz. Diante do conflito, o STJ concluiu que a incapacidade superveniente de uma das partes, após a decretação do divórcio, não tem o condão de alterar a competência funcional do juízo prevento. O Tribunal entendeu que a ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz. Não se aplica, no caso, a regra do art. 50 do CPC/15, que prevê a competência do domicílio do incapaz (competência territorial especial). Isso porque a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. Por outro lado, a competência territorial especial conferida ao autor incapaz, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa6. Releva destacar, portanto, que as hipóteses aqui tratadas, quais sejam a do foro de sucessão e a das causas contra ausente e incapaz tratam de competência de natureza territorial e, tal qual decidido pelo mencionado julgado do STJ, possuem caráter relativo, podendo ser afastadas na hipótese de conflito com regra de natureza absoluta ou prorrogadas caso a matéria não seja oportunamente alegada pela parte interessada. _______________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, P. 198 2 Idem. 3 BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1, 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 325. 4 Vide REsp 875.612, 4ª Turma, rel. min. Raul Araújo. DJe 17/11/2014. 5 STJ. 2ª Seção. CC 160329-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/02/2019. 6 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13/09/2019. _______________
O Novo Código de Processo Civil, assim como o Código de 1973, alberga diversas espécies de competência cuja delimitação exige a adoção de um critério determinador que, na classificação de Humberto Theodoro Junior1, pode ser objetivo, funcional ou territorial. Essa última é aquela fixada segundo os limites das circunscrições territoriais de cada juízo e observa as hipóteses de incidências previstas a partir do art. 46 e seguintes do CPC. Dispõe o referido dispositivo que: "a ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu". Foro significa a circunscrição judiciária (comarca ou subseção judiciária) onde a causa deve ser proposta2. A norma trata do que Carnelucci3 elencou como espécie de foro pessoal, porquanto tem como elemento definidor o lugar onde as partes se encontram, no caso o foro de domicílio do réu, podendo ser demandado em qualquer um deles segundo a exegese do parágrafo primeiro que confere este direito potestativo ao autor da ação. Ressalta-se que o conceito de domicílio a que o artigo se remete é aquele previsto na parte geral do Código Civil que consiste no lugar onde a pessoa natural estabelece a sua residência com ânimo definitivo, sendo integrado por um elemento objetivo (residência) e outro subjetivo (ânimo de se estabelecer permanentemente em determinado local), ou ainda poderá ser estabelecido por lei (domicílio necessário) conforme condições especiais atribuídas a determinadas pessoas como os incapazes e os militares. Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, aplica-se a regra subsidiária do parágrafo segundo, que autoriza a propositura da ação onde o réu for encontrado ou no foro de domicílio do autor. Supletivamente, caso o réu não tenha domicílio ou residência no Brasil, propõe-se a ação também no foro de domicílio do autor, e, se este residir fora do Brasil ocorre a hipótese de livre escolha do foro (art. 46, §3º). O direito potestativo do autor de escolher o foro onde será proposta a ação também se aplica na hipótese do parágrafo quarto, quando há uma pluralidade de réus com domicílios situados em foros diferentes. Ainda, a competência para julgar a ação em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis é de natureza relativa, visto que pode ser objeto de convenção entre as partes. Inovação significativa foi a inclusão do parágrafo quinto, dispondo que: "a execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado". No Código anterior o seu conteúdo estava previsto de forma autônoma no art. 578 na parte referente às execuções fiscais e com redação diferenciada: "a execução fiscal (art. 585, Vl) será proposta no foro do domicílio do réu; se não o tiver, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado". A partir da mudança de redação poder-se-ia inferir que a União estaria autorizada a decidir livremente entre os três foros descritos no parágrafo: domicílio do réu, sua residência ou lugar onde for encontrado, sem a ordem de preferência que era expressa na redação antiga, posição adotada pela doutrina majoritária. Entretanto, o Código de Processo Civil deve ser analisado em consonância com o art. 109, §1º, da Constituição Federal, que afirma que a União proporá a demanda no foro de domicílio do réu. Logo, interpretação sistemática do dispositivo aponta para a manutenção da ordem de preferência pelo domicílio do réu. Nessa linha, registra-se que o conteúdo do parágrafo único do art. 578 foi suprimido, extinguindo hipóteses de foro para ajuizamento da execução "no foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar". Dessa forma, observa-se que o artigo 46 consagrou, como regra geral de competência, o foro do domicílio do réu. De outra parte, em se tratando de ações que disser respeito a direito real sobre imóvel o diploma processual adotou uma regra especial de competência que decorre do Direito Romano, denominada forum rei sita. O caput do artigo 47 do Código de Processo Civil, nesse sentido, estabeleceu que "para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa". Das lições de Arruda Alvim4 depreende-se que esta opção do legislador se justifica em face da "necessidade que tem o juízo de ficar mais próximo do bem imóvel, sobre o qual versa o litígio, para se realizarem rápida, eficaz e economicamente as diligências necessárias. Busca-se, desse modo, benefício para a atividade processual e para o resultado do processo". Porém, tal regra de competência comporta exceções. O artigo 47, parágrafo primeiro estabeleceu o foro especial para o autor, opondo a regra geral do Código de Processo Civil relativa ao domicílio do réu, quando assegurou que "o autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova". Esse enunciado normativo demonstrou que a aproximação entre o imóvel e o juízo não é uma medida imprescindível para o ajuizamento e processamento da ação, dado que as ações imobiliárias podem ser propostas em foro distinto do local em que está situada a coisa, desde que não recaia sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova. Além disso, mostrou ser concedida uma vantagem especial ao autor na medida em que, no ato da propositura da ação, há a ampliação da quantidade de foros competentes e a possibilidade de eleição de foro, manifestando a prevalência da vontade do autor. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça5 firmou posicionamento no sentido de que "quando, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão ou demarcação de terras e nunciação de obra nova, ele acabou por estabelecer outro critério de fixação de competência para as ações que versem sobre determinados direitos reais, os quais foram especificamente mencionados na norma". Desse modo, havendo a infringência do disposto no artigo 47, caput e a primeira parte do parágrafo primeiro, ou seja, nas situações em que não há vedação, não há a declaração de incompetência relativa ou absoluta, visto que as previsões relativas ao foro especial de competência introduzem as competências concorrentes e não acarretam qualquer dano ao processamento e julgamento da ação. Nas ações imobiliárias envolvendo direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova, a proximidade é indispensável, exigindo-se o ajuizamento no foro cujo imóvel está situado. Nesse aspecto do artigo 47, há uma ampla divergência doutrinária quanto ao critério de definição de competência adotado pelo legislador. Na compreensão de Marinoni6 e Nery Junior7 se trataria de natureza funcional, uma vez estabelecida em virtude da função do magistrado, que melhor seria desempenhada em razão de estar no local em que situado o imóvel. Enquanto que para Dinamarco8 a competência seria em razão da matéria. O Superior Tribunal de Justiça9 superou este debate doutrinário ao afirmar que "independentemente da posição que se adote, tanto a competência fixada ratione materiae como a funcional não admitem modificação, derrogação ou prorrogação, pois é absoluta. A conclusão a que se chega, a partir da exegese da norma do art. 95 do CPC/73 (art. 47 doCPC/15), portanto, é a de que, na hipótese de o litígio versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na comarca em que situado o bem imóvel, porque a competência é absoluta". Esse julgado deu ensejo ao Informativo nº 543 para esclarecer que nas ações fundadas em direito real sobre imóveis há um "critério territorial de fixação de competência que apresenta características híbridas, uma vez que, em regra, tem viés relativo e, nas hipóteses expressamente delineadas no referido dispositivo, possui viés absoluto". Havendo o ajuizamento de demanda que envolva o direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova em um juízo diverso daquele do local em que está situado o imóvel não há prorrogação, modificação ou derrogação de competência, tendo em vista que se trata de competência de natureza absoluta, independentemente de ser de natureza material ou funcional. Caso tal vício não seja corrigido durante o processamento do feito e não haja o envio dos autos para o foro competente, a sentença transitada em julgado poderá ser objeto de ação rescisória, conforme estabelece o artigo 966, inciso II do CPC10. Já nos demais casos, a competência é relativa, admitindo-se derrogação, por vontade das partes ou prorrogação, bem como podendo ser modificada em razão da conexão ou continência. O artigo 47 do novo Código corresponde ao artigo 95 do antigo diploma. O conteúdo normativo do dispositivo reiterou as regras processuais revogadas, inovando tão somente no parágrafo segundo, que diz respeito às ações possessórias nos seguintes termos: "a ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta". O novo tratamento revela a opção do legislador em não incluir a posse no rol das ações envolvendo os direitos reais. De toda sorte, o novo Código de Processo Civil não promoveu grandes alterações quanto à definição da regra geral de competência para o ajuizamento das ações - no foro do domicílio do réu - e no que toca à regra especial para as ações fundadas em direito real sobre bens imóveis - foro onde está situada a coisa. Para o autor da ação, manteve-se uma maior gama de opções para a propositura do feito, qual seja: foro do domicílio do réu, foro onde está situada a coisa, domicílio do autor e foro de eleição, quando não se tratar de direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova. __________ 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 156 e 159. 2 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 125 3  CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil, Volume I. Campinas: Servanda, 1999.p. 275. 4 ARRUDA ALVIM, Teresa. Manual de Direito de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 17ª edição. Revista dos Tribunais. 5 CC 111.572/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 15/04/2014). 6 MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento - V. II, 6ª Ed., São Paulo: RT, 2007, p. 43 7 Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 9ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 304 8 Instituições de Direito Processual Civil, v. I, 2ªed., São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 437-440 9 CC 111.572/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 15/04/2014. 10 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente.
A Constituição definiu a competência da Justiça Federal em seu artigo 109. Além dessa previsão geral estabelecida na Carta Constitucional, o Código de Processo Civil delineou as hipóteses em que haverá modificação de competência em razão do ingresso de pessoa jurídica de direito público federal no processo. O caput do artigo 45 do diploma processual estabelece o seguinte: "tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente (...)". O dispositivo aborda a hipótese em que pessoa jurídica de direito público federal atua como interveniente no processo, provocando, por conseguinte, a alteração da competência originalmente instituída, em razão da existência de interesse da União, suas empresas públicas, autarquias e fundações no processo. Essa intervenção pode se dar tanto por meio da assistência como da chamada intervenção anômala, prevista no artigo 5º da Lei n. 9.469/1997. Segundo o citado dispositivo, "a União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais". Acrescenta seu parágrafo único que essas pessoas jurídicas de direito público poderão intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica. Não obstante a previsão do parágrafo único quanto à possibilidade de intervenção das pessoas jurídicas de direito público federal ainda que não haja interesse jurídico, mas apenas reflexos econômicos, a jurisprudência do STJ1 é no sentido de que não havendo interesse jurídico, a pessoa jurídica de direito público federal poderá intervir no feito, contudo não será causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Assim, o deslocamento da competência exige que o ingresso se dê por meio de assistência ou de informação anômala, devendo-se demonstrar a existência de interesse jurídico no caso concreto. As exceções à regra apresentada no caput do artigo 45 do CPC encontram-se em seus incisos. Não haverá deslocamento de competência ao juízo federal nas ações (i) de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho e (ii) sujeitas à justiça eleitoral e à Justiça do trabalho. O dispositivo reiterou a previsão constitucional quanto às causas em que, por se tratar de competência determinada em razão da matéria, não haverá remessa dos autos para a Justiça Federal. O art. 109, I da CF excepcionou as causas "de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho". Veja-se que o CPC acrescentou, também, as causas de recuperação judicial e de insolvência civil. Embora numa primeira leitura possa parecer tratar-se de uma ampliação inconstitucional da competência da Justiça Federal, posto que lei ordinária não poderia ampliar referida competência, disso não se trata. Como é cediço, a competência da Justiça Estadual é residual, compreendendo tudo aquilo que não tiver sido incluído pelo legislador constituinte na competência de outros órgãos. Assim, como a recuperação judicial pode ser convolada em falência, assim como pode o devedor, no procedimento para a declaração de falência, pleitear a sua recuperação judicial, o legislador ordinário tão somente explicitou a indissolubilidade do vínculo entre os institutos, assim como o da insolvência civil, deixando nítida a competência da Justiça Estadual para o processamento dessas ações. Os parágrafos primeiro e segundo do artigo 45 do CPC tratam da hipótese em que a pessoa jurídica de direito público federal intervém no feito quando há cumulação de pedidos e um ou mais deles é de competência da Justiça Federal. O parágrafo primeiro dispõe que "os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação". Já o parágrafo segundo estabelece que, nesse caso, "o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas". Veja-se que a existência de cumulação de pedidos em que ao menos um deles seja de competência da Justiça Federal não é causa hábil a deslocar o processo. Bem assim, o juiz originário da causa não poderá apreciar o(s) referido(s) pedido(s) sob pena de invadir a competência absoluta da Justiça Federal. Todavia, o legislador não estabeleceu qual a sorte dos pedidos de competência da justiça federal. Assevera Ronaldo Cramer que, no seu entendimento, "essa ação deve ser desmembrada, para que seja remetida cópia dos autos ao juízo federal, a fim de julgar o pedido em que a pessoa jurídica de direito público federal tem interesse. O processo em si deverá ficar no juízo originário, para apreciação do outro ou dos demais pedidos. Esse desmembramento é idêntico ao que se dá na ação com litisconsórcio multitudinário (§1º do art. 113)"2. O parágrafo terceiro do dispositivo em comento estipula que "o juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo". O Superior Tribunal de Justiça já se debruçou diversas vezes sobre o assunto, sendo a matéria objeto de súmulas dessa Corte, com a súmula 150, que dispõe que "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". Desse entendimento decorre que "excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito" (Súmula 224 do STJ). Por fim: "a decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual (Súmula 254 do STJ). A convergência da histórica jurisprudência do STJ com o dispositivo legal justifica-se por se tratar de competência absoluta em razão da pessoa. Ora, como somente o juízo competente poderá deliberar a respeito das questões em que esteja envolvida a pessoa jurídica de direito público federal, é dele a competência absoluta exclusiva para decidir se existe ou não o interesse jurídico invocado como base para que a pessoa participe do processo. Deliberando pela inexistência de tal interesse jurídico deve, logicamente, devolver os autos ao juízo estadual, que será o competente para apreciar o feito, uma vez que inexiste interesse de pessoa jurídica de direito público federal no caso. __________ 1 Nesse sentido, o REsp 574.697/RS, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turm, DJ 06/03/2006. 2 CRAMER, Ronaldo. In: STRECK, Lênio et al. (orgs.) Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 113.
Embora a jurisdição seja una, esta é regida por normas de competência que definem a abrangência e os limites da atividade jurisdicional. É por meio dessa organização interna que é possível racionalizar e otimizar a atividade precípua do Poder Judiciário, qual seja a solução dos conflitos no caso concreto. Daí a relevância das regras que regem a competência no direito brasileiro. A matéria encontra-se regulamentada pelo Código de Processo Civil em seu Título III: "Da competência interna". Consoante dispõe o artigo 42 do diploma, "as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei". Destaque-se que o código tratou expressamente da arbitragem em um dispositivo cujo objeto é a atividade jurisdicional. Em consonância com o estabelecido no §1º do artigo 3º do diploma, o artigo ora em comento confere destaque à arbitragem como forma de composição de conflitos. "A arbitragem é regulamentada pela lei 9.307 e o tratamento a ela dispensado no CPC/2015 reforça a posição doutrinariamente majoritária - mas não unânime - de que, mais do que um equivalente jurisdicional, consiste ela no exercício, por particulares, da própria atividade jurisdicional1". O Código de 1973 fazia referência à faculdade de instituir juízo arbitral, enquanto a redação atual se refere ao direito de fazê-lo. De fato, andou bem a alteração, uma vez que a faculdade trata de uma liberdade de agir sem que haja, do outro lado da relação jurídica, um sujeito ao qual se impõe um dever. Já o direito implica uma relação dúplice em que um sujeito tem um interesse legítimo que sujeita um dever de prestação ou de obediência de outrem. "Instituída pela vontade dos litigantes, a arbitragem, não só um pode exigir do outro o cumprimento do dever de se submeter à via arbitral, como o Poder Judiciário tem o dever de se abster de prestar a tutela jurisdicional, a menos que os litigantes renunciem, expressa ou tacitamente ao direito de ter o conflito composto por um juízo arbitral2". O artigo 43 do Código de 2015 versa sobre a fixação do juízo competente, definindo que: "Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta". Seguindo a mesma linha do diploma anterior, o CPC atual consagrou a regra da perpetuatio jurisdictionis, segundo a qual "a fixação da competência ocorre no momento da propositura da ação, não se alterando por modificações subjetivas (quanto às partes) e objetivas (quanto à causa de pedir e o pedido) do processo. Trata-se de princípio que decorre diretamente da segurança jurídica, pois, do contrário, o exercício da jurisdição ficaria subordinado à imutabilidade de determinadas situações de fato (domicílio das partes, por exemplo) com interferências indesejadas ao trâmite do processo3". O dispositivo elenca exceções à regra da perpetuatio jurisdictionis. A primeira delas ocorre nas hipóteses em que há supressão do órgão judiciário. Trata-se de exceção lógica, tendo em vista versar sobre a impossibilidade prática de perpetuação da competência, já que houve extinção da vara em que tramitava o processo. A segunda exceção é a alteração de competência absoluta. Desta feita, havendo alteração na competência sob o critério material ou funcional esta poderá ser modificada. Trata-se, por exemplo, de criação de vara especializada em determinada matéria, o que atrai a competência dos respectivos processos que tramitem ou que vierem a ser ajuizados sobre o tema naquela comarca. Outro exemplo é a instituição da vara federal em comarca a qual passará a ser competente para o processamento e julgamento dos feitos que envolvam a União ou outros entes de personalidade jurídica federal. Do dispositivo se abstrai, a contrario sensu, que a modificação posterior da regra de competência relativa ou de situações de fato, como a mudança de domicílio ou do valor da causa, não tem o condão de alterar a competência do foro e deslocar o processo já em tramitação. Em relação ao diploma anterior, o artigo 87 do CPC/1973 dispunha que a competência era determinada no momento da propositura da ação, enquanto a redação atual dispõe que a fixação da competência dar-se-á no momento do registro ou da distribuição da petição inicial. A redação do Codex anterior deixava margem para interpretações diversas, tendo em vista a abertura da expressão "momento da propositura da ação". Assim, o texto atual é mais específico e exato, definindo a fixação da competência quando do registro da inicial, o que ocorre nos casos de foro de juiz único, ou no momento de sua distribuição, o que se dá em foros com mais de um juiz. Além das regras previstas pelo próprio CPC, a competência poderá ser definida por meio de outros instrumentos normativos, consoante inteligência do artigo 44, in verbis: "Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados". Note-se que, respeitadas as delimitações constitucionais para o exercício da atividade jurisdicional para cada órgão, o enunciado do referido dispositivo não estabeleceu uma ordem de prevalência entre as demais fontes normativas. Nesse sentido, é o enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "O art. 44 não estabelece uma ordem de prevalência, mas apenas elenca as fontes normativas sobre competência, devendo ser observado o art. 125, §1º da CF/19884". Dessa forma, os dispositivos ora comentados delineiam as disposições gerais a respeito das normas de competência interna, notadamente quanto à sua fixação e suas fontes normativas. A matéria vem regulamentada em sessão específica do diploma processual, cujos demais dispositivos serão objeto de análise nos próximos artigos. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 153. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 153. 3 ALVIM, Angélica Arruda; et al. Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 99. 4 Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
A instituição de mecanismos de acesso à justiça, o aumento da litigiosidade e a busca por maior celeridade no julgamento de processos provocou modificações no ordenamento jurídico capazes de dar respostas às demandas de celeridade e segurança jurídica nos julgamentos. Uma das respostas foi a implementação da sistemática de recursos repetitivos, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, por meio da lei 11.418/2006. Essa lei inseriu o artigo 543-B no CPC, passando a regulamentar o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, foi promulgada a lei 11.672/2008, que ficou conhecida como a Lei dos Recursos Repetitivos, estabelecendo a referida sistemática no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Além de evitar a interposição de recursos sobre as questões já decididas, a sistemática de julgamento dos recursos repetitivos tem reflexos importantes na redução do acúmulo de ações e do tempo de tramitação dos feitos nas instâncias ordinárias, especialmente a partir da edição do Código de Processo Civil de 2015, que fortaleceu o papel dos precedentes. O novo CPC representou um marco na instituição de um sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro. O novo diploma, inserido numa tendência global de aproximação entre os modelos da Civil Law e da Common Law, ampliou significativamente a observância dos juízes e tribunais brasileiros aos precedentes e enunciados de força vinculante. A relevância dos precedentes fica evidente no artigo 927 do CPC ao determinar que os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente. Como uma das formas de garantir essa unificação, o CPC estabeleceu uma nova sistemática de julgamento de recursos repetitivos. Assim, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, serão escolhidos por amostragem recursos representativos da controvérsia a fim de que sejam julgados, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça visando à unificação da jurisprudência na questão objeto da discussão (art. 1.036, CPC). A primeira etapa dessa sistemática de julgamento consiste na seleção de dois ou mais recursos que melhor representem a controvérsia pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de origem. Este também determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 1.036 do CPC. A exceção ao sobrestamento dos processos que versem sobre a mesma matéria se dará nos casos em que o recurso houver sido interposto intempestivamente, ocasião em que o interessado poderá requerer sua inadmissão no prazo de cinco dias. O relator, no tribunal superior, também poderá selecionar dois ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. "Pontue-se que a ampliação objetiva do número de recursos auxilia no cumprimento do disposto do art. 489, §1º, IV, que determina que, no julgamento, deverá ocorrer o enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Se em julgamento de litígios individuais esta já é uma obrigação essencial, nos julgamentos repetitivos ela se torna ainda mais relevante. Em assim sendo, se evitará o atual julgamento de macro lides em fatias, que promove a instabilidade decisória e a superficialidade dos julgados1". A segunda etapa da sistemática de julgamento em bloco perfaz-se na decisão de afetação prevista no artigo 1.037 do CPC. O dispositivo assenta que, selecionados os recursos, o relator no tribunal superior deverá proferir decisão de afetação a qual deverá (i) a identificar precisamente a questão a ser submetida a julgamento, (ii) determinar a suspensão do processamento de todos os processos pendentes que versem sobre a questão e (iii) poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia. Se por alguma razão o ministro relator rejeitar a afetação, a decisão deverá ser comunicada ao tribunal de origem, para que se revogue a suspensão dos processos que discutam idêntica questão de direito. Consoante dispõe o parágrafo 4º do art. 1.037 do CPC, os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de um ano e terão preferência sobre os demais feitos, à exceção dos habeas corpus e dos pleitos que envolvam réu preso. Promovida a suspensão do feito pela afetação, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo demonstrando haver distinção entre a questão a ser decidida no seu caso e aquela a ser julgada no recurso afetado. Caberá à parte o ônus argumentativo de demonstrar que seu caso guarda peculiaridades que o distinguem da questão afetada. Esse aspecto amplia a responsabilidade do relator, tornado absolutamente necessário o respeito ao comando do artigo 489, §1º do CPC em sua integralidade, indicando com precisão na decisão de afetação quais os argumentos serão discutidos pelo colegiado. A competência para apreciar o requerimento do distinguishing dependerá do local e do estágio de tramitação do processo. Será dirigido ao juiz, se o processo sobrestado estiver tramitando em primeiro grau; ao relator de recurso ordinário ou procedimento em trâmite no tribunal de segundo grau, se o processo sobrestado estiver no tribunal de justiça; ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado, no tribunal de origem, recurso especial ou extraordinário; e finalmente ao relator do recurso especial ou extraordinário, no tribunal superior, cujo processamento estiver sido sobrestado. A sistemática estabelecida antes do CPC de 2015 foi alvo de críticas em razão do déficit enfrentado para a seleção da causa representativa da controvérsia e no uso de seus padrões decisórios pela ausência de possibilidade adequada das partes demonstrarem que seu caso apresenta distinção, bem como para a definição das razões determinantes. O novo CPC buscou aperfeiçoar o procedimento de formação de precedentes, de modo que na própria decisão de afetação ou em sua sequência o relator poderá requisitar informações aos tribunais inferiores acerca da controvérsia no prazo de quinze dias. O relator também poderá solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria, nos termos do que aduz o artigo 1.038, inciso I do CPC. O dispositivo, em seu inciso II, também prevê a possibilidade de realização de audiência pública para que sejam ouvidos depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria discutida, para melhor instruir o procedimento. "A manifestação do amicus curiae soma-se às demais possuindo a finalidade de ampliação discursiva dos fundamentos a serem levados em consideração pelo tribunal superior ao julgar e fundamentar os recursos representativos da controvérsia2". O julgamento do caso terá preferência sobre os demais feitos, excepcionando-se os casos de réu preso ou habeas corpus e o acórdão deverá abordar a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida. Nos termos do artigo 1.039, decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. O artigo 1.040 explicita os efeitos do julgamento dos recursos repetitivos. Nos casos em que o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior, será negado seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, pendentes de juízo de admissibilidade. Já nos casos em que o processo suspenso tenha sido decidido diversamente da orientação dos tribunais superiores, será determinada a adequação da decisão. Caso os processos tenham sido suspensos em primeira ou segunda instância, retomarão seu curso para serem julgados em consonância com a tese firmada pelo tribunal superior. Importante destacar que o magistrado ainda pode valer-se da técnica da ressalva de entendimento para decidir diversamente do tribunal, uma vez percebido que este deixou de levar em consideração fundamento relevante. Nesse sentido, Dierle Nunes pondera que "o novo CPC estabelece a necessidade de os juízes seguirem alguns dos entendimentos dos tribunais superiores, mas tal aplicação não pode se dar de modo mecânico (...). Sendo o juiz um dos sujeitos do contraditório, ele também deve poder auxiliar na formação dos precedentes, seja concordando com sua aplicação, seja apresentando contrapontos para que o Tribunal leve em consideração novos argumentos, mesmo que seja instado a aplicar o padrão decisório das Cortes Superiores3". Diversamente da regra geral adotada pelo CPC, a desistência de ação que tratar de matéria já decidida em sede de recurso repetitivo não dependerá de consentimento do réu, ainda que já tenha sido apresentada contestação e poderá ocorrer até a prolação da sentença. Caso a desistência ocorra antes da contestação, a parte autora ficará dispensada do pagamento das custas e dos honorários de sucumbência. Na hipótese de o tribunal de origem manter o acórdão divergente, com a devida fundamentação das razões de distinção, em conformidade com o §1º do artigo 1.036, deverá este remeter o recurso especial ou extraordinário ao respectivo tribunal superior (artigo 1.041, caput). Uma vez proferido o juízo de retratação, com modificação do acórdão divergente, o tribunal de origem decidirá, se houver, as demais questões pendentes, cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração. Essa hipótese ocorrerá em todos os casos em que a modificação da decisão se der em matéria prejudicial para outras ainda não enfrentadas pelo TJ ou TRF. Dessa nova decisão poderá caber novo recurso extraordinário ou especial das matérias ainda não analisadas pelo tribunal superior. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu 1.018 (mil e dezoito) temas repetitivos4 em que há determinação de suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão afetada. Um desses casos foi o julgamento do tema 990, em que se discutia a obrigatoriedade dos planos de saúde de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA5. O Tribunal procedeu à afetação do recurso à sistemática do julgamento repetitivo e, no mérito, concluiu pela legitimidade da recusa das operadoras de planos de saúde em custear medicamento importado, não nacionalizado, sem o devido registro pela ANVISA. O STJ firmou o entendimento no sentido de que "a determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei; e, É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico o cirúrgico experimental". Em outro caso, também sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, o STJ julgou controvérsia a respeito da competência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT para promover autuações e aplicar sanções em face do descumprimento de normas de trânsito praticadas em rodovias e estradas federais, como por excesso de velocidade6. O Tribunal consignou que o Código de Trânsito Brasileiro, a par de atribuir à Polícia Rodoviária Federal a competência para aplicar e arrecadar multas por infrações de trânsito, no âmbito das rodovias e estradas federais, confere aos órgãos executivos rodoviários da União a competência para executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar. Inconteste, assim, a competência do DNIT para executar a fiscalização do trânsito, por força da referida autorização legislativa, que expressamente outorgou, à autarquia, a competência para exercer, na sua esfera de atuação - vale dizer, nas rodovias federais -, diretamente ou mediante convênio, as atribuições expressas no art. 21 do Código de Trânsito Brasileiro. No tocante à utilização da sistemática por parte do STF, embora haja expressa previsão legal, como visto, a aplicação pela Corte do regime de repercussão geral acaba por afastar a aplicação dos repetitivos. Isso porque o artigo 1.036 do CPC exige a multiplicidade de recursos e, uma vez apreciado um recurso extraordinário pelo STF - seja para reconhecer ou para negar-lhe repercussão geral - essa decisão se aplicaria aos demais casos idênticos. Desse modo, inexistiriam múltiplos recursos capazes de permitir a aplicação da sistemática dos recursos repetitivos, sendo esta, na prática, não utilizada pelo Tribunal. A despeito das peculiaridades de aplicação nos tribunais, é inegável que os recursos afetados tratam de temas discutidos em milhares de processos replicados em todo o país. A sistemática de recursos repetitivos permite que o Poder Judiciário unifique sua jurisprudência, assegurando maior segurança jurídica aos jurisdicionados. Além disso, otimiza a atuação jurisdicional, possibilitando que os magistrados possam despender mais tempo com casos novos ou de complexidade ímpar, uma vez que os casos repetitivos já foram decididos pelos tribunais superiores. __________ 1 NUNES, Dierle. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2324. 2 NUNES, Dierle. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, P. 2333. 3 NUNES, Dierle. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2338. 4 Segundo dados fornecidos no sítio eletrônico do Tribunal. 5 REsp 1712163 / SP. Publicação no DJe: 26/11/2018. 6 REsp 1588969. Publicação no DJe: 11/04/2018.
quinta-feira, 18 de julho de 2019

Art. 36 do CPC - Carta rogatória

Entre os mecanismos de cooperação jurídica internacional, encontra-se a carta rogatória. O instrumento é regulamentado pelo artigo 36 do Código de Processo Civil, cujo caput estabelece que "o procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal". A primeira observação pertinente em relação ao dispositivo é que este atualiza a redação do artigo 2111, correspondente no Código de 1973, que atribuía a competência do exequatur de carta rogatória ao Supremo Tribunal Federal, em conformidade com a então vigente Constituição de 1967, competência também mantida na redação original da Constituição de 1988. Porém, a Emenda Constitucional 45/2004 modificou a competência do exequatur de carta rogatória e de homologação de sentença estrangeira para o Superior Tribunal de Justiça. Posteriormente, o procedimento foi regulamentado pela Emenda Regimental nº 18 de 2014, que alterou o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ). O dispositivo estabelece expressamente a natureza de jurisdição contenciosa do procedimento de exequibilidade das cartas rogatória em território brasileiro. Isso implica em dizer que os atos processuais que transcendam as fronteiras nacionais e tenham o condão de afetar direitos e garantias de jurisdicionados residentes e domiciliados no Brasil, deverão ser submetidos ao crivo das autoridades judiciárias. Assim, "independentemente do regime a que se submetem as cartas rogatórias nas esferas de cooperação jurídica (multilateral, bilateral ou via diplomática, por reciprocidade), o procedimento de exequatur, no Brasil, está automaticamente vinculado à observância de um contencioso e de garantias do devido processo legal2". Esse procedimento, no entanto, é limitado, cabendo à autoridade judicial tão somente um juízo de delibação quanto à carta rogatória. "Isso porque uma parte citada, intimada ou notificada no Brasil, por exemplo, somente poderia questionar a ausência de requisitos formais ou pressupostos para a concessão de exequatur da carta rogatória3". É o que depreende da leitura do parágrafo primeiro do dispositivo em comento, segundo o qual "a defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil". O Regimento Interno do STJ disciplina esses pressupostos formais ao prever, em seu artigo 216-Q, §2º, que a defesa somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da decisão e a observância dos requisitos previstos no próprio Regimento. Segundo leciona Teresa Arruda Wambier, "quanto aos requisitos à admissão do cumprimento da carta rogatória, podem ser classificados como de três ordens: I) os relativos à própria composição da carta, em termos formais, quanto aos dados e peças necessários, sua tradução e autenticação; II) os relativos à decisão estrangeira originária no contexto do processo em que proferida, seja no tocante à eficácia daquela, seja no que diz respeito à observância de certas garantias processuais fundamentais; e III) os referentes ao confronto entre o ato a ser praticado e o ordenamento jurídico brasileiro4". O Código não definiu expressamente as peças e informações necessárias para os pedidos de carta rogatória, que dependerão da natureza do ato a ser praticado e da previsão em tratados de que o Brasil seja signatário, o mesmo se aplica à tradução e autenticação das peças. Ainda no tocante aos requisitos para o exequatur da carta rogatória, o CPC/2015 trouxe expressamente a aplicabilidade dos requisitos para a homologação de sentença estrangeira, elencados no art. 963 no que for cabível. Assim, a decisão a ser cumprida via carta rogatória no Brasil deve (i) ser proferida por autoridade competente; (ii) ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; (iii) ser eficaz no país em que foi proferida; (iv) não ofender a coisa julgada brasileira; (v) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; (vi) não conter manifesta ofensa à ordem pública. Também se aplica o disposto no artigo 962, §2º do CPC, segundo o qual "a medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior". O art. 17 da LINDB nega efetividade às decisões de país estrangeiro que ofenderem "a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes". Na mesma linha, o art. 216-P do RISTJ dispõe que "Não será concedido exequatur à carta rogatória que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública". A parte requerida terá o prazo de 15 (quinze) dias para impugnar o pedido de concessão do exequatur, conforme previsão do artigo 216-Q, caput, do RISTJ. O dispositivo ainda prevê a possibilidade de realização da medida requerida via carta rogatória sem a oitiva da parte requerida quando sua intimação prévia puder resultar na ineficiência da cooperação internacional (art. 216-Q, §1º). Em sendo, a parte requerida, revel ou incapaz, a esta será nomeado curador especial. Além disso, o Ministério Público atuará no procedimento, tendo vista dos autos e podendo impugnar o pedido de concessão do exequatur. Por fim, o parágrafo segundo do artigo 36 do CPC veda, em qualquer hipótese, a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira. Embora se saiba que no juízo de delibação realizado há, em certa medida, uma apreciação crítica do conteúdo da decisão judicial a ser cumprida, o que pretende o dispositivo é "impedir que a autoridade judiciária brasileira de alguma forma profira uma nova decisão, reapreciando esse mérito de modo a compatibilizá-lo com a ordem pública nacional. Assim sendo, se do juízo de delibação resultar conclusão no sentido da incompatibilidade, caberá ao STJ simplesmente negar o exequatur e restituir a carta rogatória sem cumprimento5". Concedido o exequatur, será competente para executar o ato o juízo federal da respectiva localidade, independentemente da natureza da providência a ser tomada: executória, instrutória ou de mera comunicação, como citações e intimações. O STJ, ao apreciar agravo regimental em carta rogatória6 que discutia suposta dívida de empresa brasileira no exterior, decidiu que a tramitação da carta pela via diplomática confere aos documentos e à tradução feita no exterior a indispensável autenticidade. Bem assim, consignou que a questão referente à ausência de documento que comprove a existência do débito objeto de cobrança deverá ser apresentada à Justiça estrangeira, pois, na concessão do exequatur, o Tribunal exerceria juízo meramente delibatório, não lhe cabendo examinar o mérito da causa ajuizada no exterior. Desta feita, negou provimento ao agravo, para manter decisão que concedeu o exequatur da carta rogatória. __________ 1 Art. 211 - A concessão de exequibilidade às cartas rogatórias das justiças estrangeiras obedecerá ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 2 POLIDO, Fabrício B. P. Direito processual internacional e o contencioso internacional privado. Curitiba: Juruá, 2013, p. 69. 3 STRECK, Lênio Luiz, et al (Org.) Comentários ao Código de Processo Civil, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 103. 4 PESSOA, Fábio Guidi Tabosa. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 142. 5 PESSOA, Fábio Guidi Tabosa. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 144-145. 6 AgRg na CR 3930. DJe 04/02/2010. Relator: Min. Cesar Asfor Rocha.
A cooperação internacional, conforme abordado no artigo anterior, é um instrumento que permite, de forma mais célere e menos burocratizada, a realização de um ato requerido por autoridade estrangeira, no território de outro Estado soberano. O instituto é cabível quando a medida solicitada não decorre de decisão judicial estrangeira, ocasião em que a solicitação deverá ser cumprida por meio de carta rogatória. Vimos que além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faça parte, o auxílio direto pode ter como objeto a obtenção de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos que tramitem em outro país, a colheita de provas bem como outras medidas judiciais ou extrajudiciais não proibidas pela legislação brasileira. Dando prosseguimento à análise do instituto do auxílio direto na cooperação internacional, o artigo 32 do Código de Processo Civil estabelece que "no caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento". O referido dispositivo abrange apenas os pedidos de auxílio direto que tratem de atos de natureza administrativa. Embora seja possível o auxílio direto envolvendo atos de natureza jurisdicional, este somente ocorrerá quando se tratar de ação judicial a ser ajuizada no Brasil e integralmente processada e julgada por juiz nacional. Dessa forma, recebida uma solicitação de auxílio direto, a autoridade central deverá adotar as providências necessária para o seu cumprimento, como por exemplo entrando em contato com entes públicos para a busca de informações solicitadas; prestando, direta ou indiretamente, informações a respeito do direito brasileiro; promovendo a notificação extrajudicial de cidadãos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil; promovendo a transmissão de documentos etc. O artigo 33 do Diploma Processual, por sua vez, trata das providências a serem tomadas pela autoridade central brasileira no caso de pedido de auxílio direto envolvendo atos de natureza jurisdicional. O dispositivo disciplina que "recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada". Na hipótese em questão há interesse de Estado estrangeiro em que seja ajuizada demanda judicial no Brasil. Essa demanda será processada e julgada por juiz brasileiro sem qualquer interferência da jurisdição alienígena. Assim, o que difere o caso de outro processo qualquer em trâmite no Judiciário brasileiro é o fato de que a demanda diz respeito a interesse de Estado estrangeiro ou de cidadão residente no exterior. O auxílio direto, nesses casos, visa a facilitar a consecução de interesse de cidadão estrangeiro ou residente no exterior que, caso contrário, poderia ver-se impedido de perseguir determinado direito, tendo em vista a dificuldade muitas vezes encontrada para contratar advogado brasileiro para representá-lo em juízo no país. Em se tratando de ato de natureza judicial, a autoridade central deve encaminhar o pedido à Advocacia Geral da União, que possui capacidade postulatória para tanto. Alguns tratados internacionais preveem como autoridade central para receber os pedidos de auxílio direto o Ministério Público Federal. Nesses casos, o próprio Parquet, também dotado de capacidade postulatória, ajuizará a demanda judicial, sem necessidade de remessa à AGU. A competência para o processamento e julgamento dessa ação será da Justiça Federal do lugar em que deva ser executada a medida, nos termos em que preleciona o artigo 34 do CPC. A definição da regra de competência em comento se justifica pelo fato de que figura como parte da ação a União (representada pela AGU) ou o Ministério Público Federal, o que atrai a competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109 da Constituição. Além disso, a medida solicitada também pode buscar o cumprimento de tratado internacional do qual o Brasil é signatário, o que também atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Um tema em torno do qual há certa divergência diz respeito à possibilidade de autoridade estrangeira requerente participar dos atos processuais de auxílio direto realizados no Brasil. Em caso relevante julgado pelo Supremo Tribunal Federal, as autoridades suíças requereram, por meio de auxílio direto, a participação na audiência de interrogatório do réu que se realizaria na Justiça Federal do Rio de Janeiro. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região havia autorizado a participação direta das autoridades suíças no ato. Em sede de reclamação ajuizada no Superior Tribunal de Justiça, a Corte Especial decidiu pela legalidade da participação das autoridades suíças na referida audiência. Impetrado habeas corpus perante o STF, a Primeira Turma decidiu que "a prática de atos decorrentes de pronunciamento de autoridade judicial estrangeira, em território nacional, objetivando o combate ao crime, pressupõe carta rogatória a ser submetida, sob o ângulo da execução, ao crivo do Superior Tribunal de Justiça, não cabendo potencializar a cooperação internacional a ponto de colocar em segundo plano formalidade essencial à valia dos atos a serem realizados1". Dessa forma, o Tribunal concluiu pela impossibilidade, no âmbito do auxílio direto, da ampla participação de autoridades estrangeiras em atos envolvendo prestação jurisdicional, o que apenas teria cabimento em se tratando de carta rogatória. O tema também é controvertido na doutrina brasileira, dividindo os autores no tocante à possibilidade de participação das autoridades estrangeiras em atos judiciais fruto de pedido de auxílio direto por autoridade brasileira. Importante que faça a distinção entre participação ativa da autoridade estrangeira e de mera presença dessa autoridade. Em nosso sentir, não deve haver óbice à presença do ente estrangeiro requerente do auxílio, até mesmo porque os atos judiciais são públicos e poderiam ser acompanhados por qualquer cidadão. Situação diversa seria permitir que autoridades estrangeiras conduzissem os atos, pudessem elaborar questionamentos ou participar ativamente do ato, por qualquer meio. Isso significaria produção em território nacional de atos jurídicos conduzidos por estrangeiro, sem a devida concessão do exequatur por parte do Superior Tribunal de Justiça, o que feriria o ordenamento jurídico brasileiro bem como sua soberania. Para concluir, importante destacar que o novo CPC andou bem em regulamentar o auxílio direto pacificando entendimentos divergentes sobre o cabimento, competência e realização dos atos, judiciais ou extrajudiciais, nesse contexto. O diploma estabeleceu regras e procedimentos específicos que possibilitam e facilitam o acesso à justiça para além das fronteiras, promovendo a cooperação jurídica internacional. A disciplina do Código, neste ponto, veio ao encontro da crescente internacionalização das relações econômicas e sociais, ao buscar o desenvolvimento de mecanismos que permitam o máximo de agilidade no trâmite internacional das referidas medidas. Assim, pretendeu-se resguardar a efetividade de medidas jurisdicionais e administrativas, bem como a razoável duração do processo, mesmo em feitos que demandem a realização de atos no exterior. __________ 1 STF, HC 85.588, 1ª Turma, Min. Marco Aurélio, DJ 15/12/2006.
Há uma pluralidade de instrumentos que viabilizam a efetivação do princípio da cooperação internacional. Em se tratando de mecanismos jurídicos que promovem a ajuda mútua entre países, o "auxílio direto" ocupa posição de destaque, sendo também intitulado de "pedido de assistência", "pedido jurídico direto" ou "pedido de auxílio direto". Historicamente, existe no ordenamento jurídico brasileiro desde 1965, quando a Convenção sobre prestação e alimentos da ONU entrou em vigor. É um procedimento bastante usual no âmbito do processo penal, no entanto, também aplicável à seara cível, uma vez que encontra previsão no art. 28 do Código de Processo Civil de 2015: "Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil". É uma inovação em relação ao antigo diploma processual. Na compreensão de Elpídio Donizetti1, cuida-se de um instrumento de colaboração internacional em que uma autoridade estrangeira solicita o cumprimento de um ato judicial ou administrativo no território de outro Estado soberano. É uma ferramenta processual mais célere e desburocratizada justamente por não ser utilizada em decisão judicial sujeita ao juízo de delibação2 pelo Superior Tribunal de Justiça. A concretização do auxílio direto divide-se em duas etapas3. A primeira é a fase internacional, quando ocorre a formulação do pedido à autoridade central estrangeira prevista no artigo 29 do Código de Processo Civil: "A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido". Nesse momento, há uma comunicação entre dois ou mais Estados soberanos. A segunda é a fase nacional em que a autoridade central do país solicitado irá buscar atender a solicitação feita, entrando em contato com os agentes e entidades, públicos ou privados, nacionais e internacionais, que possam contribuir para a execução do pedido no território nacional, conforme preconiza o artigo 31 do Código de Processo Civil: "a autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado". As hipóteses de cabimento do auxílio direto encontram-se presentes no artigo 30 do Código de Processo Civil, podendo ser objeto do pedido a "obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso", "a colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira" e "qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira". Tais hipóteses não são taxativas, pois os casos previstos nos tratados dos quais o Brasil seja signatário também podem ser objeto de auxílio direto. Isto porque à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça4, trata-se de um mecanismo de cooperação internacional aplicável especialmente em situações de anormalidade que requeiram a prática de atos ou obtenção de informações de países do exterior. Alexandre Câmara5 exemplifica o auxílio direto no disposto na Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia em 1980 e ratificada pelo Brasil com o decreto 3.414/2000. O artigo 9º da referida norma internacional dispõe que "quando a Autoridade Central que recebeu o pedido de retorno de criança tiver razões para acreditar que esta se encontra em outro Estado Contratante, deverá transmitir o pedido, diretamente e sem demora, à Autoridade Central desse Estado Contratante e disso informará a Autoridade Central requerente ou, se for caso, o próprio requerente". O artigo 11, por seu turno, dispõe que "as autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adotar medidas de urgência com vistas ao retorno da criança". Para o autor, dentre as medidas cabíveis encontra-se o auxílio direto, pois quando o pedido for proveniente diretamente de autoridade central estrangeira para autoridade brasileira, esta última deverá postular a medida judicial adequada perante o órgão jurisdicional competente. Quando se estiver diante de atos de natureza jurisdicional, o auxílio direto procede quando o ato diligenciado estiver relacionado a processo judicial submetido à jurisdição brasileira. Em outras palavras: o processamento e julgamento da demanda judicial devem ter ocorrido integralmente perante os juízos nacionais6 para que o auxílio direto seja cabível. A necessidade de processamento e julgamento da decisão perante o juízo brasileiro é o fator que dispensa o juízo de delibação. O auxílio direto surge de uma provocação advinda de autoridade estrangeira que busca ver os efeitos decorrentes de uma decisão nacional produzidos. É um instrumento que visa a efetivação do direito pátrio. Caso a autoridade estrangeira objetivasse o cumprimento de ato proveniente da decisão jurisdicional de outro país, o direito aplicável seria estrangeiro e poderia não estar em conformidade como o ordenamento jurídico nacional. Nesta situação, o juízo de delibação se apresentaria como indispensável e a via adequada seria a carta rogatória, dado que o auxílio direto não se presta para o cumprimento de atos ou decisões oriundas de jurisdições estrangeiras. Em virtude dessa condição, o Superior Tribunal de Justiça julgou procedente Reclamação Constitucional7 que objetivou reformar decisão da Justiça Federal que deferiu pedido de auxílio direto formulado pela União, determinando a constrição de bens do reclamante, dado que se tratava de sequestro de bens para garantia da execução dos efeitos civis de sentença penal condenatória proferida pela Justiça paraguaia. Portanto, a concessão do exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça se apresentava como indispensável para o prosseguimento foi feito. Com fundamento na usurpação de competência, a decisão da Justiça Federal foi reformada. O Superior Tribunal de Justiça8 sacramentou a matéria ao estabelecer que a carta rogatória exige a existência de decisão judicial oriunda de juízos ou tribunais estrangeiros com determinações a serem executadas em território nacional, demandando um juízo de delibação do STJ, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do país alienígena. Ausente decisão a ser submetida a juízo de delibação, o cumprimento do pedido se dá por meio do auxílio direito. O auxílio direto se apresenta como uma nova ferramenta de cooperação internacional amplamente disciplinada no novo Código de Processual Civil, visando uma colaboração mais rápida e eficaz entre os Estados estrangeiros quando se tratar de atos administrativos ou jurisdicionais, necessariamente processados e julgados pelo Direito brasileiro. É a forma encontrada pelo legislador para a convivência harmoniosa entre o aludido mecanismo processual e a carta rogatória. __________ 1 DONIZETTI, Elpídio. Cooperação Internacional no Código de Processo Civil de 2015. 2 WAMBIER, Luís Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de direito processual civil. Teoria Geral do Processo I,16. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2016, p. 183. 3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 22. 4 REsp 1782025/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe 04/04/2019. 5 CÂMARA. Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª edição. São Paulo: atlas, 2017, p.47 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 22. 7 (Rcl 3.364/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 5/10/2016, DJe 26/10/2016). 8 (AgInt na CR 11.165/EX, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 6/9/2017, DJe 15/9/2017) (AgRg na CR 3.162/CH, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/8/2010, DJe 6/9/2010)  
Embora os Estados sejam soberanos e possuam jurisdição própria, a globalização e o aumento das trocas comerciais e sociais entre países faz com que as relações jurídicas também assumam, por vezes, caráter internacional, transpondo as fronteiras de uma única jurisdição. O novo Código de Processo Civil, atendendo às demandas dessa nova realidade, estabeleceu normas relativas à cooperação jurídica internacional, regulamentando os limites da interação entre duas ou mais jurisdições. O art. 26 do diploma dispõe que a cooperação jurídica internacional deve observar o disposto nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte. Não havendo tratado, porém, a cooperação pode se dar mediante reciprocidade, manifestada de forma diplomática, por via do Ministério das Relações Exteriores, consoante é a previsão do parágrafo primeiro do dispositivo1. No caso de homologação de sentença estrangeira é dispensada a exigência da reciprocidade. Além da existência de tratado ou de manifestação diplomática, há outras condicionantes que devem ser observadas a fim de se proceder à cooperação internacional, as quais estão elencadas nos incisos do dispositivo ora em comento. O inciso primeiro estabelece a necessidade de que o Estado requerente respeite o devido processo legal. Trata-se de "desdobramento da cláusula da ordem pública internacional. Não respeitar as garantias do devido processo legal é o mesmo que negar o direito à tutela judicial efetiva e, consequentemente, ofender os princípios fundamentais de um Estado"2. Visando a essa garantia, o legislador condicionou o atendimento de pedido de Estado estrangeiro, no tocante à cooperação internacional, à observância das garantias do devido processo legal. Também é exigida a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, independentemente de residirem no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, além de ser assegurada a assistência judiciária aos necessitados. Essa igualdade decorre da própria garantia fundamental de igualdade entre brasileiros e estrangeiros insculpida no caput do art. 5º. O inciso terceiro estabeleceu a observância da publicidade processual, salvo nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente. O respeito às hipóteses de sigilo previstas na lei estrangeira, para além de uma demonstração de respeito à legislação do Estado requerente, é também uma consequência lógica, tendo em vista que, de nada adiantaria o processo ser sigiloso no Estado estrangeiro se, no país onde tivesse que ser cumprida a diligência, houvesse publicidade dos autos. Só assim é possível garantir real efetividade às hipóteses de sigilo estabelecidas na legislação alienígena. Já o inciso quarto prevê a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação. O dispositivo justifica-se pela necessidade de centralizar em determinado órgão ou instituição estatal a tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional, tanto ativos - realizados pelo Brasil em relação a Estado estrangeiro - quanto passivos - apresentados ao Brasil por Estado estrangeiro. No Brasil, cabe ao Ministério da Justiça desempenhar o papel de autoridade central, na ausência de designação específica, conforme disposto no parágrafo quarto do dispositivo comentado. Por fim, o inciso quinto exige a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. Fabiane Verçosa explica que essa espontaneidade "significa o dever de o estado brasileiro, quando figurar como Estado requerido, em qualquer modalidade passiva de cooperação jurídica internacional já solicitada por Estado estrangeiro, prestar informações a respeito do desenvolvimento do pedido de ofício, informando a respeito de novos andamentos e novas providências, independentemente de sucessivas provocações do Estado requerente, o que torna a comunicação muito mais célere e efetiva. O termo 'espontaneidade' não poderá em qualquer hipótese ser interpretado como dispensa da exigência de tratado (...) ou reciprocidade"3. Destaque-se, por fim, o disposto no parágrafo terceiro do dispositivo, que estipula uma regra geral para a existência da cooperação internacional, qual seja a de não admissão de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. Neste ponto, o legislador optou por inserir conceito jurídico indeterminado inovador na ordem jurídica, ao se referir a "normas fundamentais que regem o Estado brasileiro". Melhor seria se tivesse mantido expressões já corriqueiras e usuais como "ordem pública", "soberania nacional" e "bons costumes" que, embora também deveras abstratas, já possuem farta interpretação da jurisprudência a respeito. O artigo 27 do CPC, por sua vez, disciplina o objeto da cooperação jurídica internacional, a qual poderá compreender: (i) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; (ii) colheita de provas e obtenção de informações; (iii) homologação e cumprimento de decisão; (iv) concessão de medida judicial de urgência; (v) assistência jurídica internacional; (vi) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira. Embora sem correspondência com o Código de 1973, o dispositivo não traz inovações, já que as modalidades previstas já são amplamente consagradas como variedades de cooperação jurídica internacional. A concessão de medida de urgência, prevista no inciso quarto, já possuía previsão no ordenamento jurídico brasileiro desde a resolução 09/2005 do STJ, que regulamentou em caráter provisório, a homologação de sentença estrangeira pelo Tribunal4. Assim, andou bem o novo CPC, ao estender a possibilidade de medida de urgência a qualquer modalidade de cooperação jurídica internacional. Por fim, merece destaque o disposto no inciso sexto, que inclui, entre os objetos possíveis da cooperação internacional, "qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira". O dispositivo deixa claro que o rol do artigo 27 é exemplificativo e que diversos atos judiciais e medidas podem ser objeto de cooperação interjurisdicional, desde que não sejam vedadas pela legislação brasileira. __________ 1 Art. 26, § 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 116. 3 VERÇOSA, Fabiane. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, P. 118. 4 Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente. §3º Admite-se tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras.  
Como já tivemos oportunidade de mencionar no artigo anterior, relativo aos dispositivos 21 e 22 do Código de Processo Civil, a jurisdição internacional cinge-se em concorrente e exclusiva. Na ocasião, tratamos da jurisdição concorrente, apresentando as hipóteses elencadas pelo código em que as Justiças brasileira e estrangeira podem, igualmente, julgar a controvérsia, sem que ocorra o fenômeno da litispendência. O art. 23, por sua vez, especifica as hipóteses de jurisdição exclusiva da autoridade brasileira, listando as causas em que a controvérsia será apreciada pela autoridade judiciária brasileira, com exclusão de quaisquer outras. Denomina-se jurisdição exclusiva ou privativa a que a legislação brasileira não permite seja exercida em país estrangeiro. Quer isso dizer que, ainda que seja exercida em outro país, o que obviamente a legislação brasileira não pode impedir, por serem soberanos os territórios alheios, a sentença proferida não será reconhecida em território brasileiro, porque faltarão requisitos necessários à sua homologação1. Nesse sentido, estipulou o artigo 23 do CPC que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: (i) conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; (ii) nos casos que versarem sobre matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; (iii) nas causas de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. O novo CPC ampliou o rol da jurisdição exclusiva da autoridade judiciária brasileira em relação ao Código de 1973. "Na vigência do CPC revogado, a jurisprudência sedimentada no STF (competência anterior à EC 45), e no STJ era no sentido de que a competência exclusiva da jurisdição brasileira não se estendia à partilha de bens decorrente da separação do casal, limitando-se, portanto, aos casos de sucessão causa mortis. O atual CPC altera tal compreensão, passando a autoridade judiciária brasileira a ser exclusivamente competente para proceder à partilha de bens situados no Brasil no divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável"2. Nesse sentido, entendimento esposado pela Corte Especial do STJ em sede de Sentença Estrangeira Contestada3, que assim consignou: "(...) a partilha de bens imóveis situados no Brasil, em decorrência de divórcio ou separação judicial, é competência exclusiva da Justiça brasileira, nos termos do art. 23, III, do Código de Processo Civil. Nada obstante, a jurisprudência pátria admite que a Justiça estrangeira ratifique acordos firmados pelas partes, independente do imóvel localizar-se em território brasileiro. Contudo, tal entendimento não pode se aplicar à situação em exame, em que não houve acordo, inclusive porque o réu, devidamente citado, não compareceu ao processo estrangeiro." Quanto às demais hipóteses previstas no artigo 23, reproduziram o que já constava do diploma anterior. No caso do inciso primeiro, destaca-se que ao tratar de ações "relativas a imóveis situados no Brasil", o Código buscou ir além das hipóteses restritas às ações reais, que apenas abrangeriam aquelas relativas a direitos reais e direito de propriedade. Assim, encontram-se inseridas no dispositivo, também as ações de despejo, ações possessórias, aquelas referentes à alienação fiduciária de imóveis, entre outras. O artigo 24 traz a regra da inoponibilidade da litispendência. Trata-se da previsão no sentido de que "a ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas". Ao fim, excepciona os casos em que há disposição diversa em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. O parágrafo único do mesmo dispositivo preleciona, ainda, que "a pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil". Importante destacar que, em que pese ser possível a coexistência de duas ações que versem sobre o mesmo objeto, com coincidência de partes, uma em tramitação na justiça brasileira e oura no juízo estrangeiro, prevalecerá a coisa julgada daquela que primeiro for decidida. Esse tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça desde antes da vigência do novo CPC4. O Tribunal entende que a superveniência de coisa julgada em uma das ações provocará a extinção daquela que ainda estiver em curso. A regra, pois, é de prevalência da coisa julgada que se operou em primeiro lugar, seja na ação em curso no Brasil ou na homologação da sentença estrangeira. O disposto no artigo 24 e seu parágrafo único, ressalte-se, só faz sentido em se tratando de jurisdição concorrente, uma vez que nos casos de jurisdição exclusiva, a sentença estrangeira não produzirá efeitos no Brasil em nenhuma hipótese. O artigo 25 constitui inovação do CPC/2015, tendo em vista não haver dispositivo correspondente no diploma anterior. Trata-se da cláusula de eleição de foro estrangeiro. A nova normativa estabelece que "não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação". O dispositivo pôs fim a constantes discussões quanto à validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais que visavam a afastar a jurisdição brasileira para apreciar causas a respeito das quais ela possuía jurisdição concorrente. Gonçalves de Castro destaca, nesse ponto, que "além da finalidade de prestigiar a autonomia da vontade dos contratantes, em contrato internacional, com o objetivo de afastar a jurisdição brasileira em negócios específicos, o dispositivo pretende, em atenção à segurança jurídica das relações internacionais, encerrar a divergência jurisprudencial havida sobre a validade dessa espécie de cláusula". Isso porque havia decisões, proferidas por Tribunais Estaduais, favoráveis à validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro, ao mesmo tempo em que o STJ5 não desconsiderava a jurisdição concorrente brasileira para conhecer de eventual disputa, não obstante a existência no contrato de cláusula expressa elegendo foro estrangeiro. Não obstante a previsão expressa quanto à validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro, há hipóteses que têm sido excepcionadas pela jurisprudência do STJ. É o caso da decisão que manteve acórdão recorrido no sentido de invalidar cláusula de eleição de foro em contrato de representação comercial6. Na espécie, o Tribunal reconheceu que havia efetiva hipossuficiência de uma das partes em relação à outra, que era empresa integrante de grupo econômico de atuação internacional, sediada na Suíça e que pretendia fazer valer cláusula que levaria a questão a ser discutida nos Estados Unidos. Reconhecendo a latente hipossuficiência da empresa agravada, o Tribunal afastou a cláusula de eleição de foro aplicando o art. 39 da Lei 4.886/65, que trata da competência do foro do representante em contratos de representação comercial. No mesmo sentido, o entendimento no tocante a contratos internacionais celebrados no âmbito de uma relação de consumo. Nesses casos, o litígio na Justiça estrangeira dificultará, sobremaneira, a defesa do consumidor. Assim, o juiz poderá declarar a ineficácia da cláusula por dificultar a defesa do consumidor, quando hipossuficiente, com fundamento no art. 6º, VIII do CDC e nos princípios dos quais ele decorre. Há, portanto, certa flexibilização na aplicação do art. 25 do CPC, nos casos em que a cláusula de eleição de foro estrangeiro prejudica o acesso à Justiça ou o direito de defesa de parte hipossuficiente na relação jurídica. __________ 1 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; ÁVILA, Henrique. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 109. 2 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 87-88. 3 STJ, Corte Especial, SEC nº 15639, rel. Min. Og Fernandes, DJe: 9/10/2017. 4 SEC 4.127/EX, Corte Especial, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Min. Teori Zavaszcki, DJe 27/9/2012. 5 STJ, REsp 116854/RJ, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe: 07/2/2011. 6 STJ. AREsp 1114200/SP. Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira. DJe 24/4/2018.
A jurisdição civil pode ser exercida pelos juízes e tribunais diante de quaisquer ações ajuizadas em território nacional. Ocorre que a validade e eficácia das decisões se sujeitam às restrições territoriais na esfera da comunidade internacional, uma que vez que existe uma pluralidade de Estados soberanos organizados e regidos pelos seus próprios ordenamentos jurídicos. O Código de Processo Civil de 2015 definiu os limites territoriais para o exercício da jurisdição civil no âmbito nacional e as regras processuais relativas à cooperação internacional. Os artigos 21 e 22 do diploma elencam as hipóteses de temas que se sujeitam à jurisdição nacional, mas que, em alguma medida, se relacionam com a jurisdição de outros Estados, e, por esta razão, também podem se submeter às jurisdições estrangeiras. Da lição de Fredie Didier1 se abstrai que a delimitação da competência internacional se justifica em face do princípio da efetividade, segundo o qual o Estado deve se abster de julgar se a sentença não tem como ser reconhecida onde deve exclusivamente produzir efeitos. Assim, a Justiça brasileira deve reconhecer a sua competência apenas para julgar as demandas cuja decisão gere efeitos em território nacional ou em Estado estrangeiro que reconheça sua decisão2. O artigo 21 dispõe que "Compete à autoridade judiciária brasileira" processar e julgar as ações em que: (I) o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; (II) no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; (III) o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. (IV) Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal. O referido dispositivo não introduziu significativas modificações no sistema processual brasileiro, mantendo na íntegra as hipóteses específicas previstas no artigo 88, seu dispositivo correspondente no Código de Processo Civil de 1973. Ao julgar o Recurso Especial3, o Superior Tribunal de Justiça classificou a competência internacional em concorrente e exclusiva, e expressou que, em se tratando de competência internacional concorrente, as Justiças brasileira e estrangeiras podem, igualmente, julgar a controvérsia, sem que ocorra o fenômeno da litispendência. Tanto o artigo 21 como o 22 trazem hipóteses de competência concorrente. O artigo 22 é uma inovação do atual diploma processual, dado que acrescentou novas hipóteses de competência internacional concorrente. O referido dispositivo prevê: "Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: (I) de alimentos, quando (a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; (II) decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; (III) em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional". A inclusão das ações envolvendo relações de consumo e da autonomia das partes em optar pela jurisdição nacional são pontos que merecem destaque. O artigo 22, inciso II inovou ao estabelecer a competência concorrente da jurisdição brasileira nas causas em que o consumidor figurar como o autor da demanda. A convenção das partes que fixa a competência da jurisdição nacional para apreciar determinada demanda pode ser expressa ou tácita. A convenção expressa ocorre por cláusula de eleição de foro, enquanto que a tácita ocorre com o mero ajuizamento da ação. Em ambas as situações, o juízo nacional analisará o acordo das partes sob a ótica do princípio da efetividade4. Embora tenha havido a inclusão de novas hipóteses de competência internacional concorrente, o rol dos artigos 21 e 22 não conseguiu exaurir todas as situações jurídicas passíveis de julgamento pela autoridade judiciária brasileira. Exemplo disso é o artigo 83 do CPC, segundo o qual: "o autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento". A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça5 é consolidada no sentido de que as empresas estrangeiras, para litigarem no Brasil, precisam prestar uma caução quando não dispuserem de bens suficientes para suportar o ônus de eventual sucumbência. É um mecanismo processual que busca o tratamento isonômico dos litigantes para "não tornar melhor a sorte dos que demandam no Brasil, residindo fora, ou dele retirando-se, pendente a lide". Não havendo fiança, em eventual responsabilização da empresa demandante pelos ônus sucumbenciais, estaria incólume dos eventuais prejuízos causados ao demandado. A competência internacional concorrente prevista no antigo diploma era no sentido de que o artigo 88 definia um rol exemplificativo de hipóteses específicas. No Recurso Ordinário 64/SP o STJ fixou que: "o rol previsto no art. 88 do CPC de 1.973 não é taxativo, visto que algumas demandas são passíveis de julgamento pela autoridade judiciária brasileira, ainda que a situação jurídica não se enquadre em nenhuma das hipóteses ali previstas". Tendo em vista que existem hipóteses de competência internacional concorrente estabelecidas no Código de Processo Civil de 2015 além daquelas previstas no artigo 21 e 22, conclui-se que o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça continua vigorando quanto a não se tratar de rol taxativo. Ademais, não se pode olvidar que quanto às ações envolvendo essas hipóteses, que já tiverem sido julgadas no estrangeiro, a validade e a eficácia das suas decisões em território brasileiro dependem de procedimento específico de homologação de sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça. Como o trâmite processual não ocorreu no Brasil é necessário verificar se a decisão cumpriu com os parâmetros legais mínimos da jurisdição nacional. No tocante aos limites do processo de homologação de sentença estrangeira, restou fixado na SEC6 14.519/EX que "O Superior Tribunal de Justiça, nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira, exerce um juízo meramente delibatório, sendo-lhe vedado adentrar no mérito da ação alienígena". Dessa forma, restringe-se a verificação dos requisitos formais do Código de Processo Civil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Os eventuais questionamentos que podem surgir acerca do mérito da decisão estrangeira são de competência do juízo estrangeiro. Por isso, é que se denomina competência internacional concorrente, uma vez que a existência de ação que tramite no Juízo brasileiro com identidade de partes, causa de pedir e pedido não impede a homologação de sentença estrangeira, desde que esse juízo possua competência para tanto7. A fixação de matérias em que incide a competência internacional concorrente relativiza os limites da jurisdição nacional, buscando evitar conflitos entre os Estados soberanos ao estipular hipóteses em que podem ser conhecidas e decididas tanto pela Justiça brasileira como estrangeira. A delimitação da jurisdição nacional e da cooperação internacional assentam-se, portanto, no princípio da efetividade, priorizando a utilidade e a eficácia das decisões judiciais. __________ 1 DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 254 2 NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. P. 231. 3 REsp 136642/SP. 4 NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. P. 231. 5 EREsp 179.147/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Corte Especial, julgado em 1º/8/2000, DJ 30/10/2000; REsp 1584441/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 31/08/2018 6 SEC 14.519/EX, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/05/2017, DJe 14/6/2017 7 SEC n. 14.518/EX, Rel. Min. Og Fernandes - Corte Especial - j. 29/3/2017.  
quinta-feira, 23 de maio de 2019

Arts. 19 e 20 do CPC - Ação declaratória

O Código de Processo Civil de 2015 consagra duas grandes espécies de tutelas jurisdicionais autônomas: a cognitiva e a executiva. No tocante à tutela jurisdicional de cognição Liebman1 afirma que o conteúdo das ações pode ser de natureza declaratória, constitutiva ou condenatória. Embora todas as espécies de ações de conhecimento encontrem-se reguladas pelo atual diploma normativo, analisam-se, por ora, os artigos 19 e 20, que tratam das características fundamentais das ações declaratórias. O artigo 19 dispõe que "o interesse do autor pode limitar-se à (i) declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; (ii) da autenticidade ou da falsidade de documento". Da lição de Daniel Amorim2 abstrai-se que a "tutela meramente declaratória resolve uma crise de certeza; ao declarar a existência, inexistência ou o modo de ser de uma relação jurídica, e excepcionalmente de um fato". As ações meramente declaratórias visam o reconhecimento da natureza jurídica de uma dada relação que existe no mundo do jurídico, mas que suscita dúvidas quanto ao seu enquadramento. Desse modo, a atualidade e a concretude da relação jurídica, aliadas à elevada probabilidade de dano justificam o interesse de agir em uma declaração meramente declaratória. Alguns exemplos de cabimento da ação meramente declaratória são o reconhecimento de tempo de serviço para fins previdenciários, o reconhecimento da união estável homoafetiva como sociedade de natureza familiar, independentemente de prévia formalização do vínculo por meio de escritura pública e a previsão constante na Súmula 181 do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual: "É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual". Nesta última hipótese, o fundamento do entendimento sumulado baseia-se na impossibilidade de manutenção da incerteza quanto à extensão das disposições contratuais, sendo necessário a provocação do judiciário para que os contraentes tenham ciência quanto ao alcance e abrangência das cláusulas contratuais, bem como quanto aos seus efeitos concretos. Em situações assim, há certeza quanto à existência do contrato firmado, mas há dúvidas acerca da forma como essas cláusulas deverão ser concretizadas. Desse modo, cabe às ações meramente declaratórias produzir a certeza jurídica quanto ao modo de ser daquela relação fática na esfera do Direito mediante uma mera declaração judicial3. Segundo leciona Teresa Arruda Wambier4, o "modo de ser" é uma expressão que deve ser compreendida como qualquer qualidade juridicamente relevante para este vínculo. As dúvidas suscitadas em torno deste vínculo devem apresentar o interesse de agir da parte na declaração de modo a demonstrar que a manutenção desta incerteza poderá acarretar algum tipo de dano ao autor. Portanto, é imprescindível que seja levado aos autos questionamentos objetivos e reais acerca da relação firmada, não configurando meras suposições. Em demandas nas quais se pretende a declaração de incapacidade absoluta e uma sentença de interdição, vislumbra-se uma incerteza fática dotada de caráter objetivo, real e que opera efeitos relevantes nas relações jurídicas estabelecidas. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial5, fixou: "é firme o entendimento desta Corte de que a suspensão do prazo de prescrição para tais indivíduos ocorre no momento em que se manifesta a sua incapacidade, sendo a sentença de interdição, para esse fim específico, meramente declaratória". Um ponto que merece destaque diz respeito à imprescritibilidade das ações fundamentadas nas hipóteses de cabimento previstas no artigo 19 do novo Código de Processo Civil. Isso decorre do fato de que referidas ações buscam afastar dúvidas e fixar certezas jurídicas em situações que, quando não elucidadas, estão aptas a provocar danos para as partes como perante terceiros. Portanto, nas hipóteses em que ainda não houve a violação de nenhum direito, não há que se falar em prazos prescricionais, tampouco os efeitos do transcurso do tempo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1721184/SP6, fixou o entendimento de que "a ação declaratória pura é imprescritível, salvo quando houver pretensão condenatório-constitutiva". A ressalva final do entendimento jurisprudencial remete à possibilidade das ações declaratórias produzirem sentenças com efeitos de natureza constitutiva ou condenatória. O artigo 20 do diploma processual, por sua vez, estabelece que "É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito". Nesse caso, o código garantiu a faculdade de propositura da ação meramente declaratória, mesmo tendo havido lesão ou violação a direito, deixando ao crivo do autor ingressar, posteriormente, com nova ação, caso necessário, para buscar a reparação dos danos sofridos. Como explica Leonardo Schenk7, "a futura ação de conhecimento de natureza condenatória poderá não ser necessária, segundo entendimento existente na jurisprudência, se, da simples declaração anterior, por sentença com trânsito em julgado, decorrer perfeita individualização dos elementos da obrigação e a sua exigibilidade, na medida em que o sistema processual atribui à decisão, nesses casos, imediata eficácia executiva (art. 515, I)". Exemplo disso é o entendimento do STJ no sentido de que constitui título executivo e autoriza o imediato início da fase satisfativa do processo, nas ações meramente declaratórias, tanto a sentença de procedência que, para fins tributários, certifica todos os elementos do direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, facultando-lhe a opção pelo regime dos precatórios ou pela compensação8, quanto a sentença de improcedência do pedido de declaração de inexistência da obrigação que, igualmente, fixa em favor do réu os contornos e a exigibilidade da relação jurídica obrigacional9. Disso se depreende que o ordenamento jurídico brasileiro admite a propositura das ações meramente declaratórias existindo ou não prévia violação a direito, sendo ambas as situações tuteladas pelo Código de Processo Civil. A principal distinção que subsiste, nesses casos, diz respeito à incidência da prescrição. Inexistindo violação a direito cuida-se de ação imprescritível, tendo em vista que não há pretensão condenatória, enquanto que havendo violação a direito, os prazos prescricionais fluem em razão da necessidade de se resguardar a segurança jurídica das relações estabelecidas. __________ 1 Liebman defende que as sentenças são classificadas pelo o conteúdo do ato judicial: meramente declaratória, constitutiva e condenatória. (Neves, Daniel Amorin Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 9ª edição. Salvador: Ed. JusPodium, 2017, p. 104) 2 Neves, Daniel Amorin Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 9ª edição. Salvador: Ed. JusPodium, 2017, p. 104. 3 Neves, Daniel Amorin Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 9ª edição. Salvador: Ed. JusPodium, 2017, p. 821 - 822 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015,p. 103 5 (REsp 1429309/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018). 6 (REsp 1721184/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 16/11/2018). 7 SHENK, Leonardo Faria. In.: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 104. 8 Súmula 461, 1ª Seção, DJe 08/09/2010. 9 REsp 1.261.888, 1ª Seção, relator: ministro Mauro Campbell Marques, DJe 18/11/2011.  
A jurisdição e a ação são institutos basilares da Teoria Geral do Processo, em virtude de integrar, juntamente com o processo, os três pilares básicos da relação processual jurídica. No Título I do Livro II da Parte Geral do Código de Processo Civil de 2015 ocupam posição de destaque na medida em que se define o alcance da jurisdição civil, se estabelece o interesse e a legitimidade para postular em juízo e a possibilidade de substituição processual. Pellegrini1 conceitua a jurisdição como sendo a função que o Estado exerce quando substitui a vontade dos titulares dos interesses em conflito pela vontade do direito objetivo que rege a controvérsia apresentada, promovendo a pacificação individual das partes e da sociedade. Desta forma, a jurisdição é a capacidade do Estado de decidir imperativamente e impor decisões. A jurisdição é uma expressão do princípio constitucional da soberania nacional. Em face desta caraterística, o Estado Brasileiro não comporta a coexistência de jurisdições, sendo considerada una e indivisível. Porém, é uma atividade que pode ser exercida por terceiros autorizados pelo Estado, por intermédio dos métodos alternativos de solução de conflitos. Embora a unidade e a indivisibilidade sejam características da jurisdição, subdivisões são permitidas na esfera interna de seu exercício, como se dá com a separação entre a jurisdição civil e a penal, em razão da matéria, por exemplo. O novo Código de Processo Civil, em seu artigo 16, trata da jurisdição de natureza civil, isto é, aquela relacionada com as questões jurídicas não penais2, prevendo que "a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código". Esse dispositivo inova em relação ao código anterior, ao eliminar as referências em relação à jurisdição contenciosa e voluntária, até então expressas no artigo 1º do Código de Processo Civil de 1973. No entanto, esta diferenciação não opera efeitos práticos relevantes, dado que os procedimentos especiais dedicados à jurisdição contenciosa e voluntária não foram abolidos. Estes últimos, regulamentados em capítulo próprio, pelos artigos 719 a 770. A finalidade da jurisdição civil não se restringe à resolução de conflitos de interesse por um terceiro imparcial, uma vez que a existência de lide não é um fator determinante na atividade jurisdicional. Pois, é certo que a jurisdição também busca o reconhecimento judicial das relações jurídicas consolidadas na esfera fática, bem como a satisfação e proteção dos direitos dos cidadãos3(n1) A inércia também é outra característica relevante da jurisdição, visto que os juízes e tribunais não podem desempenhar a função jurisdicional de ofício, ou seja, espontaneamente. É necessário que haja a provocação da parte mediante o direito de ação para que haja o exercício da função jurisdicional. Wambier4 define que a ação é o direito de exigir do Estado o exercício da jurisdição sobre determinada demanda de direito material, sendo um instrumento processual que assegura o acesso à jurisdição para a tutela de determinado interesse particular(n2). O Código de Processo Civil de 2015 define que o exercício do direito de ação é limitado ao alcance de duas condições da ação: o interesse e a legitimidade. O artigo 17 assim estabelece: "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade". O interesse repousa no binômio necessidade e utilidade, que significam a necessidade da atividade jurisdicional ser imprescindível para o desfecho da controvérsia apresentada pela parte, bem como na utilidade, que se traduz na adequação dos meios processuais utilizados ao pedido formulado, ou seja, a medida processual adotada deve ser o meio hábil para obtenção do objetivo pretendido5. A segunda condição da ação - a legitimidade - refere-se à exigência de coincidência entre o autor e o réu da relação processual e os titulares da relação jurídica de direito material exposta no processo, visto que a sentença judicial, que eventualmente examina o mérito, opera efeitos perante as partes interessadas. Logo, são eles quem usufruem do resultado obtido. Nessa linha, Bedaque6 destaca que "não se pode admitir a ação como um poder absolutamente genérico, sem qualquer ligação com uma situação de vida sobre que incidirá o provimento jurisdicional". Por outro lado, não se pode dispensar o conteúdo do caput artigo 18, que confere legitimidade, em caráter excepcional, àqueles sujeitos processuais que estão autorizados pelo ordenamento para atuar em juízo defendo o direito de outrem. Senão vejamos: "Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico". O Ministério Público, quando atua em defesa dos interesses difusos e coletivos, e os sindicatos são os substitutos processuais que encontram previsão no texto constitucional. Na esfera do Código de Processo Civil, a legitimidade extraordinária ocorre, por exemplo, quando o alienante ou o cedente estiver em juízo, em nome próprio, defendendo o direito do alienado ou cedido de modo consentido nas situações envolvendo a alienação da coisa ou o direito litigioso (n3). Com fundamento neste dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça7 em decisão de março desse ano, reconheceu a legitimidade dos sindicatos para substituírem os pensionistas da categoria representada pela entidade de classe em execuções de sentença, por entender que a natureza do vínculo da pensão gera legitimidade ativa em relação ao servidor falecido. Desse modo, fixou entendimento no sentido de que não se pode falar em extinção da ação havendo autorização legal para substituí-los na relação processual, e, no tocante à relação material, o direito recai sobre os herdeiros, ainda que o falecimento de servidores públicos tenha ocorrido antes do ajuizamento da ação de conhecimento. É importante suscitar ainda que, o parágrafo único do artigo 18, permite que "havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial", esta premissa legal é uma inovação do Código de Processo Civil de 2015 e justifica-se em face dos efeitos da sentença recair perante o titular do direito material. O novo Código de Processo Civil retirou a expressão "condições da ação" de seu texto e excluiu o terceiro requisito, referente à possibilidade jurídica do pedido, que até então vigorava no antigo diploma como indispensável para o trâmite processual. Todavia, mesmo que de modo mitigado, ainda existem pressupostos processuais mínimos a serem observados no exercício do direito de ação, que resultam na carência da ação quando ausentes e na extinção do processo sem resolução de mérito. No tocante à possibilidade jurídica do pedido, esta antiga condição da ação, que era apreciada no âmbito da admissibilidade processual, passou a ser avaliada no momento da análise do mérito da ação propriamente dito. Por essa razão, verificada a ausência da possibilidade jurídica do pedido, a consequência é a extinção do processo com resolução de mérito. Diante da nova organização dos institutos do interesse, da legitimidade e da possibilidade jurídica do pedido, conclui-se que o legislador dissociou os direitos processual e material ao estabelecer a realização, em momentos distintos, do juízo de admissibilidade dos pressupostos processuais e do juízo de mérito. Nessa linha, em sede de embargos em recurso especial8, o STJ esclareceu que o exame das condições da ação consiste em perquirir acerca da viabilidade e da aptidão de o processo amparar e solucionar, de modo eficaz, a questão de direito substancial que é deduzida pelos sujeitos processuais, de modo a permitir ao juiz avançar no exame do mérito da relação de direito material controvertida. O Código de Processo Civil de 2015, no que tange às teorias da ação, adotou a chamada teoria eclética, segundo a qual a existência do direito de ação independe da existência do direito material, mas do preenchimento de certos requisitos formais, quais sejam o interesse a legitimidade. Dessa forma, as condições da ação não se confundem com o direito material pleiteado e, quando ausentes, resultam em sentença de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, Novo CPC). Assim, em um primeiro momento, avaliam-se os pressupostos de admissibilidade da ação, para, em um segundo momento, avançar em direção ao exame do direito material discutido no processo. No entanto, no momento em que se verificar o mérito do processo, se concluir que as condições da ação não se encontram presentes, haverá extinção com resolução de mérito. É certo que o conteúdo dos artigos analisados designam as diretrizes que guiam a jurisdição e a ação do direito processual brasileiro, em especial quando estabelecem que o interesse e a legitimidade são as condições necessárias para postular em juízo. Nesse sentido, o Código de Processo Civil consagra a autonomia do direito processual em relação ao direito material, contudo, sem se distanciar a abstrativização do procedimento e da realidade fática. __________ 1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. 22º edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2006; pg. 145. 2 WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 98. 3 DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p.. 199. 4 WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 99 - 100 5 (REsp 1732026/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 21/11/2018). 6 (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Pressupostos processuais e condições da ação. Justitia, São Paulo, v. 53, n. 156, p. 48-66, out./dez. 1991). 7 (AgInt no REsp 1737722/PE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 26/03/2019). 8 (EREsp 1619954/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2019, DJe 16/04/2019) N1 Mas isso também é a solução de um litígio, uma solução adjudicada, imposta por um terceiro. N2 Acho melhor não falar somente em particular, pois pode dar a entender que somente seriam questões privadas, não abrangendo direitos coletivos e de interesse do Estado. N3 No caso de cessão não é bem legitimidade extraordinário, pois ele passou a ser novo titular do direito material e não está mais defendendo direito alheio.
O Código Processual Civil de 2015 dedicou capítulo específico para tratar da aplicação das normas processuais. Dotado de relevante função instrumental e hermenêutica para a implementação do novo diploma, o capítulo traz normas relativas à aplicação da lei processual no espaço, no tempo e, ainda, a previsão de sua aplicação supletiva e subsidiária em outros ramos do direito. No tocante à aplicação da lei processual no espaço, o CPC de 2015 manteve a incidência do princípio da territorialidade, que já era aplicado na vigência do Código de 1973, porém sem previsão expressa. O novo diploma estabeleceu, em seu artigo 13, que: "a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte". As normas processuais civis brasileiras aplicam-se, portanto, em todo o território nacional. "A primeira parte do artigo consagra o princípio da lex fori, ou seja: a regra geral é de que o processo deve ser julgado pelas normas e dirigido pelos respectivos órgãos jurisdicionais do país a que pertencem"1. O dispositivo traz uma ressalva em relação aos tratados, convenções e acordos internacionais. Porém, não é demais lembrar que as referidas normas internacionais apenas serão aplicadas no Brasil quando forem celebradas pelo Presidente da República, referendadas pelo Congresso Nacional e incorporadas ao direito interno por meio de decreto legislativo. Nesse sentido, leciona Guilherme Rizzo que "a ressalva esclarece o óbvio. Ou o tratado, convenção ou acordo não foi incorporado ao direito brasileiro e, assim, não pode ser aplicado, ou tal incorporação já houve e está-se, assim, diante de norma já de direito interno"2. Nesse caso, em eventual conflito entre disposição da lei processual brasileira e regra contida em tratado já incorporado ao ordenamento interno a antinomia deverá ser solucionada pelos critérios tradicionais da especialidade e antiguidade, já que os tratados, quando incorporados, têm a mesma hierarquia das leis ordinárias. Todavia, vale lembrar que há casos em que os tratados internacionais serão incorporados ao direito interno com hierarquia superior a das leis ordinárias. O mais conhecido deles é o caso dos tratados e convenções que versem sobre direitos humanos e que sejam aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, hipótese em que serão recepcionados com status constitucional. Mas além dessa hipótese, muito conhecida e citada na doutrina brasileira, também podemos citar o art. 178 da Constituição, que estabelece que os acordos firmados pela União quanto à ordenação do transporte internacional prevalecem em caso de conflito com a lei ordinária, no caso, o Código de Defesa do Consumidor. Ainda no capítulo sobre a aplicação das normas processuais, o CPC disciplina como se dará a aplicação da lei processual no tempo, previsão constante do art. 14, in verbis: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". O Código de 2015 adotou a teoria do isolamento dos atos processuais, que compreende cada ato de forma autônoma, de modo que a nova lei processual tem aplicação imediata, respeitando-se os atos já realizados e os efeitos por eles produzidos sob o regime da legislação anterior. É certo que há situações em que não é tão simples estabelecer os limites dos atos processuais e, portanto, qual a lei a ser aplicada, tendo em vista que o processo é uma entidade complexa, cujos atos se inter-relacionam. É o que acontece, por exemplo, com a contagem de prazos em casos de redução ou aumento, a produção de determinada prova que já foi deferida, mas ainda não produzida, entre outros. Os tribunais têm firmado que a lei sob a qual foi publicada a decisão regerá o respectivo recurso. Assim, proferida determinada sentença, por exemplo, o prazo para recorrer será o previsto pela lei antiga, vigente à época da prolação da decisão, ainda que o referido prazo tenha sido modificado, como ocorreu com o advento da contagem de prazos em dias úteis, por exemplo. Em decisão sobre o tema3, o STJ assim consignou: "A nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso (ex vi do art. 1.046 do CPC/2015), respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, enfim, os efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei. Considerando que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual, cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema está inclusive expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015". O acórdão também asseverou: "Esta Corte de Justiça estabeleceu que a lei que rege o recurso é aquela vigente ao tempo da publicação do decisum. Assim, se a decisão recorrida for publicada sob a égide do CPC/1973, este Código continuará a definir o recurso cabível para sua impugnação, bem como a regular os requisitos de sua admissibilidade. A contrario sensu, se a intimação se deu na vigência da lei nova, será ela que vai regular integralmente a prática do novo ato do processo, o que inclui o cabimento, a forma e o modo de contagem do prazo". A estipulação de uma regra explícita sobre direito intertemporal atende a um valor caro a qualquer ordenamento jurídico, que é a segurança, especialmente quando se trata de uma alteração substantiva do sistema processual pátrio, como a promovida pelo CPC. O art. 14 do diploma, nesse sentido, deve ser interpretado à luz do art. 5º, XXXVI da Constituição, que consagra como direito fundamental o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito. Garantia esta também contemplada no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". Nesse sentido, pode-se falar em direito adquirido processual, tendo em vista que a lei processual nova não pode retroagir para prejudicar direito processual adquirido nos termos da lei revogada. Por fim, concluindo o capítulo sobre a aplicação da lei processual, o Código de 2015 estabelece expressamente a aplicação supletiva e subsidiária de suas normas em outros âmbitos, conforme previsão do artigo 15: "na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente". Trazendo, mais uma vez, a lição de Teresa Wambier cumpre destacar pertinente observação sobre o dispositivo: "O legislador disse menos do que queria. Não se trata somente de aplicar as normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. A aplicação subsidiária ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão 'subsidiária', de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. A aplicação supletiva é que supõe omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocupação com a própria expressão, precisão da linguagem, serve-se das duas expressões. Não deve ter suposto que significam a mesma coisa, se não, não teria usado as duas. Mas como empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o intérprete entender que é disso que se trata"4. A autorização expressa para a aplicação supletiva e subsidiária do CPC já existe, por exemplo, no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como no artigo 3º do Código de Processo Penal. O que o Código fez foi ampliar, expressamente, essa aplicação para outros âmbitos do direito, como o eleitoral e o administrativo. O capítulo em comento, embora composto por apenas três dispositivos, elenca normas de extrema relevância para a aplicação do direito processual. Essa relevância não se limita ao caráter pragmático, de orientação sobre como se aplicar um direito novo, em relação a processos já em curso, mas, sobretudo, reside na busca de se promover a segurança jurídica e a estabilidade do ordenamento. O advento de legislações modernas e inovadoras é, sem dúvida, parte do direito, enquanto fenômeno vivo, que deve acompanhar as mudanças da sociedade. Todavia, essa transição normativa deve ocorrer preservando-se as situações jurídicas já consolidadas e mantendo a confiança do cidadão na Justiça e no Direito. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 90. 2 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 71. 3 STJ. Primeira Turma. AgRg no REsp 1.584.433Relator: Ministro Gurgel de Faria. Publicado no DJe em 21/10/2016. 4 WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 75.  
Grande inovação do Código de Processo Civil, a ordem cronológica de julgamento dos processos foi alvo de muitas discussões e polêmicas, resultando em alteração do texto original do código ainda no período de vacatio legis. A redação original do dispositivo previa que os juízes e tribunais deveriam obedecer a ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Mesmo estabelecendo exceções à regra, o dispositivo sofreu críticas no sentido de que influenciaria na gestão estratégica dos processos nos tribunais e que os julgadores poderiam ficar engessados e perder o poder de autonomia na administração dos casos. O professor Fernando da Fonseca Gajardoni chegou a defender a inconstitucionalidade do dispositivo, sobre o argumento de que a regra violava o princípio da tripartição dos poderes, já que representava indevida intervenção do legislativo na atividade judiciária e inviabilizava a autogestão da magistratura. Assim, a lei 13.256 de 2016 modificou o artigo, instituindo nova redação: "Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão". Dessa forma, o julgamento por ordem cronológica passou a ser preferencial e não mais uma obrigação. A pretensão geral do código por um processo mais célere e isonômico teve de enfrentar certo recuo na ousada redação original do dispositivo. Independentemente dessa alteração e das críticas que podem ser tecidas, é certo que a norma ainda é uma novidade no processo civil brasileiro. O julgamento cronológico dos casos converge com toda a principiologia adotada pelo novo diploma, no sentido de valorizar a razoável duração do processo e o tratamento isonômico entre as partes. O parágrafo primeiro do dispositivo garante amplo acesso às partes quanto à lista da ordem de julgamento das ações, ao estipular que "a lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores". A previsão de transparência na ordem das causas contribui para a efetividade da norma, possibilitando o controle social quanto ao seu cumprimento. Ainda que haja a ressalva quanto a ser "preferencial", restará um ônus de fundamentação por parte do julgador para não obedecer à ordem cronológica de julgamento. O parágrafo segundo do dispositivo elenca um rol de exceções à aplicação da regra prevista no caput, já que para casos especiais, há que se dispensar tratamento especial, sob pena de violação do princípio da isonomia em sua dimensão material. Comentando o dispositivo, Carneiro destaca que "primeiramente, as sentenças proferidas em audiência, as homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido estão excluídas de regra da ordem cronológica. O motivo é obvio, pois não há bom senso nem razões de ordem técnica que justifiquem tratamento diverso. As situações são peculiares e, portanto, devem merecer tratamento diverso. Outra exceção à norma vislumbra-se na hipótese que o legislador priorizou o julgamento de recursos repetitivos e de incidentes de resolução de demandas repetitivas (art. 12, III), como também o julgamento de processos, em qualquer grau de jurisdição, decorrente da aplicação de teses jurídicas firmadas em julgamento de recursos repetitivos e enunciados de súmulas (art. 12, II; art. 485; e art. 932, IV e V, respectivamente alíneas a, b, c)1". Como se observa, o novo CPC tem um viés valorativo dos precedentes judiciais, notadamente em seu artigo 927, que é uma espécie de dispositivo núcleo do sistema de precedentes. O respeito aos precedentes visa não apenas à celeridade dos processos, como a unificação, estabilidade e integração da jurisprudência dos tribunais. Também são excepcionadas as decisões sem resolução de mérito (art. 485 do CPC), decisões ordenatórias, como a de produção de prova, o não conhecimento de recurso inadmissível ou de recursos que contrariem súmulas dos tribunais, entre outras previsões específicas do art. 932 do CPC. Fogem à regra, ainda, o julgamento de embargos de declaração e de agravo interno, as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal e, por fim, a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. A lei ressalva, ainda, que os requerimentos formulados depois que o processo já se encontra na lista do §1º não alteram a ordem cronológica para julgamento (§4º e §5º). Por igual razão, os processos que retornam da instância superior para novo julgamento, em virtude de anulação da sentença ou acórdão, entram em primeiro lugar na lista em questão, salvo quando houver necessidade de diligência ou de complementação da instrução (§6º, I). Também ocupam a primeira posição os processos represados no tribunal de origem, depois de decididos os recursos especiais ou extraordinários de conteúdo repetitivo, quando for o caso da reapreciação prevista no art. 1.040, II, do NCPC (art. 12, 6º, II, do CPC). Não há dúvidas de que a redação atual da norma permite um enorme grau de subjetividade quanto à sua aplicação, uma vez que, além de ser uma faculdade e não uma regra cogente. A previsão do inciso IX, que instituiu a possibilidade de preferência da "causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada", abriu mais uma brecha de subjetividade para o julgador. Desta feita, casos reputados urgentes pelo magistrado, desde que apresentadas as razões para tal compreensão, serão julgados preferencialmente. O extenso rol de exceções à regra, bem como o comando "preferencialmente" eiva o dispositivo de baixa aplicabilidade. Contudo, não se pode dizer que se trata de uma mera recomendação ou de uma norma sem qualquer efetividade. A regra deve ser aplicada sempre que viável e continua representando uma grande inovação do código. Além disso, a existência de lista pública permite que o jurisdicionado fiscalize o cumprimento desse comando, em busca de um julgamento em tempo razoável. __________ 1 CARNEIRO, Paulo Cesar Pinheiro. Inovações do Código de Processo Civil, 2015.  
Seguindo a lógica de positivação dos princípios constitucionais, o Código de Processo Civil de 2015 consagrou expressamente os princípios da publicidade e da fundamentação das decisões. A transparência dos atos públicos é um postulado fundamental para as democracias representativas, possibilitando a fiscalização por parte dos cidadãos e evitando a prática de eventuais abusos1. No âmbito judicial, o artigo 11 do CPC de 2015 seguiu a tendência estabelecida pelo diploma de 1973, ao garantir a ampla publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário e a fundamentação das decisões judiciais, sob pena de nulidade. Contudo, substanciais modificações foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro. Quanto ao princípio da publicidade, necessário ressaltar que o novo diploma ampliou o rol de casos em que o processo está protegido pelo segredo de justiça, estendendo expressamente o sigilo aos processos relativos à separação de corpos, à união estável, naqueles em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade e que digam respeito à arbitragem. Referido rol encontra previsão no artigo 189 do diploma2. Embora o código de 2015 tenha incluído novas hipóteses em que feitos podem tramitar em segredo de justiça, a jurisprudência3 do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento no sentido de que essas hipóteses constituem rol exemplificativo, não exaustivo, sendo autorizado o sigilo dos processos em outras situações também merecedoras de tutela jurisdicional, por envolverem a preservação de outras garantias, valores e interesses fundamentais. Acerca da confidencialidade dos processos judiciais que versem sobre arbitragem, Teresa Wambier4 ensina que o referido procedimento consagra a plena autonomia da vontade das partes, inclusive para a eleição do direito aplicado e para a cláusula de confidencialidade. Por outro lado, o processo judicial contém regras procedimentais que asseguram a publicidade. Por isso, casos envolvendo procedimento de arbitragem e atividade jurisdicional, como é o caso da ação anulatória de sentença arbitral, a confidencialidade merece ser justificada como sendo uma medida de maior relevância que o interesse público na publicidade daquela decisão, tendo em vista que a publicidade é, não apenas um bem jurídico protegido legalmente, mas também tutelado pelo artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal. Quanto ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, cuida-se de garantia decorrente do devido processo legal, prevista expressamente no artigo 93, inciso IX, Constituição Federal5, aplicável às partes em face da liberdade do magistrado em decidir conforme o seu livre convencimento. A garantia da fundamentação das decisões não é uma novidade na legislação infraconstitucional, vez que se encontra prevista desde o Código de Processo Civil de 19396, consistindo no elemento da decisão judicial, o qual indica os motivos jurídicos que justificam a conclusão a que se tenha chegado7. O atual diploma processual civil promoveu relevantes alterações no tocante à aplicação deste postulado, visto que definiu parâmetros específicos a serem observados pelo julgador ao proferir sua decisão, sob pena de não ser considerada válida. Portanto, definiu os contornos e abrangências de uma decisão suficientemente motivada, de modo a possibilitar o exercício do contraditório pelas partes em relação às razões apresentadas pelo julgador. O artigo 489 § 1º do Código de Processo Civil indicou as hipóteses legais em que uma decisão não será considerada fundamentada. Nesse âmbito, enquadra-se a decisão, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (i) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; (ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (iii) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (iv) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (vi) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Ao comentar o dispositivo, Rizzo destaca que "na fundamentação da decisão judicial, o juiz deverá expor os motivos determinantes para seu convencimento, tanto para o acolhimento, total ou parcial, dos argumentos da parte vencedora, quanto para o desacolhimento total ou parcial, dos argumentos da parte derrotada. Trata-se da clara exposição do caminho lógico percorrido pelo juiz, que auxilia na efetiva distinção entre a sentença legítima e a sentença arbitrária8". O inciso I rechaça a mera indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo, estabelecendo que o julgador deve expor a correlação do dispositivo aplicado com a causa ou a questão decidida, demonstrando os elementos do caso concreto que atraem a aplicação de determinado ato normativo. O inciso II considera desfundamentada a decisão que se limita a utilizar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicitar sua relação com as circunstâncias do caso sub judice. Note-se que não se trata de uma proibição de que o juiz faça uso de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. Estes possuem grande relevância num contexto de força normativa dos princípios e de abertura hermenêutica em busca da máxima efetividade dos direitos. O que o dispositivo impõe é a necessidade de fundamentação do motivo de sua incidência no caso concreto. Já os incisos III e IV buscam evitar as decisões genéricas, que poderia ser utilizada indiscriminadamente para qualquer caso. Como exemplos corriqueiros de decisões desse tipo, têm-se aquelas que se limitam às seguintes afirmações: "estando presentes os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora, defiro a liminar pretendida pela requerente"; ou "presentes os requisitos legais, suspendo a decisão agravada". Logo, não podendo ser genéricas, há que serem enfrentados os argumentos trazidos pelas partes que possam infirmar a conclusão, sob pena de negativa de prestação jurisdicional. Por fim, interessante notar que os incisos V e VI, do dispositivo utilizaram da fundamentação das decisões para garantir a observância dos precedentes, na medida em que previram as técnicas do distinguishing e do overruling. O inciso V estabeleceu que é dever do julgador, ao aplicar precedente ou enunciado de súmula, analisar seus fundamentos determinantes e a adequação ao caso concreto. Já o incido VI fixou que, para que o julgador deixe de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente, deve fundamentar sua decisão a partir dos critérios da distinção do caso ou da superação do entendimento. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça9 considerou omisso acórdão recorrido, que deixou de observar precedente estabelecido pela Segunda Seção do Tribunal. Referido precedente fora adotado como fundamento pelo recorrente, visto que corroborava com a tese recursal e tratava exatamente da controvérsia a ser dirimida. Na decisão foi fixado o entendimento no sentido de que a análise deste precedente era imprescindível para o deslinde do caso, fosse para efetuar o distinguishing, fosse para reconhecer a superac¸a~o do posicionamento (overruling). "Mostra-se imprescindível, no caso, que o Juízo aprecie o precedente indicado e que trata exatamente do ponto nodal da controvérsia - qual seja a possibilidade de se manejar ação possessória contra eventual esbulho decorrente de decisão judicial -, seja para efetuar o distinguishing, seja para reconhecer a superação do posicionamento (overruling), não podendo ficar silente quanto ao ponto". A inobservância do precedente sem a apresentação das razões que justifiquem sua inaplicabilidade ao caso concerto implica em fundamentação meramente formal. Logo, a decisão passa a não considerar os argumentos das partes, tornando o exercício do contraditório, consequentemente, ineficaz. A publicidade e a fundamentação das decisões são garantias inerentes ao próprio Estado de Direto. O acesso e o conhecimento do teor do processo, bem como a devida motivação das decisões garante às partes o controle do raciocínio adotado pelo seu relator, permitindo, por conseguinte, o exercício de outros direitos fundamentais, como o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. No momento em que se consagra a noção de um processo colaborativo, a publicidade e a fundamentação das decisões são partes integrantes na busca pela concretização de um diálogo efetivo entre as partes e o juiz na construção da melhor solução para o conflito. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al.] Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 88. 2 Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. 3 STJ, REsp 1.082.951/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 17/08/2015. 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al.] Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 85 5 Art. 93, IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. 6 Art. 280. A sentença, que deverá ser clara e precisa, conterá: I - o relatório; II - os fundamentos de fato e de direito; III - a decisão. Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido, a defesa e o resumo dos respectivos fundamentos. 7 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Código de Processo Civil Brasileiro 3.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 280-281 8 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 590. 9 STJ. EDcl no AgInt no AgInt no REsp 1787877. Relator: Ministro Luis Felipe Saloma~o. Publicado em: 25/09/2018.
O Código Processual Civil de 2015 inovou substancialmente na disciplina dos honorários advocatícios. O artigo 85 regulamentou amplamente a questão, inclusive pacificando matérias que antes eram objeto de desacordo na doutrina e jurisprudência. O dispositivo tratou dos parâmetros de fixação dos honorários em geral, fixou critérios específicos nas causas em que a Fazenda Pública figura como parte, estabeleceu os honorários recursais, preconizou a titularidade do advogado, seja ele particular ou público, quanto às verbas honorárias e fixou expressamente sua natureza alimentar, inclusive fazendo jus aos mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho - apenas para citar alguns exemplos. Diante das substanciosas inovações com o advento do diploma, uma das discussões travadas gira em torno do marco temporal de aplicação das novas regras estabelecidas. Os ministros do Superior Tribunal de Justiça dividiam-se em duas correntes distintas quanto à questão. Uma primeira, compreendendo que o arbitramento dos honorários configuraria norma processual-material, bem como que o direito à verba nasceria contemporaneamente à sentença, não preexistindo à propositura da demanda. Assim, a sucumbência seria regida pela lei vigente na data da sentença, de modo que, nos casos em que esta tenha sido proferida a partir do dia 18/3/2016, deverão ser aplicadas as normas do CPC/2015. De outro lado, a compreensão de que as normas que regem os honorários sucumbenciais teriam natureza processual e, portanto, seguiriam o sistema do isolamento dos atos processuais. Assim, a sucumbência seguiria a lei vigente à data da deliberação que impôs ou modificou os honorários, uma vez que a norma processual deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso. Em 2016, a Quarta Turma do STJ foi unânime ao considerar pacífica jurisprudência de que a sucumbência é regida pela lei vigente na data da sentença1. Todavia, abriu-se divergência de entendimento no colegiado e, posteriormente, este passou a considerar como marco temporal de definição da norma de regência a data da última deliberação. No ano seguinte, sobreveio decisão da Terceira Turma no sentido de que a sucumbência deve seguir a lei vigente à data da deliberação que a impõe ou a modifica, pois a norma processual é aplicável imediatamente aos processos em curso. Em recente decisão, a Corte Especial do STJ parece ter pacificado a questão. Em julgamento de embargos de divergência no último dia 20, o Colegiado deliberou que o marco temporal para a fixação da norma incidente no tocante aos honorários sucumbenciais é a data da sentença. Por esse entendimento, ainda que uma sentença prolatada sob o Código de Processo Civil de 1973 seja reformada sob a égide do novo código, a norma regente dos honorários continuará sendo o diploma anterior. No caso em comento, a Segunda Turma do STJ havia decidido pela incidência do CPC/1973 para o arbitramento de honorários em um processo que teve sentença em 2011 e acórdão reformando a decisão em 2016, já na vigência do novo código. No julgamento dos embargos de divergência, a Corte Especial manteve esse entendimento, unificando a jurisprudência do tribunal. No julgamento, a Corte firmou que a sentença, como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras do CPC quanto a esses honorários. Referido entendimento respeita os princípios do direito adquirido, da segurança jurídica e da não surpresa. O ministro relator do caso destacou que "ainda antes do novo diploma, verificava-se que a jurisprudência já estava pacificada no sentido de que a sucumbência seria regida mesmo pela data da sentença. A posição doutrinária perfilha o entendimento sufragado por esta Corte ao consignar que o direito aos honorários exsurge no momento em que a sentença é concedida". Ademais disso, a decisão frisou que o arbitramento dos honorários não é questão meramente processual, tendo em vista os reflexos imediatos no direito substantivo da parte e do advogado. Os honorários são instituto de direito processual-material, pois, apesar da previsão em lei processual, conferem direito subjetivo de crédito ao advogado em face da parte que deu causa ao processo. Por essa razão, em homenagem à natureza processual-material, as normas sobre honorários advocatícios não são alcançadas pela lei nova. Nesse sentido, tanto o tribunal quanto a doutrina já reconheceram a natureza híbrida dos honorários e que não há falar em aplicação imediata da norma do CPC/2015. A Corte Especial do STJ já havia se manifestado a respeito do tema, em julgamento de recurso especial em 2016, firmando a tese de que o arbitramento dos honorários não configura questão meramente processual. Na época, a decisão asseverou que "não obstante a taxionomia atinente aos honorários advocatícios estar prevista em norma de direito processual, o instituto enverga verdadeira natureza híbrida, notadamente ante os reflexos materiais que o permeiam. Com efeito, a doutrina reconhece que os honorários advocatícios são instituto de direito processual material, pois, apesar da previsão em diploma processual, confere direito subjetivo de crédito ao advogado em face da parte que deu causa à instauração do processo2". Ainda sobre a classificação dos honorários como norma de direito processual-material, o julgado do último dia 20 destacou que "em razão de constituírem direito alimentar do advogado, verifica-se que os honorários de sucumbência deixaram de ter função propriamente reparatória para assumir feição remuneratória, razão pela qual o Estatuto da OAB destinou a verba ao advogado da causa e reconheceu-lhe a autonomia do direito à execução". O precedente é, sem dúvida, de elevada importância, uma vez que pacifica, ao menos por ora, a celeuma estabelecida em torno da norma aplicável quanto aos honorários advocatícios, desde o advento do Código de 2015. Todavia, há que se ponderar que, ainda que o nascedouro do direito à percepção dos honorários seja a sentença, a referida decisão pode ser alterada, invertendo-se a sucumbência ou modificando-a de alguma forma. Essa modificação quanto à obrigação honorária, quando estabelecida já na vigência do novo Código, deveria ser por ele regulamentada. Esse entendimento, em nossa visão, não afasta a premissa quanto à natureza híbrida da norma de honorários. Todavia, pressupõe que o próprio conteúdo material da obrigação honorária, fixado na vigência do diploma de 1973, pode ser alterado sob a égide do diploma atual. Assim, tendo o direito aos honorários sofrido alteração, esse (a data da modificação) seria o novo marco de regência a ser aplicado. __________ 1 REsp 1.636.124. 2 REsp 1.465.535/SP.
O Código Processual Civil de 2015, inserto, historicamente, na fase denominada por neoprocessualismo ou formalismo valorativo, buscou, em seu máximo grau, conferir efetividade às normas processuais, visando, em última instância, a satisfação do próprio direito material pleiteado. Não seria diferente com o princípio do contraditório. A possibilidade de conhecer o teor do processo, de nele se manifestar e de ter suas alegações efetivamente consideradas pelo julgador é exigência do próprio Estado Constitucional e Democrático de Direito e parte indissociável do devido processo legal. É nesse sentido que se pode afirmar que os artigos 9º e 10º do Diploma Processual Civil consagram o princípio do contraditório em sua dimensão efetiva, substancial. O código anterior não possuía regra com semelhante abrangência, embora contivesse disposições que, em casos específicos, determinassem a oitiva da parte contrária antes da prolação de decisões que pudessem lhe causar prejuízo. O artigo 9º do CPC/2015 assim preconiza: Art. 9º - Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701. Há, assim, a consagração de regra geral que estipula a prévia oitiva da parte antes de decisões que lhe possam ser prejudiciais. As exceções são previstas no parágrafo único e ocorrerão quando se tratar de (i) medida de urgência, (ii) tutela da evidência baseada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (iii) tutela da evidência em pedido reipersecutório fundado em prova documental do contrato de depósito e (iv) deferimento de expedição de mandado monitório. As mencionadas exceções fundamentam-se em dois elementos: (i) a urgência da tutela que, acaso se aguarde a manifestação da outra parte, põe em risco o próprio direito pleiteado, objeto do processo e (ii) em razão da evidência do direito pleiteado, quando "as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante" (art. 311, II, CPC), quando "se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental" (art. 311, II, CPC) e quando se tratar de mandado monitório (art. 701, CPC). Novidade relevante do novo CPC é o princípio da não surpresa, consagrado no artigo 10º do diploma, segundo o qual: "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". Em ambos os dispositivos ora em comento, percebe-se a tutela do princípio do contraditório. O artigo 9º, impedindo que o juiz profira decisão antes de ouvir a parte potencialmente prejudicada e o artigo 10º, impedindo que o juiz decida com base em fundamento sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestar. Inicialmente, a compreensão do princípio do contraditório limitava-se à obrigação de audiência bilateral, de comunicação do ajuizamento da causa e dos atos processuais bem como a possibilidade de impugnar tais atos, podendo ser resumida no binômio informação/reação. Trata-se de uma dimensão formal do princípio. Já a moderna concepção do contraditório, em sua dimensão substantiva, preocupa-se com o tratamento isonômico entre as partes. Assim, agrega-se à concepção formal, a necessidade de um contraditório real e efetivo, o qual exige para sua configuração três elementos: i) a ciência quanto à existência do processo (citação) e o acesso ao seu conteúdo (publicidade), ii) a possibilidade de se manifestar quantos aos fatos e alegações que pesam contra si ou contra seus direitos e interesses e, por fim, iii) que as razões e argumentos apresentados pelas partes sejam racionalmente considerados na formação da decisão. Essa nova feição do contraditório advém do primado da democracia. Num Estado Democrático de Direito os atos de poder não podem simplesmente ser impostos aos cidadãos. Deve ser dada a eles oportunidade de participar da formação do ato. Nesse modelo estatal o povo é chamado a participar do exercício do poder1. Daí a relevantíssima inovação do CPC ao instituir o chamado princípio da não surpresa. Nesse ínterim, a decisão surpresa seria aquela proferida com base em fundamento novo, sobre o qual as parte não tiveram oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria que possa ser conhecida de ofício pelo juiz. Nesse sentido, a decisão almejada pelo código é aquela que advém da síntese da discussão travada entre os sujeitos processuais e o julgador. A postura do juiz, em um contraditório pautado em valores constitucionais, não pode mais ser a de um mero expectador. O juiz assume a condição de parte atuante2. Ele deve participar efetivamente do debate, contribuindo para sua ampliação. Essa visão faz com que o processo adquira uma concepção dialética. Ou seja, a decisão deve ser consequência das várias argumentações apresentadas. Quanto mais amplo e mais profundo for o debate mais efetivo será o contraditório. No tocante ao alcance do artigo 10 do CPC, importante destacar a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)3 no julgamento de embargos de declaração em que se alegava ofensa ao princípio da não surpresa, em razão de a decisão ter adotado fundamentação legal diferente daquelas apresentadas pelas partes. O caso envolveu a fixação de prazo prescricional em ação que discutia ilícito contratual. No julgamento da causa, foi aplicado o artigo 205 (prescrição decenal), em vez do artigo 206, parágrafo 3º, V (prescrição trienal), ambos do Código Civil. Como as partes não discutiam que a prescrição era trienal, divergindo apenas em relação ao termo inicial da contagem do triênio, a embargante entendeu que, "ao adotar fundamento jamais cogitado por todos aqueles que, até então, haviam-se debruçado sobre a controvérsia (partes e juízes), sem que sobre ele previamente fossem ouvidas as partes, o colegiado desconsiderou o princípio da não surpresa (corolário do primado constitucional do contraditório - CF, artigo 5º, LV), positivado no artigo 10 do CPC de 2015". Todavia, o Tribunal firmou o entendimento de que o "fundamento" ao qual se refere o artigo 10 é "o fundamento jurídico - causa de pedir, circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento da causa, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria)". A decisão asseverou, ainda, que "pouco importa que as partes não tenham aventado a incidência do prazo decenal ou mesmo que estivessem de acordo com a incidência do prazo trienal. Houve ampla discussão sobre a prescrição ao longo da demanda, e o tema foi objeto de recurso, tendo essa turma, no julgamento da causa, aplicado o prazo que entendeu correto, à luz da legislação em vigor, conforme interpretada pela jurisprudência predominante na época para ações de responsabilidade civil por descumprimento contratual". Segundo concluiu a Turma, acolher o entendimento da embargante entravaria o andamento dos processos, uma vez que exigira que o juiz realizasse um exame prévio da causa para que imaginasse todos os possíveis dispositivos legais em tese aplicáveis e os submetesse ao contraditório. Já nos casos em que a decisão utilizou fundamento jurídico novo, não debatido pelas partes, o STJ tem aplicado a vedação da decisão surpresa. É o caso do recurso especial apreciado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça4, que determinou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região que julgasse novamente uma ação extinta sem julgamento de mérito por insuficiência de provas, já que o fundamento adotado pelo TRF-4 não havia sido previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo. Na ocasião, a Turma consignou que "somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial (...)". A inovação do artigo 10 do CPC 2015 está em tornar objetivamente obrigatória a intimação das partes para que se manifestem previamente à decisão judicial. E a consequência da inobservância do dispositivo é a nulidade da decisão surpresa, ou decisão de terceira via, na medida em que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador. Os artigos 9º e 10º, portanto, consagram, além do contraditório e da ampla defesa, o princípio da cooperação, preconizando a efetiva possibilidade do diálogo entre as partes e o juiz. Ademais disso, a vedação da decisão surpresa reforça o princípio constitucional implícito da segurança jurídica, bem como o princípio da proteção da confiança. Ora, não podem as partes serem surpreendidas por decisão prejudicial com fundamento sobre o qual sequer tiveram oportunidade de se manifestar. Isso provocaria extrema insegurança e instabilidade no tocante à prestação jurisdicional. Indiscutível, pois, a importância dos dispositivos ora comentados, que demonstram a modernização da processualística civil e o seu profundo compromisso com o contraditório efetivo, a cooperação e a segurança jurídica. __________ 1 RIBEIRO, Lorena Costa. O princípio do contraditório e algumas práticas para sua realização. 2 DAMASCENO, Kleber Ricardo. O novo contraditório e o processo dialógico: aspectos procedimentais do neoprocessualismo, 2010. 3 REsp 1280825. 4 REsp 1.676.027.
O capítulo inaugural do novo Código de Processo Civil trata do que denominou de "normas fundamentais do processo civil". Inovador em relação ao diploma anterior, o CPC/2015 consignou expressamente uma série de princípios que já possuíam previsão constitucional e, agora, foram estabelecidos especificamente no âmbito da normativa processual civil. A opção legislativa de inserir em local topográfico e de destaque referidas normas fundamentais demonstra a inserção do novo diploma no fenômeno mais amplo da constitucionalização do Direito. Dentre os princípios que passaram a possuir expressa menção no novo código, estão o contraditório, a isonomia, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. O artigo 7º aprimora a redação demasiado simplificada outrora constante no artigo 125, I do CPC de 1973, o qual estabelecia tão somente que era dever do juiz assegurar às partes igualdade de tratamento. O diploma atual explicita diversos princípios constitucionais, na linha do chamado Direito Processual Constitucional, como se percebe da redação do artigo 7º do CPC de 2015: Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. O referido dispositivo consagra, no plano infraconstitucional, o princípio da igualdade processual (paridade de armas). Segundo lição de Fredie Didier1, o princípio da igualdade processual deve observar quatro aspectos: a) imparcialidade do juiz (equidistância em relação às partes); b) igualdade no acesso à justiça, sem discriminação (gênero, orientação sexual, raça, nacionalidade etc.); c) redução das desigualdades que dificultem o acesso à justiça, como a financeira (ex.: concessão do benefício da gratuidade da justiça, arts 98-102, CPC), a geográfica (ex.: possibilidade de sustentação oral por videoconferência, art. 937, §4º, CPC), a de comunicação (ex.: garantir a comunicação por meio da Língua Brasileira de Sinais, nos casos de partes e testemunhas com deficiência auditiva, art. 162, III, CPC) etc.; d) igualdade no acesso às informações necessárias ao exercício do contraditório. Da leitura do artigo, deve-se entender que a igualdade buscada é a real, substancial, ou seja, o Juiz deve, em concreto, proceder de modo a que ambas as partes, no exercício de seus direitos e faculdades processuais, bem como ao cumprirem ônus e deveres tenham reais condições de exercerem a participação efetiva no deslinde do feito, mediante a adoção de procedimentos que equilibrem em concreto, a posição das partes, com o que será possível dar-se concretude ao contraditório. Na aplicação das sanções processuais, deverá o Juiz, da mesma forma, zelar pelo tratamento isonômico2. Como sói acontecer na aplicação do princípio da igualdade material, também na seara processual, este pode ser observado nos casos em que a lei estabelece regras de tratamento diferenciado, visando, justamente, igualar os desiguais. Criam-se situações de tratamento distinto buscando garantir às partes processuais igual acesso à justiça, aos meios de prova, de defesa e de participação em geral no processo. Assim, buscou o código garantir a igualdade entre as partes não apenas do ponto de vista formal, mas também sob a ótica substancial. Como exemplo da aplicação desse princípio tem-se: a nomeação de curador especial para incapazes processuais (art. 72 do CPC); regras especiais de competência territorial para a proteção de vulneráveis (arts. 53, I II e III, "e", CPC; art. 101, I, CDC); intimação obrigatória do Ministério Público nos casos que envolvam interesse de incapaz (art. 718, II, CPC); proibição de citação postal de incapaz ( art. 247, II, CPC); prazo em dobro para manifestação processual dos entes públicos (art. 183, CPC); tramitação prioritária de processos que envolvem idosos ou pessoas portadoras com doença grave (art. 1048, CPC). Por fim, o dever de os tribunais uniformizarem sua jurisprudência (art. 926, CPC) é também uma expressão do princípio da igualdade, no caso, para além das partes internas a um processo, mas entre partes que litigam sobre matéria idêntica. Ainda tratando das normas fundamentais do processo civil, o artigo 8º traz os princípios e finalidades que o juiz deve observar na aplicação da lei: Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. A primeira parte do dispositivo reitera previsão constante da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo art. 5º dispõe: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Destaque-se que, essa previsão no âmbito do Código de Processo Civil, trata O artigo 8º do CPC, ao fazer menção aos fins sociais do processo, reflete um fenômeno há muito já observado pela doutrina e pela jurisprudência, qual seja, o abandono de uma visão puramente jurídica do processo civil. "O processo não está mais reduzido a um mero instrumento do direito material e, embora se possa afirmar ser, hoje, a realização de Justiça, e não a mera eliminação de litígios ou a pacificação social, que se erige à condição de finalidade precípua do processo, tal constatação em nada infirma a existência de um escopo social do processo3". Segundo Cândido Rangel Dinamarco4, esse escopo social do processo estaria refletido no binômio pacificação social, ao buscar pacificar as pessoas mediante a eliminação de conflitos com justiça, e educação, ao pretender educar para a defesa de direitos próprios e respeito aos alheios. Já a parte final do dispositivo em questão revela o fenômeno da constitucionalização do processo, ao prever expressamente os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. Sob essa ótica, não basta que os procedimentos judiciais tenham como finalidade exclusiva o alcance da justiça material. A forma como essa justiça é buscada também importa. Por isso, o dever do juiz de observar o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana, a igualdade das partes, o contraditório, a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. A finalidade máxima do processo, que é a pacificação social com justiça, só pode ser alcançada quando há a devida observância das garantias processuais fundamentais. O Superior Tribunal de Justiça, em vários casos, tem aplicado os princípios fundamentais constantes nos dispositivos ora em comento. Em observância ao princípio da igualdade processual entre as partes, em julgamento de agravo interno5, o Tribunal entendeu que o prazo para de terceiro prejudicado para interpor recurso deve ser igual ao das partes do processo: "O terceiro prejudicado, embora investido de legitimidade recursal (CPC, art. 499), não dispõe, para recorrer, de prazo maior que o das partes. A igualdade processual entre as partes e o terceiro prejudicado, em matéria recursal, tem a finalidade relevante de impedir que, proferido o ato decisório, venha este, por tempo indeterminado - e com graves reflexos na estabilidade e segurança das relações jurídicas -, a permanecer indefinidamente sujeito a possibilidade de sofrer impugnação recursal". Ainda no tocante à garantia da igualdade processual, decidiu a Quarta Turma do STJ decidiu que "a parte deve apresentar o rol de testemunhas no prazo fixado pelo juiz, sob pena de a prova testemunhal ser indeferida em atenção ao princípio do tratamento igualitário que deve ser dispensado às partes6". No tocante à aplicação da dignidade da pessoa humana em âmbito processual, o STJ destacou a relevância do papel do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica em ação que envolvia interesse de incapaz e matéria relativa ao reconhecimento de paternidade. O Tribunal asseverou que "o Código de Processo Civil de 2015 tende a humanizar o processo civil ao explicitar a dignidade da pessoa humana como norma fundamental (art. 8º) (...) A atuação do Parquet como custos legis está, sobretudo, amparada pela Constituição Federal (arts. 127, caput, 129, IX, e 226, § 7º), que elegeu o princípio da paternidade responsável como valor essencial e uma das facetas da dignidade humana7". Em outro julgamento, o STJ, em sede de recurso especial, aplicou diretamente a norma do artigo 8º, no tocante à observância do bem comum e da dignidade da pessoa humana. O caso tratava de doação entre o ente municipal e um nosocômio, entidade filantrópica, com cláusula de extinção do contrato e reversão do bem à municipalidade na hipótese de sua utilização em finalidade diversa. O STJ consignou que "o Tribunal a quo, em louvável julgamento, decidiu aplicar o ordenamento jurídico em obediência ao art. 8º do novel Código de Processo Civil, que possui como escopo garantir as exigências do bem comum e atender a finalidade social, 'resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana', haja vista o nosocômio recorrido ser entidade filantrópica, reconhecido como de utilidade pública, que atende milhares de pessoas pelo SUS8". Os casos mencionados demonstram a aplicabilidade imediata das normas fundamentais do processo civil pelos tribunais. O fenômeno da constitucionalização do direto fez incorporar, às normas infraconstitucionais, os princípios fundantes que direcionam toda a interpretação e aplicação das normas processuais. Trata-se de garantias substantivas às partes, assegurando justiça não apenas no tocante ao resultado do processo, mas em todas as etapas de sua realização. __________ 1 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Salvador: Ed. Juspodivm, 2019, p. 127. 2 MIRANDA, Felipe Poyares. In. ALVIM, Angélica Arruda et al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 60. 3 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 60. 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol 1, p. 128. 5 AgInt no AREsp 1308727/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 19/02/2019. 6 AgRg no Ag 1395385/MS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017. 7 REsp 1664554/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 15/02/2019. 8 REsp 1733193/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 21/11/2018.
A celeridade, contribuindo para a pacificação o quanto antes, e a ampla defesa, direcionada a qualidade e estabilidade da prestação jurisdicional, são duas exigências contrapostas. O CPC buscou contempla-las, dando efetividade aos dois postulados constitucionais, a razoável duração do processo e o devido processo legal. O novel Diploma Processual Civil, com acerto, emprestou relevante ênfase à efetividade do processo. Assumindo a compreensão de que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento do qual as partes se valem para alcançar a satisfação de um direito pleiteado perante o Estado-Juiz, o Código estabeleceu uma série de dispositivos buscando garantir a efetiva entrega da jurisdição. Nessa senda, em seu artigo 4º, o CPC reproduziu o princípio de natureza constitucional da razoável duração do processo, assim consignando: "As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa". Historicamente, o processo civil brasileiro tem sido alvo de críticas em razão da excessiva demora na resolução dos conflitos. O apego à forma em detrimento da instrumentalidade dos atos processuais muitas vezes resultou em sua ineficácia em solucionar os conflitos sociais. Por essa razão, a Emenda Constitucional nº 45 alçou, em 2004, a duração razoável do processo a status de direito fundamental. O Código não estabeleceu um lapso temporal fixo para a tramitação processual, tarefa que seria demasiadamente complexa e, se estipulada em abstrato, certamente geraria mais prejuízo do que benefício às partes. A razoabilidade quanto à duração do processo é conceito aberto e abstrato, mas há critérios que podem orientar essa verificação, como a complexidade da causa, o comportamento das partes, os meios necessários de provas, a condução do magistrado entre outros. A norma do artigo 4º não prevê sanções dirigidas à parte que der causa à extrapolação da duração razoável da causa. Isso porque os litigantes não são os destinatários desse preceito. Luiz Guilherme Marinoni, ao comentar o dispositivo pontua que "o seu conteúdo mínimo está em determinar: i) ao legislador, a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional dos direitos em prazo razoável (...), ii) ao administrador judiciário, a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais..., iii) ao Juiz, a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável, inclusive com a adoção de técnicas de gestão capazes de dispensar intimação para a prática de atos processuais1". Fredie Didier destaca a existência de instrumentos que podem servir para concretizar o direito fundamental à razoável duração do processo: "a) representação por excesso de prazo, com a possível perda da competência do juízo em razão da demora (art. 235, CPC); b) mandado de segurança contra a omissão judicial, caracterizada pela não prolação da decisão por tempo não razoável, cujo pedido será a cominação de ordem para que se profira a decisão; c) se a demora injusta causar prejuízo, ação de responsabilidade civil contra o Estado, com possibilidade de ação regressiva contra o juiz; d) a EC n. 45/2004 também acrescentou a alínea "e" ao inciso II do art. 93 da CF , estabelecendo que não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal , não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e) a reclamação por usurpação de competência também pode ser utilizada, quando a usurpação se dá por atos omissivos2". Além das obrigações dirigidas ao legislador, ao administrador judiciário e ao juiz, o artigo 5º do CPC estabeleceu o dever das partes de observância da boa-fé: "aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé". Bem assim, no artigo 6º, consagrou o princípio da cooperação, instituindo que: "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Veja-se que os três dispositivos aqui mencionados (artigos 4º, 5º e 6º) guardam uma complementariedade entre si: o comportamento consoante à boa-fé e a cooperação entre as partes são condutas que convergem para o alcance da solução do conflito em tempo razoável. Diferente da previsão do Código de 1973, em seu art. 14, II, que tratava da boa-fé subjetiva, o artigo 5º do atual Código disciplina a boa-fé objetiva, consistindo num atributo do comportamento dos sujeitos do processo, independentemente do elemento volitivo. Isto é, "basta que determinado ato processual seja apontado como desleal, em uma visão objetiva, para que seu agente, independentemente de ter agido com boa intenção, seja considerado incurso em má-fé3". Assim, o juiz, na condução do processo, poderá punir as partes que incorrerem em atos procrastinatórios, aplicando multas por litigância de má-fé, como forma de coibir práticas abusivas e dilações indevidas e, ao mesmo tempo, de propiciar compensações aos que, de alguma maneira, forem prejudicados com a demora no processo. Como dito, o código também instituiu um princípio geral de cooperação que orienta a conduta de todos os envolvidos no processo - partes, servidores, oficiais de justiça, testemunha, peritos etc. - exigindo-lhes que atuem em prol de uma adequada e célere solução da causa, sem desconsiderar o necessário contraditório e ampla defesa das partes. O princípio da cooperação, conforme leciona Guilherme Rizzo Amaral, "impõe que o juiz colabore com as partes e que as partes colaborem com o Juízo". No tocante à colaboração das partes, trata-se no fornecimento de informações e subsídios que possam subsidiar o juiz na tomada de decisão ao longo do processo. Já no que se refere ao juiz, trata-se de deveres elencados pela doutrina do magistrado em relação aos demais sujeitos do processo a fim de viabilizar a atuação destes na persecução de seus objetivos. São os deveres de i) esclarecimento, ao elucidar eventuais dúvidas, ii) diálogo, ao colher o posicionamento das partes, visando delimitar a controvérsia e formar sua convicção, iii) auxílio e iv) prevenção, ambos aspectos inerentes à superação das etapas processuais: intimação, colheita de provas, constrição de bens etc4. Como visto, a busca pela razoável duração do processo é um objetivo legítimo e que tenciona assegurar, no plano material, o bem da vida pleiteado juridicamente. Todavia, conforme provocação de Fredie Didier, importante que se faça uma reflexão a esse respeito. O processualista chama atenção para a questão de que não há um "princípio da celeridade", ou seja, o processo não tem que ser célere, "o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional". Ora, as garantias processuais são uma conquista histórica dos sujeitos e cidadãos a uma aplicação justa e ponderada do direito e suas normas. É o processo que garante a igualdade entre as partes na lide, a oportunidade de se contraporem às alegações da parte adversa, de produzirem provas, ao duplo grau de jurisdição, entre outros. Todas essas garantias, como é de se esperar, implicam em certo dispêndio de tempo. Todavia, esse tempo é necessário à garantia de um devido processo legal, justo, adequado e que respeite os direitos das partes. "É preciso fazer o alerta para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, porém, que se sinta saudade deles". A celeridade e a justiça compõem, portanto, um binômio que exige delicado equilíbrio. De um lado, muita celeridade implica, quase sempre, em procedimentos que passam por cima de garantias fundamentais ou que geram resultados injustos. De outro lado, excesso de garantias, geram procedimentos intermináveis e injustos porque ineficazes. Por essa razão, o princípio da razoável duração do processo deve ser compreendido sempre em conjunto com as garantias processuais, a fim de se assegurar não apenas a promulgação de uma decisão em tempo razoável, mas que o conteúdo dessa decisão seja adequado e justo. __________ 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil, São Paulo, RT, 2015, p. 97. 2 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Salvador: Ed. Juspodivm, 2019, p. 125-126. 3 ALVIM, Angélica Arruda et. al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 59. 4 ALVIM, Angélica Arruda et. al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 60.
O ordenamento jurídico brasileiro vem atribuindo importância crescente aos princípios como vetores de interpretação jurídica. Tendo impactado, de início, principalmente o Direito Constitucional, as técnicas hermenêuticas que empregam os princípios como elemento informador se espraiaram para outras áreas do Direito, tornando-os elementos indispensáveis das diversas searas jurídicas. A doutrina axiológica avançou ao ponto de cada sub-ramo do Direito possuir seu próprio sistema de princípios que são essenciais para o estudo de cada um deles. Por isto, vislumbrando sua importância como fator de integração do sistema, o legislador optou por positivar nos primeiros artigos do CPC uma série de comandos que respondem diretamente a diferentes princípios do direito processual civil. Nessa senda, o art. 2 º é expressão do princípio da inércia da jurisdição - ou demanda - ao determinar que "o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei". O que se busca é preservar a imparcialidade do juiz, tornando faculdade exclusiva das partes a iniciativa para movimentar o aparato judicial e a delimitação dos contornos do litígio. A segunda parte do dispositivo dá vazão ao subprincípio do impulso oficial, dado que, uma vez provocado pelas partes, o sistema de justiça estatal deve colocar em marcha o processo. A impulsão do processo por parte do juiz é necessária à uma adequada prestação jurisdicional devendo as partes, sempre que solicitadas, colaborar para esse fim de acordo com as instruções fixadas pelo magistrado. Ao final, o artigo dá abertura a disposições diversas ao permitir exceções previstas em lei. Essas exceções, quanto à inércia da jurisdição, se fundamentam na eficaz proteção do bem jurídico que se pretende tutelar e no regular andamento processual. Já as exceções ao impulso oficial decorrem da faculdade das partes em transigir sobre determinados aspectos do processo. Desse modo, o juiz poderá atuar de ofício para, por exemplo, suscitar conflito de competência (art. 951) e instaurar incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 978). Enquanto as partes poderão dispor sobre o próprio procedimento (art. 190), renunciar a prazos (art. 225) e proceder a suspensão convencional do processo (art. 313, inciso II). Registra-se que o novo CPC não abarcou previsão anterior, contida no art. 989 do antigo Código, que permitia ao magistrado instaurar processo de inventário quando não houvesse interessado para tal. Eventuais dissonâncias quanto à aplicação do princípio da inércia podem surgir diante da dinamicidade das relações jurídicas. Foi o caso enfrentado pelo Tribunal da Cidadania no AgInt no REsp 1.364.982 /MG1 que versava sobre a possibilidade de corte revisora determinar a incidência de correção monetária, sem recurso de apelação da parte interessada. Ponderaram os julgadores que a correção monetária, assim como os juros de mora era matéria de ordem pública, cognoscível de ofício em reexame necessário. Assim, "a explicitação do modo como a correção monetária passará a incidir, conforme decidido pela Corte de origem em sede de reexame necessário, não caracteriza reformatio in pejus contra a Fazenda Pùblica, tampouco ofende o princípio da inércia da jurisdição". Já o art. 3 º, em seu caput, revela o princípio da inafastabilidade da jurisdição - direito de acesso à justiça - ao cominar, em redação similar ao do art. 5 º, XXXV da Constituição Federal, que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão ao direito". Essa é a garantia do cidadão de poder provocar uma resposta poder judiciário em no caso de percebida lesão a algum direito. O direito de acesso à justiça, de acordo com a teoria de Mauro Cappelletti e Bryant Garth2, produziu como resultado prático três principais movimentos no intuito de concretizá-lo. A primeira onda renovatória refere-se à assistência judiciária aos pobres e está relacionada ao obstáculo econômico do acesso à justiça. A segunda onda trata da representação dos interesses difusos em juízo e visa contornar o obstáculo organizacional do acesso à justiça. Já a terceira onda tem como escopo instituir técnicas processuais adequadas e melhor preparar os operadores do Direito. No Brasil, a fronteira entre esses movimentos não é bem delineada visto que as inovações legislativas que concretizaram a materialidade do princípio datam de uma faixa temporal concisa, entre a década de 80 e 90, quando criou-se os juizados de pequenas causas(lei 7.244/1984) e regulou-se a arbitragem (lei 9.307/1996), por exemplo. Assim, o novo CPC surge consolidando essas conquistas e albergando novos instrumentos de efetivação do acesso à justiça ao ultrapassar obstáculos, sejam eles temporais, econômicos ou de ordem social, por meio da simplificação dos procedimentos e da cooperação entre as partes. Por seu turno, interpretação consonante com a constituição e os fins do processo judicial apontam que a inafastabilidade da jurisdição não se esgota no direito à movimentar a máquina judiciária, se estendendo ao direito de prestação de uma tutela célere, efetiva e adequada, ao respeito ao devido processo legal e ao necessário contraditório. A inafastabilidade da tutela jurisdicional e o acesso à uma ordem jurídica justa são, portanto, indissociáveis. Os demais comandos do art. 3 º fornecem previsão jurídica e estimulam formas alternativas de solução dos conflitos, seja por meio da arbitragem (§1º) ou por métodos autocompositivos de solução dos conflitos (§3 º) como mediação e conciliação. Esses métodos constituem a nova tendência do direito processual porque, como opção à via jurisdicional ordinária, são mais céleres e tendem a proporcionar maior satisfação aos litigantes ao final do procedimento. A notória sobrecarga processual do poder judiciário encontra nesses métodos uma válvula de escape que, a longo prazo, restringirá às vias judiciais ordinárias apenas os casos em que a solução consensual for impossível ou indesejada. Nesse sentido, a obrigatória realização da audiência de conciliação e mediação é um passo importante para concretizar, em face do jurisdicionado, a autocomposição como uma opção real e viável de solução da lide. Outra medida essencial é a garantia de força executiva, como título judicial, aos acordos autocompositivos homologados em juízo e à sentença arbitral. Além de garantir segurança jurídica às partes, projeta esses métodos como instrumentos eficazes para assegurar direitos no âmbito social. Salienta-se que a urgência em promovê-los vem unindo esforços de todas as funções essenciais à justiça. Atuando no seu campo de competência, cada classe vem buscando desafogar o poder judiciário e materializar o acesso à justiça por meio de uma prestação célere. Dessa forma, enquanto o Ministério Público desenvolve o direito penal negociado, os advogados se preparam para lidar com os métodos autocompositivos como uma nova constante da profissão. Quanto aos magistrados, cabe-lhes reconhecer a força executiva dos títulos originados dos métodos alternativos de resolução dos conflitos, merecendo destaque o julgamento da SE 52063 pela Suprema Corte. Na ocasião questionava-se a constitucionalidade da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Por maioria, considerou o plenário que manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o direito de acesso à justiça. Entretanto, o poder judiciário ainda é acionável nas hipóteses específicas da ação anulatória da sentença arbitral, bem como para a concessão de medidas antecipatórias antecedentes ao procedimento arbitral4. Os artigos 2 º e 3 º do Novo Código são complementares na medida em que comunicam postulados básicos do processo civil sem os quais a jurisdição é desprovida de sua função deontológica de realização da justiça. Logo, o processo só poderá ser justo quando instaurado por pessoa diferente do julgador, enquanto o julgador não poderá escolher os casos sob sua vigília. __________ 1 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. 2 STJ - Agint no REsp: 1364982, Relator: Ministro Benedito Gonçlves, Data de Julgamento: 16 /02 /2017, Primeira Turma. 3 SE 5206 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJ 30-04-2004 4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves comentários ao novo Código de. Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
O processo civil contemporâneo tem como um de seus pilares a ênfase nas formas alternativas de resolução dos conflitos em contraposição ao tradicional modelo de contencioso jurisdicional. Devido à eficiência e rapidez na redução da litigiosidade e na efetiva distribuição da Justiça, tais mecanismos são elementos essenciais de um Poder Judiciário que vise concretizar os princípios constitucionais da razoável duração do processo e do acesso à Justiça. Nesse contexto, mediação e conciliação representam alternativas autocompositivas que funcionam como instrumentos eficazes para solução de conflitos1 por meio da abordagem transformativa, propondo o empoderamento dos envolvidos, encorajando-os a protagonizar a solução do conflito através da cultura de diálogo e responsabilidade. Atento à essa realidade, o Código de Processo Civil previu no artigo 334, caput a realização da audiência de conciliação e mediação como etapa necessária do procedimento comum no processo civil: Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. Consoante o dispositivo, em caso de admissibilidade da petição inicial e procedência do pedido, é dever do juiz designar audiência de conciliação ou de mediação entre as partes litigantes com prazos adequados para a realização da audiência mínimo de trinta dias, e para a citação do réu, vinte dias de antecedência. A audiência apenas não ocorrerá nas hipóteses expressamente previstas no dispositivo (§ 4º): se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição processual, ou, quando não se admitir a autocomposição. No primeiro caso, o autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência(§ 5º). Se houver litisconsortes, todos devem manifestar o desinteresse na realização da audiência em respeito ao tratamento paritário das partes. Já as situações em que não admitem a autocomposição são definidas em interpretação conjunta com o art. 3º da lei 13.140/2015, que possibilita à mediação versar sobre "direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação". Destaque-se que, na hipótese dos direitos indisponíveis transigíveis, o consenso deve ser homologado em juízo com prévia oitiva do Ministério Público. Essa disposição confere guarida legal a transações de direitos que, embora indisponíveis, a admitam em hipóteses específicas, como um casal com filhos menores que, durante uma eventual separação, queira resolver todas as questões de guarda e alimentos por meio de um acordo consensual. Superadas as hipóteses de vedação, a audiência deverá ocorrer no prazo definido, inclusive por meio eletrônico caso haja concordância das partes, permitida a indicação de representantes, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (§10º). A ausência imotivada é considerada ato atentatório à dignidade da justiça de acordo com o §8º do dispositivo em comento, sendo penalizada com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa em favor da União ou do Estado, aplicada àqueles que não comparecerem. Já a permanência no procedimento é facultativa de acordo com o princípio da autonomia da vontade das partes. Além de autor e réu, a lei determina a presença de duas figuras essenciais na audiência de mediação: o advogado e o mediador. O mediador, conforme os requisitos da lei 13.140/2015 deve ser terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Sua principal função é a facilitação da comunicação entre os mediados, através do emprego de técnicas próprias para a busca do consenso. Em suma, o papel do mediador é de agente catalisador, auxiliando no mapeamento dos interesses comuns e dos pontos passíveis de convergência, mas sem participar da decisão ou influenciar atitude: "nisso se baseia sua imparcialidade; é imparcial porque não resolve nem decide"2. Por sua vez, a assessoria jurídica e técnica será prestada, necessariamente, por advogado ou defensor público que deverão acompanhar as partes (§ 9º). A imprescindibilidade de causídico decorre, além da condição de profissional indispensável à administração da justiça, da necessidade de as partes estarem assessoradas por profissional que conheça os liames jurídicos da controvérsia. Desse modo, autor e réu poderão tomar decisões cientes de sua projeção no mundo jurídico e eventuais acordos tendem a garantir maior satisfação aos litigantes. A ausência de profissional expressamente requerido por lei pode gerar prejuízo irremediável a alguma das partes, acarretando a nulidade do procedimento. Interpretando-se o dispositivo legal em consonância com os objetivos da mediação e com a função exercida pelo causídico é possível afirmar que a atuação do advogado não deve se restringir apenas à audiência em si. Ela deve perpassar todas as fases do procedimento, que vão da escolha pelo método ao termo de encerramento. Antes de qualquer procedimento conciliatório o advogado é o primeiro a ter contato com a parte e prestará todos os esclarecimentos necessários sobre esta forma de resolver conflitos, apontando se, para o caso em concreto, a mediação se mostra como alternativa possível. Visando os interesses do constituído, o que inclui a preferência por uma solução consensual, o advogado também deverá adotar postura majoritariamente colaborativa na audiência de conciliação em detrimento da combatividade própria dos julgamentos em tribunais. Tal orientação decorre da aceitação do método empregado para a solução do conflito, de acordo com a estratégia traçada com o cliente, e de previsão do Código de Ética da advocacia que expressamente designa, como dever, o estímulo à conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios. Também é preceito do Código de Ética a aplicabilidade do regulamento sobre honorários à mediação e conciliação, restando vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por via extrajudicial3. Ao final do procedimento, caso seja alcançado um acordo, a autocomposição será reduzida a termo e homologada por sentença. Segundo o rol do art. 515 do CPC, este termo terá força de título executivo judicial e lhes serão atribuídas todos os atributos inerentes à essa condição, tornando impossível o arrependimento unilateral de uma das partes. Acerca dessa matéria, a 4ª Turma do STJ4 foi instada a se posicionar sobre a necessidade de homologação pelo juízo de transação envolvendo direitos disponíveis. O relator posicionou-se a partir do conceito de transação, definindo-o como "negócio jurídico bilateral, em que duas ou mais pessoas acordam em concessões recíprocas, com o propósito de pôr a termo a controvérsia sobre determinada relação jurídica, seu conteúdo, extensão, validade ou eficácia". Daí que, uma vez concluída a transação, seria impossível a qualquer das partes o arrependimento unilateral, mesmo sem homologação do acordo em juízo. A rescisão de tal acordo só seria possível pela demonstração da ocorrência de dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Se uma das partes se arrepender ou se julgar lesada, nova lide pode surgir em torno da eficácia do negócio transacional, porém, a lide primitiva já estará extinta. Portanto, só em outro processo seria possível a rescisão da transação por vício já que esta é considerada ato jurídico, perfeito e acabado. Essa decisão incrementa a eficácia dos procedimentos autocompositivos ao atrelar a eles ao postulado da segurança jurídica. O reforço do status desses métodos projeta benefícios para toda a sociedade, incluindo o desafogamento do Poder Judiciário, a rapidez na solução dos processos, a participação ativa dos sujeitos e a democratização do sistema de justiça. A mediação ainda é de utilização tímida pela advocacia brasileira por motivos estruturais e pedagógicos, de forma que os avanços no fortalecimento dos métodos alternativos de solução dos conflitos contribuem na direção de uma cultura de "desjudicialização", em que as partes litigantes passam a se enxergar, a um só tempo, como atores e destinatários do processo judicial. REFERÊNCIAS COELHO, Marcus Vinicius Furtado. Comentários ao Novo Código de Ética dos Advogados. - São Paulo: Saraiva, 2016. P.91 REsp 1558015/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 23/10/2017. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994. p. 49. WARAT, Luís Alberto. Ecologia, psicanálise e mediação. In: WARAT, Luís Alberto (org.). Em nome do acordo: a mediação no direito. Buenos Aires: Almed, 1998. p. 31. __________ 1 RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994. p. 49. 2 WARAT, Luís Alberto. Ecologia, psicanálise e mediação. In: WARAT, Luís Alberto (org.). Em nome do acordo: a mediação no direito. Buenos Aires: Almed, 1998. p. 31. 3 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. Comentários ao Novo Código de Ética dos Advogados. - São Paulo: Saraiva, 2016. P.91 4 REsp 1558015/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 23/10/2017.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Art. 942 do CPC - Técnica de ampliação do colegiado

Dentre as significativas inovações instituídas pelo Código de Processo Civil de 2015 encontra-se a instituição da técnica de ampliação do colegiado. O instituto tem aplicação em casos de decisão não unânime em julgamento de apelação, ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença e agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgou parcialmente o mérito. Dada a novidade da técnica, o STJ recentemente julgou caso em que definiu algumas controvérsias que pairavam sobre a forma de aplicação do instituto. A figura possui previsão legal no artigo 942 do CPC/2015, segundo o qual: Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. Consoante o dispositivo, em casos de julgamento não unânime, este terá prosseguimento na mesma sessão ou, não sendo possível, em nova assentada, a qual contará com a presença de novos Desembargadores convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Nesse caso, havendo mudança de entendimento por parte de algum julgador após a ampliação do colegiado, fazendo com que a decisão outrora não unânime se torne unânime - considerando-se a composição original do órgão julgador -, a votação pelo colegiado ampliado será mantida. Esse é o entendimento do Fórum Permanente de Processualistas Civis, gravado em seu enunciado 599: "A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942". O parágrafo quarto do dispositivo elenca as hipóteses em que o instituto não será aplicado, quais sejam no julgamento do incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, nos casos de remessa necessária e, por fim, de julgamento não unânime proferido pelo plenário ou pela corte especial. Em novembro de 2018, a 3ª Turma do STJ foi instada, em sede de recurso especial, a se manifestar sobre a correta aplicação e abrangência do instituto1. Na origem, o caso tratava de uma ação de prestação de contas. O banco recorrente alegou que o Tribunal de Justiça de São Paulo usou equivocadamente a nova técnica prevista no CPC, pois no julgamento da apelação, três desembargadores deram provimento para anular a sentença - sendo que a divergência pairava apenas quanto à exigência de perícia contábil no caso. Remanescente essa discussão, foi designada outra sessão de julgamento, quando então um desembargador alterou o voto de anterior provimento e foi acompanhado pela maioria. Por se tratar de apreciação de instituto novo na processualística civil brasileira, o voto traçou importantes parâmetros para se compreender a forma e o alcance da aplicação da técnica de ampliação do colegiado. Em primeiro lugar, o Tribunal asseverou que, conforme entendimento da doutrina majoritária quanto à natureza jurídica do instituto, o referido dispositivo não enuncia uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito da controvérsia fática ou jurídica sobre a qual houve dissidência. Como não se trata de recurso - nem mesmo de recurso de ofício, como a remessa necessária -, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado. Em segundo lugar, o Tribunal debruçou-se quanto ao alcance da matéria a ser conhecida pelo colegiado ampliado. Não obstante a previsão expressa do parágrafo segundo no tocante à possibilidade de alteração de voto já proferido, surgiram questionamentos no meio jurídico acerca de como deveria se dar a compatibilização desse dispositivo com a teoria do julgamento parcial de mérito e da cisão dos atos decisórios em capítulos, sob o paradigma norteador do CPC/2015. "Uma das maiores polêmicas diz respeito a como se dará a continuidade do julgamento na hipótese de se ter uma parte unânime e uma parte não unânime no julgado, isto é, se os desembargadores que chegam para ampliar o colegiado poderão rever as questões que haviam sido objeto de unanimidade ou se deverão restringir seus votos àquelas questões que haviam sido objeto de divergência2". A decisão pontuou que parcela considerável da doutrina parece ter se inclinado pela adoção da tese da tese da ampla cognição do recurso pelo colegiado ampliado. Na lição de Fredie Didier: "Caso a divergência restrinja-se a um ponto ou a um capítulo específico da apelação, deve haver a convocação de mais dois julgadores e estes não estarão, como já se viu, adstritos a discutir e decidir o ponto ou o capítulo divergente. Cumpre aqui lembrar que a regra do art. 942 do CPC não tem natureza de recurso, não havendo, então, efeito devolutivo. A incidência da regra faz apenas interromper o julgamento, que deve ser retomado com quórum ampliado, podendo quem já votou rever seus votos e quem agora foi convocado tratar de todos os pontos ou capítulos, pois o julgamento está em aberto e ainda não se encerrou. Há, com a apliação do art. 942 do CPC, ampliação do debate em todo o julgamento3". Leonardo Carneiro da Cunha, por sua vez, enfatiza que a ausência de efeito devolutivo é consequência da natureza jurídica da técnica de ampliação do julgamento, haja vista não se tratar de recurso. Destaca, ainda, que o prosseguimento da deliberação não tem por objetivo a mera ampliação do quórum, mas, sim, proporcionar a ampliação do debate. "O julgamento não encerrou e irá prosseguir com uma composição ampliada. Todos os julgadores devem examinar os pontos controvertidos e apreciar toda a controvérsia, para que, então, se possa encerrar o julgamento. Haverá ampliação da composição e, igualmente, ampliação do debate, com um resultado mais maduro, fruto de discussão que contou com mais outros julgadores4". Corroborando com esse entendimento, a decisão da 3ª Turma consignou que tal perspectiva interpretativa, que atribui à técnica em análise um caráter de elemento qualificador do julgamento colegiado, vai ao encontro do paradigma norteador da nova legislação processual, visto que privilegia os esforços para "uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente" (art. 926 do CPC/2015). De fato, ao determinar a ampliação do número de julgadores se constatada uma divergência e facultar a revisão, o aperfeiçoamento e até a superação dos fundamentos expostos pelos julgadores na primeira sessão, o art. 942 do CPC/2015 ostenta o relevante propósito de assegurar uma análise mais aprofundada das teses contrapostas, mitigando os riscos de que entendimentos minoritários prevaleçam em virtude de uma composição conjuntural de determinado órgão fracionário julgador e garantindo que sejam esmiuçadas questões fáticas eventualmente controvertidas. Em suma, o Tribunal assinalou três importantes elementos de aplicação da técnica de ampliação do colegiado. Em primeiro lugar, firmou que não se trata de recurso, sendo sua aplicação obrigatória e de ofício, prescindindo de requerimento das partes. Em segundo lugar, reafirmou o que já tinha previsão legal expressa: o julgador que já tiver proferido voto poderá modificar o posicionamento no novo julgamento. Por fim, a Turma concluiu que a análise do recurso pelo colegiado estendido não fica restrita apenas ao capítulo do julgamento em que houve divergência, cabendo aos novos julgadores a apreciação da integralidade do recurso. O novo instituto trazido pelo CPC de 2015 busca, a um só tempo conciliar a celeridade processual, evitando a interposição de mais um recurso, com o duplo grau de jurisdição e a uniformidade e estabilidade da jurisprudência. Dessa forma, em julgamentos não unânimes, mesmo sem a previsão de interposição de embargos infringentes, as partes têm a garantia de que o voto divergente, bem como toda a matéria em discussão, será analisada de forma minudente por um órgão colegiado ampliado, que buscará aplicar a melhor solução ao caso concreto. __________ 1 STJ. REsp 1.771.815. Relator Ministro Ricardo Villas-Bôas Cueva. 2 Rodrigo Becker e Marco Aurélio Peixoto, In: O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: 3 DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, págs. 97-98. 4 Leonardo Carneiro da Cunha, in: O julgamento ampliado do colegiado em caso de divergência (CPC, art. 942) e as repercussões práticas da definição de sua natureza jurídica.
Importante inovação trazida pelo Código Processual Civil de 2015 foi o instituto da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303). Concedida a tutela em caráter antecedente, a decisão torna-se estável caso a parte interessada não interponha recurso. O instituto tem previsão no artigo 304, que estabelece, em seu caput: "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso". Dessa forma, o meio que dispõe o réu para evitar a estabilização da antecipação da tutela é a interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 302, caput). A consequência da não interposição do agravo está prevista no parágrafo primeiro do artigo 304: o processo deve ser extinto. Além disso, o parágrafo terceiro acrescenta que "a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito". A alteração da tutela deferida pode ser pleiteada por meio de ação própria (art. 304, §2º) no prazo de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (art. 304, §5º). "Como simples prosseguimento da ação antecedente, o processo oriundo da ação exauriente não implica por si só inversão do ônus da prova: a prova do fato constitutivo do direito permanece sendo do autor da ação antecedente - agora réu na ação exauriente. Ao réu da ação antecedente - agora autor da ação exauriente - tocará, em sendo o caso, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo. O legislador vale-se aí da técnica de inversão da iniciativa para o debate, que se apoia na realização eventual do contraditório por iniciativa do interessado (contraditório eventual)1". Ao analisar a figura da estabilização da tutela, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça conferiu interpretação ampliativa ao art. 304, entendendo que outras formas de impugnação, como a contestação, servem para impedir que a tutela se torne estável2. No caso apreciado, a autora ajuizou pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente buscando a condenação da Requerida na obrigação de promover nos registros do Detran/SP a transferência, para o seu nome, de veículo, bem como na condenação ao pagamento de danos materiais relativos aos valores eventualmente pagos a título de IPVA e multas referentes ao automóvel. O Juízo de primeiro grau deferiu o pedido de tutela, porém, a ré se antecipou e ofereceu contestação, embora o prazo ainda não tivesse sido iniciado, ocasião em que pleiteou expressamente a revogação da tutela deferida, a qual foi deferida. A referida decisão foi impugnada pela autora por meio de agravo de instrumento, negado pelo Tribunal de origem, razão pela qual a autora interpôs recurso especial. Em seu julgamento, o STJ consignou que uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. A ideia central do instituto, pontuou a Turma, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão, é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. O colegiado asseverou que o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela. O STJ acrescentou, ainda, que não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. Admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada. Da mesma forma, tal situação também acarretaria um estímulo desnecessário no ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. A doutrina inclina-se por entendimento semelhante àquele adotado no julgamento em tela. Segundo leciona Daniel Mitidiero, "se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização de audiência de conciliação ou mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo3". Na mesma linha de entendimento, Fredie Didier Jr., Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira sustentam que "se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo da sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada4". O entendimento esposado pela doutrina e pela jurisprudência privilegia uma interpretação lógico-sistemática e teleológica do dispositivo. Ao concluir que o legislador pretendeu estabilizar a concessão da tutela somente naqueles casos em que não haja oposição da parte adversa, entendem que a contestação do réu é apta a evitar a referida estabilização da tutela, posto que configura uma forma de manifestação de inconformismo com a decisão. __________ 1 MITIDIERO, Daniel, In. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 789. 2 Recurso Especial 1760966/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, data da publicação: 07/12/2018. 3 Idem. 4 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 12ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 690.
O Código de Processo Civil elencou o rol de legitimados aptos a propor ação de levantamento de curatela. Em julgamento de recurso especial1, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que não se trata de rol taxativo, ampliando o elenco para incluir a figura do terceiro juridicamente interessado. O dispositivo em questão assim enuncia: Art. 756. Levantar-se-á a curatela quando cessar a causa que a determinou. § 1º O pedido de levantamento da curatela poderá ser feito pelo interdito, pelo curador ou pelo Ministério Público e será apensado aos autos da interdição. O Código de 1973 conferia legitimidade ativa apenas ao interditado (artigo 1.186, §1º). O novo diploma processual ampliou o rol de legitimados, a fim de expressamente permitir que, além do próprio interdito, também o curador e o Ministério Público sejam legitimados para o ajuizamento da ação de levantamento de curatela, acompanhando a tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do código revogado. Nos atuais moldes previstos pelo CPC/2015, o levantamento da curatela pressupõe um processo instaurado por uma demanda proposta pelo interdito, pelo Ministério Público ou pelo curador, tratando-se de demanda de jurisdição voluntária. O rol do artigo 756, §1º, no entanto, foi posto à apreciação do STJ, em ação que questionou, entre outras matérias, se a natureza do elenco era taxativa ou exemplificativa. No caso, o recurso especial fora interposto por empresa que havia sido condenada ao pagamento de danos morais e pensão mensal vitalícia à vítima de acidente de carro que fora aposentada por invalidez. A recorrente ajuizou a ação de levantamento da curatela em face do recorrido ao fundamento de que haveria prova, posterior à sentença de interdição, que atestaria que o recorrido não possui a doença psíquica que justificou a sua interdição ou, ao menos, que o seu quadro clínico teria evoluído significativamente a ponto de não mais se justificar a medida extraordinária. Dessa forma, haveria um liame jurídico entre a recorrente e o recorrido, tendo em vista a obrigação quanto ao pagamento de pensão mensal vitalícia decorrente das sequelas sofridas pela vítima no acidente automobilístico. A decisão da Turma pontuou que o conceito de parte legítima deve ser aferido tendo como base a relação jurídica de direito material que vincula a parte que pede com a parte contra quem se pede. Como leciona Athos Gusmão Carneiro, "consiste a legitimação para a causa na coincidência entre a pessoa do autor a quem, em tese, a lei atribui a titularidade da pretensão deduzida em juízo, e a coincidência entre a pessoa do réu e a pessoa contra quem, em tese, pode ser oposta tal pretensão". Segundo o julgado, é induvidoso que o art. 756, §1º, do CPC/15 enumera os legitimados para o ajuizamento da ação de levantamento da curatela. A questão a ser examinada, contudo, é se esse rol é taxativo ou se é admissível a propositura da referida ação por outras pessoas não elencadas no referido dispositivo legal. Nesse particular, o colegiado acentuou que, mesmo na vigência do CPC de 1973, a doutrina já se posicionava no sentido de ser admissível a ampliação do rol de legitimados para além mesmo do Ministério Público e do curador, os quais à época, sequer constavam no dispositivo legal. Nesse sentido, a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, ao defenderem a legitimidade de qualquer interessado (o próprio interditado, o seu cônjuge ou companheiro, o seu parente...) através de advogado ou de Defensor Público, ou ao Ministério Público para promover o pedido de levantamento de interdição, dirigido ao mesmo juiz que reconheceu a incapacidade anteriormente, devendo ser apensado aos autos do processo originário2. Embora o novo CPC tenha acrescido no rol de legitimados, expressamente, apenas o Ministério Público e o curador, a doutrina permanece defendendo que a ação de levantamento da curatela pode ser ajuizada por outras pessoas que não aquelas arroladas no art. 756, §1º. Nesse sentido, propõem Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.: "o pedido de levantamento/modificação da curatela - ao menos de acordo com o texto legal - só poderá ser feito pelo interdito, pelo curador ou pelo Ministério Público. Não se pode deixar de apontar, entretanto, que não faz o mínimo sentido que os legitimados para levantamento/modificação da curatela figurem em um rol bem menos amplo do que os legitimados para a requererem (art. 747, CPC/2015). Por isso, perfeitamente admissível o reconhecimento de que, além das pessoas enumeradas no art. 756 do CPC/2015, também possam requerer o levantamento/modificação da curatela o cônjuge ou companheiro do curatelado, parentes ou tutores, ou mesmo o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando"3. Em consonância com o entendimento já esposado pela doutrina, o STJ concluiu, no caso em comento, que o rol do art. 756, §1º, do CPC/15, não enuncia todos os legitimados a propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que outras pessoas, que se pode qualificar como terceiros juridicamente interessados em levantá-la ou modificá-la, possam propor a referida ação, como, na hipótese, a recorrente, que: (i) não participou do processo que gerou o decreto de interdição; (ii) foi condenada ao pagamento de pensão vitalícia em virtude, essencialmente, de ter sido constatada a necessidade de curatela do recorrido em razão de transtorno de estresse pós-traumático decorrente de acidente por ela causado; (iii) alega possuir provas de que a doença psíquica não existe ou, ao menos, evoluiu significativamente, o que potencialmente impactaria em sua condenação. A Turma concluiu que a razão de existir do art. 756, §1º do CPC/15, até mesmo pelo uso pelo legislador do verbo "poderá", é de, a um só tempo, enunciar ao intérprete quais as pessoas têm a faculdade de ajuizar a ação de levantamento da curatela, garantindo-se ao interdito a possibilidade de recuperação de sua autonomia quando não mais houver causa que justifique a interdição, sem, contudo, excluir a possibilidade de que essa ação venha a ser ajuizada por pessoas que, a despeito de não mencionadas pelo legislador, possuem relação jurídica com o interdito e, consequentemente, possuem legitimidade para pleitear o levantamento da curatela. A decisão do STJ buscou resguardar, fundamentalmente, o direito de acesso à justiça, insculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, na medida em que permite que terceiros juridicamente interessados possam provocar o Judiciário para obter a tutela de sua pretensão, ainda que não tenham sido elencados expressamente como legitimados ativos no caso. Não fossem considerados legitimados, restaria obstado o acesso a pleitear, em juízo, a defesa de seus interesses. Ademais disso, o terceiro juridicamente interessado, no caso em comento, não havia participado da ação de interdição que reconheceu o fato gerador de sua obrigação de indenizar. Posteriormente, ao ser reconhecido como legitimado para a propositura da ação de levantamento da curatela, teve assegurada a oportunidade de apresentar em juízo elementos probatórios os quais, segundo alegou, seriam suficientes para demonstrar que o recorrido não possuía a patologia que resultou em sua interdição ou que teria havido melhora substancial no quadro clínico, situação esta que afetava diretamente o pensionamento ao qual foi obrigado. __________ 1 Recurso Especial 1.735.668 - MT, julgado em 11/12/2018. 2 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 903. 3 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 1312.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Art. 1º do CPC - Constitucionalização do processo

O artigo que inaugura o Código de Processo Civil positiva um fenômeno há muito já observado e analisado pela doutrina e jurisprudência pátrias. Trata-se da chamada constitucionalização do processo, podendo-se falar, inclusive, em uma primeira e segunda etapas desse movimento. A primeira seria a compreensão das normas processuais como garantias constitucionais contra o arbítrio do Estado, e a segunda, o reconhecimento da necessidade de se compreender o processo a partir dos direitos fundamentais, passando-se a aplicar uma metodologia própria desses direitos e a nova teoria das normas ao processo civil1. O dispositivo explicita a adoção, pelo legislador, da teoria do direito processual constitucional, ao que dispõe: Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. Não se trata de um enunciado meramente retórico. A norma possui importante aplicação prática: "vale de garantia eficaz contra qualquer dispositivo que contrarie a Constituição, bem como é fator de interpretação para a aplicação dos dispositivos processuais. Aqui, a lei processual e a própria atividade jurisdicional em si, submetem-se às normas e aos valores constitucionais, os quais lhes servem de fonte e legitimam o seu exercício, ao tempo em que impedem o autoritarismo e o abuso2". À luz da constitucionalização do processo, a principiologia constitucional passa a orientar as normas processuais, seja no momento de sua elaboração, seja em sua interpretação e aplicação ao caso concreto. Elpídio Donizetti3, ao analisar a evolução do direito processual assim destaca: "compreendida a autonomia processual, os processualistas - ao mesmo tempo em que os constitucionalistas se movimentavam para buscar a eficácia da Constituição (neoconstitucionalismo) - conscientizaram-se da necessidade de direcionar o processo para resultados substancialmente justos, superando o exagerado tecnicismo reinante até então, o que deu origem ao período de instrumentalismo (ou teleologia) do processo". Essa fase instrumentalista ou mesmo "neoprocessualista" pretende conferir não apenas coerência, unidade e integridade ao sistema jurídico, mas também assegurar uma finalidade de ordem pública: a realização justiça no caso concreto. "O processo distancia-se de uma conotação eminentemente privada, deixa de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para realizar justiça4". O direito processual constitucional passa, portanto, a servir como ferramenta que confere coerência ao sistema, servindo de padrão indicativo para as regras normativas rumo a uma decisão justa. Nesse sentido, observa-se decisão do Superior Tribunal de Justiça5 que não admitiu a suspensão de passaporte para coação do devedor. A Quarta Turma do Tribunal considerou a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. A decisão ressaltou que ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Acrescentou, ainda, que o próprio diploma processual civil de 2015 cuidou de dizer que, na aplicação do direito, o juiz não terá em mira apenas a eficiência do processo, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade. Dessa forma, o fato de o legislador, quando da redação do art. 139, IV, dispor que o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias, não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade. A ideia contida no fenômeno da constitucionalização do processo, para além de sua positivação expressa no artigo 1º, permeia todo o Código de Processo Civil. O caráter substancialista e teleológico do processo pode ser percebido no princípio da primazia da decisão de mérito e em todos os dispositivos que, decorrentes dele, visam à superação de questões processuais para o atingimento da efetiva apreciação do conflito entrega da prestação jurisdicional às partes. A constitucionalização do processo também se mostra na medida em que foram positivados no novo diploma princípios antes adstritos à Constituição Federal, como o da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 3º), duração razoável do processo (art. 4º), cooperação (art. 6º), dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência - quando aplicados ao processo (art. 8º), contraditório (7º e 9º), não surpresa (arts. 9º e 10º) e publicidade (arts. 8º e 11). Essa previsão expressa pode representar uma abertura por parte do Superior Tribunal de Justiça na apreciação de violações aos princípios constitucionais, aplicados ao processo. Segundo lembra Guilherme Rizzo Amaral, "na vigência do CPC revogado, a violação direta a tais princípios dificilmente era objeto de análise nos Tribunais Superiores. Se, por um lado, o STJ consolidou jurisprudência no sentido de que tal análise caberia tão somente ao STF, por outro, o STF, salvo raríssimas exceções, estabeleceu ser inviável a análise da alegação de violação a tais princípios sob o fundamento de se tratar de ofensa reflexa ao texto constitucional6". A busca pela efetividade do processo por meio da interpretação e aplicação de suas normas à luz dos princípios constitucionais, contudo, não pode ser lida como um aval para a prevalência, a priori, de todo e qualquer princípio constitucional - muitas vezes de densidade abstrata e significação fluida - sobre as normas processuais. Há que se recordar que a constitucionalização do processo implica considerar que também as normas processuais são orientadas por um princípios ou valor que deve ser devidamente sopesado no caso concreto. "É intrínseco a toda norma processual um conflito entre efetividade e segurança. Esse é um dado com que deve trabalhar o legislador, ao criá-la, e o magistrado ao aplicá-la ou mesmo ao concebê-la diante da omissão do legislador. (...) Dessa forma, a leitura do art. 1º do CPC não pode superestimar a primeira parte - "ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais" - e subestimar a segunda "observando-se as disposições deste Código" -, que, claramente, contém uma mensagem de reforço e observância às regras processuais, não como uma obediência cega à legislação, fruto de um formalismo pernicioso, mas, sim, como reconhecimento de que o respeito às normas estabelecidas pelo legislador é uma decorrência lógica do valor segurança7". Portanto, a constitucionalização do processo acarreta, também, uma aplicação mais acurada dos métodos de ponderação entre princípios e valores constitucionais. O afastamento de uma norma processual, em nome da aplicação de um princípio constitucional, há que considerar que também o processo carrega princípios de ordem constitucional, bem como o fato de que a preservação de suas normas atende ao valor da segurança jurídica. Não obstante à abertura para uma complexidade adicional na solução dos casos concretos, não há dúvidas de que o CPC refletiu o movimento, já existente, de constitucionalização do direito como um todo. Essa convergência demonstra não só a modernidade do diploma, como a sensibilidade às mudanças e necessidades sociais de acesso à justiça e realização da ordem jurídica justa. __________ 1 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: Atlas, vol. 1, 2010, p. 17. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 58. 3 DONIZETTI, Elpídio, Evolução (fases) do processualismo: sincretismo, autonomia, instrumentalismo e neoprocessualismo. Disponível em: 4 Idem. 5 RHC 97.876. 6 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 47-48. 7 Idem. 
Além de manter as já existentes cláusulas de eleição de foro e de distribuição convencional do ônus da prova (artigos 11 e 333, parágrafo único do CPC/1973 e artigos 3º e 373, §3º do CPC 2015), o atual Código de Processo Civil ampliou as hipóteses de negócios processuais típicos e instituiu a cláusula geral de negociação processual. A figura, inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, possibilita às partes realizar acordos procedimentais, ajustando-os conforme sua vontade e interesse, nas hipóteses em que a causa versar sobre direitos que admitam autocomposição. O instituto tem previsão no artigo 190 e parágrafo único, in verbis: Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. O CPC/2015 estabeleceu, em diversos dispositivos, elementos sobre os quais poderiam as partes negociar, os chamados negócios processuais típicos. São exemplos: a fixação de calendário processual para a prática dos atos processuais (art. 191); a renúncia expressa da parte ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor (art. 225); a suspensão convencional do processo (art. 313, II); e a delimitação consensual das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória e de direito relevantes para a decisão do mérito na fase de saneamento (art. 357, §2º). A novidade do artigo 190 é a ampla possibilidade de alteração e inovação no rito processual, respaldada numa cláusula geral que permite que sejam firmados negócios processuais atípicos. Todavia, essa ampla negociação não é ilimitada. O parágrafo único do dispositivo resguarda o poder judicial de apreciar a validade daquilo que foi convencionado pelas partes, podendo este recusar a aplicação das cláusulas negociadas nos casos de nulidade, inserção abusiva de cláusula em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Teresa Arruda Wambier destaca que "por força do art. 190 do NCPC, portanto, não reputamos ser possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha por objeto deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o 'vale tudo' processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. (.) Não se pode, é nossa convicção, dispor em negócio jurídico processual que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual1." Não é demais lembrar que os princípios da eticidade, boa-fé e lealdade processual informam a integralidade do novo Código Processual Civil, de modo que o negócio processual não permite toda e qualquer forma de avença. O enunciado nº 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), por exemplo, definiu que "O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação". Além disso, os arranjos processuais devem observar a razoável duração do processo, alçada à garantia fundamental pela Constituição de 1988 e reiterada pelo próprio diploma processual civil, em seu artigo 6º. De toda forma, resta à doutrina e à jurisprudência a definição gradual dos limites daquilo que pode ou não ser objeto de convenção pelas partes. Nesse sentido, o FPPC traçou outras diretrizes para a interpretação e aplicação do instituto, por meio dos seguintes enunciados: 17: "As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção"; 19: "São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória", 20: "Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da 1ª instância" e 21: "São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais". Por fim, no tocante ao parágrafo único, o enunciado nº 18: "Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica". Interessante destacar, ainda, que não há empecilho quanto à utilização do instituto por parte da Administração Pública, desde que preservado o princípio da indisponibilidade do interesse público. Não se trata de dispo, renunciar ou transacionar em relação ao direito material em si, o qual permanece indisponível, e, portanto, impassível de transação. Entretanto, a forma de seu exercício pode ser objeto de transação recíproca. Nesse sentido, o FPPC registrou no enunciado nº 135 que "a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual". A ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi, em voto proferido em sede de recurso especial2, destacou a inserção do instituto num movimento mais amplo pelo qual passa o processo civil, que "incentiva a desjudicialização dos conflitos e o sistema multiportas de acesso à justiça, mediante a adoção e o estímulo à solução consensual, aos métodos autocompositivos e ao uso dos mecanismos adequados de solução das controvérsias, sempre apostando na capacidade que possuem as partes de livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos do modo que melhor lhes convier (o que se reflete, inclusive no âmbito do processo, com a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos a partir de uma cláusula geral - art. 190 do CPC/15)". Dessa forma, a moderna inovação do Código privilegia a autonomia das partes, possibilitando que o processo seja um meio efetivo à realização do direito pleiteado, e que, como instrumento que é, possa se adequar às características, necessidades e peculiaridades do conflito. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 356-357. 2 STJ. Terceira Turma. REsp 1.623.475 / PR. Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em: 17/04/2018.
A (im)penhorabilidade dos bens responde a duas indagações não apenas jurídicas quanto também sociais. A um, quais os valores protegidos de modo preponderante em uma sociedade. A dois, até qual patamar a proteção desses valores pode impedir o cumprimento de um título executivo, seja judicial ou não. Afinal, o cumprimento das obrigações também é um valor importante para a convivência social. Esse tema tem sido tratado de forma especial pela doutrina, jurisprudência e pelo legislador. O artigo 833 do Código de Processo Civil, em seu inciso IV, estabelece a impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar, nos seguintes termos: Art. 833. São impenhoráveis: IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o; O dispositivo correspondente no Código de 1973, o artigo 649, trazia em seu caput a expressão "absolutamente", o que evidencia uma mudança substancial ocorrida no processo de execução no que diz respeito à restrição da penhorabilidade de verbas alimentares. Em outras palavras, o novo diploma retirou do ordenamento o caráter absoluto da impenhorabilidade de verbas alimentares. Reflexo disso é a recente decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça1, que reconheceu a existência de uma exceção implícita à regra geral da impenhorabilidade para o caso em que a penhora de parte dos vencimentos do devedor não é capaz de atingir a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família. A matéria foi apreciada em sede de embargos de divergência em recurso especial, cuja questão de fundo versava sobre a possibilidade ou não de penhora de parte do salário, vencimento ou remuneração do devedor, para o pagamento de débito não alimentar. Na ocasião, o colegiado relativizou a regra do inciso IV do artigo 833 do CPC, em nome dos princípios da efetividade e da razoabilidade, consoante constou no voto proferido pela ministra Nancy Andrighi. Antes da vigência do CPC/2015, a Corte Cidadã flexibilizava a regra somente no caso de penhora realizadas para o pagamento de verbas alimentícias, por força do parágrafo segundo do artigo 649 do CPC/1973 (com correspondência no parágrafo segundo do artigo 833 do CPC/2015). Referido entendimento prevaleceu nas Turmas integrantes da Primeira Seção do Tribunal após a entrada em vigor do novo Codex: "O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia2." De outro lado, as Turmas da Segunda Seção esposavam posicionamento de relativização dessa regra geral. A Terceira Turma assim decidiu: "1. Controvérsia em torno da possibilidade de serem penhorados valores depositados na conta salário do executado, que percebe remuneração mensal de elevado montante. 2. A regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o executado recebe a sua remuneração, situação abarcada pelo art. 649, IV, do CPC/73, pode ser excepcionada quando o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família. 3. Caso concreto em que a penhora revelou-se razoável ao ser cotejada com o valor dos vencimentos do executado3". No mesmo sentido, asseverou julgado da Quarta Turma: "1. No tocante à impenhorabilidade preconizada no art. 649, IV, do CPC/73 esta eg. Corte adotou o entendimento de que a referida impenhorabilidade comporta exceções, como a que permite a penhora nos casos de dívida alimentar, expressamente prevista no parágrafo 2º do mesmo artigo, ou nos casos de empréstimo consignado, limitando o bloqueio a 30% (trinta por cento) do valor percebido a título de vencimentos, soldos ou salários. Some-se a este entendimento, outras situações, tidas por excepcionais, em que a jurisprudência deste eg. Tribunal tem se posicionado pela mitigação na interpretação do art. 649, IV, do CPC/734". O relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, destacou a complexidade da discussão: "O caso dos autos é bastante ilustrativo da complexidade da questão relativa à impenhorabilidade das verbas que representam a remuneração pelo trabalho ou proventos de aposentadoria. É que, em um primeiro momento, tais verbas destinam-se à manutenção do devedor e de sua família, que recebem do Código de Processo Civil proteção com o fim de que possam manter sua subsistência, seu mínimo essencial. Sob outra perspectiva, o processo civil é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Assim, não se autoriza que o executado abuse desse princípio, manejando-o para indevidamente impedir a atuação executiva de um direito". Notadamente as partes têm direito a um tratamento processual isonômico. Isso implica, no caso mencionado, no direito a receber tratamento jurisdicional que saiba equilibrar, de um lado, o direito do credor à satisfação do crédito executado e, de outro, o direito do devedor a responder pelo débito com a preservação de sua dignidade. O relator ressaltou, ainda, que estavam em questão, potencialmente contrapostos, direitos fundamentais das partes. De um lado, o credor tem direito ao Estado de Direito, ao acesso à ordem jurídica justa, ao devido processo legal processual e material. De outro, também o devedor tem direito ao devido processo legal, que preserve o mínimo existencial e sua dignidade. A Corte Especial, por maioria, decidiu que sob a ótica da preservação de direitos fundamentais, o direito do credor a ver satisfeito seu crédito não pode encontrar restrição injustificada, desproporcional ou desnecessária. No que diz respeito, portanto, aos casos de impenhorabilidade (e sua extensão), só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. A doutrina recente tem se afirmado no mesmo sentido de flexibilização da impenhorabilidade e equilíbrio entre a dignidade do devedor e a satisfação do débito existente. Também mencionado pela decisão do STJ, Hermes Zaneti Júnior5 observa que "Nos casos concretos, precisará ocorrer uma análise da constitucionalidade da restrição e das restrições à restrição. A regra legal da impenhorabilidade é em princípio típica, mas admite ampliações e restrições por força da existência de direitos fundamentais implícitos e posições jurídicas fundamentais não previstas nas hipóteses casuísticas nela declinadas". Na mesma direção é o ensinamento de Marinoni, Arenhart e Mitidiero6: "O exagero no elenco de bens a que se confere essa impenhorabilidade, ao contrário de proteger o devedor, acaba por prejudicá-lo, pois o comércio exige maiores garantias para permitir que qualquer pessoa possa realizar compras e financiamentos. Desta forma, impõe-se a limitação da extensão dada a esta impenhorabilidade, nos moldes da atual redação do art. 833 do CPC, cingindo-se a impenhorabilidade aos bens imprescindíveis à manutenção do padrão médio de vida da entidade familiar". A decisão do STJ, portanto, buscou equilibrar os direitos fundamentais em conflito no caso. Assegurou a garantia do mínimo existencial e da dignidade do devedor, sem desassistir a efetividade do processo e a satisfação do crédito pleiteado. A interpretação do dispositivo em questão deu-se de maneira teleológica, observando-se a finalidade da norma, qual seja a garantia de um padrão de vida médio ao credor, para si e para sua família, capaz de lhes garantir dignidade. Não afetando referido limite, concluiu o Tribunal que a penhora pode recair sobre percentual de seus vencimentos ou outras verbas de natureza alimentar, a fim de assegurar tutela jurisdicional que confira efetividade, na medida do possível e do proporcional, aos direitos do credor. __________ 1 Benedito Gonçalves. Data do julgamento: 3/10/2018. 2 AgInt no AREsp 1116479/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 10/11/2017. 3 REsp 1514931/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 6/12/2016. 4 AgInt no AREsp 949.104/SP, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017. 5 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Comentários ao Código de Processo Civil, v. XIV, ed. 2016. 6 MARINONI, Luiz Guilherme et al, Curso de Processo Civil, v. 2, 2015, p. 903.
O novo Código de Processo Civil assevera que os honorários sucumbenciais serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou, quando não for possível mensurá-lo, adota-se como método alternativo o valor da causa, in verbis: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. A pedido do Instituto dos Advogados de São Paulo, IASP, entidade secular da advocacia paulista, elaboramos parecer acerca de matéria objeto do Agravo em Recurso Especial n. 262.900, no qual as partes discutiam a fixação dos honorários sucumbenciais segundo o art. 85, § 2º do Novo Código de Processo Civil. Na ocasião, firmamos o entendimento no sentido da inequívoca previsão do novo CPC quanto ao parâmetro de fixação da verba honorária, qual seja, entre dez e vinte por cento, como regra geral. No Código de 1973 já havia sido estabelecido parâmetro para a fixação dos honorários, porém limitado ao valor da causa. Inspirado no percentual previsto no artigo 55 da lei 9.099/1995, o CPC/2015 inovou nas balizas com o fim de prestigiar o trabalho do advogado, especialmente nos casos em que não há condenação em valores, a exemplo das ações meramente declaratórias. Por ser norma infraconstitucional, o dispositivo deve ser interpretado, pela lógica hierárquica das normas, em obediência aos ditames constitucionais, principalmente, devido à pertinência temática, em relação ao art. 133 que elenca o advogado como figura essencial ao sistema de justiça. Consequentemente, esta e outras normas infraconstitucionais que versem sobre honorários e até decisões judiciais devem observar a natureza alimentícia dos honorários. A máxima eficácia a esse postulado constitucional é expressa pela Súmula Vinculante 47 do STF1, cuja definição de indispensabilidade do advogado deve orientar todo o sistema jurídico. No entanto, o referido dispositivo é alvo de críticas acerca de sua aplicação, buscando-se uma interpretação que restringe sua incidência. A principal tese nesse sentido defende que, pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível, por interpretação extensiva, aplicar o método de apreciação equitativa do art. 85, §8º a causas sem valor irrisório, resultando em redução significativa dos honorários devidos. O parágrafo 8º do art. 85 assim dispõe: § 8o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o. Observa-se que a previsão do parágrafo oitavo é uma exceção à regra prevista no parágrafo segundo, disciplinando forma diversa de fixação dos honorários nas causas em que o valor for "inestimável, muito baixo ou irrisório o proveito econômico". O dispositivo excepciona a regra geral prevista no parágrafo segundo com a finalidade de impedir o aviltamento dos honorários advocatícios, nas hipóteses de impossibilidade de aferição do valor da causa (valor inestimável) e naquelas em que, caso fosse aplicado o percentual de dez a vinte por cento, o valor dos honorários seria aviltado. Outra exceção à regra geral, foi prevista para a fixação dos honorários nas causas em que for parte a Fazenda Pública, no parágrafo 3º: § 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais: I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos; II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos; IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos; V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos. Tem-se, portanto, que o parágrafo 2º do art. 85 estabelece a regra geral de fixação dos honorários sucumbenciais, sendo os parágrafos 3º e 8º uma exceção, que deve ser aplicada, por isso, de forma restritiva, não podendo se estender para casos não elencados na hipótese legal. Alexandre Freire e Leonardo Albuquerque2 lecionam que o §2°, por sua vez, reproduz as linhas mestras de arbitramento dos honorários de sucumbência na legislação atualmente vigente. A doutrina e a jurisprudência têm se posicionado no mesmo sentido. Nessa linha, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do AREsp 262.900: "infere-se que o parágrafo 2°, do art. 85, do CPC de 2015 evidentemente enuncia a regra geral que deve prevalecer na sentença que fixa o dever do vencido pagar honorários ao advogado vencedor". Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, delimitou-se ao magistrado os contornos específicos para balizar-se na fixação dos honorários sucumbenciais, especialmente nas relações entre entes privados. O novel codex processual restringiu a possibilidade de se adotar o critério da equidade na fixação dos honorários de sucumbência, independentemente do conteúdo da decisão. O julgador fica adstrito a decidir os valores sucumbenciais dentro daqueles limites, podendo usar da equidade apenas nos casos específicos previstos na própria lei, desautorizada a interpretação extensiva nessa matéria. Dessa forma entendeu a 4ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça3: "Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, "[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85]" aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito". Não se trata de afirmar que o uso da equidade para o arbitramento dos honorários advocatícios foi rechaçado do ordenamento jurídico, ou mesmo desmerecê-la como técnica de fixação de honorários. Ocorre que, como delineado no julgado em referência, a equidade ficou restrita a casos específicos, de comandos impostos na legislação, expressos no § 8° do art. 85. Dispôs desta maneira o Enunciado n. 6° do Conselho da Justiça Federal "a fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no §8° do art. 85 do CPC". Salienta-se que a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade é excepcional no caso de fixação dos honorários sucumbenciais, sendo vedada seu emprego como meio de restrição à quantia sucumbencial. Deve-se observar a norma jurídica expressa sobre o assunto, que hoje norteia sem qualquer liame de dúvida os limites destas verbas, adotando-se, ainda, a ordem de gradação dos honorários, contida dentro do §2°. Enfim, o texto normativo inaugurado junto ao Código de Processo Civil de 2015, entabulou no art. 85, especificamente em seu §2°, as margens para a fixação dos honorários sucumbenciais, não abrindo espaço para interpretações que, disfarçando a tentativa de aviltar os honorários advocatícios, se utilizem de princípios como o da equidade, proporcionalidade ou razoabilidade, para quantificar os honorários em patamares aquém daqueles estabelecidos pela norma processual vigente. Além da evidente relevância dos honorários sucumbenciais na remuneração justa da advocacia, a regra de sucumbência no atual CPC serve como instrumento de racionalização da prestação jurisdicional, num cenário de enorme crescimento do número de demandas judiciais e da dificuldade do Poder Judiciário de enfrentá-las em tempo razoável. Em parecer proferido a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o professor Luciano Benetti registra que os honorários sucumbenciais possuem uma função sistêmica na prestação jurisdicional que supera seu mero impacto monetário às partes envolvidas nos litígios. A partir do ferramental teórico da Análise Econômica do Direito, ele observa que "a função sistêmica dos honorários sucumbenciais extrapolam a mera remuneração dos advogados vencedores de litígios - antes, eles operam como 'majorador' do risco (e do custo mesmo) associado à litigância, criando incentivos adicionais contra a litigância predatória ou frívola". Para ele, mecanismos como a estrutura de sucumbência - que compreende os honorários de sucumbência - precificam o risco envolvido na demanda judicial. Nesse aspecto, caso o risco de sucumbência seja elevado, os honorários de sucumbência acabam operando como um potencializador do risco sucumbencial/financeiro: afinal, por disposição expressa do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, os honorários de sucumbência são calculados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% do proveito econômico obtido pela parte vencedora, ou valor atualizado da causa. Assim, conclui Benetti que se o sistema brasileiro não possuísse o instituto dos honorários sucumbenciais, ou o tivesse de forma mitigada (fora da baliza estabelecida pelo Novo CPC), veríamos, seguramente, uma tendência de aumento nos litígios de natureza frívola ou predatória. Nesse caso, perderíamos forte mecanismo contra a excessiva judicialização de demandas que já assola o sistema jurisdicional brasileiro, que voltaria a se acentuar. Consoante afirmamos no parecer aprovado pelo IASP, "a aplicação dos parâmetros previstos no artigo 85, §2º do Novo CPC é a técnica hermenêutica que melhor conforma os postulados constitucionais do advogado como ator essencial da justiça e da natureza alimentícia dos honorários, sejam contratuais ou sucumbenciais. Interpretação extensiva do artigo 85, §8º deve ser rechaçada porquanto os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não podem servir como ferramentas para aviltar verba alimentar de status constitucional". Inafastável, portanto, a conclusão de que o Código de Processo Civil estabeleceu regra geral expressa quanto aos parâmetros de fixação da verba honorária, de modo que tais percentuais não podem ser flexibilizados pelo julgador. __________ 1 Súmula vinculante 47: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. 2 Honorários Advocatícios / Coord. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, Luiz Henrique Volpe Camargo. - Salvador: Juspodivm, 2015, Pg.: 75. (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v.2; Coord. Geral, Fredie Didier Jr.). 3 REsp 1731617/SP, julgado em 17/4/2018.