Uma decisão da Suprema Corte suíça em abril de 2019 passou relativamente desapercebida pela imprensa em geral à época, sendo considerada apenas um referencial para uma situação de trabalho até então incomum: a dos empregados em home office. No entanto, no atual contexto de discussão sobre o "novo normal", a decisão da mais alta Corte do país proferida no mundo pré-pandêmico ressurgiu com força, assustando as empresas no país e gerando grande debate na mídia jurídica.
É que ao discutir o caso de um ex-empregado que alegava ter usado um dormitório de sua casa como escritório e arquivo/depósito e que, por isso, considerava justo o ressarcimento com os custos de seu aluguel residencial, o tribunal constitucional deu razão ao autor da ação.
No caso, consta do acordão, o funcionário começou a trabalhar de casa pois a empresa ainda não tinha disponibilizado a ele um espaço no escritório e não havia em seu contrato de trabalho a possibilidade ou obrigatoriedade do trabalho de casa. Os meses foram passando sem qualquer novidade por parte da empresa e, após o término de seu contrato de trabalho - ele havia sido contratado por um período de tempo determinado -, decidiu então processar seu ex-empregador para que parte de seus custos do aluguel residencial durante o tempo do contrato fosse ressarcido.
Apesar de os fatos do caso representarem uma situação muito específica - e principalmente, de não refletirem toda a discussão atual no pós pandemia e que obviamente mudou a percepção muitos sobre o tema -, boa parte dos jornais suíços tem trazido esse caso de volta ao debate público, gerando grande discussão entre empresas, advogados e compliance officers, pois alguns pontos da decisão poderiam ser utilizados por analogia a situações mais atuais e, por consequência, impactar os custos das empresas.
Exemplo dos pontos em abertos: o Supremo Tribunal Federal suíço argumenta em um dos pontos do acordão que pouco importa quais os custos exatos que um empregado tem ao trabalhar em sua própria casa (e que ele não precisa fixar um montante específico), e sim a constatação que os custos são do interesse direto ou indireto do empregador. O debate de hoje, a partir desse raciocínio, é como definir e monetizar "interesses diretos" e "interesses indiretos". A decisão não traz pistas sobre isso.
Segundo exemplo: outro ponto do acordão que tem gerado grande discussão no país é sobre o uso de parte do imóvel do empregado para "benefício da empresa" e se isso mereceria algum tipo de compensação. No caso julgado, o ex-funcionário alegou que os materiais de arquivo da empresa ocupavam muito espaço de sua casa, o que reforçou para a Corte a necessidade da indenização sobre o aluguel. Ainda que a questão de arquivo físico esteja cada vez menos presente com a digitalização do trabalho, se discute como se resolveriam situações diferentes de uso/ocupação do espaço da casa que gerariam impacto diferentes na vida do empregado. Por exemplo, nos casos de funcionários que moram com suas famílias X que moram sozinhos, esses impactos seriam diferentes e mereceriam respostas diferentes do empregador?
Claro que essas discussões de hoje relativas ao caso de 2019 partem da premissa de ter havido obrigação ao funcionário de trabalhar ao menos parte de suas horas em regime home office. Para a legislação suíça, se a empresa disponibiliza espaço adequado para o trabalho presencial, mas o empregado opta por trabalhar de casa, não há qualquer ônus para o empregador - e não há grandes dúvidas sobre isso.
Mesmo assim, diante de tantas novas dúvidas e também da constatação que o regime de trabalho híbrido (parte presencial e parte home office) será o novo normal pelo país, há grande expectativa sobre a necessidade de uma nova lei Federal regulamentando a questão, ao menos disciplinando pontos básicos para orientar as empresas e empregadores.
A decisão do Supremo Tribunal Federal suíço no caso 4A_533/2018 pode ser acessada na íntegra, em alemão, aqui.