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Com a palavra, o consumidor

Análise dos principais problemas de consumo. O Direito do Consumidor de forma simples e didática.

Fernando Capez
terça-feira, 27 de setembro de 2022

Acidente de consumo e o recall

A utilização corriqueira de produtos e serviços pode causar sérios danos aos compradores. Seja pela falta de informação sobre o correto modo de utilização ou por alguma inconsistência no projeto ou fabricação, é fundamental que os consumidores tenham cautela. Tais produtos apresentam riscos previsíveis, aqueles que devido à sua natureza, modo de uso ou destinação são por si só perigosos; sendo, porém, admitida sua venda desde que acompanhado de orientação sobre a forma de uso e modo de prevenção (facas, tesouras, botijão de gás, remédios, dentre outros). Perigosos também são os produtos de risco imprevisível, aqueles que não geram risco à saúde, vida ou integridade biopsicológica do consumidor por sua essência, mas por defeitos de fabricação. Nesses casos, havendo ciência do defeito depois de tê-los disponibilizado para consumo, deverá o fornecedor convocar os compradores para troca ou reparo. Um acidente de consumo é aquele que causa dano à saúde ou segurança do consumidor, decorrente do uso normal do produto ou serviço. O defeito poderá ser encontrado na falta de informação sobre o uso, falhas no projeto, erros de cálculo, utilização de produtos de má qualidade, prestação equivocada do serviço ou na falta de qualquer outra providência por parte do fornecedor (fabricante, importador, distribuidor, vendedor) para evitar. Como exemplos de acidentes de consumo citamos a venda de medicamentos sem comprovação científica de sua eficácia; automóvel vendido com falhas no sistema de frenagem; alimentos impróprios para consumo em razão do vencimento do prazo de validade, mal armazenamento ou falta de refrigeração; conserto de eletrodomésticos ou eletrônicos com peças incompatíveis; má concepção no desenho industrial que gere ferimentos no usuário; produtos ou procedimentos cosméticos sem regulamentação que causem ferimentos na pele do consumidor, dentre outros. Nesse sentido, o recall é o mecanismo pelo qual o fornecedor convoca os consumidores adquirentes do produto ou serviço defeituoso para troca ou reparo. Ao detectar o defeito, o fornecedor deverá comunicar as autoridades competentes e informar os consumidores sobre os riscos envolvidos, através de veículos de comunicação de massa. Eventual omissão acarretará em dever de indenização e responsabilização criminal (CDC, art. 64).
terça-feira, 20 de setembro de 2022

A multa contratutal e a vedação ao abuso

Uma das situações mais presentes na vida do consumidor é o atraso no pagamento de alguma conta, com a posterior incidência da cobrança de multas. Seja por esquecimento, perda do boleto ou falta de verba no momento do vencimento, quase todos os brasileiros já se depararam em algum momento da vida com a cobrança de um valor muito acima do que fora inicialmente contratado. Preceitua o Código de Defesa do Consumidor que, no fornecimento de produtos ou serviços que envolvam outorga de crédito ou financiamento, a multa advinda do atraso no pagamento não poderá ultrapassar 2% (art. 52, § 1º). No caso de serviços financeiros, por exemplo, boletos, parcelas de financiamento, cartão de crédito, prestação de aquisição da casa própria, leasing (empréstimo com opção de compra futura), dentre outros, a multa não poderá ser superior ao teto legal. O mesmo raciocínio se aplica aos serviços de academia, escola, planos de saúde, dentista, aulas de música ou de idioma estrangeiro. Caso ocorra atraso no pagamento da mensalidade, o valor estipulado como multa não poderá ultrapassar 2% do que for cobrado no boleto. Serviços públicos prestados pelo Estado ou por empresa privada concessionária ou permissionária também terão o mesmo limite para a cobrança de multa (água, luz, telefone, internet). Especial atenção merece as relações condominiais, tendo em vista a possibilidade de estabelecimento de juros diários acrescidos da multa, desde que previamente aprovada em assembleia geral. Quanto aos consórcios, o limite de 2% incidirá sobre a parcela referente ao valor atualizado do bem ou serviço contratado. Por fim, há de se ressaltar que nas avenças que não envolvem relação de consumo o valor da multa poderá ser estipulado livremente entre as partes, vinculando-as aos deveres constantes no instrumento. Todavia, o ordenamento jurídico pátrio veda o estabelecimento de cláusulas contratuais leoninas, aquelas que geram ônus excessivo a uma das partes e desequilibram a relação. Caso seja cobrado por multa que extrapole o índice estabelecido por lei, poderá o cidadão procurar os órgãos públicos de defesa do consumidor, sendo garantida a devolução do dobro do valor pago indevidamente, salvo erro justificável (CDC, art. 42).
Dando continuidade aos esclarecimentos da coluna anterior, no que se refere aos serviços de bares, restaurantes e lanchonetes, é dever do fornecedor afixar os preços dos alimentos disponíveis em cardápio físico ou virtual, acessível para pessoas cegas ou com baixa visão. A informação deverá ser clara, com o valor em moeda corrente em território nacional e colocada na entrada do estabelecimento, possibilitando ao consumidor o melhor juízo de conveniência quanto ao serviço ali prestado. Caso seja ofertada a possibilidade de meia porção de quaisquer dos pratos, o preço e a quantidade também deverão ser informados. Também é dever do fornecedor esclarecer quais são os meios aptos para pagamento (débito, crédito, cheque, transferência, pix, vale refeição, tickets). A concessão de desconto em razão do meio de pagamento também deverá ser informada previamente e afixada em local de fácil visualização. Deve se ressaltar que a prática de alguns restaurantes de condicionar a aceitação do vale refeição para apenas alguns horários ou mediante consumação mínima é absolutamente ilegal, rompendo com o sistema protetivo estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. É comum nos grandes centros urbanos a existência de restaurantes que cobram preço único, independentemente da quantia efetivamente consumida pelo cliente. Nesses casos, o valor deverá estar afixado na entrada e no interior de suas dependências. Para os restaurantes por quilo a regra é a mesma, vedando-se, porém, que o preço seja informado por gramas (o preço deverá corresponder ao quilo). Com as políticas de distanciamento social implementadas nos anos de 2020 e 2021, o mercado de entrega via delivery apresentou aumento exponencial, passando a fazer parte do cotidiano da cidade. Nesses casos, independentemente da compra se dar fora do estabelecimento comercial, ao disponibilizar o serviço ao mercado de consumo, o fornecedor se obriga igualmente a informar o preço dos produtos, descrição dos pratos, forma de pagamento e cobrança de frete, sendo que eventual entrega feita por empresa terceirizada não o eximirá de sua responsabilidade. Assim, em caso de entrega de produto diverso, inconsistências no preço cobrado ou demora excessiva, poderá o cliente cancelar o pedido com a devolução dos valores pagos, inclusive do frete.
São Paulo é notoriamente conhecida por sua multiplicidade cultural e vida noturna agitada, tornando-se um dos principais polos de atração de turistas em todo Brasil. Seus restaurantes, cinemas, bares e boates emolduram a cara da metrópole, reavivando o já conhecido slogan de "a cidade que não para". Por constituírem um dos segmentos econômicos que mais crescem, é fundamental que tais estabelecimentos se atentem aos dispositivos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, de modo que a prestação do serviço seja cada vez mais exitosa. Preceitua o CDC que é vedado ao fornecedor estipular limites quantitativos de consumo aos clientes, sendo a estipulação de "consumação mínima" prática inequivocamente abusiva. Assim, boates, restaurantes e bares poderão cobrar do consumidor o preço de entrada e o que efetivamente foi solicitado e consumido, sendo ilegal qualquer outra disposição em contrário. Não são raras as vezes em que o consumidor é avisado da cobrança de um valor exorbitante em caso de perda da comanda. Tal prática, assim como a da consumação mínima, também é abusiva e proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista ser de responsabilidade do fornecedor o controle do que foi consumido. Portanto, nesses casos, ao valor cobrado não poderá ser acrescida nenhuma multa, devendo o fornecedor se acautelar no sentido de garantir o registro do pedido em outro meio além da comanda do consumidor. Estabelece, ainda, a lei Estadual 12.637/07 que as danceterias, boates e casas noturnas localizadas na capital deverão instalar em suas dependências internas, em local visível e de fácil acesso, bebedouros públicos de água potável para uso gratuito de seus frequentadores. Já o couvert, conjunto de aperitivos ofertados antes do prato principal, é cortesia do restaurante. Sua cobrança apenas é autorizada caso o consumidor seja previamente cientificado do valor pelo garçom ou atendente do local, e sua composição e preço estejam presentes no cardápio. Qualquer outra hipótese que não contemple a informação ao consumidor e sua aceitação deverá ser interpretada como ilegal. O mesmo ocorre com a cobrança do couvert artístico. Caso haja apresentação musical ao vivo no estabelecimento, é permitida a cobrança desde que informada previamente ao cliente. A cobrança deverá ser feita em apartado dos demais pedidos, sendo absolutamente vedada em caso de música ambiente.
terça-feira, 23 de agosto de 2022

A hipervulnerabilidade do consumidor idoso

Tendo em vista o aumento da população idosa - pessoas a partir de 60 anos de idade (lei 10.741/03) - o perfil comportamental dos consumidores apresentou forte mudança nas últimas décadas. Por conjugar a vulnerabilidade presumida dos consumidores com as dificuldades naturais do avanço da idade, o Código de Defesa do Consumidor reconhece o idoso como hipervulnerável em função de sua especial suscetibilidade às práticas comerciais perigosas, nocivas e abusivas. Em que pese sua maior participação na população economicamente ativa, nem sempre os produtos destinados a esse segmento apresentam as informações e orientações necessárias para seu bom uso. Além disso, pessoas mal-intencionadas podem se aproveitar de sua boa-fé. Assim, é importante que o consumidor idoso fique atento a algumas situações, tais como: golpes relacionados a troca de cartão de crédito no caixa eletrônico; empréstimos consignados não solicitados; recadastramento falso onde é solicitada senha de conta; vendas de produtos milagrosos sem qualquer comprovação científica ou quaisquer outros problemas relacionados a utilização de métodos desleais e coercitivos que os prejudiquem. Além dessas cautelas, é de fundamental importância que o consumidor idoso não compartilhe seus dados pessoais pelo telefone em ligações desconhecidas. Caso seja contatado por financeiras ou bancos, recomenda-se que desligue a chamada e entre em contato com os canais oficiais das empresas. Havendo dúvida quanto a ofertas exageradamente vantajosas, com preço abaixo da média de mercado ou produto com promessa de desempenho fora da realidade, é sempre interessante que o cidadão busque auxílio junto aos órgãos de proteção e defesa do consumidor. Em função da idade, muitos idosos apresentam dificuldade de locomoção ou visão reduzida, necessitando de ajuda de terceiros na execução de simples atos da vida cotidiana. Nas transações bancárias, por exemplo, o ideal é que a ajuda seja prestada por pessoas de sua estrita confiança ou por funcionários do banco destinados para este fim. Por fim, ressalte-se que no âmbito criminal, as penas cominadas ao crime de estelionato são dobradas se o delito for cometido contra pessoa idosa (CP, art. 171, § 4º); e para o CDC implica na agravante do art. 76, IV, "b" 
Custo fixo de quase toda família brasileira, o material escolar é item fundamental na composição do orçamento doméstico. Quanto mais ciente de seus direitos enquanto consumidores, menor o risco dos pais sofrerem com alguma irregularidade ou abusividade que seja solicitada pela escola. O primeiro cuidado a ser tomado é a compra por impulso ou sem pesquisa de preço. Em muitas oportunidades, com uma simples procura pela internet ou por lojas do segmento pelas proximidades, os pais conseguem comprar o mesmo material com preço abaixo da média. Há também os estabelecimentos que oferecem descontos para compras feitas em grande quantidade. Nesses casos, recomenda-se que os pais dos alunos combinem uma compra conjunta, diminuindo o custo total para todos os participantes. Outro fator de destaque é a presença do selo do Inmetro. Alguns itens de uso escolar, tais como lápis, borracha, apontador, compasso, régua, lápis de cor, de cera, cola, caneta, massa de modelar, tinta guache, tesoura, dentre outros, somente podem ser comercializados mediante sua apresentação. Caso o produto adquirido seja importado, suas especificações devem ser as mesmas do nacional, ressaltando-se a necessidade de tradução para a língua portuguesa. Como é norma clássica do Código de Defesa do Consumidor, todo produto deve apresentar informações claras, adequadas, específicas e corretas acerca da quantidade, qualidade, caraterística, prazo de validade e preço, bem como os eventuais riscos que seu uso acarreta à saúde e segurança do consumidor. Quanto ao prazo de garantia, em se tratando de produtos duráveis será de 90 dias a partir da detecção do defeito. Para os não duráveis o prazo será de 30 dias. Caso a compra seja feita fora do estabelecimento comercial, como as realizadas pela internet ou telefone, o consumidor terá o prazo de sete dias, contados a partir do recebimento do produto ou da assinatura do contrato, para se arrepender. Nesses casos, o valor pago deverá ser devolvido em sua totalidade ao consumidor. Por fim, reforçamos que antes de sair para as compras, os pais ou responsáveis pelo aluno devem se atentar aos materiais pedidos, indagando a escola quanto à sua pertinência pedagógica. Importante, também, ficar alerta quanto ao reuso de bens já adquiridos anteriormente que ainda estejam em bom estado.
Reservamos o espaço dessa coluna para tratarmos de um dos principais problemas do consumidor morador de grandes metrópoles: o transporte clandestino. Ao optar pela utilização de transporte público autorizado e fiscalizado pelo poder público, o consumidor possui mecanismos para fazer valer seus direitos. Enuncia o Código de Defesa do Consumidor que é dever do fornecedor garantir a proteção da vida, saúde e segurança. Outro direito fundamental é o da informação, devendo a oferta de serviço garantir todo o saber necessário de forma correta e clara. No caso específico do serviço de transporte, é dever dos fornecedores preservar o bom funcionamento do veículo, garantindo aos passageiros assentos adequados para uma boa jornada, bem como destinar lugares especiais para gestantes, idosos e pessoas com deficiência. De igual forma, o veículo deve conter barras de proteção para apoio e janelas para ventilação. No que tange às informações, antes de ser ofertada a corrida, o consumidor deverá ser cientificado do itinerário, horário e preço e duração do trajeto desejado. Caso o serviço de transporte público seja prestado por concessionárias ou permissionárias, essas passarão a ser responsáveis por todo e qualquer dano que venha a ser causado ao consumidor, tendo este direito ao pedido de reparação junto aos órgãos públicos de proteção ou ao Poder Judiciário. Ao escolher o transporte clandestino, é preciso que o cidadão faça uma reflexão se vale a pena abrir mão de seus direitos em detrimento de uma passagem mais barata ou de uma viagem mais curta. Por não serem autorizadas e fiscalizadas, as vans não passam por inspeção veicular, não possuem equipamentos obrigatórios de segurança, não passaram por manutenção e, para perigo de todos, costumam rodar com passageiros além da lotação máxima permitida. Ressalte-se que, além de todas as irregularidades, não há garantia ao consumidor quanto ao treinamento do motorista, que em função de sua pouca destreza poderá causar acidentes fatais. Por fim, além de todos os inconvenientes causados ao consumidor, o serviço de transporte coletivo clandestino impacta nos interesses de toda coletividade, uma vez que não recolhem imposto, empregam funcionários sem obedecer a legislação trabalhista e praticam concorrência desleal com empresas autorizadas, razões pelas quais devem ser fortemente evitados pelo cidadão.
A escolha de transporte escolar de crianças e adolescentes requer alguns cuidados. O veículo e o motorista que prestam o serviço devem estar credenciados na prefeitura e apresentar certificado do curso de treinamento para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida. Para saber se o condutor e o veículo estão autorizados a atuar, consulte a prefeitura de sua cidade. No município de São Paulo o canal telefônico é o 156. O serviço de transporte escolar pode ser prestado por autônomos, empresas ou escolas e deve estar devidamente credenciado no estabelecimento de ensino. Caso a escola possua transporte próprio ou mantenha convênio com motorista particular terceirizado, o credenciamento passa a ser optativo. Antes da contratação do serviço, é importante que os pais ou responsáveis do menor busquem recomendações sobre o motorista com outras pessoas que já tenham se utilizado do serviço, bem como entrem em contato com o Sindicato dos Transportadores ou Detran. Fundamental que o corpo pedagógico da escola e os pais também se atentem à forma como as crianças e jovens são recepcionados pelo profissional e fiscalizem as condições de segurança, higiene e conforto do automóvel. Para que o trajeto seja feito de forma adequada, cada assento deverá conter um cinto de segurança individual, que deverá ser obrigatoriamente colocado em todos os passageiros. Quanto às janelas laterais de ventilação, é preciso que seja instalada trava que impeça a abertura de mais de 10 cm. Por cautela, é importante que outro adulto acompanhe o motorista por todo o percurso para monitoramento do comportamento dos jovens e resolução de alguma questão que porventura se coloque. No que se refere ao pagamento, os pais deverão se informar se o valor se refere ao mês, bimestre, trimestre, semestre ou ano letivo, e se o serviço também é prestado fora do horário escolar, como, por exemplo, para os alunos que estejam de recuperação ou façam atividades esportivas extracurriculares. Tirando tais hipóteses, o serviço não poderá ser cobrado nos meses de férias. Em caso de transporte de irmãos ou parentes, é possível que a escola conceda algum desconto, porém, de caráter optativo. Por fim, é necessário que a escola e os pais estejam municiados do telefone de contato do motorista ou acompanhante para monitoramento do trajeto e esclarecimento de qualquer fato concernente aos menores.
Uma das grandes características de se viver em uma metrópole como São Paulo é o tráfego intenso. O acúmulo de carros causa enormes congestionamentos e toma quase que a totalidade das vias públicas. Como o veículo se tornou parte integrante do cenário da cidade, a necessidade de estacionamentos floresceu. Sejam particulares ou administrados por grandes empresas, formam um dos nichos econômicos que mais ganharam destaque nas últimas décadas. Por essa razão, é de fundamental importância que o consumidor tenha conhecimento de seus direitos ao deixar seu automóvel em qualquer local que ofereça tal serviço. Em estacionamentos avulsos, por exemplo, os preços não são tabelados e podem variar de acordo com a região, devendo ficar afixados em local de fácil visualização. Assim como os preços, também deve ser informado o número de vagas disponíveis, os manobristas e a existência de seguro (qual a seguradora, número da apólice, riscos e datas de início e término da cobertura). Fundamental que o cliente verifique se há prazo de tolerância e qual é a formula utilizada para cobrança fracionada de hora. Caso encontre alguma avaria no automóvel, recomenda-se que o consumidor faça uma reclamação por escrito ao responsável, exigindo uma cópia protocolada. Posteriormente, nada impede que seja feito um boletim de ocorrência de preservação de direitos para formação de conteúdo probatório em futura ação judicial de reparação por danos materiais. Há de se ressaltar que a cobrança máxima de permanência em caso de perda do ticket pelo consumidor é prática abusiva, absolutamente vedada pelo CDC. Fazer o controle do tempo da prestação do serviço é dever do fornecedor, não podendo o cliente sofrer qualquer ônus pela transferência desse encargo. Por fim, quanto aos estacionamentos de shoppings, supermercados e lojas de departamento, determina a legislação municipal há obrigatoriedade de contratação de seguro para aqueles que possuam mais de 50 vagas.
terça-feira, 19 de julho de 2022

Cuidados do consumidor ao adquirir brinquedos

O setor de brinquedos é um dos mais representativos da atividade econômica, tendo lugar cativo dentre os que mais disponibilizam produtos para o consumo. Por atingir, majoritariamente, a população infantil, sua relevância se tornar ainda mais destacada por requerer do consumidor e de seus órgãos de defesa atenção redobrada em alguns aspectos. Parte integrante da formação intelectiva da criança, é fundamental que os brinquedos estejam presentes no mercado de consumo. É através deles que a socialização é facilitada e o menor desenvolve seu imaginário, possibilitando a apreensão de signos pela linguagem lúdica. Para que a relação entre o produto e o consumidor seja a mais harmoniosa possível, faz-se necessário que os pais se atentem a algumas questões fundamentais, resguardando, assim, a integridade física e psíquica de seus filhos. Antes de adquirir um brinquedo, recomenda-se que levem em consideração a idade da criança e suas habilidades específicas. Por mais que seja um julgamento subjetivo, não restam dúvidas que brinquedos de cunho educativo, que estimulem a coordenação motora, raciocínio, criatividade e afetividade serão benéficos na formação da personalidade. Nesse sentido, a atuação dos adultos próximos será referencial ao não adquirir produtos ou replicar atividades que reforcem a agressividade e discriminação, tendo em vista que a psicologia já nos mostrou que nenhum comportamento é inato, mas sim, adquirido por meio de estímulos desde a mais tenra idade. Quanto ao produto físico, importante que o brinquedo seja testado e manuseado pelos pais, tendo em vista que a lei estadual 8.124/92 determina que as lojas disponibilizem amostras sem embrulho. De acordo com o CDC, todo produto deve trazer informações adequadas, claras, em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, origem, composição, preço e garantia. Logo na embalagem é preciso se atentar às certificações do Inmetro, informando que o produto foi fabricado e comercializado em conformidade com as normas técnicas. A identificação do fabricante (nome, CNPJ, endereço), do importador, os riscos à saúde e segurança do usuário, faixa etária indicativa e as instruções de uso também devem estar presentes. Pode parecer uma realidade distante, porém, os acidentes de consumo com brinquedo são frequentes e é dever dos pais ou responsável legal evitá-los.
A Constituição Federal levou a defesa do consumidor ao patamar de direito e garantia fundamental (art. 5º, XXXII) e sustentáculo da ordem econômica (art. 170), exigindo que o legislador elaborasse legislação especifica para regular a matéria. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor ganhou contornos mais claros e objetivos, passando, inclusive, a ter tratamento diferenciado em razão do reconhecimento de sua vulnerabilidade em face do fornecedor (art. 4º, I, CDC). Uma das características marcantes da lei é a sua conceitualidade, descrevendo em seus dispositivos as figuras de consumidor, fornecedor e relação de consumo. Tal característica causou intensos debates na comunidade jurídica acerca do grau interpretativo que deve ser dado aos conceitos, posto que se considerada sua literalidade, muitas figuras presentes nas relações de consumo ficariam alijadas da especial proteção da legislação consumerista. No que tange ao consumidor, diz o art. 2º que "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Considerando apenas e tão somente o conceito trazido pela letra da lei, concluímos que o CDC optou pela Teoria Finalista de consumidor, de aplicação restrita, abarcando apenas as pessoas (físicas ou jurídicas) que adquirem bens ou serviços para fins não profissionais. Em contraponto, a Teoria Maximalista defende ser o CDC aplicável a todos os agentes do mercado, sendo o destinatário final aquele que retirar o produto ou serviço do mercado, consumindo-o, independentemente de sua destinação. Jurisprudencialmente, o Superior Tribunal de Justiça adotou a Teoria Finalista Aprofundada, sob a qual para a caracterização da figura de consumidor deverão estar presentes os requisitos da destinação fática ou econômica do bem adquirido e a vulnerabilidade do adquirente, dando maior alcance à proteção consumerista sem perder a essência trazida pela legislação.
Em oportunidade anterior, analisou-se brevemente o art. 65 da lei 4.561/64, referente ao crime de informação falsa em contratos, prospectos ou propostas sobre a construção de condomínio, alienação de frações ideais do terreno ou sobre a construção de edificações. Contudo, a defesa da ordem econômica e das relações de consumo, notadamente no que tange à comunicação de proposta para aquisição, venda e edificação, encontram guarida em outros tipos penais. É o caso do art. 50, III da lei 6.766/79, o qual dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. O referido artigo estabelece pena de reclusão de 01 a 04 anos, e multa de 05 a 50 vezes o maior salário mínimo vigente no país para aquele que fizer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade do loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo. A tipificação da conduta também encontra fundamento no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que o art. 6º, III dispõe ser direito básico do consumidor ter acesso à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com todas as suas especificações e riscos que apresentam. Da mesma maneira, os arts. 46 e 51 informam que o contrato deve ser simples e claro para facilitar a compreensão e estar disponível para que os consumidores conheçam o seu conteúdo antes de decidir pelo negócio. Havendo cláusula abusiva, poderão ser declaradas nulas, caso sejam questionadas em juízo. O elemento subjetivo do delito é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente de enganar ou induzir o consumidor a erro mediante afirmação falsa sobre legalidade ou desmembramento do solo, ou ocultação de informação relevante de fato a ele correlato. A forma culposa não é admitida por falta de previsão legal. O crime se consuma com a veiculação da proposta, contrato ou prospecto com a informação falsa ou omissão relevante fraudulenta, independentemente de algum consumidor ter sofrido gravame individual, tratando-se, portanto, de crime de mera conduta e perigo abstrato. O sujeito ativo será o responsável pela comunicação ou o mandatário de loteador e o diretor ou gerente de sociedade que de alguma forma concorrerem para a prática do crime (art. 51, lei 6.766/79). O sujeito passivo será a coletividade, principalmente os consumidores potencialmente interessados no negócio.
Outra legislação ordinária que estabelece tipos penais na defesa das relações de consumo é a lei 1.521/51, também chamada de Lei dos Crimes contra a Economia Popular. Preceitua seu art. 2º, I que é crime "Recusar individualmente em estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência; sonegar mercadoria ou recusar vendê-la a quem esteja em condições de comprar a pronto pagamento". A primeira parte do tipo aborda a recusa na prestação de um serviço individual. Quanto ao termo "essencial à subsistência", o parágrafo único esclarece que se trata dos itens correlatos à alimentação, vestuário, iluminação, combustível, sanitários, habitação e materiais de construção. A recusa deverá ser deliberada, inequívoca, com o agente externando a negativa de atendimento do consumidor. Também deverá ocorrer no interior do estabelecimento comercial. Não deve ser entendido o estabelecimento comercial como a loja física em si, mas sim, como todo bem corpóreo ou incorpóreo utilizado pelo empresário para o exercício de sua atividade empresarial. Nesse sentido, diz o art. 1.142 do Código Civil: Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Trata-se de crime de mera conduta, consumando-se quando o consumidor sofre a negativa de atendimento, não se admitindo a forma tentada. O sujeito ativo será a pessoa responsável pelo estabelecimento comercial, desde que tenha autonomia para a decisão, não atingindo a figura do funcionário que simplesmente não atende o consumidor a pedido do gerente ou proprietário. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em recusar a prestar o serviço ou atendimento ao consumidor. A modalidade culposa não é possível, por falta de previsão legal. A segunda parte trata da modalidade denominada de "sonegação de estoques", porém foi revogada pelo artigo 7.º, VI, da lei 8.137/90, com redação ampliada, eis que não trata mais apenas dos serviços essenciais.
Os crimes contra o consumidor não ficam adstritos apenas ao Código Penal ou Código de Defesa do Consumidor, estando espalhados por diversas legislações ordinárias que protejam as relações de consumo. É o caso do art. 65 da lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diz o texto que: "É crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção de condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações", punindo com a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. Tem como objetividade jurídica a defesa da ordem econômica e, consequentemente, a boa-fé nas relações de consumo. Conforme o CDC, art. 6º, III, é direito básico do consumidor ter acesso à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com todas as suas especificações e riscos que apresentam. De igual forma, preceituam os arts. 46 e 51 do CDC que o contrato deve ser simples e claro para facilitar a compreensão e estar disponível para que os consumidores conheçam o seu conteúdo antes de decidir pelo negócio. Havendo cláusula abusiva, poderão ser declaradas nulas, caso sejam questionadas em juízo. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em veicular informações falsas sobre a construção de condomínio ou edificações, e venda de partes do terreno. A forma culposa não é admitida por falta de previsão legal. O sujeito ativo do delito será o responsável pela veiculação das informações falsas em propostas, contratos, prospectos ou qualquer outro meio de comunicação que chegue ao conhecimento do público. Ainda, o § 1º estabelece que também incorrerão nas mesmas penas: I - o incorporador, o corretor, o construtor individual ou os diretores ou gerentes de empresa incorporadora, corretora ou construtora que, por quaisquer dos meios previstos fizer informação falsa sobre a constituição de condomínio, venda de frações do terreno ou edificações; II - as mesmas figuras do inciso anterior que  usarem, ainda que a título de empréstimo, em proveito próprio ou de terceiros, bens ou haveres destinados a incorporação contratada por administração, sem prévia autorização dos interessados. O sujeito passivo é a ordem econômica e o consumidor individualmente prejudicado.
terça-feira, 14 de junho de 2022

Outras substâncias nocivas à saúde

Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de dois meses a um ano  Assim como nos demais crimes estudados no Título VIII, Capítulo III, do Código Penal, o presente delito tem como objetividade jurídica a saúde pública. Por ser crime comum, qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo, enquanto a coletividade e o consumidor individualmente prejudicado serão os sujeitos passivos. Os verbos nucleares do tipo são: "fabricar", "vender", "expor à venda", "ter em depósito para vender" ou, de qualquer forma, "entregar a consumo" substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal. Neste caso, excluem-se os produtos alimentícios e medicinais, pois ambos se encontram abrangidos no CP, arts. 272 e 273.  O crime é de perigo abstrato, uma vez que o dano à coletividade é presumido no caso de realização da conduta típica. É norma penal em branco, tendo em vista que o trecho "ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária" remete à norma regulamentadora sem a qual não é possível saber qual é a conduta vedada.  O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente de praticar as condutas previstas no tipo. A modalidade culposa é admitida e prevista no parágrafo único. A consumação ocorre com a fabricação, venda, exposição à venda ou entrega da substância nociva ao mercado de consumo ou ao consumidor individualmente considerado. A tentativa é admitida quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, a fabricação é interrompida ou a venda é impedida.  No "Caput", em razão da pena mínima prevista, é cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da lei 9.099/95). A modalidade culposa, por sua vez, por ter a pena máxima em abstrato não superior a dois anos, constitui infração de menor potencial ofensivo, estando sujeita ao rito sumaríssimo e de competência dos Juizados Especiais Criminais
Preceitua o art. 277 do Código Penal que é crime: "Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa". O objeto material do crime é a substancia que é destinada para a falsificação de produtos alimentícios ou medicinais. Por se referir expressamente ao verbete "substância", em obediência aos princípios da legalidade e da vedação de interpretação extensiva de norma penal, o tipo não abrange maquinários, petrechos e utensílios. A objetividade jurídica é a saúde pública. Os sujeitos do crime são os mesmos do artigo anterior. Tratar-se de crime comum, pois não exige nenhuma qualidade ou característica especial do agente. Consuma-se com a venda, exposição à venda, depósito ou cessão de substância destinada à falsificação de produto alimentício, terapêutico ou medicinal. A modalidade tentada é admitida, quando por circunstâncias alheias à vontade do agente os produtos não são expostos ao comércio. Todavia, há que se dizer que o conatus é muito improvável, tendo em vista que a mera detenção das substâncias já caracteriza o crime na forma "ter em depósito". A efetiva utilização da substância na falsificação não é necessária para sua configuração, sendo mero exaurimento do crime. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar as condutas previstas no tipo, exigindo-se, neste caso, que o agente saiba antecipadamente que a substância se destina a falsificação de produto alimentício, terapêutico ou medicinal. A modalidade culposa não é permitida por falta de previsão legal. Caso o consumidor sofra algum gravame em sua vida ou integridade física em razão da utilização do produto falsificado colocado no mercado, estar-se-á diante de uma das causas de aumento de pena previstas no art. 258 do CP. Em virtude da pena mínima cominada, será possível a suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da lei 9.099/95.
Art. 276 - Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo produto nas condições dos arts. 274 e 275. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. O presente artigo visa punir o agente que, sem cometer as condutas trazidas nos arts. 274 e 275 do CP, comercializa os produtos nas condições neles elencadas. Trata-se de delito de ação múltipla, ou seja, tipo misto alternativo e de perigo abstrato, não se exigindo resultado naturalístico para sua consumação. Todavia, a forma tentada é admitida.  Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo, não ficando sua configuração restrita à figura do comerciante. Porém, não são todos que concorrem para a colocação no mercado do produto irregular que incidirão no presente crime, haja vista que aqueles que realizaram as condutas típicas dos arts. 274 e 275 não responderão pelo art. 276 (a comercialização seria post factum impunível). A consumação se dá com a simples realização de um dos verbos núcleos do tipo, vez que nas formas de "vender" e "entregar a consumo" tratar-se-á de crime instantâneo e, nas formas "expor à venda" e "manter em depósito", de crime permanente.  Assim como nos delitos anteriores, caso o consumidor sofra algum gravame em sua vida ou integridade física em razão da utilização do produto colocado no mercado, estar-se-á diante de uma das causas de aumento de pena previstas no art. 258 do CP. Em virtude da pena mínima cominada, será possível a suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da lei 9.099/95.
terça-feira, 24 de maio de 2022

Invólucro ou recipiente com falsa indicação

Art. 275 - Inculcar, em invólucro ou recipiente de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. O crime sob exame tem como objetividade jurídica a defesa da saúde pública. Por ser crime comum, qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo, enquanto toda a coletividade será o sujeito passivo. Trata-se de crime de perigo abstrato, não se exigindo resultado naturalístico para sua consumação. A forma tentada é possível quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, a falsa indicação não é colocada no invólucro ou recipiente do produto, ou, de qualquer outra forma, depois de inserida a informação inverídica, não é disponibilizada ao consumo. O verbo núcleo do tipo consiste em inculcar (indicar), em invólucro ou recipiente de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de produto que, na realidade, não se encontra em seu interior ou em quantidade inferior a mencionada. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente de inculcar (indicar), em invólucro ou recipiente de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou em quantidade menor que a mencionada. Ressalte-se que não é exigido dolo específico de dano à saúde do consumidor, bastando a inserção inverossímil de substância no invólucro, recipiente ou rótulo do medicamento ou alimento, que induza o consumidor a engano quanto à sua composição. A modalidade culposa não é admitida por expressa falta de previsão legal. Assim como nos delitos do CP, arts. 272 a 274, caso o consumidor sofra algum gravame em sua vida ou integridade física em razão da utilização do produto colocado no mercado, estar-se-á diante de uma das causas de aumento de pena previstas no CP, art. 258. Em virtude da pena mínima cominada, será possível a suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da lei 9.099/95. Na mesma forma do artigo anterior, o legislador, ao invés de elencar as condutas equiparadas em parágrafos subsequentes, conforme a disposição topográfica dos arts. 272 e 273 do CP, entendeu que seria melhor discriminá-las em artigo apartado (art. 276 do CP), conforme veremos oportunamente.
Preceitua o art. 274 do Código Penal que é crime "Empregar, no fabrico de produto destinado a consumo, revestimento, gaseificação artificial, matéria corante, substância aromática, antisséptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária". Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Sua objetividade jurídica é a saúde pública. Por ser crime comum, qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo, enquanto toda a coletividade será o passivo. A ação nuclear é a utilização de gaseificação artificial, matéria corante, substância aromática, antisséptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária, em produto destinado ao consumo. Trata-se de crime de perigo abstrato, uma vez que o dano à coletividade é presumido, prescindindo-se de resultado naturalístico para sua consumação. Admite-se a forma tentada quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o produto não é disponibilizado ao público. É norma penal em branco, uma vez que o trecho "ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária" remete à norma regulamentadora sem a qual não é possível saber qual é a conduta vedada. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em empregar todos os materiais previstos no tipo ou outro não expressamente permitido pela legislação sanitária no fabrico de produto. A modalidade culposa não é admitida por expressa falta de previsão legal. Assim como nos delitos do CP, arts. 272 e 273, caso o consumidor sofra efetivo prejuízo à sua integridade física, estar-se-á diante das hipóteses de causas de aumento de pena previstas no CP, art. 258. Em virtude da pena mínima cominada, será possível a suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da lei 9.099/95. Por fim, há que se dizer que diferentemente do que ocorreu nos artigos anteriores, com previsão de condutas equiparadas para alcançar o partícipe, neste caso, o agente que mantém os produtos irregulares em depósito, porém, sem ter participado de sua fabricação, incidirá nas penas previstas no CP, art. 276.
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.  Assim como no art. 272 do CP, o delito em análise também tem por objetividade jurídica a defesa da saúde pública. Trata-se de crime de ação múltipla, contendo mais de um verbo núcleo do tipo, todos eles comissivos. Delito de tipo misto alternativo, ou seja, basta que o agente pratique qualquer uma das ações nucleares para praticar o crime. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que concorra para a colocação do produto terapêutico no mercado. É crime de perigo abstrato, ou seja, não se exige resultado naturalístico para a sua consumação. Caso o consumidor sofra algum dano em sua saúde, estar-se-á diante de uma das causas de aumento de pena previstas no art. 258, CP.  O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em realizar quaisquer das condutas contidas no "caput" ou § 1º. A modalidade culposa é cabível, salvo se a conduta for a de falsificação. Nesse caso, o rito será o sumário e em virtude da pena mínima cominada, será possível a suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da lei 9.099/95. O legislador achou por bem dar especial reprimenda ao presente crime, uma vez que o consumidor que adquire um produto terapêutico ou medicinal adulterado, falsificado ou corrompido, pode sofrer gravame irreparável em seu bem mais valioso, a vida. Mais do que isso, o agente que pratica tais condutas aproveita-se da fragilidade biopsicológica do consumidor que, atingido por alguma enfermidade, tem esperança na cura de seus males na aquisição daquele produto.  Por essa razão, a lei 9.695/98 incluiu o art. 273, "caput" e §§ 1º, 1º - A e 1º - B no rol dos crimes hediondos, conforme art. 1º, VII - B da lei 8.072/90. Uma das mudanças mais significativas é a diferença que a lei estabelece quanto à progressão de regime prisional. Enquanto na Lei de Execução Penal a progressão de regime está condicionada ao cumprimento de 1/6 da pena, a Lei dos Crimes Hediondos exige o cumprimento de 2/5 para o apenado primário e de 3/5 para o reincidente.
Art. 272 - Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nocivo à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Trata-se de delito que tem por objetividade jurídica a defasa da saúde pública. É crime de ação múltipla, contendo mais de um verbo nuclear do tipo, todos comissivos. Delito de tipo misto alternativo, ou seja, basta que o agente pratique qualquer uma das ações nucleares para praticar o crime. Quanto ao verbete "corromper", está-se diante de uma degenerescência da essência do produto, ou seja, alguma ação que o retire de seu estado natural. A "adulteração" remete a uma modificação do produto para pior. Por fim, a "falsificação" é a contrafação propriamente dita, ou seja, implica na feitura de um produto falso, tanto em sua aparência quanto em suas funcionalidades. No § 1º - A, encontram-se as figuras equiparadas, acrescentando outras formas de cometimento do delito, tais como: "fabricar", "vender", "expor a venda", "importar", "ter em depósito", ou "distribuir e entregar" a consumo um produto alimentício nocivo à saúde. Ressalte-se que a aplicação do § 1º é subsidiária ao "caput", ou seja, primeiramente deve ser verificado se o agente incorreu nas condutas lá previstas, caso contrário, abre-se a possibilidade de enquadramento nas demais condutas. O § 1º estende para os produtos líquidos e bebidas, com teor alcoólico ou não, todos os efeitos do "caput" e do § 1º - A. Faz-se necessário que a corrupção, adulteração ou falsificação traga nocividade à saúde do consumidor ou reduza o valor nutritivo do produto. Como se vive em uma sociedade de consumo de massa, a colocação no mercado de um produto nocivo à saúde tem o perigo abstrato de atingir centenas de pessoas, por essa razão o sujeito passivo do crime é a coletividade. O sujeito ativo, por sua vez, é todo aquele que concorre para a colocação do produto alimentício nocivo no mercado, não ficando adstrito apenas ao comerciante. A consumação se dá com a realização de qualquer das ações citadas, sendo desnecessário que o consumidor efetivamente sofra algum dano em sua saúde. Caso haja alguma repercussão na saúde do consumidor, tanto em sua vida, como em sua integridade física, incidirão as causas de aumento de pena previstas no art. 258 do CP.
terça-feira, 26 de abril de 2022

Constranger o idoso a dilapidar seu patrimônio

Considerada forma de vício de consentimento, a coação tem o condão de anular um negócio jurídico, conforme texto dos arts. 145 e 151, parágrafo único, do Código Civil. Além de passíveis de anulação, os atos de coação podem configurar fato típico, tal como ocorre no art. 107 do Estatuto do Idoso. Preceitua o dispositivo legal que é crime "coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração", cominando pena de reclusão de 2 a 5 anos. A ação nuclear é a coação, consistente no emprego de meios hábeis que forcem o idoso a agir de uma determinada maneira, contrária à sua vontade. A coação é o subterfúgio utilizado pelo autor que força a vítima a agir de forma diversa da pretendida, empregando, para tal, a força física (coação absoluta) ou a ameaça (coação relativa). Conforme preceitua o texto legal, havendo emprego de agressão física ou de ameaça psicológica em face do idoso, estar-se-á diante do crime em análise. Todavia, necessário destacar que o crime do Estatuto do Idoso é de aplicação residual, o qual na maioria das vezes será suplantado pelo crime de extorsão com agravante genérica de ser a vítima pessoa idosa, conforme arts. 158 c.c 61, II, ambos do Código Penal. O emprego da violência visa exclusivamente à dilapidação do patrimônio da pessoa idosa, que será forçada a doar algum de seus bens, contratar alguém para serviço que não desejava ou outorgar procuração para que alguém o faça em seu nome. Desta forma, a objetividade jurídica do delito é a proteção do patrimônio, dignidade e liberdade individual do idoso. Por ser crime comum, qualquer um poderá ser o sujeito ativo. Contudo, apenas a pessoa idosa poderá ser o sujeito passivo. O crime se consuma com a coação, absoluta ou relativa, que vise a dilapidação do patrimônio da vítima. Assim, estará configurado o delito com o constrangimento apto a fazer com que o idoso aja em desconformidade com o seu desejo, independentemente de efetiva doação de bens, contratação ou outorga de procuração. Teoricamente é admitida a modalidade tentada quando por circunstâncias alheias à vontade do agente, após ter empregado todos os meios para coagir a vítima, o idoso é impedido de doar seus bens, subscrever algum contrato ou outorgar procuração. Não se admite a forma culposa por expressa falta de previsão legal.
terça-feira, 19 de abril de 2022

Abusar de pessoa idosa sem discernimento

Seguindo a série de dispositivos que tutelam a dignidade, patrimônio e discernimento das pessoas idosas, o art. 106 do Estatuto do Idoso prevê pena de reclusão de 2 a 4 anos a quem "Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente". O delito apenas se configurará se o induzimento para a outorga de procuração for direcionado para pessoa idosa sem discernimento de seus atos, ou seja, aquela passível de interdição civil. Tal comprovação deverá ser feita judicialmente com os mesmos elementos de prova que seriam utilizados para uma ação de interdição, demonstrando-se que a pessoa idosa é incapaz de autodeterminar-se na administração de seus bens. Desta forma, o sujeito passivo será a pessoa idosa incapaz, ao passo que o sujeito ativo será aquele que incutiu na mente do idoso a ideia de outorga de procuração ou, por qualquer meio, a reforçou. Não é necessário que o sujeito ativo seja membro da família da vítima ou exerça sobre ela algum poder ou ascendência, basta que, por qualquer meio, tenha acesso ao idoso e o induza a outorgar a procuração. Caso a procuração seja outorgada para pessoa diversa daquela que induziu, mas que com ela tenha agido em conjunto, esta responderá em concurso material pelos crimes dos arts. 171, CP e 106, como partícipe. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em dispor do patrimônio da vítima, independentemente de ter lhe causado prejuízo. Assim, mesmo que o gerenciamento dos bens do idoso esteja de acordo com as boas práticas da administração, o crime estará configurado se houver induzimento de outorga de procuração pelo idoso sem discernimento. O crime se consuma no momento da outorga da escritura, prescindindo-se de qualquer lesão ao patrimônio da vítima. Caso o autor, além do induzimento, obtenha qualquer tipo de vantagem econômica indevida, responderá, em concurso material, também pelo crime de estelionato (art. 171, CP). Ressalte-se que neste caso específico, a Súmula n. 17 do STJ deve ser afastada, uma vez que o crime do Estatuto do Idoso não se esgota no estelionato, podendo o autor, municiado de procuração, cometer outros delitos contra a vítima. Admite-se a tentativa quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o idoso é impedido de outorgar a procuração.
Invariavelmente, músicas, informes publicitários, jingles e esquetes de humor colocam a pessoa idosa no centro das atenções, alvo de chacota, galhofa e brincadeira de mau gosto. Visando evitar a veiculação de comunicações, imagens e informações que o exponham de forma vexatória, o art. 105 do Estatuto do Idoso prevê pena de detenção, de 1 a 3 anos, e multa, para aquele que "exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso". Trata-se de delito que tem como objetividade jurídica a proteção da honra, imagem e respeitabilidade das pessoas idosas. É crime comum, portanto, não se requer do agente ativo qualquer característica especial para seu cometimento. Por sua vez, o sujeito passivo será sempre a pessoa idosa. As ações nucleares são de exibir e veicular. Exibir é o simples fato de mostrar, tirar o conteúdo da esfera íntima, tornando-o acessível para outras pessoas. Veicular traz a ideia de espalhamento, de propagação do conteúdo, levando-o ao conhecimento do maior número possível de pessoas. Por informações e imagens entende-se como qualquer forma representativa que tenha o condão de criar e disseminar conteúdo difamatório, injurioso, ofensivo, humilhante, discriminatório ou agressivo ao idoso. Há que se dizer que a informação ou imagem depreciativa deverá ter como objeto a imagem universal do idoso, sem nenhum tipo de identificação. Caso diga respeito a alguém determinado, estar-se-á diante de um crime contra a honra, disciplinado pelo Código Penal. Hodiernamente, as plataformas digitais de comunicação, Youtube, Facebook e Twitter, possuem equipes especializadas na moderação do conteúdo veiculado, suspendendo a atividade da conta ou banindo seu usuário em caso de publicação imprópria recorrente. Todavia, caso a plataforma seja notificada para retirada do conteúdo e permaneça inerte ou adira, de qualquer modo, às representações vexatórias publicadas, nada impede que os responsáveis pela moderação do veículo sejam caracterizados como coautores. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em depreciar a imagem dos idosos na sociedade. Por falta de previsão legal, não se admite a modalidade culposa. O crime se consuma com a mera publicação, independentemente do conteúdo chegar ao conhecimento da pessoa idosa.
De acordo com o art. 104 do Estatuto do Idoso é crime, punível com detenção de 6 meses a 2 anos e multa, "reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com o objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívidas". Trata-se de delito que tem como objetividade jurídica a proteção do patrimônio e dignidade da pessoa idosa. A ação nuclear é a retenção, consistente na não devolução ou manutenção do cartão magnético na posse de pessoa que seja credora do idoso. É uma modalidade qualificada de exercício arbitrário das próprias razões como meio de coagir o idoso devedor a saldar seu débito (art. 345, CP). Não são raras as vezes nas quais a vítima, albergada em um lar para idosos, depois de passar por alguma intercorrência financeira, fica em mora com a instituição pelo atraso no pagamento da mensalidade. Nesses casos, ao invés de procurar os familiares do idoso ou buscar a tutela jurisdicional para o pagamento da dívida, a entidade toma para si o cartão magnético do idoso como meio de força-lo a quitar o valor. O artigo não especifica qual é o cartão magnético a ser considerado. Desta forma, visando dar ampla proteção à vítima, o crime ocorrerá com a retenção de qualquer cartão apto a acessar valores pertencentes a vítima, tais como os de débito, crédito, pensão ou os de programa social de distribuição de renda do Estado. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em tomar para si ou manter consigo, ilegitimamente, cartão magnético do idoso, a título de impeli-lo a pagar valores já vencidos ou vincendos. Por falta de previsão legal, não se admite a modalidade culposa. Por ser crime comum, qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo. Por sua vez, somente a pessoa idosa titular do cartão poderá ser o sujeito passivo. O crime se consuma com a mera retenção ou posse do cartão magnético, prescindindo-se da efetiva obtenção de valores. A tentativa é possível quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, depois deste iniciar as ações executórias, por outras vias o idoso consegue manter o cartão magnético consigo.
A negativa de acolhimento ou de permanência de pessoa idosa em casas de repouso e afins, em razão da recusa de outorga de procuração à entidade, configura crime, punido com detenção de seis meses a um ano, e multa, conforme art. 103 do Estatuto do Idoso: "Negar o acolhimento ou permanência do idoso, como abrigado, por recusa deste em outorgar procuração à entidade de atendimento". Trata-se de delito que tem como objetividade jurídica a saúde física e a incolumidade psíquica da pessoa idosa, bem como resguardá-la como sujeito de direitos. Trata-se de crime próprio, de modo que o sujeito ativo será o responsável pela administração da instituição de acolhimento a qual exige a outorga de procuração para a internação ou permanência. O sujeito passivo será sempre o idoso. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em obter a procuração do idoso, utilizando-se como barganha a negativa de sua permanência na instituição. A modalidade culposa é incabível por falta de previsão legal. A ação nuclear do tipo está na negativa, recusa, em acolher (receber) o idoso ou, quando este já estiver instalado na instituição, recusa de sua permanência, em função da falta de outorga de procuração. Infelizmente, é comum que algumas casas de repouso ou lares para idosos exijam que o idoso assine procuração ad negotia em nome do administrador da empresa, para que este possa acessar contas bancárias, fazer saques, consultar aposentadoria, marcar consultas médicas, ou até mesmo adquirir ou vender bens móveis e imóveis. Trata-se, por óbvio, de uma usurpação do direito da personalidade do idoso, que não deixa de ser sujeito de direito apto para exercer os atos da vida civil, única e tão somente pelo fato da avançada idade. A procuração somente seria necessária se comprovada a incapacidade civil ou se o idoso a outorgasse livremente, sem nenhum tipo de coação. O delito se consuma no momento em que o acolhimento é negado ou com a expulsão do idoso do local. Via de regra, admite-se a tentativa quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, depois de receber a negativa da outorga da procuração, o responsável pelo local é impedido de proibir o acolhimento do idoso ou de expulsá-lo, quando já instalado.
terça-feira, 22 de março de 2022

Apropriação indébita de bens de pessoa idosa

Assim como vimos no art. 100, V do Estatuto do Idoso, o art. 102 também se trata de novatio legis in mellius, devendo ter aplicação retroativa para beneficiar o réu. O referido artigo cominou pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa para aquele que "apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa de sua finalidade". O Código Penal, por sua vez, além de prever conduta análoga como crime em seu art. 168, também indica como agravante a conduta voltada contra pessoa idosa (art. 61, h), o que no Estatuto do Idoso é elementar do tipo. Há também que se dizer que as causas de aumento de pena previstas no § 1º, do art. 168 do CP não constam no tipo em análise. Trata-se de delito que tem por objetividade jurídica a proteção do patrimônio do idoso, e por elemento subjetivo do tipo o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente de tomar para si patrimônio alheio ou dar-lhe destinação diversa de sua finalidade. Por falta de previsão legal, não se admite a forma culposa. O tipo aborda duas ações nucleares. A primeira faz referência à apropriação, modo pelo qual o agente, após obter legitimamente a posse do bem, inverte o animus domini, passando a dispor do bem como se proprietário fosse. Ressalte-se que, neste caso, não há subtração, ou seja, o bem do idoso passa para a posse do agente de forma legítima. Uma vez detentor do bem alheio, o agente passa a agir como se dono fosse. É o típico caso de filhos que possuem procuração para sacar dinheiro de aposentadoria de seus pais, mas ao invés de empregar o valor no bem-estar do idoso, deposita-o em sua conta pessoal. A segunda ação nuclear se refere ao desvio, no qual após legitimamente receber bens, proventos, pensão ou valores, o agente dá destinação diversa daquela que beneficiaria o idoso. Como exemplo cita-se o caso do cônjuge que habilitado para receber a pensão em nome do idoso a fim de contratar serviço especializado de saúde domiciliar, emprega o valor na compra de um automóvel particular. Trata-se de crime comum, pois não se exige característica específica do autor para sua configuração. Qualquer um poderá ser sujeito ativo do delito e somente a pessoa idosa figurará como sujeito passivo. Admite-se a tentativa quando por circunstâncias alheias à vontade do agente, depois de empregar meios para apropriar-se dos bens, ou dar-lhes destinação incorreta, os valores não chegam a integrar sua esfera patrimonial, impedindo sua livre disposição.
Preceitua o art. 100, V, do Estatuto do Idoso que é crime punível com reclusão, de 6 meses a 1 ano, e multa: "recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público". Trata-se de delito que visa obstruir o regular trabalho do Ministério Público quando, depois de receber requisição de apresentação de dados essenciais para propositura de ação civil pública em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de pessoa idosa, o agente intencionalmente não os apresenta, apresenta-os parcialmente ou os envia com atraso, objetivando frustrar a propositura da ação. Ressalte-se que o delito apenas se configura se a omissão ou retardo disser respeito a dados indispensáveis, essenciais, para demonstrar a justa causa da ação. Caso os dados não enviados sejam de importância secundária, cujo teor possa ser preenchido por outros elementos probatórios, não há que se falar em crime. A objetividade jurídica é a proteção do poder de requisição do Ministério Público e sua regular atuação como custus legis. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em frustrar, embaraçar ou dificultar o ajuizamento de ação civil pública que tenha como objeto a defesa dos interesses de pessoas idosas, não sendo admitida a modalidade culposa por expressa falta de previsão legal. O sujeito ativo do delito é o destinatário da requisição ou aquele que tenha o dever de enviar os dados solicitados. Por sua vez, o sujeito passivo será o Estado, representado especificamente na figura do Ministério Público, órgão essencial à administração da Justiça, que tem como uma de suas principais atribuições a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. O delito se consuma com a falta das informações ou com seu envio parcial, como também com o retardo injustificável, independentemente da ação do agente ter sido apta a frustrar a propositura da ação. Não se verifica a possibilidade de tentativa. Por fim, há que se dizer que o art. 10 da Lei da Ação Civil Pública (lei 7.347/85), prevê pena de reclusão de 1 a 3 anos, e multa, para aquele que recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura de ação civil pública, quando requisitados pelo Ministério Público. Por se tratar de lei posterior e específica, o dispositivo do Estatuto do Idoso deverá se sobrepor ao da Lei da Ação Civil Pública, tendo caráter de novatio legis in mellius, retroagindo para beneficiar o agente.
Com o objetivo de proteger a administração da justiça, o art. 100, IV do Estatuto do Idoso pune com pena de reclusão de 6 meses a um ano e multa, quem "deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida em ação civil pública a que alude esta Lei". Sempre que os direitos difusos e coletivos, individuais disponíveis ou indisponíveis ou individuais homogêneos de idosos sofrerem lesão ou ameaça de lesão, os legitimados ativos trazidos no art. 81 do Estatuto do Idoso poderão propor ação civil pública. Desta forma, a depender do caso concreto, poderá o juiz deferir o pedido proposto, com ou sem liminar antecipatória dos efeitos da decisão de mérito. Ao ser proferida, a decisão deverá ser cumprida imediatamente, sem nenhum tipo de embaraço capaz de frustrar ou retardar o seu mandamento. Caso a decisão de um juiz singular ou de Tribunal seja desobedecida ou, de qualquer forma, atrasada, sem justa causa, estará o agente passível de punição penal cominada em lei. O sujeito ativo do delito é aquele para quem a ordem judicial é destinada. Trata-se de delito comum, não se exigindo nenhuma característica especial do agente. Desta forma, poderá ser autor do crime qualquer pessoa, inclusive funcionário público. Os sujeitos passivos serão os idosos beneficiários da sentença judicial e o Estado. A consumação do delito dependerá da natureza mandamental contida na ordem. Caso seja uma determinação omissiva (um não fazer), a consumação ocorrerá com a ação do agente que subverte a decisão judicial. Caso seja uma determinação ativa (um fazer), o delito consumar-se-á com a inércia do destinatário da decisão, a ponto que sua omissão coloque em risco o bem da vida tutelado na sentença. Admite-se a tentativa na forma comissiva, quando após receber uma determinação de fazer, a inércia do agente não atrasou, retardou ou frustrou o cumprimento da ordem judicial. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em embaraçar, frustrar ou retardar ordem judicial advinda de ação civil pública que proteja interesses de idosos. A modalidade culposa não é admitida por falta de previsão legal.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Embaraçar atendimento médico ao idoso é crime

A recusa ou embaraço na prestação de atendimento médico à pessoa idosa constitui crime punível com reclusão de 6 meses a 1 ano e multa. A conduta está tipificada no art. 100, III, do Estatuto do Idoso: "recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa". Assim como os demais incisos do art. 100, a objetividade jurídica é a proteção da integridade física e psíquica do idoso. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente do agente em negar, retardar ou obstruir atendimento ou assistência à saúde do idoso. A modalidade culposa não é admitida por falta de previsão legal. A aplicação do referido tipo penal demanda uma análise prévia do art. 135-A do Código Penal e do art. 97, do próprio Estatuto do Idoso. Isto porque a lei 12.653/12 inseriu no Código Penal o crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (CP, art. 135-A), consistente em "exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para atendimento médico-hospitalar emergencial (pena: detenção, de 4 meses a 1 ano, e multa)". Como se nota, trata-se de uma forma de impedir, retardar ou obstruir o atendimento médico, com a especificidade da natureza emergencial e o fato de que qualquer pessoa poder figurar como sujeito passivo. Caso o atendimento seja de natureza emergencial e a vítima, pessoa idosa, estar-se-á diante da hipótese do crime de omissão de socorro a idoso (art. 97, Estatuto do Idoso), norma especial, que pune com detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa aquele que "deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública". Fora dessas peculiaridades, quando a vítima for pessoa idosa, será o caso de incidência do art. 100, III do Estatuto do Idoso. Ressalte-se que o crime apenas se configurará se a recusa, retardo ou dificuldade for injustificada, não caracterizando crime as situações nas quais o atendimento não ocorreu em função da falta de médicos ou de aparelhos indispensáveis para exame. Podem responder pelo crime todos os profissionais e servidores da cadeia de atendimento médico, desde os atendentes no guichê do hospital, até os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais funcionários do hospital, com poder decisório quanto à celeridade do acolhimento. O sujeito passivo será sempre o idoso. O delito se consuma com os atos de embaraço no atendimento, independentemente da ocorrência de algum dano à vítima, não se vislumbrando a possibilidade da tentativa.