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Arbitragem Legal

Aspectos atuais do instituto da arbitragem.

Thiago Marinho Nunes
terça-feira, 29 de outubro de 2019

Litispendência na arbitragem e prevenção

Instituto bastante conhecido do Direito Processual Civil, a litispendência constitui efeito que decorre da citação1. Tal fenômeno ocorre quando subsistem dois litígios tramitando em diferentes tribunais igualmente competentes, de uma mesma jurisdição, havendo identidade de partes, causa de pedir e pedido. No direito brasileiro, uma vez deflagrada a litispendência, um juiz provocado posteriormente renuncia a sua competência em favor do outro, provocado em primeiro lugar, sendo este considerado prevento. No campo da arbitragem, o fenômeno da litispendência pode ocorrer na medida em que dois Tribunais Arbitrais se julgam competentes para apreciar determinada demanda. Tal situação pode ocorrer quando houver margem de discussão que dê ensejo a interpretações diversas de uma convenção de arbitragem que permita a cada uma das partes iniciar, individualmente, o procedimento arbitral. Imagine-se a hipótese de que duas arbitragens oriundas ou não de uma mesma convenção de arbitragem sejam iniciadas, em tempos e modos distintos. Todos os requisitos da litispendência estão presentes, isto é, a identidade de partes, de causa de pedir e de pedidos. Como os Tribunais Arbitrais, já constituídos, devem agir diante dessa situação? Seria crível neste caso que se imperasse a regra processual da prevenção? Surge aqui a primeira dificuldade, que reside na polêmica aplicação do Código de Processo Civil ("CPC") na arbitragem. É certo que o processo civil e arbitragem constituem instrumentos heterônimos de solução de controvérsias, que possuem o mesmo ideal de justiça. Não há dúvidas acerca do caráter processual da arbitragem, que, como no processo civil, tem como fim o estabelecimento de uma prestação. No âmbito interno, por mais que os dispositivos do CPC não sejam aplicados à arbitragem, não há dúvidas de que seus princípios se aplicam2. Devido processo legal, princípio da ampla de defesa, contraditório, igualdade das partes, inter alia, constituem princípios de natureza processual-constitucional que se encontram dispostos na lei 9.307/96 ("LArb") e se aplicam a qualquer arbitragem3. Nessa toada, indaga-se se a regra processual da prevenção poderia ser enquadrada como princípio processual a ser aplicada por tribunais arbitrais? Entende-se que sim4. O instituto da prevenção, que não se confunde com a litispendência5, encontra-se expressamente disposto no art. 59, do CPC6. A importância do instituto da prevenção para a segurança das relações jurídicas é revelada pelo próprio CPC, que invoca a prevenção em diversos artigos7, todos com um único propósito, seja quando aplicados em primeira ou segunda instâncias: evitar decisões contraditórias em causas idênticas tramitando perante órgãos jurisdicionais diferentes, levando a sério o princípio da economia processual e da celeridade. Tamanha a importância do instituto da prevenção e de sua natureza principiológica, poder-se ia até mesmo cogitar que tal instituto ostentaria caráter de ordem pública processual8, o que, todavia, mereceria estudo mais aprofundado a respeito. O instituto da prevenção deve ser invocado, portanto, quando um Tribunal Arbitral é constituído anteriormente a outro Tribunal. Dessa forma, o Tribunal Arbitral que for posteriormente constituído deverá reconhecer que não possui jurisdição sobre a controvérsia, já que, de acordo com a regra da prevenção, prevalecerá o tribunal arbitral primeiramente constituído9. Trata-se exatamente do princípio da perpetuatio iurisdictionis, que é "norma determinadora da inalterabilidade da competência objetiva, a qual, uma vez firmada, deve prevalecer durante todo o curso do processo"10. O Direito Comparado traz interessantes exemplos no que diz respeito ao tratamento do instituto da prevenção em matéria arbitral. Em primeiro lugar, cita-se precedente oriundo do direito suíço. Trata-se de caso que o Tribunal Federal Suíço determinou a anulação de sentença arbitral proferida em uma arbitragem com sede da Suíça, que, por sua vez, confirmou a competência do Tribunal Arbitral, embora pendente uma ação judicial que tramitava no Panamá sobre o mesmo caso. Para caracterizar a prevenção, o Tribunal Federal Suíço aplicou o art. 9o da LDIP Suíça sobre litispendência11, estabelecendo a prioridade da corte preventa, por ter sido a primeira a ter sido acionada, diante de procedimentos concorrentes12. Um segundo exemplo são as regras criadas pela International Law Association ("ILA"), que propõem soluções para a problemática criada pela existência de demandas arbitrais paralelas: ILA Recommendations on Lis Pendens and Res Judicata and Arbitration. A Recomendação nº 1, de início, já traz implícita ideia de prevenção quando dispõe: "1. Um tribunal arbitral que se considera prima facie competente em relação à aplicação da convenção de arbitragem deveria, de acordo com o princípio competência-competência, dar prosseguimento ao procedimento arbitral (a "Arbitragem em Curso") e decidir sobre sua competência, sem considerar todos os outros procedimentos pendentes entre as mesmas partes perante uma jurisdição estatal ou outro tribunal arbitral, relativos a uma ou mais questões litigiosas idênticas, ou substancialmente idênticas àquelas submetidas ao tribunal arbitral da arbitragem em curso (o "Procedimento Paralelo")13. A existência de demandas paralelas e o risco da inexorável criação de decisões arbitrais conflitantes é algo que cria insegurança jurídica, o que é indesejável e intolerável em qualquer jurisdição. A aplicação da regra processual da prevenção na arbitragem encontra guarida nos princípios da celeridade, da economia processual e da eficiência, tão caros à arbitragem, evitando-se maiores dispêndios às partes, inclusive a eventual suscitação do Poder Judiciário para dirimir tal tipo de questão14. __________ 1 Na clássica lição de Pontes de Miranda: "A litispendência é efeito da citação. No sistema jurídico brasileiro, a relação jurídica processual inicia-se com o ato de ingresso ne a angularidade começa ao ser citado o demandado. A lide pende". PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil - Tomo III (Arts. 154 a 281). Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 226.2 Ver, nesse sentido: CARMONA, Carlos Alberto. O Processo Arbitral. In: Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: RT, V. 1, n. 1, jan-abr, 2004, p. 28. 3 Bruno Oppetit, ao ponderar sobre as diferenças da justiça estatal e justiça arbitral, lembrava que o ideal de justiça de ambas as jurisdições é o mesmo, com peculiares diferenças, e ressalvava que os princípios do contraditório, da igualdade das partes, e da ampla defesa estão sempre presentes, em qualquer litígio, sob pena de não existir um processo justo, íntegro. Nesse sentido, v. OPPETIT, Bruno. Justice étatique et justice arbitrale. Études offertes à Pierre Bellet. Paris: Litec, 1991, p. 422. 4 Tal ponto, entre outros, encontram-se desenvolvidos na seguinte publicação: NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Demandas Paralelas: A Visão do Árbitro. 20 Anos da Lei de Arbitragem - Homenagem a Petrônio R. Muniz (coord.: Carlos Alberto Carmona, Selma Ferreira Lemes e Pedro Batista Martins). São Paulo: Atlas, 2017, pp. 343-362 5 Segundo José Carlos Barbosa Moreira: "O fenômeno da prevenção, vale ressaltar de passagem, de modo nenhum se confunde com o da litispendência; mas a verificação desta, em se tratando de causas idênticas, ajuizadas perante órgãos de competência concorrente, importaria normalmente apuração da procedência, com que se teria instaurado um ou outro dos processos, para que subsistisse apenas o iniciado em data anterior - reconhecendo-se assim preventa a competência do órgão em que ela tivesse curso. O processo, posterior, é claro, ficaria impedido de prosseguir." MOREIRA, José Carlos Barbosa. Relações entre Processos instaurados sobre a mesma lide civil, no Brasil e em país estrangeiro. Estudos em Homenagem ao Professor Oscar Tenório. 1977, p. 365. 6 Determina o art. 58 do CPC: A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente. Em seguida, determina o art. 59 do mesmo diploma legal: O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo. 7 Destacam-se, além dos precitados arts. 58 e 59, os seguintes artigos do CPC: 60, 286, inciso III, 304, § 4o, 340, § 2o, 930, § único, 947, § 4o, 1.012, § 3o, inciso I, 1.029, § 5o, inciso I, e 1.037, § 3o. Todos, sem exceção, possuem um único intuito: garantir, por meio do instituto da prevenção, que não haja decisões conflitantes ou contraditórias, tudo em prol da economia e celeridade processual e, é claro, a bem da segurança das relações jurídicas. É nesse sentido, aliás, a posição da jurisprudência dos Tribunais Pátrios a respeito do assunto. Confira-se os seguintes julgados: PROCESSUAL - AÇÃO POPULAR - PREVENÇÃO - DISTRIBUIÇÃO - EXTINÇÃO - CONEXÃO. É a propositura da ação que previne a jurisdição. Havendo mais de uma vara, a ação considera-se proposta com a distribuição. Porém, não existindo ação correndo perante à vara cuja ação foi considerada proposta em primeiro lugar, por ter sido esta julgada extinta, não teria sentido alegar conexão entre esta (ação julgada extinta) e as demais (propostas posteriormente). O objetivo da prevenção é evitar decisões contraditórias. Recurso improvido. (ênfase acrescentada - STJ, Recurso Especial n° 178230 DF 1998/0043454-2, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, 8.9.1998). No mesmo sentido, v. julgado emanado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - CONEXÃO - Ação revisional de contrato, anteriormente proposta - Necessidade de reunião dos processos - Medida de segurança jurídica a evitar julgamentos contraditórios e garantir a economia processual - Manutenção da decisão - Negado provimento (ênfase acrescentada - TJSP, Agravo de Instrumento n° 990.10.407457-6, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Min. Hugo Crepaldi, j. em 9.11.2010. 8 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo. O Tratamento das Questões de Ordem Pública no Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2011, p. 106. 9 No âmbito do direito processual civil, pertinente é a lição de Pontes de Miranda a respeito do assunto: "A prevenção atua negativamente: propostas duas causas conexas, cada uma num juízo competente, o juiz da segunda perde a que foi aforada perante ele, isto é, sai da relação jurídica processual, que se havia estabelecido". PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil - Tomo III (Arts. 154 a 281). Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 226. No mesmo sentido, v. ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. A "Perpetuatio Iurisdictionis" no código de processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, vol. 4, Out-Dez, 1976, p. 13-37 e DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 11ª ed., p. 107. 10 Nesse sentido v. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Direito Processual Civil e o Processo de Conhecimento. 55ª ed, vol I, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 290. 11 Loi Fédérale sur le droit international privé (LDIP) de 18.12.1987. Segundo o citado art. 9o da referida lei: "1. Quando uma ação tendo o mesmo objeto já pendente no exterior entre as mesmas partes, o tribunal suíço suspende a ação se é possível prever que jurisdição estrangeira proferirá, dentro de um prazo razoável, uma decisão que possa ser reconhecida na Suíça. 2. Para determinar quando uma ação foi introduzida na Suíça, a data do primeiro ato necessário para iniciar a instância é decisivo. A citação em conciliação é suficiente. 3. O tribunal suíço se julga incompetente desde que uma decisão estrangeira podendo ser reconhecida na Suíça lhe é apresentada". Tradução livre de Priscila Knoll Aymone (A Problemática dos Procedimentos Paralelos: Os Princípios da Litispendência e da Coisa Julgada em Arbitragem Internacional. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, p. 38). 12 Nesse sentido v. LÉVY, Laurent e SCHLAEPFER, Anne Véronique. La suspension d'instance dans l'arbitrage international. Gazette du palais, n. 318/319, p. 18 e s., 15. Nov. 2001. Segundo Priscila Knoll Aymone, ao comentar essa decisão, aduz: "Na verdade, entendeu que a ordem pública - a necessidade de evitar decisões contraditórias - impõe ao árbitro suíço a obrigação de suspender o procedimento arbitral. Esta suspensão é imperativa desde que a sentença estrangeira possa ser reconhecida na Suíça" (A Problemática dos Procedimentos Paralelos: Os Princípios da Litispendência e da Coisa Julgada em Arbitragem Internacional. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, p. 97). 13 Tradução livre de Priscila Knoll Aymone (A Problemática dos Procedimentos Paralelos: Os Princípios da Litispendência e da Coisa Julgada em Arbitragem Internacional. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011). 14 O que ocorreu por exemplo em um caso envolvendo duas empresas de São Paulo que discordavam da interpretação da clausula de arbitragem prevista em Contrato de Compra e Venda de Ações. A divergência de dava pelo fato de uma das partes entender que arbitragem deveria ser regida segundo as regras da CCI enquanto a outra entendia que a arbitragem seria ad hoc, sendo a CCI apenas autoridade de nomeação dos árbitros. O Tribunal Arbitral constituído sob a égide da CCI reconheceu a sua jurisdição, enquanto o Tribunal Arbitral Ad Hoc renunciou a sua jurisdição. Mas até que isso acontecesse, as partes recorreram ao Poder Judiciário do Estado de São Paulo, que, em decisão muito coerente, recusou-se a opinar acerca da questão, reconhecendo a capacidade dos previamente constituídos de decidirem sobre a sua própria jurisdição (Processo nº 583.00.2006.204517-7, DJ 20.9.2006).
I. Os diferentes métodos de produção de provas nos países de civil law e common law O objetivo dessas brevíssimas linhas é detectar as diferenças mais marcantes no sistema de produção de provas presente nos países de tradição romano-germânica, ou civil law, caso do Brasil, e nos países de common law, caso dos Estados Unidos da América, Inglaterra, entre outros, em vista da tentativa de harmonizar ambos os sistemas no âmbito da arbitragem, seja ela doméstica, seja internacional. No Brasil, assim como ocorre em outros países de civil law, o método tradicional de apresentação da prova se dá no momento em que determinado pleito é formulado, ou seja, quem alega deve provar o fato constitutivo de seu direito, conforme prevê o art. 373, inciso I do Código de Processo Civil ("CPC"). O destinatário da prova é, por regra, quem dirá o direito, ou seja, o juiz estatal (art. 370 do CPC). Normalmente, há a apresentação de prova documental junto com a petição inicial de determinada ação e a ulterior produção de provas, como perícia ou oitiva de testemunhas, se necessário. Em suma, nos países de civil law existe a exigência imediata em fundamentar uma pretensão jurídica por meio das provas que houver, que suportem os pleitos alegados. Já nos países de common law, as regras sobre a apresentação de provas são bastante diferentes em relação aos países de civil law. A preocupação maior do advogado no sistema da common law é ir à descoberta de todos os fatos do caso e, apenas após tal ato, formular um pleito jurídico. Trata-se aqui no sistema denominado "Discovery". No sistema de "Discovery" a busca pela produção das provas é realizada com a intervenção limitada de um juiz e por meio do qual cada parte disponibiliza à outra todos documentos referentes ao caso que estão em sua posse ou que possam estar sob o seu controle. Há verdadeira obrigação das partes em disponibilizar os elementos de prova que estejam a sua disposição, caso a sua exibição seja requerida pela contraparte. Trata-se de meio imprescindível nos países de common law para a obtenção da verdade no processo1. Um dos grandes objetivos do "Discovery" é o chamado "fishing expedition" i.e., a busca incessante por documentos que se espera encontrar em posse de seu adversário, sem mesmo antes ter formulado qualquer pretensão. Além disso, o "Discovery" tem como objetivo de definir o objeto do litígio; assegurar a integridade dos meios e objetos de prova até a audiência; fomentar eventual composição amigável entre as partes. Normalmente há a designação de uma audiência, cujo objetivo é explicar o conteúdo dos documentos, mediante a inquirição de testemunhas. Em caso de recusa, há a intervenção do Juiz estatal. Há leis que preveem sanções para eventual recusa a fornecer documentos (Ex. Federal Rules of Civil Procedure dos EUA). Enfim, trata-se de um sistema absolutamente diferente daquele oriundo dos países de civil law. Em razão dessas diferenças, pensa-se como melhor adaptar os interesses dos operadores do comércio e da arbitragem internacional. De modo a evitar um tamanho choque de culturas entre advogados e árbitros, a IBA - International Bar Association apresenta um conjunto de regras que conciliam os interesses das partes provenientes de países de civil law e common law. II. A tentativa de harmonização das regras sobre provas: o exemplo das regras elaboradas pela IBA Trata-se a IBA - International Bar Association de uma associação internacional cujo objetivo, inter alia, é criar regras (vinculantes ou não) a serem utilizadas pelos operadores da arbitragem internacional. No caso das regras sobre provas da IBA (originalmente intituladas "IBA Rules on the Taking of Evidence"), seu grande objetivo é ajustar ou combinar o uso de regras e técnicas de produção de provas oriundas de sistemas jurídicos distintos. As regras sobre provas providas pela IBA fundam-se na ideia de flexibilidade e pautam-se no princípio da boa-fé, isto é, as partes devem ter conhecimento prévio das provas que irão ser utilizadas em audiência. Tais regras constituem uma espécie de "soft law" ou direito não-estatal. Não são vinculantes, exceto quando as partes escolhem expressamente tais regras como suporte para a produção de provas2. Criadas no ano de 1983, lançadas em 1999 e finalmente adotadas pelo conselho da IBA em 29 de maio de 20103, a regras sobre provas da IBA estão dispostas num conjunto de nove artigos que sistematizam a forma de produção de provas - documentais, periciais, testemunhais - em arbitragens internacionais. Entre os pontos de maior importância nas regras sobre provas da IBA está na relativização do método do Discovery. E talvez o grande exemplo do esforço de se conciliar a prática do civil law com a da common law é o chamado "Exchange of documents". Segundo esse método, cada parte tem o direito de requerer, da outra parte, documentos que estejam em posse ou sob o controle desta última. Isso ocorre após a apresentação das alegações escritas e se dá por meio de uma tabela "Redfern" (ou "Redfern Schedule") dividida em quatro colunas diferentes: 1ª - identificação do documento; 2ª - breve descrição das razões pelas quais o documento é importante; 3ª - espaço para que a requerida faça eventuais objeções; 4ª - em branco, para decisão do Tribunal Arbitral. A única exceção de entrega é justamente quando os documentos solicitados são reputados confidenciais pelas partes, e desde que haja justificativa plausível para tanto. A recusa entrega dos documentos pelas partes pode ensejar penalidades a serem impostas pelo Tribunal Arbitral, a saber: a) inferência negativa - juízo de valor adotado pelos árbitros se o documento não é entregue; b) atribuição de penas de multa pelo descumprimento da decisão dos árbitros, o que a despeito de opiniões diversas, entende-se possível, uma vez que a atribuição de multa configura exercício do poder jurisdicional dos árbitros; c) a busca de auxílio do Poder Judiciário do local da arbitragem para forçar a parte recalcitrante a entregar os documentos recusados. Um dos grandes debates da arbitragem no Brasil é se tais regras poderiam ser aplicadas numa arbitragem totalmente doméstica, isto é, aquela regida exclusivamente pelo Direito brasileiro e sem pontos de conexão com ordenamento jurídico diverso4. Entende-se não há qualquer incompatibilidade na utilização de tais regras em arbitragens internas, pelas seguintes razões: a) não há óbice no direito brasileiro. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício5; b) dependendo do regulamento aplicável, a liberdade dos árbitros é ainda maior (por exemplo, o art. 8.4 do Regulamento da CAMARB, contém previsão genérica que o Tribunal Arbitral deliberará acerca da produção de provas durante o curso do procedimento). III. A Prova testemunhal Em sede de arbitragem, a prova testemunhal é tomada da mesma forma que no processo civil tradicional, mas com certa dose de flexibilidade6. Normalmente, não se utiliza o sistema inquisitorial em que o advogado faz a pergunta para o juiz e este se dirige à testemunha. Utiliza-se muito o método anglo-saxão da "direct examination" e "cross examination", em que as perguntas são feitas diretamente pelo advogado da parte à testemunha. É possível ainda que em determinado procedimento arbitral (mesmo interno) os árbitros determinem que as partes apresentem declarações testemunhais por escrito ("witness statements"). Normalmente depõem as testemunhas que apresentaram tais declarações, sendo que as perguntas deverão estar de acordo com o que constar da declaração; reperguntas, porém, são normalmente facultadas aos advogados das partes. Perguntas indutivas ou especulativas são normalmente indeferidas. É lícito ao advogado apresentar impugnação à determinada pergunta pelo advogado da contraparte, cabendo a decisão ao Tribunal Arbitral. Muito se fala em "preparação de testemunhas". Apesar de constituir termo impróprio, trata-se de prática absolutamente lícita e prudente por parte dos advogados. Ouvem-se as testemunhas antes de sua indicação para saber sua versão dos fatos. O que não se pode admitir que um advogado prepare uma testemunha para que esta altere a verdade dos fatos. Isso censurável e viola a ética profissional. IV. Perícia e prova técnica Dependendo do caso, os árbitros necessitam de um auxílio técnico de modo a compreender determinadas questões. Assim como no processo judicial, um profissional é chamado para elucidar questões técnicas de determinada causa7. No entanto, diferentemente do processo judicial em que, em regra, um perito imparcial é nomeado pelo Juiz enquanto as partes indicam seus respectivos assistentes técnicos, em sede de arbitragem não existe uma regra fixa para a realização da prova pericial. Em uma arbitragem discutindo derivativos cambiais, por exemplo, é possível que os árbitros peçam às partes que antes mesmo da apresentação das suas alegações escritas, uma apresentação técnica do mercado de derivativos fosse feita para o Tribunal Arbitral. Em igual sentido, numa arbitragem discutindo avaliação de empresas, podem os árbitros decidir antes mesmo de realizar uma verdadeira audiência, que uma reunião de trabalho deva ser feita entre advogados das partes e ambos os assistentes técnicos de modo a acertarem pontos de convergência e deixarem claros pontos de divergência expostos em laudos técnicos apresentados. Há, ainda, a possibilidade de convocação de peritos-testemunhas, ou "expert witness" que depõem unicamente sobre aspectos técnicos da causa, com o compromisso de dizer o que creem, sob o ponto de vista técnico. Outro método difundo na prática internacional e já utilizado no Brasil, em arbitragens domésticas é o do conhecido "Protocolo Sachs". Segundo o Procotolo Sachs, cada parte apresenta uma lista de nomes de especialistas sobre a questão. O Tribunal Arbitral escolhe um de cada, formando uma dupla de peritos8. Por fim, outro ponto de discussão atual é se aplicaria ao Perito o dever de revelação, que normalmente cabe ao árbitro. Entende-se que sim, uma vez que um laudo técnico elaborado por Perito de confiança dos árbitros, influencia na convicção do árbitro, de modo que o perito, quando nomeado, deve revelar toda e qualquer situação que possa denotar dúvida sobre sua imparcialidade ou independência9. V. Considerações finais Diante de todos os itens aqui tratados, é possível concluir que: a) o sistema arbitral brasileiro dispõe de uma ampla flexibilidade na forma de produção das provas; b) tal flexibilidade que não afronta o direito processual brasileiro; c) é possível e recomendado o uso de regras IBA sobre provas em arbitragens internas; d) a flexibilidade do tratamento das provas importa no controle de tempo e custos exercido pelo Tribunal Arbitral. __________ 1 FARIA, Marcela Kohlbach, A produção de prova no procedimento arbitral, Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 32/2012, jan-mar 2012. p. 207 - 226. 2 "Desenvolvida originalmente na esfera do direito internacional público, a fórmula soft law acabou se espalhando para outros campos do direito, notadamente o direito internacional privado e a sociologia jurídica. Em seu sentido mais genérico, aponta para todos os instrumentos regulatórios dotados de força normativa limitada, isto é, que em princípio não são vinculantes, não criam obrigações jurídicas, mas ainda assim produzem certos efeitos concretos aos destinatários." (ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft Law e produção de provas na arbitragem internacional. São Paulo: Atlas, 2014, p. 10). 3 Informações constantes do website da IBA. 4 Ver, nesse sentido, o estudo de RAVAGNANI, Giovani dos Santos. Regras da IBA sobre 'Taking of Evidence': compatibilidade com as normas processuais brasileiras. Revista de Processo, vol. 283/2018, pp. 565 - 606). 5 Nesse sentido, vide os art.s 2º e 22 da Lei de Arbitragem 6 Nesse sentido, ensinam Emmanuel Gaillard e John Savage: "How witnesses are examined is also left to the discretion of the arbitral tribunal [...]" GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. Introduction in Emmanuel Gaillard and John Savage (eds), Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration, (Kluwer Law International 1999). 7 Ver, nesse sentido, CARMONA Carlos Alberto. O processo arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, v. 1, n. 1, p. 21-31, jan.-abr. 2004. 8 K. SACHS, "Protocol on Expert Teaming: A New Approach to Expert Evidence" in Arbitration Advocacy in Changing Times, ICCA Congress Series no. 15 (2011) p. 147. 9 A título de exemplo, confira a previsão contida no art. 8.5 do Regulamento de Arbitragem da CAMARB: "Em relação ao perito, aplicar-se-á o disposto nos itens 4.10, 411 e 5.1 deste Regulamento, cabendo ao Tribunal Arbitral decidir sobre eventual impugnação ao perito".
Um dos principais aspectos de caráter material que reveste a arbitragem é a autonomia das partes na escolha das regras do procedimento, na linha do que dispõe o art. 2.º, §§ 1.º e 2.º, da lei 9.307/1996 ("LArb"). As disposições acima referidas consagram a prevalência da mais ampla autonomia das partes para escolherem as regras de direito que regerão a arbitragem, regras estas que não só darão liberdade aos árbitros na condução do procedimento arbitral, mas também guiarão o direito material a ser aplicado na resolução da controvérsia2. Num primeiro momento, nota-se a autonomia das partes em adotarem a equidade na resolução de determinada controvérsia. Se autorizado a decidir ex aequo et bono, o árbitro está, na visão de Irineu Strenger, "liberado para julgar a disputa que lhe é submetida de acordo com os princípios da probidade e da justiça"3. O único fator capaz de afastar a vontade das partes na obtenção de uma decisão por equidade é tão somente a incidência da ordem pública, que prevalecerá sobre a vontade das partes. Além da escolha da equidade para que esta guie os árbitros na decisão a ser proferida, com base no sentimento de Justiça, em caso de arbitragem de direito, podem as partes escolher as regras de direito que regerão a controvérsia. Quando se fala em "regras de direito", na dicção do § 1.º do art. 2.º da LArb, no caso da arbitragem doméstica, está-se diante de regras impostas pelo direito nacional. Isso porque, pelo fato de haver, necessariamente, uma ordem jurídica de base, e em razão de, no Brasil, a sentença arbitral estar enquadrada como título executivo judicial (art. 515, inciso VII, do CPC), devem prevalecer as regras do direito interno para fins de regência do procedimento e mérito da arbitragem4. É certo que as partes poderão estipular que usos e costumes do comércio serão levados em conta na apreciação da matéria, tal como disposto na disposição legal acima mencionada. Nesse sentido, podem as partes estipular que, em um contrato bancário firmado no Brasil, os árbitros deverão considerar, em primeiro lugar, os usos e costumes do mercado financeiro, os princípios gerais de direito e, finalmente, as normas do direito civil. Da mesma forma, num contrato típico do agronegócio brasileiro, o de compra e venda de uma determinada comoditie agrícola, como a cana-de-açúcar, por exemplo, as partes poderão estipular que os árbitros levem em consideração diretrizes aplicadas pelos produtores de cana-de-açúcar para dirimir as dúvidas acerca de precificação5. No entanto, a autonomia da vontade para a escolha da lei aplicável à controvérsia deve se limitar ao direito nacional, eis que à arbitragem interna se impõe o direito interno6. Não se está querendo aqui afirmar que é impossível ou ilegal a eleição de uma lei estrangeira em uma arbitragem interna ou que o art. 2.º da LArb impossibilitaria as partes de escolher um direito estrangeiro para reger a controvérsia7. O que é preciso deixar claro é que não há cabimento para tal ato, até mesmo para a preservação da higidez do procedimento arbitral que tramita sob a esfera interna. A arbitragem interna é, como sustenta Jean Baptiste-Racine, integrada à ordem jurídica de um determinado país, eis que não existem condições de visualizar elementos de estraneidade8. A lógica de vincular a arbitragem interna à regência pelo direito interno, mesmo sabendo-se da autonomia posta na LArb, justifica-se por duas razões essenciais: em primeiro lugar, pela convergência dos pontos de conexão entre o contrato nacional e a lei nacional9. Em segundo lugar, em razão da internacionalidade da relação jurídica. Isto é, a eleição de uma lei estrangeira em um contrato interno e, posteriormente, em uma arbitragem doméstica jamais teriam o condão de conferir caráter internacional a um contrato. O que ocorre, com efeito, é o inverso: o caráter internacional do contrato é que motiva a autonomia das partes na eleição de uma lei estrangeira para reger a relação jurídica10. A eleição de uma lei estrangeira em uma relação contratual e em um procedimento arbitral está vinculada, de forma intrínseca, portanto, à internacionalidade da relação jurídica11. Vincular, pois, a resolução de uma controvérsia oriunda de um contrato nacional a uma lei estrangeira não seria apenas descabido, como entende Paulo Borba Casella12, ou causar estranheza, como considera Francisco Cláudio de Almeida Santos13, mas poderia caracterizar até mesmo uma espécie de "internacionalização fictícia" da relação jurídica e a consequente possibilidade de caracterização de fraude à lei, como entende Fabiane Verçosa14. Esse vínculo é importante inclusive para questões que envolvam delicados institutos jurídicos, como é o caso, por exemplo, da prescrição extintiva. Imagine-se hipótese de um contrato celebrado entre duas empresas brasileiras, formado e executado unicamente Brasil, sem qualquer liame com elementos estrangeiros. Eventuais pretensões jurídicas, decorrentes da violação de tal avença somente poderiam se sujeitar ao prazo de prescrição disposto na lei brasileira, ainda mais sabendo que a prescrição extintiva é considerada matéria de interesse social, de ordem pública do foro. Diferentemente seria o caso de o contrato possuir liames com mais de um ordenamento jurídico, considerando-se, para todos os fins jurídicos, internacional. A lei estrangeira, nesse caso, possui plena aplicabilidade, até mesmo em questões que envolvam o mesmo instituto da prescrição extintiva15, escolhido para a hipótese problemática exposta neste breve estudo. Diante do exposto, o que se pretende trazer à reflexão, portanto, não é a impossibilidade da eleição do direito estrangeiro para reger uma arbitragem na seara doméstica, mas tão somente chamar a atenção para o descabimento ou incompatibilidade de tal prática, à luz da teoria geral do direito internacional privado e do direito do comércio internacional. __________ 1 "Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio". 2 Nesse sentido, aduz Carlos Alberto Carmona: "Ponto fundamental da arbitragem é a liberdade dos contratantes ao estabelecer o modo pelo qual o seu litígio será resolvido. Tal liberdade diz respeito ao procedimento a ser adotado pelos árbitros e ao direito material a ser aplicado na solução do litígio, de sorte que o dispositivo legal comentado, ao referir-se no parágrafo primeiro a 'regras de Direito', está-se reportando às regras de forma e de fundo [...]" (Arbitragem e processo: um comentário à lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 64). 3 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: LTr, 1998. p. 19 4 Diferentemente ocorrerá na arbitragem internacional, em que, aí sim, as partes terão ampla autonomia para a escolha da lei aplicável ao litígio, a despeito da disposição do art. 9º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942, com redação dada pela lei 12.376/2010, segundo a qual, "Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem". 5 Exemplo disso são as regras do "Sistema Consecana/SP", elaborado no âmbito do Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo ("Consecana/SP"). Tal sistema contempla normas operacionais que norteiam a apuração da qualidade da cana-de-açúcar e, com base nessa qualidade, indica um critério para precificação da cana fornecida pelo produtor rural às usinas. 6 Nesse sentido, afirma João Bosco Lee: "O reconhecimento da autonomia da vontade é certamente uma revolução no direito internacional privado brasileiro e era mesmo imperativo para que a lei de arbitragem fosse eficaz, mas a sua extensão à arbitragem interna e é 'excessiva e descabida'. À arbitragem interna se impõe o direito interno". LEE, João Bosco. A lei 9.307/96 e o direito aplicável ao mérito do litígio na arbitragem comercial internacional. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo: RT, v. 11, p. 355, 2001. Em sentido contrário, v. TIBURCIO, Carmen. A lei aplicável às arbitragens internacionais. In: MARTINS, Pedro A. Batista; GARCEZ, José Maria Rossani (Coord.). Reflexões sobre arbitragem. São Paulo: LTr, 2002. p. 100 7 Segundo Carlos Alberto Carmona, a utilização de uma lei estrangeira em uma arbitragem interna, apesar de ser possível, não constitui prática comum. Assim, afirma: "Reportar-se a uma lei estrangeira também não é prática comum (eu mesmo nunca vi ou ouvi relato de que alguém tenha feito tal escolha), embora - como disse - a autonomia das partes permita até mesmo a escolha de um procedimento regulado por lei estrangeira para reger uma arbitragem (CARMONA, Carlos Alberto. Flexibilização do procedimento arbitral. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Thomson-IOB, n. 24, p. 12, out.-nov.-dez. 2009). 8 Nesse sentido, v. RACINE, Jean-Baptiste. Réflexions sur l'autonomie de l'arbitrage commercial international. Revue de l'Arbitrage, Paris: Comité français de l'arbitrage, n. 2, p. 352, 2005. Ainda, como bem afirma André de Carvalho Ramos, "o elemento de estraneidade é o laço que vincula determinada situação transnacional a outros Estados" (Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 66. 9 Nesse sentido, afirma Jean-Cristophe Pommier: "En présence d'un contrat interne, la seule loi compétente suscetible de le régir est celle cet ordre juridique interne vers lequel tous les points de rattachement convergente" (Principe d'autonomie et loi du contrat en droit international privé. Paris: Economica, 1992. p. 135). 10  Nesse sentido, segundo Ricardo Ramalho Almeida: "O que realmente constitui a especificidade do contrato internacional, em comparação com o contrato interno, é justamente a possibilidade de escolha da lei (ou das leis, ou das normas de direito) aplicável ao contrato e aos eventuais litígios dele decorrentes, assim como a possibilidade de escolha da jurisdição internacionalmente competente para a solução de controvérsias". (O Conceito de Contrato Internacional. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: RT, v. 53, 2017, p. 355, 2017. 11 Nesse sentido, v. OPPETIT, Bruno. Nota sobre a decisão proferida pela Corte de Apelação de Paris, 30/11/1972. Journal du Droit International, p. 394, 1973. Em idêntico sentido, v. LEE, João Bosco. A especificidade da arbitragem comercial internacional. In: CASELLA Paulo Borba (Coord.). Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999. p. 186. 12 Nesse sentido: "(...) parece descabido instaurar diversidade relevante de regência legal e extensão operacional da expressão da autonomia da vontade das partes em contratos regidos pelo direito interno, conforme se opte pela eleição de foro judicial ou convenção de arbitragem (...)". CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Arbitragem: entre a praxe internacional, integração no Mercosul e o direito brasileiro. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999. p. 500. 13 Nesse sentido: "(...) no âmbito interno, porém, soa-me estranho, por exemplo, num contrato de cessão de crédito com cláusula de arbitragem, firmado no Brasil, entre empresas brasileiras, ainda que a legislação brasileira não discipline expressamente aquela questão, aplicar-se a lei portuguesa, por escolha das partes. Ou firmado um contrato de seguro de vida ou de acidentes, com cláusula de arbitragem assinado no Brasil, entre partes nacionais, se estipule a aplicação da lei francesa ou do direito americano". SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. Os princípios fundamentais da arbitragem. In: CASELLA Paulo Borba (Coord.). Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999. p. 119-120 14 Nesse sentido: "Cumpre fazer uma última advertência quanto à possibilidade de escolha pelas partes de uma lei estrangeira no caso de uma arbitragem puramente doméstica. A referida 'internacionalização fictícia' da arbitragem em virtude da vontade das partes pode - repita-se, pode - configurar uma fraude à lei. Com efeito, ao elegerem um direito estrangeiro, as partes poderiam intencionalmente internacionalizar a arbitragem e descartar o direito interno, podendo caracterizar-se, assim, a fraude à lei". VERÇOSA, Fabiane. Arbitragem interna v. Arbitragem internacional: Breves contornos da distinção e sua repercussão no ordenamento jurídico brasileiro face ao princípio da autonomia da vontade. O direito internacional contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Jacob Dolinger. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 440-441. 15 O que, aliás, foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: "Em contratos internacionais, é admitida a eleição de legislação aplicável, inclusive no que tange à regulação do prazo prescricional aplicável. Prescrição afastada, in casu, diante da aplicação do prazo previsto na lei contratualmente adotada (lei do Estado de Nova Iorque - Estados Unidos da América)". RESP n.º 1.280.218/MG, Terceira Turma, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 21.06.2016, DJ 12/8/2016.
Um dos grandes debates sobre arbitragem no Brasil que existe desde a promulgação da lei 9.307/96 ("Lei Brasileira de Arbitragem") e perduram até a atualidade gira em torno da autonomia da convenção de arbitragem. Sua previsão está disposta no art. 8º da LArb: "A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória". Ainda que tal regra tenha sido inserida em nossa legislação arbitral, até os dias de hoje, certas partes parecem ainda não compreender o cerne da aludida regra, haja vista que, não obstante os quase vinte e três anos de vigência da Lei de Arbitragem, o assunto ter sido levado a recente julgamento pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos detalhes teceremos mais adiante. Por ora, pensemos no que realmente representa a autonomia da convenção de arbitragem. Com efeito, por autonomia da convenção de arbitragem, entende-se, segundo a fórmula mais antiga da jurisprudência estrangeira, uma independência em relação ao contrato principal em que está inserida a convenção de arbitragem1. Fouchard, Gaillard e Goldman, bem ensinam o cerne do princípio da autonomia da convenção de arbitragem: "[...] Sem dúvida, o princípio da autonomia é o primeiro instrumento que permitirá ao árbitro estatuir sobre a sua própria competência. Graças a ele, o argumento, segundo o qual quando o contrato em si está maculado de um vício qualquer, perde toda a sua incidência direta sobre a convenção de arbitragem e, consequentemente, sobre a competência do árbitro. Permite, dessa forma, evitar qualquer injustiça acerca da competência fundada na ineficácia do contrato objeto da desavença. Nesta situação, autonomia e 'competência competência' se fortalecem mutuamente [...]"2. E quais seriam os efeitos de tal autonomia? Em primeiro lugar, pode-se afirmar que ela [autonomia] consistirá numa indiferença em relação o objeto do contrato principal, assim como a possibilidade de a convenção ser regida por um direito distinto. Em segundo lugar, a autonomia da convenção de arbitragem gera uma consequência direta - no princípio segundo o qual o árbitro deve estatuir sobre a sua própria competência (kompetenz-kompetenz). Por consequência lógica, diante de tais efeitos, nos parece correto afirmar que, se a convenção de arbitragem é autônoma em relação ao contrato principal onde ela está inserida, a apreciação de sua validade e abrangência passará automaticamente aos cuidados do Tribunal Arbitral ou Árbitro Único. Isto é, são os árbitros que decidirão sobre a sua própria competência, sob o manto da mencionada regra da kompetenz-kompetenz3. O que se discute nessas breves linhas não é uma proibição de o Poder Judiciário se imiscuir numa arbitragem. Ele pode, e deve sim interferir, no sentido da cooperação, como tivemos a oportunidade de explorar no último estudo publicado nesta coluna4. Mas há de se respeitar uma regra de simples cronologia e jamais de hierarquia. Nos valemos aqui dos sempre judiciosos ensinamentos de Fouchard, Gaillard e Goldman, que ensinam ser a kompetenz-kompetenz uma regra de prioridade, entendida sob o prisma cronológico5. Compete aos árbitros, em primeiro lugar, se pronunciarem acerca de questões relativas à competência ou mesmo sobre eventuais dubiedades contidas na convenção de arbitragem, sob reserva do ulterior controle do Poder Judiciário, quando de eventual fase pós-arbitral6. Desde a edição da lei 9.307/1996, além do surgimento importantes e percucientes estudos como dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre questões ligadas à arbitragem, a jurisprudência dos tribunais pátrios desenvolveu-se no sentido de dar credibilidade ao instituto da arbitragem, confirmando, inter alia, a mens legis da regra que estipula uma prioridade em favor do árbitro para decidir toda e qualquer questão que surja enquanto um procedimento arbitral estiver em curso. Nesse sentido, após quase vinte e três anos de vigência da Lei de Arbitragem no Brasil, é digno de nota recente julgado emanado do STJ, destacado anteriormente, em que, de forma brilhante, firmou o entendimento segundo o qual o efeito gerado pela mencionada regra da kompetenz-kompetenz prevista no art. 8º da Lei de Arbitragem confere uma prioridade temporal aos árbitros para decisão de toda e qualquer questão abarcada pela convenção de arbitragem, permitida, e claro, que eventuais processos correlatos possam ser levados ao Poder Judiciário somente após a emissão da sentença arbitral. O caso em exame tratava da discussão a respeito de uma cláusula de arbitragem inserida em negócio imobiliário que envolvia a aquisição de um edifício na cidade do Rio de Janeiro, incluindo a sua reforma e construção de um edifício garagem. Em primeira instância, o juízo rejeitou a preliminar de exceção de arbitragem, tendo sido tal decisão cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Levada a questão ao STJ, manteve-se a decisão de segunda instância. Segundo consta do acórdão de lavra da eminente Ministra Nancy Andrighi, o negócio jurídico imobiliário objeto dos autos possuía convenção de arbitragem para a resolução de controvérsias dele advindas. Diante disso, no entendimento da Ministra Nancy Andrighi, assim como de toda a composição da Terceira Turma do STJ, quando existente convenção de arbitragem válida em determinado negócio jurídico, prevalece a "precedência cronológica" dos árbitros para se manifestar sobre a sua própria competência. Dois pontos da ementa do aludido acórdão merecem destaque: "[...] 3. A convenção de arbitragem prevista contratualmente afasta a jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato, além da própria existência, validade e eficácia da clausula compromissória" 4. Admitir que a decisão de Tribunal Arbitral formado para a resolução de outro litígio cumpra a necessidade de manifestação prévia dos árbitros seria uma verdadeira ofensa ao princípio da competência-competência [...]"7. A decisão acima mencionada merece aplausos e, num momento em que o instituto da arbitragem ganha cada vez mais credibilidade não só pelos seus usuários mas como pelo próprio Poder Judiciário, se destaca como uma decisão paradigmática no sentido de compreender não só a clausula compromissória mas a própria arbitragem como um sistema totalmente autônomo e independente de resolução de controvérsias em relação ao Poder Judiciário. __________ 1 É digno de nota a célebre decisão proferida pela Corte de Cassação Francesa, em 1963, no caso "Gosset": "Em matéria de arbitragem internacional, o acordo compromissório concluído separadamente ou incluso no ato jurídico do qual ele se faz parte, apresenta sempre, salvo circunstâncias excepcionais (...), uma completa autonomia jurídica, excluindo que ele possa ser afetado por uma eventual invalidade deste ato". Primeira Câmara Cível da Corte de Cassação Francesa, decisão datada de 07 de maio de 1963, Gosset, JCP, 1963.II.13405. Paris: Lexisnexis Jurisclasseur, nota de B. Goldman (tradução livre). 2 FOUCHARD, Philippe, GAILLARD, Emmanuel e GOLDMAN, Berthold. Traité de l'arbitrage commercial international. Paris: Litec, 1996, p. 229. 3 Tal regra gera um efeito de prioridade ao árbitro para a apreciação de certas questões colocadas em jogo por uma parte, como dúvidas acerca da validade e eficácia da convenção de arbitragem, por exemplo. O parágrafo único do mencionado art. 8º, deixou clara tal regra: "Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória". 4 O Poder Judiciário da sede da arbitragem: o "juge d'appui". Acesso em 28/7/2019. 5 FOUCHARD, Philippe, GAILLARD, Emmanuel e GOLDMAN, Berthold. Traité de l'arbitrage commercial international. Paris: Litec, 1996, p. 415 6 Interessante, notar, todavia, a opinião de Pierre Mayer, para quem a regra da kompetenz-kompetenz não supõe nem um poder, nem uma competência. Ela se resume simplesmente na ausência de obrigação do árbitro de suspender o procedimento arbitral quando uma parte afirma que ele não é competente, propondo uma exceção de incompetência perante o Poder Judiciário. MAYER, Pierre. L'autonomie de l'arbitre International dans l'appréciation de sa propre compétence. In: Recueil des cours de l'académie de droit International de La Haye, t. 290, p. 345. 7 STJ, REsp n.º 1.656.643/RJ, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.04.2019, DJ 12.04.2019.  
Em todo procedimento arbitral existe uma sede. O chamado lugar da arbitragem é aquele em que, normalmente, o procedimento arbitral se desenvolve, onde as audiências são realizadas e, finalmente, onde a sentença arbitral é proferida, inter alia1. Trata-se de um elemento de operacionalidade da arbitragem, em que a sede se torna de suma importância, sobretudo para os efeitos práticos do procedimento arbitral2. E não só apenas para efeitos de operacionalidade funciona a sede da arbitragem. Com efeito, a lei da sede da arbitragem possui vocação para reger, de forma subsidiária, o procedimento arbitral. Isto é, na ausência de regras escolhidas pelas partes para reger o mérito da controvérsia ou mesmo questões de ordem processual, a lei da sede da arbitragem pode fornecer importantes subsídios para a resolução de determinadas questões3. E não somente a lei, mas o Poder Judiciário da sede exerce importante missão no sentido de dar assistência ao procedimento arbitral que se desenvolve sob o seu território, proferindo medidas de urgência, auxiliando na composição do tribunal arbitral, intimando testemunhas renitentes, inter alia. Como bem frisado por Carlos Alberto Carmona, trata-se de uma relação (entre o Poder Judiciário e a arbitragem) vista sob o prisma cooperativo (ou de "coordenação") e jamais de supremacia ou hierarquia (ou "subordinação")4. Um bom exemplo prático de relação de coordenação do Poder Judiciário com a arbitragem são as medidas de caráter acautelatório, utilizadas para prevenir direitos das partes5. O protesto interruptivo da prescrição (art. 202, inciso II do Código Civil), por exemplo, seria válido, de modo a resguardar o credor de quaisquer riscos de ver a sua pretensão julgada prescrita6. Outro exemplo de coordenação entre a jurisdição estatal e a arbitral, bastante recente, advém de julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça, em que restou firmado o entendimento segundo o qual é possível aplicar as normas de penhora no rosto dos autos de procedimentos arbitrais, de modo que o Poder Judiciário possa oficiar o árbitro para que este indique, em sua decisão, caso seja favorável à parte executada, a existência de ordem judicial de constrição7. No entanto, é preciso frisar que as funções da sede são limitadas. Isso porque a sede da arbitragem, ainda que tenha a competência para a resolução de diversas questões, como a do controle da sentença arbitral, inter alia8, exerce o importante papel de juiz de apoio, ou, como chama a doutrina francesa, "juge d'appui"9, isto é, de apoio, assistência e colaboração com o procedimento arbitral. Do contrário, veríamos um sistema arbitral posto em xeque, com infindáveis intervenções judiciais no curso da arbitragem, desvirtuando-a por completo10. Portanto, não há uma automaticidade da regência do procedimento arbitral pela lei da sede da arbitragem, seja na arbitragem doméstica, seja na arbitragem internacional11. Deve-se ter sempre ter cautela sobre como interpretar o quão importante é a sede da arbitragem, sem que a lei de tal local cause interferências nefastas no procedimento arbitral. Judiciário e arbitragem funcionam dentro de um sistema de intercomunicação, em que o primeiro interfere no segundo apenas no sentido da eficácia. Como bem frisou Eduardo de Albuquerque Parente em sua obra "Processo Arbitral e Sistema"12, a participação do Judiciário na arbitragem não tira a autorreferência do sistema arbitral. Ambos os sistemas convivem sem qualquer interferência abrupta. __________ 1 No Direito brasileiro, a escolha da sede da arbitragem configura fator que define a nacionalidade da sentença arbitral, em virtude da redação do parágrafo único do art. 34 da lei 9.307/1996: "Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional". 2 Nesse sentido, explica Adriana Braghetta: "A sede da arbitragem deve ter estrutura logística adequada para que os atos procedimentais, especialmente as audiências, se realizem sem percalços, apesar de não ser imprescindível que os atos procedimentais aconteçam na sede. A estrutura compreende hotéis, locomoção, tradução, possibilidade de obtenção de vistos, serviços de degravação das audiências, etc. No Brasil, por exemplo, ainda não é simples obter serviços de alta qualidade para gravação e degravação de audiências em línguas estrangeiras" (A escolha da sede da arbitragem. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVI, p. 13, set. 2006). 3 É assim que entendia o saudoso Philippe Fouchard: "La loi du pays du territoire duquel se déroule l'arbitrage - ou du moins ou il est censé se dérouler - donne à celui-ci un cadre juridique, ou plus exactement le lui propose, car sa vocation à le régir est subsidiaire. C'est seulement en l'absence de règles autonomes tirées de la convention des parties et de la pratique, et à condition des parties et de la pratique, et à condition que les parties n'aient pas choisi une autre loi, que la loi du siège fournit à l'arbitrage les règles techniques qui lui permettent de se dérouler normalement. Telle est moins da tendance moderne des lois et des jurisprudences" (Suggestions pour accroître l'efficacité international des sentences arbitrales. Revue de l'Arbitrage, Paris: Comité français de l'arbitrage, n. 4. p. 667, 1998). 4 CARMONA. Carlos Alberto. Das Boas Relações entre os Juízes e os Árbitros. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, n.º 51, pp. 17-24, out. 1997. 5 Tais medidas restaram positivadas no novel art. 22-A da lei 9.307/1996: "Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência". 6 Nesse sentido, a lição de Eduardo de Albuquerque Parente (baseando-se em dispositivos do CPC/1973): "(...) Assim, havendo perigo de dano, situação de urgência na interrupção da prescrição, notando a parte requerente que não poderá aguardar certos atos do procedimento arbitral, seja a aceitação, seja a ordenação para citar, seja esta propriamente dita, deve se valer do sistema do processo estatal. (...) Há que ajuizar demanda cautelar para interromper a prescrição. O chamado protesto interruptivo de prescrição, a ser ajuizado perante o juiz estatal (CPC, arts. 867 a 873), que encerrará sua jurisdição assim que houver a citação. Aí sim, com os convenientes efeitos retroativos do parágrafo 1.º do art. 219 do Código de Processo Civil, que voltarão até o ajuizamento da demanda. Eis mais uma demonstração de como um sistema produz influência no outro e de maneira que ambos precisam trabalhar sem interferências abruptas/assistêmicas. No exemplo, temos a abertura cognitiva do sistema arbitral com o de direito material (prescrição) e processual estatal (medida de urgência)" (Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2010, pp.145-146). 7 Merece destaque o seguinte trecho da ementa do julgado em questão: "(...) Respeitadas as peculiaridades de cada jurisdição, é possível aplicar a regra do art. 674 do CPC/73 (art. 860 do CPC/15), ao procedimento de arbitragem, a fim de permitir que o juiz oficie o árbitro para que este faça constar em sua decisão final, acaso favorável ao executado, a existência da ordem judicial de expropriação, ordem essa, por sua vez, que só será efetivada ao tempo e modo do cumprimento da sentença arbitral, no âmbito do qual deverá ser também resolvido eventual concurso especial de credores, nos termos do art. 613 do CPC/73 (parágrafo único do art. 797 do CPC/15).". STJ, Terceira Turma, REsp n.º 1.678.224-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.05.2019, DJE 09.05.2019. 8 Nesse sentido v. POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative Law of International Arbitration. 2. ed. London: Sweet & Maxwell, 2007. p. 83. 9 Expressão utilizada no direito francês, para caracterizar o papel dos juízes estatais perante a arbitragem ("Juiz de Apoio"). No âmbito do direito francês, Philipe Fouchard discorre como o Presidente do "Tribunal de Grande Instance" coopera com o sistema da arbitragem, como, por exemplo na formação do Tribunal Arbitral. (La coopération du Président du Tribunal de Grande Instance à l'Arbitrage. Philippe Fouchard: Écrits - Droit de l'arbitrage e droit du commerce international. Paris: Comité français de l'arbitrage, 2007. p. 5-33). 10 Seria o caso aqui das nefastas medidas conhecidas como "anti-suit injunctions" utilizadas para a finalidade de paralisar um procedimento arbitral, para discutir aspectos que caberiam tao somente à decisão dos árbitros (eventuais defeitos na clausula compromissória, discussões acerva da arbitrabilidade da disputa, inter alia. Para referência acerca desse tema, ver NUNES, Thiago Marinho. A Prática das anti-suit injunctions no procedimento arbitral e seu recente desenvolvimento no direito brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre: Thomson-IOB, ano I, n. 5, p. 15-51, 2005. 11 Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Carmona: "Há quem sustente que a fonte natural para a integração das regras lacunosas será a lei processual. Não creio nisto. Deve o árbitro orientar-se pelos princípios do direito processual, não por qualquer lei processual. Se isto vale para a arbitragem doméstica, com maior razão serve para a arbitragem internacional, onde muitas vezes não há lei processual alguma a consultar, já que a 'sede' da arbitragem por vezes não tem qualquer elemento de conexão com as partes ou com a questão em disputa ('sede' neutra)" (Flexibilização do procedimento arbitral. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Thomson-IOB, n. 24, p. 14, out.-nov.-dez. 2009). 12 PARENTE. Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e Sistema. São Paulo: Atlas, 2012.  
O Brasil, desde a edição da lei 9.307/96, adotou um sistema de arbitragem caracterizado como monista1. A referida lei estabelece o que seria uma arbitragem no âmbito doméstico, mas não tece qualquer comentário acerca da arbitragem internacional. Com efeito, quando do advento da lei 9.307/1996, notou-se a despreocupação do legislador brasileiro em fixar uma regra própria para caracterizar a arbitragem internacional. O sistema monista, adotado pelo legislador brasileiro, levou em conta apenas o que se pode chamar de internacionalidade da sentença arbitral. Portanto, adotou-se a fórmula preconizada pelo art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 9.307/1996, segundo a qual "considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional". Isso implica afirmar que, quando proferida fora do território nacional, a sentença arbitral adquire caráter de sentença estrangeira. Pouco importa se as partes possuíam a mesma nacionalidade e que o procedimento arbitral tenha ocorrido em solo brasileiro. Sendo a sentença proferida e assinada em território estrangeiro, mesmo tendo o processo arbitral sido desenvolvido no Brasil, para fins legais, a sentença será sempre considerada estrangeira. A sentença arbitral, contudo, não será reputada estrangeira, se proferida em território brasileiro, ainda que por intermédio de uma instituição que não possua sede no Brasil (CCI, por exemplo), o que, aliás, já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ")2. Ainda que em forma de tentativa, é de grande importância detectar quando uma arbitragem é internacional e, para tanto, o direito comparado é uma eficaz ferramenta para a análise da internacionalidade da arbitragem. Isso implica afirmar que, um breve estudo comparativo de diversas legislações estrangeiras, revela-se extremamente útil de modo a demonstrar a verdadeira essência da internacionalidade da arbitragem Com efeito, não são poucas as legislações sobre arbitragem que adotam diferentes critérios no que tange ao conceito da internacionalidade da arbitragem. Entre esses critérios, citam-se o geográfico, o econômico e o jurídico. Segundo o geográfico, a arbitragem é internacional quando possui contatos objetivos com mais de um ordenamento jurídico. Trata-se de critério seguido, por exemplo, no direito suíço, que determina que há arbitragem internacional se o tribunal arbitral tiver a sua sede na Suíça e se pelo menos uma das partes não tiver o seu domicílio ou residência habitual na Suíça. Portanto, dispõe o art. 176 da LDIP suíça: "[a]s disposições do presente capítulo se aplicam a toda arbitragem se a sede do tribunal arbitral se encontra na Suíça e ao menos uma das partes não possuía, no momento da conclusão da convenção de arbitragem, seu domicílio ou sua residência habitual na Suíça"3. Além do critério geográfico para definição de arbitragem internacional, existe o chamado critério econômico, também denominado de "objetivo", adotado, por exemplo, pelo direito francês que, ao editar a sua nova legislação sobre arbitragem, fez constar no art. 1.504 do Nouveau Code de Procédure Civile a determinação segundo a qual é internacional a arbitragem quando esta coloca em jogo os interesses do comércio internacional4. No mesmo sentido, é a disposição contida no art. 49. Item 1, da Lei Portuguesa de Arbitragem: "Entende-se por arbitragem internacional a que põe em jogo interesses do comércio internacional"5. Philippe Fouchard, grande defensor do critério econômico para a caracterização da internacionalidade da arbitragem, explica que a arbitragem é feita para o litígio, e não o litígio que é feito para a arbitragem, de modo que a internacionalidade da arbitragem deve ser definida pela substância da relação jurídica6. Finalmente, um dos critérios utilizados para a caracterização da internacionalidade da arbitragem é o que diz respeito à internacionalidade da relação jurídica. Esse critério é fundado em pura lição de direito internacional privado: sendo internacional o contrato que contenha a convenção de arbitragem, necessariamente o procedimento arbitral será internacional. O critério da internacionalidade da relação jurídica vem sendo adotado no direito brasileiro, o que se pôde verificar por meio de recentes julgados. Ao invés de utilizar o critério geográfico ou o econômico7, de modo a detectar a internacionalidade da arbitragem, a jurisprudência do STJ manifestou-se recentemente pela aplicação do critério da internacionalidade da relação jurídica. Determinados trechos da referida decisão merecem ser citados8: "(...)Verifica-se que o contrato de representação comercial em exame foi celebrado na Alemanha, por uma empresa brasileira e outra alemã, e estabeleceu cláusula arbitral convencionando que eventuais conflitos deveriam ser dirimidos pelo Direito alemão, por árbitros da Câmara de Comércio Internacional de Paris. Trata-se, portanto, de contrato internacional, com características que não correspondem exatamente às dos contratos internos, firmados para produzir efeitos integralmente dentro do país. [...]. Nos contratos internacionais, ganha relevo a aplicação dos princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica, na espécie em exame, a análise da cláusula arbitral convencionada entre as partes sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923" Por que não reunir ambos os critérios para fins de construção legislativa, enfatizando o que realmente é arbitragem internacional? Foi nesse sentido que, incorporando os critérios geográficos e econômicos, a lei espanhola de arbitragem, editada no ano de 2003 e revista em 2011, em uma clara noção e aplicação de puro direito comparado - pois investigou em outras legislações tais critérios -, adotou, em seu art. 3.º, a seguinte disposição9: Artículo 3. Arbitraje internacional. 1. El arbitraje tendrá carácter internacional cuando en él concurra alguna de las siguientes circunstancias: a) Que, en el momento de celebración del convenio arbitral, las partes tengan sus domicilios en Estados diferentes. b) Que el lugar del arbitraje, determinado en el convenio arbitral o con arreglo a éste, el lugar de cumplimiento de una parte sustancial de las obligaciones de la relación jurídica de la que dimane la controversia o el lugar con el que ésta tenga una relación más estrecha, esté situado fuera del Estado en que las partes tengan sus domicilios. c) Que la relación jurídica de la que dimane la controversia afecte a intereses del comercio internacional. 2. A los efectos de lo dispuesto en el apartado anterior, si alguna de las partes tiene más de un domicilio, se estará al que guarde una relación más estrecha con el convenio arbitral; y si una parte no tiene ningún domicilio, se estará a su residencia habitual. A junção dos fatores geográficos e econômicos10 realizada pela moderna lei espanhola de arbitragem, faz com que essa legislação seja a que, na atualidade, melhor atenda aos interesses dos operadores da arbitragem internacional. Não pairam dúvidas quanto à internacionalidade da arbitragem, tornando mais fácil a tomada de decisões pelos tribunais, em razão do próprio quesito "internacionalidade". Por mais louváveis que sejam os critérios acima colocados para definição da internacionalidade, sendo todos perfeitamente cabíveis para detectar o caráter internacional de um litígio, o que se deseja é que tais critérios estejam contemplados em um só ordenamento. Assim, quaisquer dúvidas acerca da internacionalidade cessariam de vez. O caminho atualmente seguido pelo direito brasileiro - utilização do critério da internacionalidade da relação jurídica - é bastante útil para detectar a internacionalidade de um procedimento arbitral, o que é importante para a resolução de questões que impliquem conflito de leis. Contudo, para que o Brasil siga na rota da modernidade, há de tomar como modelo o exemplo da lei espanhola, preenchendo lacunas jurídicas por meio do direito comparado11, o que certamente trará benefícios a advogados, juízes e árbitros, atuantes na seara da arbitragem doméstica e internacional. __________ 1 DIAS, Aline Henriques. Os Sistemas Monista e Dualista na Arbitragem Comercial. Revista Brasileira de Arbitragem (Comitê Brasileiro de Arbitragem-CBAr & IOB. Kluwer Law International, 2016, Vol. XIII, Issue 50, pp. 92-111. 2 Algumas passagens da ementa desta decisão merecem ser transcritas: "A determinação da internacionalidade ou não de sentença arbitral, para fins de reconhecimento, ficou ao alvedrio das legislações nacionais, conforme o disposto no art. 1º da Convenção de Nova Iorque (1958), promulgada pelo Brasil, por meio do decreto 4.311/02, razão pela qual se vislumbra no cenário internacional diferentes regulamentações jurídicas acerca do conceito de sentença arbitral estrangeira [...] No ordenamento jurídico pátrio, elegeu-se o critério geográfico (ius solis) para determinação da nacionalidade das sentenças arbitrais, baseando-se exclusivamente no local onde a decisão for proferida (art. 34, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96) [...] Na espécie, o fato de o requerimento para instauração do procedimento arbitral ter sido apresentado à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional não tem o condão de alterar a nacionalidade dessa sentença, que permanece brasileira". STJ, REsp n.º 1231554/RJ, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.05.2011, DJ 01.06.2011. 3 Loi Fédérale du 18 décembre 1987 sur le droit international privé (LDIP). No mesmo sentido dispõe a art. 1.º, item 3, da Lei Modelo da UNCITRAL sobre arbitragem comercial internacional do ano de 1985 (com as emendas adotadas no ano de 2006). Tradução livre. 4 Art. 1.504 do NCPC francês: "Est international l'arbitrage qui met en cause des intérêts du commerce international". 5 Lei 63/2011, de 14 de dezembro (versão atualizada). Para Dario Moura Vicente, o critério econômico de internacionalidade ostenta a vantagem de abranger "certos negócios que apresentam conexões com um só País, mas que, todavia, se encontram intrinsecamente ligados a uma operação econômica internacional". VICENTE, Dario Moura. Da Arbitragem Comercial Internacional: direito aplicável ao mérito da causa. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 40. 6 FOUCHARD, Philippe. Quand un arbitrage est-il international?. Phlippe Fouchard: Écrits - Droit de l'arbitrage e droit du commerce international. Paris: Comitê français de l'arbitrage, 2007. p. 261. 7 Em um caso isolado, entretanto, o Supremo Tribunal Federal admitiu a internacionalidade da arbitragem pelo seu critério econômico: "Não são fatores geográficos ou relativos ao domicílio das partes que o caracterizam como contrato internacional, em oposição aos contratos internos, mas, sobretudo, a finalidade do contrato, ou seja, o transporte marítimo de país a país, portanto transnacional, atividade econômica de apoio, principalmente, aos contratos de compra e venda entre pessoas de nacionalidades diversas, sujeitas a sistemas jurídicos diferentes, que acabam por vincular-se pela vontade das partes" (STJ, 3.ª Turma, REsp n.º 616/RJ, rel. Min. Cláudio Santos, j. 24.04.1990, RSTJ 37/263). 8 Nesse sentido, v. STJ, 3.ª Turma, REsp n.º 712566/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 407. 9 Lei 60, de 23.12.2003. Texto integral. Acesso em 26.06.2019. 10 Segundo Fernando Mantilla-Serrano, os critérios para definir a internacionalidade da arbitragem na nova lei espanhola "são os mesmos recomendados pela Lei Modelo UNCITRAL. Adiciona-se ainda um critério de inspiração francesa, segundo a qual é internacional a arbitragem quando a relação jurídica básica - e não a controvérsia ela mesma - 'afeta os interesses do comércio internacional' - cf. art. 3.1c" (A nova Lei de Arbitragem na Espanha. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Thomson-IOB, n. 2, p. 113, abr.-jun. 2004). 11 Como ponderou Leontin-Jean Constantinesco, "no curso do tempo, os juristas se tornam cada vez mais conscientes do fato de que as experiências dos outros povos constituem uma reserva indispensável para qualquer reforma jurídica válida". CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de direito comparado: introdução ao direito comparado. Edição brasileira organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 152.  
Há alguns anos (precisamente nos idos de 2009/2010) emergia no Brasil o tema da flexibilização do procedimento arbitral. A flexibilidade da arbitragem representava o tema da moda, num momento que a arbitragem ganhava força total no Brasil: a ideia de procedimento livre, com regras pré-fixadas pelas partes, com a utilização de instrumentos de soft law muito utilizados na prática da arbitragem internacional1 e sem ater-se às normas processuais do local da arbitragem. Tal tema foi objeto de percucientes estudos2, gerando até mesmo uma belíssima tese de doutoramento3, a qual tive a honra de apresentar sua resenha4. O escopo da flexibilização do procedimento arbitral é o de maximizar a autonomia da vontade das partes, aliado um eficaz controle dos árbitros, de modo que, estabelecendo-se as regras do jogo o mais cedo possível com flexibilidade5, o curso do procedimento arbitral transcorra de uma forma menos rígida, menos apegada aos cacoetes processuais. Ao final, a flexibilização do procedimento arbitral só terá o condão de ajudar os árbitros a prolatarem uma sentença justa, correta e exequível, nos termos do quanto convencionado pelas partes, caso a caso6. No entanto, faz-se uma importante indagação: devem os árbitros deixar as partes livres para fixarem o que bem entenderem ou devem eles colocar um certo "freio" nos anseios das partes, exercendo a sua função de controle e comando do procedimento arbitral? Não há dúvidas de que um dos grandes pilares da arbitragem, e talvez o maior deles, é a autonomia da vontade. Ora, são as partes que quiseram a arbitragem e elas é que regerão o procedimento arbitral. Nesse sentido, diversos países adotaram em suas legislações, regras segundo as quais pertencem às partes o controle procedimental da arbitragem. Elas é que decidem as regras do jogo. A Lei Suíça de Direito Internacional Privado (LDIP), por exemplo, prevê em seu art. 182 (1)7 que as partes podem, diretamente, ou referindo-se a um regulamento de arbitragem, regulamentar o procedimento arbitral; elas podem também submeter o procedimento à lei processual de sua livre escolha. Já a Lei Sueca de Arbitragem, vai mais além, ao prever na Seção 21 que o tribunal arbitral deverá tratar o litígio de maneira imparcial, apropriada e rápida, além de conformar-se com que as partes tiverem decidido, sem realizarem qualquer obstáculo8. O direito francês entende que o acordo realizado entre as partes, vincula diretamente os árbitros. Segundo a jurisprudência francesa, o desrespeito à vontade das partes caracteriza violação à ordem pública, de forma que, a título exemplificativo, a expiração do prazo fixado pelas partes para a prolação da sentença arbitral pode constituir motivo de anulação da dita sentença9. No entanto, apesar de a arbitragem ser fundada no princípio da autonomia da vontade das partes, sempre existirá um limite a tal autonomia, isto é, um freio a um descabido pedido das partes. Esse "freio" resume-se no poder atribuído aos árbitros para o controle do procedimento arbitral. O freio à autonomia, logicamente utilizado pelos árbitros, ocorrerá quando a liberdade conferida às partes for além do permitido, isto é, quando determinadas regras aplicadas forem contrárias à lei que rege o procedimento arbitral ou que violem questões de ordem pública. Como as partes visam, numa arbitragem, a obtenção de uma sentença exequível, pensa-se que o mais prudente é atribuir aos árbitros todo o controle do procedimento arbitral, tendo os árbitros amplos poderes para efetuarem qualquer decisão, ainda que tal decisão cause discórdia entre as partes. Nesse sentido, é preciso o art. 14.1 do Regulamento de Arbitragem da London Court of International Arbitration ("LCIA"), segundo o qual as partes limitam a sua própria liberdade prevendo que as suas escolhas deverão estar em consonância com as atribuições básicas do tribunal que deverão adotar procedimentos de acordo com as circunstâncias da arbitragem, evitando custos e atrasos desnecessários10. No entendimento de Charles Jarrosson, o controle da arbitragem é exercido totalmente pelo árbitro, deixando claro que a vontade das partes encontra o seu limite na jurisdicionalidade do poder conferido ao árbitro que, diante disso, terá a última palavra. Assim, os poderes do árbitro, em matéria procedimental se justificam pela necessidade de eficácia inerente à administração da Justiça11. Já Thomas Clay, entende que, o chamado "contrato de árbitro" procura atribuir a uma pessoa o poder de julgar. O aludido autor entende categoricamente que pertence ao árbitro todas as decisões relativas à condução da instância arbitral, sendo que a aprovação das partes sobre qualquer medida procedimental é desejável, mas não fundamental. O árbitro é, portanto, o comandante do processo arbitral, e o faz assim de acordo com o seu poder jurisdicional conferido contratualmente entre ele e as partes12. Apesar de raros os casos, como é frisado por Gabrielle Kaufmann-Kohler, deve-se consignar que uma excessiva flexibilidade atribuída às partes, sem o devido controle dos árbitros, pode acarretar a recusa da execução da sentença arbitral. Um dos mencionados raros casos, refere-se a uma decisão cujos fatos são, resumidamente, os seguintes: no contrato litigioso, as partes haviam fixado o direito turco com aplicável à arbitragem. O Tribunal Arbitral, com sede na Suíça, havia compreendido o direito turco como o direito material aplicável à arbitragem. Em fase de execução da sentença, perante a jurisdição turca, entendeu o juiz estatal que o direito aplicável à controvérsia se aplicava também ao procedimento, e tais regras procedimentais não haviam sido aplicadas pelos árbitros. A execução da sentença, em razão deste vício, restou indeferida13. Como visto, a flexibilidade do procedimento arbitral, por mais que importante para a eficácia da solução do litígio, deve ser controlada por quem detém o poder jurisdicional confiado pelas partes: os árbitros. Quanto maior a confiança as partes depositarem nos árbitros, mesmo tendo que renunciar a determinadas questões meramente formais, mais a arbitragem será eficaz e maiores serão as chances de se obter o fim máximo propiciado pela arbitragem: uma sentença exequível. __________ 1 A título de exemplo, é digno de nota a IBA Rules on the Taking of Evidence in International Arbitration. 2 Ver, por todos, CARMONA, Carlos Alberto. Flexibilização da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. Comitê Brasileiro de Arbitragem, CBAr & IOB, 2009, Volume X, Issue 24, pp. 07-21. 3 MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade da Arbitragem. Acesso em 25.04.2019. 4 NUNES, Thiago Marinho. Resenha de livros: Flexibilidade do Procedimento Arbitral. Autor: Marcos André Franco Montoro. Revista Brasileira de Arbitragem (Comitê Brasileiro de Arbitragem, CBAr & IOB, 2013, Volume X, Issue 39, pp. 237-239. 5 Nesse sentido, o entendimento de Karl-Heinz Bockstiegel: "There are many ways of managing case efficiently, and it is one of the advantages of arbitration over court litigation that arbitral tribunals can shape a tailor made procedure that takes into account the many particularizes of each case (.) Although it is important to clarify the rules of the game as early as possible, it is also important to leave room for flexibility later in the proceedings (.)". BOCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Presenting evidence in international arbitration. ICSID Review: Foreign Investment Law Journal, vol. 16, nº 1, Washington, 2001, pp. 01-09. 6 Nesse sentido, o entendimento de Steven A. Hammond: "One of the great strengths of arbitration is its procedural flexibility, which permits the process to be tailored to the particular needs of each case (.)". HAMMOND, Steven A. Making the case in international arbitration: a common law orientation to the marshalling and presentation of evidence. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, v. 5, n. 16, p. 171-196, jan.-mar. 2008. 7 Art. 182 (1) da Lei Suíça de Direito Internacional Privado, de 1987 (LDIP): "The parties may directly or by reference to rules of arbitration regulate the arbitral procedure; they may also subject the procedure to the procedural law of their choice". 8 Seção 21 da Lei Sueca de Arbitragem (Swedish Arbitration Act): "The arbitrators shall handle the dispute in an impartial, practical, and speedy manner. They shall act in accordance with the decisions of the parties, unless they are impeded from doing so". 9 Decisão proferida pela Primeira Câmara Cível da Corte de Cassação Francesa, em 28 de setembro de 1995 no caso Dubois ET Vandervalle c/ Boots Frites. Esta decisão foi publicada na Revue de L'Arbitrage 1996, p. 100 com comentários de Emmanuel Gaillard. 10 No original: "The parties and the Arbitral Tribunal are encouraged to make contact (whether by a hearing in person, telephone conference-call, video conference or exchange of correspondence) as soon as practicable but no later than 21 days from receipt of the Registrar's written notification of the formation of the Arbitral Tribunal". 11 JARROSSON, Charles. Qui tiens les rênes de l'arbitrage? Volonté des parties et autorité de l'arbitre. Revue de L'Arbitrage 1999, p. 601. 12 CLAY, Thomas. L'Arbitre. Paris: Dalloz, 2001. 13 KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle, Qui contrôle l'arbitrage? Autonomie des parties, pouvoir des arbitres et principe d'efficacité in Liber Amicorum Claude Reymond - Autour de l'Arbitrage - Mélanges Offerts à Claude Reymond, Paris, Litec, 2004, p. 162.  
terça-feira, 26 de março de 2019

A prescrição e a arbitragem internacional

O tempo estabiliza e harmoniza as relações sociais. O direito, enquanto relação social normatizada, sofre influência do tempo, que, por meio dos prazos pré-fixados, baliza o adequado funcionamento da ordem jurídica. Dentre outras formas, a influência do tempo, como norma de caráter público, é evidenciada por meio do instituto da prescrição, cujo objetivo é eminentemente de interesse social, ao cessar situações de incerteza e instabilidade, com a punição do inerte. No Direito brasileiro, a lei 9.307/96 (Lei Brasileira de Arbitragem) instituiu definitivamente a arbitragem como método alternativo de resolução de controvérsias, ampliando o direito subjetivo de ação, ao permitir que as partes convencionem a via arbitral. Todavia, apesar de seu cunho processual, a lei, quando de sua edição em 1996, foi omissa quanto às consequências geradas pelos efeitos da prescrição (instituto de direito material) no âmbito da arbitragem. A razão de referida ausência tinha uma justificativa bastante plausível: a prescrição é um instituto de direito material e a Lei Brasileira de Arbitragem, um diploma processual, não havendo, pois, motivo para discussão a respeito daquele instituto em seu âmbito, ficando a solução por conta da lei material. Com a reforma da Lei de Arbitragem, por meio da lei 13.129/2015, após o surgimento de estudos a respeito do tema em foco1, a prescrição ganhou espaço no sistema arbitral brasileiro, com a edição do art. 19, parágrafo segundo o qual dispõe, inter alia, que a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração. O tema da interrupção da prescrição na seara da arbitragem é instigante e certamente será objeto de um de nossos próximos escritos nesta Coluna. O que se pretende tratar neste artigo inaugural são outras questões tão relevantes quanto ao fator interrupção, notadamente aquele que diz respeito ao regime jurídico aplicável à prescrição quando se está diante de uma arbitragem internacional, em que diversas leis acabam sendo porventura invocadas pelas partes no âmbito do litígio (lei do Estado de uma das partes, lei da sede da arbitragem, a chamada lex arbitrii, lex executionis, lex causae, lex contractus, inter alia). Abre-se aqui um breve parêntesis: estamos tratando da arbitragem internacional, aquela que advém de um contrato internacional, coloca em jogo os interesses do comércio internacional e normalmente contempla litigantes provenientes de diferentes Estados. Na arbitragem interna, necessariamente ligada ao ordenamento jurídico interno, a prescrição terá de obedecer aos ditames do Código Civil ou de alguma lei material nacional aplicável ao caso. Assim, em atenção aos limites da ordem pública interna, devem prevalecer os usos e costumes, princípios e regras do direito brasileiro para fins de regência do procedimento e mérito da arbitragem interna, especialmente, diante da convergência dos pontos de conexão entre contrato nacional e lei nacional2. Já a arbitragem internacional é conhecida por sua amplíssima autonomia. Autonomia a ponto de Emmanuel Gaillard, com base na célebre lição de que o árbitro não possui foro ("l'arbitre na pas de for"), ir além (e com razão), afirmando que na arbitragem internacional o foro do árbitro é o mundo3. A ampla autonomia da arbitragem internacional se aplica ao livre direito das partes de eleger o direito aplicável à controvérsia. Essa autonomia se estende aos árbitros que, no silêncio das partes, possuem liberdade de decidir qual é a lei aplicável a determinado ponto jurídico em discussão. Tem-se aqui uma dupla autonomia da qual é dotado o árbitro internacional: (i) o árbitro é autônomo em relação às regras estatais de conflito (ausência de lex fori), mesmo a da sede da arbitragem; (ii) o árbitro pode livremente escolher a regra de conflito que aplicará ou mesmo descartar qualquer regra conflitual e aplicar, por exemplo, a lex mercatoria. Em termos práticos, em arbitragem internacional, a autonomia e liberdade dos árbitros para apreciar as questões de fundo do litígio são ainda maiores. Tal autonomia se reflete para o campo do Direito Material, especialmente quando o ponto em discussão é a ocorrência de prescrição. Num passado obscuro, alguns julgados emanados da CCI entendiam que a prescrição deveria ser submetida à lex arbitrii, o que equivocadamente foi decidido nos casos CCI nºs. 4.491/1984 e 5.460/19874. Com o passar do tempo, doutrina e jurisprudência arbitral consolidaram-se no sentido de, em arbitragens internacionais, submeter a prescrição à lei aplicável ao mérito da controvérsia (lex causae ou lex contractus), independentemente das disposições mandatórias da lex arbitrii. A importância do tratamento da prescrição no âmbito da arbitragem internacional é relevante, dada as peculiaridades da prescrição, tratada de diferentes formas nos sistemas jurídicos da civil law e da common law. No primeiro, aplica-se a tese substancialista da prescrição, já no common law, a tese processualista. Segundo o sistema jurídico da família romano­germânica, a prescrição é tratada como uma questão material, tendo seu foco no direito subjetivo à pretensão. No sistema da common law, a prescrição (statute of limitations ou limitation of actions) tem como foco o processo e não a pretensão5. Diante dessa diversificação dos sistemas, como lidar com a questão no âmbito da arbitragem internacional? O que importa, segundo a ampla jurisprudência arbitral desenvolvida no âmbito da arbitragem internacional, é que simplesmente exista prescrição. Pouco importa se trata-se de matéria de caráter processual ou substancial (quando muito, os efeitos da ocorrência da prescrição é que gerariam diferentes consequências nesse caso). O árbitro internacional está unicamente vinculado à lei que as partes escolheram para reger a controvérsia no contrato que contém a convenção de arbitragem e decidem sobre a ocorrência de prescrição ainda que tal lei classifique a prescrição como matéria de ordem pública processual, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Nesse sentido, o julgado proferido no Caso CCI nº 6.371 é emblemático. Nesse caso o Tribunal Arbitral afirmou em linhas claras que pouco importa a qualificação da prescrição para determinar a lei a ela aplicável. Resumidamente, um litígio havia surgido entre uma sociedade americana (requerida) e uma empresa tailandesa (requerente), concernente à anulação de um pedido de entrega de roupas. A requerida se recusara a receber as roupas encomendadas em razão da divergência de tamanho, em relação ao pedido original. A demanda, portanto, tratava de uma suposta violação contratual por parte da requerente. Fora estipulada como sede da arbitragem a cidade de Nova York, Estados Unidos. Em suas alegações de defesa, a requerida sustentara a ocorrência de prescrição, segundo as leis do Estado do Oregon, Estados Unidos, onde a infração teria ocorrido. O Tribunal Arbitral, verificando que a lei aplicável ao contrato, por escolha expressa das partes, era a lei do Estado de Nova York, pouco se importou com a qualificação processual atribuída à prescrição pelo direito americano e aplicou ao prazo prescricional esta última lei, dando vigência à lex causae para dirimir a alegação da defesa6. Em outro caso emblemático, visto que as partes sequer escolheram a lei que seria aplicável ao contrato litigioso e ao mérito da controvérsia, o Tribunal Arbitral foi além, e escolheu, por meio da chamada voie directe7 as regras constantes dos Princípios Unidroit para reger a prescrição8. Importante frisar que, em relação à prescrição, os Princípios Unidroit oferecem regras específicas dotadas de objetividade e condizentes com os anseios dos operadores da arbitragem comercial internacional (como por exemplo, fixação dos prazos prescricionais, regras sobre suspensão e interrupção da prescrição, efeitos da expiração do prazo prescricional, entre outras relevantes). Diante da ausência de uma ordem jurídica de base na arbitragem internacional, a qual, repita-se, funciona livre das amarras das leis estatais das partes litigantes ou mesmo da sede da arbitragem, é possível afirmar que prescrição atua de forma diferenciada. Isto porque, se por um lado a prescrição é um instituto que se situa nos confins da ordem pública interna, na esfera internacional, a prescrição se mantém a distância do campo da ordem pública internacional, isto é, a prescrição é algo que, poder-se-ia dizer, tolerável, no campo do direito internacional e, pois, da arbitragem internacional. Diante da diversidade de leis possíveis regentes da prescrição no campo da arbitragem internacional, o ideal seria a adoção de uma solução global. Por mais que a construção legislativa aplicável a um contrato internacional nasça por meio da vontade das partes, que escolherão o regime que melhor atenda os seus interesses, essa escolha é repleta de incertezas, o que, segundo Luiz Olavo Batista, levaria "à adoção de modelos especiais e à busca de uma normatividade própria ao comércio internacional e que afaste as incertezas e dificuldades"9. Enquanto uma regulamentação própria e de caráter intergovernamental não surge, a utilização das regras constantes dos Princípios Unidroit, na atualidade, em arbitragens internacionais, pode constituir um bom meio para regular as questões sobre prescrição, rendendo praticidade, simplicidade, objetividade e uniformidade aos operadores da arbitragem comercial internacional e, o mais importante, dando segurança jurídica ao sistema da arbitragem comercial internacional. __________ 1 Ver, notadamente: ARMELIN, Donaldo. Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, n. 15, p. 65, out.-dez. 2007; ESGASHIRA, Fábio de Possídio. Arbitragem e prescrição. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, n. 8, p. 36, jan.-mar. 2006; Mediação, São Paulo: RT, n. 8, p. 36, jan.-mar. 2006; NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. São Paulo: Atlas, 2014. 2 Nesse sentido, v. LEE, João Bosco. A lei 9.307/96 e o direito aplicável ao mérito do litígio na arbitragem comercial internacional. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo: RT, v. 11, p. 355, 2001. 3 Ver, nesse sentido, GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques du droit de l'arbitrage international. Leiden/Boston: Les livres de poche de l'académie de droit international de l'Haye, Martinus Nijhoff Publishers, 2008. p. 47. 4 Sentença proferida no caso CCI n.º 4.491 de 1985. In: JARVIN, Sigvard; DERAINS, Yves. Collection of ICC Arbitral Awards (1974-1985). The Netherlands: Kluwer Law, 1994. p. 539-542, nota de Sigvard Jarvin; entença proferida no caso CCI n.º 5.460 de 1987. In: JARVIN, Sigvard; DERAINS, Yves; ARNALDEZ, J.J. Collection of ICC Arbitral Awards (1986-1990). The Netherlands: Kluwer Law, 1994. p. 138. 5 Nesse sentido, v. Gustavo Kloh Muller Neves, que ressalva: "Vale ainda ressaltar que no sistema da common law, onde não se fala propriamente em prescription, mas em limitation of actions, a limitation é um fenômeno eminentemente processual" (Prescrição e decadência no direito civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 16). 6 Sentença preliminar proferida no caso CCI 6.371 de 1989. Bulletin de la cour intrnationale d'arbitrage de la CCI, Paris: ICC Publication, v. 13, n. 2, p. 64-67, 2002. 7 Ou "Escolha Direta". O método da escolha direta está previsto, por exemplo, no Regulamento de Arbitragem da CCI, art. 21(1): "As partes terão liberdade para escolher as regras de direito a serem aplicadas pelo tribunal arbitral ao mérito da causa. Na ausência de acordo entre as partes, o tribunal arbitral aplicará as regras que julgar apropriadas". 8 Princípios elaborados pela Unidroit (International Institute for de Unification of Private Law), edição de 2016, para o comércio internacional. O Capítulo 10 dos Princípios Unidroit 2016 é integralmente dedicado à prescrição. Acesso em 23/3/2019. 9 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 129.