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Arbitragem Legal

Aspectos atuais do instituto da arbitragem.

Thiago Marinho Nunes
Em todo procedimento arbitral existe uma sede. O chamado lugar da arbitragem é aquele em que, normalmente, o procedimento arbitral se desenvolve, onde as audiências são realizadas e, finalmente, onde a sentença arbitral é proferida, inter alia1. Trata-se de um elemento de operacionalidade da arbitragem, em que a sede se torna de suma importância, sobretudo para os efeitos práticos do procedimento arbitral2. E não só apenas para efeitos de operacionalidade funciona a sede da arbitragem. Com efeito, a lei da sede da arbitragem possui vocação para reger, de forma subsidiária, o procedimento arbitral. Isto é, na ausência de regras escolhidas pelas partes para reger o mérito da controvérsia ou mesmo questões de ordem processual, a lei da sede da arbitragem pode fornecer importantes subsídios para a resolução de determinadas questões3. E não somente a lei, mas o Poder Judiciário da sede exerce importante missão no sentido de dar assistência ao procedimento arbitral que se desenvolve sob o seu território, proferindo medidas de urgência, auxiliando na composição do tribunal arbitral, intimando testemunhas renitentes, inter alia. Como bem frisado por Carlos Alberto Carmona, trata-se de uma relação (entre o Poder Judiciário e a arbitragem) vista sob o prisma cooperativo (ou de "coordenação") e jamais de supremacia ou hierarquia (ou "subordinação")4. Um bom exemplo prático de relação de coordenação do Poder Judiciário com a arbitragem são as medidas de caráter acautelatório, utilizadas para prevenir direitos das partes5. O protesto interruptivo da prescrição (art. 202, inciso II do Código Civil), por exemplo, seria válido, de modo a resguardar o credor de quaisquer riscos de ver a sua pretensão julgada prescrita6. Outro exemplo de coordenação entre a jurisdição estatal e a arbitral, bastante recente, advém de julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça, em que restou firmado o entendimento segundo o qual é possível aplicar as normas de penhora no rosto dos autos de procedimentos arbitrais, de modo que o Poder Judiciário possa oficiar o árbitro para que este indique, em sua decisão, caso seja favorável à parte executada, a existência de ordem judicial de constrição7. No entanto, é preciso frisar que as funções da sede são limitadas. Isso porque a sede da arbitragem, ainda que tenha a competência para a resolução de diversas questões, como a do controle da sentença arbitral, inter alia8, exerce o importante papel de juiz de apoio, ou, como chama a doutrina francesa, "juge d'appui"9, isto é, de apoio, assistência e colaboração com o procedimento arbitral. Do contrário, veríamos um sistema arbitral posto em xeque, com infindáveis intervenções judiciais no curso da arbitragem, desvirtuando-a por completo10. Portanto, não há uma automaticidade da regência do procedimento arbitral pela lei da sede da arbitragem, seja na arbitragem doméstica, seja na arbitragem internacional11. Deve-se ter sempre ter cautela sobre como interpretar o quão importante é a sede da arbitragem, sem que a lei de tal local cause interferências nefastas no procedimento arbitral. Judiciário e arbitragem funcionam dentro de um sistema de intercomunicação, em que o primeiro interfere no segundo apenas no sentido da eficácia. Como bem frisou Eduardo de Albuquerque Parente em sua obra "Processo Arbitral e Sistema"12, a participação do Judiciário na arbitragem não tira a autorreferência do sistema arbitral. Ambos os sistemas convivem sem qualquer interferência abrupta. __________ 1 No Direito brasileiro, a escolha da sede da arbitragem configura fator que define a nacionalidade da sentença arbitral, em virtude da redação do parágrafo único do art. 34 da lei 9.307/1996: "Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional". 2 Nesse sentido, explica Adriana Braghetta: "A sede da arbitragem deve ter estrutura logística adequada para que os atos procedimentais, especialmente as audiências, se realizem sem percalços, apesar de não ser imprescindível que os atos procedimentais aconteçam na sede. A estrutura compreende hotéis, locomoção, tradução, possibilidade de obtenção de vistos, serviços de degravação das audiências, etc. No Brasil, por exemplo, ainda não é simples obter serviços de alta qualidade para gravação e degravação de audiências em línguas estrangeiras" (A escolha da sede da arbitragem. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVI, p. 13, set. 2006). 3 É assim que entendia o saudoso Philippe Fouchard: "La loi du pays du territoire duquel se déroule l'arbitrage - ou du moins ou il est censé se dérouler - donne à celui-ci un cadre juridique, ou plus exactement le lui propose, car sa vocation à le régir est subsidiaire. C'est seulement en l'absence de règles autonomes tirées de la convention des parties et de la pratique, et à condition des parties et de la pratique, et à condition que les parties n'aient pas choisi une autre loi, que la loi du siège fournit à l'arbitrage les règles techniques qui lui permettent de se dérouler normalement. Telle est moins da tendance moderne des lois et des jurisprudences" (Suggestions pour accroître l'efficacité international des sentences arbitrales. Revue de l'Arbitrage, Paris: Comité français de l'arbitrage, n. 4. p. 667, 1998). 4 CARMONA. Carlos Alberto. Das Boas Relações entre os Juízes e os Árbitros. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, n.º 51, pp. 17-24, out. 1997. 5 Tais medidas restaram positivadas no novel art. 22-A da lei 9.307/1996: "Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência". 6 Nesse sentido, a lição de Eduardo de Albuquerque Parente (baseando-se em dispositivos do CPC/1973): "(...) Assim, havendo perigo de dano, situação de urgência na interrupção da prescrição, notando a parte requerente que não poderá aguardar certos atos do procedimento arbitral, seja a aceitação, seja a ordenação para citar, seja esta propriamente dita, deve se valer do sistema do processo estatal. (...) Há que ajuizar demanda cautelar para interromper a prescrição. O chamado protesto interruptivo de prescrição, a ser ajuizado perante o juiz estatal (CPC, arts. 867 a 873), que encerrará sua jurisdição assim que houver a citação. Aí sim, com os convenientes efeitos retroativos do parágrafo 1.º do art. 219 do Código de Processo Civil, que voltarão até o ajuizamento da demanda. Eis mais uma demonstração de como um sistema produz influência no outro e de maneira que ambos precisam trabalhar sem interferências abruptas/assistêmicas. No exemplo, temos a abertura cognitiva do sistema arbitral com o de direito material (prescrição) e processual estatal (medida de urgência)" (Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2010, pp.145-146). 7 Merece destaque o seguinte trecho da ementa do julgado em questão: "(...) Respeitadas as peculiaridades de cada jurisdição, é possível aplicar a regra do art. 674 do CPC/73 (art. 860 do CPC/15), ao procedimento de arbitragem, a fim de permitir que o juiz oficie o árbitro para que este faça constar em sua decisão final, acaso favorável ao executado, a existência da ordem judicial de expropriação, ordem essa, por sua vez, que só será efetivada ao tempo e modo do cumprimento da sentença arbitral, no âmbito do qual deverá ser também resolvido eventual concurso especial de credores, nos termos do art. 613 do CPC/73 (parágrafo único do art. 797 do CPC/15).". STJ, Terceira Turma, REsp n.º 1.678.224-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.05.2019, DJE 09.05.2019. 8 Nesse sentido v. POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative Law of International Arbitration. 2. ed. London: Sweet & Maxwell, 2007. p. 83. 9 Expressão utilizada no direito francês, para caracterizar o papel dos juízes estatais perante a arbitragem ("Juiz de Apoio"). No âmbito do direito francês, Philipe Fouchard discorre como o Presidente do "Tribunal de Grande Instance" coopera com o sistema da arbitragem, como, por exemplo na formação do Tribunal Arbitral. (La coopération du Président du Tribunal de Grande Instance à l'Arbitrage. Philippe Fouchard: Écrits - Droit de l'arbitrage e droit du commerce international. Paris: Comité français de l'arbitrage, 2007. p. 5-33). 10 Seria o caso aqui das nefastas medidas conhecidas como "anti-suit injunctions" utilizadas para a finalidade de paralisar um procedimento arbitral, para discutir aspectos que caberiam tao somente à decisão dos árbitros (eventuais defeitos na clausula compromissória, discussões acerva da arbitrabilidade da disputa, inter alia. Para referência acerca desse tema, ver NUNES, Thiago Marinho. A Prática das anti-suit injunctions no procedimento arbitral e seu recente desenvolvimento no direito brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre: Thomson-IOB, ano I, n. 5, p. 15-51, 2005. 11 Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Carmona: "Há quem sustente que a fonte natural para a integração das regras lacunosas será a lei processual. Não creio nisto. Deve o árbitro orientar-se pelos princípios do direito processual, não por qualquer lei processual. Se isto vale para a arbitragem doméstica, com maior razão serve para a arbitragem internacional, onde muitas vezes não há lei processual alguma a consultar, já que a 'sede' da arbitragem por vezes não tem qualquer elemento de conexão com as partes ou com a questão em disputa ('sede' neutra)" (Flexibilização do procedimento arbitral. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Thomson-IOB, n. 24, p. 14, out.-nov.-dez. 2009). 12 PARENTE. Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e Sistema. São Paulo: Atlas, 2012.  
O Brasil, desde a edição da lei 9.307/96, adotou um sistema de arbitragem caracterizado como monista1. A referida lei estabelece o que seria uma arbitragem no âmbito doméstico, mas não tece qualquer comentário acerca da arbitragem internacional. Com efeito, quando do advento da lei 9.307/1996, notou-se a despreocupação do legislador brasileiro em fixar uma regra própria para caracterizar a arbitragem internacional. O sistema monista, adotado pelo legislador brasileiro, levou em conta apenas o que se pode chamar de internacionalidade da sentença arbitral. Portanto, adotou-se a fórmula preconizada pelo art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 9.307/1996, segundo a qual "considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional". Isso implica afirmar que, quando proferida fora do território nacional, a sentença arbitral adquire caráter de sentença estrangeira. Pouco importa se as partes possuíam a mesma nacionalidade e que o procedimento arbitral tenha ocorrido em solo brasileiro. Sendo a sentença proferida e assinada em território estrangeiro, mesmo tendo o processo arbitral sido desenvolvido no Brasil, para fins legais, a sentença será sempre considerada estrangeira. A sentença arbitral, contudo, não será reputada estrangeira, se proferida em território brasileiro, ainda que por intermédio de uma instituição que não possua sede no Brasil (CCI, por exemplo), o que, aliás, já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ")2. Ainda que em forma de tentativa, é de grande importância detectar quando uma arbitragem é internacional e, para tanto, o direito comparado é uma eficaz ferramenta para a análise da internacionalidade da arbitragem. Isso implica afirmar que, um breve estudo comparativo de diversas legislações estrangeiras, revela-se extremamente útil de modo a demonstrar a verdadeira essência da internacionalidade da arbitragem Com efeito, não são poucas as legislações sobre arbitragem que adotam diferentes critérios no que tange ao conceito da internacionalidade da arbitragem. Entre esses critérios, citam-se o geográfico, o econômico e o jurídico. Segundo o geográfico, a arbitragem é internacional quando possui contatos objetivos com mais de um ordenamento jurídico. Trata-se de critério seguido, por exemplo, no direito suíço, que determina que há arbitragem internacional se o tribunal arbitral tiver a sua sede na Suíça e se pelo menos uma das partes não tiver o seu domicílio ou residência habitual na Suíça. Portanto, dispõe o art. 176 da LDIP suíça: "[a]s disposições do presente capítulo se aplicam a toda arbitragem se a sede do tribunal arbitral se encontra na Suíça e ao menos uma das partes não possuía, no momento da conclusão da convenção de arbitragem, seu domicílio ou sua residência habitual na Suíça"3. Além do critério geográfico para definição de arbitragem internacional, existe o chamado critério econômico, também denominado de "objetivo", adotado, por exemplo, pelo direito francês que, ao editar a sua nova legislação sobre arbitragem, fez constar no art. 1.504 do Nouveau Code de Procédure Civile a determinação segundo a qual é internacional a arbitragem quando esta coloca em jogo os interesses do comércio internacional4. No mesmo sentido, é a disposição contida no art. 49. Item 1, da Lei Portuguesa de Arbitragem: "Entende-se por arbitragem internacional a que põe em jogo interesses do comércio internacional"5. Philippe Fouchard, grande defensor do critério econômico para a caracterização da internacionalidade da arbitragem, explica que a arbitragem é feita para o litígio, e não o litígio que é feito para a arbitragem, de modo que a internacionalidade da arbitragem deve ser definida pela substância da relação jurídica6. Finalmente, um dos critérios utilizados para a caracterização da internacionalidade da arbitragem é o que diz respeito à internacionalidade da relação jurídica. Esse critério é fundado em pura lição de direito internacional privado: sendo internacional o contrato que contenha a convenção de arbitragem, necessariamente o procedimento arbitral será internacional. O critério da internacionalidade da relação jurídica vem sendo adotado no direito brasileiro, o que se pôde verificar por meio de recentes julgados. Ao invés de utilizar o critério geográfico ou o econômico7, de modo a detectar a internacionalidade da arbitragem, a jurisprudência do STJ manifestou-se recentemente pela aplicação do critério da internacionalidade da relação jurídica. Determinados trechos da referida decisão merecem ser citados8: "(...)Verifica-se que o contrato de representação comercial em exame foi celebrado na Alemanha, por uma empresa brasileira e outra alemã, e estabeleceu cláusula arbitral convencionando que eventuais conflitos deveriam ser dirimidos pelo Direito alemão, por árbitros da Câmara de Comércio Internacional de Paris. Trata-se, portanto, de contrato internacional, com características que não correspondem exatamente às dos contratos internos, firmados para produzir efeitos integralmente dentro do país. [...]. Nos contratos internacionais, ganha relevo a aplicação dos princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica, na espécie em exame, a análise da cláusula arbitral convencionada entre as partes sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923" Por que não reunir ambos os critérios para fins de construção legislativa, enfatizando o que realmente é arbitragem internacional? Foi nesse sentido que, incorporando os critérios geográficos e econômicos, a lei espanhola de arbitragem, editada no ano de 2003 e revista em 2011, em uma clara noção e aplicação de puro direito comparado - pois investigou em outras legislações tais critérios -, adotou, em seu art. 3.º, a seguinte disposição9: Artículo 3. Arbitraje internacional. 1. El arbitraje tendrá carácter internacional cuando en él concurra alguna de las siguientes circunstancias: a) Que, en el momento de celebración del convenio arbitral, las partes tengan sus domicilios en Estados diferentes. b) Que el lugar del arbitraje, determinado en el convenio arbitral o con arreglo a éste, el lugar de cumplimiento de una parte sustancial de las obligaciones de la relación jurídica de la que dimane la controversia o el lugar con el que ésta tenga una relación más estrecha, esté situado fuera del Estado en que las partes tengan sus domicilios. c) Que la relación jurídica de la que dimane la controversia afecte a intereses del comercio internacional. 2. A los efectos de lo dispuesto en el apartado anterior, si alguna de las partes tiene más de un domicilio, se estará al que guarde una relación más estrecha con el convenio arbitral; y si una parte no tiene ningún domicilio, se estará a su residencia habitual. A junção dos fatores geográficos e econômicos10 realizada pela moderna lei espanhola de arbitragem, faz com que essa legislação seja a que, na atualidade, melhor atenda aos interesses dos operadores da arbitragem internacional. Não pairam dúvidas quanto à internacionalidade da arbitragem, tornando mais fácil a tomada de decisões pelos tribunais, em razão do próprio quesito "internacionalidade". Por mais louváveis que sejam os critérios acima colocados para definição da internacionalidade, sendo todos perfeitamente cabíveis para detectar o caráter internacional de um litígio, o que se deseja é que tais critérios estejam contemplados em um só ordenamento. Assim, quaisquer dúvidas acerca da internacionalidade cessariam de vez. O caminho atualmente seguido pelo direito brasileiro - utilização do critério da internacionalidade da relação jurídica - é bastante útil para detectar a internacionalidade de um procedimento arbitral, o que é importante para a resolução de questões que impliquem conflito de leis. Contudo, para que o Brasil siga na rota da modernidade, há de tomar como modelo o exemplo da lei espanhola, preenchendo lacunas jurídicas por meio do direito comparado11, o que certamente trará benefícios a advogados, juízes e árbitros, atuantes na seara da arbitragem doméstica e internacional. __________ 1 DIAS, Aline Henriques. Os Sistemas Monista e Dualista na Arbitragem Comercial. Revista Brasileira de Arbitragem (Comitê Brasileiro de Arbitragem-CBAr & IOB. Kluwer Law International, 2016, Vol. XIII, Issue 50, pp. 92-111. 2 Algumas passagens da ementa desta decisão merecem ser transcritas: "A determinação da internacionalidade ou não de sentença arbitral, para fins de reconhecimento, ficou ao alvedrio das legislações nacionais, conforme o disposto no art. 1º da Convenção de Nova Iorque (1958), promulgada pelo Brasil, por meio do decreto 4.311/02, razão pela qual se vislumbra no cenário internacional diferentes regulamentações jurídicas acerca do conceito de sentença arbitral estrangeira [...] No ordenamento jurídico pátrio, elegeu-se o critério geográfico (ius solis) para determinação da nacionalidade das sentenças arbitrais, baseando-se exclusivamente no local onde a decisão for proferida (art. 34, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96) [...] Na espécie, o fato de o requerimento para instauração do procedimento arbitral ter sido apresentado à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional não tem o condão de alterar a nacionalidade dessa sentença, que permanece brasileira". STJ, REsp n.º 1231554/RJ, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.05.2011, DJ 01.06.2011. 3 Loi Fédérale du 18 décembre 1987 sur le droit international privé (LDIP). No mesmo sentido dispõe a art. 1.º, item 3, da Lei Modelo da UNCITRAL sobre arbitragem comercial internacional do ano de 1985 (com as emendas adotadas no ano de 2006). Tradução livre. 4 Art. 1.504 do NCPC francês: "Est international l'arbitrage qui met en cause des intérêts du commerce international". 5 Lei 63/2011, de 14 de dezembro (versão atualizada). Para Dario Moura Vicente, o critério econômico de internacionalidade ostenta a vantagem de abranger "certos negócios que apresentam conexões com um só País, mas que, todavia, se encontram intrinsecamente ligados a uma operação econômica internacional". VICENTE, Dario Moura. Da Arbitragem Comercial Internacional: direito aplicável ao mérito da causa. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 40. 6 FOUCHARD, Philippe. Quand un arbitrage est-il international?. Phlippe Fouchard: Écrits - Droit de l'arbitrage e droit du commerce international. Paris: Comitê français de l'arbitrage, 2007. p. 261. 7 Em um caso isolado, entretanto, o Supremo Tribunal Federal admitiu a internacionalidade da arbitragem pelo seu critério econômico: "Não são fatores geográficos ou relativos ao domicílio das partes que o caracterizam como contrato internacional, em oposição aos contratos internos, mas, sobretudo, a finalidade do contrato, ou seja, o transporte marítimo de país a país, portanto transnacional, atividade econômica de apoio, principalmente, aos contratos de compra e venda entre pessoas de nacionalidades diversas, sujeitas a sistemas jurídicos diferentes, que acabam por vincular-se pela vontade das partes" (STJ, 3.ª Turma, REsp n.º 616/RJ, rel. Min. Cláudio Santos, j. 24.04.1990, RSTJ 37/263). 8 Nesse sentido, v. STJ, 3.ª Turma, REsp n.º 712566/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 407. 9 Lei 60, de 23.12.2003. Texto integral. Acesso em 26.06.2019. 10 Segundo Fernando Mantilla-Serrano, os critérios para definir a internacionalidade da arbitragem na nova lei espanhola "são os mesmos recomendados pela Lei Modelo UNCITRAL. Adiciona-se ainda um critério de inspiração francesa, segundo a qual é internacional a arbitragem quando a relação jurídica básica - e não a controvérsia ela mesma - 'afeta os interesses do comércio internacional' - cf. art. 3.1c" (A nova Lei de Arbitragem na Espanha. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Thomson-IOB, n. 2, p. 113, abr.-jun. 2004). 11 Como ponderou Leontin-Jean Constantinesco, "no curso do tempo, os juristas se tornam cada vez mais conscientes do fato de que as experiências dos outros povos constituem uma reserva indispensável para qualquer reforma jurídica válida". CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de direito comparado: introdução ao direito comparado. Edição brasileira organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 152.  
Há alguns anos (precisamente nos idos de 2009/2010) emergia no Brasil o tema da flexibilização do procedimento arbitral. A flexibilidade da arbitragem representava o tema da moda, num momento que a arbitragem ganhava força total no Brasil: a ideia de procedimento livre, com regras pré-fixadas pelas partes, com a utilização de instrumentos de soft law muito utilizados na prática da arbitragem internacional1 e sem ater-se às normas processuais do local da arbitragem. Tal tema foi objeto de percucientes estudos2, gerando até mesmo uma belíssima tese de doutoramento3, a qual tive a honra de apresentar sua resenha4. O escopo da flexibilização do procedimento arbitral é o de maximizar a autonomia da vontade das partes, aliado um eficaz controle dos árbitros, de modo que, estabelecendo-se as regras do jogo o mais cedo possível com flexibilidade5, o curso do procedimento arbitral transcorra de uma forma menos rígida, menos apegada aos cacoetes processuais. Ao final, a flexibilização do procedimento arbitral só terá o condão de ajudar os árbitros a prolatarem uma sentença justa, correta e exequível, nos termos do quanto convencionado pelas partes, caso a caso6. No entanto, faz-se uma importante indagação: devem os árbitros deixar as partes livres para fixarem o que bem entenderem ou devem eles colocar um certo "freio" nos anseios das partes, exercendo a sua função de controle e comando do procedimento arbitral? Não há dúvidas de que um dos grandes pilares da arbitragem, e talvez o maior deles, é a autonomia da vontade. Ora, são as partes que quiseram a arbitragem e elas é que regerão o procedimento arbitral. Nesse sentido, diversos países adotaram em suas legislações, regras segundo as quais pertencem às partes o controle procedimental da arbitragem. Elas é que decidem as regras do jogo. A Lei Suíça de Direito Internacional Privado (LDIP), por exemplo, prevê em seu art. 182 (1)7 que as partes podem, diretamente, ou referindo-se a um regulamento de arbitragem, regulamentar o procedimento arbitral; elas podem também submeter o procedimento à lei processual de sua livre escolha. Já a Lei Sueca de Arbitragem, vai mais além, ao prever na Seção 21 que o tribunal arbitral deverá tratar o litígio de maneira imparcial, apropriada e rápida, além de conformar-se com que as partes tiverem decidido, sem realizarem qualquer obstáculo8. O direito francês entende que o acordo realizado entre as partes, vincula diretamente os árbitros. Segundo a jurisprudência francesa, o desrespeito à vontade das partes caracteriza violação à ordem pública, de forma que, a título exemplificativo, a expiração do prazo fixado pelas partes para a prolação da sentença arbitral pode constituir motivo de anulação da dita sentença9. No entanto, apesar de a arbitragem ser fundada no princípio da autonomia da vontade das partes, sempre existirá um limite a tal autonomia, isto é, um freio a um descabido pedido das partes. Esse "freio" resume-se no poder atribuído aos árbitros para o controle do procedimento arbitral. O freio à autonomia, logicamente utilizado pelos árbitros, ocorrerá quando a liberdade conferida às partes for além do permitido, isto é, quando determinadas regras aplicadas forem contrárias à lei que rege o procedimento arbitral ou que violem questões de ordem pública. Como as partes visam, numa arbitragem, a obtenção de uma sentença exequível, pensa-se que o mais prudente é atribuir aos árbitros todo o controle do procedimento arbitral, tendo os árbitros amplos poderes para efetuarem qualquer decisão, ainda que tal decisão cause discórdia entre as partes. Nesse sentido, é preciso o art. 14.1 do Regulamento de Arbitragem da London Court of International Arbitration ("LCIA"), segundo o qual as partes limitam a sua própria liberdade prevendo que as suas escolhas deverão estar em consonância com as atribuições básicas do tribunal que deverão adotar procedimentos de acordo com as circunstâncias da arbitragem, evitando custos e atrasos desnecessários10. No entendimento de Charles Jarrosson, o controle da arbitragem é exercido totalmente pelo árbitro, deixando claro que a vontade das partes encontra o seu limite na jurisdicionalidade do poder conferido ao árbitro que, diante disso, terá a última palavra. Assim, os poderes do árbitro, em matéria procedimental se justificam pela necessidade de eficácia inerente à administração da Justiça11. Já Thomas Clay, entende que, o chamado "contrato de árbitro" procura atribuir a uma pessoa o poder de julgar. O aludido autor entende categoricamente que pertence ao árbitro todas as decisões relativas à condução da instância arbitral, sendo que a aprovação das partes sobre qualquer medida procedimental é desejável, mas não fundamental. O árbitro é, portanto, o comandante do processo arbitral, e o faz assim de acordo com o seu poder jurisdicional conferido contratualmente entre ele e as partes12. Apesar de raros os casos, como é frisado por Gabrielle Kaufmann-Kohler, deve-se consignar que uma excessiva flexibilidade atribuída às partes, sem o devido controle dos árbitros, pode acarretar a recusa da execução da sentença arbitral. Um dos mencionados raros casos, refere-se a uma decisão cujos fatos são, resumidamente, os seguintes: no contrato litigioso, as partes haviam fixado o direito turco com aplicável à arbitragem. O Tribunal Arbitral, com sede na Suíça, havia compreendido o direito turco como o direito material aplicável à arbitragem. Em fase de execução da sentença, perante a jurisdição turca, entendeu o juiz estatal que o direito aplicável à controvérsia se aplicava também ao procedimento, e tais regras procedimentais não haviam sido aplicadas pelos árbitros. A execução da sentença, em razão deste vício, restou indeferida13. Como visto, a flexibilidade do procedimento arbitral, por mais que importante para a eficácia da solução do litígio, deve ser controlada por quem detém o poder jurisdicional confiado pelas partes: os árbitros. Quanto maior a confiança as partes depositarem nos árbitros, mesmo tendo que renunciar a determinadas questões meramente formais, mais a arbitragem será eficaz e maiores serão as chances de se obter o fim máximo propiciado pela arbitragem: uma sentença exequível. __________ 1 A título de exemplo, é digno de nota a IBA Rules on the Taking of Evidence in International Arbitration. 2 Ver, por todos, CARMONA, Carlos Alberto. Flexibilização da Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem. Comitê Brasileiro de Arbitragem, CBAr & IOB, 2009, Volume X, Issue 24, pp. 07-21. 3 MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade da Arbitragem. Acesso em 25.04.2019. 4 NUNES, Thiago Marinho. Resenha de livros: Flexibilidade do Procedimento Arbitral. Autor: Marcos André Franco Montoro. Revista Brasileira de Arbitragem (Comitê Brasileiro de Arbitragem, CBAr & IOB, 2013, Volume X, Issue 39, pp. 237-239. 5 Nesse sentido, o entendimento de Karl-Heinz Bockstiegel: "There are many ways of managing case efficiently, and it is one of the advantages of arbitration over court litigation that arbitral tribunals can shape a tailor made procedure that takes into account the many particularizes of each case (.) Although it is important to clarify the rules of the game as early as possible, it is also important to leave room for flexibility later in the proceedings (.)". BOCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Presenting evidence in international arbitration. ICSID Review: Foreign Investment Law Journal, vol. 16, nº 1, Washington, 2001, pp. 01-09. 6 Nesse sentido, o entendimento de Steven A. Hammond: "One of the great strengths of arbitration is its procedural flexibility, which permits the process to be tailored to the particular needs of each case (.)". HAMMOND, Steven A. Making the case in international arbitration: a common law orientation to the marshalling and presentation of evidence. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, v. 5, n. 16, p. 171-196, jan.-mar. 2008. 7 Art. 182 (1) da Lei Suíça de Direito Internacional Privado, de 1987 (LDIP): "The parties may directly or by reference to rules of arbitration regulate the arbitral procedure; they may also subject the procedure to the procedural law of their choice". 8 Seção 21 da Lei Sueca de Arbitragem (Swedish Arbitration Act): "The arbitrators shall handle the dispute in an impartial, practical, and speedy manner. They shall act in accordance with the decisions of the parties, unless they are impeded from doing so". 9 Decisão proferida pela Primeira Câmara Cível da Corte de Cassação Francesa, em 28 de setembro de 1995 no caso Dubois ET Vandervalle c/ Boots Frites. Esta decisão foi publicada na Revue de L'Arbitrage 1996, p. 100 com comentários de Emmanuel Gaillard. 10 No original: "The parties and the Arbitral Tribunal are encouraged to make contact (whether by a hearing in person, telephone conference-call, video conference or exchange of correspondence) as soon as practicable but no later than 21 days from receipt of the Registrar's written notification of the formation of the Arbitral Tribunal". 11 JARROSSON, Charles. Qui tiens les rênes de l'arbitrage? Volonté des parties et autorité de l'arbitre. Revue de L'Arbitrage 1999, p. 601. 12 CLAY, Thomas. L'Arbitre. Paris: Dalloz, 2001. 13 KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle, Qui contrôle l'arbitrage? Autonomie des parties, pouvoir des arbitres et principe d'efficacité in Liber Amicorum Claude Reymond - Autour de l'Arbitrage - Mélanges Offerts à Claude Reymond, Paris, Litec, 2004, p. 162.  
terça-feira, 26 de março de 2019

A prescrição e a arbitragem internacional

O tempo estabiliza e harmoniza as relações sociais. O direito, enquanto relação social normatizada, sofre influência do tempo, que, por meio dos prazos pré-fixados, baliza o adequado funcionamento da ordem jurídica. Dentre outras formas, a influência do tempo, como norma de caráter público, é evidenciada por meio do instituto da prescrição, cujo objetivo é eminentemente de interesse social, ao cessar situações de incerteza e instabilidade, com a punição do inerte. No Direito brasileiro, a lei 9.307/96 (Lei Brasileira de Arbitragem) instituiu definitivamente a arbitragem como método alternativo de resolução de controvérsias, ampliando o direito subjetivo de ação, ao permitir que as partes convencionem a via arbitral. Todavia, apesar de seu cunho processual, a lei, quando de sua edição em 1996, foi omissa quanto às consequências geradas pelos efeitos da prescrição (instituto de direito material) no âmbito da arbitragem. A razão de referida ausência tinha uma justificativa bastante plausível: a prescrição é um instituto de direito material e a Lei Brasileira de Arbitragem, um diploma processual, não havendo, pois, motivo para discussão a respeito daquele instituto em seu âmbito, ficando a solução por conta da lei material. Com a reforma da Lei de Arbitragem, por meio da lei 13.129/2015, após o surgimento de estudos a respeito do tema em foco1, a prescrição ganhou espaço no sistema arbitral brasileiro, com a edição do art. 19, parágrafo segundo o qual dispõe, inter alia, que a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração. O tema da interrupção da prescrição na seara da arbitragem é instigante e certamente será objeto de um de nossos próximos escritos nesta Coluna. O que se pretende tratar neste artigo inaugural são outras questões tão relevantes quanto ao fator interrupção, notadamente aquele que diz respeito ao regime jurídico aplicável à prescrição quando se está diante de uma arbitragem internacional, em que diversas leis acabam sendo porventura invocadas pelas partes no âmbito do litígio (lei do Estado de uma das partes, lei da sede da arbitragem, a chamada lex arbitrii, lex executionis, lex causae, lex contractus, inter alia). Abre-se aqui um breve parêntesis: estamos tratando da arbitragem internacional, aquela que advém de um contrato internacional, coloca em jogo os interesses do comércio internacional e normalmente contempla litigantes provenientes de diferentes Estados. Na arbitragem interna, necessariamente ligada ao ordenamento jurídico interno, a prescrição terá de obedecer aos ditames do Código Civil ou de alguma lei material nacional aplicável ao caso. Assim, em atenção aos limites da ordem pública interna, devem prevalecer os usos e costumes, princípios e regras do direito brasileiro para fins de regência do procedimento e mérito da arbitragem interna, especialmente, diante da convergência dos pontos de conexão entre contrato nacional e lei nacional2. Já a arbitragem internacional é conhecida por sua amplíssima autonomia. Autonomia a ponto de Emmanuel Gaillard, com base na célebre lição de que o árbitro não possui foro ("l'arbitre na pas de for"), ir além (e com razão), afirmando que na arbitragem internacional o foro do árbitro é o mundo3. A ampla autonomia da arbitragem internacional se aplica ao livre direito das partes de eleger o direito aplicável à controvérsia. Essa autonomia se estende aos árbitros que, no silêncio das partes, possuem liberdade de decidir qual é a lei aplicável a determinado ponto jurídico em discussão. Tem-se aqui uma dupla autonomia da qual é dotado o árbitro internacional: (i) o árbitro é autônomo em relação às regras estatais de conflito (ausência de lex fori), mesmo a da sede da arbitragem; (ii) o árbitro pode livremente escolher a regra de conflito que aplicará ou mesmo descartar qualquer regra conflitual e aplicar, por exemplo, a lex mercatoria. Em termos práticos, em arbitragem internacional, a autonomia e liberdade dos árbitros para apreciar as questões de fundo do litígio são ainda maiores. Tal autonomia se reflete para o campo do Direito Material, especialmente quando o ponto em discussão é a ocorrência de prescrição. Num passado obscuro, alguns julgados emanados da CCI entendiam que a prescrição deveria ser submetida à lex arbitrii, o que equivocadamente foi decidido nos casos CCI nºs. 4.491/1984 e 5.460/19874. Com o passar do tempo, doutrina e jurisprudência arbitral consolidaram-se no sentido de, em arbitragens internacionais, submeter a prescrição à lei aplicável ao mérito da controvérsia (lex causae ou lex contractus), independentemente das disposições mandatórias da lex arbitrii. A importância do tratamento da prescrição no âmbito da arbitragem internacional é relevante, dada as peculiaridades da prescrição, tratada de diferentes formas nos sistemas jurídicos da civil law e da common law. No primeiro, aplica-se a tese substancialista da prescrição, já no common law, a tese processualista. Segundo o sistema jurídico da família romano­germânica, a prescrição é tratada como uma questão material, tendo seu foco no direito subjetivo à pretensão. No sistema da common law, a prescrição (statute of limitations ou limitation of actions) tem como foco o processo e não a pretensão5. Diante dessa diversificação dos sistemas, como lidar com a questão no âmbito da arbitragem internacional? O que importa, segundo a ampla jurisprudência arbitral desenvolvida no âmbito da arbitragem internacional, é que simplesmente exista prescrição. Pouco importa se trata-se de matéria de caráter processual ou substancial (quando muito, os efeitos da ocorrência da prescrição é que gerariam diferentes consequências nesse caso). O árbitro internacional está unicamente vinculado à lei que as partes escolheram para reger a controvérsia no contrato que contém a convenção de arbitragem e decidem sobre a ocorrência de prescrição ainda que tal lei classifique a prescrição como matéria de ordem pública processual, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Nesse sentido, o julgado proferido no Caso CCI nº 6.371 é emblemático. Nesse caso o Tribunal Arbitral afirmou em linhas claras que pouco importa a qualificação da prescrição para determinar a lei a ela aplicável. Resumidamente, um litígio havia surgido entre uma sociedade americana (requerida) e uma empresa tailandesa (requerente), concernente à anulação de um pedido de entrega de roupas. A requerida se recusara a receber as roupas encomendadas em razão da divergência de tamanho, em relação ao pedido original. A demanda, portanto, tratava de uma suposta violação contratual por parte da requerente. Fora estipulada como sede da arbitragem a cidade de Nova York, Estados Unidos. Em suas alegações de defesa, a requerida sustentara a ocorrência de prescrição, segundo as leis do Estado do Oregon, Estados Unidos, onde a infração teria ocorrido. O Tribunal Arbitral, verificando que a lei aplicável ao contrato, por escolha expressa das partes, era a lei do Estado de Nova York, pouco se importou com a qualificação processual atribuída à prescrição pelo direito americano e aplicou ao prazo prescricional esta última lei, dando vigência à lex causae para dirimir a alegação da defesa6. Em outro caso emblemático, visto que as partes sequer escolheram a lei que seria aplicável ao contrato litigioso e ao mérito da controvérsia, o Tribunal Arbitral foi além, e escolheu, por meio da chamada voie directe7 as regras constantes dos Princípios Unidroit para reger a prescrição8. Importante frisar que, em relação à prescrição, os Princípios Unidroit oferecem regras específicas dotadas de objetividade e condizentes com os anseios dos operadores da arbitragem comercial internacional (como por exemplo, fixação dos prazos prescricionais, regras sobre suspensão e interrupção da prescrição, efeitos da expiração do prazo prescricional, entre outras relevantes). Diante da ausência de uma ordem jurídica de base na arbitragem internacional, a qual, repita-se, funciona livre das amarras das leis estatais das partes litigantes ou mesmo da sede da arbitragem, é possível afirmar que prescrição atua de forma diferenciada. Isto porque, se por um lado a prescrição é um instituto que se situa nos confins da ordem pública interna, na esfera internacional, a prescrição se mantém a distância do campo da ordem pública internacional, isto é, a prescrição é algo que, poder-se-ia dizer, tolerável, no campo do direito internacional e, pois, da arbitragem internacional. Diante da diversidade de leis possíveis regentes da prescrição no campo da arbitragem internacional, o ideal seria a adoção de uma solução global. Por mais que a construção legislativa aplicável a um contrato internacional nasça por meio da vontade das partes, que escolherão o regime que melhor atenda os seus interesses, essa escolha é repleta de incertezas, o que, segundo Luiz Olavo Batista, levaria "à adoção de modelos especiais e à busca de uma normatividade própria ao comércio internacional e que afaste as incertezas e dificuldades"9. Enquanto uma regulamentação própria e de caráter intergovernamental não surge, a utilização das regras constantes dos Princípios Unidroit, na atualidade, em arbitragens internacionais, pode constituir um bom meio para regular as questões sobre prescrição, rendendo praticidade, simplicidade, objetividade e uniformidade aos operadores da arbitragem comercial internacional e, o mais importante, dando segurança jurídica ao sistema da arbitragem comercial internacional. __________ 1 Ver, notadamente: ARMELIN, Donaldo. Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, n. 15, p. 65, out.-dez. 2007; ESGASHIRA, Fábio de Possídio. Arbitragem e prescrição. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, n. 8, p. 36, jan.-mar. 2006; Mediação, São Paulo: RT, n. 8, p. 36, jan.-mar. 2006; NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. São Paulo: Atlas, 2014. 2 Nesse sentido, v. LEE, João Bosco. A lei 9.307/96 e o direito aplicável ao mérito do litígio na arbitragem comercial internacional. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo: RT, v. 11, p. 355, 2001. 3 Ver, nesse sentido, GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques du droit de l'arbitrage international. Leiden/Boston: Les livres de poche de l'académie de droit international de l'Haye, Martinus Nijhoff Publishers, 2008. p. 47. 4 Sentença proferida no caso CCI n.º 4.491 de 1985. In: JARVIN, Sigvard; DERAINS, Yves. Collection of ICC Arbitral Awards (1974-1985). The Netherlands: Kluwer Law, 1994. p. 539-542, nota de Sigvard Jarvin; entença proferida no caso CCI n.º 5.460 de 1987. In: JARVIN, Sigvard; DERAINS, Yves; ARNALDEZ, J.J. Collection of ICC Arbitral Awards (1986-1990). The Netherlands: Kluwer Law, 1994. p. 138. 5 Nesse sentido, v. Gustavo Kloh Muller Neves, que ressalva: "Vale ainda ressaltar que no sistema da common law, onde não se fala propriamente em prescription, mas em limitation of actions, a limitation é um fenômeno eminentemente processual" (Prescrição e decadência no direito civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 16). 6 Sentença preliminar proferida no caso CCI 6.371 de 1989. Bulletin de la cour intrnationale d'arbitrage de la CCI, Paris: ICC Publication, v. 13, n. 2, p. 64-67, 2002. 7 Ou "Escolha Direta". O método da escolha direta está previsto, por exemplo, no Regulamento de Arbitragem da CCI, art. 21(1): "As partes terão liberdade para escolher as regras de direito a serem aplicadas pelo tribunal arbitral ao mérito da causa. Na ausência de acordo entre as partes, o tribunal arbitral aplicará as regras que julgar apropriadas". 8 Princípios elaborados pela Unidroit (International Institute for de Unification of Private Law), edição de 2016, para o comércio internacional. O Capítulo 10 dos Princípios Unidroit 2016 é integralmente dedicado à prescrição. Acesso em 23/3/2019. 9 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 129.