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ABC do CDC

Direito do Consumidor no dia a dia.

Rizzatto Nunes
É comum, especialmente em supermercados, que o consumidor se depare com promoções para venda de produtos bem abaixo do preço regular em função do prazo de vencimento para consumo estar se aproximando ou mesmo ser o daquele dia em que a promoção esteja anunciada. Não é proibido, desde que a informação quanto ao prazo esteja clara e ostensivamente colocada à vista do interessado na compra. Aliás, por isso, vale sempre um conselho: quem for comprar esse tipo de produto não deve se empolgar com o preço e adquirir grandes quantidades que não possam ser consumidas dentro do curto prazo de validade existente. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) regula expressamente essa questão. Com efeito, dispõe o art. 31 do CDC, verbis: "Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores." Agora pergunto: e quanto aos medicamentos? Como fica a questão do prazo de validade na relação com a quantidade que será ou deverá ser consumida? Vale a mesma regulação do CDC com um acréscimo de força normativa em regra fixada pela ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Na realidade, a farmácia somente pode vender medicamentos que estão próximos do vencimento do prazo de validade se o consumidor puder concluir o tratamento antes dessa data. Ela não pode vender o medicamento se o prazo de validade estiver próximo do vencimento e nesse período o consumidor não conseguir concluir o tratamento que lhe foi indicado. Além da estipulação do CDC, há, como disse, uma norma específica da ANVISA. É a do § 2º do artigo 51 da RDC Nº 44, de 17 de agosto de 2009, firmada nesses termos: "Art. 51. A política da empresa em relação aos produtos com o prazo de validade próximo ao vencimento deve estar clara a todos os funcionários e descrita no Procedimento Operacional Padrão (POP) e prevista no Manual de Boas Práticas Farmacêuticas do estabelecimento. §1º O usuário deve ser alertado quando for dispensado produto com prazo de validade próximo ao seu vencimento. §2º É vedado dispensar medicamentos cuja posologia para o tratamento não possa ser concluída no prazo de validade." Desse modo, deixo o alerta: o usuário deve observar o prazo de validade na relação com a necessidade e a possibilidade do consumo e, no caso da farmácia, ela está proibida de vender produtos cuja posologia para o tratamento não possa ser concluída dentro do prazo de validade.
quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Capitalismo e ocultação: onde está a verdade?

As redes sociais são democráticas. E, pelo bem ou pelo mal, permitem que possamos refletir sobre o mundo que nos rodeia e sobre muitas ocorrências do mundo inteiro. Está difícil saber o que é verdade e o que é fake? Talvez seja melhor assim. Antes eram poucos os canais que comunicavam os fatos. Agora, são milhares. Sei que gera um certo desconforto mas, pelo menos, opções de circunstâncias para pensarmos não faltam. A sociedade em que vivemos gerou mesmo uma melhor vida para as pessoas? Estamos mais equipados para viver bem? O consumo melhorou de qualidade? E o planeta está sendo destruído por conta disso tudo? É culpa do sistema de produção e consumo? Sem querer opinar sobre as respostas neste momento, um fato é constatável: o consumo no planeta é desiquilibrado. Se a forma de consumo dos países desenvolvidos se estendessem à todos os cantos da terra, certamente, a devastação seria maior do que a que já existe. Será que estamos conscientes disso? Não sei. Aos poucos vão surgindo ilhas de conhecimento e esperança aqui e ali. Meu amigo Outrem Ego, sempre muito preocupado com essas questões, contou-me essa história recebida de um conhecido. Disse ele que, logo depois da abolição das sacolas plásticas pelos supermercados, que eram oferecidas de graça e, com isso, as novas, biodegradáveis, passaram a ser cobradas, uma professora aposentada foi fazer compras num supermercado e estranhou que tivessem cobrado dela o valor de meia dúzia de sacolinhas. O caixa, talvez cansado com o expediente, não foi muito simpático com ela e disse: - A senhora deveria trazer suas próprias sacolas para as compras. Não damos mais sacolas de plástico, pois elas estragam o ambiente. A professora pediu desculpas e falou: - Não havia essa onda verde no meu tempo. O caixa continuou no mesmo tom: - Minha senhora, esse é o nosso problema hoje. As gerações passadas... A sua geração não se preocupou o suficiente com o nosso meio ambiente. Ela, então, humildemente, falou: - Você está certo. Nossa geração não se preocupou adequadamente com o meio ambiente. Naquela época, as garrafas de leite, garrafas de refrigerante e de cerveja eram devolvidas à loja. A loja mandava de volta para a fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reuso, e eles, os fabricantes de bebidas, usavam as garrafas, umas tantas outras vezes. Realmente, não nos preocupamos com o ambiente no nosso tempo. Subíamos as escadas, porque não havia escadas rolantes nas lojas e nos escritórios. Caminhávamos até a padaria, ao invés de usar o nosso carro, a cada vez que precisamos ir a dois quarteirões de casa. Não nos preocupávamos com o ambiente. Até as fraldas de bebês eram lavadas: não havia fraldas descartáveis. A secagem era feita por nós mesmos, não nestas máquinas secadoras elétricas. A energia solar e eólica é que realmente secavam nossas roupas. Os filhos menores usavam as roupas que tinham sido de seus irmãos mais velhos, e não roupas sempre novas. Mas é verdade: não havia preocupação com o ambiente, naqueles dias. Naquela época tínhamos somente um aparelho de tevê ou um rádio em casa, e não uma tevê em cada cômodo. E a tela era de 14 ou no máximo 20 polegadas; e não um telão do tamanho de um estádio; que depois será descartado, sabe-se lá como. Na cozinha, tínhamos que bater tudo com as mãos porque não havia batedeiras elétricas, que fazem tudo por nós. Quando enviávamos algo frágil pelo correio, usávamos jornal velho como proteção, e não plástico bolha ou pellets de plástico que duram cinco séculos para começar a degradar. Naqueles tempos não se usava motor a gasolina para cortar a grama; era utilizado um cortador de grama que exigia músculos. O exercício era extraordinário, e não se precisava ir a uma academia e usar esteiras que também funcionam à eletricidade. Recarregávamos nossas canetas com tinta inúmeras vezes ao invés de comprar outra. Amolávamos as navalhas, ao invés de jogar fora aparelhos descartáveis, quando a lâmina perdia o corte. Havia só uma tomada em cada quarto, e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos. E não precisávamos de GPS para receber sinais de satélites no espaço para encontrar a pizzaria mais próxima. Meu caro, não é mesmo incrível que a atual geração, a sua geração, fale de meio ambiente, mas nem pense em viver um pouco como na minha época?
Veja, meu caro leitor, o que aconteceu com uma médica, amiga minha. Segue o depoimento dela, "in verbis": "Domingo dia 25/08, comprei um celular (...). Segunda-feira não olhei para a cara do aparelho, e na terça-feira peguei para configurar, pois a portabilidade ocorreria na quarta-feira. Foi quando vi que a câmera não estava funcionando. Resolvi ir na loja da (... operadora) no shopping (...), onde comprei; lá o vendedor constatou que a câmera não funcionava e que o celular veio com defeito, mas disse que a política da loja era não trocar o aparelho. No mesmo shopping, fui até a loja da (... fabricante), onde o vendedor constatou que era problema de hardware, mas disse também que a política é não trocar e sim, eu teria que ir até uma assistência técnica (...) para eles estudarem o defeito e darem um laudo depois de x mil dias". Começo com uma ironia violadora dos direitos dos consumidores: foram os fabricantes que tornaram o smartphone um produto essencial. É assim que eles são anunciados e vendidos em todo o mundo. E assim eles se tornaram. E com preços altíssimos. Mas, na hora de atender o consumidor e cumprir a lei, eles são "meros produtos"? Respondo: não! Não são! Trata-se, evidentemente, de um produto essencial, que merece tratamento diferenciado, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). É incrível, mas, ao que parece, ainda falta muito para que o mercado de consumo brasileiro se alinhe com o que há de mais moderno em termos de respeito aos direitos dos consumidores. Quem diria que uma empresa poderosíssima, produtora desses aparelhos, que se apresenta como moderna e de ponta, quando chega aqui, em terras tupiniquins, atua da mesma forma que qualquer vendedor de quinta categoria quando se trata de respeitar seus clientes. Parece que diz: "levou o produto? Ele não funciona. Problema seu. Estamos com seu dinheiro bem investido. Volte daqui a trinta dias, que ele estará funcionando". Mas vejamos o que diz a lei. Com efeito, dispõe o art. 18 do CDC: "Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas." É verdade que a lei fala em 30 dias: "§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço." Porém, o parágrafo 3º do mesmo artigo diz: "§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo, sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial" (grifei). Ou seja, o consumidor, sempre que tiver produto enquadrado nas hipóteses do § 3º, poderá fazer uso imediato - isto é, sem conceder qualquer prazo ao fornecedor - das alternativas previstas no § 1º, quais sejam: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço. A escolha, naturalmente, é do consumidor. Das hipóteses previstas, a que nos interessa é a da relativa ao produto essencial, que, todavia, a lei não define. E o que seria? Ora, produto essencial é aquele de que o consumidor necessita para a manutenção de sua vida com dignidade, diretamente ligado à saúde, higiene pessoal, limpeza, segurança etc. E, claro, se o consumidor adquire o produto para fins profissionais, a essencialidade está ligada ao uso necessário e urgente para seu mister. Não se pode esquecer de que quando a lei refere o produto essencial, está supondo essa qualidade na relação com o consumidor que dele necessita. O produto é "essencial" para o usuário e não para o fabricante ou vendedor. No caso narrado por minha amiga, evidentemente, o aparelho havia de ser trocado na hora, sem mais delongas, por outro igual em perfeitas condições de uso. Bastava fazer a troca e pronto. Por conta dessa denúncia, tudo indica que o padrão de atendimento nesses casos está estabelecido em franca violação ao direito dos consumidores. Espero que as autoridades do setor tomem as providências cabíveis. Aliás, fiquei sabendo que o Procon de São Paulo - que está numa fase excelente - vai editar súmulas com orientações sobre como cumprir a lei. Quem sabe não possa editar uma sobre este assunto.
Antes de iniciar, quero consignar o óbvio: todos só podem ser contra a destruição da Floresta Amazônica ou de qualquer outra floresta. Não consigo ficar de fora do assunto que está bombando há dias, especialmente diante das informações enganosas que circulam em todo o mundo. É de perguntar, como é que as pessoas acreditam? Existe muita fake news e muita opinião espúria de má-fé ou enganada mesmo. Há um excelente vídeo que circula pelas redes, tratando da internacionalização da Amazônia brasileira. É um trecho do Programa Provocações, apresentado por Antônio Abujamra. Ele narra a intervenção de Cristovam Buarque numa Universidade americana em 2001. Não sei se é fake. Não parece. Mas, como a exposição é muito boa, transcrevo abaixo para que você, leitor, tome conhecimento. É a resposta de Cristovam Buarque a uma pergunta sobre o que ele pensava da internacionalização da Amazônia. Quem perguntou disse que aguardava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Eis a resposta: "Como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, eu posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo mais que tenha importância para a humanidade. Se sob uma ética humanista, a Amazônia deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Isso. Internacionalizar o capital financeiro dos países ricos. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Nós não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Neste momento, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos Estados Unidos. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada; pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda humanidade, assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife; cada cidade com sua beleza específica, sua história do mundo deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixa-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos Estados Unidos, até porque eles já demostraram que são capazes de usar essas armas provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os candidatos à presidência dos Estados Unidos têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha a possibilidade de comer e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças, tratando todas elas como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro, ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar ou que morram quando deveriam viver. Como humanista, eu aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, eu lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa". Caro leitor, segundo Antônio Abujamra, essa resposta de Cristovam Buarque foi publicada no New York Times, no Washington Post, nos maiores jornais da Europa e do Japão em agosto de 2001, mas não foi publicada no Brasil.
quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A obesidade infantil em alta

Uma das características marcantes de nossa época é a de se fixar dia para uma série de comemorações. Umas interessantes e realmente importantes, outras nem tanto e várias feitas apenas para que as vendas de produtos e serviços aumentem. Muito bem. No próximo dia 29 de setembro será comemorado o Dia Mundial do Coração. E ele foi criado para lembrar as pessoas que devem ter hábitos saudáveis de alimentação e com o corpo, fazendo atividades físicas. Resolvi escrever sobre o tema agora (algo de que já cuidei aqui), porque li, recentemente, uma matéria com dados alarmantes: "Uma criança obesa tem 80% de chance de se tornar um adulto obeso" e "Entre meninos e meninas de 5 a 9 anos, 33% já estão acima do peso e 15% são considerados obesos. Nesse ritmo, a estimativa é que a obesidade atinja 11,3 milhões de brasileirinhos em 2025"1. Quem são os responsáveis por esse tipo de problema? Não resta dúvida que a boa a alimentação e a boa saúde na infância geram melhor qualidade do corpo adulto. O problema é o que fazer com os hábitos alimentares errados e viciados dos que são adultos e, especialmente, dos pais. Penso que são muitas as variáveis que envolvem essa questão. Os pais, certamente, têm responsabilidade, mas não só eles. É preciso mais: políticas públicas específicas; as escolas devem adotar posturas adequadas para venda de produtos em suas cantinas, além de discussão sobre o tema com seus alunos; é preciso controlar mais ainda a publicidade, especialmente à dirigida aos jovens. Enfim, não parece ser uma batalha simples nem fácil. Quanto ao mercado, o fato é que o publicitário conhece a alma do consumidor profundamente: sabe quais são seus desejos, seus interesses, suas necessidades e, a partir disso, produz seus anúncios para vender produtos alimentícios ou não. Mas, é de espantar o desconhecimento de muitos consumidores sobre as propriedades e funções dos produtos alimentícios, a despeito de todas as informações que são lançadas via imprensa escrita, falada, nos portais da web etc.. Muitas pessoas continuam engordando mal (não há qualquer problema em estar acima do peso esperado para a idade, estatura, gênero, desde que se tenha saúde) com sérios problemas para sua qualidade de vida. E, por outro lado, é também sabido que é possível alimentar-se bem e com prazer sem qualquer prejuízo à saúde. Peguemos o exemplo dos alimentos de baixo teor nutritivo e repleto de ingredientes que fazem mal ao organismo como sódio, açúcares, gorduras, conservantes etc.. Parece existir informação suficiente sobre seus malefícios. É algo que deveria ser tranquilamente conhecido de todos os consumidores. Seu consumo excessivo deveria ser, realmente, evitado como algo óbvio. No entanto, não é isso o que ocorre. Não resta dúvida que a legislação pode fazer muito em benefício da saúde dos consumidores e, em especial, das crianças, restringindo, por exemplo, a venda de porcarias nas cantinas escolares. Mas, repito, cabe, também, aos pais adotarem hábitos alimentares mais saudáveis para si e para seus filhos. E para saber o que são bons hábitos alimentares basta um click na web. Anoto que não há problema algum em comer um hambúrguer ou um belo churrasco ou, ainda coxinhas e pastéis, desde que não seja diariamente e que a alimentação do dia a dia seja balanceada, nutritiva e, claro, saudável. A ida a uma lanchonete para comer um cheese burguer com batatas fritas pode ser um divertido momento de lazer sem causar danos à saúde, mas se for exatamente isso: um momento de lazer e não uma rotina calórica constante. __________ 1 O perigo da obesidade infantil no Brasil e quais suas principais causas.
Continuo a tratar a responsabilidade civil objetiva no CDC, análise que iniciei no artigo anterior. Já vimos que um fato é inevitável (e incontestável): há e sempre haverá produtos e serviços com defeito. Vejamos, agora como o CDC cuida desse problema. Tendo em vista esse fato, a lei 8.078 resolveu controlar - e o fez de forma adequada -- o resultado da produção viciada/defeituosa, cuidando de garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos. Note-se que a questão do vício/defeito envolve o produto e o serviço em si, independentemente da figura do produtor (bem como de sua vontade ou atuação). O produto e o serviço são os causadores diretos do dano ao consumidor. O fornecedor só é considerado na medida em que é o responsável pelo ressarcimento dos prejuízos. Nesse ponto tenho, então, de colocar outro aspecto relevante, justificador da responsabilidade do fornecedor, no que respeita ao dever de indenizar: o da origem do fundo capaz de pagar os prejuízos. É a receita e o patrimônio do fabricante, produtor, prestador de serviço etc. que respondem pela indenização relativa ao prejuízo sofrido pelo consumidor. O motivo, aliás, é simples: a receita e o patrimônio abarcam "todos" os produtos e serviços oferecidos. "Todos", isto é, tanto os produtos e serviços sem vício/defeito quanto aqueles que ingressaram no mercado com vício/defeito. O resultado das vendas, repita-se, advém do pagamento do preço pelo consumidor dos produtos e serviços bons e, também, dos viciados/defeituosos. Usando o mesmo cálculo que fiz e apresentei no artigo anterior: vamos supor uma produção de 100.000 liquidificadores/mês e um vício/defeito no final do ciclo de produção de apenas 0,1%. O mercado receberá 100.000 liquidificadores e o produtor aferirá uma receita advinda de sua totalidade. Acontece que apenas 99.900 consumidores adquirirão efetivamente liquidificadores em perfeito estado de funcionamento. Os outros 100 arcarão com o ônus de ter comprado os liquidificadores com vício/defeito. Nesse ponto, é preciso inserir outro princípio legal justificador do tratamento protecionista dos consumidores que adquiriram os produtos viciados/defeituosos. É o princípio constitucional da igualdade. Não teria, nem tem cabimento, que os 100 consumidores que adquiriram os liquidificadores com vício/defeito e que pagaram por eles o mesmo preço dos demais 99.900 consumidores, não tivessem os mesmos direitos e garantias assegurados a estes últimos. Para igualá-los, é preciso que: a) recebam outro produto em condições perfeitas de funcionamento; b) aceitem o valor do preço de volta; c) ou, ainda, sejam ressarcidos de eventuais outros prejuízos sofridos. É dessa forma que se justifica a estipulação de uma responsabilidade objetiva do fornecedor. E há mais elementos que explicam porque o sistema normativo do CDC adotou a responsabilização objetiva. É o relacionado não só à dificuldade da demonstração da culpa do fornecedor, assim como ao fato de que, efetivamente, muitas vezes, ele não tem mesmo culpa de o produto ou serviço terem sido oferecidos com vício/defeito. Essa é a questão: o produto e o serviço são oferecidos com vício/defeito, mas o fornecedor não foi negligente, imprudente nem imperito. Se não tivéssemos a responsabilidade objetiva, o consumidor terminaria fatalmente lesado, sem poder ressarcir-se dos prejuízos sofridos (como era no regime anterior). Aqueles 100 consumidores que adquiriram os liquidificadores com vício/defeito, muito provavelmente, não conseguiriam demonstrar a culpa do fabricante. Explicando melhor: no regime de produção em série o fabricante, produtor, prestador de serviços etc. não podem ser considerados, à priori, negligentes, imprudentes ou imperitos. É que o produtor contemporâneo, em especial aquele que produz em série, como regra não age com culpa. Ao contrário, numa verificação de seu processo de fabricação, perceber-se-á que no ciclo de produção trabalham profissionais que avaliam a qualidade dos insumos adquiridos, técnicos que controlam cada detalhe dos componentes utilizados, engenheiros de qualidade que testam os produtos fabricados, enfim, no ciclo de produção como um todo não há, de fato, omissão (negligência), ação imprudente ou imperita. No entanto, pelas razões já expostas, haverá produtos e serviços viciados/defeituosos. Vê-se, só por isso, que, se o consumidor tivesse de demonstrar a culpa do produtor, não conseguiria. Ademais, ainda que culpa houvesse, sua prova como ônus para o consumidor levaria ao insucesso, pois o consumidor não tinha e não tem acesso ao sistema de produção e, também, a prova técnica posterior ao evento danoso teria pouca possibilidade de demonstrar a culpa. Registro, por fim, que o CDC intitula a seção que cuida do tema como "Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço", porque a norma, dentro do regramento da responsabilidade objetiva, é dirigida mesmo ao fato do produto ou serviço em si. É o "fato" do produto e do serviço causadores do dano o que importa. Costuma-se também falar em "acidente de consumo" para referir ao fato do produto ou do serviço. Algumas observações são necessárias a respeito disso. A expressão "acidente de consumo", muito embora largamente utilizada, pode confundir, porque haverá casos de defeito em que a palavra "acidente" não fica muito adequada. Assim, por exemplo, fazer lançamento equivocado no cadastro de devedores do Serviço de Proteção ao Crédito é defeito do serviço, gerando responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem. Porém, não se assemelha em nada a um "acidente"; comer algum alimento e depois sofrer intoxicação por bactéria que lá estava gera, da mesma maneira, dano, mas ainda assim não se assemelha propriamente a acidente. De outro lado, a lei fala em "fato" do produto. A palavra fato permite uma conexão com a ideia de acontecimento, o que implica, portanto, qualquer acontecimento. Lembro, de todo modo, que se tem usado tanto "fato" do produto e do serviço quanto "acidente de consumo" para definir o defeito. Porém, o mais adequado é guardar a expressão "acidente de consumo" para as hipóteses em que tenha ocorrido mesmo um acidente: queda de avião, batida do veículo por falha do freio, quebra da roda-gigante no parque de diversões etc., e deixar fato ou defeito para as demais ocorrências danosas. Em qualquer hipótese, aplica-se a lei. O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce, portanto, do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrente. Fica, assim, demonstrada, a teoria - e a realidade - fundante da responsabilidade civil objetiva estatuída no CDC, assim como as amplas garantias indenizatórias em favor do consumidor que sofreu o dano - ou seus familiares ou, ainda, o equiparado e seus familiares.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores pelos danos advindos dos defeitos de seus produtos e serviços (arts. 12, 13 e 14) e ofereceu poucas alternativas de desoneração (na verdade, de rompimento do nexo de causalidade) tais como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Para que se possa compreender o porquê dessa ampla responsabilização, é preciso conhecer a teoria do risco do negócio ou da atividade, que é sua base e que eu examino na sequência. A Constituição Federal garante a livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, em harmonia com uma série de princípios (CF, art. 170), iniciativa esta que é, de fato, de uma forma ou de outra, característica da sociedade capitalista contemporânea. E uma das características principais da atividade econômica é o risco. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa, a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empresário é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele. É claro que são muitas as variáveis em jogo, e que têm que ser avaliadas, tanto mais se existir uma autêntica competitividade no setor escolhido. Os insumos básicos para a produção, os meios de distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou ao serviço a serem produzidos, a qualidade destes, o preço, os tributos etc. são preocupações constantes. Some-se o desenvolvimento de todos os aspectos que envolvem o marketing e em especial a possibilidade - e, praticamente, a necessidade - da exploração da publicidade, arma conhecida para o desenvolvimento dos negócios. O empreendedor, então, leva (deve levar) sempre em consideração todos os elementos envolvidos. Aqui o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual acrescentarei um outro: o do custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio. A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo, para ser suportável, tem de ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem de ser considerado. Descobrir o ponto de equilíbrio de quanto risco vale a pena correr a um menor custo possível, para aferir a maximização do benefício, é uma das chaves do negócio. Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele voltado à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente a adequação, a finalidade, a proteção à saúde, a segurança e a durabilidade. Tudo referendado e complementado pela informação. Em realidade, a palavra "qualidade" do produto ou do serviço pode ser o aspecto determinante, na medida em que não se pode compreender qualidade sem o respeito aos direitos básicos do consumidor. E nesse ponto da busca da qualidade surge, então, nova e particularmente, o problema do risco/custo/benefício, acrescido agora de outro aspecto considerado tanto na teoria do risco quanto pelo CDC: a produção em série1. Com a explosão da revolução industrial, a aglomeração de pessoas nos grandes centros urbanos e o inexorável aumento da complexidade social, exigia-se um modelo de produção que desse conta da sociedade que começava a surgir. A necessidade de oferecer cada vez mais produtos e serviços para um número sempre maior de pessoas, fez com que a indústria passasse a produzir em grande quantidade. Mas o maior entrave para o crescimento da produção era o custo. A solução foi a produção em larga escala e em série, que, a partir de modelos previamente concebidos, permitia a diminuição dos custos. Com isso, era possível fabricar mais bens para atingir um maior número de pessoas. O século XX inicia-se sob a égide desse modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, com um custo de produção menor de cada um dos produtos, possibilitando que fossem vendidos a menor preço individual, com o que maiores parcelas de consumidores passaram a ser beneficiadas. A partir da Segunda Guerra Mundial, esse projeto de produção capitalista passou a crescer numa velocidade jamais imaginada, fruto do incremento dos sistemas de automação, do surgimento da robótica, da telefonia por satélites, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc. Muito bem. Em produções massificadas, seriadas, é impossível assegurar como resultado final que o produto ou o serviço não terá vício/defeito. Para que a produção em série conseguisse um resultado isento de vício/defeito, seria preciso que o fornecedor elevasse seu custo a níveis altíssimos, o que inviabilizaria o preço final do produto e do serviço e desqualificaria a principal característica da produção em série, que é a ampla oferta para um número enorme de consumidores. Dessa maneira, sem outra alternativa, o produtor tem que correr o risco de fabricar produtos e serviços a um custo que não prejudique o benefício. Aliado a isso está o indelével fato de que produções desse tipo envolvem dezenas, centenas ou milhares de componentes físicos e eletrônicos que se relacionam, operados por outra quantidade enorme de mãos que os manuseiam direta ou indiretamente. A falha é inexorável: por mais que o fornecedor queira, não consegue evitar que seus produtos ou serviços cheguem ao mercado sem vício/defeito. Mesmo nos setores mais desenvolvidos, em que as estatísticas apontam para vícios/defeitos de fabricação próximos de zero, o resultado final para o mercado será a distribuição de um número bastante elevado de produtos e serviços comprometidos. E isso se explica matematicamente: supondo um índice percentual de vício/defeito no final do ciclo de fabricação de apenas 0,1% (percentual raro, eis que, de fato, eles são mais elevados) aplicado sobre alta quantidade de produção, digamos, 100.000 unidades, ter-se-ia 100 produtos entregues ao mercado com vício/defeito. Logo, temos de lidar com esse fato inevitável (e incontestável): há e sempre haverá produtos e serviços com vício/defeito. Continua na próxima semana. __________ 1 Por causa disso, a responsabilidade objetiva tal como regulada remanesce como um grande problema, praticamente insolúvel, para aqueles que não produzem em série, especialmente pequenos produtores, micro produtores e fabricantes pessoas físicas de produtos manufaturados e pequenos prestadores de serviços (pessoas físicas e jurídicas). A lei consumerista não abre exceção para tais fornecedores, que acabam tendo que arcar com o peso da responsabilidade objetiva, como se grandes fornecedores de produtos e serviços em série fossem.
A palavra "mito" tem sido muito usada ultimamente. Por isso, resolvi retornar ao tema. Certa vez, referi uma antiga propaganda da Natura, na qual aparecia uma personagem fazendo uma enquete pelas ruas. Ela entrevistava as pessoas, perguntando "É mito ou verdade?". Num dos anúncios, ela dizia mais ou menos isso: "Se você usar sempre o mesmo perfume, com o tempo, você acaba deixando de perceber o cheiro, porque se acostuma com ele. É mito ou verdade?". Era - e é -- um exemplo de como, especialmente, a parte comercial da sociedade contemporânea acabou transformando o substantivo mito no adjetivo falso. Aliás, mito tornou-se sinônimo de algo não verdadeiro, o que acabou gerando a falsa ideia (essa sim) de que não só aquilo que é mito não existe como não tem função. Acontece que não é bem assim. A realidade do mito mostra algo muito diferente. Com efeito, os filósofos, semiólogos e linguistas dizem que, ao contrário do que usualmente se pensa, o mito é uma realidade. Ele apresenta algo muito concreto e vivo. Aliás, é mais do que isso: o mito é uma fala real, que conta uma história sagrada e que apresenta um modelo exemplar. "O mito é uma fala1" , afirma Roland Barthes. Naturalmente, como diz o semiólogo francês, não é uma fala qualquer. Trata-se de um sistema de comunicação, de uma mensagem. E, como mensagem, pode ser representada por um texto escrito ou oral, assim como por imagens. Desse modo, "a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isto pode servir de suporte a fala mítica"2 . E se, de fato, Barthes tiver razão, como penso que tem, o mito, ao contrário de significar uma falsidade, expressa algo verdadeiro, ainda que as pessoas possam não perceber. Aliás, esse caráter de oculto do mito talvez seja uma de suas características mais marcantes nas sociedades contemporâneas. Para compreender o que quero dizer, cito o filósofo romeno Mircea Eliade. Buscando definir o mito, ele explica que este conta uma história sagrada. O mito "relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 'princípio'. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas de Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir"3. O mito narra uma história sagrada e verdadeira, que se refere ao ato de criação de alguma coisa. "É o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, revelando a atividade criadora de um personagem sobrenatural, desvendando, portanto, acima de tudo, o caráter de sacralidade"4. E, como diz o estudioso romeno, o mito "fornece os modelos para a conduta humana, conferindo, por isso mesmo significação e valor à existência5". Importante frisar esse aspecto de sagrado do mito e também seu caráter exemplar, pois sua comunicação em tempos modernos é capaz de encantar, de seduzir, de envolver o espectador em função de sua essência misteriosa. "O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou heróis civilizadores"6. Do ponto de vista comportamental, o "mito representa um certo modo de estar no mundo"7. Estudado no mundo contemporâneo, vê-se que suas conotações essenciais permanecem as mesmas: modelo exemplar, repetição, ruptura do período profano e integração do tempo primordial. As duas primeiras são, inclusive, "consubstancias a toda condição humana"8. Assim, por exemplo, as comemorações do Ano Novo ou das festas que marcam um "começo"; a necessidade de encontrar heróis (em vários locus, tais como na guerra, nas artes, nas competições, nas diversões públicas etc.) e a imitação de suas ações; os grandes espetáculos como as touradas, as corridas e demais encontros esportivos, que têm um ponto em comum: "desenrolam-se num 'tempo concentrado', de uma grande intensidade, resíduo ou sucedâneo do tempo mágico-religioso"9. Aliás, não é à toa, que o capitalismo contemporâneo e seus sistemas de comunicação que visam à sedução e o controle dos consumidores, utilizam-se de várias formas míticas para apresentarem seus produtos e serviços. Os símbolos e rituais dos mitos estão presentes em vários modos de comunicação mercadológica que, por causa de suas funções primordiais e, por isso, da capacidade de gerar enternecimento, empatia e magnetismo geram altos resultados junto ao público alvo. Os consumidores, deslumbrados, admirados e hipnotizados agem e se comportam do modo como os fornecedores esperam que eles se comportem. E mesmo fora da esfera do mercado capitalista, o mito pode ter um poder de influência muito grande em termos de comunicação. __________ 1 Mitologias. RJ:Bertrand, 9ª. Edição, 1993, p.131. 2 Idem, Ibidem, p. 132. 3 Mito e Realidade. São Paulo: Perpesctiva, 3ª. Edição, 1991, p. 11. 4 Maria da Piedade Eça de Almeida, Mito: metádora viva?, in As razões do Mito. Campinas:Papirus, Regis de Morais (organizador), 1ª. Edição, 1988, p. 63. 5 Idem, Ibidem, p. 8 6 O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.80. 7 Mitos, sonhos e mistérios, de Mircea Eliade. Lisboa:Edições 70, p.20. 8 Idem, Ibidem, p. 21. 9 Idem, Ibidem p. 23.  
quinta-feira, 27 de junho de 2019

Mais abusos das companhias aéreas

Então, tá. Eu estou cansado. E, você meu caro leitor, não está também cansado de ler e ver tanta balela, tanto sofisma, empulhação e argumentos absurdos para defender o que quer que seja? Parece mesmo que basta falar ou fazer qualquer coisa que se queira e defender sua validade que já está tudo bem. Onde anda a razão? O que é mesmo a racionalidade? Veja este exemplo banal. Banalíssimo, de sofisma: as cias aéreas (ah, novamente as cias áreas...) estão cobrando para que o consumidor marque o assento! Pois é. Pergunto: quando eu compro uma passagem aérea é para viajar em pé ou sentado? Por enquanto, é sentado. Qualquer dia se inventam viagens de avião em pé, pois, em matéria de qualidade de prestação de serviços, esse é um dos setores que mais decaiu nos últimos anos. Infelizmente, num setor de transporte como esse, tão importante, o consumidor tem sido tratado como mero número. Sei que faz tempo que muitos setores tratam o consumidor como mero número. O problema é que, nesse tipo de atividade, o consumidor é refém do prestador do serviço. Quando ele vai viajar, fica totalmente à mercê do transportador. Sua fragilidade é enorme. A palavra hipossuficiência é sua característica básica. Recentemente, a Fundação Procon de São Paulo multou as companhias aéreas Azul, Gol e Latam Brasil pela prática de cobrança antecipada pela escolha de assento nos voos1. E fez muito bem, pois é evidente o abuso praticado. Agora, veja o que disseram as empresas: a Latam informou em nota que a escolha antecipada de assento "é um serviço opcional". A Gol disse que a marcação do assento "pode ser realizada de forma totalmente gratuita com 48 horas de antecedência do voo". E a Azul disse que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor "já se posicionaram no sentido de que trata-se de um serviço adicional e de que não há qualquer ilegalidade na cobrança". "Caso o cliente não tenha interesse em reservar um assento específico de maneira antecipada, é possível realizar a marcação, indistintamente e sem qualquer cobrança adicional, a partir de 48 horas antes da data do voo", informou a Azul2. Ora, quando um consumidor compra um ingresso para ir ao teatro ou ao cinema, ele tem direito ao assento. Quando compra uma passagem para viajar de ônibus, de trem ou de avião também tem direito ao assento. O transporte pressupõe o assento. Estão ligados. Não podem ser oferecidos separadamente. Na verdade, o que o consumidor compra é o lugar no cinema, no teatro, no ônibus, no avião. Ele compra o assento. O máximo que se admite é cobrar diferenciadamente por lugares especiais (como a cabine executiva, por exemplo), mas ainda assim com a marcação do local no ato da compra da passagem. A manobra das cias aéreas é evidente: permitir a marcação do lugar nas 48 horas que antecedem o voo é o mesmo que obrigar a pagar pela marcação em data anterior. O consumidor tem o direito de escolher o lugar quando adquire a passagem. Não tem que esperar a véspera da viagem. Isso vale para quem viaja sozinho e se agrava para os que viajam acompanhados, pois estes logicamente querem estar juntos e, se deixarem para a véspera, podem não conseguir. A situação do consumidor nessa área é mesmo muito ruim. E pelo que disse a Azul, a ANAC já autorizou o abuso. Incrível! Quando é que essa agência ANAC vai agir de acordo com a lei? Quanto às companhias aéreas, eu já estou sem esperança. __________ 1 Procon multa Gol, Latam e Azul por cobrança antecipada de assentos. 2 Conforme mesma matéria apontada na nota anterior.  
Por causa do projeto do presidente Jair Bolsonaro, recentemente entregue à Câmara dos Deputados, eu volto ao assunto. Antes de mais nada, e para evitar confusão, coloco o óbvio: qualquer pessoa deve ser a favor da punição a motoristas infratores, especialmente aqueles que colocam em risco a segurança e a vida dos demais (e de si mesmos). Por isso, é fundamental existirem leis que determinem o controle do trânsito, que fixem punições e estipulem critérios de aferição das infrações. No entanto, existem várias infrações ligadas ao uso de veículos que não acarretam nenhum tipo de perigo ou risco à comunidade ou às demais pessoas. Estão entre essas infrações, por exemplo, estacionar em local proibido, estacionar nas chamadas "zonas azuis" sem a colocação do cartão ou uso de aplicativos, trafegar com o veículo no horário proibido nas cidades com sistema de rodízio, como a capital de São Paulo etc. É verdade que se pode objetar que o estacionamento em alguns locais pode gerar transtorno no trânsito, como, por exemplo, na av. Paulista, em São Paulo. Nesse caso, a infração seria mais grave que estacionar em outro local proibido de menor movimento. No entanto, nem assim se justificaria, como veremos, a aplicação da pena de suspensão ou perda do direito de dirigir. Bastaria guinchar o veículo e, na hipótese, aplicar uma multa maior que as demais. Isso sim seria adequado: multas diferentes para estacionamento em local proibido em ruas diferenciadas. Ora, ainda que se admita que infrações desse tipo possam gerar a imposição de uma multa pecuniária, nada justifica que se imponha a perda ou a suspensão do direito de o motorista continuar dirigindo por infrações dessa ordem. Aliás, ao contrário, como mostrarei, o Sistema Constitucional Brasileiro proíbe que uma lei possa impor penalidade desse tipo. Uma coisa é o motorista trafegar de forma perigosa, com o veículo sem condições de dirigibilidade, fazendo conversões proibidas, movimentando-se em velocidade excessiva, fazendo ultrapassagens perigosas, dirigindo embriagado etc. Outra, muito diferente, é ser pego trafegando no horário proibido pelo rodízio ou não ter colocado o cartão ou o aplicativo da zona azul ou, ainda, estacionar o veículo em local proibido. É bem fácil perceber que, no primeiro caso, o motorista representa um perigo à incolumidade física das demais pessoas, podendo no segundo, quando muito, gerar transtornos de ordem administrativa ou queda na arrecadação da verba prevista para o estacionamento nas vias públicas. A punição em cada hipótese deve ser - só pode ser - muito diferente. O problema está em que as normas de trânsito estabeleceram uma confusão entre as duas formas de ação dos motoristas. Ao criar um sistema de pontuação, no qual são somados, na mesma vala comum, os dois tipos de infrações, acabou gerando, concretamente, uma violação ao direito dos motoristas. Suponhamos que alguém que sempre dirija de forma adequada e preventiva, nunca excedendo a velocidade, não fazendo ultrapassagens proibidas etc., mas que tenha que usar o automóvel para trabalhar, seja apanhado dirigindo, no período de um ano, por cinco vezes, no horário proibido pelo rodízio. Ele somará 20 pontos (4 pontos de cada vez) e ficará sem a Carteira Nacional de Habilitação-CNH. No entanto, se, no mesmo período, outro motorista for multado por excesso de velocidade por duas vezes com pontuação gravíssima não sofrerá a mesma pena, pois terá somado apenas 14 pontos (7 de cada vez). O motorista perderá a habilitação se tiver, também, tantas autuações de zona azul e por estacionamento proibido quantas forem necessárias para atingir os 20 pontos ou mais. Os exemplos, claro, se multiplicam na exata medida das combinações de infrações e pontuações. O grave nisso tudo não é só a evidente injustiça concreta da situação em que se acabam colocando os cidadãos, mas também a distorção que o sistema gera, uma vez que acaba punindo o melhor motorista em detrimento do pior. Por isso, penso, este ponto da lei é inconstitucional. Como é sabido, o princípio da isonomia, assegurado na Constituição Federal (art. 5º, "caput" e inciso I) implica que, concretamente, ninguém possa ser tratado com desigualdade pela lei ou por seu agente aplicador. Não pode a lei, portanto, punir mais quem faz menos, sob pena de violar esse princípio constitucional. O mínimo que se pode esperar da norma nesse sentido é que, se ela pretende que se punam os infratores, que aquele que cometer o delito mais perigoso seja punido com mais rigor do que aquele que cometer o de menor gravidade. Acontece que, como vimos acima, a lei colocou num mesmo patamar infratores perigosos e infratores sem nenhuma periculosidade. E esse aspecto viola o princípio da igualdade. Aliás, é possível até que um infrator sem nenhuma periculosidade seja punido e o perigoso não seja, como mostrei. Antes de prosseguir, anoto que o fato de a infração relativa à zona azul ter pontuação 4 e, por exemplo, outra por excesso de velocidade ter 7 (ou seja, há mais pontos negativos para uma do que para outra) não modifica em nada o argumento. Isso porque não existe qualquer conexão lógica entre essas infrações. A natureza de cada infração é tão diferente que impede a comparação. Logo, não há relação entre o ponto negativo 4 de uma e o ponto negativo 7 de outra. Assim, não sendo - como não é - possível fazer analogia entre infrações tão diversas, elas não podem ser comparadas. A questão das punições do CTB é penal. Para o legislador penal ordinário existe um comando constitucional a ser observado na fixação da pena. É o chamado princípio da proporcionalidade. Ele funciona como parâmetro obrigatório para o legislador e apresenta três facetas: a) a pena deve ser graduada de acordo com a relevância do bem jurídico a ser tutelado; b) deve ser levada em conta a pessoa do infrator; c) deve ser considerado o caráter retributivo, isto é, a pena deve ter a mesma pujança da conduta violadora; deve ser fixada levando em conta esse paralelo: a relação existente entre a infração delituosa e a pena. O art. 5º, XLVI, da Carta Magna dispõe que: "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos". Ora, conforme expus, as normas de trânsito, ao fixar a pena de suspensão do direito de dirigir para os casos de infração de natureza meramente administrativa, está em total dissonância com o texto constitucional. E pior: não está de acordo com nenhum dos critérios caracterizadores do princípio constitucional da proporcionalidade. Vejamos os detalhes. Não resta dúvida de que se trata de pena administrativa de suspensão de direitos (suspensão do direito de dirigir), podendo ir até seu perdimento (perda da CNH). E essa pena: a) primeiramente, não tem graduação na relação com o bem jurídico tutelado. Com efeito, estacionar em local proibido, não colocar o talão ou o aplicativo da zona azul ou trafegar no horário proibido pelo rodízio não tem relevância jurídica suficiente que possa conduzir à suspensão ou perda do direito de dirigir; b) em segundo lugar, como a fixação é objetiva e abstrata, aplicada indistintamente a todo e qualquer motorista, não leva em consideração a pessoa do infrator. É bem possível (aliás, deve estar acontecendo e muito) que um cidadão que jamais tenha dirigido um veículo em excesso de velocidade e/ou de forma perigosa, e que dirija há muitos e muitos anos sem nunca ter causado nenhum acidente, possa estar perdendo sua habilitação apenas e tão-somente porque teve que trafegar no horário proibido pelo rodízio ou porque se viu obrigado a estacionar em local proibido, ou, ainda, porque não tinha talão da zona azul (ou iphone) ou simplesmente se esqueceu de colocá-lo; c) em terceiro lugar, a suspensão do direito de dirigir ou o perdimento desse direito, nos casos que estou apontando, não seguem o critério da retribuição. É absolutamente desmedido suspender o direito de dirigir de quem não colocou no carro o talão da zona azul ou estacionou em local proibido ou, ainda, trafegou no horário proibido pelo rodízio. A única retribuição jurídico-constitucional adequada nesses casos é a fixação de multa. Nada mais. Finalizo, portanto, deixando consignada minha posição em prol de tantos quantos já se sentiram injustiçados por terem o direito legítimo de dirigir seus veículos cassado por infrações meramente administrativas. Se quisermos realmente construir uma nação democrática, precisamos ir a cada dia amoldando nosso sistema legal aos princípios e regras constitucionais de modo a evitar desigualdades e injustiças.  
quinta-feira, 6 de junho de 2019

A publicidade enganosa de pressão

Eu intitulo de "publicidade enganosa de pressão" os anúncios publicitários envolvidos no sistema de empurrar e tornar urgente a decisão de comprar pelo consumidor. Você, caro leitor, talvez já tenha comprado ou tentado comprar algo pela internet e vê no site do fornecedor um relógio ao lado ou no topo dizendo: "Esta oferta vale por 5 minutos. E o relógio vai correndo e o tempo diminuindo". É muito comum em sites de venda de ingressos. Ou então: "Outros 100 consumidores estão neste instante examinado este produto". Nas tevês e rádios é também comum: "Oferta válida por quinze minutos" ou "Oferta válida para os próximos dez interessados que ligarem". Eu fiz um teste hoje, antes de escrever este artigo. Vi um anúncio de um medicamento no site de notícias. Apertei sobre ele. Surgiu: "Você ganhou 10% de desconto mais frete grátis. Oferta válida por 5:00 minutos" e o relógio começou a correr. Deixei rolar. 5 minutos depois, o relógio zerou. Será que perdi o desconto? Apertei de novo sobre o produto e tudo começou novamente: a oferta de 10%, os 5:00 minutos com o relógio etc. Neste momento, enquanto você lê este artigo, a oferta com desconto e cinco minutos deve ainda estar lá. O consumidor ainda cai nesse tipo de esparrela? Se cai, cabe aos órgãos de defesa do consumidor agir para impedir esses anúncios. E eu li, na semana passada, um famoso marketeiro dizendo que as empresas mudaram sua forma de comunicação e que agora falam a verdade! Adorei a fake opinion dele... A respeito do tema, eis o depoimento de meu amigo Outrem Ego: "Vi um anúncio desses modernos sites que agora existem. Este podia ser visualizado quando se sintonizava no YouTube o canal de uma emissora de rádio. Como se tratava de um médico fazendo uma oferta de um produto 'miraculoso' para manter a próstata num tamanho razoável, eu resolvi assistir. Na verdade, usei a parte do anúncio que permitia ler ao invés de ouvir. Texto longo, com muitas afirmações que levam um homem idoso a sonhar por uma nova alegria com sua próstata. Fui lendo, lendo e vi que se tratava da assinatura de uma revista de saúde e que fazendo a assinatura da revista o consumidor ganharia o 'Manual da Próstata Perfeita'. Estava indo tudo bem, até que, quase no final, deparei com isso: 'A partir de agora, você já pode clicar no botão logo aqui embaixo pra reservar uma unidade do seu Manual da Próstata Perfeita'. Mas tem que ser agora. As unidades do Manual da Próstata Perfeita são limitadas (...) Portanto, essa oferta especial é por tempo limitado - ou até as unidades se esgotarem." Pronto! Estragaram tudo. Oferta por tempo limitado? As unidades do livro iriam se esgotar? Conta outra para tentar me enganar! As promessas já eram exageradas, mas tudo bem, havia esperança. Quando a mentira se tornou descarada, eu desisti! Quer dizer, então, que depois de um certo número de consumidores, eles vão parar de imprimir o material? Somente alguns privilegiados terão acesso ao livro? É o mesmo que dizer para leitores de algum romance que depois eu esgotar a edição não vão mais imprimir ainda que haja muitos interessados em comprar" De fato, meu caro amigo. Esse é mais um exemplo de tática de marketing para gerar urgência no ânimo do consumidor que se interessou pelo produto ou pelo serviço. É tão enganoso e tolo que soa como pueril! Mas, não muda o fato de que é enganoso. Nem dá para se questionar se o tal livro ajuda ou não a controlar o tamanho da próstata. A mentira estraga tudo, tornando falso o anúncio inteiro e fragilizando o produto anunciado. Repito: será que o consumidor acredita? Espero que não. Espero também que os órgãos de defesa do consumidor investiguem!
Carta aberta ao presidente da República: Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Há alguns dias, li no noticiário que V. Exa. iria manter integralmente a norma que garante a isenção na cobrança de bagagem dos consumidores aprovada pelo Congresso Nacional na Medida Provisória 863. Fiquei feliz, pois a medida é adequada e justa. Todavia, nesta semana li que parece ter surgido alguma dúvida a respeito do tema, eis que a chamada área técnica passou a indicar o veto desse trecho da MP. Fiquei triste. O Congresso Nacional acertou completamente na questão. Um dos órgãos que fez essa indicação foi a ANAC, que nem sempre atua em prol do direito dos consumidores. Já escrevi aqui nesta coluna e, por causa do momento, utilizarei parte dos meus argumentos lançados anteriormente por ocasião da aprovação pela ANAC de uma medida que permitiu que as cias. aéreas passassem a cobrar pelo despacho das bagagens. Lembro: a promessa da ANAC na época era a de que o preço das passagens cairia. E nós, consumeristas, falamos que não daria certo. Todos sabem que os preços subiram e o faturamento das companhias aéreas com despacho de bagagens foi às alturas. O Direito do Consumidor foi violado de forma clara. A ANAC conseguiu estragar algo que havia de bom no mercado brasileiro relativamente às bagagens nas viagens aéreas. Repito o que já disse mais de uma vez: não é porque algo é praticado em outros países que deve ser aqui implantado. Nem sempre é o melhor para o consumidor. E este é um bom exemplo disso. Nosso modelo era favorável aos viajantes. O retorno ao modelo determinado pelos parlamentares é muito bom! Lembro que meu amigo Outrem Ego fez uma reflexão importante sobre o assunto. Disse ele: "Do jeito como as coisas estão correndo, brevemente este será o diálogo que se travará num balcão de companhia aérea para o despacho de embarque: - Bom dia! Por favor, seu ticket...Vai viajar para onde? - Eu e minha esposa vamos para Paris. Eis nossos tickets. - Muito bem, Sr. João, pode subir na balança... Ah, o senhor pesa 90 quilos. Então, não tem direito a franquia de bagagem... Agora, a senhora dona Clara, pode subir. Sim, 60 quilos. A senhora tem direito a uma mala com vinte quilos. Dona Clara, então, virou-se para o marido e falou: - Viu João, como vale a pena fazer regime!" Meu amigo propôs uma discussão. Disse: "Uma família viajando junta, digamos, um casal e dois adolescentes com 13 e 14 anos, pesa (em média, digamos) muito menos que quatro adultos, mas paga o mesmo preço das passagens. Se é o peso o que importa, deveria pagar menos ou ter mais franquia de quilos nas bagagens". Ora, é deste modo que as pessoas devem ser consideradas? Muitas empresas - aquelas que prestam um mau atendimento - já consideram o consumidor apenas um número. Com esse andar da carruagem, o consumidor será considerado literalmente um peso. Agora o fato da odiosa discriminação: a própria natureza determinaria quanto vale uma pessoa dependendo da altura, do peso dos ossos, da condição de saúde etc.! Pelas regras que tiveram vigência até o dia 14 de março de 2017, os passageiros tinham o direito de despachar itens com até 23 quilos em voos nacionais e dois volumes de 32 quilos cada um em viagens internacionais sem pagar taxas extras. Segundo a agência reguladora, a medida de liberação do peso das bagagens geraria concorrência entre as companhias áreas, barateando o preço das passagens. Até poderia ser, mas para tanto seria necessário que houvesse concorrência. Quando mais de uma empresa opera o mesmo trajeto, é possível, mas somente se a demanda for abaixo da oferta. O pior é que, em vários trajetos nacionais e internacionais, os voos são oferecidos por apenas uma empresa. Ou seja: não há concorrência! Por que ela iria baixar o preço mesmo? Atualmente, as companhias aéreas cobram para reservar assentos, colocam preços diferentes dependendo do local da poltrona na mesma classe econômica, cobram por alimentos, impõem altas multas para remarcação de voos, enfim, sabe-se lá onde isso irá parar. Excelentíssimo Senhor Presidente, termino pleiteando em defesa do direito dos consumidores: sancione a MP 863 sem vetos!  
O que está acontecendo em Barão de Cocais é inacreditável. A mineradora Vale informou que tem certeza de que o talude norte da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, Região central de Minas Gerais, vai se romper. A estrutura tem se movimentado de seis a dez centímetros por dia e o paredão pode cair a qualquer momento. A mineradora informou que não é possível dizer exatamente qual será o impacto do rompimento do talude. Gabriel Garcia Marques, com a maestria de sempre, escreveu "Crônica de uma morte anunciada" mostrando a faceta da inevitabilidade. O assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos Vicario - para vingar a honra da irmã Angela - é conhecido de antemão pelos habitantes do local, mas ninguém faz nada para evitá-lo. O crime ocorre como uma fatalidade. Nós aqui por nossas terras tupiniquins, temos assistido uma série de situações de catástrofes que se repetem e essa da Vale é mais uma. É isso, então? A tragédia é inevitável e a conhecemos de antemão? A responsabilidade da mineradora é evidente. Mas, quero lembrar que o Estado é também responsável pelo acidente que está para ocorrer. Do ponto de vista jurídico, a questão principal da responsabilidade civil do Estado não envolve diretamente direito do consumidor - embora indiretamente sim, na questão da prestação dos serviços públicos essenciais. Mas, faço questão de apresentar, na sequência, um resumo dos direitos das pessoas afetadas e da responsabilidade dos agentes públicos, sempre na esperança de que um dia, no futuro, este mesmo destino insólito possa vir a ser modificado. O brasileiro não precisa sofrer sempre esse destino como se a tragédia fosse inevitável nem precisa ser uma vítima de um Estado inoperante, que conhece o futuro, mas se omite nas providências que devia tomar para modificá-lo. A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme parágrafo 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis. Anoto que, quando se fala em ação do agente público, isto é, conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder de polícia estatal. Nessa hipótese, então, a responsabilidade tem origem na falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de fiscalização adequada e/ou realização de obra considerada indispensável para evitar o dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza ou outro evento qualquer ou, ainda, interdição do local etc. Quanto aos danos, como se sabe, havendo morte, os familiares que são dependentes da pessoa falecida têm direito a uma pensão mensal, que será calculada de acordo com os proventos que ela tinha em vida. Do mesmo modo, a vítima sobrevivente pode pleitear pensão pelo período em que, convalescente, tenha ficado impossibilitado de trabalhar. Além da pensão, no cômputo dos danos materiais inclui-se todo tipo de perda relacionada ao evento danoso, tais como o desmoronamento da habitação, seu preço ou o custo para a construção de uma outra igual e todas as demais perdas efetivamente sofridas relacionadas ao evento. No caso de pessoa falecida, além dessas perdas, cabe pedir também indenização por despesas com estadia, locomoção e alimentação dos familiares que tiveram de cuidar da difícil tarefa de reconhecer o corpo e fazer seu traslado, despesas com o funeral etc. E tanto a vítima sobrevivente como os familiares próximos à vítima falecida podem pleitear indenização pelos danos morais sofridos, que no caso dizem respeito ao sofrimento de que padeceram e das sequelas psicológicas que o evento gerou. O valor dessa indenização será fixado pelo juiz no processo. De todo modo, é bom deixar consignado que o responsável em indenizar tem o dever de dar toda assistência às famílias das vítimas, inclusive propondo o pagamento de indenizações e pensões. Ademais, lembro que nas variáveis objetivas utilizadas pelo magistrado para fixar a quantia da indenização por danos morais, uma delas é a do aspecto punitivo. E, nesse incrível caso, o aspecto punitivo deve ser reforçado.  
Como ultimamente os meios de comunicação têm abordado com certa regularidade a questão do barulho, que causa danos e nem sempre têm tratado as questões jurídicas como exige o caso, eu aproveito para cuidar do assunto, lembrando, desde logo, que a violação do sossego no Brasil é mais um exemplo de como a sociedade é dividida e as pessoas são egoístas e desrespeitosas umas com as outras. Todos têm direito ao sossego, ao descanso, ao silêncio, direito este cada dia mais violado abertamente. Parece que nas sociedades industrializadas contemporâneas, nesta era capitalista do império globalizante em que vivemos, tudo faz barulho. Existe mesmo uma busca incessante em sua produção: são músicas em altos volumes nos automóveis, nas lojas e nos restaurantes, nos clubes, nas academias, nos intervalos dos espetáculos teatrais e nos cinemas, nos estádios de futebol, onde há também o barulho das torcidas que atinge toda a redondeza; nas festas de aniversário e de casamento; são shows ao vivo em estádios que vão muito além de suas arquibancadas; são bares, boates e danceterias que invadem o espaço dos vizinhos etc. De fato, todo o sistema é assim. Há excesso de ruído por todos os lados: dos veículos nas ruas, das máquinas nas fábricas, das construções, das oficinas etc. Trata-se de um enorme amontoado de ações barulhentas, algumas ensurdecedoras, nem sempre em nome do tão sonhado progresso. Não posso deixar de fora os sons "privados" dos aparelhos eletrônicos domésticos que saem pelas janelas de apartamentos e casas perturbando os vizinhos com seus exagerados volumes. Há também latidos incessantes de cachorros. Enfim, os barulhos, ruídos, sons em altos volumes entram em nossas casas e apartamentos a toda hora sem pedir licença, violando esse nosso direito sagrado ao silêncio e ao sossego É verdade que algumas pessoas até se acostumaram com isso e outras dizem que "gostam", mas o fato é que barulho não solicitado fere o direito sagrado ao sossego e pode gerar danos à saúde. Não abordarei um aspecto importante dos sons não pedidos, como a imposição dos estabelecimentos comerciais de que seus frequentadores escutem as músicas por eles escolhidas (o que, por exemplo, em academias de ginástica e musculação pode ser altamente prejudicial não só pelo excesso de volume, como pela qualidade das músicas...). Tratarei do outro lado da questão: do direito ao silêncio, ao sossego e ao descanso, sagrados e que qualquer pessoa pode exigir. O direto ao sossego é correlato ao direito de vizinhança e está ligado também à garantia de um meio ambiente sadio, pois envolve a poluição sonora. A legislação brasileira é bastante clara em estipular esse direito que envolve uma série de transtornos já avaliados e julgados pelo Poder Judiciário. Anoto, antes de prosseguir, que o abuso sonoro reconhecido nas ações judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade competente. Num caso em que se considerou excessivo o ruído produzido pelo heliporto, havia aprovação da planta pela Prefeitura e seus órgãos técnicos; num outro em que se constatou que a quadra de esportes produzia excessivo barulho, a Prefeitura também tinha aprovado sua construção. Aliás, lembro que os shows produzidos em estádios de futebol e que violam às escâncaras o direito ao sossego dos vizinhos são, como regra, autorizados pela Prefeitura local. Alguns shows, inclusive, varam a noite e a madrugada, numa incrível violação escancarada. Realço que, nesses casos, a própria Prefeitura é responsável pelos danos causados às pessoas. Dizia acima que a legislação pátria é rica no tema. Muito bem. A Lei das Contravenções Penais (decreto-lei 3.688/1941) no seu artigo 42 estabelece pena de prisão para aquele que "perturbar o trabalho ou o sossego alheios: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda". Nesse último assunto, faço parênteses para dizer que, muitas vezes, o latido de cães mantidos em casa pode caracterizar outro delito, previsto já no art. 3º do antigo Decreto-Lei nº 24.645/1934, revogado, que dispunha: "Consideram-se maus tratos: I - Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz". Os temas dessa antiga norma foram incorporados na nossa legislação ambiental. A lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) estebelece, no seu art. 32, pena de detenção para quem "Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". É essa mesma lei ambiental que pune severamente com pena de reclusão o crime de poluição sonora. Seu art. 54 diz: "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora". E o Código Civil garante o direito ao sossego no seu art. 1277 ao dispor: "O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha". Nesse ponto, anoto que para a caracterização do delito penal de perturbação do sossego, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o mero transtorno, vale dizer, a mera modificação do direito ao sossego, ao descanso e ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para a caracterização do delito. Apenas no crime de poluição sonora é que se deve buscar aferir o excesso de ruído. Na caracterização do sossego não. Basta a perturbação em si. Evidente que os danos causados são, primeiramente, de ordem moral, pois atingem a saúde e a tranquilidade das pessoas, podendo gerar danos de ordem psíquica. Além disso, pode também gerar danos materiais, como acontece quando a vítima, não conseguindo produzir seu trabalho em função da perturbação, sofre perdas financeiras. A questão, portanto, ao contrário do que tem sido noticiado, não se restringe à esfera administrativa, com o acionamento dos órgãos municipais. É, também, caso de polícia e, naturalmente, envolve a esfera judicial, na qual a vítima pode tomar as medidas necessárias, inclusive com pedido de liminar, para impedir ou fazer cessar a produção do barulho excessivo e, ainda, podendo pleitear indenização por danos materiais e morais.
Hoje vou falar de publicidade por causa da supressão de um anúncio do Banco do Brasil que, segundo consta, foi retirado do ar por determinação da Presidência da República e também pela tentativa "esperta" da lanchonete Burger King de surfar nessa onda (algo que muitos publicitários fazem, para obter mídia de graça). Na verdade, quero mostrar quais são os limites legais para os anúncios publicitários. Não assisti ao vídeo do Banco do Brasil, nem do Burger King. Apenas li as matérias e comentários publicados nas redes sociais. Nem fui atrás porque não interessa para o que aqui vou desenvolver, isto é, trata-se apenas de uma oportunidade para falar sobre alguns aspectos legais da propaganda comercial que comumente passam despercebidos. Antes de prosseguir, quero deixar claro que o anunciante tem todo o direito de escolher seu público alvo: jovens, adolescentes, idosos, solteiros e solteiras, casados e casadas, divorciados e divorciadas, homens, mulheres, empresários e empresárias, estudantes etc. Naturalmente, a escolha estará relacionada ao produto ou serviço oferecido, mas a escolha é de quem faz o anúncio. É legítimo e adequado que assim seja. Dito isso, falo agora de ética e da lei. Ética significa tomar a atitude correta, isto é, escolher a melhor ação a tomar ou conduta a seguir. Uma pessoa ética tem bom caráter, busca sempre fazer o bem a outrem. No sistema jurídico - necessariamente ético -, pode-se identificar uma série de fundamentos ligados à ética, tais como o da realização da Justiça e a boa-fé objetiva (uma regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas numa relação jurídica. Essa regra de conduta é composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros de lealdade e honestidade. Um standart, um modelo a ser seguido1). Muito bem. A liberdade de expressão é uma das mais importantes garantias constitucionais. Ela é um dos pilares da democracia. Falar, escrever, expressar-se é um direito assegurado a todos. Mas, esse direito, entre nós, não só não é absoluto, como sua garantia está mais atrelada ao direito de opinião ou àquilo que para os gregos na antiguidade era crença ou opinião ("doxa"). Essa forma de expressão aparece como oposição ao conhecimento, que corresponde ao verdadeiro e comprovado. A opinião ou crença é mero elemento subjetivo. A democracia dá guarida ao direito de opinar, palpitar, lançar a público o pensamento que se tem em toda sua subjetividade. Garante também a liberdade de criação. Mas, quando se trata de apontar fatos objetivos, descrever acontecimentos, prestar informações de serviços públicos ou oferecer produtos e serviços no mercado, há um limite ético que controla a liberdade de expressão. Esse limite é a verdade. Com efeito, por falar em Grécia antiga, repito o que diziam: "mentir é pensar uma coisa e dizer outra". A mentira é, pois, simples assim. Examinando essa afirmação, vê-se que mentir é algo consciente; é, pois, diferente do erro, do engano, que pressupõe desconhecimento (da verdade), confusão subjetiva do que se expressa ou distorção inocente dos fatos. Em nosso sistema jurídico temos leis que controlam, em alguns setores, a liberdade de expressão na sua realidade objetiva. Veja-se, por exemplo, a imposição para que a testemunha ao depor em Juízo fale a verdade. Do mesmo modo, os advogados e as partes têm o dever de lealdade processual, proibindo-se que intencionalmente a verdade dos fatos seja alterada, adulterada, diminuída, aumentada etc. Esse dever de lealdade ___ em todas as esferas: administrativa, civil, criminal etc. ___ é a ética fundamental da verdade imposta a todos. O mesmo se dá no regime de produção capitalista. Com base nos princípios éticos e normativos da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulou expressamente a informação e a publicidade enganosa, proibindo-a e tipificando-a como crime. No que diz respeito, pois, às relações jurídicas de consumo, a informação e a apresentação dos produtos e serviços, assim como os anúncios publicitários não podem faltar com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, de forma alguma, quer seja por afirmação quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para de maneira confusa ou ambígua iludir o destinatário do anúncio: o consumidor. A lei quer a verdade objetiva e comprovada e por isso, determina que o fornecedor mantenha comprovação dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Aproveito esse ponto para eliminar uma confusão corrente quando se trata de criação e verdade em matéria de relações de consumo: Não existe uma ampla garantia para a liberdade de criação e expressão em matéria de publicidade. O artista goza de uma garantia constitucional de criação para sua obra de arte, mas o publicitário não. Um anúncio publicitário é, em si, um produto realizado pelo publicitário ou coletivamente pelos empregados da agência. Sua razão de existir funda-se em algum produto ou serviço que se pretenda mostrar e/ou vender ou a uma marca que se quer divulgar. Dessa maneira, vê-se que a publicidade não é produção primária, mas instrumento de apresentação e/ou venda dessa produção. Ora, como a produção primária de produtos e serviços tem limites precisos na lei, por mais força de razão o anúncio que dela fala. Repito: a liberdade de criação e expressão da publicidade está limitada à ética que dá sustentação à lei. Por isso, não só não pode oferecer uma opinião (elemento subjetivo) como deve sempre falar e apresentar a verdade objetiva do produto e do serviço e suas maneiras de uso, consumo, suas limitações, seus riscos para o consumidor etc. Evidentemente, todas as frases, imagens, sons etc. do anúncio publicitário sofrem a mesma limitação. Além disso, é de considerar algo evidente: o anúncio será enganoso se o que foi afirmado não se concretizar. Se o fornecedor diz que o produto dura dois meses e em um ele está estragado, a publicidade é enganosa. Se apresenta o serviço com alta eficiência, mas o consumidor só recebe um mínimo de eficácia, o anúncio é, também, enganoso etc. Enfim, será enganoso sempre que afirmar algo que não corresponda à realidade do produto ou serviço de acordo com todas as suas características. As táticas e técnicas variam muito e todo dia surgem novas, engendradas em caros escritórios modernos onde se pensa frequentemente em como impingir produtos e serviços mesmo contra a real vontade do consumidor e também fazendo ofertas que nunca se efetivam. São os produtores da mentira desta sociedade capitalista com pouca ética. __________1 Consumidor, São Paulo: Saraiva, 13ª. Edição , 2019, Cap.9, item 6.9.
Hoje falarei mais uma vez da ganância, a sede de ganho sem limites. Fiquei preocupado com notícias de liberação dos preços, especialmente dos medicamentos. (Lembremos da catástrofe que foi a liberação da cobrança de bagagem pela Anac, que dizia que o preço das passagens aéreas cairia... Algo que aqui, na época, disse que era para inglês ver). Michael J. Sandel, no livro intitulado Justiça: o que é fazer a coisa certa, conta que, no verão de 2004, o furacão Charley invadiu o Golfo do México causando sérios danos à população da Flórida. A tempestade matou 22 pessoas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares1. No livro, Sandel diz que, após a passagem do destrutivo furacão, em "um posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de dois dólares passaram a ser vendidos por dez dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar-condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado. Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares, cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente"2. Esse tipo de conduta não é nova nem surpreendente e já se verificou no Brasil e em outros lugares do mundo inúmeras vezes. São práticas evidentemente odiosas, mas que apenas confirmam a mentalidade atrasada e as ações ilegais perpetradas por certos empresários e colocam à mostra defeitos terríveis da natureza humana. Daí que a ganância não é nova nem desconhecida. Aliás, é um dos sete pecados capitais como desdobramento da avareza3; trata-se de um vício humano, sempre combatido. Mas, o que chama a atenção no episódio do furacão na Flórida não é tanto a ganância, mas a incrível e aberta defesa feita por muitos economistas do ato ganancioso como elemento intrínseco do sistema e - pasme-se - positivo! Dentre os vários "teóricos de mercado" que fizeram esse tipo de defesa naquela oportunidade, refiro, por todos, o economista Thomas Sowell para quem o termo "extorsão", utilizado pelas vítimas dos comerciantes, não passava de uma "expressão emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais"4. Veja o que escreveu Sandel sobre a fala dele: "Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir e transportar mais. Não há nada injusto nesses preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem"5. Trata-se de um sofisma ridículo e pueril, pois obviamente os fabricantes de gelo somente se motivariam se o preço se mantivesse nas alturas de forma constante. No caso, o preço foi elevado excessivamente, fixado para um curto período de tempo e imposto contra consumidores desesperados. Esse tipo de argumento poderia passar despercebido, não fosse algo consistentemente defendido por diversos e diferentes setores empresariais e seus inúmeros asseclas "teóricos". Parece mesmo que uma característica desses últimos vinte, trinta anos na sociedade capitalista é a falta de vergonha na cara, do surgimento da possibilidade do "cara de pau" falar qualquer coisa. Defender a ganância é apenas um dos exemplos desse descaramento que pensa e propõe o mercado funcionando como um Deus capaz de tudo resolver. Aliás, e a propósito, é isso mesmo: na concepção cristã, como disse acima, a avareza é um dos sete pecados capitais porque o avarento (e na hipótese, o ganancioso) prefere os bens materiais ao convívio com Deus. Mas, no capitalismo selvagem atual faz sentido, na medida em que, como disse, o mercado funciona como um Deus. E é nesse aspecto, inclusive, que se tem usado a expressão "fundamentalismo de livre-mercado". Os estudiosos da sociedade capitalista têm dito e também demonstrado que o capitalismo da segunda metade do século XX para cá é eminentemente fundamentalista. É o chamado fundamentalismo de livre-mercado (do inglês free-market fundamentalism), expressão usada criticamente e que denota a injustificada e exagerada crença de que os mercados livres são capazes de propiciar a maior prosperidade possível e que qualquer interferência nos processos de mercado reduz o bem estar social. Ou seja, os livre-mercados seriam capazes de resolver, de per si, todos os problemas que afetam uma sociedade, o que, infelizmente, não corresponde aos fatos. Eis, pois, uma mostra de um dos aspectos mais perniciosos da sociedade capitalista contemporânea, que merece e precisa ser combatido. __________ 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8ª ed., 2012, p.11. 2 Ibidem, p.11. Como a Flórida tem uma lei para punir fornecedores que pratiquem preços abusivos, foram movidas muitas ações judiciais com condenações dos violadores. 3 Para lembrar: os sete pecados capitais são a gula, a avareza (e por extensão a ganância), a luxúria, a ira, a inveja, a preguiça e a soberba (orgulho ou vaidade). 4 Ibidem, p.12. 5 Ibidem, p. 12.  
A imprensa em geral e o mercado, mais uma vez, tratam a Petrobras e sua política de preços como se estatal fosse uma empresa privada que não deve e nem tem relação com os consumidores e a sociedade. Vale, pois, que esclareçamos alguns pontos jurídicos relevantes que não são levados em consideração. Inicialmente, lembro que a Petrobras não é uma empresa privada, que está no mercado para agir livremente obtendo o maior lucro possível a qualquer custo e independentemente das consequências de seus atos e estratégias. Não! Ela é uma empresa pública: uma sociedade de economia mista. E como tal, tem outros deveres, outras funções muito diversas, das que têm as empresas privadas. A sociedade de economia mista (SEM), como se sabe, integra a Administração Pública Indireta. Apesar disso, é, por força de lei, pessoa jurídica do direito privado sob a forma de Sociedade Anônima, regulada e estabelecida, pois, pela Lei das S.A. A SEM pode tanto explorar atividade econômica tipicamente privada de produção ou comercialização de produtos, como pode prestar serviços públicos. Mas isso não quer dizer que uma SEM -- a Petrobrás, por exemplo -- deva atuar no mercado como uma mera empresa privada, visando exclusivamente ao lucro, utilizando de métodos capitalistas tradicionais (e, muitas vezes, altamente reprováveis) apenas e tão somente por estar estabelecida como S.A. Seus limites estão estabelecidos no próprio texto constitucional. Com efeito, o caput do artigo 173 estabelece o imperativo de segurança nacional e de interesse coletivo: "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei." O § 1º do mesmo artigo, por sua vez, permite, como acima referi, a exploração da atividade privada e a da prestação de serviços públicos: "§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:..." Também como afirmei, a SEM tem características de pessoa jurídica de direito privado, o que está firmado no inciso II desse mesmo § 1º: "II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;" Todavia, a SEM mantém características próprias das pessoas jurídicas de direito público, tais como a fiscalização pelo Estado e pela sociedade, além da exigência de licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações de bens, conforme fixado nos incisos I e III do mesmo §: "I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;" Além disso, ela deve se valer de concursos públicos para contratação de seus empregados (art. 37, incisos I e II da CF). Muito bem. É preciso admitir que algo tão importante como o preço dos combustíveis deve ser estabelecido não apenas com os problemas enfrentados no momento presente, mas também levando-se em consideração as consequências futuras. Não parece um equilíbrio fácil de se obter, mas que deve ser buscado de algum modo. Naturalmente, não estou dizendo que a SEM pode ser usada para fins diversos daqueles para os quais foi criada. Ao contrário, quando isso ocorre, trata-se de abuso de direito. Esse abuso é caracterizado, por exemplo, quando o acionista controlador, valendo-se de sua posição privilegiada, busca atingir objetivo estranho ao do objetivo legal estabelecido na empresa. Nesse caso, há desvio de finalidade. Há também abuso no exercício do poder, quando são ultrapassados os limites impostos por seu fim econômico ou social ou mesmo quando há violação ao princípio da boa-fé objetiva e até aos bons costumes. Mas, veja-se bem. Se, de um lado, há desvio ilegal quando o acionista controlador esquece que a SEM é uma empresa privada com fins econômicos específicos e somente age em função do bem comum ou social, de outro, a busca apenas do lucro como se fosse uma empresa privada comum é também um desvio ilegal. É do equilíbrio entre essas duas situações, legalmente estabelecidas, que se pode identificar uma boa e correta administração de uma SEM. Esse deve ser o objetivo da administração de uma Sociedade de Economia Mista: estabelecer de forma clara e equilibrada a relação entre o interesse público e o privado. Aliás, se é para agir como se a SEM fosse uma empresa privada comum, ter-se-ia que, antes, alterar o texto constitucional. Quem diz que uma empresa como a Petrobrás pode agir sem esse freio legal, desconhece ou desconsidera as normas existentes. Sei, claro, que não é fácil obter esse equilíbrio entre o interesse público e o privado, mas pergunto: não é por isso que os dirigentes dessas empresas ganham vultosos salários? Para fazer jus aos polpudos vencimentos, não devem, eles, cumprir os comandos legais?
Certa vez, quando eu ainda estava na ativa no Tribunal, julgamos um feito em que o consumidor reclamava de abusos praticados por um prestador de serviço. Examinando o contrato firmado, encontramos uma cláusula contratual, que era uma verdadeira pérola jurídica. Estava escrito: "Aplica-se ao presente contrato o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). Parágrafo único. No eventual conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e as cláusulas aqui estabelecidas, prevalecem as cláusulas". Pode? Bem, infelizmente, cláusulas abusivas desse tipo são encontradas em todos os setores do mercado de consumo. Claro que a maior parte delas não é tão escancarada, mas são comuns e em grande quantidade. E sua ocorrência regular está ligada exatamente ao fato de que o consumidor não negocia nem consegue impor sua vontade representada em cláusulas porque, em matéria de consumo, como regra, não vige o sistema privatista do conhecido brocardo latino pacta sunt servanda. Uma lei de proteção ao consumidor pressupõe entender a sociedade a que nós pertencemos. E, como se sabe, vivemos numa sociedade de massa. Dentre as várias características desse modelo, destaco uma que interessa aqui: a produção é planejada unilateralmente pelo fornecedor no seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de pessoas. A ideia é ter um custo inicial para fabricar certo produto ou prestar certo serviço, e depois reproduzi-lo em série. Assim, por exemplo, planeja-se uma caneta esferográfica única e se a reproduz milhares, milhões de vezes. Quando a montadora resolve produzir um automóvel, gasta certa quantia em dinheiro na criação de um único modelo, e depois o reproduz milhares de vezes, o que baixa o custo final de cada veículo, permitindo que o preço de varejo possa ser acessível a um maior número de pessoas. Esse modelo de produção industrial, que é o da sociedade capitalista contemporânea, pressupõe planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do produtor, do prestador do serviço etc. Ora, esse planejamento unilateral tinha de vir acompanhado de um modelo contratual. E este acabou por ter as mesmas características da produção. Aliás, já no começo do século XX, o contrato era planejado da mesma forma que a produção. Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Na verdade, quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes. Ou, no exemplo das instituições financeiras, milhões de vezes. Esse padrão é, então, o de um modelo contratual no qual se supõe que, aquele que produz um produto ou um serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado pela Lei n. 8.078 de contrato de adesão. Lembre-se, por isso, que a primeira lei brasileira que tratou da questão foi exatamente o Código de Defesa do Consumidor no seu art. 54. E por que o contrato é de adesão? Ele é de adesão por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele não discute o conteúdo das cláusulas adredemente redigidas. Para comprar produtos e serviços, o consumidor só pode examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. Este é o modo de produção de produtos e serviços de massa do século XX. Só que nós aplicamos, no caso brasileiro, até 10 de março de 1991, o Código Civil às relações jurídicas de consumo, e isto gerou problemas sérios para a compreensão da própria sociedade. Passamos a interpretar as relações jurídicas de consumo e os contratos com base na lei civil, inadequada para tanto, e como isso se deu até a penúltima década do século XX, ainda temos algumas dificuldades em entender o CDC em todos os seus aspectos. E, nessa questão contratual, nossa memória privatista impõe que, muitas vezes ao lermos o contrato, pensemos pacta sunt servanda, posto que no direito civil essa é uma das características contratuais, com fundamento na autonomia da vontade. Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Na verdade, o consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços postos e ofertados segundo regramentos que o CDC passou a controlar, e de forma inteligente. Repito, pois, para finalizar e lutando contra nossa equivocada memória: em contrato de consumo deve-se esquecer o brocardo pacta sunt servanda.
Para se compreender o significado de prática abusiva, é necessário que antes pensemos na questão do abuso do direito. O abuso do direito Com efeito, a ideia da abusividade tem relação com a doutrina do abuso do direito. A constatação de que o titular de um direito subjetivo pode dele abusar no seu exercício acabou levando o legislador a tipificar certas ações como abusivas1. A prática real do exercício dos vários direitos subjetivos acabou demonstrando que, em alguns casos, não havia ato ilícito, mas era o próprio exercício do direito em si que se caracterizava como abusivo. A teoria do abuso do direito, então, ganhou força e acabou preponderando. Pode-se definir o abuso do direito como o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular2. Assim, por exemplo, abusa do direito o patrão que ameaça mandar embora o empregado sem justa causa caso ele não se comporte de certa forma3. A legislação brasileira, adotando a doutrina do abuso do direito, acabou regulando uma série de ações e condutas que outrora eram tidas como práticas abusivas. E o exemplo próprio disso são as normas do CDC, que proíbem o abuso e nulificam cláusulas contratuais abusivas. A abusividade do exercício do direito, transformada pela lei 8.078 em norma tipificada com conduta ilícita aparece em várias seções. Práticas abusivas em geral A lei 8.078 tratou especificamente de regular as práticas abusivas em três artigos: 39, 40 e 41. Mas apenas no art. 39 as práticas que se pretendem coibir, e que lá são elencadas exemplificativamente, são mesmo abusivas. O art. 40 regula o orçamento e o art. 41 trata de preços tabelados. É claro que a não entrega do orçamento e a violação do sistema de preços controlados são também consideradas práticas abusivas. Porém, a organização do texto não foi muito boa. A rigor, as chamadas práticas abusivas previstas no art. 39 têm apenas um elenco mínimo ali estampado. Há outras espalhadas pelo CDC. Por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso do direito (art. 28), a cobrança constrangedora (que é regulada no art. 42, c/c o art. 71), a "negativação" nos serviços de proteção ao crédito de maneira indevida (que o art. 43 regulamenta), o anúncio abusivo e enganoso, previsto nos parágrafos do art. 37 etc. Práticas abusivas objetivamente consideradas As chamadas "práticas abusivas" são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico. Assim, para utilizarmos um exemplo bastante conhecido, se um consumidor qualquer ficar satisfeito por ter recebido em casa um cartão de crédito sem ter pedido, essa concreta aceitação sua não elide a abusividade da prática (que está expressamente prevista no inciso III do art. 39). A lei tacha a prática de abusiva, portanto, sem que, necessariamente, seja preciso constatar-se algum dano real. Práticas abusivas pré, pós e contratuais As chamadas práticas abusivas podem ser classificadas em "pré-contratuais", que, como o próprio nome diz, surgem antes de firmar-se o contrato de consumo, como aquelas que compõem a oferta ou a ação do fornecedor que pretende vincular o consumidor. No primeiro caso estão, por exemplo, a prática ilícita de condicionar o fornecimento de algum produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço, conhecida como operação casada4. Na segunda hipótese está, por exemplo, o envio do cartão de crédito sem que o consumidor tenha pedido, acima comentado. A prática "pós-contratual" surge como ato do fornecedor por conta de um contrato de consumo preexistente. Como exemplo, tome-se a "negativação" indevida nos serviços de proteção ao crédito. E a "contratual" é aquela ligada ao conteúdo expresso ou implícito das cláusulas estabelecidas no contrato de consumo. Tomem-se como exemplo todas as hipóteses de nulidade previstas no art. 51 e a do inciso IX do art. 39, que dispõe como abusiva a não estipulação de prazo para o cumprimento da obrigação pelo fornecedor. __________ 1 No CDC isso vai refletir-se também no contrato, pois a lei tacha de nulas as cláusulas contratuais abusivas. 2 O conceito de abuso do direito permitiu-me classificá-lo ao lado dos atos ilícitos no meu Manual de introdução ao estudo do direito (São Paulo: Saraiva, 16ª. Edição, 2019) nos seguintes termos: "De qualquer forma, preferimos situar o 'abuso do direito' numa posição ao lado do ato ilícito, mas com ele não se confundindo, porque o ato ilícito é figura típica, reconhecida pelo ordenamento jurídico, como tal. Já o 'abuso' não é propriamente caracterizado pelo ordenamento jurídico, mas sim pelo exercício irregular de fato, concreto, de um direito, este reconhecido pelo ordenamento como direito. É, portanto, o exercício irregular que pode caracterizar o abuso do direito, que no ordenamento é regular. No caso do ato ilícito, a ilicitude já estava antes prevista como proibida e condenável". 3 Claro que a hipótese pode ser capaz de gerar "despedida indireta". Mas o abuso nasce daí, do fato de o empregado não querer perder o emprego e por isso não se utilizar do recurso da despedida indireta. 4 E prevista no inciso I do art. 39.
quinta-feira, 28 de março de 2019

O recall no Código de Defesa do Consumidor

O § 1º do art. 10 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) cuida do chamado recall, nesses termos: "Art. 10. (...) § 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários". O recall começou a funcionar, de fato, no Brasil, especialmente após a edição da lei 8.078/90. Por meio desse instrumento, a norma protecionista pretende que o fornecedor impeça ou procure impedir, ainda que tardiamente, que o consumidor sofra algum dano ou perda em função de vício que o produto ou o serviço tenha apresentado após sua comercialização. Essa regra legal tem um alvo evidente. Trata-se das produções em série. Após gerar determinado produto, por exemplo, um automóvel, o fabricante constata que um componente apresenta vício capaz de comprometer a segurança do veículo. Esse componente, digamos, um amortecedor, que é o mesmo modelo instalado em toda uma série de 1.000 automóveis que saiu da montadora, apresentou problema de funcionamento, e, por ter origem no mesmo lote advindo do seu fabricante (isto é, do fabricante do amortecedor), tem grande probabilidade de repetir o problema nos automóveis já colocados no mercado. Então, esses veículos vendidos devem ser "chamados de volta" (recall) para ser consertados. Modos de efetuar o "recall" Para efetivar o recall, o fornecedor deve utilizar-se de todos os meios de comunicação disponíveis e, claro, com despesas correndo por sua conta. É o que dispõe o § 2º do mesmo art. 10: "§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço". Correto. Mas não basta. É preciso fazer uma interpretação extensiva do texto para cumprir seu objetivo. Assim, utilizando-se o mesmo exemplo acima, dos amortecedores, se os veículos são zero-quilômetro, as concessionárias que os venderam têm registro, nas notas fiscais, dos endereços dos compradores. Nada mais natural, portanto, que as montadoras chamem os consumidores por correspondência, telegrama, telefonema, mensageiros etc. Além disso, o recall deve ser anunciado via rede social e ser inserido no site do fornecedor. Então, deve-se entender que o sentido desejado no § 2º é o de amplamente obrigar o fornecedor a encontrar o consumidor que adquiriu seu produto ou serviço criado para que o vício seja sanado. E se o consumidor não for encontrado? A questão que se coloca é a seguinte. Se a função do recall é permitir que o vício do produto ou do serviço seja sanado, e, para tanto, o consumidor é chamado, pergunta-se: o fornecedor continua responsável por eventuais acidentes de consumo causados pelo vício não sanado, pelo fato de o consumidor não ter atendido ao chamado? A resposta é sim. Como a responsabilidade do fornecedor é objetiva, não se tem que arguir de sua atitude correta ou não em fazer o recall. Havendo dano, o fornecedor responde pela incidência das regras instituídas nos artigos 12 a 14 do CDC. E, como está lá estabelecido, não há, no caso, excludente da responsabilização. A que mais se aproxima é a da demonstração da culpa exclusiva do consumidor (artigos 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II). Todavia, como é o fornecedor que assume riscos e não o consumidor, havendo dano nessa hipótese, o que se verifica é a culpa concorrente do consumidor.  
Está bombando nas redes sociais uma publicidade feita pela empresa de investimentos Empiricus Research. Nela uma moça se apresenta e diz: "Oi. Meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e 1 milhão e 42 mil reais de patrimônio acumulado".E ela diz mais: "Eu comprei ações na bolsa de valores". Depois complementa falando de sua trajetória no mundo das finanças, que começou com R$ 1.520,00 e chegou ao patrimônio atual após apenas três anos. E, claro, pede que o consumidor a acompanhe para fazer investimentos na empresa de consultoria.A jovem do vídeo é Bettina Rudolph, que trabalha na equipe da consultoria de investimentos. E, segundo se lê na internet, o CEO da empresa disse que a história que ela relata no vídeo é real. Nas redes sociais percebe-se que muitas pessoas não acreditaram no anúncio publicitário e passaram a fazer comentários jocosos e agressivos contra a protagonista.Não entrarei na discussão dos comentários das pessoas, mas faço questão de colocar o que me chamou a atenção: o da existência ou não de publicidade enganosa no caso. A matéria, como se sabe, é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A publicidade enganosa é tratada nos §§ 1º e 3º do art. 37.Ampla garantiaO CDC foi exaustivo e bastante amplo na conceituação do que vem a ser publicidade enganosa. Ele quis garantir que efetivamente o consumidor não seria enganado por uma mentira nem por uma "meia verdade".Com efeito, diz a lei que é "enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, das características, da qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem, do preço e de quaisquer outros dados a respeito dos produtos e serviços oferecidos." (§ 1º do art. 37).Diz mais que "a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço" (§ 2º do art. 37).Logo, o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponda à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou, ainda, a sua garantia etc. O consumidor enganado leva, como se diz, "gato por lebre". Pensa que está numa situação, mas, de fato, está em outra.As formas de enganar variam muito, uma vez que nessa área os fornecedores e seus publicitários são muito criativos. Usa-se de impacto visual para iludir, de frases de efeito para esconder, de afirmações parcialmente verdadeiras para enganar e de promessas para brincar com os sonhos e esperanças do consumidor. O publicitário sabe invocar o que faz o público aderir à alguma proposta.Pergunto agora: Bettina mente? Isto é, a empresa Empiricus mente? O depoimento é feito num anúncio publicitário em que a moça representa a empresa e oferece a assessoria da consultoria de investimentos para que o consumidor com um pouco de dinheiro possa obter rapidamente mais de um milhão reais.Bem, ao que parece, pelo menos boa parte do público duvidou de Bettina e também alguns especialistas em investimentos1. Eu também não acreditei. Mas, como saber?Então, se há essa dúvida, penso que os órgãos de defesa do consumidor, o Ministério Público ou mesmo o Conar podem cobrar da empresa a prova de que fala a verdade. O CDC, nesse ponto, também regulou o assunto. Leia-se o artigo 38:"Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina".Logo, não há o que discutir. Em qualquer disputa na qual se ponha em dúvida ou se alegue enganosidade do anúncio, caberá ao anunciante o ônus de provar o inverso, sob pena de dar validade ao outro argumento.Além disso, lembro da regra do parágrafo único do art. 36, que compõe um conjunto com esta outra do art. 38. Aquela norma dispõe que "o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem".Observe-se que a lei estabelece que não basta veicular a verdade. É ainda necessário que a prova da verdade da informação veiculada seja mantida em arquivo para eventual averiguação e checagem.E o CDC dá tanta importância à questão que criou tipo penal para a oferta de publicidade enganosa e também para punição pelo não cumprimento das determinações do parágrafo único do artigo 36. É o que dispõem os artigos 67 e 69:"Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa""Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa".Apesar desse rigor, o fato é que a norma tem um duplo sentido protetor. Pretende proteger o consumidor, mas também garante o fornecedor-anunciante.Protege o consumidor porque ele ou seus legítimos representantes, querendo e havendo motivo justificado, poderão requerer a confirmação dos dados anunciados, o que é exatamente o caso deste anúncio da Empiricus.Garante o fornecedor, pois, arquivando e mantendo consigo os dados técnicos que deram sustentação ao anúncio, não poderá ser acusado de prática de publicidade enganosa, porquanto terá como provar que falou a verdade.Assim, usando o próprio exemplo do depoimento feito no anúncio: basta provar que a depoente aplicou alguns trocados e em alguns meses passou a ter mais de um milhão de reais.__________1 Por exemplo, Samy Dana.
Hojé é o dia mundial dos direitos do consumidor. No dia 15 de março de 1962 o então presidente dos Estados Unidos da América, John Kennedy, enviou uma mensagem ao Congresso Americano tratando da proteção dos interesses e direitos dos consumidores. Foi um marco fundamental do nascimento dos chamados direitos dos consumidores e que causou grande impacto nos EUA e no resto do mundo. Na mensagem foram estabelecidos quatro pontos básicos de garantia aos consumidores: a) o do direito à segurança ou proteção contra a comercialização de produtos perigosos à saúde e à vida; b) o do direito à informação, incluindo os aspectos gerais da propaganda e o da obrigatoriedade do fornecimento de informações sobre os produtos e sua utilização; c) o do direito à opção, no combate aos monopólios e oligopólios e na defesa da concorrência e da competitividade como fatores favoráveis ao consumidor; d) e o do direito a ser ouvido na elaboração das políticas públicas que sejam de seu interesse. O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor foi instituído no dia 15 de março em homenagem ao presidente Kennedy; inicialmente foi comemorado em 15 de março de 1983; em 1985 a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) adotou os Direitos do Consumidor como Diretrizes das Nações Unidas, o que lhe deu legitimidade e reconhecimento internacional. Não resta dúvida que, de 1962 para cá houve um avanço na proteção ao consumidor em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. No nosso caso, a verdadeira proteção surgiu com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 11/9/1990 (e que entrou em vigor em 11/3/1991). É mesmo importante que se comemore esta data. Mas, falta ainda muito para que a batalha pelos direitos dos consumidores esteja ganha. Aproveitemos, então, este dia para fazer uma reflexão a partir de certos fatos. Sempre que me deparo com abusos perpetrado pelas empresas, me vem a mente não só a imagem do empresário aproveitador, mas também a do funcionário que executa suas ordens. Esse mesmo empregado, que sabe muito bem que está abusando de alguém, ele próprio é também consumidor e certamente será enganado em algum lugar: numa loja, pelo serviço de transporte ou telefônico, por um gerente de um banco etc. É, podemos dizer, uma falta de consciência de que todos somos consumidores. É essa falta de consciência que faz com que no telemarketing ativo o atendente viole a tranquilidade do consumidor em seu lar e, muitas vezes, o engane com ofertas miraculosas; ou no telemarketing passivo, quando o atendente nega-se a fazer o cancelamento solicitado etc. A ironia é que neste mercado que só conhece o lucro, todos esses "pequenos infratores" a mando de seus patrões violam o direito de outras pessoas no horário de seu trabalho, mas assim que vão às compras são também enganados e violados É por essas e outras que os consumeristas têm defendido que o mercado de consumo precisa ser mais diretamente controlado pelo Estado, posto que se deixado à própria sorte os abusos contra os consumidores existirão sempre em grandes quantidades. Para ficarmos apenas com um exemplo: o da crise financeira internacional de 2008. Ficou demonstrado como é perigoso para toda a sociedade (mundial!) deixar que os próprios operadores criem as regras de trabalho. O capitalismo contemporâneo exige vigilância sobre os procedimentos e observância estrita do cumprimento das normas já existentes. Não é possível mais acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de "lei" natural que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: o empresário moderno e as grandes corporações que ele dirige quer, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso ele tenha que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços. Há esperança? Já comentei por aqui, que vejo com bons olhos os empresários que se preocupam com a questão ambiental, com o impacto que seus produtos e serviços tem na sociedade, que se envolvem em projetos sociais etc. Tudo isso é bem-vindo, mas penso que para melhorar mais é necessário que o consumidor possa e saiba escolher os produtos e serviços que adquire e que o Estado tenha regras rígidas de controle do sistema de produção capitalista, fazendo com a lei seja cumprida.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC-lei 8.078/90), em termos conceituais, estabeleceu uma confusão ao pretender, como fez, utilizar dois termos distintos: "defeito" e "vício". Os defeitos são tratados nos arts. 12 a 14 e os vícios nos arts. 18 a 20. Para entender "defeito" no CDC é necessário antes conhecer o sentido de "vício". Vício O termo "vício" lembra vício redibitório, instituto do direito civil que tem com ele alguma semelhança na condição de vício oculto, mas com ele não se confunde. Até porque é regra própria do sistema do CDC. São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. Os vícios, portanto, são os problemas que, por exemplo: a) fazem com que o produto não funcione adequadamente, como um liquidificador que não gira; b) fazem com que o produto funcione mal, como a televisão sem som, o automóvel que "morre" toda hora etc.; c) diminuam o valor do produto, como riscos na lataria do automóvel, mancha num vestido ou num terno etc.; d) não estejam de acordo com informações, como o vidro de mel de 500 ml que só tem 400 ml; o saco de 5 kg de açúcar que só tem 4,8 kg; o caderno de 200 páginas que só tem 180 etc.; e) façam os serviços apresentarem características com funcionamento insuficiente ou inadequado, como o serviço de desentupimento que no dia seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de bagagem no transporte aéreo etc. Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. Os aparentes ou de fácil constatação, como o próprio nome diz, são aqueles que aparecem no singelo uso e consumo do produto (ou serviço). Ocultos são aqueles que só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária. Defeito O defeito, por sua vez, pressupõe o vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago - já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral e/ou estético e/ou à imagem do consumidor. Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, é mais devastador. Temos, então, que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou do serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico mais amplo (seja moral, material, estético ou da imagem). Por isso, somente se fala propriamente em acidente, e, no caso, acidente de consumo, na hipótese de defeito, pois é aí que o consumidor é atingido1. Vejamos agora dois exemplos que elucidam a diferença entre vício e defeito. Exemplo 1 Dois consumidores vão à concessionária receber seu automóvel zero-quilômetro. Ambos saem dirigindo seu veículo alegremente. Os consumidores não sabem, mas o sistema de freios veio com problema de fábrica. Aquele que sai na frente passa a primeira esquina e segue viagem. No meio do quarteirão seguinte, pisa no breque e este não funciona. Vai, então, reduzindo as marchas e com sorte consegue parar o carro encostando-o numa guia. O segundo, com menos sorte, ao atingir a primeira esquina, depara com o semáforo no vermelho. Pisa no breque, mas este não funciona. O carro passa e se choca com outro veículo, causando danos em ambos os carros. O primeiro caso, como o problema está só no freio do veículo, é de vício. No segundo, como foi além do freio do veículo, causando danos não só em outras áreas do próprio automóvel como no veículo de terceiros, trata-se de defeito. Exemplo 2 Um consumidor compra uma caixinha longa-vida de creme de leite. Ao chegar em casa, abre-a e vê que o produto está embolorado. É vício, pura e simplesmente. Outro compra o mesmo creme de leite. Abre a caixa em casa, mas o faz com um corte lateral. Prepara um delicioso strogonoff e serve para a família. Todos têm de ser hospitalizados, com infecção estomacal. É caso de defeito. É, portanto, pelo efeito e pelo resultado extrínseco causado pelo problema que se poderá detectar o defeito. Conclusão Por fim, lembro que o CDC trata vício de maneira muito diferente de defeito, inclusive no que respeita ao agente que pode ser responsabilizado, aos prazos etc. E o chamado acidente de consumo, naturalmente, está relacionado com o defeito, sendo mais devastador e podendo atingir terceiros que não participavam da relação de consumo como no caso relatado no exemplo 1 acima ou, num outro exemplo, como ocorre numa queda de um avião sobre casas ao redor do aeroporto etc. __________ 1 Seria mais adequado dizer "mais atingido", porque, quando há vício, o consumidor já é afetado de alguma maneira, ainda que apenas no aspecto patrimonial do preço pago pelo produto ou serviço viciado.
Não é a primeira vez que escrevo sobre este tema. Gostaria que fosse a última, mas tudo indica que em nosso querido Brasil tudo se repetirá. Infelizmente e para usar uma expressão significativa, está "tudo como dantes no quartel de Abrantes". Todo início de ano, temos assistido a uma série de situações parecidas e repetidas: as chuvas causam estragos e fazem vítimas, feridos e mortos, em dezenas de localidades brasileiras; grande parte dessas catástrofes é previsível. E para piorar as coisas, neste início de ano ainda tivemos a tragédia do rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho e o incêndio no alojamento dos jovens jogadores do Flamengo dentre outras más notícias. Na verdade, essa situação já passou dos limites faz tempo! Volto ao tema que envolve os acontecimentos envolvendo o drama das pessoas nos alagamentos, deslizamentos de terras, quedas de barreiras, destruição de imóveis etc. Os mais recentes episódios deram-se no Rio de Janeiro e na cidade de Mauá. Do ponto de vista jurídico, a questão principal da responsabilidade civil do Estado não envolve diretamente o direito do consumidor - embora indiretamente sim, na questão da prestação dos serviços públicos essenciais. Mas, faço questão de apresentar, na sequência, um resumo dos direitos das pessoas afetadas e da responsabilidade dos agentes públicos, sempre na esperança de que, um dia, no futuro, este mesmo destino insólito possa vir a ser modificado. O brasileiro não precisa ser um herói que não suplante seu trágico destino nem uma vítima de um Estado inoperante que conhece o futuro, mas se omite nas providências que devia tomar para modificá-lo. A responsabilidade do Estado no caso de acidentes naturais derivados de enchentes e desmoronamentos As várias tragédias relativas a inundações provocadas por chuvas regulares e previsíveis, assim como por aquelas extraordinárias e também os desmoronamentos de encostas, prédios, casas e o soterramento de pessoas gerando centenas de mortos e feridos, são eventos de tamanha gravidade que, pode-se dizer, passou muito da hora da tomada de posição séria pelas autoridades no que diz respeito à ocupação do solo e às necessárias ações preventivas visando à segurança das pessoas e de seu patrimônio. De nada adianta ficar simplesmente acusando as vítimas depois das ocorrências, eis que, certo ou errado, elas já estavam vivendo nos locais conhecidos abertamente. Afinal, as pessoas precisam morar em algum lugar. É verdade que, quando surgem eventos climáticos não previstos, como, por exemplo, chuvas caindo em quantidade nunca vistas, acaba sendo possível justificar a tragédia por força do evento natural. Mas, naqueles casos em que os eventos climáticos são corriqueiros, ocorrem na mesma frequência anual e em quantidades conhecidas de forma antecipada e também nas situações em que a ocupação do solo feita de forma irregular permitia prever a catástrofe, o Estado é responsável pelos danos e deve indenizar as vítimas e familiares. A legislação brasileira é clara a respeito. Faço, pois, na sequência, um resumo dos direitos envolvidos. Responsabilidade civil objetiva A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme parágrafo 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis. Anoto que, quando se fala em ação do agente público, isto é, conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder de polícia estatal. Nessa hipótese, então, a responsabilidade tem origem na falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de fiscalização adequada e/ou realização de obra considerada indispensável para evitar o dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza ou outro evento qualquer ou, ainda, interdição do local etc. Muito bem. Em todos esses casos de inundações, desmoronamentos, soterramentos etc. causando a morte e lesando centenas de pessoas o Estado será responsabilizado se ficar demonstrado que ele foi omisso nas ações preventivas que deveria ter tomado. Se, de fato, os agentes públicos deveriam ter agido para evitar as tragédias e não o fizeram, há responsabilidade. Tem-se que apenas demonstrar que a omissão não impediu o dano, vale dizer, a vítima ou seus familiares (em caso de morte) devem demonstrar o dano e a omissão para ter direito ao recebimento de indenização. Caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima Antes de prosseguir, lembro que o Estado não responderá nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiros. No entanto, os eventos da natureza que se caracterizam como fortuito são os imprevisíveis, tais como terremotos e maremotos e até mesmo chuvas e tempestades, mas desde que estas ocorram fora do padrão sazonal e conhecido pelos meteorologistas. Reforço esse último aspecto: chuvas sazonais em quantidades previsíveis não constituem caso fortuito porque as autoridades podem tomar as devidas cautelas para evitar ou, ao menos, minimizar os eventuais danos. A força maior, como é sabido, é definida como o evento que não se pode impedir, como por exemplo, a eclosão de uma guerra. E a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, como a própria expressão contempla, é causa excludente da responsabilidade estatal porque elimina o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do Estado. Aqui dou ênfase ao que importa: a exclusão do nexo e, consequentemente, da responsabilidade de indenizar nasce da exclusividade da culpa da vítima ou do terceiro. Se a culpa da vítima for concorrente, ainda assim o Estado responde, embora, nesse caso, deva ser levado em consideração o grau da culpa da vítima para fixar-se indenização em valor proporcional. Para concluir, lembro que a indenização há de ser plena com ressarcimentos dos danos materiais, pagamentos de pensões, além de indenizações por danos morais e, claro, o acolhimento das pessoas desalojadas, atendimentos médicos e hospitalares e qualquer outro tipo de necessidade de urgência.
Não é a primeira vez que trato deste assunto que, infelizmente, é básico na sociedade capitalista: o das mentiras e toda sorte de enganações perpetradas por muitos fabricantes, produtores, industriais, comerciantes, enfim, fornecedores em geral. Veja isto, meu caro leitor. Meu amigo Outrem Ego que contou. A filha dele pediu que ele comprasse ingresso para um show de um cantor internacional. Ele entrou em dois sites de vendas. Chamou a atenção que o site dizia em letras garrafais algo como: "há poucos ingressos à venda"; "Lembre-se de que foram vendidos 68 ingressos recentemente. Complete sua compra e não fique sem o seu!"; "compre já antes que se esgotem os ingressos" etc. Sua filha não estava por perto e ele acabou não adquirindo o ingresso. E por uma série de problemas de tempo e trabalho, passou uma semana sem que ele o fizesse. Então, sua filha surgiu esbaforida dizendo que os ingressos estavam esgotados (essa era a informação lançada nas redes sociais). Outrem Ego foi ao site e viu que estava tudo igual. Com as mesmas ofertas e informações "para pressionar" o comprador. Bem, ele acabou comprando. Seguindo as informações de meu amigo (uma semana após a compra que ele fez e quinze dias depois da primeira vez que ele olhou no site) eu mesmo fui ver as ofertas. Estava tudo lá: ingressos se esgotando, compre já etc.. Nota: estamos em fevereiro e o show será só em novembro. Naturalmente, não cuidarei do fato de que, algum dia os ingressos se esgotarão. Quero falar da informação verdadeira, da atitude correta que deveria pautar a conduta dos fornecedores. Como acreditar no que dizem? Pensemos num caso mais grave: o da Vale do Rio Doce em Brumadinho. O que se espera é que uma empresa daquele porte faça de tudo para que seu negócio dê certo, com rentabilidade e sem colocar em risco a vida das pessoas e preservando o meio ambiente. Daí, surge o acidente: como se poderá acreditar que estava tudo em ordem e que não havia economia no item segurança? Vendo algumas matérias sobre aquele tipo de atividade, viu-se, por exemplo, que é possível fazer-se mais de um tipo de barragem e lá se optou pela mais barata1. É isso mesmo? Fizeram economia na segurança visando unicamente o lucro? Nesta sociedade capitalista, não se pode acreditar no que é dito e até mostrado? Está cada dia mais difícil! De há muito tempo que os consumeristas descobriram que um dos fundamentos da sociedade de consumo é a mentira. Largos setores empresariais são desonestos na relação com seus clientes. Não há, claro, nenhuma novidade nisso. Quem conhece um pouco de história do comércio, da indústria, da economia etc. sabe muito bem que os segredos, as artimanhas, os conchavos, os acertos escusos etc. são a base da produção e distribuição de produtos e serviços. Falta transparência. Como diria Sócrates que aqui já referi, "mentir é pensar uma coisa e dizer outra". Parafraseando-o, posso dizer que no processo de produção capitalista se faz muita coisa mas se mostra outra diferente. Uma questão intrigante é a atitude de uma parcela de consumidores diante das mentiras - às vezes insultuosas --: a da aquiescência pueril; aceitam o falso sem senso crítico, apenas porque ele tornou-se banal ou é bem produzido, bem comunicado ou apresentado por alguém que detém autoridade. O consumidor, ansioso e ávido para comprar torna-se fácil vítima da enganação. Aceita a mentira porque lhe soa cômoda ou está de acordo com seu próprio interesse ou, ainda, porque não desenvolveu senso crítico capaz de percebê-la. Chama a atenção, também, a ação dos empregados e colaboradores desses fornecedores: são eles, muitas vezes, os propagadores da enganação. E, certamente, sabem o que estão fazendo. Ficarei ainda com o exemplo de meu amigo. Como já contei aqui, ele já morou em Portugal, onde mantém um imóvel. Muito bem. Quando lá esteve, fez um seguro residencial. A empresa cobra um valor mensal. Não é que ele já tentou por três vezes cancelar o seguro e não consegue? Ele telefona (e do Brasil), o atendente é simpático e pergunta do que se trata. Quando ele diz que quer cancelar o serviço, o atendente diz que vai passar para o setor competente e o coloca numa "fila" que nunca termina. Da última vez, ele reclamou e a atendente - que era brasileira, como ele percebeu pelo sotaque - disse que o pessoal que cancela o serviço iria ligar para ele, pois a fila era longa. Ele ainda está aguardando... Desafortunadamente, esse é o modelo adotado por muitos fornecedores. É por essas e outras que o mercado não pode ficar totalmente livre. Ainda quando há concorrência, os fornecedores se comportam melhor, mas quando ela não existe ou é pequena, os abusos se multiplicam. Não tem jeito: o Estado tem que vigiar, fiscalizar e punir. E os consumidores têm que reclamar e processar. __________ 1 Ver aqui as diferenças.
Como há muito tempo não cuido de questões jurídicas da área do trabalho, só agora, quando fui verificar alguns aspectos envolvendo os trabalhadores da Vale do Rio Doce no caso da tragédia de Brumadinho, é que vi que na reforma trabalhista feita pela lei 13.467/17, existem regras para a fixação da indenização por danos morais, e indicando como referência o salário do trabalhador, algo que, pelo que penso, é inconstitucional. Explico. O questão da indenização por dano moral no Brasil tem gerado uma série de avaliações tanto na doutrina como na jurisprudência. Eu mesmo escrevi várias vezes sobre o assunto, que está apresentado em detalhes em alguns dos meus livros1. Para o presente artigo, o que importa é um dos critérios fixados na lei da reforma trabalhista: o da determinação do valor da indenização em função do salário do trabalhador. Vejamos o que diz a lei na regulação da apuração e da fixação da indenização do dano moral: "Art. 223-G - Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa. § 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido." (Norma incluída na CLT pela Lei nº 13.467, de 13-7-2017) - Grifei. Não abordarei a questão dos critérios que devem ser levados em conta pelo magistrado para a fixação do valor da indenização (que, aliás, estão em sintonia com a posição doutrinária e jurisprudencial). O problema, como antecipei, está na fixação do salário do ofendido prevista no §1º da norma. Ora, o que é dano moral? Lembre-se que a palavra "dano" significa estrago; é uma danificação sofrida por alguém, causando-lhe prejuízo. Implica, necessariamente, a diminuição do patrimônio da pessoa lesada. Moral, pode-se dizer, é tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial, do indivíduo. Diz respeito à alma, aquela parte única que compõe sua intimidade. O dano moral é aquele que afeta a paz interior de cada um. Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo. Uma imagem denegrida, um nome manchado, a perda de um ente querido ou até mesmo a redução da capacidade laborativa em decorrência de um acidente traduzem-se numa dor íntima. Em que pese o fato de essa dor não ser suscetível de avaliação econômica, uma vez que não atinge o patrimônio material da vítima, sentiu-se a necessidade de reparar o dano sofrido, nascendo, assim, o direito à indenização1. Porém, com características próprias, que a diferenciam da indenização do dano material. Com efeito, o substantivo "indenização", ainda que utilizado de maneira recorrente para tratar do quantum a ser pago àquele que sofreu o dano moral, não tem o mesmo sentido do termo "indenização" empregado para a reparação do dano material. Como se sabe, a palavra "indenizar", quando utilizada na relação com o dano material, tem como função reparar o dano causado, repondo o patrimônio desfalcado, levando-o de volta ao status quo ante. Logo, o termo "indenização" tem teleologia voltada à equivalência econômica, especialmente fundada na ideia de que todo bem material pode ser avaliado economicamente, podendo ser reposto por intermédio de seu valor em moeda corrente. Mas, no dano moral, não há prejuízo material. Então, a indenização nesse campo possui outro significado. Seu objetivo é duplo: satisfativo-punitivo. Por um lado, a paga em pecúnia deverá proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação capaz de amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá também a indenização servir como punição ao ofensor, causador do dano, incutindo-lhe um impacto suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado. Remanesce-se utilizando o termo "indenização" no caso do dano moral por dois motivos: um de ordem prática - lembra reposição de dano -, outro de conteúdo semântico - de fato o que se manda que o causador do dano moral faça é pagar certo valor em dinheiro. Logo, o substrato é ainda econômico. Aí está a grande dificuldade enfrentada pelos magistrados: a fixação do valor devido a título de indenização por danos morais. Como já dito, o dano moral é caracterizado pela dor, pelo sofrimento de alguém, em decorrência de um ato danoso; e justamente por ser um sentimento de foro íntimo, pessoal, tal dor é impossível de ser mensurada e, consequentemente, traduzida em cifras. A fixação de critérios para se encontrar um valor justo é bem-vinda. Nesse sentido, aqueles estampados no caput do art. 223-G da CLT foram bem elaborados e estão em sintonia com os utilizados em muitas decisões judiciais. O problema está no §1º desse artigo: como poderia o legislador colocar como teto o salário do trabalhador que foi violado? Respondo: não poderia. Em primeiro lugar, há o problema da colocação de um teto para a fixação da indenização para danos extrapatrimoniais, que aliás é o tema posto na ADI 5.870-DF, que questiona a constitucionalidade dessa norma. O Parecer da Procuradoria-Geral da República é no sentido de sua inconstitucionalidade2. E fixar um teto ligando-o ao salário do trabalhador lesado viola, penso eu, o princípio constitucional da igualdade. Isso porque, como acima exposto, o dano moral implica em dor, sofrimento, padecimento etc., situações íntimas da psiquê e da alma humana. E como a indenização em maior valor tem relação com sofrimento mais forte e/ou mais prolongado, fixar valores diferentes para os trabalhadores atingidos, unicamente com base no salário individual, significa dizer que aquele que ganha menos sofre menos; quem ganha mais sofre mais. Trata-se de um verdadeiro non sense, um absurdo e, também, algo preconceituoso. Aliás, seria altamente preconceituoso, por exemplo, dizer que a dor da diretora da empresa seria maior que a dor de sua secretária. Em caso de morte de algum ente querido isso é ainda mais patente. Quem pode dizer que a dor da perda de quem ganha mais é maior da de quem ganha menos? Acontece que é isso que a norma da CLT diz: aquele trabalhador que ganha mais terá direito a uma indenização por dano moral maior que a do trabalhador que ganha menos. E como essa indenização tem relação direta com o sofrimento da vítima, conclui-se que quem ganha mais sofre mais. Verdadeiro absurdo! Por isso, penso que também por este aspecto essa norma é inconstitucional3. __________ 1 E, claro, sem qualquer sombra de dúvida, pelo menos a partir da Carta Magna de 1988, que expressamente garante a indenização pelo dano moral. Por exemplo, nos Comentários ao Código de Defesa do Consumidor (São Paulo: Saraiva, 8ª. edição, p. 131 e segs) e no Curso de Direito do Consumidor (São Paulo; Saraiva, 13ª. edição, 2019, págs. 374 e segs). 2 Veja o Parecer. 3 Realço que a situação econômica da vítima é irrelevante. Sequer se deve perguntar da capacidade econômica daquele que sofreu o dano, porque não é em função disso que se vai fixar o valor da indenização. Ou seja, quer se trate de uma pessoa humilde e sem posses, quer seja uma abastada, isso em nada influi na determinação do quantum. Não se pode olvidar das características da indenização no caso do dano moral: ela é satisfativo-punitiva. O elemento satisfativo deve ser buscado no evento causador do dano e não na condição econômica da vítima. Por isso, não tem qualquer validade a alegação, muitas vezes utilizada, de enriquecimento ilícito da vítima. Quando o magistrado determina um valor expressivo como indenização, ele não está olhando para a condição econômica da vítima e/ou se a paga indenitária irá enriquecê-la, mas, sim, está lançando sua investigação no causador do dano. Enriquecer ou não em função da verba indenizatória é mero acaso, irrelevante para a fixação da quantia a ser paga. Portanto, também não tem importância conhecer o poder econômico da vítima.
O §7º do art. 226 da Constituição Federal garante o planejamento familiar como um direito fundamental: "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas1." O sonho de muitos casais é ter filhos e também o de muitas mulheres, independentemente de estarem num relacionamento com um homem. Mas, acontece que algumas mulheres, por problemas fisiológicos, não conseguem engravidar de forma natural. Como se sabe, com o avanço da ciência, passou a ser possível à mulher engravidar pelo procedimento da fertilização in vitro. O problema é que esse procedimento não é barato. E o que se percebe no mercado é que os planos de saúde, como regra, não cobrem esse tipo de procedimento, alegando falta de previsão contratual ou ausência de previsão no rol da ANS - Agência Nacional de Saúde. Antes de prosseguir, quero destacar que meu foco será o da necessidade de feitura de fertilização "in vitro" por impossibilidade clínica. A questão envolvendo o plano de saúde que me interessa neste artigo está ligada, portanto, aos casos em que, comprovadamente, a mulher não pode engravidar naturalmente. E, querendo engravidar e não tendo alternativa, vê-se obrigada a buscar o procedimento, sem receber cobertura do plano de saúde. E o que diz a legislação? Lembro, primeiramente, que incide na relação do (a) consumidor (a) com a operadora de plano de saúde o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, naturalmente, a lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde2. Desse modo, ainda que haja algum tipo de previsão contratual, as cláusulas devem ser interpretadas favoravelmente ao (à) consumidor (a) (art. 47, CDC). E é exatamente a lei 9.656 que garante à consumidora o direito de pleitear que a inseminação "in vitro" seja custeada pela operadora do plano de saúde. No entanto, a redação de dois dispositivos dessa lei gera dúvidas de interpretação a exigir esclarecimentos. Cito primeiramente o inciso III do art. 10, que dispõe: "Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta lei, exceto: (...) III - inseminação artificial;" E agora o art. 35-C: "Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos (...) III - de planejamento familiar." Um leitor menos atento é capaz de imaginar que existe uma contradição na lei 9.656/98. Isso porque, está claro, com base no inciso III do artigo 10, que a operadora do plano de saúde pode excluir de seu rol de atendimentos a inseminação artificial. Mas, no artigo 35-C da mesma lei está prevista a obrigatoriedade do atendimento ao planejamento familiar, que implica no reconhecimento ao direito desse mesmo procedimento. Seria contradição ou há outra explicação? Bem que o legislador poderia ter escrito as normas de forma mais clara. Todavia, penso que não há contradição. Explico. A exclusão do inciso III do artigo 10 diz respeito à mulher que, podendo engravidar naturalmente, opte pela inseminação artificial. Já a regra do art. 35-C diz respeito à mulher que sofra de alguma doença ou impedimento fisiológico que a impeça de engravidar naturalmente. Nessa hipótese, sem alternativa, ela recorre à inseminação in vitro. Isso porque é a única alternativa dela engravidar. Vê-se, portanto, que a norma do art. 35-C garante o planejamento familiar nos casos de impedimento natural para a gravidez. Desse modo, posso concluir que não pode a operadora do plano de saúde deixar de atender à mulher que, comprovadamente não podendo engravidar e que tenha indicação médica para fazer o procedimento, recorra à inseminação in vitro para buscar realizar esse sonho garantido no texto constitucional. __________ 1 A Lei 9.263, de 12-01-1996, que regulamenta o §7º do art. 226 da CF, garante os procedimentos de aumento de prole, inclusive com atuação do SUS. Aqui neste artigo estou enfocando apenas as obrigações das operadoras de planos de saúde. Eis o texto dessa lei. 2 Nesse sentido, para evitar qualquer dúvida, veja-se a súmula 608 do STJ e Súmula 100 do TJ/SP.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

À procura do bom senso

Neste último artigo do ano, levanto uma questão que deveria estar na ordem do dia: onde está o bom senso nesta nossa sociedade capitalista e democrática? Distorções, decisões absurdas com consequências disparatadas. E parece que vamos nos acostumando. Bom senso é um conceito ligado às noções de sabedoria e de razoabilidade. Ele diz respeito a capacidade da pessoa de fazer bons julgamentos e escolhas levando em consideração a realidade social, natural e humana e também as normas legais, morais e costumeiras, avaliando causas e consequências. Seria, posso dizer, uma forma de pensar ou filosofar natural do indivíduo na análise da experiência da vida cotidiana. É algo intuitivo e que envolve pensar a fazer a coisa certa. Não se deve confundir bom senso com a ideia de senso comum. Este pode, às vezes, até refletir uma opinião errônea e preconceituosa sobre determinado objeto. Já o bom senso está ligado à ideia de sensatez. Aristóteles dizia que o bom senso é um elemento central da conduta ética. Uma capacidade virtuosa de achar o meio termo e distinguir a ação correta. Já apontei em outro artigo que se pode ter dificuldade de encontrar a inteligência humana. E o mesmo pode ser dito relativamente ao bom senso. Vejamos mais uma vez a democracia, no incrível caso do Brexit, que está encalacrado. O resultado do referendo/plebiscito1 no Reino Unido que resultou no episódio da saída da União Europeia foi uma catástrofe. Dos 46,5 milhões de eleitores, apenas compareceram às urnas 72,2% (33,5 milhões). Desses, 51,9% votaram pela saída do bloco europeu e 48,1% pela permanência. Feitas as contas, o resultado é que apenas 17,4 milhões de eleitores ou seja, 37,47% do total, votaram a favor da saída. "Ampla" minoria, portanto (e ainda por cima, segundo pesquisas, foram os mais velhos que votaram, deixando essa herança para os mais jovens). Com tanta gente cuidando do mesmo assunto, com tantos pensadores ingleses, escoceses, europeus etc., como é que foram organizar um plebiscito, cujo resultado seria tão importante, com a possibilidade de que a decisão pudesse se dar com tão pequena margem de votos e sem levar em consideração a participação percentual dos votantes em relação à população? E ainda por cima num turno só? Outro exemplo: o empresário Elon Musk está investindo cerca de 10 bilhões de dólares para levar alguns outros bilionários a passear até a lua2. No projeto intitulado Space X, o primeiro a se aventurar será o magnata japonês Yusaku Maezawa. O lançamento está previsto para 20233. Até esse ano de 2023, quantos seres humanos terão morrido por falta de alimentos, problemas de saneamento básico e coisas simples como ingerir água potável? Pois é. Temos aviões supersônicos, espaçonaves que frequentam planetas distantes, bombas nucleares espetaculares (e perigosíssimas), mas não conseguimos combater simples mosquitos que picam e matam as pessoas (Sei que não é tão fácil combater esses "bichinhos", mas fica a constatação). Houve avanços como aqui já coloquei. Você leitor, deve lembrar que, antigamente, era permitido fumar dentro dos aviões. Mas, claro, apenas em parte das poltronas. Por exemplo, da de número vinte até a número 40. Nas demais, não podia. Só esqueciam de dizer para a fumaça que ela ficasse alojada nos mesmos compartimentos. Era o mesmo em restaurantes. E o irmão de meu amigo, que é engenheiro, teve sua carteira de habilitação suspensa por ter furado o rodízio algumas vezes no período de um ano. Chateado, cumpriu o ritual exigido para poder dirigir novamente. Quando foi ao posto do Detran, gostou do que viu: tudo se deu de forma organizada e rápida. Mas, não é que o funcionário fez com que ele escrevesse um texto a mão, a partir de um ditado? Ele perguntou: "Pra que isso?". "Para provar que o senhor saber ler e escrever". "Mas eu sou engenheiro. E, na verdade, tenho carteira de habilitação há 20 anos". Não adiantou, teve que escrever o ditado. Incoerência e falta de bom senso. Se olharmos bem, encontraremos muitos exemplos em todo lado. É um bom exercício de observação. Há muita coisa ruim acontecendo pelo mundo afora e uma incrível falta de bom senso. __________ 1 Estou usando os termos de forma indiscriminada, embora haja alguma diferença entre eles: como se sabe, o plebiscito é utilizado para consulta sobre tema que esteja numa fase anterior à elaboração de alguma lei proposta pelo governo ou parlamento. Referendo é uma consulta popular, no qual a população se manifesta sobre uma lei ou ato constituído, ou seja, é uma votação convocada para ratificar ou rejeitar o que já existe.2 Spacex, de Elon Musk, vai levar milionário e artistas para a lua. Há dúvidas se o custo será de 10 ou 5 bilhões de dólares. Ver próxima nota. Mas, claro, isso não importa muito.3 Magnata japonês Yusaku Maezawa será primeiro turista lunar da SpaceX.
Lembro, neste artigo, extraído de meu livro Be-a-bá do Consumidor, alguns cuidados que se deve ter nas compras dos presentes das crianças para o Natal que se avizinha. Na correria natural de fim de ano é comum esquecer-se de alguma coisa. Ademais, a compra é compulsória e emocional. Por isso, penso que vale a pena relembrar algumas dicas que podem envolver as dificuldades para a escolha, a necessidade de testar brinquedos, os problemas das trocas etc. Em primeiro lugar e como sempre, lembro que não se deve comprar um produto sem antes fazer uma pesquisa de preços. Nem se deve deixar levar pela aparência inicial ou pela boa conversa do vendedor. Vale pesquisar e não comprar por impulso. Nesse tema, a internet é hoje uma grande aliada do consumidor. Vale a pena pesquisar na web e, claro, também nas próprias lojas. E pechinchar pode ser um bom negócio. Vale aproveitar a chance e exercer esse direito básico do consumidor, que é pechinchar, pedir desconto, negociar com o vendedor. Anoto que fazer troca em função de tamanho, cor ou porque o presente é repetido não é obrigação do comerciante. Contudo, se ele propõe a troca, tem que cumprir o prometido, pois cria um direito para o consumidor. Trata-se de oferta e esta vincula o ofertante, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa oferta de troca torna-se, inclusive, típica obrigação contratual. Felizmente, as trocas dos presentes repetidos ou dos que não serviram podem ser feitas na maioria dos estabelecimentos comerciais. Algumas lojas, porém, impõem algumas condições inconvenientes como, por exemplo, não efetuá-las aos sábados, o que é abusivo. Isso porque não tem fundamento legal e do ponto de vista contratual a exigência é exagerada. Não tem sentido impor o dia para a troca. O que se admite é a fixação de um prazo máximo para fazê-la. Há ainda alguns outros problemas. Por exemplo, a exigência de nota fiscal para a troca. Nem sempre quem dá o presente gosta de entregar a nota de compra e venda ao presenteado, pois lá consta o preço. Sem alternativa, a saída é guardar a nota fiscal e, se necessário, usá-la. De todo modo, atualmente, muitas lojas se modernizaram e entregam senhas, documentos separados, etiquetas especiais etc., procedimento que deveria ser adotado por todos os estabelecimentos. Outro aspecto que deve ser levado em conta diz respeito às etiquetas. Há estabelecimentos que se negam a trocar o produto se a etiqueta foi removida. Para evitar aborrecimentos, aconselha-se que a etiqueta não seja retirada até que o presente seja experimentado e aprovado. Mas, com ou sem etiqueta, o comprador não perde o direito à troca, pois é mais uma exigência abusiva. Não se pode esquecer de perguntar se a loja faz troca do brinquedo e em quais condições. Alguns comerciantes negam-se a fazer troca de brinquedos que apresentem problemas de funcionamento (vícios), limitando-se a mandar o consumidor para a assistência técnica. Assim, para evitar transtornos, vale perguntar antes de comprar se o estabelecimento faz troca em caso de vícios (o que, aliás, é sua obrigação legal) e decidir se vale a pena comprar lá. É importante testar o brinquedo na loja, inclusive os eletrônicos. Não se pode esquecer que, apesar de se poder trocar ou consertar posteriormente o brinquedo com defeito, a criança que ganhou o presente - às vezes tão esperado - já se frustrou. É verdade, que nessa época do ano, com as lojas cheias é mais difícil fazer os testes, mas vale a pena insistir assim mesmo. Se não der por algum motivo justo, então a saída é testar o brinquedo logo que chegar em casa. É preciso atenção com a questão da adequação do brinquedo à idade das crianças. Brinquedos muito sofisticados e caros nem sempre satisfazem. Alguns são complicados; outros fazem tudo sozinhos e a criança só fica olhando. Além de ser bom que a criança participe ativamente do uso do brinquedo, é necessário que ele possibilite a utilização do raciocínio e da imaginação. No caso de jogos, há que se checar a idade para a qual os fabricantes os indicam. É necessário um cuidado especial com certos produtos, o que vale para todas as crianças e especialmente para os bebês: não se deve adquirir objetos pontiagudos ou cortantes, nem os que tenham cordões que o bebê possa enrolar no pescoço; da mesma forma não se deve adquirir pequenos objetos que as crianças possam engolir; e o mesmo cuidado deve-se ter com sacos plásticos, por causa de sufocamento. Os materiais devem ser laváveis e as tintas e demais componentes devem ser atóxicas e não descascarem. É bom lembrar: apesar da responsabilidade dos fabricantes, são os pais que devem, em primeiro lugar, estar atentos para o que adquirem. Os pais são diretamente responsáveis por checar os brinquedos que estão na posse de seus filhos. É fundamental examinar mesmo depois da compra, direta e detalhadamente o brinquedo, verificar se não há peças que podem se soltar, pedaços pequenos que as crianças podem colocar na boca, se não há partes pontiagudas etc. É importante, também, checar os brinquedos que as crianças ganham de terceiros, inclusive, aqueles distribuídos nas festas dos amigos das escolas (conselho que vale para todas as festas das quais as crianças participam). Não é incomum que nessas festas sejam dados brindes de má qualidade que podem causar danos. Além disso, os pais devem fiscalizar a qualidade dos brinquedos mesmo depois de usados pelas crianças. Os brinquedos, com o desgaste, podem acabar gerando os mesmo problemas que produtos novos mal feitos. Esse tipo de vigilância constante deve sempre ser exercido pelos pais. É preciso cuidado com informações enganosas, especialmente as oferecidas nas embalagens. É bom saber que, às vezes, a enganosidade pode estar nas fotos e informações nelas contidas. Nem sempre a apresentação corresponde ao produto real. Se o produto tiver garantia do fabricante, o certificado deve estar junto do mesmo. E, os brinquedos, jogos e outros produtos que devem ser instalados e usados mediante instruções devem ter manuais claros, escritos em português. Não se deve instalar ou utilizar o produto antes de ler, entender e seguir à risca as disposições trazidas pelo fabricante. Não se pode esquecer que as crianças crescem rapidamente, bem como mudam de hábitos, desejos e necessidades com a mesma velocidade. Assim, vale a pena levar em conta tais fatos para adquirir, por exemplo, roupas, comprando-as sempre um pouco folgadas e nunca em quantidades exageradas. E por fim, uma dica muito importante: dar livros é fundamental, também levando em consideração a idade da criança. O mercado está repleto de excelentes livros para todas as idades e alguns são bem baratos. É um presente de total utilidade. Pode-se, claro, dar outros presentes, mas um livro junto deles é sempre muito bom.
quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Black Friday - O CDC ainda está em vigor!

Descontos são bons... Se precisamos do produto! Passamos por mais uma Black Friday apelidada por aqui, com muita razão, de Black Fraude, mas isso parece que não tem muita importância. Nem preciso referir as matérias publicadas pelos veículos de comunicação mostrando algo que acontece todo ano nessa promoção abrasileirada dos falsos descontos: foram centenas de reclamações dos consumidores1. A tática é antiga: aumenta-se o preço alguns dias antes e depois aplica-se um desconto para chegar no mesmo preço anterior (Aliás, prática essa que é adotada também nas liquidações sazonais que por aqui se faz). Ou então, como foi mostrado na mídia, simplesmente os preços são mantidos2. Que promoção que nada! Chega a ser cansativo. A legislação brasileira é abertamente violada e ponto. Aumentar preço num dia e oferecer desconto no dia seguinte (ou seguintes) para chegar no mesmo preço, falsificando, portanto, a existência de uma promoção ou liquidação é, como se sabe, publicidade enganosa prevista no CDC: "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços". Além disso, o ato caracteriza o crime de publicidade enganosa: "Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena: Detenção de três meses a um ano e multa." E ainda o crime de informação falsa ou enganosa, este tanto na forma dolosa como culposa: "Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o crime é culposo; Pena: Detenção de um a seis meses ou multa." Aguardemos, pois, as investigações das autoridades para que os culpados sejam punidos. __________ 1 Black Friday 2018 tem recorde de reclamações; principal queixa é maquiagem de preço. 2 Quer comprar um celular na Black Friday? Confira se o preço caiu.