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ABC do CDC

Direito do Consumidor no dia a dia.

Rizzatto Nunes
Volto ao tema da responsabilidade do Estado nas catástrofes climáticas. Aliás, todo início de ano as chuvas causam estragos e fazem vítimas, feridos e mortos, em dezenas de localidades brasileiras; e boa parte dessas catástrofes são previsíveis. Os acontecimentos envolvendo o drama das pessoas nos alagamentos, deslizamentos de terras, quedas de barreiras, destruição de imóveis etc nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e outros são o retrato de uma política de omissão que, ao que tudo indica, infelizmente, repetir-se-á no ano que vem, assim como já aconteceu no ano passado e nos anteriores. Do ponto de vista jurídico, a questão principal da responsabilidade civil do Estado não envolve diretamente direito do consumidor - embora indiretamente sim, na questão da prestação dos serviços públicos essenciais. Mas, faço questão de apresentar, na sequência, um resumo dos direitos das pessoas afetadas e da responsabilidade dos agentes públicos. A responsabilidade do Estado no caso de acidentes naturais derivados de enchentes e desmoronamentos As várias tragédias relativas a inundações provocadas por chuvas regulares e previsíveis, assim como por aquelas extraordinárias e também os desmoronamentos de encostas, prédios, casas e o soterramento de pessoas gerando centenas de mortos e feridos, são eventos de tamanha gravidade que, pode-se dizer, passou muito da hora da tomada de posição séria pelas autoridades no que diz respeito à ocupação do solo e às necessárias ações preventivas visando à segurança das pessoas e de seu patrimônio. De nada adianta ficar simplesmente acusando as vítimas depois das ocorrências, eis que, certo ou errado, elas já estavam vivendo nos locais conhecidos abertamente. Afinal, as pessoas precisam morar em algum lugar. É verdade que, quando surgem eventos climáticos não previstos, como, por exemplo, chuvas caindo em quantidade nunca vistas, acaba sendo possível justificar a tragédia por força do evento natural. Mas, naqueles casos em que os eventos climáticos são corriqueiros, ocorrem na mesma frequência anual e em quantidades conhecidas de forma antecipada e também nas situações em que a ocupação do solo feita de forma irregular permitia prever a catástrofe, o Estado é responsável pelos danos e deve indenizar as vítimas e familiares. A legislação brasileira é clara a respeito. Faço, pois, na sequência, um resumo dos direitos envolvidos. Responsabilidade civil objetiva A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme parágrafo 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis. Anoto que, quando se fala em ação do agente público, isto é, conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder de polícia estatal. Nessa hipótese, então, a responsabilidade tem origem na falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de fiscalização adequada e/ou realização de obra considerada indispensável para evitar o dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza ou outro evento qualquer ou, ainda, interdição do local etc. Muito bem. Em todos esses casos de inundações, desmoronamentos, soterramentos etc causando a morte e lesando centenas de pessoas o Estado será responsabilizado se ficar demonstrado que ele foi omisso nas ações preventivas que deveria ter tomado. Se, de fato, os agentes públicos deveriam ter agido para evitar as tragédias e não o fizeram, há responsabilidade. Tem-se que apenas demonstrar que a omissão não impediu o dano, vale dizer, a vítima ou seus familiares (em caso de morte) devem demonstrar o dano e a omissão para ter direito ao recebimento de indenização. Caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima Antes de prosseguir, lembro que o Estado não responderá nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou terceiros. No entanto, os eventos da natureza que se caracterizam como fortuito são os imprevisíveis, tais como terremotos e maremotos e até mesmo chuvas e tempestades, mas desde que estas ocorram fora do padrão sazonal e conhecido pelos meteorologistas. Reforço esse último aspecto: chuvas sazonais em quantidades previsíveis não constituem caso fortuito porque as autoridades podem tomar as devidas cautelas para evitar ou, ao menos, minimizar os eventuais danos. A força maior, como é sabido, é definida como o evento que não se pode impedir, como por exemplo, a eclosão de uma guerra. E a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, como a própria expressão contempla é causa excludente da responsabilidade estatal porque elimina o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do Estado. Aqui dou ênfase ao que importa: a exclusão do nexo e, consequentemente, da responsabilidade de indenizar nasce da exclusividade da culpa da vítima ou do terceiro. Se a culpa da vítima for concorrente, ainda assim o Estado responde, embora, nesse caso, deva ser levado em consideração o grau da culpa da vítima para fixar-se indenização em valor proporcional. Dou como exemplo de culpa concorrente, o da construção de uma casa que exigia a tomada de certas medidas de segurança que foram desprezadas pelo agente de fiscalização e também pela vítima. Pensão Os familiares que são dependentes da pessoa falecida têm direito a uma pensão mensal, que será calculada de acordo com os proventos que ela tinha em vida. Do mesmo modo, a vítima sobrevivente pode pleitear pensão pelo período em que, convalescente, tenha ficado impossibilitado de trabalhar. Outros danos materiais Além da pensão, no cômputo dos danos materiais inclui-se todo tipo de perda relacionada ao evento danoso, tais como, no caso de desmoronamento da habitação, seu preço ou o custo para a construção de uma outra igual e todas as demais perdas efetivamente sofridas relacionadas ao evento. No caso de pessoa falecida, além dessas perdas, cabe pedir também indenização por despesas com locomoção, estadia e alimentação dos familiares que tiveram de cuidar da difícil tarefa de reconhecer o corpo e fazer seu traslado, despesas com o funeral etc. Danos morais Tanto a vítima sobrevivente como os familiares próximos à vítima falecida podem pleitear indenização pelos danos morais sofridos, que no caso dizem respeito ao sofrimento de que padeceram e das sequelas psicológicas que o evento gerou. O valor dessa indenização será fixado pelo juiz no processo. De todo modo, é bom deixar consignado que o responsável em indenizar tem o dever de dar toda assistência às famílias das vítimas, inclusive propondo o pagamento de indenizações e pensões. Essa conduta, uma vez realmente adotada, poderá influir numa eventual ação judicial para a fixação da indenização por dano moral. É que, nas variáveis objetivas utilizadas pelo magistrado para fixar a quantia, uma delas é a do aspecto punitivo. Na verdade, como se sabe, aquilo que se chama indenização em matéria de dano moral não é propriamente indenização. Indenizar significa tornar indene, vale dizer, encontrar o valor em dinheiro que corresponda à perda material efetiva; fazer retornar, pois, ao "status quo" anterior. Por exemplo, se a pessoa perdeu seu automóvel, basta saber quanto o mesmo valia e fixar a indenização nesse valor. É um elemento de igualdade, portanto. Já a "indenização" por dano moral não pretende repor nenhuma perda material ou devolver as coisas ao estado anterior. É impossível reparar o sofrimento pela perda de um ente querido. Desse modo, a indenização por danos morais é, como se diz, satisfativo-punitiva: uma quantia em dinheiro que possa servir de conforto material e ao mesmo tempo punição ao infrator. Assim, o aspecto punitivo deve ser reforçado quando o causador do dano age com má-fé, intenção de causar o dano, ou regularmente repete os mesmos erros. Todavia, por outro lado, o magistrado deve levar em conta a atitude do causador do dano após a ocorrência do evento. Se ele se comportou adequadamente, como acima referi, então, nesse caso, a seu favor haverá uma atenuante para fixar o "quantum" indenitário em menor valor.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Um texto para o Natal

Mas uma vez, no último artigo do ano, eu abandono o tema do consumidor e publico um texto para a época de Natal. Desta feita, apresento um trecho do meu romance "A Visita". Trata-se do diálogo entre o personagem principal e Teresa, a misteriosa senhora que a todo momento frequenta a casa deste personagem e que dá título ao livro. Eis o trecho: Tereza começa a conversa: - Você é um homem de fé e de sorte. - Tenho de admitir que sim. Tive sorte. - Sabe o que dizem, né? Aproveite a sorte enquanto ela está a seu favor! (...) - Mas, nesse meu caso, parece até que os céus queriam me proteger. - Quem sabe... - Um anjo da guarda. - É mesmo. Fiz uma pausa, pois, ao mencionar "anjo da guarda", lembrei-me de uma passagem muito linda, contada pelo Flávio, que, junto do Benê, são meus amigos mais próximos. Disse para Tereza: - Acabei de me lembrar de meu amigo Flávio. - O que tem ele? - É uma história linda que ele me contou. É sobre um anjo da guarda. Quer ouvir? - Oba! Adoro histórias de anjos - disse Tereza, sorrindo e, como sempre, ajeitando-se na poltrona. - O Flávio é jornalista. Escreve num jornal e conta suas reportagens num programa de rádio FM. Ouça o que ele me contou. É de arrepiar! Um dia, ele estava sentado do lado de fora do estúdio da rádio, aguardando a hora de entrar no ar. Naquele momento, uma mulher de uns trinta anos mais ou menos entrou na antessala e sentou-se a seu lado. Os dois se cumprimentaram e ela perguntou se ele também participaria do programa. "Qual programa?", ele perguntou de volta. "O que começa às quinze horas". "Não", disse Flávio, "sou jornalista e entrarei no ar daqui a pouco, às quatorze e quarenta e cinco, para ler um boletim". Daí ele aproveitou e perguntou para ela: "A senhora vai participar? Qual é o assunto?". "Ah!", respondeu ela, "Hoje, vão comentar a respeito de um livro que trata dos anjos e eu vim contar a minha experiência". Flávio ficou intrigado e pediu: "A senhora pode me contar o que se passou?". "Claro!", disse ela sorrindo e contou o seguinte: "Eu tenho uma filha de cinco anos, a Gabriela, linda, fofa, o amor da minha vida. Quando ela era ainda bebê e dormia no berço, aconteceu algo assustador e mágico ao mesmo tempo... Eu moro num apartamento que fica no décimo-quinto andar do prédio. Era uma tarde ensolarada. Gabriela dormia no seu quarto e eu estava na área de serviço passando roupa. Tocou a campainha. Fui atender. Era uma menina de cabelos castanhos lisos caindo sobre os ombros que aparentava ter uns dez, onze anos. Ela segurava uma boneca nos braços e disse: 'Vim brincar com a Gabriela. Vá buscá-la, por favor'. Eu achei estranho e respondi: 'A Gabriela é muito pequena para brincar com você'. Nesse instante, ela aumentou o tom de voz e, de forma muito incisiva, olhando bem para mim falou: 'Ande! Pegue a Gabriela já!'. Eu senti um calafrio percorrer meu corpo inteiro e fui correndo até o quarto: Gabriela havia escalado a borda do berço e estava no parapeito da janela aberta. Nessa época, meu marido e eu ainda não havíamos instalado rede de proteção porque pensávamos que a Gabriela era muito pequena e que não havia perigo. Agarrei-a em meus braços e a mantive colada em meu coração que batia a mil" - disse ela com lágrimas nos olhos. E terminou: "Voltei para a sala: a menina não estava mais lá. Depois, perguntei para o porteiro e para outras pessoas do prédio: ninguém conhecia uma menina com aquelas características. Era o anjo da guarda da Gabriela. Graças a Deus!". - Adorei! É mesmo de arrepiar. - Não é? Muito legal essa história. Será que funciona assim? - Por que não? - É mesmo. Por que não? Mas, Tereza, tem a ver com sorte ou com fé? Você disse que, se a pessoa tem fé e almeja alguma coisa com muita vontade e concentração, ela consegue. Desde que seja para o bem, claro. - Sim. - E a pessoa recebe sinais de como deve agir. É isso? - Isso também. Às vezes, Deus manda buscar ou, então, manda um trem para a pessoa embarcar. Mas Ele não faz nada no lugar da pessoa... Você conhece aquela história do crente que morava à beira do rio e de quando vieram as enchentes? - Não. - É assim. João, muito crente em Deus, morava sozinho numa casinha à beira de um rio. Com as chuvas constantes, as águas começaram a subir e chegaram até o pé da porta da casa dele. Alguém bateu à sua porta e disse: "João, pegue suas coisas e vamos embora!". João respondeu: "Não. Deus não deixará nada de ruim acontecer comigo. Ficarei aqui rezando". As águas subiram mais. Quando estava na beira da janela da sala, um barco apareceu. Um homem que o conduzia falou com João pela janela aberta: "Vamos! Suba no barco porque as águas não param de subir". Mas não adiantou. Ele disse que estava protegido e ficaria ali rezando. Porém, as águas continuaram a subir. E, para não se afogar, João foi para o telhado da casa, onde ficou rezando. Surgiu um helicóptero. O piloto lançou uma corda com uma cadeira na ponta e, pelo megafone, falou: "Ei, você. Agarre na corda, sente na cadeirinha e aperte o cinto. Eu vou tirá-lo daí e levá-lo para um lugar seguro". João gesticulou que não iria e não foi. Permaneceu no telhado rezando. Só que as águas subiram mais e mais. Ele acabou morrendo afogado... quando chegou ao céu, João foi imediatamente falar com São Pedro. Disse: "Quero falar com Deus. Preciso fazer uma reclamação!". Vendo a aflição do homem, São Pedro abriu a porta e indicou a direção. João parou, então, diante de Deus e disse: "Como é que o Senhor foi deixar acontecer uma coisa dessas comigo? Eu acreditei tanto no Seu poder; acreditei o tempo todo. Fiquei rezando até o fim para que o Senhor me salvasse e morri afogado!". Deus respondeu: "Meu querido filho João, o que você queria que eu mais fizesse? Mandei baterem na sua porta, mas você não seguiu o homem. Depois, mandei outro te buscar num barco, mas você rejeitou. Então, enviei um piloto de helicóptero e você negou-se a sair de lá. Eu fiz a minha parte!". Ela acabou de falar, deu uma bela risada e disse: "Muito boa! Muito boa!". (...) Passou-se um breve período e ela emendou: - É assim mesmo que funciona. Deus faz a parte dele e a pessoa tem de fazer a dela. Às vezes, a dela é muito trabalhosa, às vezes é simples, como tomar um barco. E tem mais: acontece bastante de a pessoa encontrar um trem parado na estação e não perceber que deveria embarcar nele. O vagão está lá, de portas abertas, prontinho para o embarque e ela não entra. É ela quem deve dar o passo na direção certa. - Isso tem tamanho? - Como assim? - Isso vale também para as pequenas coisas? - Meu caro Luiz, a bondade, a caridade, a compaixão, o ato de ajudar alguém ou a si próprio não têm tamanho. Não é algo que se meça por quantidade, metragem, peso. O bem é sempre o bem não importa a quem nem como. O bem é uma virtude, uma qualidade. * Desejo Boas festas para todos!
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Consumidor e meio ambiente: relação conflituosa

Chegando ao fim do ano, retomo o tema da relação consumidor-meio ambiente, aproveitando a reunião mundial do clima COP25, que se realiza em Madri. Parto, especialmente, do discurso da jovem ativista sueca Greta Thunberg, que apresentou uma série de dados mostrando a crise planetária em termos ambientais, sociais e humanos. Na verdade, os dados são conhecidos neste assunto, que se tornou evidente: o capitalismo global insiste em não mudar seus modos de produção e exploração e, por isso, o planeta continua em grande risco. De fato, os métodos de exploração não só das reservas naturais existentes, como de muitas das conquistas sociais nos vários países que compõem o mundo, se alteraram muito pouco e, ainda assim, nem sempre na melhor direção. Já passou muito da hora de uma efetiva mudança nos hábitos de consumo, não só aqui como em outros lugares. Para se ter uma ideia do que quero dizer, veja na sequência esses dados (que variam um pouco de acordo com a fonte, mas de todo modo indicam o problema). A produção e o consumo dos Estados Unidos da América, com um número de consumidores que corresponde a aproximadamente 5% da população do planeta, contribuem com cerca de 36% das emissões de gases de efeito estufa e consomem em torno de 25% da energia mundial. No que se refere aos países desenvolvidos, estes congregam um quinto da população do planeta. Esta minoria, porém, consome cerca de 80% de todos os recursos naturais existentes. Logo, ao contrário do que se propaga, a globalização é uma ilusão, pois não dá para "globalizar" o padrão de consumo dos EUA e dos demais países desenvolvidos. Precisaríamos de vários planetas para tanto. Esses dados mostram que é preciso mudar o foco, posto que, caso se perpetue o modelo de consumo dos dias que correm, não haverá salvação. Ao invés de se produzir mais e se consumir mais, a diminuição do consumo é que talvez pudesse ajudar a sustentar o planeta. Além disso e atrelado a isso, um outro elemento que talvez pudesse colaborar para que o planeta não viesse a ser destruído seria o da educação para o consumo, de tal modo que os consumidores pudessem tomar consciência de seu efetivo papel como protagonistas da sociedade capitalista e, também, percebessem que o regime consumista no qual estão inseridos não faz bem a seu bolso nem a sua saúde, nem a seu bem-estar e, claro, nem ao planeta. Para concluir, deixo algumas máximas de minha autoria, que dizem respeito ao modo de vida da sociedade em que vivemos, para reflexão de fim de ano: - Estamos na era das fusões de empresas e dos desempregados em profusões. - Do acúmulo de cartões de crédito fácil e abundante e das dívidas impagáveis. - Das dezenas de pares de sapatos nos armários das casas e das crianças andando descalças nas ruas. - Nunca tivemos tanto acesso à informação, mas nosso conhecimento é paupérrimo. - As pessoas sabem muito sobre automóveis, mas pouco sobre arte. - Muitos consumidores têm noção dos preços das cervejas, mas desconhecem o valor da solidariedade. - Tira-se foto de tudo, mas, realmente, não se aprecia quase nada.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

A doença das compras compulsivas se alastra

Volto ao tema do vício, que é uma doença de há muito detectada e tratada terapeuticamente e que pode atingir qualquer pessoa, independentemente de classe social, condição econômica e formação intelectual. Há vícios de todo tipo e um específico ligado às compras, contemporâneo e fruto da sociedade capitalista em que vivemos: a oneomania (também se escreve oniomania). A palavra significa, ao pé da letra, "mania de comprar" e, também, é utilizada para identificar os compradores compulsivos. Se uma pessoa tem essa doença, age como um viciado e tem atitudes parecidas com as de qualquer um deles. Mas, veja leitor, que interessante: a pessoa compradora compulsiva não é aquela que se satisfaz com o objeto da compra, mas com o ato de comprar. Por isso, ela pode adquirir qualquer coisa que lhes surja pela frente. O ápice de sua satisfação se dá no momento da aquisição. Depois, quando chega em casa, os objetos podem ser abandonados porque não têm mais utilidade. Só a próxima compra gerará satisfação. O problema para identificar a doença está em que, naturalmente, essa pessoa é uma consumidora típica e, portanto, frequenta os mesmos lugares que as demais. Daí, ela acaba comprando irrefreadamente, mas os objetos são aqueles que todos compram, inclusive ela mesma quando não tinha a crise. Gasta em roupas, sapatos, bolsas, canetas, joias etc. e com isso, às vezes, nem ela, nem as demais pessoas que estão à sua volta percebem o problema. Parece apenas que ela é exagerada ou uma espécie de colecionadora. O estímulo para a compra de produtos e serviços é feito pelo sistema de marketing, com propagandas em profusão e todos os outros meios de indução. Crescemos comprando e não conseguimos imaginar-nos vivendo sem fazê-lo. Como eu costumo dizer, parafraseando Descartes: "Consumo, logo existo". Somos uma sociedade de consumidores e, infelizmente, as pessoas são vistas, avaliadas, medidas por aquilo que possuem, ostentam ou podem adquirir. E, no século XX houve um brutal incremento do sistema de créditos e de facilitação às compras. A expansão do sistema financeiro internacional e o largo acesso ao crédito tem como base o aumento da produção industrial, pois se assim não fosse seria impossível vender o que se fabrica. Além disso, o sistema capitalista compreendeu bem uma das questões de ordem psicológica, que poderia ser capaz de frear as vendas. Falo do dinheiro que se gasta quando se compra. Se uma pessoa tivesse que pagar em papel moeda toda e qualquer compra, saberia, ao menos quando carregasse as moedas, "o peso" de sua perda. Ela estaria trocando, por exemplo, alguns maços de papel moeda por um terno, um sapato ou uma bolsa. Trocaria muitos maços de dinheiro por uma viagem ao exterior e entregaria uma mala cheia dele para adquirir um automóvel. A pessoa "enxergaria" o quanto estava gastando. Mas, o comprador não percebe isso. Durante muitos anos, ele simplesmente passava um cheque, que representava o dinheiro e que, sintomaticamente, ele nem possuía concretamente, pois estava no banco. Quer dizer, estava num número numa conta. Nem no cofre da agência bancária estava. O sistema financeiro foi ampliando essa ocultação. Num primeiro momento, então, como disse, o consumidor passava um cheque, que representava o dinheiro que ele possuía. Mas, depois, por conta do sistema de créditos, ele passava o cheque sem nem mesmo ter o dinheiro. Com o cheque especial, o crédito que estava à disposição funcionava como uma tentação dizendo "me usa que eu te satisfaço". Isso é tão verdadeiro, que, com a "evolução" do sistema capitalista e seus modos de estímulo para as compras e controle dos consumidores, o cheque especial, que no início tinha de ser solicitado, passou a ser colocado na conta corrente -- acoplado à ela --, sem que o cliente pedisse. Fica lá, virtualmente, como uma possibilidade. Na realidade, uma provocação ao consumo. Mudou mais ainda. O cheque está desaparecendo. O sistema de cartão de crédito é hoje um outro fortíssimo estímulo às compras. Ele é, digamos, assim, mágico. Um pedaço de plástico que dá acesso aos bens materiais existentes no mercado. Com ele se pode, quase que literalmente, adquirir tudo o que existe. Aliás, o usuário do cartão nem precisa ter dinheiro. Na atualidade, com o espetacular incremento da web/internet e dos aplicativos, não só as compras tornaram-se instantâneas e feitas de dentro das casas, como os pagamentos também. As transferências bancárias online, os pagamentos automáticos de contas e faturas de todos os tipos, desde serviços essenciais como gás, água e energia elétrica, até aluguéis de tevê à cabo, compras parceladas etc., tudo é feito rápida e imperceptivelmente. Nos débitos automáticos, o consumidor nem precisa mais participar: é o sistema que age por ele. Tudo isso vai alienando o consumidor do que realmente ocorre. Ele não se dá conta do gasto efetivo de suas economias nem de seu endividamento constante. Logo, o mercado insufla os "vírus" da doença que pode atingir qualquer um mais ou menos avisado, já que as armadilhas estão muito bem engendradas. Assim, como em qualquer tipo de vício, impõem-se a necessidade de instituição de vigilância de uns sobre outros: é importante, por exemplo, que as pessoas de uma família prestem atenção à atitude de compra e endividamento dos demais, para tentar detectar a doença. Um sintoma frequente está, de fato, ligado ao endividamento. O comprador compulsivo adquire produtos sem parar e vai se endividando para pagar por coisas que ele não precisa. Muitas vezes já as tem em excesso, mas continua comprando. O compulsivo gasta todo seu salário, estoura o limite do cartão de crédito e do cheque especial e até faz empréstimos apenas para continuar adquirindo o que não lhe faz falta. É claro que, se a oneomania for de uma pessoa de posses, com liberdade para gastar, será mais difícil identificar a doença, pois ela acumulará produtos e mais produtos ainda que nunca os utilize e sem se endividar. Encerro dizendo que, para quem estiver passando por esse tipo de problema ou que tenha algum familiar com a doença, é bom saber que existem em várias cidades brasileiras os grupos de auto-ajuda intitulados "Devedores Anônimos", que funcionam nos mesmos moldes dos "Alcoólatras Anônimos", e que muito ajudam os doentes. Basta uma consulta à internet para ter acesso a essas boas associações. O tratamento com psicoterapia é também recomendado.
quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Black Friday já faz parte do calendário

Que fomos catequizados e que adoramos copiar o que vem do estrangeiro é fato conhecido. Passamos dezenas de anos fazendo isso e continuamos. Como já comentei aqui, somos copiadores vorazes, inclusive de leis que não nos dizem respeito - como é o caso exemplar do regime dotal do casamento, copiado da Europa e introduzido no vetusto Código Civil de 1916. Estamos a todo vapor com o Halloween, que serve para empanturrar nossas crianças de açucares e gorduras. E, claro, chegamos à mais uma edição da Black Friday. Como se sabe, o termo foi criado pelo varejo nos Estados Unidos para nomear a ação de vendas anual, que acontece sempre na última sexta-feira de novembro após o feriado de Ação de Graças. Por lá, todo ano, o volume de vendas é muito alto, pois os descontos são realmente verdadeiros e os empresários norte-americanos querem se livrar do estoque antigo e, no lugar, colocar as novas mercadorias para as vendas do período natalino que se inicia. Mas, como não poderia deixar de ser, por aqui, nem tudo é desconto verdadeiro. Todo ano, os veículos de comunicação apontam dezenas de denúncias contra as enganações perpetradas por muitos comerciantes, que usam uma tática antiga: aumentar o preço na véspera ou alguns dias antes e depois aplicar um desconto para chegar no mesmo preço anterior (Aliás, prática essa que é adotada também nas liquidações sazonais). Aumentar preço num dia e oferecer desconto no dia seguinte (ou seguintes) para chegar no mesmo preço, falsificando, portanto, a existência de uma promoção ou liquidação é, como se sabe, publicidade enganosa prevista no CDC: "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços." Além disso, o ato caracteriza o crime de publicidade enganosa: "Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena: Detenção de três meses a um ano e multa." E ainda o crime de informação falsa ou enganosa, este tanto na forma dolosa como culposa: "Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o crime é culposo; Pena: Detenção de um a seis meses ou multa." Para terminar, lembro apenas que, naturalmente, descontos são bons... Se precisamos do produto ou do serviço!
quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Para entender o contrato de adesão

O contrato de adesão foi amplamente regulado no Código de Defesa do Consumidor. Logo, há quase trinta anos. No entanto, às vezes, ainda são encontradas dúvidas sobre sua forma e validade. Para entender a natureza dos contratos de adesão nas relações de consumo, proponho, então, que olhemos um pouco para o passado. Uma lei de proteção ao consumidor pressupõe entender a sociedade a que nós pertencemos. E essa sociedade tem uma origem bastante remota que precisamos pontuar, especialmente naquilo que nos interessa para entender a chamada sociedade de massa, com sua produção em série, na sociedade capitalista contemporânea. Parto do período pós-Revolução Industrial. Com o crescimento populacional nas metrópoles, que gerava aumento de demanda e, portanto, uma possibilidade de aumento da oferta, a indústria em geral passou a querer produzir mais para vender para mais consumidores (o que era e é legítimo). Passou-se então a pensar num modelo capaz de entregar, para mais pessoas, mais produtos e mais serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em série, a "standartização" da produção, a homogeneização de produtos e serviços. Essa produção homogeneizada, "standartizada", em série, possibilitou uma diminuição profunda dos custos e um aumento enorme da oferta, indo atingir, então, uma mais larga camada de pessoas. Este modelo de produção é um modelo que deu certo; veio crescendo na passagem do século XIX para o século XX; a partir da Primeira Guerra Mundial teve um incremento, e na Segunda Guerra Mundial se solidificou. A partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das telecomunicações, da melhoria dos transportes etc., o modelo se fortaleceu ainda mais e cresceu em níveis extraordinários. A partir da segunda metade do século XX, esse sistema passou a avançar sobre todo o globo terrestre, de tal modo que permitiu que nos últimos anos se pudesse considerar a noção de globalização. Temos, assim, a sociedade de massa. Dentre as várias características desse modelo, destaca-se uma que interessa ao presente artigo: a produção é planejada unilateralmente pelo fabricante no seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de pessoas. A ideia é ter um custo inicial para fabricar certo produto, e depois reproduzi-lo em série. Assim, por exemplo, planeja-se uma caneta esferográfica única e se a reproduz milhares, milhões de vezes. Quando a montadora resolve produzir um automóvel, gasta certa quantia em dinheiro na criação de um único modelo, e depois o reproduz milhares de vezes, o que baixa o custo final de cada veículo, permitindo que o preço de varejo possa ser acessível a um maior número de consumidores. Esse modelo de produção industrial, que é o da sociedade capitalista contemporânea, pressupõe planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do produtor, do prestador do serviço etc. Ora, esse planejamento unilateral tinha de vir acompanhado de um modelo contratual. E este acabou por ter as mesmas características da produção. Aliás, já no começo do século XX, o contrato era planejado da mesma forma que a produção. Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Na verdade, quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes. Ou, no exemplo das instituições financeiras, milhões de vezes. Quem planeja a oferta de um serviço ou de um produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário, securitário a ser reproduzido milhões de vezes, também planeja um único contrato e o digitaliza e/ou o imprime, distribuindo-o milhões de vezes. Esse padrão é, então, o de um modelo contratual que supõe que aquele que produz um produto ou um serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado pela lei 8.078 de contrato de adesão. Lembre-se, por isso, que a primeira lei brasileira que tratou da questão foi exatamente o Código de Defesa do Consumidor: no seu art. 54 está regulado o contrato de adesão. E por que o contrato é de adesão? Ele é de adesão por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele não discute cláusula alguma. Para comprar produtos e serviços, o consumidor só pode examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. Este é o modo de produção de produtos e serviços de massa do século XX. Anoto, todavia, que por força da tradição privatista, ainda há quem utilize uma hermenêutica típica das relações privadas para as relações de consumo e, especialmente, nas questões contratuais. Verifica-se, ainda, de vez em quando, uma espécie de memória privatista, que faz com que o intérprete leia o contrato de adesão com base na ideia do brocardo latino pacta sunt servanda, inaplicável às relações jurídicas de consumo. Sabe-se que nas relações contratuais no direito civil, pressupõe-se que aqueles que querem contratar sentam-se à mesa em igualdade de condições e transmitem o elemento volitivo de dentro para fora, transformado em dado objetivo num pedaço de papel. São proposições organizadas em forma de cláusulas que, impressas num pedaço de papel, fazem surgir o contrato escrito. É a tentativa de delineamento objetivo de uma vontade, portanto, elemento subjetivo. É a escrita posta no contrato, o que o direito civil tradicional pretendia controlar. Então, quando nos referíamos às relações contratuais privatistas, estávamos fazendo uma interpretação objetiva de um pedaço de papel com palavras organizadas em proposições inteligíveis e que deviam representar a vontade das partes que lá estavam, na época do ato da contratação, transmitindo o elemento subjetivo para aquele mesmo pedaço de papel. E, uma vez que tal fora feito, pacta sunt servanda, isto é, o pacto devia ser respeitado. Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Na verdade, o consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços postos e ofertados segundo regramentos que o CDC passou a controlar, e de forma inteligente. Vê-se-, pois, que esses pontos históricos do fundamento da sociedade contemporânea são importantes para a exata compreensão do contrato de adesão. Repito: em contrato de consumo deve-se esquecer o brocardo pacta sunt servanda.
quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A tranquilidade do consumidor é viável?

Relembro aqui uma conversa que tive com um excelente jurista, enquanto ele e eu aguardávamos o embarque num aeroporto. Estávamos indo fazer conferência num Congresso. Ele reclamava da má formação oferecida pelas escolas de Direito, das falhas dos concursos públicos para as várias carreiras jurídicas e de como, apesar da aparente dificuldade que esses certames ofereciam, alguns dos aprovados e aprovadas não eram capazes de bem interpretar o sistema legal, de compreender o fenômeno social e jurídico em sua complexidade e, enfim, de exercer a atividade com as habilidades exigidas para a profissão. Muitos dos/das concurseiros (as), estudantes diuturnos das questões usualmente utilizadas, conseguiam, com esses estudos, ultrapassar o concurso público assumindo a carreira escolhida (ou na qual haviam conseguido entrar, pois tentavam muitas, em diferentes setores). E alguns/algumas dentre eles/elas ingressavam em carreiras públicas sem jamais terem trabalhado um único dia na vida. Saíam dos bancos escolares apenas como estudantes, iam para os cursinhos e ficavam por lá alguns meses e até anos. Daí, passavam no concurso e em breve estavam acusando, julgando etc. Mas, sem experiência alguma. Refletindo sobre o tema, eu disse: "Sabe, estamos aqui falando da área jurídica por que a conhecemos mais ou menos bem, desde a Faculdade de Direito até a vivência nas carreiras. Mas, algo me ocorreu... Pergunto a você: nós vamos embarcar daqui a pouco num avião. Será que a pessoa que faz a manutenção da aeronave, foi boa estudante? Será que tem experiência? Será que entende bem do riscado? Ou, melhor, será que o engenheiro responsável entende mesmo do negócio?" E prossegui: "Quando alguém contrata um advogado ou uma advogada, certamente, espera que o profissional ou a profissional saiba como agir. E se está aguardando um julgamento, acredita que o juiz ou a juíza saiba decidir e assim por diante. E, nós, pobres usuários das companhias aéreas? Com certeza esperamos que o avião esteja em perfeitas condições de voo, que o comandante ou a comandante (e seus auxiliares) esteja preparado ou preparada para assumir o comando da aeronave, que esteja em boas condições de saúde etc." "Sim", respondeu ele. "Isso vale para qualquer profissão. Se vamos ao consultório dentário, esperamos que quem nos atenda compreenda o que nossa boca mostra e como efetuar os procedimentos exigidos. E, no hospital, que nos avaliem corretamente...". "Estamos seguros de que nosso avião alçará voo, viajara e descerá em condições adequadas?" - perguntou. "Acho que nem pensamos nisso", conclui um pouco preocupado. De fato, quando embarcamos num avião, não pensamos em problemas (nem devemos pensar para não passarmos nervoso...). É pressuposto que tudo funcione bem. Inconscientemente, aceitamos que não só todos os envolvidos na atividade sejam profissionais gabaritados como estejam no gozo pleno de suas faculdades mentais e em perfeito estado de saúde, bem alimentados, com o sono em dia etc. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman diz que vivemos tempos "líquidos": estamos na idade da incerteza, isto é, tempos de estados líquidos em oposição à solidez representada pelos estados de certeza. Como obter algum tipo de tranquilidade em qualquer setor? Em termos de segurança nos aeroportos, os fatos nos dizem que, ao que parece, alguém está cuidando do assunto. Mas, o que sentimos quando há um ataque num aeroporto ou quando uma aeronave cai? Essa questão envolve, naturalmente, todo tipo de produto e serviço, produzido com mais ou menos técnicas e controlados com maior ou menor qualidade. Não há possibilidade de se obter 100% de certeza de que produtos e serviços sempre funcionarão adequadamente e a contento. Nos iludimos que sim ou, simplesmente, não pensamos nisso (o que parece ser a regra). É que, infelizmente, do ponto de vista da segurança dos produtos e serviços (e, também, da qualidade e da eficiência) é impossível que qualquer empresa ou órgão público consiga atingir o topo da certeza da inevitabilidade do dano decorrente de algum vício ou defeito. Por mais que se esforcem, por mais que desenvolvam controles de qualidade e segurança, alguma coisa sempre escapa por ser da própria natureza do produto ou do serviço (uma falha mecânica, um desgaste inesperado etc.) ou por envolver a natureza humana (pessoas que cometem seus erros ou suas loucuras...). Não há, pois, produto ou serviço sem vício ou defeito! Ou, como diz meu amigo Outrem Ego: "Até foguete da Nasa apresenta falhas...".
quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Halloween: o aprisionamento do consumidor

Há um pensamento atribuído a Aldous Huxley que cuida da ditadura perfeita. Não sei se é dele, mas poderia ser. É o seguinte: "A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão". (grifei) O tema, claro, era e é o da sociedade de consumo e o projeto de alienação dos consumidores. Coloquei essa abertura porque, em vários momentos, parece que as coisas são assim mesmo. E alguns eventos inventados para compras chamam bastante atenção. Hoje, 31 de outubro, volto ao assunto do Halloween. Esse evento demonstra os modos de controle que o mercado exerce sobre os consumidores em geral, bem como a dificuldade que existe para a tomada de consciência da possibilidade de libertação das amarras tão bem engendradas pelo capitalismo contemporâneo. 31 de outubro é o dia das bruxas. Já é parte do calendário comercial e, como já denunciei aqui, o pior de tudo, é que muitas escolas aderiram! São as "bruxas e bruxos" do marketing, que sempre aproveitam alguma coisa para faturar e, no caso, uma gorda receita, vendendo bugigangas, doces e mais porcarias para nossas crianças. É verdade que algumas escolas, não conseguindo fugir do evento, estão começando a fazer atividades didáticas e lúdicas, sem o emporcalhamento de doces e guloseimas oferecidos em grandes quantidades e sem nenhuma função de educação ou saúde. Mas, é pouco, pois, infelizmente, tudo indica que o tal dia das bruxas, famoso nos Estados Unidos, instalou-se entre nós, alegre (ou de forma macabra) e impunemente. Pensemos um pouco nessa questão do Halloween no Brasil. O que, afinal de contas, as crianças brasileiras têm a ver com essa festa pagã? Nada. Trata-se de uma importação sem qualquer fundamento ou justificativa local. É apenas algo que o mercado deseja. Para se ter uma ideia do que está em jogo, nos Estados Unidos, a festa do terror, das bruxas e dos fantasmas já se tornou o segundo maior momento de faturamento do mercado, perdendo apenas para o Natal. Lembro que certa vez, diante da reclamação de meu amigo Outrem Ego a respeito desse dia, eu objetei que também tínhamos a Páscoa e mais ainda o Natal, este que, por muitos anos - e ainda até hoje - faz, por exemplo, com que comamos, em pleno calor tropical, comidas gordas, doces, frutos secos, nozes etc., alimentos típicos de lugares frios, de onde a festa foi importada. "É verdade", disse ele. "Mas, isso se deu em outros tempos. Eu pensava que atualmente nós pudéssemos lutar contra esse tipo de imposição; que poderíamos resistir". Tudo indica que não. De fato, a conscientização a respeito do controle exercido pelo mercado, algo que vem se esboçando desde fins do século XX, ainda é pequena. Mesmo reclamando e reivindicando direitos, o consumidor ainda está longe de escapar dessas armadilhas, que são inventadas a todo momento. No meu tempo de criança ou adolescente (há cinquenta anos) seria impensável um dia das bruxas no Brasil. Não sei quando começou. Mas, possivelmente há cerca de quinze ou vinte anos, alguma escola de inglês deve ter feito a programação para seguir o ritual norte americano. Depois, no ano seguinte mais uma escola e mais outra etc. Com a importação via tevê à cabo e também tevê aberta de cada vez mais enlatados americanos que reproduzem a comemoração (Basta ficar com o exemplo famoso do grande filme de Steve Spielberg, E. T., no qual o evento é retratado), aos poucos, os brasileiros foram se acostumando com a festa, como se ela também fizesse parte de nossa realidade. Daí, mais um ano, e a festa foi parar nas escolas; depois em baladas de adultos e, enfim, chegou o momento em que parece que ela tem a ver conosco. Evidentemente, o mercado, sempre de olho nas oportunidades, deu sua contribuição e eis que temos entre nós crescendo vigorosamente uma festa importada, sem qualquer fundamento cultural e mesmo sem sentido ritualístico. Se ainda existisse algum significado simbólico na festa, vá lá. Mas, nem as crianças-vítimas ou seus pais sabem do que se trata. É apenas um momento de gasto inútil de dinheiro em fantasias, doces e gorduras, contribuindo para cáries e a obesidade infantil. O processo de controle é lento, mas constante. Aqueles que atuam no mercado são espertos o suficiente para entender um pouco a alma do consumidor e acabam descobrindo a necessidade de preencher os espaços existentes no lar, no convívio doméstico, na relação entre pais e filhos. Daí, na presente hipótese, oferecem, com essa estranha comemoração, mais uma boa desculpa de ocupação desse tempo, que fica, como quase sempre, intermediado pelo dinheiro gasto. É o consumismo enlatado e alienante, esteja ou não de acordo com nossas tradições.
quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Mais um dia das crianças na sociedade capitalista

Pronto. Mais um dia para compra de presentes! Vou relembrar essa história do nascimento de mais um dia comemorativo. Nos anos vinte do século passado, o deputado Federal Galdino do Valle Filho teve a ideia de homenagear as crianças, criando um dia para elas. A ideia vingou e, por intermédio do decreto 4.867, de 5 de novembro de 1924, o presidente Arthur Bernardes oficializou o dia 12 de outubro como o Dia das Crianças. Todavia, a data ficou esquecida por muitos anos. Mas, veja, meu caro leitor, que significativo: em 1960, a fábrica de brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a "Semana do Bebê Robusto" e, com isso, aumentar suas vendas. A estratégia de marketing deu certo. Logo depois, outras empresas lançaram-se no mesmo projeto, divulgando a semana da criança para aumentar suas vendas e, no ano seguinte, os fabricantes fizeram renascer a data do antigo decreto. Assim, o dia 12 de outubro passou a ser comemorado como o Dia das Crianças, isto é, o dia em que as crianças ganham presentes. E, claro, época em que o mercado de produtos para crianças fatura alto. Na verdade, a ONU reconhece o dia 20 de novembro como o Dia Universal (ou Mundial) das Crianças, pois foi nessa data do ano de 1959 que foi publicada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. E, embora essa data seja, também, lembrada entre nós, é o dia 12 de outubro que conta, pelo menos em termos de compras. Pensemos nisso. Dia 12 de outubro é feriado nacional desde 1980, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira oficial do Brasil. E, como no dia 15 de outubro se comemora o Dia do Professor, acabou-se juntando uma data n'outra, e nesta nossa terra de Macunaíma, criou-se a Semana do Saco Cheio: foram os estudantes universitários que, por volta dos anos oitenta do século passado, inventaram mais uma semana para enforcar aulas. E não é que pegou? Atualmente, essa semana fica sem aulas em muitos colégios e universidades. Já faz parte do calendário escolar. Mais um filão para o mercado: dia de presentes, precedido de semana de compras; feriado, semana sem aulas, pacotes de viagens, hotéis, turismo enfim. O capitalismo agradece. Mas, retorno às crianças. Com efeito, cabe aos pais decidir o que comprar para seus filhos. É preciso explicar aos menores a desnecessidade da aquisição da maior parte das bugigangas que são oferecidas; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente. O primeiro caminho é descobrir o que dar. Tem-se, portanto, que refletir sobre a qualidade do presente. Haverá coisas úteis e porcarias. Coisas indispensáveis e outras desnecessárias. O mercado saberá oferecer de tudo. O marketing sedutor, aliado ao sistema de crédito e parcelamento consegue convencer até quem não pode comprar a adquirir produtos e se endividar (ou aumentar ainda mais seu endividamento). Há também a questão da quantidade. Quantos presentes uma criança deve ganhar de uma só vez? Como se trata de uma data específica para a criança e esta, às vezes, tem muitas pessoas à volta para presenteá-la, é comum que ela acabe ganhando muitas coisas. Acontece que é também comum que as crianças que recebam muitos brinquedos logo se desinteressem da maior parte deles. A criança que ganha muita coisa numa só ocasião tende a desvalorizar tudo ou escolhe um e abandona o restante. É preciso, pois, aproveitar a data para mostrar a desimportância de ter muitas coisas ao mesmo tempo. Assim, a criança pode aprender a valorizar o que ganha (como o adulto aprende a duras penas).
Já era para ter acabado, não é? Mas, parece não ter fim. O Código de Defesa do Consumidor fez 29 anos e nele a oferta e a publicidade enganosa são claramente proibidas. Sei que muita coisa mudou e melhorou. Mas, por que não acaba? Parece um vício. Como se para vender o fornecedor tivesse sempre que forçar um pouquinho. Há muitos casos. Vou narrar alguns quase inocentes. Ontem, resolvi assistir até o fim a um anúncio de cerca de 4 minutos na internet. Grande parte dele foi utilizado para mostrar a denúncia que um ex-técnico de uma empresa faz: a empresa em que ele trabalhou produzia smartphones e enganava os consumidores lançando novos modelos todo ano, mas sem muita inovação, vendendo-os a preços maiores e com componentes de pior qualidade. Além disso, utilizam a tática de deixar os modelos antigos mais lentos por atualizações realizadas. É uma acusação que vi anteriormente e mais de uma vez. O anúncio continua e diz que toda a equipe do técnico foi mandada embora porque o setor foi transferido para a China. E que foi oferecido a ele uma vaga por lá. Mas ele não aceitou e pediu demissão. Então, a equipe toda se reuniu e resolveu produzir um novo smartphone, que dura mais, com bateria maior e com componentes de ótima qualidade. O preço é o maior atrativo: cerca de R$1.600,00. Até aí Ok. Mas, o anúncio diz que é barato porque eles não gastam dinheiro em propaganda (Como assim?, pensei. Aquele anúncio era o quê?). E ainda por cima ofereciam 50% de desconto para os primeiros 5.000 que comprassem o aparelho. Aquilo que eu intitulo de "marketing de pressão". Poxa! Perdi cerca de 4 minutos para descobrir que se tratava de propaganda comum, com as mesmas técnicas das demais. Estava indo bem. Mas não gostei do final. Outro caso: na tevê há um anúncio muito reproduzido de uma empresa que vende essas maquininhas de fechamento de compras. O simpático ator diz em alto e bom tom: "Só um porcento de taxa!" Acontece que no mesmo momento em que ele fala "Só um porcento de taxa", em baixo, do lado direito de quem olha, aparece escrito "1 % nos primeiros três meses". Parece bobo. E é. Mas, o que espanta é que ainda se faça esse tipo de anúncio! Num outro, a presidente de uma montadora de veículos diz: "Cliente que não estiver satisfeito com o serviço não paga". Tomara que a empresa cumpra a promessa. O Procon de São Paulo, que está em alta, fazendo um trabalho excelente, poderia investigar essa montadora. Eu não sei se é verdade, mas vi que aparece na tela algo como "Ver instruções no site...". Será uma forma de enganar o consumidor? Pode ser que não ou que sim. Seria preciso checar. Confesso que não sei responder à pergunta que formulei no título deste artigo. Apenas constato que as coisas ainda são assim, sem precisar que fossem. Lembro que, excluindo o último caso, que exige avaliação, os outros dois narrados enganam e, repito, parecem até inocentes, mas não são. O que vejo é que eles ocultam um tipo de mentalidade que ainda existe no mundo da oferta e da publicidade, que acredita que é preciso enganar o consumidor de algum modo para poder vender.
Em tempos de ofensas verbais de todo tipo, é preciso muito cuidado com o uso das palavras e das comunicações. Eu já comentei aqui nesta coluna, que na sociedade capitalista contemporânea, há muito tempo os profissionais de marketing descobriram que, para vender produtos e serviços, a comunicação com seu público-alvo poderia ser feita de modo indireto, com subterfúgios, com imagens ao invés de palavras, com frases que não necessariamente falassem do produto nem do serviço a ser vendido etc.. Posso dizer, sem medo de errar que, a grosso modo, antigamente a oferta apontava para a coisa em si e, com o passar do tempo, foi buscando metáforas ou símbolos que pudessem agradar e atrair o consumidor para as compras. Por exemplo, antigamente um anúncio de tevê diria o seguinte a respeito de uma geladeira: "Nossa geladeira é linda, espaçosa, dura muito e mantém os produtos fresquinhos". Mais para a frente, o anúncio diria: "Se você tiver nossa geladeira em sua cozinha, irá brilhar e ser especial. Todo mundo admira quem tem uma geladeira como essa". A comunicação passou, digamos assim, de uma fase de apresentação concreta do bem a ser vendido para uma fase psicológica, social e até política da inserção do consumidor na sociedade. Cada vez mais, o criador da mensagem passou a investigar os anseios, desejos e interesses do consumidor. Não esqueceu, claro, das necessidades de seu público-alvo, mas passou a chamar a atenção de seu coração, de sua imaginação e, também, de sua própria imagem construída no meio social. O problema é que isso, de algum modo, afetou e afeta a comunicação feita pelas pessoas em relação aos fornecedores, às instituições, ao grupo social a que pertencem etc. Ingressou também no universo de comunicação entre as pessoas que discutem entre si e lutam para defenderem seus pontos de vista. Algumas palavras e frases têm indicações expressas e outras, são metafóricas, mas carregadas de sentido (por exemplo, "cdf", "rolezeiro", "patricinha", "playboy", "mauricinho" "coxinha", "mortadela" etc.). Mas, em todos os casos, quer nos expressos, quer nos indiretos, há grande chance de confusão e incompreensão não só de quem recebe a comunicação como também por quem a faz e, dependendo do ambiente, pode significar "bullying", ofensa à honra etc. Vejamos um exemplo: um discurso de um presidente é feito. Todos ouvem e em seguida surgem as interpretações das palavras proferidas das mais variadas formas possíveis. Ou surgem grupos muito díspares com duas interpretações completamente antagônicas. Tanto faz o que foi dito no discurso: um grupo diz "excelente" e outro afirma "uma catástrofe". O grande escritor e semiólogo Umberto Eco, já falecido, ensina que a vida é um paradigma das palavras. A partir da ideia de que semiose é um processo de produção de significados, diz ele que existe uma "semiose artificial da linguagem verbal, a qual se revela insuficiente para dar conta da realidade ou é usada explicitamente e com malícia para mascará-la, quase sempre com fins de poder"1. De todo modo, muitos termos, tomados ao pé da letra de forma descuidada, isto é, sem um estudo mais aprofundado, podem gerar equívocos importantes ou simplesmente engraçados. A subjetividade dos que opinam é de tal modo expressada que, muitas vezes, parece que cada lado está se referindo a falas tão diversas quanto seria possível. As palavras são as mesmas e proferidas na mesma ordem e entonação, mas uns leem e escutam uma coisa e outros algo totalmente diferente. Essa "flexibilização" da linguagem pode até ser útil para que se vendam produtos e serviços (e, naturalmente, às vezes, se revelam falsas e enganosas) mas, quando se trata de uma comunicação social e/ou política podem gerar uma boa confusão: fica difícil saber afinal do que se trata, quais são os verdadeiros interesses em jogo etc. Tudo bem, trata-se de democracia, mas que é confuso é. E fica difícil responder à pergunta do título: as palavras estão ganhando ou perdendo sentido? __________ 1 "Entre e mentira e a ironia". RJ: Editora Record, 2ª. Ed., 2006, págs. 30 e 31.
É comum, especialmente em supermercados, que o consumidor se depare com promoções para venda de produtos bem abaixo do preço regular em função do prazo de vencimento para consumo estar se aproximando ou mesmo ser o daquele dia em que a promoção esteja anunciada. Não é proibido, desde que a informação quanto ao prazo esteja clara e ostensivamente colocada à vista do interessado na compra. Aliás, por isso, vale sempre um conselho: quem for comprar esse tipo de produto não deve se empolgar com o preço e adquirir grandes quantidades que não possam ser consumidas dentro do curto prazo de validade existente. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) regula expressamente essa questão. Com efeito, dispõe o art. 31 do CDC, verbis: "Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores." Agora pergunto: e quanto aos medicamentos? Como fica a questão do prazo de validade na relação com a quantidade que será ou deverá ser consumida? Vale a mesma regulação do CDC com um acréscimo de força normativa em regra fixada pela ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Na realidade, a farmácia somente pode vender medicamentos que estão próximos do vencimento do prazo de validade se o consumidor puder concluir o tratamento antes dessa data. Ela não pode vender o medicamento se o prazo de validade estiver próximo do vencimento e nesse período o consumidor não conseguir concluir o tratamento que lhe foi indicado. Além da estipulação do CDC, há, como disse, uma norma específica da ANVISA. É a do § 2º do artigo 51 da RDC Nº 44, de 17 de agosto de 2009, firmada nesses termos: "Art. 51. A política da empresa em relação aos produtos com o prazo de validade próximo ao vencimento deve estar clara a todos os funcionários e descrita no Procedimento Operacional Padrão (POP) e prevista no Manual de Boas Práticas Farmacêuticas do estabelecimento. §1º O usuário deve ser alertado quando for dispensado produto com prazo de validade próximo ao seu vencimento. §2º É vedado dispensar medicamentos cuja posologia para o tratamento não possa ser concluída no prazo de validade." Desse modo, deixo o alerta: o usuário deve observar o prazo de validade na relação com a necessidade e a possibilidade do consumo e, no caso da farmácia, ela está proibida de vender produtos cuja posologia para o tratamento não possa ser concluída dentro do prazo de validade.
quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Capitalismo e ocultação: onde está a verdade?

As redes sociais são democráticas. E, pelo bem ou pelo mal, permitem que possamos refletir sobre o mundo que nos rodeia e sobre muitas ocorrências do mundo inteiro. Está difícil saber o que é verdade e o que é fake? Talvez seja melhor assim. Antes eram poucos os canais que comunicavam os fatos. Agora, são milhares. Sei que gera um certo desconforto mas, pelo menos, opções de circunstâncias para pensarmos não faltam. A sociedade em que vivemos gerou mesmo uma melhor vida para as pessoas? Estamos mais equipados para viver bem? O consumo melhorou de qualidade? E o planeta está sendo destruído por conta disso tudo? É culpa do sistema de produção e consumo? Sem querer opinar sobre as respostas neste momento, um fato é constatável: o consumo no planeta é desiquilibrado. Se a forma de consumo dos países desenvolvidos se estendessem à todos os cantos da terra, certamente, a devastação seria maior do que a que já existe. Será que estamos conscientes disso? Não sei. Aos poucos vão surgindo ilhas de conhecimento e esperança aqui e ali. Meu amigo Outrem Ego, sempre muito preocupado com essas questões, contou-me essa história recebida de um conhecido. Disse ele que, logo depois da abolição das sacolas plásticas pelos supermercados, que eram oferecidas de graça e, com isso, as novas, biodegradáveis, passaram a ser cobradas, uma professora aposentada foi fazer compras num supermercado e estranhou que tivessem cobrado dela o valor de meia dúzia de sacolinhas. O caixa, talvez cansado com o expediente, não foi muito simpático com ela e disse: - A senhora deveria trazer suas próprias sacolas para as compras. Não damos mais sacolas de plástico, pois elas estragam o ambiente. A professora pediu desculpas e falou: - Não havia essa onda verde no meu tempo. O caixa continuou no mesmo tom: - Minha senhora, esse é o nosso problema hoje. As gerações passadas... A sua geração não se preocupou o suficiente com o nosso meio ambiente. Ela, então, humildemente, falou: - Você está certo. Nossa geração não se preocupou adequadamente com o meio ambiente. Naquela época, as garrafas de leite, garrafas de refrigerante e de cerveja eram devolvidas à loja. A loja mandava de volta para a fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reuso, e eles, os fabricantes de bebidas, usavam as garrafas, umas tantas outras vezes. Realmente, não nos preocupamos com o ambiente no nosso tempo. Subíamos as escadas, porque não havia escadas rolantes nas lojas e nos escritórios. Caminhávamos até a padaria, ao invés de usar o nosso carro, a cada vez que precisamos ir a dois quarteirões de casa. Não nos preocupávamos com o ambiente. Até as fraldas de bebês eram lavadas: não havia fraldas descartáveis. A secagem era feita por nós mesmos, não nestas máquinas secadoras elétricas. A energia solar e eólica é que realmente secavam nossas roupas. Os filhos menores usavam as roupas que tinham sido de seus irmãos mais velhos, e não roupas sempre novas. Mas é verdade: não havia preocupação com o ambiente, naqueles dias. Naquela época tínhamos somente um aparelho de tevê ou um rádio em casa, e não uma tevê em cada cômodo. E a tela era de 14 ou no máximo 20 polegadas; e não um telão do tamanho de um estádio; que depois será descartado, sabe-se lá como. Na cozinha, tínhamos que bater tudo com as mãos porque não havia batedeiras elétricas, que fazem tudo por nós. Quando enviávamos algo frágil pelo correio, usávamos jornal velho como proteção, e não plástico bolha ou pellets de plástico que duram cinco séculos para começar a degradar. Naqueles tempos não se usava motor a gasolina para cortar a grama; era utilizado um cortador de grama que exigia músculos. O exercício era extraordinário, e não se precisava ir a uma academia e usar esteiras que também funcionam à eletricidade. Recarregávamos nossas canetas com tinta inúmeras vezes ao invés de comprar outra. Amolávamos as navalhas, ao invés de jogar fora aparelhos descartáveis, quando a lâmina perdia o corte. Havia só uma tomada em cada quarto, e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos. E não precisávamos de GPS para receber sinais de satélites no espaço para encontrar a pizzaria mais próxima. Meu caro, não é mesmo incrível que a atual geração, a sua geração, fale de meio ambiente, mas nem pense em viver um pouco como na minha época?
Veja, meu caro leitor, o que aconteceu com uma médica, amiga minha. Segue o depoimento dela, "in verbis": "Domingo dia 25/08, comprei um celular (...). Segunda-feira não olhei para a cara do aparelho, e na terça-feira peguei para configurar, pois a portabilidade ocorreria na quarta-feira. Foi quando vi que a câmera não estava funcionando. Resolvi ir na loja da (... operadora) no shopping (...), onde comprei; lá o vendedor constatou que a câmera não funcionava e que o celular veio com defeito, mas disse que a política da loja era não trocar o aparelho. No mesmo shopping, fui até a loja da (... fabricante), onde o vendedor constatou que era problema de hardware, mas disse também que a política é não trocar e sim, eu teria que ir até uma assistência técnica (...) para eles estudarem o defeito e darem um laudo depois de x mil dias". Começo com uma ironia violadora dos direitos dos consumidores: foram os fabricantes que tornaram o smartphone um produto essencial. É assim que eles são anunciados e vendidos em todo o mundo. E assim eles se tornaram. E com preços altíssimos. Mas, na hora de atender o consumidor e cumprir a lei, eles são "meros produtos"? Respondo: não! Não são! Trata-se, evidentemente, de um produto essencial, que merece tratamento diferenciado, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). É incrível, mas, ao que parece, ainda falta muito para que o mercado de consumo brasileiro se alinhe com o que há de mais moderno em termos de respeito aos direitos dos consumidores. Quem diria que uma empresa poderosíssima, produtora desses aparelhos, que se apresenta como moderna e de ponta, quando chega aqui, em terras tupiniquins, atua da mesma forma que qualquer vendedor de quinta categoria quando se trata de respeitar seus clientes. Parece que diz: "levou o produto? Ele não funciona. Problema seu. Estamos com seu dinheiro bem investido. Volte daqui a trinta dias, que ele estará funcionando". Mas vejamos o que diz a lei. Com efeito, dispõe o art. 18 do CDC: "Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas." É verdade que a lei fala em 30 dias: "§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço." Porém, o parágrafo 3º do mesmo artigo diz: "§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo, sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial" (grifei). Ou seja, o consumidor, sempre que tiver produto enquadrado nas hipóteses do § 3º, poderá fazer uso imediato - isto é, sem conceder qualquer prazo ao fornecedor - das alternativas previstas no § 1º, quais sejam: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço. A escolha, naturalmente, é do consumidor. Das hipóteses previstas, a que nos interessa é a da relativa ao produto essencial, que, todavia, a lei não define. E o que seria? Ora, produto essencial é aquele de que o consumidor necessita para a manutenção de sua vida com dignidade, diretamente ligado à saúde, higiene pessoal, limpeza, segurança etc. E, claro, se o consumidor adquire o produto para fins profissionais, a essencialidade está ligada ao uso necessário e urgente para seu mister. Não se pode esquecer de que quando a lei refere o produto essencial, está supondo essa qualidade na relação com o consumidor que dele necessita. O produto é "essencial" para o usuário e não para o fabricante ou vendedor. No caso narrado por minha amiga, evidentemente, o aparelho havia de ser trocado na hora, sem mais delongas, por outro igual em perfeitas condições de uso. Bastava fazer a troca e pronto. Por conta dessa denúncia, tudo indica que o padrão de atendimento nesses casos está estabelecido em franca violação ao direito dos consumidores. Espero que as autoridades do setor tomem as providências cabíveis. Aliás, fiquei sabendo que o Procon de São Paulo - que está numa fase excelente - vai editar súmulas com orientações sobre como cumprir a lei. Quem sabe não possa editar uma sobre este assunto.
Antes de iniciar, quero consignar o óbvio: todos só podem ser contra a destruição da Floresta Amazônica ou de qualquer outra floresta. Não consigo ficar de fora do assunto que está bombando há dias, especialmente diante das informações enganosas que circulam em todo o mundo. É de perguntar, como é que as pessoas acreditam? Existe muita fake news e muita opinião espúria de má-fé ou enganada mesmo. Há um excelente vídeo que circula pelas redes, tratando da internacionalização da Amazônia brasileira. É um trecho do Programa Provocações, apresentado por Antônio Abujamra. Ele narra a intervenção de Cristovam Buarque numa Universidade americana em 2001. Não sei se é fake. Não parece. Mas, como a exposição é muito boa, transcrevo abaixo para que você, leitor, tome conhecimento. É a resposta de Cristovam Buarque a uma pergunta sobre o que ele pensava da internacionalização da Amazônia. Quem perguntou disse que aguardava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Eis a resposta: "Como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, eu posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo mais que tenha importância para a humanidade. Se sob uma ética humanista, a Amazônia deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Isso. Internacionalizar o capital financeiro dos países ricos. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Nós não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Neste momento, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos Estados Unidos. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada; pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda humanidade, assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife; cada cidade com sua beleza específica, sua história do mundo deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixa-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos Estados Unidos, até porque eles já demostraram que são capazes de usar essas armas provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os candidatos à presidência dos Estados Unidos têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha a possibilidade de comer e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças, tratando todas elas como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro, ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar ou que morram quando deveriam viver. Como humanista, eu aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, eu lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa". Caro leitor, segundo Antônio Abujamra, essa resposta de Cristovam Buarque foi publicada no New York Times, no Washington Post, nos maiores jornais da Europa e do Japão em agosto de 2001, mas não foi publicada no Brasil.
quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A obesidade infantil em alta

Uma das características marcantes de nossa época é a de se fixar dia para uma série de comemorações. Umas interessantes e realmente importantes, outras nem tanto e várias feitas apenas para que as vendas de produtos e serviços aumentem. Muito bem. No próximo dia 29 de setembro será comemorado o Dia Mundial do Coração. E ele foi criado para lembrar as pessoas que devem ter hábitos saudáveis de alimentação e com o corpo, fazendo atividades físicas. Resolvi escrever sobre o tema agora (algo de que já cuidei aqui), porque li, recentemente, uma matéria com dados alarmantes: "Uma criança obesa tem 80% de chance de se tornar um adulto obeso" e "Entre meninos e meninas de 5 a 9 anos, 33% já estão acima do peso e 15% são considerados obesos. Nesse ritmo, a estimativa é que a obesidade atinja 11,3 milhões de brasileirinhos em 2025"1. Quem são os responsáveis por esse tipo de problema? Não resta dúvida que a boa a alimentação e a boa saúde na infância geram melhor qualidade do corpo adulto. O problema é o que fazer com os hábitos alimentares errados e viciados dos que são adultos e, especialmente, dos pais. Penso que são muitas as variáveis que envolvem essa questão. Os pais, certamente, têm responsabilidade, mas não só eles. É preciso mais: políticas públicas específicas; as escolas devem adotar posturas adequadas para venda de produtos em suas cantinas, além de discussão sobre o tema com seus alunos; é preciso controlar mais ainda a publicidade, especialmente à dirigida aos jovens. Enfim, não parece ser uma batalha simples nem fácil. Quanto ao mercado, o fato é que o publicitário conhece a alma do consumidor profundamente: sabe quais são seus desejos, seus interesses, suas necessidades e, a partir disso, produz seus anúncios para vender produtos alimentícios ou não. Mas, é de espantar o desconhecimento de muitos consumidores sobre as propriedades e funções dos produtos alimentícios, a despeito de todas as informações que são lançadas via imprensa escrita, falada, nos portais da web etc.. Muitas pessoas continuam engordando mal (não há qualquer problema em estar acima do peso esperado para a idade, estatura, gênero, desde que se tenha saúde) com sérios problemas para sua qualidade de vida. E, por outro lado, é também sabido que é possível alimentar-se bem e com prazer sem qualquer prejuízo à saúde. Peguemos o exemplo dos alimentos de baixo teor nutritivo e repleto de ingredientes que fazem mal ao organismo como sódio, açúcares, gorduras, conservantes etc.. Parece existir informação suficiente sobre seus malefícios. É algo que deveria ser tranquilamente conhecido de todos os consumidores. Seu consumo excessivo deveria ser, realmente, evitado como algo óbvio. No entanto, não é isso o que ocorre. Não resta dúvida que a legislação pode fazer muito em benefício da saúde dos consumidores e, em especial, das crianças, restringindo, por exemplo, a venda de porcarias nas cantinas escolares. Mas, repito, cabe, também, aos pais adotarem hábitos alimentares mais saudáveis para si e para seus filhos. E para saber o que são bons hábitos alimentares basta um click na web. Anoto que não há problema algum em comer um hambúrguer ou um belo churrasco ou, ainda coxinhas e pastéis, desde que não seja diariamente e que a alimentação do dia a dia seja balanceada, nutritiva e, claro, saudável. A ida a uma lanchonete para comer um cheese burguer com batatas fritas pode ser um divertido momento de lazer sem causar danos à saúde, mas se for exatamente isso: um momento de lazer e não uma rotina calórica constante. __________ 1 O perigo da obesidade infantil no Brasil e quais suas principais causas.
Continuo a tratar a responsabilidade civil objetiva no CDC, análise que iniciei no artigo anterior. Já vimos que um fato é inevitável (e incontestável): há e sempre haverá produtos e serviços com defeito. Vejamos, agora como o CDC cuida desse problema. Tendo em vista esse fato, a lei 8.078 resolveu controlar - e o fez de forma adequada -- o resultado da produção viciada/defeituosa, cuidando de garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos. Note-se que a questão do vício/defeito envolve o produto e o serviço em si, independentemente da figura do produtor (bem como de sua vontade ou atuação). O produto e o serviço são os causadores diretos do dano ao consumidor. O fornecedor só é considerado na medida em que é o responsável pelo ressarcimento dos prejuízos. Nesse ponto tenho, então, de colocar outro aspecto relevante, justificador da responsabilidade do fornecedor, no que respeita ao dever de indenizar: o da origem do fundo capaz de pagar os prejuízos. É a receita e o patrimônio do fabricante, produtor, prestador de serviço etc. que respondem pela indenização relativa ao prejuízo sofrido pelo consumidor. O motivo, aliás, é simples: a receita e o patrimônio abarcam "todos" os produtos e serviços oferecidos. "Todos", isto é, tanto os produtos e serviços sem vício/defeito quanto aqueles que ingressaram no mercado com vício/defeito. O resultado das vendas, repita-se, advém do pagamento do preço pelo consumidor dos produtos e serviços bons e, também, dos viciados/defeituosos. Usando o mesmo cálculo que fiz e apresentei no artigo anterior: vamos supor uma produção de 100.000 liquidificadores/mês e um vício/defeito no final do ciclo de produção de apenas 0,1%. O mercado receberá 100.000 liquidificadores e o produtor aferirá uma receita advinda de sua totalidade. Acontece que apenas 99.900 consumidores adquirirão efetivamente liquidificadores em perfeito estado de funcionamento. Os outros 100 arcarão com o ônus de ter comprado os liquidificadores com vício/defeito. Nesse ponto, é preciso inserir outro princípio legal justificador do tratamento protecionista dos consumidores que adquiriram os produtos viciados/defeituosos. É o princípio constitucional da igualdade. Não teria, nem tem cabimento, que os 100 consumidores que adquiriram os liquidificadores com vício/defeito e que pagaram por eles o mesmo preço dos demais 99.900 consumidores, não tivessem os mesmos direitos e garantias assegurados a estes últimos. Para igualá-los, é preciso que: a) recebam outro produto em condições perfeitas de funcionamento; b) aceitem o valor do preço de volta; c) ou, ainda, sejam ressarcidos de eventuais outros prejuízos sofridos. É dessa forma que se justifica a estipulação de uma responsabilidade objetiva do fornecedor. E há mais elementos que explicam porque o sistema normativo do CDC adotou a responsabilização objetiva. É o relacionado não só à dificuldade da demonstração da culpa do fornecedor, assim como ao fato de que, efetivamente, muitas vezes, ele não tem mesmo culpa de o produto ou serviço terem sido oferecidos com vício/defeito. Essa é a questão: o produto e o serviço são oferecidos com vício/defeito, mas o fornecedor não foi negligente, imprudente nem imperito. Se não tivéssemos a responsabilidade objetiva, o consumidor terminaria fatalmente lesado, sem poder ressarcir-se dos prejuízos sofridos (como era no regime anterior). Aqueles 100 consumidores que adquiriram os liquidificadores com vício/defeito, muito provavelmente, não conseguiriam demonstrar a culpa do fabricante. Explicando melhor: no regime de produção em série o fabricante, produtor, prestador de serviços etc. não podem ser considerados, à priori, negligentes, imprudentes ou imperitos. É que o produtor contemporâneo, em especial aquele que produz em série, como regra não age com culpa. Ao contrário, numa verificação de seu processo de fabricação, perceber-se-á que no ciclo de produção trabalham profissionais que avaliam a qualidade dos insumos adquiridos, técnicos que controlam cada detalhe dos componentes utilizados, engenheiros de qualidade que testam os produtos fabricados, enfim, no ciclo de produção como um todo não há, de fato, omissão (negligência), ação imprudente ou imperita. No entanto, pelas razões já expostas, haverá produtos e serviços viciados/defeituosos. Vê-se, só por isso, que, se o consumidor tivesse de demonstrar a culpa do produtor, não conseguiria. Ademais, ainda que culpa houvesse, sua prova como ônus para o consumidor levaria ao insucesso, pois o consumidor não tinha e não tem acesso ao sistema de produção e, também, a prova técnica posterior ao evento danoso teria pouca possibilidade de demonstrar a culpa. Registro, por fim, que o CDC intitula a seção que cuida do tema como "Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço", porque a norma, dentro do regramento da responsabilidade objetiva, é dirigida mesmo ao fato do produto ou serviço em si. É o "fato" do produto e do serviço causadores do dano o que importa. Costuma-se também falar em "acidente de consumo" para referir ao fato do produto ou do serviço. Algumas observações são necessárias a respeito disso. A expressão "acidente de consumo", muito embora largamente utilizada, pode confundir, porque haverá casos de defeito em que a palavra "acidente" não fica muito adequada. Assim, por exemplo, fazer lançamento equivocado no cadastro de devedores do Serviço de Proteção ao Crédito é defeito do serviço, gerando responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem. Porém, não se assemelha em nada a um "acidente"; comer algum alimento e depois sofrer intoxicação por bactéria que lá estava gera, da mesma maneira, dano, mas ainda assim não se assemelha propriamente a acidente. De outro lado, a lei fala em "fato" do produto. A palavra fato permite uma conexão com a ideia de acontecimento, o que implica, portanto, qualquer acontecimento. Lembro, de todo modo, que se tem usado tanto "fato" do produto e do serviço quanto "acidente de consumo" para definir o defeito. Porém, o mais adequado é guardar a expressão "acidente de consumo" para as hipóteses em que tenha ocorrido mesmo um acidente: queda de avião, batida do veículo por falha do freio, quebra da roda-gigante no parque de diversões etc., e deixar fato ou defeito para as demais ocorrências danosas. Em qualquer hipótese, aplica-se a lei. O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce, portanto, do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrente. Fica, assim, demonstrada, a teoria - e a realidade - fundante da responsabilidade civil objetiva estatuída no CDC, assim como as amplas garantias indenizatórias em favor do consumidor que sofreu o dano - ou seus familiares ou, ainda, o equiparado e seus familiares.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores pelos danos advindos dos defeitos de seus produtos e serviços (arts. 12, 13 e 14) e ofereceu poucas alternativas de desoneração (na verdade, de rompimento do nexo de causalidade) tais como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Para que se possa compreender o porquê dessa ampla responsabilização, é preciso conhecer a teoria do risco do negócio ou da atividade, que é sua base e que eu examino na sequência. A Constituição Federal garante a livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, em harmonia com uma série de princípios (CF, art. 170), iniciativa esta que é, de fato, de uma forma ou de outra, característica da sociedade capitalista contemporânea. E uma das características principais da atividade econômica é o risco. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa, a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empresário é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele. É claro que são muitas as variáveis em jogo, e que têm que ser avaliadas, tanto mais se existir uma autêntica competitividade no setor escolhido. Os insumos básicos para a produção, os meios de distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou ao serviço a serem produzidos, a qualidade destes, o preço, os tributos etc. são preocupações constantes. Some-se o desenvolvimento de todos os aspectos que envolvem o marketing e em especial a possibilidade - e, praticamente, a necessidade - da exploração da publicidade, arma conhecida para o desenvolvimento dos negócios. O empreendedor, então, leva (deve levar) sempre em consideração todos os elementos envolvidos. Aqui o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual acrescentarei um outro: o do custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio. A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo, para ser suportável, tem de ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem de ser considerado. Descobrir o ponto de equilíbrio de quanto risco vale a pena correr a um menor custo possível, para aferir a maximização do benefício, é uma das chaves do negócio. Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele voltado à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente a adequação, a finalidade, a proteção à saúde, a segurança e a durabilidade. Tudo referendado e complementado pela informação. Em realidade, a palavra "qualidade" do produto ou do serviço pode ser o aspecto determinante, na medida em que não se pode compreender qualidade sem o respeito aos direitos básicos do consumidor. E nesse ponto da busca da qualidade surge, então, nova e particularmente, o problema do risco/custo/benefício, acrescido agora de outro aspecto considerado tanto na teoria do risco quanto pelo CDC: a produção em série1. Com a explosão da revolução industrial, a aglomeração de pessoas nos grandes centros urbanos e o inexorável aumento da complexidade social, exigia-se um modelo de produção que desse conta da sociedade que começava a surgir. A necessidade de oferecer cada vez mais produtos e serviços para um número sempre maior de pessoas, fez com que a indústria passasse a produzir em grande quantidade. Mas o maior entrave para o crescimento da produção era o custo. A solução foi a produção em larga escala e em série, que, a partir de modelos previamente concebidos, permitia a diminuição dos custos. Com isso, era possível fabricar mais bens para atingir um maior número de pessoas. O século XX inicia-se sob a égide desse modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, com um custo de produção menor de cada um dos produtos, possibilitando que fossem vendidos a menor preço individual, com o que maiores parcelas de consumidores passaram a ser beneficiadas. A partir da Segunda Guerra Mundial, esse projeto de produção capitalista passou a crescer numa velocidade jamais imaginada, fruto do incremento dos sistemas de automação, do surgimento da robótica, da telefonia por satélites, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc. Muito bem. Em produções massificadas, seriadas, é impossível assegurar como resultado final que o produto ou o serviço não terá vício/defeito. Para que a produção em série conseguisse um resultado isento de vício/defeito, seria preciso que o fornecedor elevasse seu custo a níveis altíssimos, o que inviabilizaria o preço final do produto e do serviço e desqualificaria a principal característica da produção em série, que é a ampla oferta para um número enorme de consumidores. Dessa maneira, sem outra alternativa, o produtor tem que correr o risco de fabricar produtos e serviços a um custo que não prejudique o benefício. Aliado a isso está o indelével fato de que produções desse tipo envolvem dezenas, centenas ou milhares de componentes físicos e eletrônicos que se relacionam, operados por outra quantidade enorme de mãos que os manuseiam direta ou indiretamente. A falha é inexorável: por mais que o fornecedor queira, não consegue evitar que seus produtos ou serviços cheguem ao mercado sem vício/defeito. Mesmo nos setores mais desenvolvidos, em que as estatísticas apontam para vícios/defeitos de fabricação próximos de zero, o resultado final para o mercado será a distribuição de um número bastante elevado de produtos e serviços comprometidos. E isso se explica matematicamente: supondo um índice percentual de vício/defeito no final do ciclo de fabricação de apenas 0,1% (percentual raro, eis que, de fato, eles são mais elevados) aplicado sobre alta quantidade de produção, digamos, 100.000 unidades, ter-se-ia 100 produtos entregues ao mercado com vício/defeito. Logo, temos de lidar com esse fato inevitável (e incontestável): há e sempre haverá produtos e serviços com vício/defeito. Continua na próxima semana. __________ 1 Por causa disso, a responsabilidade objetiva tal como regulada remanesce como um grande problema, praticamente insolúvel, para aqueles que não produzem em série, especialmente pequenos produtores, micro produtores e fabricantes pessoas físicas de produtos manufaturados e pequenos prestadores de serviços (pessoas físicas e jurídicas). A lei consumerista não abre exceção para tais fornecedores, que acabam tendo que arcar com o peso da responsabilidade objetiva, como se grandes fornecedores de produtos e serviços em série fossem.
A palavra "mito" tem sido muito usada ultimamente. Por isso, resolvi retornar ao tema. Certa vez, referi uma antiga propaganda da Natura, na qual aparecia uma personagem fazendo uma enquete pelas ruas. Ela entrevistava as pessoas, perguntando "É mito ou verdade?". Num dos anúncios, ela dizia mais ou menos isso: "Se você usar sempre o mesmo perfume, com o tempo, você acaba deixando de perceber o cheiro, porque se acostuma com ele. É mito ou verdade?". Era - e é -- um exemplo de como, especialmente, a parte comercial da sociedade contemporânea acabou transformando o substantivo mito no adjetivo falso. Aliás, mito tornou-se sinônimo de algo não verdadeiro, o que acabou gerando a falsa ideia (essa sim) de que não só aquilo que é mito não existe como não tem função. Acontece que não é bem assim. A realidade do mito mostra algo muito diferente. Com efeito, os filósofos, semiólogos e linguistas dizem que, ao contrário do que usualmente se pensa, o mito é uma realidade. Ele apresenta algo muito concreto e vivo. Aliás, é mais do que isso: o mito é uma fala real, que conta uma história sagrada e que apresenta um modelo exemplar. "O mito é uma fala1" , afirma Roland Barthes. Naturalmente, como diz o semiólogo francês, não é uma fala qualquer. Trata-se de um sistema de comunicação, de uma mensagem. E, como mensagem, pode ser representada por um texto escrito ou oral, assim como por imagens. Desse modo, "a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isto pode servir de suporte a fala mítica"2 . E se, de fato, Barthes tiver razão, como penso que tem, o mito, ao contrário de significar uma falsidade, expressa algo verdadeiro, ainda que as pessoas possam não perceber. Aliás, esse caráter de oculto do mito talvez seja uma de suas características mais marcantes nas sociedades contemporâneas. Para compreender o que quero dizer, cito o filósofo romeno Mircea Eliade. Buscando definir o mito, ele explica que este conta uma história sagrada. O mito "relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 'princípio'. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas de Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir"3. O mito narra uma história sagrada e verdadeira, que se refere ao ato de criação de alguma coisa. "É o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, revelando a atividade criadora de um personagem sobrenatural, desvendando, portanto, acima de tudo, o caráter de sacralidade"4. E, como diz o estudioso romeno, o mito "fornece os modelos para a conduta humana, conferindo, por isso mesmo significação e valor à existência5". Importante frisar esse aspecto de sagrado do mito e também seu caráter exemplar, pois sua comunicação em tempos modernos é capaz de encantar, de seduzir, de envolver o espectador em função de sua essência misteriosa. "O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou heróis civilizadores"6. Do ponto de vista comportamental, o "mito representa um certo modo de estar no mundo"7. Estudado no mundo contemporâneo, vê-se que suas conotações essenciais permanecem as mesmas: modelo exemplar, repetição, ruptura do período profano e integração do tempo primordial. As duas primeiras são, inclusive, "consubstancias a toda condição humana"8. Assim, por exemplo, as comemorações do Ano Novo ou das festas que marcam um "começo"; a necessidade de encontrar heróis (em vários locus, tais como na guerra, nas artes, nas competições, nas diversões públicas etc.) e a imitação de suas ações; os grandes espetáculos como as touradas, as corridas e demais encontros esportivos, que têm um ponto em comum: "desenrolam-se num 'tempo concentrado', de uma grande intensidade, resíduo ou sucedâneo do tempo mágico-religioso"9. Aliás, não é à toa, que o capitalismo contemporâneo e seus sistemas de comunicação que visam à sedução e o controle dos consumidores, utilizam-se de várias formas míticas para apresentarem seus produtos e serviços. Os símbolos e rituais dos mitos estão presentes em vários modos de comunicação mercadológica que, por causa de suas funções primordiais e, por isso, da capacidade de gerar enternecimento, empatia e magnetismo geram altos resultados junto ao público alvo. Os consumidores, deslumbrados, admirados e hipnotizados agem e se comportam do modo como os fornecedores esperam que eles se comportem. E mesmo fora da esfera do mercado capitalista, o mito pode ter um poder de influência muito grande em termos de comunicação. __________ 1 Mitologias. RJ:Bertrand, 9ª. Edição, 1993, p.131. 2 Idem, Ibidem, p. 132. 3 Mito e Realidade. São Paulo: Perpesctiva, 3ª. Edição, 1991, p. 11. 4 Maria da Piedade Eça de Almeida, Mito: metádora viva?, in As razões do Mito. Campinas:Papirus, Regis de Morais (organizador), 1ª. Edição, 1988, p. 63. 5 Idem, Ibidem, p. 8 6 O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.80. 7 Mitos, sonhos e mistérios, de Mircea Eliade. Lisboa:Edições 70, p.20. 8 Idem, Ibidem, p. 21. 9 Idem, Ibidem p. 23.  
quinta-feira, 27 de junho de 2019

Mais abusos das companhias aéreas

Então, tá. Eu estou cansado. E, você meu caro leitor, não está também cansado de ler e ver tanta balela, tanto sofisma, empulhação e argumentos absurdos para defender o que quer que seja? Parece mesmo que basta falar ou fazer qualquer coisa que se queira e defender sua validade que já está tudo bem. Onde anda a razão? O que é mesmo a racionalidade? Veja este exemplo banal. Banalíssimo, de sofisma: as cias aéreas (ah, novamente as cias áreas...) estão cobrando para que o consumidor marque o assento! Pois é. Pergunto: quando eu compro uma passagem aérea é para viajar em pé ou sentado? Por enquanto, é sentado. Qualquer dia se inventam viagens de avião em pé, pois, em matéria de qualidade de prestação de serviços, esse é um dos setores que mais decaiu nos últimos anos. Infelizmente, num setor de transporte como esse, tão importante, o consumidor tem sido tratado como mero número. Sei que faz tempo que muitos setores tratam o consumidor como mero número. O problema é que, nesse tipo de atividade, o consumidor é refém do prestador do serviço. Quando ele vai viajar, fica totalmente à mercê do transportador. Sua fragilidade é enorme. A palavra hipossuficiência é sua característica básica. Recentemente, a Fundação Procon de São Paulo multou as companhias aéreas Azul, Gol e Latam Brasil pela prática de cobrança antecipada pela escolha de assento nos voos1. E fez muito bem, pois é evidente o abuso praticado. Agora, veja o que disseram as empresas: a Latam informou em nota que a escolha antecipada de assento "é um serviço opcional". A Gol disse que a marcação do assento "pode ser realizada de forma totalmente gratuita com 48 horas de antecedência do voo". E a Azul disse que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor "já se posicionaram no sentido de que trata-se de um serviço adicional e de que não há qualquer ilegalidade na cobrança". "Caso o cliente não tenha interesse em reservar um assento específico de maneira antecipada, é possível realizar a marcação, indistintamente e sem qualquer cobrança adicional, a partir de 48 horas antes da data do voo", informou a Azul2. Ora, quando um consumidor compra um ingresso para ir ao teatro ou ao cinema, ele tem direito ao assento. Quando compra uma passagem para viajar de ônibus, de trem ou de avião também tem direito ao assento. O transporte pressupõe o assento. Estão ligados. Não podem ser oferecidos separadamente. Na verdade, o que o consumidor compra é o lugar no cinema, no teatro, no ônibus, no avião. Ele compra o assento. O máximo que se admite é cobrar diferenciadamente por lugares especiais (como a cabine executiva, por exemplo), mas ainda assim com a marcação do local no ato da compra da passagem. A manobra das cias aéreas é evidente: permitir a marcação do lugar nas 48 horas que antecedem o voo é o mesmo que obrigar a pagar pela marcação em data anterior. O consumidor tem o direito de escolher o lugar quando adquire a passagem. Não tem que esperar a véspera da viagem. Isso vale para quem viaja sozinho e se agrava para os que viajam acompanhados, pois estes logicamente querem estar juntos e, se deixarem para a véspera, podem não conseguir. A situação do consumidor nessa área é mesmo muito ruim. E pelo que disse a Azul, a ANAC já autorizou o abuso. Incrível! Quando é que essa agência ANAC vai agir de acordo com a lei? Quanto às companhias aéreas, eu já estou sem esperança. __________ 1 Procon multa Gol, Latam e Azul por cobrança antecipada de assentos. 2 Conforme mesma matéria apontada na nota anterior.  
Por causa do projeto do presidente Jair Bolsonaro, recentemente entregue à Câmara dos Deputados, eu volto ao assunto. Antes de mais nada, e para evitar confusão, coloco o óbvio: qualquer pessoa deve ser a favor da punição a motoristas infratores, especialmente aqueles que colocam em risco a segurança e a vida dos demais (e de si mesmos). Por isso, é fundamental existirem leis que determinem o controle do trânsito, que fixem punições e estipulem critérios de aferição das infrações. No entanto, existem várias infrações ligadas ao uso de veículos que não acarretam nenhum tipo de perigo ou risco à comunidade ou às demais pessoas. Estão entre essas infrações, por exemplo, estacionar em local proibido, estacionar nas chamadas "zonas azuis" sem a colocação do cartão ou uso de aplicativos, trafegar com o veículo no horário proibido nas cidades com sistema de rodízio, como a capital de São Paulo etc. É verdade que se pode objetar que o estacionamento em alguns locais pode gerar transtorno no trânsito, como, por exemplo, na av. Paulista, em São Paulo. Nesse caso, a infração seria mais grave que estacionar em outro local proibido de menor movimento. No entanto, nem assim se justificaria, como veremos, a aplicação da pena de suspensão ou perda do direito de dirigir. Bastaria guinchar o veículo e, na hipótese, aplicar uma multa maior que as demais. Isso sim seria adequado: multas diferentes para estacionamento em local proibido em ruas diferenciadas. Ora, ainda que se admita que infrações desse tipo possam gerar a imposição de uma multa pecuniária, nada justifica que se imponha a perda ou a suspensão do direito de o motorista continuar dirigindo por infrações dessa ordem. Aliás, ao contrário, como mostrarei, o Sistema Constitucional Brasileiro proíbe que uma lei possa impor penalidade desse tipo. Uma coisa é o motorista trafegar de forma perigosa, com o veículo sem condições de dirigibilidade, fazendo conversões proibidas, movimentando-se em velocidade excessiva, fazendo ultrapassagens perigosas, dirigindo embriagado etc. Outra, muito diferente, é ser pego trafegando no horário proibido pelo rodízio ou não ter colocado o cartão ou o aplicativo da zona azul ou, ainda, estacionar o veículo em local proibido. É bem fácil perceber que, no primeiro caso, o motorista representa um perigo à incolumidade física das demais pessoas, podendo no segundo, quando muito, gerar transtornos de ordem administrativa ou queda na arrecadação da verba prevista para o estacionamento nas vias públicas. A punição em cada hipótese deve ser - só pode ser - muito diferente. O problema está em que as normas de trânsito estabeleceram uma confusão entre as duas formas de ação dos motoristas. Ao criar um sistema de pontuação, no qual são somados, na mesma vala comum, os dois tipos de infrações, acabou gerando, concretamente, uma violação ao direito dos motoristas. Suponhamos que alguém que sempre dirija de forma adequada e preventiva, nunca excedendo a velocidade, não fazendo ultrapassagens proibidas etc., mas que tenha que usar o automóvel para trabalhar, seja apanhado dirigindo, no período de um ano, por cinco vezes, no horário proibido pelo rodízio. Ele somará 20 pontos (4 pontos de cada vez) e ficará sem a Carteira Nacional de Habilitação-CNH. No entanto, se, no mesmo período, outro motorista for multado por excesso de velocidade por duas vezes com pontuação gravíssima não sofrerá a mesma pena, pois terá somado apenas 14 pontos (7 de cada vez). O motorista perderá a habilitação se tiver, também, tantas autuações de zona azul e por estacionamento proibido quantas forem necessárias para atingir os 20 pontos ou mais. Os exemplos, claro, se multiplicam na exata medida das combinações de infrações e pontuações. O grave nisso tudo não é só a evidente injustiça concreta da situação em que se acabam colocando os cidadãos, mas também a distorção que o sistema gera, uma vez que acaba punindo o melhor motorista em detrimento do pior. Por isso, penso, este ponto da lei é inconstitucional. Como é sabido, o princípio da isonomia, assegurado na Constituição Federal (art. 5º, "caput" e inciso I) implica que, concretamente, ninguém possa ser tratado com desigualdade pela lei ou por seu agente aplicador. Não pode a lei, portanto, punir mais quem faz menos, sob pena de violar esse princípio constitucional. O mínimo que se pode esperar da norma nesse sentido é que, se ela pretende que se punam os infratores, que aquele que cometer o delito mais perigoso seja punido com mais rigor do que aquele que cometer o de menor gravidade. Acontece que, como vimos acima, a lei colocou num mesmo patamar infratores perigosos e infratores sem nenhuma periculosidade. E esse aspecto viola o princípio da igualdade. Aliás, é possível até que um infrator sem nenhuma periculosidade seja punido e o perigoso não seja, como mostrei. Antes de prosseguir, anoto que o fato de a infração relativa à zona azul ter pontuação 4 e, por exemplo, outra por excesso de velocidade ter 7 (ou seja, há mais pontos negativos para uma do que para outra) não modifica em nada o argumento. Isso porque não existe qualquer conexão lógica entre essas infrações. A natureza de cada infração é tão diferente que impede a comparação. Logo, não há relação entre o ponto negativo 4 de uma e o ponto negativo 7 de outra. Assim, não sendo - como não é - possível fazer analogia entre infrações tão diversas, elas não podem ser comparadas. A questão das punições do CTB é penal. Para o legislador penal ordinário existe um comando constitucional a ser observado na fixação da pena. É o chamado princípio da proporcionalidade. Ele funciona como parâmetro obrigatório para o legislador e apresenta três facetas: a) a pena deve ser graduada de acordo com a relevância do bem jurídico a ser tutelado; b) deve ser levada em conta a pessoa do infrator; c) deve ser considerado o caráter retributivo, isto é, a pena deve ter a mesma pujança da conduta violadora; deve ser fixada levando em conta esse paralelo: a relação existente entre a infração delituosa e a pena. O art. 5º, XLVI, da Carta Magna dispõe que: "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos". Ora, conforme expus, as normas de trânsito, ao fixar a pena de suspensão do direito de dirigir para os casos de infração de natureza meramente administrativa, está em total dissonância com o texto constitucional. E pior: não está de acordo com nenhum dos critérios caracterizadores do princípio constitucional da proporcionalidade. Vejamos os detalhes. Não resta dúvida de que se trata de pena administrativa de suspensão de direitos (suspensão do direito de dirigir), podendo ir até seu perdimento (perda da CNH). E essa pena: a) primeiramente, não tem graduação na relação com o bem jurídico tutelado. Com efeito, estacionar em local proibido, não colocar o talão ou o aplicativo da zona azul ou trafegar no horário proibido pelo rodízio não tem relevância jurídica suficiente que possa conduzir à suspensão ou perda do direito de dirigir; b) em segundo lugar, como a fixação é objetiva e abstrata, aplicada indistintamente a todo e qualquer motorista, não leva em consideração a pessoa do infrator. É bem possível (aliás, deve estar acontecendo e muito) que um cidadão que jamais tenha dirigido um veículo em excesso de velocidade e/ou de forma perigosa, e que dirija há muitos e muitos anos sem nunca ter causado nenhum acidente, possa estar perdendo sua habilitação apenas e tão-somente porque teve que trafegar no horário proibido pelo rodízio ou porque se viu obrigado a estacionar em local proibido, ou, ainda, porque não tinha talão da zona azul (ou iphone) ou simplesmente se esqueceu de colocá-lo; c) em terceiro lugar, a suspensão do direito de dirigir ou o perdimento desse direito, nos casos que estou apontando, não seguem o critério da retribuição. É absolutamente desmedido suspender o direito de dirigir de quem não colocou no carro o talão da zona azul ou estacionou em local proibido ou, ainda, trafegou no horário proibido pelo rodízio. A única retribuição jurídico-constitucional adequada nesses casos é a fixação de multa. Nada mais. Finalizo, portanto, deixando consignada minha posição em prol de tantos quantos já se sentiram injustiçados por terem o direito legítimo de dirigir seus veículos cassado por infrações meramente administrativas. Se quisermos realmente construir uma nação democrática, precisamos ir a cada dia amoldando nosso sistema legal aos princípios e regras constitucionais de modo a evitar desigualdades e injustiças.  
quinta-feira, 6 de junho de 2019

A publicidade enganosa de pressão

Eu intitulo de "publicidade enganosa de pressão" os anúncios publicitários envolvidos no sistema de empurrar e tornar urgente a decisão de comprar pelo consumidor. Você, caro leitor, talvez já tenha comprado ou tentado comprar algo pela internet e vê no site do fornecedor um relógio ao lado ou no topo dizendo: "Esta oferta vale por 5 minutos. E o relógio vai correndo e o tempo diminuindo". É muito comum em sites de venda de ingressos. Ou então: "Outros 100 consumidores estão neste instante examinado este produto". Nas tevês e rádios é também comum: "Oferta válida por quinze minutos" ou "Oferta válida para os próximos dez interessados que ligarem". Eu fiz um teste hoje, antes de escrever este artigo. Vi um anúncio de um medicamento no site de notícias. Apertei sobre ele. Surgiu: "Você ganhou 10% de desconto mais frete grátis. Oferta válida por 5:00 minutos" e o relógio começou a correr. Deixei rolar. 5 minutos depois, o relógio zerou. Será que perdi o desconto? Apertei de novo sobre o produto e tudo começou novamente: a oferta de 10%, os 5:00 minutos com o relógio etc. Neste momento, enquanto você lê este artigo, a oferta com desconto e cinco minutos deve ainda estar lá. O consumidor ainda cai nesse tipo de esparrela? Se cai, cabe aos órgãos de defesa do consumidor agir para impedir esses anúncios. E eu li, na semana passada, um famoso marketeiro dizendo que as empresas mudaram sua forma de comunicação e que agora falam a verdade! Adorei a fake opinion dele... A respeito do tema, eis o depoimento de meu amigo Outrem Ego: "Vi um anúncio desses modernos sites que agora existem. Este podia ser visualizado quando se sintonizava no YouTube o canal de uma emissora de rádio. Como se tratava de um médico fazendo uma oferta de um produto 'miraculoso' para manter a próstata num tamanho razoável, eu resolvi assistir. Na verdade, usei a parte do anúncio que permitia ler ao invés de ouvir. Texto longo, com muitas afirmações que levam um homem idoso a sonhar por uma nova alegria com sua próstata. Fui lendo, lendo e vi que se tratava da assinatura de uma revista de saúde e que fazendo a assinatura da revista o consumidor ganharia o 'Manual da Próstata Perfeita'. Estava indo tudo bem, até que, quase no final, deparei com isso: 'A partir de agora, você já pode clicar no botão logo aqui embaixo pra reservar uma unidade do seu Manual da Próstata Perfeita'. Mas tem que ser agora. As unidades do Manual da Próstata Perfeita são limitadas (...) Portanto, essa oferta especial é por tempo limitado - ou até as unidades se esgotarem." Pronto! Estragaram tudo. Oferta por tempo limitado? As unidades do livro iriam se esgotar? Conta outra para tentar me enganar! As promessas já eram exageradas, mas tudo bem, havia esperança. Quando a mentira se tornou descarada, eu desisti! Quer dizer, então, que depois de um certo número de consumidores, eles vão parar de imprimir o material? Somente alguns privilegiados terão acesso ao livro? É o mesmo que dizer para leitores de algum romance que depois eu esgotar a edição não vão mais imprimir ainda que haja muitos interessados em comprar" De fato, meu caro amigo. Esse é mais um exemplo de tática de marketing para gerar urgência no ânimo do consumidor que se interessou pelo produto ou pelo serviço. É tão enganoso e tolo que soa como pueril! Mas, não muda o fato de que é enganoso. Nem dá para se questionar se o tal livro ajuda ou não a controlar o tamanho da próstata. A mentira estraga tudo, tornando falso o anúncio inteiro e fragilizando o produto anunciado. Repito: será que o consumidor acredita? Espero que não. Espero também que os órgãos de defesa do consumidor investiguem!
Carta aberta ao presidente da República: Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Há alguns dias, li no noticiário que V. Exa. iria manter integralmente a norma que garante a isenção na cobrança de bagagem dos consumidores aprovada pelo Congresso Nacional na Medida Provisória 863. Fiquei feliz, pois a medida é adequada e justa. Todavia, nesta semana li que parece ter surgido alguma dúvida a respeito do tema, eis que a chamada área técnica passou a indicar o veto desse trecho da MP. Fiquei triste. O Congresso Nacional acertou completamente na questão. Um dos órgãos que fez essa indicação foi a ANAC, que nem sempre atua em prol do direito dos consumidores. Já escrevi aqui nesta coluna e, por causa do momento, utilizarei parte dos meus argumentos lançados anteriormente por ocasião da aprovação pela ANAC de uma medida que permitiu que as cias. aéreas passassem a cobrar pelo despacho das bagagens. Lembro: a promessa da ANAC na época era a de que o preço das passagens cairia. E nós, consumeristas, falamos que não daria certo. Todos sabem que os preços subiram e o faturamento das companhias aéreas com despacho de bagagens foi às alturas. O Direito do Consumidor foi violado de forma clara. A ANAC conseguiu estragar algo que havia de bom no mercado brasileiro relativamente às bagagens nas viagens aéreas. Repito o que já disse mais de uma vez: não é porque algo é praticado em outros países que deve ser aqui implantado. Nem sempre é o melhor para o consumidor. E este é um bom exemplo disso. Nosso modelo era favorável aos viajantes. O retorno ao modelo determinado pelos parlamentares é muito bom! Lembro que meu amigo Outrem Ego fez uma reflexão importante sobre o assunto. Disse ele: "Do jeito como as coisas estão correndo, brevemente este será o diálogo que se travará num balcão de companhia aérea para o despacho de embarque: - Bom dia! Por favor, seu ticket...Vai viajar para onde? - Eu e minha esposa vamos para Paris. Eis nossos tickets. - Muito bem, Sr. João, pode subir na balança... Ah, o senhor pesa 90 quilos. Então, não tem direito a franquia de bagagem... Agora, a senhora dona Clara, pode subir. Sim, 60 quilos. A senhora tem direito a uma mala com vinte quilos. Dona Clara, então, virou-se para o marido e falou: - Viu João, como vale a pena fazer regime!" Meu amigo propôs uma discussão. Disse: "Uma família viajando junta, digamos, um casal e dois adolescentes com 13 e 14 anos, pesa (em média, digamos) muito menos que quatro adultos, mas paga o mesmo preço das passagens. Se é o peso o que importa, deveria pagar menos ou ter mais franquia de quilos nas bagagens". Ora, é deste modo que as pessoas devem ser consideradas? Muitas empresas - aquelas que prestam um mau atendimento - já consideram o consumidor apenas um número. Com esse andar da carruagem, o consumidor será considerado literalmente um peso. Agora o fato da odiosa discriminação: a própria natureza determinaria quanto vale uma pessoa dependendo da altura, do peso dos ossos, da condição de saúde etc.! Pelas regras que tiveram vigência até o dia 14 de março de 2017, os passageiros tinham o direito de despachar itens com até 23 quilos em voos nacionais e dois volumes de 32 quilos cada um em viagens internacionais sem pagar taxas extras. Segundo a agência reguladora, a medida de liberação do peso das bagagens geraria concorrência entre as companhias áreas, barateando o preço das passagens. Até poderia ser, mas para tanto seria necessário que houvesse concorrência. Quando mais de uma empresa opera o mesmo trajeto, é possível, mas somente se a demanda for abaixo da oferta. O pior é que, em vários trajetos nacionais e internacionais, os voos são oferecidos por apenas uma empresa. Ou seja: não há concorrência! Por que ela iria baixar o preço mesmo? Atualmente, as companhias aéreas cobram para reservar assentos, colocam preços diferentes dependendo do local da poltrona na mesma classe econômica, cobram por alimentos, impõem altas multas para remarcação de voos, enfim, sabe-se lá onde isso irá parar. Excelentíssimo Senhor Presidente, termino pleiteando em defesa do direito dos consumidores: sancione a MP 863 sem vetos!  
O que está acontecendo em Barão de Cocais é inacreditável. A mineradora Vale informou que tem certeza de que o talude norte da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, Região central de Minas Gerais, vai se romper. A estrutura tem se movimentado de seis a dez centímetros por dia e o paredão pode cair a qualquer momento. A mineradora informou que não é possível dizer exatamente qual será o impacto do rompimento do talude. Gabriel Garcia Marques, com a maestria de sempre, escreveu "Crônica de uma morte anunciada" mostrando a faceta da inevitabilidade. O assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos Vicario - para vingar a honra da irmã Angela - é conhecido de antemão pelos habitantes do local, mas ninguém faz nada para evitá-lo. O crime ocorre como uma fatalidade. Nós aqui por nossas terras tupiniquins, temos assistido uma série de situações de catástrofes que se repetem e essa da Vale é mais uma. É isso, então? A tragédia é inevitável e a conhecemos de antemão? A responsabilidade da mineradora é evidente. Mas, quero lembrar que o Estado é também responsável pelo acidente que está para ocorrer. Do ponto de vista jurídico, a questão principal da responsabilidade civil do Estado não envolve diretamente direito do consumidor - embora indiretamente sim, na questão da prestação dos serviços públicos essenciais. Mas, faço questão de apresentar, na sequência, um resumo dos direitos das pessoas afetadas e da responsabilidade dos agentes públicos, sempre na esperança de que um dia, no futuro, este mesmo destino insólito possa vir a ser modificado. O brasileiro não precisa sofrer sempre esse destino como se a tragédia fosse inevitável nem precisa ser uma vítima de um Estado inoperante, que conhece o futuro, mas se omite nas providências que devia tomar para modificá-lo. A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme parágrafo 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis. Anoto que, quando se fala em ação do agente público, isto é, conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder de polícia estatal. Nessa hipótese, então, a responsabilidade tem origem na falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de fiscalização adequada e/ou realização de obra considerada indispensável para evitar o dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza ou outro evento qualquer ou, ainda, interdição do local etc. Quanto aos danos, como se sabe, havendo morte, os familiares que são dependentes da pessoa falecida têm direito a uma pensão mensal, que será calculada de acordo com os proventos que ela tinha em vida. Do mesmo modo, a vítima sobrevivente pode pleitear pensão pelo período em que, convalescente, tenha ficado impossibilitado de trabalhar. Além da pensão, no cômputo dos danos materiais inclui-se todo tipo de perda relacionada ao evento danoso, tais como o desmoronamento da habitação, seu preço ou o custo para a construção de uma outra igual e todas as demais perdas efetivamente sofridas relacionadas ao evento. No caso de pessoa falecida, além dessas perdas, cabe pedir também indenização por despesas com estadia, locomoção e alimentação dos familiares que tiveram de cuidar da difícil tarefa de reconhecer o corpo e fazer seu traslado, despesas com o funeral etc. E tanto a vítima sobrevivente como os familiares próximos à vítima falecida podem pleitear indenização pelos danos morais sofridos, que no caso dizem respeito ao sofrimento de que padeceram e das sequelas psicológicas que o evento gerou. O valor dessa indenização será fixado pelo juiz no processo. De todo modo, é bom deixar consignado que o responsável em indenizar tem o dever de dar toda assistência às famílias das vítimas, inclusive propondo o pagamento de indenizações e pensões. Ademais, lembro que nas variáveis objetivas utilizadas pelo magistrado para fixar a quantia da indenização por danos morais, uma delas é a do aspecto punitivo. E, nesse incrível caso, o aspecto punitivo deve ser reforçado.  
Como ultimamente os meios de comunicação têm abordado com certa regularidade a questão do barulho, que causa danos e nem sempre têm tratado as questões jurídicas como exige o caso, eu aproveito para cuidar do assunto, lembrando, desde logo, que a violação do sossego no Brasil é mais um exemplo de como a sociedade é dividida e as pessoas são egoístas e desrespeitosas umas com as outras. Todos têm direito ao sossego, ao descanso, ao silêncio, direito este cada dia mais violado abertamente. Parece que nas sociedades industrializadas contemporâneas, nesta era capitalista do império globalizante em que vivemos, tudo faz barulho. Existe mesmo uma busca incessante em sua produção: são músicas em altos volumes nos automóveis, nas lojas e nos restaurantes, nos clubes, nas academias, nos intervalos dos espetáculos teatrais e nos cinemas, nos estádios de futebol, onde há também o barulho das torcidas que atinge toda a redondeza; nas festas de aniversário e de casamento; são shows ao vivo em estádios que vão muito além de suas arquibancadas; são bares, boates e danceterias que invadem o espaço dos vizinhos etc. De fato, todo o sistema é assim. Há excesso de ruído por todos os lados: dos veículos nas ruas, das máquinas nas fábricas, das construções, das oficinas etc. Trata-se de um enorme amontoado de ações barulhentas, algumas ensurdecedoras, nem sempre em nome do tão sonhado progresso. Não posso deixar de fora os sons "privados" dos aparelhos eletrônicos domésticos que saem pelas janelas de apartamentos e casas perturbando os vizinhos com seus exagerados volumes. Há também latidos incessantes de cachorros. Enfim, os barulhos, ruídos, sons em altos volumes entram em nossas casas e apartamentos a toda hora sem pedir licença, violando esse nosso direito sagrado ao silêncio e ao sossego É verdade que algumas pessoas até se acostumaram com isso e outras dizem que "gostam", mas o fato é que barulho não solicitado fere o direito sagrado ao sossego e pode gerar danos à saúde. Não abordarei um aspecto importante dos sons não pedidos, como a imposição dos estabelecimentos comerciais de que seus frequentadores escutem as músicas por eles escolhidas (o que, por exemplo, em academias de ginástica e musculação pode ser altamente prejudicial não só pelo excesso de volume, como pela qualidade das músicas...). Tratarei do outro lado da questão: do direito ao silêncio, ao sossego e ao descanso, sagrados e que qualquer pessoa pode exigir. O direto ao sossego é correlato ao direito de vizinhança e está ligado também à garantia de um meio ambiente sadio, pois envolve a poluição sonora. A legislação brasileira é bastante clara em estipular esse direito que envolve uma série de transtornos já avaliados e julgados pelo Poder Judiciário. Anoto, antes de prosseguir, que o abuso sonoro reconhecido nas ações judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade competente. Num caso em que se considerou excessivo o ruído produzido pelo heliporto, havia aprovação da planta pela Prefeitura e seus órgãos técnicos; num outro em que se constatou que a quadra de esportes produzia excessivo barulho, a Prefeitura também tinha aprovado sua construção. Aliás, lembro que os shows produzidos em estádios de futebol e que violam às escâncaras o direito ao sossego dos vizinhos são, como regra, autorizados pela Prefeitura local. Alguns shows, inclusive, varam a noite e a madrugada, numa incrível violação escancarada. Realço que, nesses casos, a própria Prefeitura é responsável pelos danos causados às pessoas. Dizia acima que a legislação pátria é rica no tema. Muito bem. A Lei das Contravenções Penais (decreto-lei 3.688/1941) no seu artigo 42 estabelece pena de prisão para aquele que "perturbar o trabalho ou o sossego alheios: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda". Nesse último assunto, faço parênteses para dizer que, muitas vezes, o latido de cães mantidos em casa pode caracterizar outro delito, previsto já no art. 3º do antigo Decreto-Lei nº 24.645/1934, revogado, que dispunha: "Consideram-se maus tratos: I - Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz". Os temas dessa antiga norma foram incorporados na nossa legislação ambiental. A lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) estebelece, no seu art. 32, pena de detenção para quem "Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". É essa mesma lei ambiental que pune severamente com pena de reclusão o crime de poluição sonora. Seu art. 54 diz: "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora". E o Código Civil garante o direito ao sossego no seu art. 1277 ao dispor: "O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha". Nesse ponto, anoto que para a caracterização do delito penal de perturbação do sossego, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o mero transtorno, vale dizer, a mera modificação do direito ao sossego, ao descanso e ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para a caracterização do delito. Apenas no crime de poluição sonora é que se deve buscar aferir o excesso de ruído. Na caracterização do sossego não. Basta a perturbação em si. Evidente que os danos causados são, primeiramente, de ordem moral, pois atingem a saúde e a tranquilidade das pessoas, podendo gerar danos de ordem psíquica. Além disso, pode também gerar danos materiais, como acontece quando a vítima, não conseguindo produzir seu trabalho em função da perturbação, sofre perdas financeiras. A questão, portanto, ao contrário do que tem sido noticiado, não se restringe à esfera administrativa, com o acionamento dos órgãos municipais. É, também, caso de polícia e, naturalmente, envolve a esfera judicial, na qual a vítima pode tomar as medidas necessárias, inclusive com pedido de liminar, para impedir ou fazer cessar a produção do barulho excessivo e, ainda, podendo pleitear indenização por danos materiais e morais.
Hoje vou falar de publicidade por causa da supressão de um anúncio do Banco do Brasil que, segundo consta, foi retirado do ar por determinação da Presidência da República e também pela tentativa "esperta" da lanchonete Burger King de surfar nessa onda (algo que muitos publicitários fazem, para obter mídia de graça). Na verdade, quero mostrar quais são os limites legais para os anúncios publicitários. Não assisti ao vídeo do Banco do Brasil, nem do Burger King. Apenas li as matérias e comentários publicados nas redes sociais. Nem fui atrás porque não interessa para o que aqui vou desenvolver, isto é, trata-se apenas de uma oportunidade para falar sobre alguns aspectos legais da propaganda comercial que comumente passam despercebidos. Antes de prosseguir, quero deixar claro que o anunciante tem todo o direito de escolher seu público alvo: jovens, adolescentes, idosos, solteiros e solteiras, casados e casadas, divorciados e divorciadas, homens, mulheres, empresários e empresárias, estudantes etc. Naturalmente, a escolha estará relacionada ao produto ou serviço oferecido, mas a escolha é de quem faz o anúncio. É legítimo e adequado que assim seja. Dito isso, falo agora de ética e da lei. Ética significa tomar a atitude correta, isto é, escolher a melhor ação a tomar ou conduta a seguir. Uma pessoa ética tem bom caráter, busca sempre fazer o bem a outrem. No sistema jurídico - necessariamente ético -, pode-se identificar uma série de fundamentos ligados à ética, tais como o da realização da Justiça e a boa-fé objetiva (uma regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas numa relação jurídica. Essa regra de conduta é composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros de lealdade e honestidade. Um standart, um modelo a ser seguido1). Muito bem. A liberdade de expressão é uma das mais importantes garantias constitucionais. Ela é um dos pilares da democracia. Falar, escrever, expressar-se é um direito assegurado a todos. Mas, esse direito, entre nós, não só não é absoluto, como sua garantia está mais atrelada ao direito de opinião ou àquilo que para os gregos na antiguidade era crença ou opinião ("doxa"). Essa forma de expressão aparece como oposição ao conhecimento, que corresponde ao verdadeiro e comprovado. A opinião ou crença é mero elemento subjetivo. A democracia dá guarida ao direito de opinar, palpitar, lançar a público o pensamento que se tem em toda sua subjetividade. Garante também a liberdade de criação. Mas, quando se trata de apontar fatos objetivos, descrever acontecimentos, prestar informações de serviços públicos ou oferecer produtos e serviços no mercado, há um limite ético que controla a liberdade de expressão. Esse limite é a verdade. Com efeito, por falar em Grécia antiga, repito o que diziam: "mentir é pensar uma coisa e dizer outra". A mentira é, pois, simples assim. Examinando essa afirmação, vê-se que mentir é algo consciente; é, pois, diferente do erro, do engano, que pressupõe desconhecimento (da verdade), confusão subjetiva do que se expressa ou distorção inocente dos fatos. Em nosso sistema jurídico temos leis que controlam, em alguns setores, a liberdade de expressão na sua realidade objetiva. Veja-se, por exemplo, a imposição para que a testemunha ao depor em Juízo fale a verdade. Do mesmo modo, os advogados e as partes têm o dever de lealdade processual, proibindo-se que intencionalmente a verdade dos fatos seja alterada, adulterada, diminuída, aumentada etc. Esse dever de lealdade ___ em todas as esferas: administrativa, civil, criminal etc. ___ é a ética fundamental da verdade imposta a todos. O mesmo se dá no regime de produção capitalista. Com base nos princípios éticos e normativos da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulou expressamente a informação e a publicidade enganosa, proibindo-a e tipificando-a como crime. No que diz respeito, pois, às relações jurídicas de consumo, a informação e a apresentação dos produtos e serviços, assim como os anúncios publicitários não podem faltar com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, de forma alguma, quer seja por afirmação quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para de maneira confusa ou ambígua iludir o destinatário do anúncio: o consumidor. A lei quer a verdade objetiva e comprovada e por isso, determina que o fornecedor mantenha comprovação dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Aproveito esse ponto para eliminar uma confusão corrente quando se trata de criação e verdade em matéria de relações de consumo: Não existe uma ampla garantia para a liberdade de criação e expressão em matéria de publicidade. O artista goza de uma garantia constitucional de criação para sua obra de arte, mas o publicitário não. Um anúncio publicitário é, em si, um produto realizado pelo publicitário ou coletivamente pelos empregados da agência. Sua razão de existir funda-se em algum produto ou serviço que se pretenda mostrar e/ou vender ou a uma marca que se quer divulgar. Dessa maneira, vê-se que a publicidade não é produção primária, mas instrumento de apresentação e/ou venda dessa produção. Ora, como a produção primária de produtos e serviços tem limites precisos na lei, por mais força de razão o anúncio que dela fala. Repito: a liberdade de criação e expressão da publicidade está limitada à ética que dá sustentação à lei. Por isso, não só não pode oferecer uma opinião (elemento subjetivo) como deve sempre falar e apresentar a verdade objetiva do produto e do serviço e suas maneiras de uso, consumo, suas limitações, seus riscos para o consumidor etc. Evidentemente, todas as frases, imagens, sons etc. do anúncio publicitário sofrem a mesma limitação. Além disso, é de considerar algo evidente: o anúncio será enganoso se o que foi afirmado não se concretizar. Se o fornecedor diz que o produto dura dois meses e em um ele está estragado, a publicidade é enganosa. Se apresenta o serviço com alta eficiência, mas o consumidor só recebe um mínimo de eficácia, o anúncio é, também, enganoso etc. Enfim, será enganoso sempre que afirmar algo que não corresponda à realidade do produto ou serviço de acordo com todas as suas características. As táticas e técnicas variam muito e todo dia surgem novas, engendradas em caros escritórios modernos onde se pensa frequentemente em como impingir produtos e serviços mesmo contra a real vontade do consumidor e também fazendo ofertas que nunca se efetivam. São os produtores da mentira desta sociedade capitalista com pouca ética. __________1 Consumidor, São Paulo: Saraiva, 13ª. Edição , 2019, Cap.9, item 6.9.
Hoje falarei mais uma vez da ganância, a sede de ganho sem limites. Fiquei preocupado com notícias de liberação dos preços, especialmente dos medicamentos. (Lembremos da catástrofe que foi a liberação da cobrança de bagagem pela Anac, que dizia que o preço das passagens aéreas cairia... Algo que aqui, na época, disse que era para inglês ver). Michael J. Sandel, no livro intitulado Justiça: o que é fazer a coisa certa, conta que, no verão de 2004, o furacão Charley invadiu o Golfo do México causando sérios danos à população da Flórida. A tempestade matou 22 pessoas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares1. No livro, Sandel diz que, após a passagem do destrutivo furacão, em "um posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de dois dólares passaram a ser vendidos por dez dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar-condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado. Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares, cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente"2. Esse tipo de conduta não é nova nem surpreendente e já se verificou no Brasil e em outros lugares do mundo inúmeras vezes. São práticas evidentemente odiosas, mas que apenas confirmam a mentalidade atrasada e as ações ilegais perpetradas por certos empresários e colocam à mostra defeitos terríveis da natureza humana. Daí que a ganância não é nova nem desconhecida. Aliás, é um dos sete pecados capitais como desdobramento da avareza3; trata-se de um vício humano, sempre combatido. Mas, o que chama a atenção no episódio do furacão na Flórida não é tanto a ganância, mas a incrível e aberta defesa feita por muitos economistas do ato ganancioso como elemento intrínseco do sistema e - pasme-se - positivo! Dentre os vários "teóricos de mercado" que fizeram esse tipo de defesa naquela oportunidade, refiro, por todos, o economista Thomas Sowell para quem o termo "extorsão", utilizado pelas vítimas dos comerciantes, não passava de uma "expressão emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais"4. Veja o que escreveu Sandel sobre a fala dele: "Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir e transportar mais. Não há nada injusto nesses preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem"5. Trata-se de um sofisma ridículo e pueril, pois obviamente os fabricantes de gelo somente se motivariam se o preço se mantivesse nas alturas de forma constante. No caso, o preço foi elevado excessivamente, fixado para um curto período de tempo e imposto contra consumidores desesperados. Esse tipo de argumento poderia passar despercebido, não fosse algo consistentemente defendido por diversos e diferentes setores empresariais e seus inúmeros asseclas "teóricos". Parece mesmo que uma característica desses últimos vinte, trinta anos na sociedade capitalista é a falta de vergonha na cara, do surgimento da possibilidade do "cara de pau" falar qualquer coisa. Defender a ganância é apenas um dos exemplos desse descaramento que pensa e propõe o mercado funcionando como um Deus capaz de tudo resolver. Aliás, e a propósito, é isso mesmo: na concepção cristã, como disse acima, a avareza é um dos sete pecados capitais porque o avarento (e na hipótese, o ganancioso) prefere os bens materiais ao convívio com Deus. Mas, no capitalismo selvagem atual faz sentido, na medida em que, como disse, o mercado funciona como um Deus. E é nesse aspecto, inclusive, que se tem usado a expressão "fundamentalismo de livre-mercado". Os estudiosos da sociedade capitalista têm dito e também demonstrado que o capitalismo da segunda metade do século XX para cá é eminentemente fundamentalista. É o chamado fundamentalismo de livre-mercado (do inglês free-market fundamentalism), expressão usada criticamente e que denota a injustificada e exagerada crença de que os mercados livres são capazes de propiciar a maior prosperidade possível e que qualquer interferência nos processos de mercado reduz o bem estar social. Ou seja, os livre-mercados seriam capazes de resolver, de per si, todos os problemas que afetam uma sociedade, o que, infelizmente, não corresponde aos fatos. Eis, pois, uma mostra de um dos aspectos mais perniciosos da sociedade capitalista contemporânea, que merece e precisa ser combatido. __________ 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8ª ed., 2012, p.11. 2 Ibidem, p.11. Como a Flórida tem uma lei para punir fornecedores que pratiquem preços abusivos, foram movidas muitas ações judiciais com condenações dos violadores. 3 Para lembrar: os sete pecados capitais são a gula, a avareza (e por extensão a ganância), a luxúria, a ira, a inveja, a preguiça e a soberba (orgulho ou vaidade). 4 Ibidem, p.12. 5 Ibidem, p. 12.  
A imprensa em geral e o mercado, mais uma vez, tratam a Petrobras e sua política de preços como se estatal fosse uma empresa privada que não deve e nem tem relação com os consumidores e a sociedade. Vale, pois, que esclareçamos alguns pontos jurídicos relevantes que não são levados em consideração. Inicialmente, lembro que a Petrobras não é uma empresa privada, que está no mercado para agir livremente obtendo o maior lucro possível a qualquer custo e independentemente das consequências de seus atos e estratégias. Não! Ela é uma empresa pública: uma sociedade de economia mista. E como tal, tem outros deveres, outras funções muito diversas, das que têm as empresas privadas. A sociedade de economia mista (SEM), como se sabe, integra a Administração Pública Indireta. Apesar disso, é, por força de lei, pessoa jurídica do direito privado sob a forma de Sociedade Anônima, regulada e estabelecida, pois, pela Lei das S.A. A SEM pode tanto explorar atividade econômica tipicamente privada de produção ou comercialização de produtos, como pode prestar serviços públicos. Mas isso não quer dizer que uma SEM -- a Petrobrás, por exemplo -- deva atuar no mercado como uma mera empresa privada, visando exclusivamente ao lucro, utilizando de métodos capitalistas tradicionais (e, muitas vezes, altamente reprováveis) apenas e tão somente por estar estabelecida como S.A. Seus limites estão estabelecidos no próprio texto constitucional. Com efeito, o caput do artigo 173 estabelece o imperativo de segurança nacional e de interesse coletivo: "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei." O § 1º do mesmo artigo, por sua vez, permite, como acima referi, a exploração da atividade privada e a da prestação de serviços públicos: "§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:..." Também como afirmei, a SEM tem características de pessoa jurídica de direito privado, o que está firmado no inciso II desse mesmo § 1º: "II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;" Todavia, a SEM mantém características próprias das pessoas jurídicas de direito público, tais como a fiscalização pelo Estado e pela sociedade, além da exigência de licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações de bens, conforme fixado nos incisos I e III do mesmo §: "I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;" Além disso, ela deve se valer de concursos públicos para contratação de seus empregados (art. 37, incisos I e II da CF). Muito bem. É preciso admitir que algo tão importante como o preço dos combustíveis deve ser estabelecido não apenas com os problemas enfrentados no momento presente, mas também levando-se em consideração as consequências futuras. Não parece um equilíbrio fácil de se obter, mas que deve ser buscado de algum modo. Naturalmente, não estou dizendo que a SEM pode ser usada para fins diversos daqueles para os quais foi criada. Ao contrário, quando isso ocorre, trata-se de abuso de direito. Esse abuso é caracterizado, por exemplo, quando o acionista controlador, valendo-se de sua posição privilegiada, busca atingir objetivo estranho ao do objetivo legal estabelecido na empresa. Nesse caso, há desvio de finalidade. Há também abuso no exercício do poder, quando são ultrapassados os limites impostos por seu fim econômico ou social ou mesmo quando há violação ao princípio da boa-fé objetiva e até aos bons costumes. Mas, veja-se bem. Se, de um lado, há desvio ilegal quando o acionista controlador esquece que a SEM é uma empresa privada com fins econômicos específicos e somente age em função do bem comum ou social, de outro, a busca apenas do lucro como se fosse uma empresa privada comum é também um desvio ilegal. É do equilíbrio entre essas duas situações, legalmente estabelecidas, que se pode identificar uma boa e correta administração de uma SEM. Esse deve ser o objetivo da administração de uma Sociedade de Economia Mista: estabelecer de forma clara e equilibrada a relação entre o interesse público e o privado. Aliás, se é para agir como se a SEM fosse uma empresa privada comum, ter-se-ia que, antes, alterar o texto constitucional. Quem diz que uma empresa como a Petrobrás pode agir sem esse freio legal, desconhece ou desconsidera as normas existentes. Sei, claro, que não é fácil obter esse equilíbrio entre o interesse público e o privado, mas pergunto: não é por isso que os dirigentes dessas empresas ganham vultosos salários? Para fazer jus aos polpudos vencimentos, não devem, eles, cumprir os comandos legais?
Certa vez, quando eu ainda estava na ativa no Tribunal, julgamos um feito em que o consumidor reclamava de abusos praticados por um prestador de serviço. Examinando o contrato firmado, encontramos uma cláusula contratual, que era uma verdadeira pérola jurídica. Estava escrito: "Aplica-se ao presente contrato o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). Parágrafo único. No eventual conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e as cláusulas aqui estabelecidas, prevalecem as cláusulas". Pode? Bem, infelizmente, cláusulas abusivas desse tipo são encontradas em todos os setores do mercado de consumo. Claro que a maior parte delas não é tão escancarada, mas são comuns e em grande quantidade. E sua ocorrência regular está ligada exatamente ao fato de que o consumidor não negocia nem consegue impor sua vontade representada em cláusulas porque, em matéria de consumo, como regra, não vige o sistema privatista do conhecido brocardo latino pacta sunt servanda. Uma lei de proteção ao consumidor pressupõe entender a sociedade a que nós pertencemos. E, como se sabe, vivemos numa sociedade de massa. Dentre as várias características desse modelo, destaco uma que interessa aqui: a produção é planejada unilateralmente pelo fornecedor no seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de pessoas. A ideia é ter um custo inicial para fabricar certo produto ou prestar certo serviço, e depois reproduzi-lo em série. Assim, por exemplo, planeja-se uma caneta esferográfica única e se a reproduz milhares, milhões de vezes. Quando a montadora resolve produzir um automóvel, gasta certa quantia em dinheiro na criação de um único modelo, e depois o reproduz milhares de vezes, o que baixa o custo final de cada veículo, permitindo que o preço de varejo possa ser acessível a um maior número de pessoas. Esse modelo de produção industrial, que é o da sociedade capitalista contemporânea, pressupõe planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do produtor, do prestador do serviço etc. Ora, esse planejamento unilateral tinha de vir acompanhado de um modelo contratual. E este acabou por ter as mesmas características da produção. Aliás, já no começo do século XX, o contrato era planejado da mesma forma que a produção. Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Na verdade, quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes. Ou, no exemplo das instituições financeiras, milhões de vezes. Esse padrão é, então, o de um modelo contratual no qual se supõe que, aquele que produz um produto ou um serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado pela Lei n. 8.078 de contrato de adesão. Lembre-se, por isso, que a primeira lei brasileira que tratou da questão foi exatamente o Código de Defesa do Consumidor no seu art. 54. E por que o contrato é de adesão? Ele é de adesão por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele não discute o conteúdo das cláusulas adredemente redigidas. Para comprar produtos e serviços, o consumidor só pode examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. Este é o modo de produção de produtos e serviços de massa do século XX. Só que nós aplicamos, no caso brasileiro, até 10 de março de 1991, o Código Civil às relações jurídicas de consumo, e isto gerou problemas sérios para a compreensão da própria sociedade. Passamos a interpretar as relações jurídicas de consumo e os contratos com base na lei civil, inadequada para tanto, e como isso se deu até a penúltima década do século XX, ainda temos algumas dificuldades em entender o CDC em todos os seus aspectos. E, nessa questão contratual, nossa memória privatista impõe que, muitas vezes ao lermos o contrato, pensemos pacta sunt servanda, posto que no direito civil essa é uma das características contratuais, com fundamento na autonomia da vontade. Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Na verdade, o consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços postos e ofertados segundo regramentos que o CDC passou a controlar, e de forma inteligente. Repito, pois, para finalizar e lutando contra nossa equivocada memória: em contrato de consumo deve-se esquecer o brocardo pacta sunt servanda.
Para se compreender o significado de prática abusiva, é necessário que antes pensemos na questão do abuso do direito. O abuso do direito Com efeito, a ideia da abusividade tem relação com a doutrina do abuso do direito. A constatação de que o titular de um direito subjetivo pode dele abusar no seu exercício acabou levando o legislador a tipificar certas ações como abusivas1. A prática real do exercício dos vários direitos subjetivos acabou demonstrando que, em alguns casos, não havia ato ilícito, mas era o próprio exercício do direito em si que se caracterizava como abusivo. A teoria do abuso do direito, então, ganhou força e acabou preponderando. Pode-se definir o abuso do direito como o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular2. Assim, por exemplo, abusa do direito o patrão que ameaça mandar embora o empregado sem justa causa caso ele não se comporte de certa forma3. A legislação brasileira, adotando a doutrina do abuso do direito, acabou regulando uma série de ações e condutas que outrora eram tidas como práticas abusivas. E o exemplo próprio disso são as normas do CDC, que proíbem o abuso e nulificam cláusulas contratuais abusivas. A abusividade do exercício do direito, transformada pela lei 8.078 em norma tipificada com conduta ilícita aparece em várias seções. Práticas abusivas em geral A lei 8.078 tratou especificamente de regular as práticas abusivas em três artigos: 39, 40 e 41. Mas apenas no art. 39 as práticas que se pretendem coibir, e que lá são elencadas exemplificativamente, são mesmo abusivas. O art. 40 regula o orçamento e o art. 41 trata de preços tabelados. É claro que a não entrega do orçamento e a violação do sistema de preços controlados são também consideradas práticas abusivas. Porém, a organização do texto não foi muito boa. A rigor, as chamadas práticas abusivas previstas no art. 39 têm apenas um elenco mínimo ali estampado. Há outras espalhadas pelo CDC. Por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso do direito (art. 28), a cobrança constrangedora (que é regulada no art. 42, c/c o art. 71), a "negativação" nos serviços de proteção ao crédito de maneira indevida (que o art. 43 regulamenta), o anúncio abusivo e enganoso, previsto nos parágrafos do art. 37 etc. Práticas abusivas objetivamente consideradas As chamadas "práticas abusivas" são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico. Assim, para utilizarmos um exemplo bastante conhecido, se um consumidor qualquer ficar satisfeito por ter recebido em casa um cartão de crédito sem ter pedido, essa concreta aceitação sua não elide a abusividade da prática (que está expressamente prevista no inciso III do art. 39). A lei tacha a prática de abusiva, portanto, sem que, necessariamente, seja preciso constatar-se algum dano real. Práticas abusivas pré, pós e contratuais As chamadas práticas abusivas podem ser classificadas em "pré-contratuais", que, como o próprio nome diz, surgem antes de firmar-se o contrato de consumo, como aquelas que compõem a oferta ou a ação do fornecedor que pretende vincular o consumidor. No primeiro caso estão, por exemplo, a prática ilícita de condicionar o fornecimento de algum produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço, conhecida como operação casada4. Na segunda hipótese está, por exemplo, o envio do cartão de crédito sem que o consumidor tenha pedido, acima comentado. A prática "pós-contratual" surge como ato do fornecedor por conta de um contrato de consumo preexistente. Como exemplo, tome-se a "negativação" indevida nos serviços de proteção ao crédito. E a "contratual" é aquela ligada ao conteúdo expresso ou implícito das cláusulas estabelecidas no contrato de consumo. Tomem-se como exemplo todas as hipóteses de nulidade previstas no art. 51 e a do inciso IX do art. 39, que dispõe como abusiva a não estipulação de prazo para o cumprimento da obrigação pelo fornecedor. __________ 1 No CDC isso vai refletir-se também no contrato, pois a lei tacha de nulas as cláusulas contratuais abusivas. 2 O conceito de abuso do direito permitiu-me classificá-lo ao lado dos atos ilícitos no meu Manual de introdução ao estudo do direito (São Paulo: Saraiva, 16ª. Edição, 2019) nos seguintes termos: "De qualquer forma, preferimos situar o 'abuso do direito' numa posição ao lado do ato ilícito, mas com ele não se confundindo, porque o ato ilícito é figura típica, reconhecida pelo ordenamento jurídico, como tal. Já o 'abuso' não é propriamente caracterizado pelo ordenamento jurídico, mas sim pelo exercício irregular de fato, concreto, de um direito, este reconhecido pelo ordenamento como direito. É, portanto, o exercício irregular que pode caracterizar o abuso do direito, que no ordenamento é regular. No caso do ato ilícito, a ilicitude já estava antes prevista como proibida e condenável". 3 Claro que a hipótese pode ser capaz de gerar "despedida indireta". Mas o abuso nasce daí, do fato de o empregado não querer perder o emprego e por isso não se utilizar do recurso da despedida indireta. 4 E prevista no inciso I do art. 39.