O WhatsApp continuará bloqueado. Após ordem do juiz de Direito Marcel Montalvão, de Lagarto/SE, que determinou às operadoras (e elas agradeceram) a interrupção do serviço de mensagens instantâneas por 72 horas, o desembargador Cezário Siqueira Neto, do TJ/SE, negou liminar em MS, mantendo a decisão. Ele não vislumbrou pericum in mora nem fumus boni iuris, embora estivéssemos diante de um modelo destes dois apanágios. Fazer o quê?
Explicando o inexplicável
O bloqueio do zap-zap começou com o não cumprimento de ordem judicial de quebra do sigilo de mensagens para fins de investigação sobre crime organizado de tráfico de drogas. O aplicativo não cumpriu a determinação mesmo após a prisão, em março, do vice-presidente da rede social Facebook na América Latina, Diego Jorge Dzodan. Ele foi solto um dia depois por HC concedido pelo desembargador Ruy Pinheiro, que considerou que houve coação ilegal.
Já que não tem WhatsApp
Acerca da decisão do magistrado lagartense, extraem-se algumas considerações.
1 - A primeira, que se trata de decisão ilegítima. Com efeito, não é por ser determinação judicial que ela deve ser cegamente cumprida. As operadoras deveriam se negar a cumprir, em benefício dos consumidores, uma decisão como essa. No entanto, como estão a aplaudir a ordem, mandam às favas seus usuários. Se fosse contrário aos interesses delas, queríamos ver cumprir uma esdruxularia dessas.
2 - Segundo, que a decisão é manifestamente ilegítima porque basta fazer uma pueril análise da proporcionalidade para se ter em mente que o prejuízo é maior do que eventual benefício que se venha a obter, embora saibamos de antemão que de nada vai adiantar (v. próximos itens). A decisão, teratológica e teatróloga, deu-se para buscar provas, como se fosse possível obtê-las por quaisquer meios, mesmo que isso cause prejuízos a uma infinidade de pessoas. Como exemplo, um bandido está homiziado na cidade de São Paulo, de modo que o juiz agora vai determinar que se feche a cidade até que se encontre o facínora. Faça-nos um favor.
3 - Terceiro, a decisão mostra um lado tacanha dos seres humanos: um amor excessivo a si mesmo, que, ainda bem, aos poucos vem sendo cada vez mais raro nos distribuidores da Justiça. Fato é que, onde se encontra esse exercício autocontemplativo, comum nos apequenados, ele provoca rasgos de audácia. De fato, ao transpor os umbrais do edifício-sede do Fórum Epaminondas Silva de Andrade Lima, o magistrado só recebe loas. Ao longe, se não é verdade, ao menos imagina ouvir os populares falando: "- Lá vai o nosso Moro sergipano. Esse sim é cabra macho." Aí, diante de tanta autoridade, a polícia local pede a quebra de sigilo das mensagens do WhatsApp, o meritíssimo dá a ordem, e ela não é cumprida. "Oxente, um abestalhado, fio da moléstia, mangando assim do doutor, é de deixar qualquer um azuretado. Bora embora tirar o couro desse bexiguento." Se isso vai prejudicar 100 milhões de pessoas, isso não é problema dele. Aliás, esse bafafá todo que se criou, possibilitando que seu nome fosse reproduzido muito além dos limites lagartenses, foi a recompensa suprema. E ao se vir refletido na poça d´água que ficou ao lado de seu carro, que hoje foi especialmente encerado, certamente se surpreendeu com tanta altivez. Que maravilha! Deve ter, intimamente, dito a si mesmo.
4 - Quarto, a decisão é ineficaz. A discussão sobre o acesso às mensagens é mundial. Recentemente, correndo riscos imensos, a Apple se negou a fornecer meios de desbloquear o iPhone de terroristas. O FBI teria conseguido destravar o aparelho, mas isso ainda não se confirmou. Quanto ao WhastApp, a empresa garante que as mensagens são codificadas na origem e descodificadas no destinatário, de modo que o que existe no caminho seriam códigos indecifráveis. É a garantia do sigilo de mensagem que faz com que o aplicativo seja usado. Se a empresa pudesse xeretar as comunicações dos usuários, inevitavelmente um dia isso iria vazar, assim como Edward Snowden há pouco divulgou diversas informações da CIA. Cientes dessa possibilidade, a nova ordem mundial é de se ter acesso a outros dados, como o horário que se usa, com quem se fala, de onde se usa, mas não com relação ao conteúdo, que uma vez vazado, põe fim ao seu principal atrativo : o sigilo. Querer travar essa discussão é louvável. Mas, definitivamente, não é bloqueando todo mundo que se inicia um debate. Aliás, é assim que ele é tolhido.
Histórico
Vale lembrar que esta não é a primeira vez que o aplicativo sofre sanções deste tipo no Brasil. Em dezembro de 2015, a juíza de Direito Sandra Regina Nostre Marques, da 1ª vara Criminal de São Bernardo do Campo/SP, também determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o país, mas a decisão não durou 48 horas. Depois disso, foi a vez do juiz de Direito Luís Moura Carvalho, da Central de Inquéritos de Teresina/PI, por entender que o aplicativo estava atrapalhando as investigações de um provável crime de pedofilia.
ABC do CDC
Falta de bom senso, assim o desembargador aposentado Rizzatto Nunes considera o bloqueio do WhatsApp por 72 horas. Para ele, a decisão é esdrúxula e a situação é bastante grave, pois são milhões de usuários que se utilizam do WhatsApp, inclusive, profissionalmente e no mundo todo. "Cortar a ligação com o Brasil é como impedir que as pessoas do mundo todo entrem em contato com os brasileiros."
Punição à sociedade
O Brasil é um dos países com maior potencial na utilização de tecnologia, mas as autoridades brasileiras parecem ter imensas dificuldades em compreender sua importância em nossas vidas. A constatação é do presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, para quem o recente bloqueio do WhatsApp deve servir como alerta: "não se resolve a questão pendente em uma demanda, por mais grave que seja, gerando problemas para toda a sociedade".
Criminologia lagartense
A cidade sergipana de Lagarto é conhecida, entre outras coisas, pelo filósofo Tobias Barreto, que ali residiu. Inspirado, ele compôs uma poesia explicando que o namoro não é crime. Os versos terminam com uma simpática estrofe :
"Amemos todos, amemos,
É Cupido quem o diz ;
Pois namoro não é crime,
Na opinião do juiz."
Parafraseando o escritor, seria o caso de dizer "WhatsApp não é crime, doutor juiz".