A 2ª turma do STF assentou em julgamento ontem que, decorrido o prazo de cinco anos entre o cumprimento ou extinção da pena e a data do novo crime, condenação anterior não pode ser reconhecida como maus antecedentes. A Defensoria Pública questionava decisão do STJ que restabeleceu pena mais gravosa após valorar condenação anterior, mesmo já tendo decorrido esse interregno de cinco anos. O julgamento no Supremo foi iniciado em março deste ano, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, votou no sentido de que o prazo de cincos anos tem a capacidade de nulificar a reincidência de forma que não possa mais influenciar em condenação posterior, sendo inadmissível que se atribua à condenação o status de perpetuidade. O voto do relator pela concessão da ordem foi seguido, como sempre, pelo ministro Toffoli e então houve pedido de vista da ministra Cármen Lúcia. A ministra, ao votar na sessão de ontem, afirmou que nem todos os atos anteriores em matéria penal praticados pelo réu podem ser utilizados para a caracterização de maus antecedentes, sendo necessário que se verifique em cada caso a razoabilidade do aproveitamento da condenação para caracterizar maus antecedentes. "Eu não digo que nunca poderá nem que sempre poderá, vai depender da interpretação dessas normas à luz do caso concreto." E, sendo assim, no caso em análise, votou pela concessão parcial da ordem, sendo acompanhada pelo ministro Teori. Por sua vez, o ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o voto de Gilmar Mendes, formando a maioria a favor do paciente, restabelecendo decisão do TJ/SP e determinando que o tribunal de origem proceda à nova fixação de regime inicial de cumprimento da pena. (HC 126.315)
Tempus fugit
Vale lembrar que será analisado pelo plenário do STF, com status de repercussão geral, o RExt que trata justamente da consideração de condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base. O processo aportou na Corte em outubro de 2008 e foi distribuído ao então ministro JB. A decisão do plenário virtual pela repercussão foi em fevereiro de 2009, tendo se manifestado a favor o relator, Marco Aurélio, Lewandowski, Menezes Direito, Eros Grau, Celso de Mello e Ayres Britto. Em agosto do mesmo ano, a PGR apresentou parecer e, desde então, o processo ficou concluso, sopitando na mesa do ministro JB. Em junho de 2013 foi redistribuído ao ministro Barroso, atual relator do caso. (RExt 593.818)
Minudência migalheira
Em janeiro de 2012, perguntávamos aos leitores a origem da expressão puxar a capivara, comum no meio policial, que na prática é obter a folha de antecedentes do "elemento". Vários migalheiros nos socorreram na época. José Alfredo Gabrielleschi nos disse ter ouvido duas versões sobre a origem do termo : uma de que seria uma referência à pele da capivara, que é espessa e áspera ao tato (dando a ideia de que a ficha criminal é ruim de pegar como a pele do roedor) ; e uma segunda, que seria referência a uma trepadeira (aristolochia birostris), existente no Nordeste, que exala cheiro desagradável e é vulgarmente conhecida como capivara. Já o leitor Sérgio Aranha da Silva Filho teria ouvido que a expressão remonta à época em que a caça do "maior rato do planeta", a capivara, era permitida. Como ela habita áreas de banhado, rios e lagos, quando alvejada, submergia e, assim, os caçadores, em geral na calada da noite, puxavam com ganchos, paus e cordas para verem o que realmente tinham pego. Daí a expressã: vamos puxar a capivara e ver o que realmente temos em mãos. Na mesma linha, a migalheira Giselle de Melo Braga Tapai conta que a origem, segundo ouviu, seria porque a folha de antecedentes é sempre uma surpresa, bem como o tamanho da capivara no escuro. Isso porque quando ela está escondida entocada nas margens dos rios, parece que é um bicho pequeno, pois só aparecem os olhos brilhantes quando iluminados com o "ciribim". Mas quando a capivara é puxada aparece, ao invés de um bichinho, um animal grande e pesado.
Direito ao não-esquecimento
Se os antecedentes com mais de cinco anos não são considerados para fins penais, o mesmo não se diga para o direito à informação. Ou seja, isso não será considerado no processo penal, mas continuará indelével na vida do cidadão e para efeitos de história. Ou seja, não pode simplesmente ser apagado. Diz-se isso, porque se não daqui a pouco vão dizer que os jornais terão que apagar os arquivos que mencionaram o crime depois de cinco anos que o cidadão cumprir a pena. Direito ao esquecimento é uma balela. A internet permite o acesso intertemporal das notícias. Isso, infelizmente, é uma realidade que as pessoas querem proibir. É como o Uber. A modernidade chegou, com ela a mudança de costumes. Nada agora se apaga. E o segundo costume que irá ser mudado é que as pessoas irão saber (os jovens já estão com essa consciência) que todos podem mudar. Criminoso ontem, probo hoje. De modo que os conceitos sobre as pessoas serão, aproveitando o conceito de Zygmunt Bauman, os conceitos sobre as pessoas serão líquidos. Hoje um, amanhã outro.
Ficha limpa
A questão dos antecedentes é uma boa solução para o caso das drogas. Ao invés de mexer na criminalidade (opção do legislador), o STF poderia decidir que o crime de porte de drogas para consumo não serve para perda da primariedade. Resolve-se o problema da injustiça e ao mesmo tempo mantém o temor da tipificação que, ao contrário do que muitos dizem, é, sim, um fator de grande valia, pois limita o consumo e, com ele, o tráfico.