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Lei Maria da Penha : uma lei que "pegou", afirma promotora paulista

Três anos após a sua sanção, a Lei Maria da Penha, que pune a violência contra a mulher, é uma lei que "pegou" e se tornou amplamente conhecida pela população. A avaliação é da promotora de Justiça do MP/SP Luiza Nagib Eluf, que participou de um debate no dia 13/10 sobre o terceiro aniversário da Lei Maria da Penha.

22/10/2009


Violência contra mulher

Lei Maria da Penha : uma lei que "pegou", afirma promotora paulista

Três anos após a sua sanção, a Lei Maria da Penha, que pune a violência contra a mulher, é uma lei que "pegou" e se tornou amplamente conhecida pela população. A avaliação é da promotora de Justiça do MP/SP Luiza Nagib Eluf, que participou de um debate no dia 13/10 sobre o terceiro aniversário da Lei Maria da Penha.

O evento foi realizado pela Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP na Faculdade de Direito da USP, com apoio da AME, e contou com a presença da mulher que deu nome à lei, a biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes. "A Lei Maria da Penha veio para ficar", analisa Luisa. "Além de regular o relacionamento dentro de casa, proteger a mulher, essa lei fez um trabalho educativo da maior importância, mostrando à sociedade que a violência doméstica não pode ser tolerada. Hoje a polícia atua de forma absolutamente correta e incisiva com relação às denúncias de violência doméstica, e este é um efeito da Lei Maria da Penha; isso é algo que nunca se viu no país".

A promotora não vê necessidade de alteração da lei, mas de adequação do Estado para aplicá-la, com a criação das varas especializadas e de serviços de atendimento ao agressor, por exemplo.

A abertura do debate foi realizada pelo presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D’Urso. "A Maria da Penha se transformou em um símbolo da luta contra a violência à mulher", discursou D’Urso. "Graças à lei que leva o nome dela, gritos das mulheres agredidas tiveram reflexo no plano jurídico e os algozes passaram a sofrer as consequência dos seus atos. Com essa lei, o Congresso estabeleceu um novo tratamento aos homens que ofendem as mulheres. Precisamos refletir se depois de três anos de vigência da lei a violência recrudesceu e , caso sim, oferecer as contribuições necessárias às mulheres agredidas, inclusive no plano Legislativo. Infelizmente, há incontáveis projetos de lei que querem mutilar a Lei Maria da Penha e nós não podemos deixar isso acontecer", ponderou.

Cartilha da OAB/SP

Durante o evento, foi lançada a "Cartilha sobre violência contra a Mulher" elaborada pela advogada Marli Parada, coordenadora de Violência contra a mulher da Comissão da Mulher Advogada da Ordem da OAB/SP. A Cartilha traz dicas úteis sobre como identificar o agressor, elenca os direitos da mulher, traz a íntegra da Lei Maria da Penha, explica a violência contra a mulher no âmbito da Justiça e traz telefones úteis de delegacias e centros de referência.

"Essa cartilha surgiu com o objetivo de fazer com que a mulher saiba os seus direitos. Muitas vezes, a mulher não toma uma atitude contra seu agressor porque desconhece seus direitos", explicou Tallulah Kobayashi, diretora adjunta da Comissão da Mulher Advogada e coordenadora do evento. "Essa cartilha será mais uma peça na construção de uma sociedade democrática. Ela não tem o objetivo de diminuir nem culpar o homem, mas sim de modificar hábitos sociais, conscientizando os leitores sobre os direitos das mulheres numa linguagem acessível", diz Marli.

Para a presidente da Comissão da Mulher Advogada, Maria Helena Diniz, "a Lei Maria da Penha exige a representação da mulher para abrir um processo contra o agressor. Infelizmente, a maioria das mulheres que procuram uma delegacia acabam não fazendo a representação porque não são devidamente instruídas ou porque temem a execração pela família, e essa é uma decisão que ela toma sozinha. No entanto, de cada cem mulheres que fazem a representação, 90 conseguem uma liminar contra o agressor".

Maria Helena avalia ainda que a divulgação da Lei Maria da Penha foi equivocada, pois falou-se muito da prisão, quando na verdade a lei prevê uma série de medidas protetoras para as mulheres, como a internação de um homem drogado, de um filho que bate na mãe etc. "Essa lei não veio para punir, mas para sarar a família brasileira".

Em seu pronunciamento, Maria da Penha destacou a satisfação de encontrar pelo país mulheres e homens que trabalham em prol da implementação da lei: "Essa lei surgiu após quase duas décadas de luta das mulheres. Minha contribuição foi a gota d’água. Infelizmente, a lei só tem três anos e nós sabemos que a sua implementação efetiva ainda vai demorar. Na verdade, esse trabalho só existe nas grandes cidades. Precisamos conscientizar as mulheres do interior que ela e seus filhos têm o direito de viver sem violência".

Luta contra a violência

Num emocionante relato, Maria da Penha recordou que conheceu seu agressor quando fazia seu mestrado na USP. "Ele era de origem colombiana e parecia uma pessoa muito agradável. Após o nascimento da nossa segunda filha, ele conseguiu se naturalizar brasileiro e começou a mostrar a sua verdadeira personalidade, tratando a mim e as meninas com agressividade. Tentei pedir a separação, mas ele não aceitava, e em 1983, só era possível fazer a separação amigável".

Depois de sofrer muitas agressões, numa noite Maria da Penha recebeu um tiro nas costas. "Meu marido foi encontrado na cozinha com o pijama rasgado e uma corda no pescoço: na verdade, ele encenou um assalto para ocultar seu crime. Ele foi socorrido primeiro porque os vizinhos não viram não viram nenhum ferimento aparente em mim, pois, com o tiro, eu deitara de costas e meu sangue escorria para dentro do colchão. Só pedi a Deus para ficar viva para poder proteger minhas filhas".

Maria da Penha passou quatro meses hospitalizada e na volta ainda teve que ficar 15 dias em casa para não perder a tutela das filhas até voltar para a casa dos pais por ordem judicial. Depois disso, começou o período da recuperação: "Passei por diversas cirurgias e fiz muita fisioterapia para conseguir ficar na cadeira de rodas".

Com muito custo, Maria conseguiu reabrir o processo e seu algoz foi indiciado por tentativa de homicídio após cair em contradição sobre o seu primeiro depoimento. "Com a abertura do processo, me senti vitimada de novo, dessa vez pelo poder Judiciário. O julgamento levou oito anos para acontecer, e isso porque eu ligava toda semana para o fórum e contei com o apoio do movimento das mulheres. Meu ex-marido foi condenado por seis votos a um, mas saiu do fórum em liberdade por conta de recursos".

Por um ano, Maria da Penha deu um basta na sua luta, até que decidiu escrever sua biografia. "Esse livro foi a minha carta de alforria, porque ele chegou à OEA e eu consegui denunciar o Brasil por negligência no tratamento da violência contra a mulher. Quatro anos depois o Brasil foi condenado internacionalmente por punir apenas 0,2% dos agressores de mulheres. Nesse momento, me considerei vitoriosa".

A Lei Federal 11.340/06 (clique aqui) foi aprovada por unanimidade no Senado e na Câmara e recebeu o nome de Maria da Penha por imposição da OEA, a título de reparação simbólica. "Desde então tenho visto a mobilização de movimentos sociais de homens e mulheres pela real implementação da lei. Mas infelizmente também tramita um PL no Senado que aniquila essa conquista. Esse movimento só pode ser encabeçado por quem não entende a realidade da violência doméstica no Brasil ou pelos próprios agressores de mulheres. Não podemos deixar que o agressor volte a ser 'punido' com o pagamento de uma cesta básica", protestou Maria da Penha.

Vencendo o preconceito

Durante o evento, também foi divulgado o site www.mariadapenha.org.br, do Projeto homônimo da Associação das Mulheres Empreendedoras (AME), presidida pela empresária Cristina Boner. "A cada 15 segundos uma mulher é vítima de agressão. São 175 mil mulheres agredidas por mês no Brasil, mas só 40% delas denunciam os agressores", declarou Cristina.

A delegada Sandra Melo, chefe da Delegacia Especial de Apoio à Mulher do DF, inaugurada em 1987, também contribui para o debate denunciando que as delegacias de mulheres também são alvo de preconceito. "A mulher não apanha porque quer", disse Sandra. "O diferencial desse crime é que ele é invisível, uma vez que se tornou natural na nossa sociedade. Pior, a vítima se culpa pelo crime, porque foi ensinada a se colocar em segundo plano. O afeto que ela nutre ou já nutriu pelo agressor dificulta a denúncia. Por tudo isso, a violência contra a mulher é um crime difícil de enfrentar. Esse tipo de violência começa com pequenas atitudes: deixar de usar tal roupa, de visitar amigas, de estudar, de trabalhar, o que mina a auto-estima da mulher. Na sequência vêm os xingamentos, as pequenas agressões e as agressões mais graves".

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