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TJ/RJ - Família de vítima de atropelamento receberá R$ 120 mil por dano moral

A 2ª câmara Cível do TJ/RJ manteve, por dois votos a um, a sentença que condenou a Transportes Paranapuan a indenizar em R$ 120 mil, por danos morais, o marido e os dois filhos de Lucia Maria Furtado Moutinho, morta por um ônibus da empresa, na descida do viaduto João XXIII, na Penha. A Paranapuan terá ainda de pagar ao marido da vítima pensão mensal no valor de R$ 253,33, até a data em que ela completaria 65 anos de idade, além de R$ 760,00, a título de despesa funerária.

25/8/2009


Responsabilidade

TJ/RJ - Família de vítima de atropelamento receberá R$ 120 mil por dano moral

A 2ª câmara Cível do TJ/RJ manteve, por dois votos a um, a sentença que condenou a Transportes Paranapuan a indenizar em R$ 120 mil, por danos morais, o marido e os dois filhos de Lucia Maria Furtado Moutinho, morta por um ônibus da empresa, na descida do viaduto João XXIII, na Penha. A Paranapuan terá ainda de pagar ao marido da vítima pensão mensal no valor de R$ 253,33, até a data em que ela completaria 65 anos de idade, além de R$ 760,00, a título de despesa funerária.

O acidente ocorreu em fevereiro de 1988, mas o marido de Lúcia, Edmilson Silva Moutinho, e seus filhos, Adriana Furtado Lima e Marcelo Furtado Moutinho, somente ajuizaram a ação de indenização em abril de 2005. Em sua defesa, a Paranapuan alegava a impossibilidade de aplicação ao caso das normas da atual CF/88 (clique aqui) e do CDC (clique aqui) em razão da data da ocorrência do evento. A sentença da 2ª vara Cível do Rio, no entanto, julgou procedente o pedido da família.

Inconformada, a empresa de ônibus recorreu, mas, ao reexaminar o caso, a 2ª câmara Cível, por maioria de votos, manteve a decisão, ficando vencido o relator, desembargador Heleno Ribeiro Nunes, que dava provimento ao apelo da transportadora. Para o desembargador Alexandre Freitas Câmara, que discordou do relator e foi designado para preparar o acórdão, o fato de o acidente ter ocorrido antes da entrada em vigor da Constituição, não afasta a responsabilidade objetiva da transportadora, por ser ela uma concessionária de um serviço público.

"Não se pode admitir a produção, hoje, de uma decisão judicial cujos efeitos sejam incompatíveis com o vigente ordenamento constitucional, ainda que diga respeito a atos praticados ou a fatos ocorridos antes de 5 de outubro de 1988. Sendo a nova Constituição o marco inaugural de um novo ordenamento jurídico, nada que tenha ocorrido antes dela pode lhe ser oposto se com ela incompatível", destacou.

Confira o acórdão na íntegra.

__________

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.001.34927

APELANTES : TRANSPORTES PARANAPUAN S.A. e EDMILSON SILVA MOUTINHO E OUTROS

APELADOS: OS MESMOS

RELATOR: DESEMBARGADOR HELENO PEREIRA NUNES

DESIGNADO PARA O ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA

Direito constitucional. Direito civil. Direito processual civil. Acidente de ônibus ocorrido antes da entrada em vigor da Constituição de 1988. Aplicabilidade do vigente texto constitucional a fatos ocorridos anteriormente a 5 de outubro de 1988. Responsabilidade objetiva. Inexistência de excludentes. Obrigação de indenizar os danos materiais e compensar os danos morais reconhecida. Condenação a constituir capital garantidor de pensionamento que independe de pedido expresso.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n. 2009.001.34927, em que são apelantes TRANSPORTES PARANAPUAN S.A. e EDMILSON SILVA MOUTINHO E OUTROS, e apelados OS MESMOS.

ACORDAM, por maioria de votos, os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em negar provimento a ambos os recursos.

Trata-se de processo que seguiu o procedimento sumário, por meio do qual os autores, ora apelantes na forma adesiva, postulam a condenação da ré, também recorrente, ao pagamento de reparação por danos morais e materiais, este consubstanciado em pensionamento mensal e pagamento de verbas de funeral, em razão do falecimento de sua esposa e mãe, decorrente do atropelamento que sofrera por ônibus de propriedade da demandada.

A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar a parte ré: (i) a pagar para o primeiro autor (marido da vítima) pensão mensal no valor de R$ 253,33, encerrando-se na data em que a vítima completaria 65 anos de idade; (ii) a pagar aos autores a quantia de R$ 760,00, a título de despesa funerária; (iii) a pagar aos autores pro rata a quantia de R$ 120.000,00 a título de compensação por dano moral, corrigida monetariamente desde a citação e acrescida de juros de um por cento ao mês, contados a partir da citação; e (iv) a constituir capital garantidor do pensionamento estabelecido, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão arbitrada.

Interpostos recursos por ambas as partes, reiteraram suas razões.

É o breve relatório. Passa-se ao voto.

O fato de ter o acidente ocorrido antes da Constituição da República de 1988 não afasta a responsabilidade objetiva da transportadora, concessionária de serviço público que é.

O art. 107 da Constituição da República de 1969 (formalmente chamada de Emenda Constitucional nº 1/1969), vigente ao tempo do acidente, já era expresso em estabelecer a responsabilidade objetiva do Poder Público. Era o seguinte o texto constitucional vigente:

Art. 107. Às pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.

É certo que o texto constitucional de então não fazia expressa referência, como faz o hoje vigente, às pessoas jurídicas de direito privado que exerçam função pública, o que poderia levar à consideração de que as mesmas não estariam abrangidas pelo comando constitucional anterior. Esta, porém, e com todas as vênias, não me parece a melhor interpretação.

Em primeiro lugar, porque estou convencido de que qualquer Constituição – inclusive as emanadas de ordem jurídicas ditatoriais, e não comprometidas com o Estado Democrático de Direito – deve ser interpretada de forma a proteger o cidadão do Estado, e não o contrário. Assim, tenho para mim que a norma constitucional então vigente merece (ou merecia) interpretação extensiva, de modo a alcançar, também, as concessionárias de serviço público.

Ainda que assim não fosse, porém, não me parece possível admitir-se, hoje, a produção de efeitos incompatíveis com o vigente ordenamento constitucional, ainda que decorram de fatos anteriores à entrada em vigor da Carta de 1988.

Valho-me, aqui, de trecho de voto há muito proferido pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, quando ainda integrava este Egrégio Tribunal de Justiça:

Família. Bens reservados pela mulher. Interpretação do art. 226, par. 5., da Constituição Federal. 1. Regra do art. 246 do Código Civil nasceu com o estatuto da mulher casada, assim denominada porque representou um marco de proteção da mulher contra o sistema patriarcal agasalhado pelo Código Civil, próprio dos termos de sua elaboração. 2. A Constituição Federal, em matéria de direito de família, incorporou o ideário da igualdade entre o homem e a mulher, que passaram a responder, sem discriminação, pelos direitos e deveres da sociedade conjugal. 3. Como ensina Machado Neto, as regras imperativas ("ius cogens") ultrapassam os lindes dos direitos adquiridos "devido a razoes de ordem social que tem maior valia que os direitos adquiridos e as garantias da segurança individual". 4. Dúvida não há sobre a natureza imperativa das regras constitucionais, daí que não há direito adquirido contra a Constituição. É lição de Jorge Miranda que a superveniência da nova Constituição "acarreta "ipso facto", pela própria função e força desta, o desaparecimento do Direito ordinário anterior com ela desconforme". 5. No caso, o instituto de bens reservados perdeu o seu fundamento de validade com o advento da Constituição de 1988, com o que seus eventuais efeitos pendentes não podem mais ser consumados.

Extraio, daí, que não se pode admitir a produção, hoje, de uma decisão judicial cujos efeitos sejam incompatíveis com o vigente ordenamento constitucional, ainda que diga respeito a atos praticados ou a fatos ocorridos antes de 5 de outubro de 1988. Sendo a nova Constituição o marco inaugural de um novo ordenamento jurídico, nada que tenha ocorrido antes dela pode lhe ser oposto se com ela incompatível. Pois é, a meu ver, incompatível com o atual ordenamento constitucional considerar-se, em decisão agora proferida, subjetiva a responsabilidade da concessionária de serviço público, ainda que por fato ocorrido antes de 5 de outubro de 1988. Nem se diga que se busca atribuir, aqui, à Constituição da República, eficácia retroativa. O que se faz, na verdade, é acolher a existência de uma “ficção de anterioridade cronológica da Constituição”, por força da qual se deve considerar que o novo texto constitucional inaugura um novo Estado, um novo ordenamento jurídico, tudo devendo ser tratado como se jamais tivesse havido o regime constitucional anterior.

Em sentido assemelhado, colhe-se na doutrina pronunciamento do eminente Desembargador Nagib Slaibi Filho, que honra, com seu talento, este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Nagib Slaibi Filho, Anotações à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 1993, p. 71):

“(…) a Constituição acolhe fatos ocorridos antes de sua vigência, juridicizando-os. Como norma jurídica, a Constituição atua na previsão de fatos e relações sociais, imprimindo-lhes, caso ocorram, uma determinada conseqüência”.

(…)

“Os fatos previstos na Constituição para a incidência de sua norma (exemplo, a indicação do juiz por três vezes consecutivos em lista de merecimento – art. 93, II, a; a comprovada separação de fato por mais de dois anos, como se refere o art. 226, § 6º, como pressuposto para o divórcio direto; ou os créditos referidos no art. 46 do ADCT) podem ter ocorrido antes de sua vigência e só serão excluídos se, expressamente, a norma constitucional assim o fizer (por exemplo, os contratos de risco referidos no parágrafo único do art. 45 do ADCT).

E, mais adiante, prossegue o eminente constitucionalista (p. 72):

“São perfeitamente válidos, perante a nova Constituição, como objeto de incidência de suas disposições, os fatos ainda que ocorridos antes de sua vigência. O que importa é a previsão jurídica que a Constituição faz, qualificando o fato”.

Assim, tenho para mim que é objetiva a responsabilidade no caso em exame. Disso se extrai que só se poderá reformar a sentença apelada caso se encontre algum elemento de prova que afaste o nexo de causalidade entre o acidente, cuja ocorrência é incontroversa, e o dano produzido. Afinal, é da transportadora o ônus da prova quanto à veracidade de tal alegação.

Ocorre que o exame da prova não permite formar convicção acerca da existência da qualquer elemento capaz de romper o nexo de causalidade. Aliás, é de se dizer que apesar da opulência dos autos deste processo, a prova colhida é de uma pobreza franciscana. Sequer foram ouvidas testemunhas do evento, as quais poderiam ter permitido o convencimento acerca da dinâmica do acidente.

Sendo certo, porém, que é da ré, ora apelante, o ônus da prova da existência de algum fato impeditivo do direito do autor, como seria qualquer acontecimento capaz de romper com o nexo de causalidade, penso ser inexorável o reconhecimento de sua responsabilidade civil.

Por estes motivos é que me pareceu adequado votar por negar provimento ao recurso principal, mantido o julgamento de procedência do pedido, inclusive quanto às verbas fixadas na sentença de primeiro grau, todas compatíveis com a prova dos autos e com o necessário equilíbrio que se deve ter na fixação do valor da compensação do dano moral. Daí se extrai, também, que é caso de se negar provimento ao recurso adesivo, em que se postula a majoração da verba que, como dito, está adequadamente estabelecida.

Quanto à alegação de julgamento extra petita por ter a sentença, de ofício, determinado a constituição de capital garantidor, que também se encontra na apelação principal, não me parece ter razão o apelante. A constituição de capital garantidor é efeito secundário da sentença que condena ao pagamento de alimentos, o que permite ao juízo determiná-la independentemente de pedido neste sentido.

Registro, aliás, que já sustentei este entendimento em sede doutrinária (Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 6ª ed., 2009, p. 170). Assim, é de se considerar que não há, aqui, qualquer vício na sentença.

Apenas se corrige, de ofício, a sentença, para determinar-se que o termo inicial da correção monetária do valor da compensação do dano moral será a data da publicação da sentença de primeiro grau, que a fixou.

Por todo o exposto, meu voto é no sentido de se negar provimento a ambos os recursos.

Rio de Janeiro, 5 de agosto de 2009.

Des. Alexandre Freitas Câmara
Vogal, designado para o acórdão

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