Migalhas Quentes

A crise em Honduras e a Constituição hondurenha

Manchetes de uma crise que já dura mais de um mês em Honduras : de um lado um presidente deposto, de outro um governo interino instituído por uma intervenção militar.

3/8/2009


Honduras

A crise e a Constituição hondurenha

Golpe militar derruba presidente Zelaya e cala mídia. Opinião internacional condena golpe em Honduras; EUA somente reconhecem Zelaya. Zelaya não consegue aterrissar e crise em Honduras faz primeira vítima. Chávez alerta para possível guerra em Honduras; mediador propõe governo de união. Militares fecham estrada em Honduras para barrar Zelaya. Golpe em Honduras completa um mês sem qualquer solução. Lula critica golpe em Honduras em encontro no Itamaraty. Governo de Honduras está disposto a negociar fim da crise.

Acima, manchetes de uma crise que já dura mais de um mês em Honduras : de um lado um presidente deposto, de outro um governo interino instituído por uma intervenção militar.

Em 28/6, Manuel Zelaya, então presidente de Honduras, foi deposto e expulso do país ao tentar convocar um plebiscito para alterar a Constituição e permitir um segundo mandato presidencial. A intenção de Zelaya, além de provocar sua destituição do cargo, culminou em protestos, violência e uma comoção internacional.

Nos últimos dias, jornais do mundo inteiro mostram que a comunidade internacional não aceita o atual governo interino de Roberto Micheletti e pedem a volta do presidente deposto Manuel Zelaya.

Dada a proporção dos fatos, os leitores de Migalhas também trataram de discutir o assunto.

Embora as intenções de colocar fim à crise comecem a se manifestar, as dúvidas sobre a legitimidade da deposição de Zelaya e da intervenção militar ainda existem : "O processo de substituição do presidente de Honduras foi, do ponto de vista formal, legítimo ?", pergunta o migalheiro Marcelo Borlina Piresum.

Diante das questões e dos acontecimentos, Migalhas foi procurar respostas na Constituição hondurenha.

Em Honduras, um presidente que foge a seu juramento e desrespeita a Constituição pode ser automaticamente destituído, desde que seja referendado pela Justiça e pelo Congresso. Ademais, a Carta constitucional hondurenha é clara no sentido de que não pode haver reeleição no país. E quem quiser modificar isso perde o cargo. É o que prevê o art. 239 da Constituição hondurenha :

"O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou indicado. Quem transgredir essa disposição ou propuser a sua reforma, assim como aqueles que o apoiarem direta ou indiretamente, perderão imediatamente seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública". (traduzido)

Para modificar essa situação, Manuel Zelaya tentou convocar um plebiscito. Plebiscito, diga-se, que não é de sua autoridade convocar. Cabe ao Congresso convocá-lo. Ao tentar realizar um plebiscito à revelia do Congresso, para conseguir um novo mandato, ele agiu contra o que determinou a Justiça, contra a Constituição, e contra o Congresso. Dizem as informações, ainda, que deu ordens ilegais às Forças Armadas.

E a famigerada intervenção militar lá também é prevista pela Constituição. Evidentemente, ela não justifica os episódios de violência e censura ocorridos no país, mas reconhece a ação das forças armadas e a constitucionalidade do governo interino.

Prevê o art. 272 :

"Art. 272. As Forças Armadas de Honduras são uma Instituição Nacional de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não deliberante. São constituídas para defender a integridade territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública e o império da Constituição, os princípios do livre sufrágio e a alternância no exercício da Presidência da República." (traduzido)

Acerca da impossibilidade de o presidente da República querer, sponte propria, convovar plebiscito, isso também já foi tentado aqui. Pelo menos, esboçado.

Com efeito, em 2007, um grupo de parlamentares e líderes petistas preparou um documento a ser apresentado no 3º Congresso do PT que, entre outras coisas, defendia o direito do presidente da República de convocar plebiscitos sem autorização do Legislativo.

O plebiscito é uma consulta direta ao cidadão, previsto na Constituição, em que o eleitor se manifesta sobre um assunto de extrema importância, antes que uma lei sobre o tema seja estabelecida. No caso de o tema já ter uma legislação específica, a consulta é feita por referendo, como o do desarmamento. Em ambos os casos, o Congresso precisa aprovar a iniciativa. Suprimir essa etapa seria o mesmo que fechar o Congresso.

Plebiscito presidencial ?

Surgiu ontem uma calorosa discussão sobre um eventual projeto que daria ao presidente da República a possibilidade de convocar plebiscito, sem a autorização do Legislativo. A história toda surgiu a partir de um documento que será debatido internamente no congresso anual do PT. Num dos itens os signatários perguntam :

"Se o presidente da República pode editar medidas provisórias - cada vez mais sob o crivo das críticas por seu vezo autoritário -, por que não pode ele, sem este vício originário, convocar plebiscitos sem autorização legislativa para decidir questões de grande alcance nacional?"

Veja só onde vai a estreiteza de visão. Primeiro, porque MP e Plebiscito não têm nada a ver um com o outro. Depois, porque é a Constituição que - em casos urgentes e relevantes, e só neles - delega ao presidente essa especialíssima prerrogativa de editar as MPs. Depois, se o presidente quer ouvir o povo, pode ouvi-lo, para isso são eleitos os representantes. São eles os autorizados a falar pelo povo. E eles, caso sintam que o tema é tão importante e o mandato não lhes outorga tantos poderes, é que convocam os representados. Suprimir essa etapa é o mesmo que fechar o Congresso. Por isso, convém aos escritores do documento sair de fininho, e responsabilizar um vírus no computador por essa baboseira.

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Leitores sobre o caso Honduras :

"Estimados señores: Me refiero a las noticias que nos circularon em Migalhaslatinoamérica (314 - 16/7/09 - clique aqui). Creo que el llamar 'presidente de facto' al señor Roberto Micheletti Bain y 'derrocado gobernante' al señor José Manuel Zelaya acusa un desconocimiento de parte de su publicación sobre la realidad de los lamentables sucesos ocurridos en Honduras el pasado 28 de junio y una falta de diligencia al no haber contado con un recuento de fuente confiable sobre esa realidad. Esta, precisamente, ha sido la actitud de varias organizaciones, bancos y otros clientes nuestros en varias partes del mundo, quienes nos han pedido nuestro parecer sobre lo que sucedió aquí. Sólo llamo su atención a los siguientes hechos acaecidos en los últimos cinco dias : (1) la ONU ha confirmado su apoyo a la gestión de mediación que realiza el Presidente Oscar Arias de Costa Rica; (2) La OEA apoya asimismo ese proceso; (3) el gobierno de los Estados Unidos fue el primero en recomendar una mediación apoyando para ello al Presidente Arias, y (4) los tres poderes del Estado, ejecutivo, legislativo y judicial, están funcionando normalmente, al igual que otras instituciones del Estado hondureño como el Ministerio Público, la Procuraduría General de la República y el Comisionado Nacional de los Derechos Humanos. Las Fuerzas Armadas de Honduras, por su parte, se limitaron a cumplir una orden de un juez para capturar al ex Presidente Zelaya por graves violaciones a la ley y desobediencia a dos órdenes judiciales. Yo les pregunto entonces: ¿creen ustedes que si realmente hubiese habido un golpe de estado como los que han ocurrido en el pasado en muchos países de Latinoamérica, fuera esa la situación? Después de conocer los hechos más de cerca, pienso que la ONU y la OEA han querido enmendar con diplomacia la rápida condena de Honduras y en lugar de reclamar el cumplimiento de sus respectivas resoluciones e imponer sanciones, han dispuesto apoyar un proceso alterno para la solución de la crisis política, entendiendo que somos los 7.5 millones de habitantes de este país los que pagaríamos las consecuencias de reacciones tan precipitadas. Puedo decirles que, de acuerdo a lo que yo personalmente he podido apreciar y de las encuestas hechas por compañías responsables, aproximadamente un 85% apoya la substitución del Presidente Zelaya y un 15% se opone a ella. En suma, lo que se produjo en Honduras fue una substitución de un Presidente de la República siguiendo el procedimiento legal establecido. Al señor Micheletti le tocó asumir esa posición, no porque él quiso, sino porque el Vicepresidente electo por el pueblo ya había renunciado y él, Micheletti, era el tercero en la línea legal. Cordialmente," José Ramón Paz - Consortium Centro América Abogados - Tegucigalpa, Honduras

"Caro diretor, li com atenção o texto de José Ramón Paz, do Consortium Centro América Abogados de Tegucigalpa, Honduras, onde o mesmo defende o golpe em Honduras, dizendo que não houve golpe e que 85% da população apoiam a 'substituição' do presidente eleito (Migalhas 2.187 - 21/7/09 - "Migalhas dos leitores - Honduras"). Não vi nenhuma referência ao devido processo legal e ao direito do contraditório. Ora, se a Suprema Corte de lá julga sem processo e sem direito de defesa e manda o exército cumprir a decisão, não publicada e sem direito a recurso, na calada da noite, retirando uma pessoa de sua casa e o exilando, pode-se dizer que a Suprema Corte é partícipe do golpe, o que, obviamente, não o legitima. Quanto ao fato de 85% da população, segundo o missivista, apoiar o golpe, o mesmo não deixa de ser o que foi, um golpe. Gostemos ou não do presidente deposto." Hércules Guerra – advogado, Belo Horizonte/MG


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