Entrevista
País foi mais prejudicado por suas qualidades do que defeitos na disputa da OMC, diz Ellen Gracie
Ministra Ellen Gracie, do STF, perdeu a vaga na OMC para o mexicano Ricardo Ramirez
Em sua primeira entrevista sobre o episódio, Ellen rejeita a atribuição de culpa ao Itamaraty - sobre o qual pesam outras derrotas recentes em disputas por cargos internacionais. Segundo ela, o time do chanceler Celso Amorim "foi impecável".
Também refuta a ideia de que lhe faltava conhecimento específico para a vaga, na comparação com o currículo de Ramirez. "É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos. Me preparei durante estes últimos seis meses com a seriedade necessária. Respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Não houve nada que me embaraçasse."
Ellen minimiza o incômodo manifestado por colegas de STF com suas ausências frequentes durante a campanha pela vaga na OMC. "Pessoalmente, nunca recebi reparo nenhum." Nega ter buscado, antes da OMC, uma vaga na Corte Internacional de Haia.
Aos 61 anos, a primeira mulher a ingressar no STF - em 2000, por indicação do então presidente Fernando Henrique Cardoso - diz que não pretende mais deixar a Corte. "Agora retomo o meu trabalho, que, aliás, nunca foi interrompido."
Folha - A sra. considera a escolha do mexicano Ricardo Ramirez para a corte de apelação da OMC uma derrota sua ou do governo Lula?
Ellen Gracie Northfleet - Nem uma coisa nem outra. É necessário fazer um histórico. Cerca de um ano atrás, o professor Luiz Olavo Baptista me procurou pra dizer que pretendia deixar o cargo por motivos pessoais. Ele considerava importante o Brasil manter a posição. Uma candidatura de alta hierarquia poderia contribuir para isso. E ele me conhece há 30 anos. Não foi uma escolha aleatória.
Depois disso fiz contato com o chanceler Celso Amorim, para verificar a viabilidade do projeto do ponto de vista do Itamaraty. Ele concordou e trabalhou pela candidatura. Quero deixar registrado que o Itamaraty foi impecável ao longo de todo o processo. O próprio presidente da República se empenhou.
Ocorre que essas escolhas não são simples. Não são um Gre-Nal. Podemos dizer que o Brasil foi mais prejudicado por suas qualidades do que por seus defeitos. O Brasil é o "new kid on the block". E isso gera resistências, vide a posição dos EUA e da China a favor do candidato do México. Houve também resistência regional -a Argentina lançou seu próprio candidato. O Brasil já havia ocupado o cargo por oito anos. Prevaleceu a ideia de rotação. Enfim, são circunstâncias complexas.
Folha - A sra. discorda, então, da interpretação de que lhe faltava experiência técnica para o cargo na comparação com o currículo de Ramirez?
Ellen Gracie - Os quatro candidatos eram altamente habilitados [além de Brasil, México e Argentina, também a Costa Rica lançou um nome]. E trata-se de um posto de natureza quase judicial, de interpretação dos marcos legais. É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos.
Me preparei durante estes últimos seis meses com a seriedade necessária. Respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Não houve nada que me embaraçasse. E vale lembrar que o órgão já foi composto anteriormente por dois ministros de Corte Suprema [da Austrália e das Filipinas].
Não é como na história da raposa e das uvas. Não vou agora sugerir que as uvas estavam verdes. É claro que eu gostaria de ter sido escolhida. Mas não me sinto pessoalmente derrotada.
Folha - Sua escolha era dada no mínimo como provável no noticiário local. Houve exagero na descrição de suas chances ou reversão de favoritismo?
Ellen Gracie - Acho que atitude positiva da imprensa é natural. E, até as vésperas da escolha, as sinalizações vindas de Genebra eram favoráveis. Uma motivação mais ampla de ordem de geopolítica deve ter determinado essa reversão.
Folha - Colegas de STF estavam incomodados com suas ausências durante a campanha pela vaga na OMC. Alegavam que a situação era demeritória para o Supremo.
Ellen Gracie - Li isso na imprensa. Pessoalmente, nunca recebi reparo de colega nenhum. Até porque comuniquei previamente a eles antes de autorizar o lançamento da candidatura. Antes e agora, só recebi manifestações de apreço.
Agora, divergências de opinião acontecem em qualquer família. Sempre fui ciosa das minhas atribuições e constante na minha produção. Viajei por absoluta necessidade. Não havia como disputar o cargo sem fazer essas viagens. Elas não prejudicaram em nada o andamento do tribunal. Por isso mesmo o STF é um colegiado.
Folha - O fato de que a sra. já tentou sair por duas vezes não pode levar à conclusão de que agora ficará no STF apenas por falta de opção?
Ellen Gracie - É um bom momento para esclarecer isso. A história de Haia foi noticiada e continuou sendo repetida, mas jamais postulei aquela vaga. Desde início estava claro que o candidato brasileiro era o professor Cançado Trindade. E eu estava iniciando minha gestão na presidência do STF.
Isso não existiu. Talvez a ideia tenha se propagado porque formei no STF um grupo de estudos sobre a convenção de Haia a respeito de sequestro de menores [agora discutida a propósito do caso do menino Sean]. As pessoas confundiram. Chegou a haver uma manifestação de apoio do presidente da República. Mas eu própria nunca pleiteei.
Folha - Por que a sra. quis sair do STF?
Ellen Gracie - No âmbito nacional, o Supremo é o máximo a que se pode aspirar. Mas a vaga na OMC é uma posição importantíssima no que diz respeito ao comércio internacional. Especialmente em tempos de crise, com o protecionismo em alta, esses mecanismos têm de funcionar para impedir um retrocesso. Minha candidatura foi ditada pelo interesse nacional.
Folha - Ainda quer sair do Supremo?
Ellen Gracie - Não. Esta foi uma conjuntura especial, em razão das pessoas envolvidas, entre elas um velho amigo. Agora retomo o meu trabalho, que aliás nunca foi interrompido.
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Fonte : Folha Online
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