Migalhas Quentes

Fazenda Pública do Estado de São Paulo é condenada por danos materiais em coletivos da Himalaia Transportes Ltda.

O juiz Rômulo Russo Junior, da 5ª Vara da Fazenda Pública de SP, julgou procedente ação para condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a pagar à Himalaia Transportes Ltda. a quantia correspondente aos danos materiais que atingiram vinte e um de seus coletivos.

18/7/2008


Omissão

O juiz Rômulo Russo Junior, da 5ª Vara da Fazenda Pública de SP, julgou procedente ação para condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a pagar à Himalaia Transportes Ltda. a quantia correspondente aos danos materiais que atingiram vinte e um de seus coletivos.

Na ação patrocinada pelo escritório Camargo Aranha Advogados Associados, o juiz analisa a responsabilidade do Estado.

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Processo Nº 583.53.2006.138129-2

VISTOS. Relatório HIMALAIA TRANSPORTES LTDA. ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais, pelo rito sumário, em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, afirmando que é prestadora do serviço público de transporte coletivo de passageiros em linhas urbanas, na Capital de São Paulo e que a Constituição Federal assegura o direito material à segurança e à propriedade. Salienta que conforme amplamente divulgado, ao longo do ano de 2006, organizações criminosas com o comando do interior de presídios e ramificações nos redutos de marginais fora do cárcere, promoveram simultâneos motins em dezenas de presídios do Estado de São Paulo e encheram de pavor à população da Capital e das grandes cidades do interior, quando, então, vinte e um ônibus de sua propriedade foram queimados, alguns, totalmente destruídos, outros parcialmente. Pondera que os ataques eram perfeitamente previsíveis, até porque ficara notório que as autoridades públicas, por meio de escutas telefônicas, sabiam do que estava ocorrendo, mas mantiveram sua omissão. Assevera que houve ausência de total segurança que o Estado tem o dever de proporcionar aos contribuintes. Sustenta que a segurança pública é dever do Estado e que este deve responder por sua omissão, na forma do art. 37, § 6º, da CF.

Requer a procedência da ação, a fim de que a ré seja condenada no pagamento dos danos materiais e lucros cessantes que deverão ser apurados. A ré foi citada e contestou a ação (fls. 300/307, 2º Volume), na qual sustenta que não cabe a indenização por danos decorrentes de atos de terrorismo. Afirma que a tese inicial tem contorno de especulação e guarda cunho conjetural. Salienta que não há causa que ligue o fato a ato comissivo, ou omissivo praticado pelo poder público e que a jurisprudência segue tal corrente. Sublinha que a segurança pública não se desenvolve especificamente em relação a cada um dos cidadãos, mas sim em face da coletividade. Destaca que não deve ser reconhecida a obrigação de ressarcir pela prática de crime por terceiros alheios à administração pública. Declara que a polícia agiu a fim de que terminassem os atos de terrorismo, sendo certo que foram mortos inúmeros criminosos. Pede a improcedência da ação, apontando que não havia como evitar a ação inconseqüente de cidadãos que buscam a destruição do patrimônio alheio. Houve réplica (fls. 309/311).

A Fazenda Pública postulara o julgamento antecipado (fls. 313), enquanto a autora requerera a produção de prova oral e literal, sem justificar sua pertinência (fls. 316 e verso). Fundamentação Da ação Trata-se de ação de indenização por danos materiais proposta por empresa de transporte público de passageiros que sofrera a incineração de vinte e um de seus ônibus coletivos, o que se dera no dia 15 de Maio de 2006, ocasião em que a Capital do Estado de São Paulo e inúmeras cidades paulistas e brasileiras foram atingidas pelo pavor da barbárie causada por sucessivos atos de subversão da ordem pública, os quais foram praticados com planejamento estratégico e em ordem cronológica, todos arquitetados por organização criminosa. Trata-se de fato notório (art. 334, I, do CPC). Do julgamento antecipado da lide Com esse registro, anote-se que a matéria controvertida, embora de direito e de fato, não exige a produção de provas em audiência instrutória, sendo inútil tal elastério, máxime pela expressão processual do apontado fato notório, o que dispensa o percurso probante.

Fixada essa ressalva, marque-se que a falta de real segurança pública à população de São Paulo guarda fama e notoriedade o que, portanto, veda trânsito probante, não havendo sentido lógico abrir-se audiência de instrução e julgamento a fim de que se pretenda provar que segurança existia à época dos fatos, ainda mais se o núcleo da tese da Fazenda Estadual está situado na alegação de não haver omissão e de que os movimentos terroristas, por serem excepcionais e fortuitos, são excludentes de sua responsabilidade civil, não existindo nexo causal. Da Responsabilidade Civil objetiva do Estado de São Paulo pelos atos ligados ao crime organizado: a inexistência de caso fortuito. Antes de ingressar no ponto nodal da causa, é útil frisar que as ações que envolvem a responsabilidade civil do Estado são especiais por si próprias, vez que a eventual condenação recai, de fato, sobre toda a sociedade produtiva e atingida pelo carnaval tributário que nos assola[1], o que requer do julgador dilatada prudência e razoável maturação sobre a hipótese posta em julgamento. Além disso, quando a proposição está situada na gravíssima problemática da segurança pública de competência institucional do Estado Federado (artigo 144 da CF)[1], como é o caso dos autos, tema sobre o qual não há consenso doutrinário e jurisprudencial, fica redobrada a dificuldade de fazer Justiça, máxime porque tal implica em declarar-se se o visível avanço da onda criminosa organizada e sua diretiva emanada de Penitenciária de domínio estadual, é fato da vida paulistana imprevisível e excepcional para a autoridade pública e, por isso, materializa o conceito de força maior, ou de fortuito[1]. Assim sendo, passar-se-á a albergar tanto os aspectos de fato, bem como aqueles cuja historicidade guarda relação com a especialidade da causa. Pois bem. A tomada da Capital de São Paulo – e de diversas cidades paulistas e outras ao redor de nosso país -, no dia 15/05/2006, pela mão terrorista imposta a todos nós por homens perigosos que compõe um grupo vinculado ao crime organizado, encarna, efetivamente, um melancólico retrato da não efetividade da terapêutica dada pelo Estado à segurança pública, dever constitucional elementar e institucional de cada Estado da Federação brasileira, conforme dispõe o artigo 144 da Carta Constitucional[1] de 05/10/1988. Nessa medida, a negra tarde de 15 de Maio de 2006, à qual a Capital paulistana[1] foi submetida por pessoas não comprometidas com nenhum valor humano ou cívico, com nada mesmo e muito menos com a vida do semelhante, embora retrate uma figura de real excepcionalidade, não pode, à luz da realidade que nos rodeia, ser considerada como um mero fortuito, certo que de força maior não se trata, porque a invasão realizada pelo crime organizado não se dera pelo denominado act of God. Não. Basta sopesar, em simples balanceamento retratável pela recente memória humana dos paulistanos e paulistas, a crescente sensação de real insegurança que sobre todos se alastra e que se submerge progressivamente há mais de 15 anos, a qual vem marcada por um avassalar geométrico de crimes cada vez mais arrojados, sem que os criminosos tenham nenhum temor pela aplicação da Lei Penal, ao lado de um concorrente e alarmante acesso a armas de grosso calibre e específicas ao uso das Forças Armadas, o que vem a colorir, sem nenhum aplauso, a falta de eficiência do Estado para com a séria questão estatal da segurança pública, a qual lhe cabe com absoluta exclusividade.

Não se trata, para débito do administrado, de fato novo. Nessa perspectiva, ademais, abraça a notoriedade reconhecer-se que o terrível evento delinqüente era anunciado há algum tempo, pela organização criminosa que o arquitetara minuciosamente, não tendo, contudo, merecido credibilidade Estatal, existindo registro de que a própria autoridade pública tinha ciência de sua provável ocorrência, conforme noticiara a imprensa escrita, radiofônica e televisada, circunstância essa que foi recolhida pela jornalista Fátima Souza, em livro-relato próprio[1], o que dilata sobremaneira a incúria estatal. De qualquer modo, é suficiente marcar que não tendo o Estado de São Paulo impedido a consumação tanto da criação originária, quanto do desenvolvimento de um tal organismo criminoso, cuja nascente está no interior das prisões do Estado de São Paulo e, pois, aos olhos da autoridade pública, tem-se por presente a concreta falta de eficiência e competência estatal, o que, portanto, implica que seja tributado ao Estado o dever de reparar o prejuízo sofrido pela pessoa física ou jurídica atingida pelos efeitos dos aludidos atos de violência desmedida. Ademais, o Estado de São Paulo, por força vigência das Leis Estaduais nºs 12.401, 12.403 e 12.404, todas promulgadas em 23 e 24 de novembro de 2.006 e sancionadas pelo Governador Cláudio Lembo, já vem pagando indenizações às respectivas famílias dos agentes penitenciários mortos (R$ 50.000,00, art. 3º) na aludida ocasião, bem como aos Policiais Civis (R$ 100.000,00 – art. 3º) e Policiais Militares (R$ 100.000,00 – art. 3º), igualmente mortos em serviço, o que bem amplifica que o próprio Poder Executivo reconhece sua responsabilidade legal de reparar o dano sofrido pelas famílias vitimadas. É dado significativo. Sem prejuízo, é vivo reconhecer que o crime organizado vem mostrando a todos nós que possui força, dinheiro, engajamento, hierarquia, disciplina, estatuto e objetivos[1], o que, escancaradamente, impunha ao Estado velar, com zelo redobrado, sem retórica, por todos nós, mas, debalde.

A esse respeito, com a publicação do livro “PCC a facção”, da jornalista FÁTIMA SOUZA, constata-se o registro rico e detalhado de que tal organismo criminoso possuía site, foi criado em março de 1.993, dentro da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (Piranhão), ressaltando a autora que havia documento formal, de agosto de 1997, noticiando ao então Secretário de Segurança Pública a existência de uma facção constituída no cárcere, à qual não foi dada nenhuma atenção, facção essa que impôs a maior rebelião conjunta em 30 cadeias ao mesmo tempo e foi idealizadora do denominado “Setembro Negro”, em 2.003, quando espalhara dez dias de terror a vários pontos do Estado de São Paulo, além de utilizar sua maior arma, “o telefone celular”, registrando o Delegado chefe do Deic, segundo a autora, que “O celular dentro da cadeia é mais perigoso do que 10 fuzis na rua” (cf. a referida obra, págs. 54, 60, 44, 145, 237, 283 a 289, dentre outras). Outrossim, a peculiaridade dramática então vivida levanta o prenúncio de que o administrador público preferiu omitir-se e, assim, vidas de policiais militares, agentes penitenciários, policiais civis e cidadãos foram ceifadas, ao lado do prejuízo material vasto e variado, tanto público quanto privado, inclusive aquele aqui perseguido. Dentro de tal mergulho, por todas essas evidências, crave-se que as ocorrências desastrosas do dia 15 de Maio de 2006, bem como aquelas que se sucederam até o mês de Agosto do mesmo ano, não podem ser equivalentes ao conceito de caso fortuito, sobretudo porque tal implica em atestar que o Estado é impotente diante do crime organizado que escoa de dentro do cárcere público, fato que também é notório, o que importa em reconhecer, por via obliqua, que há um Estado paralelo, com idêntico poder de polícia (destrutiva) capaz de ordenar o recuo do homem apavorado para seu lar e da autoridade para o sítio de seu gabinete. É inadmissível. Assim sendo, houve situação anormal. Sim. Mas não houvera, no entanto, fato absolutamente imprevisível para os profissionais públicos – os quais o Estado de São Paulo têm – que atuam na segurança pública. Deu-se, assim, na verdade, concreta e profunda omissão da autoridade pública que deveria agir em defesa do cidadão, sem registrar-se (a contestação nada explica a tal respeito), nenhuma eventual causa invencível ao poder público, aliás, sequer teoricamente apontada na defesa da Fazenda Estadual. Trata-se, portanto, de frisar que não pode haver política pública que não esteja compromissada com a defesa da paz pública. Posto isso, não existe nenhuma prova de que a autoridade policial tenha adotado conduta positiva, forte, firme e condizente com a quadra vivida por nossa sociedade civil, o que representa correlata a negativa de vigência à norma constitucional (art. 144 da CF), o que é inconcebível. Noutro ponto, é risível transferir, ou mesmo compartilhar tal ônus com a sociedade civil, produtiva ou não, máxime porquanto compete primaz e privativamente ao ente federado, à pessoa de direito público interno, cumprir com eficiência o dever constitucional de dar segurança ao povo (art. 37, caput, da CF)[1].

É exato que o cidadão, no regime democrático, não pode ser excluído e deve ser parceiro e colaborador do Poder Estatal, cabendo a este, contudo, em primeiro lugar, fazer valer à sua competência e eficiência. Nada mais. Está evidenciada, portanto, a ausência e a omissão do Estado de São Paulo no cumprimento do dever constitucional de bem prestar o tão basal serviço essencial de oferecer segurança pública, emergindo a lesão à ordem constitucional, anotando-se que o Estado, em sua defesa, não procurou apresentar as provas compatíveis com a existência de seu trabalho, sua estratégia de combate ao crime organizado, bem como quais as providências já adotadas, qual o planejamento em curso e qual aquele que está por realizar-se, o que não pode merecer adesão do Poder Judiciário. Assim sendo, ao deixar de garantir a ordem pública e a integridade física, moral e patrimonial de seus administrados, o Estado de São Paulo tem o dever constitucional de reparar os prejuízos experimentados pelo particular, o que decorre do alcance e da inteligência da responsabilidade civil prevista do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Da omissão específica do Estado de São Paulo: os atos de terrorismo praticados por facção criminosa afastam a teoria da responsabilidade subjetiva Tem fôlego doutrinário e jurisprudencial entender-se que se o prejuízo suportado pelo particular adveio de uma omissão da administração pública, invoca-se a teoria da responsabilidade civil subjetiva, cabendo ao administrado provar a negligência estatal. Nesse pendor, o Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855). No entanto, com a venia dos adeptos de posição diferente, a hipótese, apesar da omissão do administrador público, não é de responsabilidade subjetiva, porquanto é preciso distinguir-se entre a omissão genérica do Estado Federado e a omissão específica. Por esse ângulo, não será constitucionalmente correto frisar que sempre que se estiver em face da omissão estatal deve incidir a teoria da responsabilidade civil subjetiva, posto que tal somente deve ser aplicado quando houver omissão genérica. Nessa medida, será também de responsabilidade objetiva o dano suportado pelo particular diante de omissão específica e entrosada com um não fazer exclusivo do ente estatal, do qual se dilata o dano do administrado.

A esse respeito, doutrina GUILHERME COUTO DE CASTRO (A Responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, pág. 37) que “não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir”. A omissão da autoridade administrativa encarregada de salvaguardar a ordem pública, sobretudo diante de gravíssimo fato que vivamente se avizinhava, por força do alarmante progresso do crime organizado, em ocasião em que se procurava isolar todos os detentos que compunham tal facção em um único presídio, representa, concretamente, omissão individualizada, autônoma e de nomeada do Estado de São Paulo, a qual, ademais, causara lesão a toda à sociedade civil, ao lado da simultânea presença de insegurança e de ausência de ordem pública. É diferente, evidentemente, daquelas hipóteses em que há, por exemplo, o trânsito de um veículo sem as mínimas condições de segurança, de modo que aí se está diante de omissão generalizada, em oposição àquele automóvel, também sem possibilidade de transitar, que passa por vistoria, sem ser recolhido, quando, então, se tem omissão específica. Nesse sentido, confira-se a doutrina de SÉRGIO CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 4ª ed., pág. 247). Ainda nessa quadra, é importante compreender que o caso não é de impor ao Estado a obrigação de reparar danos causados por atos predatórios de terceiros. Na realidade, a hipótese é de que o Estado deve arcar com atos predatórios praticados por organização criminosa que crescera à sua vista, daí dilatando-se sua gravíssima omissão, quase dolosa, o que faz vincular o prejuízo sofrido pelo administrado com o não fazer específico da autoridade pública. Por isso, sendo certo que não mais vigora a irresponsabilidade estatal que vigia no Século XVII, então cunhada pelo absolutismo King can do no wrong, aplica-se simplesmente a teoria do risco administrativo e da responsabilidade objetiva, vez que há real nexo de causalidade entre os danos que todos enfrentamos e a passividade Estatal. Dentro dessa medida, o Estado federado, qualquer um, ao não dar segurança digna de fé à população (não segurança plena, individual) age como autor de ato ilícito omissivo. Descumpre o Estado um dever primário constante da Constituição Federal. Deve, por isso, responder pelos efeitos de sua conduta omissiva. Além disso, em razão da elevadíssima vulnerabilidade do cidadão pelo arrastão da prática criminosa, o Estado não pode depender de polícia meramente reativa[1], ainda mais em situações tão extremas vinculadas ao crime organizado, o qual foi concebido e se expandira dentro de um sistema carcerário carcomido pela impontualidade, seriedade, austeridade e rigor do poder público, o que também vem a descolorir a própria esperança daqueles que estão porvir. Seja como for, a imagem de responsabilidade civil subjetiva representa de exegese que não está rigorosamente afinada com o pendor constitucional do artigo 37, § 6º, da CF e, pois, pode representar perigosa distorção. Da doutrina aplicável à hipótese sob julgamento Antes de anotar a doutrina publicista adequada, é útil assinalar que a clássica obra de J. M. CARVALHO SANTOS ensina que “nos casos de distúrbios, verificando-se que houve inércia da autoridade pública - por não ter prevenido o resguardo da ordem e da segurança, quer alertando a população, quer adotando medidas de policiamento ostensivo -, é inescusável a responsabilidade do Estado” (Código Civil Brasileiro Interpretado, art. 15, vol. l, p. 364, g.n.), bem como o ensinamento do notável PEDRO LESSA, em sua festejada obra, no sentido de que: ‘Se uma agressão contra a pessoa ou contra a propriedade foi conhecida e anunciada com tal antecedência e visos de certeza de que a polícia administrativa deva e possa evitá-la, e não obstante, graças à inércia injustificável das autoridades, o atentado se realizar, animado ou auxiliado pela indiferença dos agentes da segurança pública, ao Estado incumbe indenizar o dano causado (...)’ (O Poder Judiciário, p. 170). Ingressando no direito administrativo, o Professor JOSÉ CRETELLA JÚNIOR doutrina que: “Não apenas a ação produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria administração. A omissão configura culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bônus pater familiae, nem como o bonus administrator. Foi negligente.

Às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental” (Tratado de Direito Administrativo, 1972, pág. 210). CAIO TÁCITO a seu turno doutrina que a inércia da autoridade pública é forma omissiva de abuso de poder (O Abuso de Poder Administrativo no Brasil, pág. 11), no que é acompanhado por HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 2004, pág. 76). MIGUEL MARIA SEABRA LOPES, mencionando doutrina francesa e inglesa, com autoridade, frisa que “quando a inércia da administração acarreta prejuízo ponderável para o administrado, dá lugar à reparação” (RDA, 57/58, pág. 13). Em tal diagrama, a quase incurável omissão do Estado é destacada pelo eminente Professor JUAREZ FREITAS, em recentíssimo estudo, no qual suscita que: “A doutrina da responsabilidade extracontratual do Estado precisa ser re-equacionada para, a um só tempo, incentivar o cumprimento dos deveres prestacionais e reparar os danos injustos gerados pela crônica omissão das autoridades públicas. Trata-se de duplo movimento, que pressupõe assimilar a proporcionalidade com proibição simultânea de excessos e de inoperância”. Linhas à frente, após sublinhar que a responsabilidade objetiva não significa que qualquer dano deve ser indenizado pelo Estado, arremata o insigne jurista que, in verbis: “Em última instância, não se admite o Estado arbitrário e excessivo. Tampouco o Estado descumpridor dos seus deveres, gravemente omisso. Quer-se, com o firme anelo, ver, sobretudo, os princípios da proporcionalidade e da responsabilidade compreendidos e aplicados, de maneira sistemática, justificada e consistente, a favor da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais”, frisando a final que “A omissão, em termos mediatos, carrega, por assim dizer, o frustrado “princípio ativo” do dever estatal não-cumprido. Desse modo, se se cuidar de inatividade determinada ou determinável, ensejadora do nexo causal direto – em razão do descumprimento de dever positivo -, o ônus da prova das excludentes incumbe às pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público, independentemente da indagação de culpa ou dolo, individual ou anônimo” (Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros Editores, 2006, pág. 171, 181 e 197, g.n.). Em idêntica linha vigorosa, doutrina o Professor AUGUSTO ZIMMERMAN que: “Nos dias de hoje, a questão da segurança pública adquire relevância sem precedentes em nosso país, diante do aumento vertiginoso da criminalidade, especialmente nos grandes centros urbanos... Na verdade, o imobilismo governamental beira a conivência para com os criminosos, tomando contornos visíveis em face da comparação com as inúmeras experiências bem-sucedidas no exterior...” (Curso de Direito Constitucional, Editora Lúmen Júris, 2002, 2ª ed., pág. 622, g.n.). Nessa digressão, crave-se que a copiosa omissão do Estado de São Paulo no gravíssimo episódio da tomada da Capital pela conhecida facção criminosa representa, além de tudo, a quebra do princípio da precaução, o qual é elementar à expectativa mínima do administrado, daí propagando-se com maior envergadura o nexo causal que interliga o referido não agir do agente político ao dano experimentado no caso em tela. Exatamente assim, não é demais recordar que “o Poder Público está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais” (cf. Juarez de Freitas, ob. Cit., pág. 176), entre os quais está o direito do administrado de não ver sua propriedade destruída pelo crime organizado, máxime se este cresce aos olhos estatais e avisa que vai atacar.

Assim sendo, tanto o cidadão, quanto a empresa privada são credores do Estado de uma razoável segurança pública. Têm, portanto, que merecer a concreta realização da garantia à segurança pública. Nessa medida, tendo havido violação dessa garantia constitucional por real omissão estatal, cabe ao Estado indenizar o particular que sofreu prejuízo proporcional à sua incúria, máxime porque o dano está na exata linha de desdobramento causal da apontada omissão. Outrossim, não se quer que o Estado ofereça uma segurança pública tal que aniquile a liberdade do homem, mas também não se pode esperar um Estado de não-segurança, vez que esta faz imperar o caos, a terra sem dono. Nessa hora, deve atuar o princípio da proporcionalidade, a fim de que haja a exata equação, incumbindo ao poder público provar que obrara bem e à luz das circunstâncias que se faziam presentes, o que não adviera. Se, como ocorre, não há nenhuma revelação de ação positiva do Estado, nem tampouco justificativa para a eventual impossibilidade material no cumprimento do dever constitucional (a denominada reserva do possível), deve incidir o princípio da proporcionalidade para cominar que o não fazer do Estado é injurídico e a sanção dele decorrente é reparar proporcionalmente o prejuízo experimentado pelo particular. Em tal espaço, é inaplicável a referida doutrina da “reserva do possível” (AgR-RE 410.715/SP, Ministro CELSO DE MELLO, págs. 10/11 do seu voto), porquanto não cabe aludir à necessária fonte de custeio para fazer frente à política de segurança pública, máxime porque a defesa da paz social está em uma das frentes elementares da cidadania inerente ao Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, e inciso II, da CF).

Em igualdade, frise-se não se responsabiliza, aqui, o Estado por má gestão. Sua responsabilidade decorre, na verdade, do não cumprimento das chamadas “normas-fim, normas-tarefa, normas-programa” que “impõe uma atividade e dirigem materialmente à concretização constitucional”, conforme frisa o constitucionalista português J. J. GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional, Coimbra, 1992, Almedina, pág. 189). Nesses moldes, não havendo nenhuma concausa concorrente e observando-se que os danos suportados pela autora estão interligados à omissão do Estado em não evitar o evitável episódio negro de domínio da liberdade humana pela onda imposta pela organização criminosa, é constitucionalmente adequado o êxito da ação. Noutro ponto, suscita séria dúvida admitir-se uma interpretação que limite o dever de ressarcir do Estado, vez que tal implicaria na inutilidade da Lei Fundamental, sendo certo que o dever de reparar não deve ser confundido com a batida tese de que o Estado não é um segurador universal, vez que a hipótese é de ressarcir dano que possui inteiro nexo de causalidade com o não fazer, com a omissão deplorável do agente político e com a inadmissível passividade do Estado. Por isso, a dimensão da responsabilidade civil que se apresenta é única e exclusiva do Estado de São Paulo, o qual deixou de cumprir um dever funcional, concretamente voltado à sua basal missão de garantir a ordem e a segurança pública, o que, naquela ocasião, implicava em travar a subversão liderada pelo crime organizado, o que era premente e do conhecimento do administrador público. O desmazelo estatal foi gravíssimo. Não encontra paradigma nenhum na vida de São Paulo. Triste página. Mesmo lembrando-se que vivemos uma sociedade de risco, uma vez configurada a antijuridicidade (ação ou omissão anômala e desproporcional do ente estatal) haverá, como há, o nexo causal e o dever de indenizar, não havendo que se indagar sobre a culpa deste ou daquele agente político, máxime porque a raiz de tudo parece estar no massacre do Carandiru, de 1992, conforme escreve a jornalista FÁTIMA SOUZA, em livro surpreendente e que levara sua autora a prestar informações na CPI do sistema carcerário[1], em Fevereiro do ano em curso (PCC A FACÇÃO, Editora Record, 2007, pág. 283). Na falta de providência enérgica do Estado, estivemos no dia 15/05/2006 sem incolumidade pública de vida e patrimônio, sendo certo que a reincidência pelo percurso dos meses até o mês de agosto apenas eleva o não cumprimento eficiente do apontado dever constitucional. Dos precedentes jurisprudenciais do STF e do Tribunal de Justiça de São Paulo O Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, há mais de cinqüenta anos, no caso de que dada à exaltação popular despertada pelo torpedeamento de navios nossos por submarinos alemães, tudo indicava que os bens dos simpatizantes do Eixo Roma-Berlim seriam atacados e depredados a qualquer momento, reconhecendo, então, a Corte Suprema que “a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de reconhecer a responsabilidade do Estado pelos danos oriundos de motins ou arruaças, desde que as autoridades ou seus agentes não tenham empregado a diligência necessária para evitar tais danos” (RE nº 21.866/PA, Rel. Ministro ROCHA LAGÔA, julgamento de 14/10/1956). Outrossim, os fatos ocorridos em 15 de Maio de 2006, bem como aqueles praticados nos primeiros dias de Agosto do mesmo ano, mais se aproximam de atos de guerra civil[1], os quais também obrigariam o Estado a indenizar o particular atingido, conforme o Colendo STF igualmente decidira no RE 12.973, Rel. Ministro LAFAYETTE DE ANDRADA, julgamento de 01/06/1950, também em caso de anunciada perspectiva de lesão à segurança pública. Mais recentemente, em duas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal admitiu a responsabilidade objetiva por omissão, frisando que quando sobrevém dano sobre propriedade particular, por invasores, omitindo-se o Estado no cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel invadido, deve o Estado reparar o prejuízo então suportado (RE 282.989/PR, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 13/9/2002, pág. 85), o que também divisa a viabilidade objetiva da responsabilidade objetiva diante de omissão específica. Em seguida, no julgamento de 07/03/2006, no RE 409.203-4/RGS (Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA), a Suprema Corte também determinara a responsabilidade do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave e evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Com efeito, marque-se que são de responsabilidade objetiva os casos de movimentos semelhantes aos multitudinários[1], nos quais na multidão não se vê o homem que pratica o ilícito civil, administrativo e penal, mas sim um grupo que tem como interesse convergente o intento de praticar o terrorismo, Em circunstância comparativa, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já fixara que: “A Polícia é uma entidade, uma organização do serviço público do Estado e suas dependências não podem ser consideradas como estanques de modo que uma ignore o que se faz na outra ou desconheça o que ali se passa. Fosse assim, a ordem pública teria reduzido de muito suas garantias e o sossego da população estaria sujeito a uma burocracia intolerável” (RJTJESP, 20/125). “Desde que o Estado falhe em sua missão de garantir a propriedade particular, não empregando os meios a seu alcance para obstar os assaltos do povo, torna-se, por omissão, responsável pelos danos causados (Hipótese de depredação de Jornal, RT 178/123, g.n. ). “Responsabilidade civil do Estado - Depredação de estabelecimento comercial durante manifestação popular - Omissão do Estado em seus deveres de prevenção, na segurança e repressão à desordem - Danos demonstrados, inclusive lucros cessantes - Correção monetária desde o evento - Procedência ( 4ª Câm. Civ. Do TJ - SP, Ap. Cív. 87. 296 - 1 -SP, j. em 18.06.1987).” “Responsabilidade civil do Estado - Banca de jornais destruída em incêndio provocado por ato terrorista - Ameaças anteriores, por escrito, levadas à polícia - Falha no serviço de garantir a segurança pública, nestas circunstâncias - Indenização ampla dos danos emergentes e dos lucros cessantes - Procedência (8ª Câm. Civil do TJ - SP - Ap. Cív. 52.569-1- SP, j. em 27.02.1985).”

Além desses julgados, sem prejuízo do V. Acórdão anterior à Constituição Federal de 1946, referente à responsabilidade do Estado pelos danos causados durante a Revolução de 1930 (RDA 5/155), citem-se os arestos que reconhecem que se restar provado que o Poder Público omitiu providências a seu alcance para evitar dano, o Estado é responsável por depredações causadas a particulares em movimentos revolucionários (STF, em RDA 7/111), destacando-se que “se a omissão é causa do dano, o Estado responde patrimonialmente (TJ SP, em RDA 49/198)”. Nessa medida, repita-se que em situações tais, portanto, cabe ao Poder Público fazer a prova da eficiência (mínima, média e quiçá máxima) da garantia fundamental de segurança prestada à população (art. 144 da CF), tal e qual o comando imperativo do art. 37, caput, da Lei Fundamental, o que está deserto nos autos. Por outro lado, não se avizinha culpa exclusiva de Himalia Transportes Ltda. Não existe, igualmente, nem mesmo um indício que revele que a autora tenha criado, concorrentemente, uma situação de perigo abstrato, mormente em razão da infeliz peculiaridade em que se efetivara o incêndio de seus ônibus coletivos (cf.os documentos, laudos e fotografias que instruem a inicial – fls. 69/103, 1º Volume) e não contrariadas pela Fazenda Estadual. Marque-se, nesse ponto, que a autora tinha o dever legal de lançar seus coletivos na via pública, vez que é prestadora de serviço público essencial, o qual tem a marca da essencialidade e da continuidade. Nesse sentido, o balanço dos fatos notórios e da prova produzida é conclusivo, no sentido da incúria da ré, sendo certo que nada nos autos impõe convicção diferente, marcando-se que o gigantismo dos problemas do Estado de São Paulo, ao contrário de representar qualquer alforria, na verdade sublinha e aprofunda o quilate do zelo cabente ao administrador público. Além disso, não se encontra nenhuma evidência razoável que fosse capaz de aliviar a omissão da autoridade pública, sobretudo porque a Constituição Federal deve produzir obrigação inafastável do administrador público, o qual deve cumprir seus princípios, ou ao menos mostrar à população, em prestação de contas que é devida à sociedade civil, que realizara tudo o quanto era possível para reverter o quadro que se fazia presente.

A esse propósito, crave-se que a Constituição Federal é muito mais que um documento legal de um dado momento histórico e de um determinado povo. É um documento que possui um dilatado significado ideológico, antropológico, político, cultural e de Justiça Social, dentro do qual é possível localizar tanto o que nós somos enquanto sociedade, como o que nós queremos ser. Por isso, ainda dentro dos valores inseridos nos princípios constitucionais, GOMES CANOTILHO, pontua que “o direito do Estado do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um direito de princípios” [1], o que deve nortear o intérprete[1]. Nesse sentido, acrescente-se que a reflexão realizada pela Professora portuguesa SANDRA MARTINHO RODRIGUES[1], dentro da abordagem do pensamento de RONALD DWORKIN, norte-americano autor da teoria do ‘Direito como integridade’, afirma que deve haver uma convocação dos princípios para a determinação de seu conteúdo e aplicação ao caso concreto, conclusão coesa que se afina com as respostas clamadas pelo atual momento histórico e leva à idéia de que o reforço social do papel do juiz não deve causar repulsa a ninguém. Nesse norte, a Constituição não pode representar um museu de princípios, consoante registra o eminente Ministro LUIZ FUX (REsp 771616/RJ), ao grafar que: “A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana”. Por tudo isso, quer pela responsabilidade objetiva, quer porque evidenciada a falta na prestação do fundamental serviço de segurança pública, é imperativo que o Estado de São Paulo indenize o particular atingido pela onda de crimes que se abrigara sobre tanta gente naquele outono de 2006, o que, à última medida, faz-se por força do princípio da solidariedade social dos encargos.

A solidariedade social dos encargos caminha com o princípio da isonomia, o que Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL também fixara no sentido de que “sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais” (RE 113587/SP, Relator Ministro CARLOS VELLOSO). Em igualdade, o eminente Ministro CELSO DE MELLO, escreve que, in verbis: "A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417)." (RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96). Por essa lente, fixe-se que o dever de reparar possui, em verdade, conotação de compartilhamento do ônus de viver na sociedade organizada. Tem caráter pedagógico e preventivo e indeniza o mal individual causado por uma ação estatal socialmente legítima, ou não. Tem ainda uma expressão de servir de exemplo (exemplary or punitive damages, cf. AI 455.846, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 21/10/04) Por isso, “a conquista da responsabilidade objetiva do Estado, quer por atos comissivos, quer por atos omissivos, não pode ser deixada de lado. A vulnerabilidade da parte mais fraca é reconhecimento da cidadania e concretizante do princípio da igualdade material” (AUGUSTO VINÍCUIS FONSECA E SILVA, Responsabilidade Objetiva do Estado por omissão, CEJ, n.25, pag. 9). É a resposta de justiça social (art. 3º,I, CF) e da responsabilidade objetiva do artigo 37, § 6º, da CF. É ainda a invocação da igualdade relativa na repartição dos encargos sociais, a qual não indica nenhum absolutismo do risco administrativo, não convertendo-o em teoria do risco integral, como alguns poderiam querer entender. De rigor, portanto, o dever de indenizar. Por outro lado, repita-se que não há nenhuma prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo ao direito público subjetivo da autora, como cabia à ré trazer aos autos (art. 333, II, do CPC), resumindo-se a tese da Fazenda Estadual à mera alegação, daí sua ineficácia à verdade substancial.

A inoperância estatal não pode ser aceitável sem o mínimo de resposta tributária de uma sociedade democrática que tantos tributos paga a esse Estado não reagente. A tese da constituição do possível é inaplicável à particularidade dos autos, vez que tal importaria em solução transversa para o dever de reparar, ao lado de representar negativa de vigência da Lei Fundamental. Por último, não existe causalidade múltipla. A causa da tragédia social vivida de maio a agosto de 2006 é uma só: A omissão do Estado de São Paulo, a qual está em não controlar o cárcere com inteligência e seriedade, detalhe que é truísmo e que maltrata a todos. Marque-se que o Estado de Direito também endossa que em situações tais deve haver responsabilidade da pessoa jurídica de direito público. A técnica da responsabilização é porto resultante da inatividade do Estado de São Paulo na adoção de medidas de prevenção que despontavam como inadiáveis, o que se mostrava transparente por força dos próprios fatos apurados à época e retratados linhas atrás, recordando-se que a partir do Estado Democrático de Direito o homem passa a ter “não só direitos privados, mas também direito públicos”, vez que o Estado de Direito é o “Estado dos cidadãos” (não de súditos), de modo que a real cidadania transpassa os limites do Estado-Nação, conforme escreve o saudoso NORBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, RJ, Campus, 1992, pág. 61). Com essas ressalvas, é justa e constitucionalmente adequada a procedência da ação, sendo certo que a autora também foi vítima em sua boa-fé objetiva, vez que atingida na crença da firme competência do Estado. Resta ao Estado, em tese, proceder ao seqüestro dos bens sem origem legal e pertencentes àqueles que participaram da aludida facção criminosa. Dispositivo Em harmonia com o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a pagar à pessoa jurídica de direito privado Himalaia Transportes Ltda. a quantia correspondente aos danos materiais que atingiram vinte e um de seus coletivos, sendo certo que a autora formulara pedido abstrato, de sorte que o montante da indenização será apurado mediante liquidação da sentença, na forma do art. 475-C, inciso II, do CPC, marcando-se que a jurisprudência anterior já decidira que em situações desse jaez deve haver o arbitramento (REsp 136.588-RJ, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER; REsp 291.915-DF, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JR). Nessa medida, o valor dos danos comprovados será objeto de perícia (art. 475-D do CPC), a qual incidirá sobre os coletivos incinerados, furtados e descritos na inicial (fls. 66 e fls. 67 a 254, 2º Volume), sem prejuízo da apuração dos lucros cessantes decorrentes do sinistro, fluindo a correção monetária e juros moratórios, desde o evento (Súmulas 43 e 54 do STJ), estes calculados à taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, na forma do artigo 406 do CC. A vencida arcará com as custas e verba honorária devida a seu patrono, a qual arbitro em 10% sobre o total que restar apurado. Em razão da ausência de elementos que permitam estimar o montante da condenação, para fins de preparo, fixo o valor dado à causa, o qual, em tese, revela sua expressão econômica e, na peculiaridade dos autos, não foi impugnado pela ré. Ao reexame necessário.

P.R.I. São Paulo, 19 de Junho de 2.008.

RÔMOLO RUSSO JUNIOR
Juiz de Direito

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