Nesta quarta-feira, 6, STF declarou, por maioria, a constitucionalidade da EC 19/98, que flexibilizou o regime jurídico único dos servidores públicos, possibilitando a contratação pela modalidade CLT. Ficou vencida a relatora, ministra Cármen Lúcia e os ministros Edson Fachin e Luiz Fux.
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O tribunal, considerando o extenso período transcorrido desde a concessão da medida cautelar pela relatora, que suspendia a emenda, decidiu que a eficácia da decisão será ex nunc — isto é, válida apenas a partir deste momento —, visando garantir a segurança jurídica e preservar o interesse social.
Adicionalmente, foi determinada a vedação de mudanças de regime para os servidores atuais, visando evitar possíveis complicações administrativas e previdenciárias.
Regime Jurídico Único
Criado pela Constituição de 1988 (art. 39), o regime jurídico único previa a unificação da forma de contratação e o tratamento jurídico dos servidores públicos, conferindo-lhes, geralmente, estabilidade no cargo após período probatório, além de direitos específicos, como aposentadoria diferenciada e garantias de permanência no serviço público.
Ele padronizava as relações de trabalho dos servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas, diferenciando-os dos trabalhadores do setor privado, que seguem a CLT.
A EC 19/98 flexibilizou essa regra, permitindo que servidores públicos sejam contratados tanto pelo regime estatutário (próprio dos servidores públicos) quanto pelo regime celetista (da iniciativa privada). Ela criou conselhos de política de administração e remuneração de pessoal, compostos por servidores designados pelos respectivos Poderes.
Caso
Os partidos PT e PDT ajuizaram ação no STF argumentando que a emenda foi aprovada sem o devido processo legislativo, violando o princípio da igualdade ao diferenciar a forma de contratação dos servidores.
Em 2007, o STF suspendeu os efeitos da EC 19, restabelecendo o regime jurídico único para servidores da administração direta, autarquias e fundações.
Voto da relatora
Em 2021, ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, votou contra a norma impugnada, seguindo a decisão do STF de 2007.
S. Exa. ressaltou que houve irregularidades graves no processo legislativo que alterou o regime jurídico dos servidores públicos. Apontou que, apesar de a proposta ter sido rejeitada no primeiro turno de votação na Câmara dos Deputados, ela foi reintroduzida em um segundo turno, prática que ela classificou como uma "manobra" para burlar as exigências constitucionais.
A ministra destacou que a emenda não atingiu o quórum de 3/5 dos votos, necessário para aprovações desse tipo. Para Cármen Lúcia, a reintrodução da proposta, após sua rejeição inicial, violou o processo formal de reforma constitucional, em clara afronta à decisão do plenário da Câmara no primeiro turno. Além disso, a CF veda a reavaliação de matérias rejeitadas ou prejudicadas na mesma sessão legislativa, norma que também foi descumprida.
Cármen relembrou que o processo foi iniciado no STF em 2000, e a decisão cautelar só veio em 2007, após seis anos e quatro pedidos de vista. O Supremo, na época, suspendeu os efeitos da emenda e restabeleceu o regime jurídico único para os servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas.
Nesse sentido, votou pela inconstitucionalidade formal da norma.
- Veja o voto da relatora.
Na tarde desta quarta-feira, 6, ministro Edson Fachin acompanhou a relatora, afirmando que o rito constitucional para votações dessa natureza não é uma questão interna do Legislativo.
Destacou a relevância e gravidade da questão, que envolve a manutenção do RJU no serviço público e a possibilidade de contratos sem regras estatutárias.
Segundo Fachin, a ação inicial alega incompatibilidade com dois dispositivos constitucionais específicos (§2º e §4º do art. 60 da CF), caracterizando o tema como constitucional e não meramente regimental.
Ministro Luiz Fux também acompanhou a relatora.
Divergência
Ministro Gilmar Mendes entendeu que o Legislativo apreciou a demanda nas respectivas Casas, com as devidas fases. Dessa forma, como os procedimentos foram seguidos e apreciados pelo Poder Legislativo, a norma não poderia ser considerada inconstitucional, como forma de "autocontenção" do Judiciário.
O ministro afirmou, ao votar, que o processo legislativo seguiu etapas necessárias e que a alteração no caput do art. 39 não violou a CF. Para o decano da Corte, a transposição do texto do § 2º para o caput do art. 39, após a deliberação do Parlamento, foi uma questão de ajuste redacional e não uma modificação de mérito, pois o § 2º já havia sido aprovado com o quórum exigido de três quintos em dois turnos.
O ministro também abordou a autonomia das Casas Legislativas e a doutrina, segundo a qual o Legislativo é soberano para interpretar e aplicar seus regimentos. Citou o princípio de interna corporis, que impede a interferência do Poder Judiciário em questões internas do Legislativo, especialmente em relação à interpretação regimental.
Nesse sentido, argumentou que a aprovação da redação final pela Comissão Especial e pelo Plenário da Câmara dos Deputados respeitou as normas e não justificaria intervenção judicial.
Ao votar pela improcedência da ação, o ministro considerou que, devido ao longo período de vigência da medida cautelar na ADIn, seria necessário preservar a segurança jurídica. Para isso, propôs modulação dos efeitos da decisão, atribuindo-lhe eficácia ex nunc.
Dessa forma, segundo o ministro, evita-se o retrocesso em relação aos atos praticados com base na legislação vigente e impede-se a transformação retroativa dos regimes dos servidores, evitando “tumultos administrativos e previdenciários” e garantindo a continuidade do regime atual até que haja nova deliberação legislativa.
- Veja a íntegra do voto.
Com a divergência
Nesta quarta-feira, 6, ao votar, ministro Nunes Marques acompanhou a divergência para afastar a inconstitucionalidade formal, destacando que o processo legislativo foi conduzido conforme o regimento interno da casa legislativa e dentro dos debates apropriados.
Segundo o ministro, o Judiciário não deve interferir em questões relacionadas ao procedimento interno do Legislativo, pois isso envolve atos típicos da atividade legislativa e respeita a autonomia entre os poderes.
No mesmo sentido votou ministro Flávio Dino. Entendeu que a análise dos efeitos de "destaque de votação em separado", de natureza exclusivamente regimental, não gera matéria passível de controle de constitucionalidade. Para S. Exa., esse tipo de questão pertence ao campo regimental e não cabe ao Judiciário avaliá-la do ponto de vista constitucional.
Ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso também acompanharam a divergência.
- Processo: ADIn 2.135