Nesta terça-feira, 15, a 3ª turma do STJ iniciou julgamento a respeito de contagem de prazo prescricional para a reparação de danos a terceiros em caso envolvendo cartel no mercado de laranjas destinadas à produção de suco congelado.
O caso envolve empresas do setor citrícola que, em 2006, foram investigadas na Operação Fanta por suspeita de práticas anticoncorrenciais através da formação de cartel.
O que é cartel?
Trata-se de acordo ilícito entre empresas concorrentes que, em vez de competirem de forma justa no mercado, combinam ações para manipular preços, limitar a oferta de produtos ou serviços, dividir mercados ou clientes e adotar outras práticas que distorcem a livre concorrência.
Um produtor de laranjas, que comercializava com essas empresas, ajuizou, em 2019, ação de reparação de danos alegando ter sofrido prejuízos devido a essas práticas.
Em 1ª instância, o pedido foi considerado prescrito pelo juízo da vara de Tanabi/SP.
O magistrado entendeu que o prazo de prescrição, previsto no art. 206, §3º, V, do CC, de três anos, deveria começar a contar a partir do momento em que o produtor tomou conhecimento dos fatos que poderiam ter causado os danos, o que teria ocorrido com a ampla divulgação da Operação Fanta na mídia, em 2006.
O autor, então, recorreu ao TJ/SP, sustentando que o início da contagem do prazo prescricional deveria ser a partir da decisão final do Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em 2018, que homologou TCC - termo de compromisso de cessação da prática anticoncorrencial.
Por maioria de votos, o TJ/SP acolheu o pedido do produtor e reformou a decisão de 1ª instância. Para o colegiado, o início do prazo para o pedido de reparação civil ocorreu após o término do procedimento administrativo do Cade, em 2018, e não no momento da operação policial em 2006.
A Corte bandeirante destacou que, apesar da ampla divulgação da Operação Fanta, somente com a decisão administrativa foi possível determinar a extensão dos danos e identificar os responsáveis pelas práticas ilícitas.
Diante dessa decisão, a fabricante de suco recorreu ao STJ.
Defesa do produtor
O advogado Eduardo Lycurgo Leite, que representou o produtor rural, iniciou sua sustentação no STJ afirmando que o recurso da empresa recorrente não deveria ser sequer admitido, por esbarrar no impedimento estabelecido pela súmula 7 do STJ, que impede o revolvimento de matéria fática em sede de recurso especial.
Segundo o advogado, o acórdão do TJ/SP afastou a prescrição com base nas peculiaridades do caso concreto, em especial a complexidade e a confidencialidade comumente atribuídas às investigações de práticas anticoncorrenciais. Ele destacou que, para que a decisão do TJ/SP fosse reformada, seria necessário reanalisar as peculiaridades do caso, o que demandaria a revisão de fatos e provas.
Na hipótese de afastamento da súmula, o advogado defendeu o não provimento do recurso, reforçando que seria impossível para o produtor confirmar a existência de violação ao direito da concorrência enquanto o procedimento administrativo ainda tramitava no Cade. Até porque, as investigações conduzidas pelo conselhos são sigilosas e cartéis não são práticas óbvias.
Assim, somente a partir da decisão do Cade, com a produção de prova concreta e a definição dos efeitos da prática anticoncorrencial, que se poderia falar em lesão aos interesses de terceiros, iniciando-se, então, a contagem do prazo prescricional.
Defesa da empresa
Em sustentação oral, o advogado Nelson Nery Jr., do escritório de advocacia Nery Advogados, representando a empresa, defendeu a manutenção da jurisprudência do STJ.
Segundo o causídico, o REsp 1.971.316, julgado em 2022 pela 4ª turma da Corte, examinou de forma abrangente os elementos de investigações do Cade e a questão da prescrição no contexto de ações de reparação de danos.
375989
Salientou que o acórdão foi fundamental para definir que o Cade não constatou a formação de cartel no caso em questão e também para esclarecer o marco inicial da contagem do prazo prescricional de três anos para ações de reparação de danos.
Ademais, constatou que embora a legislação do Cade tenha sido modificada para estabelecer um prazo de 5 anos, tal alteração não se aplicaria ao caso, pois os fatos em análise ocorreram antes da mudança legislativa.
Nelson Nery Jr. reforçou que a ação foi proposta em 2019, já fora do prazo trienal e, portanto, o direito do autor já estaria prescrito.
Amicus Curiae
O advogado Rafael Zabaglia, do escritório de advocacia Levy e Salomão Advogados, manifestou-se em nome do amicus curiae Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Bebedouro/SP.
Em sua fala, alertou que a decisão do STJ terá grande impacto, afetando não apenas outras ações movidas por citricultores, mas também outros ramos da agropecuária brasileira que apresentam estruturas semelhantes. Entre esses ramos, destacou o setor de cana-de-açúcar, no qual pequenos produtores vendem sua produção para empresas maiores.
Afirmou que desde 2013, o Cade implementou o sistema de TCC e de acordos de leniência, que exigem, expressamente, o reconhecimento, por parte dos signatários, da participação na conduta investigada.
No caso do Cartel da Laranja, o causídico ressaltou que apenas 10 anos depois do início da investigação, em 2006, as empresas assinaram os acordos confirmando a prática.
Ainda, que, se em 2007, ou 2008, algum citricultor tivesse ajuizado ação buscando indenização por danos causados pelo cartel, essa demanda teria sido indeferida ou julgada improcedente por ser prematura.
Isso porque, naquele momento, ainda não havia comprovação clara da prática ilícita nem da extensão dos danos, o que apenas se consolidou com a conclusão do processo administrativo.
Diante disso, reafirmou que a decisão do STJ representa oportunidade crucial para salvaguardar ou colocar em risco o sistema brasileiro de defesa da concorrência e o programa de leniência e TCCs do Cade.
Voto da relatora
Ministra Nancy Andrighi, relatora da ação, destacou que a pretensão reparatória por danos concorrenciais pode ser exercida mediante duas modalidades de ações: follow on e stand alone. Essas ações se distinguem em função da atuação do órgão administrativo especializado, que, nesse caso, é o Cade.
A ministra explicou que, quando a alegação de violação a normas econômicas depende de uma decisão do Cade, a ação é classificada como follow on.
Por outro lado, no caso de ações stand alone, a ilicitude não foi apreciada pelo órgão administrativo e as práticas ilícitas são descobertas e levadas ao Judiciário diretamente pelas vítimas.
Veja o voto da relatora:
Segundo a relatora, tal distinção impacta diretamente o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Isso porque, nas ações follow on, o prazo de prescrição começa a contar a partir da decisão final condenatória do Cade, momento em que o indivíduo tem ciência da violação de seu direito e de sua extensão.
Já nas ações stand alone, a contagem do prazo prescricional exige exame caso a caso, determinando o momento em que o titular do direito tomou ciência efetiva da violação, uma vez que não há interferência do Cade ou uma decisão condenatória resultante da homologação de um TCC, que reconheça a prática ilícita.
No julgamento em questão, a ministra classificou a ação como stand alone, uma vez que não houve assunção explícita da prática ilícita pelo Cade.
Diante disso, concluiu que deveria ser restabelecida a sentença que declarou a prescrição da pretensão do autor, pois a ciência inequívoca da violação de seu direito ocorreu com a ampla divulgação da Operação Fanta em 2006, e a ação foi ajuizada somente em 2019, ultrapassando o prazo prescricional.
Por fim, a ministra votou pelo conhecimento e provimento do recurso especial, a fim de reformar o acórdão do TJ/SP e restabelecer a sentença que extinguiu o processo com resolução de mérito em razão da prescrição.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
- Processo: REsp 2.133.992