Nesta quinta-feira, 10, STF começou a julgar quatro ações que questionam resolução do CNJ que instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário.
Entre as medidas previstas estão o fechamento dos manicômios judiciários e a transferência de internos para atendimento nos Caps - centros de atenção psicossocial do SUS.
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A sessão foi destinada à leitura do relatório, oitiva das partes e dos amici curiae. A discussão de mérito será realizada em outra oportunidade, para que os ministros tenham mais tempo refletir após as sustentações apresentadas.
Casos
As ações foram ajuizadas pelo partido Podemos, pela Associação Brasileira de Psiquiatria, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pelo partido União Brasil e contam com relatoria do ministro Edson Fachin.
Os autores alegam que, ao editar a resolução 487/23, o CNJ teria extrapolado atribuições, já que as diretrizes alteram a aplicação de normas do CP, como a previsão de medida de segurança de internação (art. 96, I) e a exigência de perícia médica psiquiátrica para avaliação e modificação dessa medida, o que só poderia ser feito por meio de lei Federal.
Também alegam que a implementação da resolução privaria as pessoas que precisam ser internadas em estabelecimentos médicos psiquiátricos do direito de restaurar a saúde mental.
Os autores das ações apresentam, ainda, nota de entidades médicas afirmando que a norma possibilitaria a soltura de pessoas sem condições de conviver em sociedade, violando o direito à segurança pública, à proteção da família, da criança e do adolescente.
Outro argumento é o de que o fim dos estabelecimentos manicomiais atingiria direitos fundamentais das pessoas presas e submetidas a medidas de segurança, contrariando os parâmetros estabelecidos pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Também alegam que o número de Caps e de unidades e profissionais especializados em saúde mental seria insuficiente para atendimento da demanda atual de pacientes de saúde mental, situação que seria agravada com a implementação da resolução.
Inconstitucionalidade
A advogada Ana Paula Trento, representante do partido Podemos, que ajuizou a ADIn 7.389, argumentou que a política antimanicomial deve estar em conformidade com direitos fundamentais, especialmente daqueles que sofrem de transtornos mentais ou deficiência psicossocial.
Alertou para os riscos de desassistência aos pacientes, ressaltando que muitos dos internados, por incapacidade de compreender o caráter ilícito de seus atos, acabam cometendo crimes.
Segundo a causídica, se a resolução do CNJ for mantida, essas pessoas poderão cometer novos crimes. Sustentou que as famílias dos internados não têm condições de acolher adequadamente aqueles que já cometeram crimes, e em certos casos, o tratamento exige internação e isolamento, sob risco de comprometer a segurança de outros usuários do SUS.
A advogada também destacou que a resolução carece de mecanismos de transição e reinserção familiar para esses indivíduos, que, em muitas situações, são temidos pelos próprios parentes.
Além disso, defendeu que a resolução não tem força normativa para revogar o CP e que não deve interferir na individualização das medidas de segurança. Concluiu dizendo que o CNJ não pode ignorar as opiniões da comunidade médica.
O advogado Marcel Chaves Ferreira, representante da ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria, argumentou que a resolução do CNJ fere uma série de normas legais, incluindo o CP, o CPP, a LEP e a lei 10.216/01, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.
Ferreira revisitou o emblemático caso do cartunista Glauco, assassinado por um homem que alegava ser Jesus.
O agressor, diagnosticado como esquizofrênico e considerado inimputável, foi inicialmente internado, mas posteriormente transferido para tratamento em liberdade.
Em setembro de 2014, o mesmo agressor foi preso novamente e condenado a 61 anos de prisão pelo assassinato de outras duas pessoas. O caso foi citado para ilustrar as consequências de conceder liberdade a indivíduos sem condições de ressocialização antes de receberem um tratamento eficaz e uma avaliação técnica por equipes especializadas.
O representante da ABP criticou a resolução do CNJ por invadir a competência dos ministérios da Saúde e da Justiça, desconsiderando a complexidade do tratamento dessas pessoas e a necessidade de políticas públicas adequadas para saúde mental.
Destacou que a resolução altera procedimentos legais, trazendo o risco de desassistência à população mais vulnerável. Também ressaltou que a medida infringe tratados e pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Além disso, alertou para a insuficiência de leitos e de profissionais capacitados nos hospitais gerais, onde, segundo a proposta, os atendimentos seriam realizados pela Raps - Rede de Atenção Psicossocial Caps. Ele argumentou que a estrutura atual não tem capacidade para oferecer o melhor tratamento aos pacientes, resultando em desproteção que contraria os compromissos assumidos pelo Brasil no cenário internacional.
O advogado Aristides Junqueira Alvarenga, da banca Aristides Junqueira Advogados Associados S/S, representando o Conamp - Associação Nacional dos Membros do MP, em sua sustentação, autor da ADIn 7.566, afirmou que a resolução do CNJ padece de inconstitucionalidade formal e material.
Segundo o causídico, tudo o que a resolução pretende regulamentar deveria ser disciplinado pelo Legislativo e pelo Executivo, e não pelo CNJ. Ressaltou que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vinculado ao ministério da Justiça, é a instância adequada para tratar dessas questões.
Também destacou que a resolução do CNJ revoga dispositivos do CP. Lembrou que não é a primeira vez que uma medida semelhante é discutida, mencionando a resolução 113/10, publicada quando Gilmar Mendes era presidente do CNJ.
Essa resolução, segundo Alvarenga, não feriu dispositivos legais nem legislou sobre matéria processual penal. Ele frisou que, naquela época, a preocupação com a execução de medidas de segurança já estava presente nos considerandos da resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Por fim, sugeriu que a meditação a respeito da atual resolução seja feita no órgão competente, ou seja, no Executivo, que já tem conhecimento de resoluções passadas sobre o tema.
Constitucionalidade
O advogado-geral da União, Livan Bispo dos Santos, defendeu a constitucionalidade da resolução do CNJ, argumentando que ela é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Afirmou que o CNJ tem legitimidade para editar atos regulamentares, conforme o art. 104, §4º, I da CF visando orientar o Judiciário. Assim, entende que não há violação de competência. Destacou que a resolução atualiza o ordenamento jurídico e está alinhada com a política antimanicomial vigente há mais de 20 anos.
Lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais que visam garantir tratamento mais digno para pessoas com transtornos mentais. Ele citou o caso Ximenes Lopes vs. Brasil, no qual o Estado brasileiro foi condenado pela CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos, e explicou que a resolução do CNJ representa avanço significativo no cumprimento dessa sentença.
Em defesa da eficácia da resolução, o advogado-geral da União apresentou dados que demonstram o impacto positivo da medida: desde sua edição em 2023, foram elaborados ou atualizados 2.521 projetos terapêuticos singulares, garantindo diagnóstico, tratamento e acompanhamento adequado para pacientes. Além disso, mais de 1.400 pessoas foram desinstitucionalizadas, com 80% delas retornando ao convívio familiar.
Por fim, destacou que a dignidade da pessoa humana e a cidadania devem nortear a atuação do Estado. Concluiu que a resolução evita a segregação, o isolamento e os maus-tratos aos pacientes, promovendo a reintegração dessas pessoas ao convívio social, onde podem exercer seus direitos e deveres em plenitude.
Também defendeu que a medida contribui para uma política de segurança pública mais eficiente e humana, ao reduzir a reincidência de crimes e garantir cuidados contínuos para as pessoas com transtornos mentais.
- Processos: ADIns 7.389, 7.454, 7.566 e ADPF 1.076.