Nesta quarta-feira, 11, a 1ª seção do STJ decidiu que é admissível o ajuizamento de ação rescisória com o objetivo de adequar sentenças transitadas em julgado à modulação de efeitos estabelecida pelo STF no Tema 69 de repercussão geral. Esse tema trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, impactando a forma como esses tributos são apurados.
A maioria dos ministros do STJ seguiu o voto do ministro Gurgel de Faria, que acompanhou a divergência do ministro Herman Benjamin, mas fez ressalvas quanto à ampliação das rescisórias para além da chamada "tese do século", relacionada à exclusão do ICMS. A tese fixada pelo colegiado foi de que, conforme o artigo 535, parágrafo 8º, do CPC, é admissível ação rescisória para adequar sentenças proferidas antes de 13 de maio de 2021 à modulação de efeitos do Tema 69, estabelecida pelo STF.
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Essa modulação foi determinada em 2021, quando o Supremo decidiu que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, definida com repercussão geral em 2017, teria efeitos apenas a partir da data da sessão que fixou a tese (15 de março de 2017). Ou seja, a decisão não teria retroatividade para alcançar períodos anteriores a esse marco.
Impactos da decisão e retroatividade das ações
O advogado Rodrigo Massud, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados, explicou que essa decisão do STJ afeta as sentenças transitadas em julgado de ações ajuizadas entre março de 2017 e maio de 2021, antes da modulação dos efeitos pelo STF. Para ele, a retroatividade dessas ações está em jogo, pois a modulação estipulada pelo Supremo impede que a exclusão do ICMS retroaja aos anos anteriores a 2017, restringindo a recuperação de valores aos cinco anos anteriores ao ajuizamento das ações.
“Isso vai impactar diretamente essas ações ao retroagir o marco temporal de recuperação dos indébitos, que foi fixado em 2017, data da modulação dos efeitos pelo STF”, apontou Massud. Ele ainda questionou a admissibilidade dessas rescisórias, afirmando que “é injusto adequar a coisa julgada a um julgamento posterior que sequer existia na época da sua formação”.
Constitucionalidade e questões em análise no STF
Outro ponto relevante é o questionamento sobre a constitucionalidade do parágrafo 8º do artigo 535 do CPC, que permite o ajuizamento dessas rescisórias. Massud ressaltou que essa questão ainda está em debate no STF, especialmente no Tema 725, onde o ministro Luiz Fux já manifestou seu entendimento pela inconstitucionalidade desse dispositivo. Ele também destacou que os ministros Gilmar Mendes e Fux levantaram essa questão nos Temas 881 e 885, além do Tema 100, todos relacionados à coisa julgada e sua adequação a novos entendimentos jurisprudenciais.
Segundo o advogado, esse dispositivo, incluído no CPC de 2015, ainda será submetido ao crivo do STF, com uma tendência forte de ser julgado inconstitucional ou, no mínimo, receber uma interpretação conforme a Constituição.
Prazo das rescisórias e risco de eternização das relações jurídicas
Outro ponto abordado por Massud foi o prazo para ajuizamento das ações rescisórias. O artigo 535 do CPC prevê dois anos a partir do precedente que motivou a rescisória. No entanto, essa interpretação pode gerar um risco de eternização das relações jurídicas, uma vez que o precedente pode surgir muito tempo após o trânsito em julgado da decisão original.
“Essa ação rescisória pode se tornar atemporal, sem prazo, o que gera uma insegurança jurídica", afirmou. O ministro Fux, ao analisar o Tema 725, sustentou que o prazo deveria ser contado a partir do trânsito em julgado da sentença original, e não do precedente posterior. Massud também ressaltou a importância de definir um limite para o ajuizamento dessas rescisórias, especialmente em casos de sentenças já em fase de cumprimento, com precatórios expedidos ou compensações realizadas.
Impacto nas compensações administrativas e novas demandas judiciais
A decisão do STJ também pode afetar as compensações administrativas já realizadas pelos contribuintes com base em sentenças transitadas em julgado. Massud destacou que a Receita Federal pode deixar de homologar automaticamente essas compensações, gerando uma série de novos questionamentos e demandas judiciais.
“A Receita pode não homologar as compensações com base nessas sentenças transitadas em julgado, o que pode gerar mais litígios para os contribuintes que já estão compensando administrativamente os indébitos”, disse. Ele também mencionou que algumas rescisórias foram ajuizadas depois do prazo de dois anos do trânsito em julgado, o que pode trazer ainda mais desdobramentos.
Teses filhotes e desdobramentos no STF
O advogado finalizou destacando que o julgamento no STJ não se encerra agora. “Esse julgamento vai gerar várias teses filhotes e novos embargos, e inevitavelmente isso será levado ao STF para uma apreciação mais clara dessas questões”, afirmou. Segundo ele, o tema ainda vai passar por uma série de discussões, tanto no STJ quanto no Supremo, especialmente quanto à constitucionalidade do dispositivo que permite as ações rescisórias e seus limites temporais.