A utilização, por qualquer ente estatal, de recursos públicos para promover comemorações alusivas ao Golpe de 1964 atenta contra a Constituição e consiste em ato lesivo ao patrimônio imaterial da União. Assim decidiu o plenário do STF, em julgamento concluído nesta sexta-feira, 6, em plenário virtual.
Os ministros, por maioria, seguiram o voto de Gilmar Mendes, para quem a CF “não admite o enaltecimento de golpes militares e iniciativas de subversão ilegítima da ordem”.
O caso
Os ministros analisaram um recurso apresentado pela deputada Natália Bonavides contra decisão do TRF-5 que negou seu pedido para proibir comemorações do golpe de 1964 pelo Poder Público.
A deputada havia obtido uma decisão favorável em 1º grau, quando ingressou com ação popular contra a Ordem do Dia Alusiva ao 31/3/64, publicada pelo Ministério da Defesa em 2020.
A referida ordem do dia descrevia o golpe de 1964 como "um marco para a democracia brasileira", afirmando que as Forças Armadas atuaram para "sustentar a democracia" naquele período.
Após reversão da decisão em 2º grau, o caso chegou ao Supremo.
Votos
O recursou começou a ser julgado em 2023, quando o relator, ministro Nunes Marques, votou por negar seguimento ao não visualizar questão constitucional com repercussão geral – ou seja, entendeu que o processo não deveria ser analisado pelo STF.
O decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, divergiu, reconhecendo a existência de repercussão geral.
Em seu voto, o ministro destacou que "a ordem democrática instituída em 1988 não admite o enaltecimento de golpes militares e iniciativas de subversão ilegítima da ordem".
"Agente algum, quando investido de função pública, está autorizado a se valer da estrutura estatal para propagar comunicação laudatória a golpe de estado ou iniciativas de subversão da ordem democrática."
Gilmar Mendes também citou os ataques do 8 de janeiro de 2023, dizendo que o episódio não será devidamente compreendido se dissociado do processo de retomada de protagonismo político das altas cúpulas militares, processo que "se inicia e se intensifica por meio de práticas como a edição da 'Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964' combatida nos presentes autos".
O decano disse ainda que a comunicação impugnada "veiculou conteúdo inequivocamente inverídico, na medida em que o próprio Estado brasileiro já promoveu, em mais de uma oportunidade, o reconhecimento de responsabilidade por diversas violações de direitos humanos durante o período autocrático falsamente caracterizado pela comunicação impugnada como 'democrático'".
Nesse contexto, considerou que a “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964” inequivocamente atentou contra a Constituição. Votou, portanto, por dar provimento ao recurso e restabelecer a sentença.
O voto divergente foi seguido por Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Ficaram vencidos, além do relator, Nunes Marques, os ministros Dias Toffoli e André Mendonça.
- Processo: RE 1.429.329
Leia o voto de Gilmar Mendes.
Acesse o voto de Nunes Marques.